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STEVIE J.

COLE
Disponibilização: Eva

Tradução: Stef

Revisão Inicial: Stef

Revisão Final: Rafa

Leitura Final: Miss Marple

Formatação: Keira

Julho/2019

STEVIE J. COLE
Sessenta e quatro dias em cativeiro. Sessenta e
quatro dias para se perder — ou se encontrar.

Eu sou Ava Donovan. Fui sequestrada aos dezenove


anos.

Dizem que sou uma sobrevivente, mas a verdade é


que eu só sobrevivi porque ele me salvou.

Mesmo quando me manteve trancada naquele


quarto, ele me salvou.

Constantemente se perguntar quando e como você


vai morrer, transforma você. Muda a sua mente.

Mas o que você faz quando acontece algo ao seu


coração?

O que você faz quando o homem que mantém você


em cativeiro parece ser tão quebrado quanto você, quando
sua mera presença se torna um conforto que você almeja
— quando você o ama, mesmo que não devesse?

Você sorri e diz a si mesma que está tudo bem,


porque o amor não tem moral.

Sessenta e quatro dias em cativeiro me deram um


amor que a maioria das pessoas nunca vai encontrar e
minha liberdade levou tudo embora.

STEVIE J. COLE
Prólogo

MAX

Lila está chorando.

Soluçando enquanto aquele homem amarra uma mordaça


em sua boca. Eu vejo o material cortando nas bochechas pálidas
da minha irmãzinha e não posso fazer nada. Minhas mãos
estão amarradas e estou preso à cadeira da sala de jantar. Meu
pai está apagado, preso por uma corda na cadeira na cabeceira
da mesa. Mamãe está na cadeira ao lado dele, amarrada e
amordaçada também. De alguma forma, esses quatro homens
driblaram o sistema de segurança, entrando sem o menor
barulho. Eu acordei com uma arma contra meu crânio e uma
mão enluvada sobre a minha boca.

“Acorde-o”, diz um dos homens.

O cara número dois vai até meu pai, batendo forte no rosto
dele. Meu pai se assusta, seus olhos se arregalam de medo. Seu
olhar percorre a sala enquanto observa sua família
capturada. Lágrimas brotam em seus olhos. Nunca vi meu pai
chorar. Nunca. “Ah, olhe, Frank”, os caras dizem. “Ele vai chorar
como uma menininha.”

“Agora, em que situação desagradável nós caímos aqui,


hein, Jacob?” O cara da frente, Frank, fala com o meu pai com
ódio em sua voz. “Tenho certeza que você sabe por que estou
aqui. Olho por olho e tudo mais.”

Meu pai tenta falar mesmo com a mordaça, mas tudo o


que sai é um ruído abafado.

“Oh, não se preocupe, Jacob. Não vou machucar seus


preciosos filhos. Você sabe que eu tenho um fraco por eles. Eu
sou pai, afinal de contas.”

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Ele se vira para me encarar e sorri, as rugas profundas
se sobressaindo em torno de seus olhos. Seus olhos dourados.
“Desamarre o garoto” ele ordena a um de seus homens.

Meu coração entra em frenesi enquanto vejo o homem


careca e maciço aproximar-se de mim. “Não tente nenhuma
merda engraçadinha, garoto”, diz ele, cuspindo no chão um
pedaço de tabaco de mascar. O homem rapidamente desfaz a
corda e me puxa pelos dois pulsos. Eu posso ser um adolescente
de dezesseis anos bem formado, mas ainda pareço um maldito
rato afogado ao lado desta fera cheia de esteroides. Eu não
tenho qualquer chance. O cara me empurra pelas costas e eu
tropeço, indo parar na frente de Frank Donovan.

Seu sorriso se alarga, os dentes brancos brilhando sob as


luzes fracas. Ele puxa uma arma do cós da calça jeans e coloca
o cano contra a minha testa. O metal frio queima na minha pele
e meus olhos se fecham de medo. A morte é algo que eu ainda
tenho que pensar, mas de repente, a finalidade dela se tornou
real demais. Eu posso ouvir os soluços abafados de minha mãe
e irmã. Meu pai está grunhindo contra sua mordaça.

“Agora, garoto. Eu não vou atirar em você se fizer o que


eu digo.” Frank me entrega uma pistola. Eu pego na minha mão,
o peso dela é maior do que deveria ser. “Você vai escolher um
dos seus pais e vai matá-lo, porque eu não sujo as minhas mãos,
entendeu?”

Eu balanço minha cabeça com veemência de um lado


para o outro. “Não. Por favor. Eu não posso. Não posso fazer...”

“Se você não fizer isso, eu vou mandar o Ralph atirar nos
dois. A escolha é sua. Você mata um ou, por seu ato de desafio,
mato os dois.”

Meu coração está na garganta, uma batida indistinguível


da outra. E agora esta arma parece um peso de chumbo nas
minhas palmas suadas. Meu olhar salta da minha mãe para o
meu pai. Ela fecha os olhos e parte de mim pensa que está
rezando, embora não sejamos religiosos. Meu pai me olha,

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tentando falar com os olhos. Eu fico meus olhos nos dele e ele
concorda.

“Escolha um, filho”, Frank sussurra no meu ouvido, sua


respiração quente soprando no meu pescoço.

Os gritos abafados de Lila são tão altos. Estou com medo


que ela vá sufocar com aquela mordaça. “Por favor”, eu digo.
“Tire a mordaça dela.”

Frank ri e acena com a cabeça para um dos seus rapazes


fazer isso. No segundo em que o material escapa do rosto dela,
ela grita. “Por que você faria isso? Max. Não faça isso. Não faça
isso!”

Fechando meus olhos, eu inspiro fundo.

“Faça isso, ou mato todos vocês.” Frank ri


novamente. Minha irmã chora. “E você...”, eu abro meus olhos
para vê-lo apontando para Lila, “... cale sua boca.”

Ela não escuta e Ralph atravessa a sala, acertando-a com


pistola. Sua cabeça rola para o lado. O sangue escorre de sua
têmpora.

“Ela está bem. Só vai aprender a ficar quieta”, diz Frank.


“Agora, eu vou contar até dez para você escolher um.” Ele me
pega pelos ombros, sua arma ainda pressionada contra a minha
cabeça, e me empurra para o outro lado da sala de modo que eu
fique em pé na frente dos dois. “Escolha.”

Como você escolhe a vida de alguém? Estou tentado a


virar essa arma e explodir meus malditos miolos.

“Lembre-se, se você não fizer isso, todos vocês


morrerão. Quatro mortes em vez de uma. Pense nas
estatísticas.”

Minha boca fica seca, a sala gira. Meu pai me olha com
firmeza, seus olhos se arregalam em um apelo para que eu tire
sua vida.

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“Um... dois... três...” Frank faz a contagem regressiva.

Meros segundos para entender o que diabos está


acontecendo.

“Seis, sete…”

Eu levanto a arma, vendo-a tremer em minhas mãos


instáveis.

“Rapaz, minha paciência é muito pequena. Oito, nove…”

Eu engatilho a arma. Lágrimas escorrem dos meus olhos,


o gosto salgado entrando pela minha garganta. “Eu sinto muito”,
sussurro. “Eu te amo.”

“Dez.”

Pow! Eu tento fechar meus olhos, mas não posso. A


cabeça dela bate atrás, depois para frente. Observo um pequeno
buraco aparecer no meio da testa do meu pai, seguido por um
fluxo constante de sangue que escorre pelo alto do seu
nariz. Mamãe está se debatendo na cadeira ao lado dele, o rosto
contorcido de angústia, respingos de sangue por toda sua
camisola de cetim. Eu solto a arma. Faz barulho no chão e posso
jurar que Frank está rindo.

Caio de joelhos, soluçando. Acabei de tirar a vida do meu


pai, o homem que significava mais para mim do que qualquer
coisa. E eu o matei.

Bam! Eu dou um pulo com o súbito tiroteio. Quando olho


para cima, minha mãe está caída na cadeira, metade do rosto
arrancado.

“Seu filho de uma...” Há um golpe na minha cabeça, uma


rachadura. Tudo roda e fica preto.

E a partir desse momento, tudo na minha vida é preto...

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MAX
Doze anos depois…

Faz cinco meses desde que falei com Lila. Sinto-me


muito mal por isso, mas eu tentei ao máximo ficar muito longe
dessa merda.

O crime é algo que corre pelo meu sangue. Nascido


nisso. Criado nele. Estou entorpecido, e quando você fica
entorpecido ao derramamento de sangue, para conseguir
manter suas mãos limpas, você tem que se retirar
completamente. Você não coloca um viciado em crack
recuperado para morra bem ao lado de uma casa que vende
crack — bem, você não coloca um criminoso reformado perto
do crime. E minha irmã, Lila, bem, ela nunca saiu do
crime. Ela é uma traficante — uma traficante bagunçada. E
até três anos atrás, eu não era melhor. Eu era um
ladrão. Roubei, lutei, atordoei e lidei com drogas
também. Criação difícil você perguntaria? Sim e não. Minha
criação foi de privilégio monetário, mas é aí que esse privilégio
acabou.

Nosso pai trabalhava para a máfia — e foi nela que fomos


criados, de maneira alguma alguém pode sair normal
disso. Você pode tentar, mas quando testemunha assassinatos
ainda criança, é espancado por pessoas que deveriam cuidar
de você ou mata sua própria família... bem, isso causa certo
estrago em sua mente. Há uma escuridão que corre em minhas
veias, a maioria das pessoas nunca entenderá, porque,
honestamente, para entender alguém como eu, você tem que
ter o mesmo demônio negro rastejando dentro do seu sangue
também.

Eu queria ser uma pessoa normal. Eu tentei. Inferno, eu


até me matriculei em uma universidade na tentativa de fazer

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uma vida honesta. Embora, soubesse que o tipo de estilo de
vida com o qual estou acostumado só poderia vir de atividades
ilegais. Para todos os efeitos, no papel, sou normal. A coisa é
um vírus do qual você nunca consegue se livrar. Sinto que
estou falhando. Sinto nos meus ossos o desejo de me afundar
de volta nesse pequeno mundo doente, cheio de ganância e
pecado.

O vento de inverno atravessa a passarela do prédio,


fazendo meu rosto arder. A porta do apartamento 3C treme
quando bato meu punho novamente. Tentei ligar para ela. Sem
resposta. E se há uma coisa que um traficante de drogas
geralmente faz, é atender ao seu telefone. Balanço minha
cabeça em frustração.

“Lila, é Max”, eu grito. “Abra esta porra de porta, já.”

A porta do outro lado do corredor se abre e um homem


se inclina, virando uma garrafa de gim enquanto olha para
mim. Ele é magro pra caralho. Sua regata está manchada,
seus jeans rasgados. Seu bíceps frágil está coberto por uma
tatuagem do porquinho Gaguinho de Looney Tunes. “Ela não
está em casa há alguns dias”, diz ele enquanto limpa a bebida
de seus lábios rachados.

Eu volto para a porta e estendo meus braços contra os


batentes. Meu pulso está acelerado. Se algo aconteceu com
ela, vou me culpar. Deveria ter cuidado dela. Deveria ter
checado mais vezes. Porra! Dando um passo para trás, olho
para a porta. Apenas ligue para a polícia... Mas racionalidade
nunca foi meu forte. Meu ombro bate contra a porta. As
dobradiças cedem e eu caio na única sala que existe. O
apartamento está uma bagunça. Pratos de papel recobrem o
balcão. Seringas estão espalhadas na mesa de centro, junto
com latas de refrigerante diet amassadas. Deixo minha cabeça
cair, raiva crescendo dentro do meu peito enquanto puxo o
celular do meu bolso para chamar a polícia. Ela se foi.

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“Bem, Sr. Carter” diz o policial enquanto passa os
polegares por uma pilha de papéis em sua mesa. “Como eu
disse a você, nós a colocamos na lista de Pessoas
Desaparecidas, mas...” Uma carranca aparece em seu rosto e
ele puxa um pedaço de papel da pilha. Recostando-se em sua
cadeira, ele o lê por alto, em seguida, limpa a garganta. “Lila
Carter, você disse?”

“Sim. É ela.”

“Data de nascimento, 9 de agosto de 1988.” Concordo


com a cabeça, observando enquanto ele fica de pé, puxando as
calças por baixo da barriga de cerveja enquanto inspira fundo.
“Você sabe que sua irmã era uma...”

“Uma criminosa? Sim, sim, eu sei, mas isso tem...”

“Sua última prisão foi por prostituição no The


Tabernacle e por posse de substâncias ilegais.”

Meu pulso para antes de entrar em ação, forçando um


fino brilho de suor em minha testa. Eu sabia com que ela
lidava, mas prostituição...

“Olha, Sr. Carter.” O policial caminha em torno de sua


mesa e coloca sua mão rosada e gorducha no meu ombro.
“Desculpe dizer, mas nós recebemos casos como esse todos os
dias. Não quero soar sem coração, mas na maioria das vezes,
estas pessoas sofreram uma overdose ou apenas fugiram para
evitar outra prisão, então você entende por que o relatório dela
está no fim de uma lista cheia de adolescentes e crianças?”

O calor consome meu rosto e meus dedos se fecham em


punhos apertados. “Ela é minha irmã”, eu digo com os dentes
cerrados.

“Eu entendo, mas o que preciso que você entenda é que


temos que priorizar alguns casos e uma prostituta traficante
de drogas não é uma prioridade.”

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Quero quebrar os dentes desse filho da puta. Minha pele
pinica com adrenalina, minha respiração fica irregular. O
oficial lentamente coloca a mão na arma pendurada em seu
cinto como um aviso para mim, e por mais que eu queira socá-
lo, sei que não posso. Dou um passo em sua direção, colocando
meu dedo a centímetros de seu rosto gordo. “Uma vida fodida
ainda é a porra de uma vida, seu ...” Eu paro antes de dizer
algo que pode me colocar atrás das grades, e me viro para sair
da sala, minha visão borrada com a raiva.

Às vezes você percebe que as autoridades competentes


não serão de nenhuma ajuda, que sua única chance de
esperança é tomar as coisas em suas próprias mãos, e se eu
for honesto, estou mais habilmente equipado para lidar com
isso do que eles. A polícia está vinculada aos protocolos e
procedimentos. Por outro lado, eu não estou. Eu mataria um
filho da puta antes de tentar negociar.

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2

MAX

Demorei uma semana para encontrar o filho da puta que


viu Lila pela última vez. Uma semana — e só. E a maldita
polícia não é capaz de descobrir isso. Prostitutas, elas prestam
mais atenção do que você imagina. Elas precisam. Três das
garotas com quem conversei descreveram o mesmo homem,
disseram que ele sempre aparecia em um carro diferente, com
exatamente duas semanas de intervalo. Ele usa uma garota
duas vezes, depois ela desaparece.

Uma delas disse que ele era seu cliente regular. Que ele
vem procurando por ela há mais de um ano. Duzentos dólares
— foi o suficiente para ela concordar em tramar contra
ele. Esses homens tendem a confiar demais nessas
mulheres. Se elas vão chupar seu pau por dinheiro, pode ter
certeza que também vão te ferrar por isso.

Trisha está sentada na beira da cama do motel fumando


um cigarro. Ela continua mudando qual perna está cruzada
sobre a outra e seu pé está pulando para cima e para baixo. Ela
ansiosamente olha para mim, me encarando. “É melhor você
não me matar.”

“Não vou”, digo quando acendo um cigarro. Eu


realmente parei de fumar alguns anos atrás, mas foda-se,
alguma coisa vai acabar te matando.

“O que Travis fez pra você?” Ela pergunta.

Eu olho para ela. “Você não acha estranho que a maioria


das mulheres com quem ele fode acabe desaparecendo?”

“Quero dizer...” Ela encolhe os ombros e dá outra


tragada. “Merdas acontecem. Você aprende a ignorar coisas
neste mundo, ou então você enlouquece, sabe?” Ela ri. “E

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descobri que se você aprende como dar um boquete incrível, a
maioria dos homens não vai te matar. É o meu mecanismo de
defesa.” Ela coloca a ponta do cigarro no cinzeiro do motel
assim que alguém bate na porta. Levanto-me e caminho até o
banheiro, fechando a porta atrás de mim.

Ouço a porta abrir e ela o cumprimenta. Raiva


rapidamente toma conta do meu peito, a pressão quase
insuportável. Depois de alguns minutos, a porta do banheiro
se abre até a metade e Trisha se esgueira pela fenda. Seu rosto
está quase branco, horror cintilando por trás de seus
olhos. Aceno e passo por ela, puxando a arma antes de sair
para o quarto. O homem está de costas para a porta, puxando
o jeans do pé esquerdo. O clique da arma o faz congelar.

“Vire-se, porra”, digo. Minha voz tremendo de raiva. “Não


me mexa depois disso e não vou ter que explodir seu cérebro
por toda a parede.”

Puxando uma respiração profunda, ele levanta as mãos


como se estivesse se rendendo enquanto gira lentamente ao
redor. Meu pulso bate atrás dos meus olhos quando meu olhar
pousa em seu rosto. Ele é jovem. Talvez vinte e cinco anos na
melhor das hipóteses. Ele é musculoso como um
linebacker; seu rosto é áspero e tem uma longa cicatriz na
bochecha direita. “Você é o cafetão ou cliente?”

“Não.” Minha mandíbula aperta. “Deixe-me fazer uma


pergunta. Você gosta de viver? Você gosta de cada fôlego que
inspira? Porque se você gostar disso, é melhor responder a
cada pergunta que eu fizer, e quero dizer sem hesitação.”
Acabo com a pequena distancia entre nós e pressiono a arma
debaixo do queixo dele. “Hesite e esta bala passa pela parte de
trás da porra da sua garganta.” Arqueando uma sobrancelha,
eu inclino minha cabeça. “Entendeu? Eu não faço joguinhos
de merda.”

“Sim.”

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Essa é a coisa, no mundo do crime, existem apenas dois
tipos de pessoas: aqueles que sabem sobreviver e aqueles que
têm muito orgulho. Para sobreviver neste mundo, você tem que
saber quando você está encurralado e deixar seu orgulho de
lado. Esse filho da puta parece entender isso. Não há como
lutar em uma situação como essa.

“Essas mulheres que você contrata, o que você faz com


elas?” Minhas mãos tremem, o cano da arma cavando mais
fundo em sua pele. “Você as mata?” Eu pergunto.

“Não. Não, não faço isso. Eu não as mato.”

Levanto meu rosto mais perto dele, minhas narinas


dilatadas. “Então”, meu dedo se contorce sobre a curva suave
do gatilho, “... o que você faz com elas?” Ele engole e quando
faz isso, a ponta da arma se move ligeiramente. Tentando
controlar o desejo animalesco que tenho de agredi-lo e larga-lo
em uma pilha de carne mutilada, olho em seus olhos. “Você
está hesitando.”

“Você não acreditaria em mim se eu lhe dissesse”, diz


ele.

“Experimente.” Eu uso a pistola para inclinar sua cabeça


para trás.

“Nós as vendemos.”

Um calor lento invade minhas veias. “Escravas sexuais.”

“Não.” Ele balança a cabeça. “Nós as treinamos para


amar.” Ele ri. Não é uma risada condescendente, é uma quase
louca. Como se ele realmente acreditasse no que está dizendo,
como se sentisse o que está dizendo, é algo incrível. “Amor. Nós
vendemos amor.”

“Bem, seu pedaço de merda. Vou precisar que você me


diga para quem você vendeu minha irmãzinha.”

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Ele tenta baixar o queixo no peito, mas eu o levanto de
volta com a ponta da arma. “Conte. Para mim.”

“Eu não saberia. Apenas as treino. Não faço transações.”

“Então você me conta quem faz.” Eu rio e balanço a


cabeça. “Na verdade... Trisha?” Eu mantenho o meu olhar
treinado neste filho da puta. “Trisha!”

Eu ouço a porta do banheiro abrir e ela fungando


quando se aproxima de nós. Seus olhos vagam para ele por um
breve momento.

“Eu não vou ajudá-lo.”

“Tudo o que quero que você faça”, eu a interrompo, “... é


que pegue o dele telefone do bolso.” Ela faz o que pedi,
entregando o aparelho para mim. Pego e coloco-o dentro do
meu bolso. “Você pode sair agora, Trisha.”

Sem uma palavra, ela sai do quarto do motel. Dou a ela


uns bons três minutos para fugir, e olho para aquele pedaço
de merda sem valor o tempo todo, imagino-o fodendo minha
irmãzinha e depois vendendo-a para alguém fodido e doente
como se ela fosse uma mercadoria.

“Foda-se”, digo quando deixo meu dedo deslizar no


gatilho, o silenciador emite apenas um pequeno pop. Ele cai
para trás com um grunhido, seu corpo batendo no chão
enquanto ele vira um amontoado sem vida. Deixo o motel, o
telefone dele no meu bolso. Com perseverança, vou trabalhar
neste pequeno círculo e vou encontrá-la.

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AVA

Recolho o pedaço de grama da trança solta da minha


boneca Cabbage Patch, mal ciente da sombra que cai sobre o
gramado verde. Uma mão grande de repente cobre minha boca
e meus olhos se arregalam. Sou arrastada de pé e na direção
de um carro estacionado na entrada da garagem. Meu coração
bate no meu peito, quero meu pai, então tento gritar, mas meu
choro é abafado por seus dedos com cheiro de cigarro.

“Não grite e eu não vou te machucar, Ava”, diz ele. Tudo


o que posso ver é sua gravata — listras diagonais azuis e
vermelhas.

Chuto, arranho seus braços peludos. Os calcanhares dos


meus Keds se arrastam pela calçada enquanto ele me leva em
direção ao sedan branco.

Ele vai me levar embora. Olho para minha boneca deitada


na beira do quintal e continuo tentando lutar com ele, mas sou
muito pequena. Bang. Algo morno respinga sobre a lateral do
meu rosto e o aperto do homem diminui. Meus ouvidos estão
zumbindo, meu coração acelerado.

“Olhe para mim”, a voz do meu pai vem do meu lado


esquerdo, e me viro para vê-lo correndo pela calçada na minha
direção, sua arma ao seu lado. “Olhe para mim, meu
coração. Apenas mantenha esses olhos em mim, ok?”

Aceno enquanto limpo a umidade pegajosa da minha


bochecha. Segundos depois, meu pai me tem em seus braços,
me embalando como uma criança. Quando tento para colocar
meu braço em volta do seu pescoço, vejo o sangue em minhas
mãos. Quero virar meu rosto para o homem, mas papai balança
a cabeça. “Não”, diz ele com tanta calma. “Olhe para mim.”

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Então eu faço isso. Olho para o meu pai, encarando a
barba rala e grisalha, que recobre seu rosto. Observo o sangue
pulsando em seu pescoço enquanto ele me leva pelo caminho de
paralelepípedos até a porta da frente e direto para a nossa
cozinha.

A bancada de granito está fria sob as minhas pernas


quando ele me senta. Olho para a minha blusa branca. Está
salpicada de sangue. Papai abre as torneiras, xingando
baixinho enquanto pega um pano de prato.

“O que foi esse barulho?” Minha mãe vem correndo pelo


corredor, uma toalha enrolada em torno de seu corpo, o cabelo
ainda coberto de espuma. “Frank, o que o...” Suas palavras se
perdem no momento em que seu olhar pousa em mim. Lágrimas
surgem em seus olhos castanhos e ela cobre a boca em um
suspiro.

“Ela está bem. Apenas…” Ele solta um suspiro duro antes


de limpar meu rosto com a toalha quente. “Apenas, limpe-a. Eu
tenho que tirar aquele filho da puta da nossa propriedade.”

“Ava?” Bronson acena com a mão na frente do meu


rosto. “Você está aí? Jesus.” Ele ri e eu volto para o presente.

“Sim, sim, eu só...”

O manobrista abre a minha porta. Meus olhos são


imediatamente atraídos para sua gravata listrada de vermelho
e azul marinho. E agora eu sei porque minha mente me levou
para lá. Aquela gravata. Mesma cor. O mesmo desenho da que
o homem que tentou me sequestrar estava usando aquele dia.

Engraçado como seu cérebro faz isso.

Uma pessoa pode se tornar tão bem versada em


esquecer as coisas, mas a mente — bem, só permite fingir que
você esqueceu. Confie em mim. Eu sei. Já tive meu quinhão de
coisas fodidas acontecendo comigo e eu tentei apagá-las da
minha memória, mas tudo o que precisamos é um cheiro, um

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pequeno som, e aquela ocorrência é dragada de volta à
superfície. E dormir — esse é o pior porque todos os meus
demônios saem para brincar à noite. Se eu pudesse evitar o
sono para sempre, faria isso.

“Você tem certeza?” Bronson pergunta enquanto se


dirige para o lado do motorista.

“Sim, estava apenas pensando sobre algo.” Subo em sua


caminhonete e o manobrista fecha a minha porta.

“Sim, não brinca.” Sua porta bate fechada. “De qualquer


forma, para a festa do WJ então?”

“Parece bom para mim, querido.” Tiro meu celular da


bolsa e rapidamente digito uma atualização no Facebook. Indo
para WJ com Bronson Tatum! ;) <3

Sorrio porque é o que devo fazer. Devo sorrir porque


Bronson é o cara que toda garota quer. Cabelo loiro. Olhos
azuis. Militar. Todo americano em todos os sentidos. E ele está
a fim de mim. Deveria sorrir e ser aquela garota — aquela
garota normal e irritantemente feliz que todo mundo acha que
eu devo ser. Mas realmente, sou muito boa em encobrir que a
bagunça que sou.

Ele se afasta do meio-fio do restaurante e coloca a mão


na minha coxa. Esse toque, não gosto disso. Parece
errado. Parece barato.

E é.

Provavelmente vou transar com ele e isso não significará


nada. Provavelmente me sentirei mal com isso amanhã,
imaginando se ele pensa que sou uma prostituta, mas mesmo
sabendo de tudo isso, ainda vou fazer porque é a única
maneira de me sentir conectada a alguém. No fundo, sinto que
é a única maneira que posso fazer um cara gostar de mim,
mesmo que essa apreciação seja imunda. Tentei descobrir a
psicologia disso porque, na verdade, eu sei. Sei que foder com

STEVIE J. COLE
ele não vai realmente fazê-lo gostar de mim, mas por alguns
momentos antes de entrar em mim, ele vai me querer. Eu terei
algum valor para ele. Serei algo que ele tem que ter, e por
alguma razão, mesmo que eu não queira, anseio por isso.

Nós andamos em silêncio a maior parte do caminho até


o parque, ouvindo Royal Blood. Ele canta junto e eu o
observo. Ele é tão confiante. Genuinamente feliz porque ele
não conhece nada diferente. A música termina e ele olha para
mim enquanto desce a rua. “Você é tão linda”, diz ele.

“Obrigada.”

Essas são apenas palavras. Olho para fora da janela,


observando a fileira de casas e a paisagem se transformando
em floresta. Abrimos caminho pela parte de trás do bairro,
cortando os faróis quando começamos a descer a colina até o
parque.

A caminhonete roda até Bronson a estacionar. E aqui


está o momento estranho. Nós nos olhamos. Ele sorri. Mordo
meu lábio, guerreando comigo mesma sobre como eu não
deveria fazer isso com ele ainda. Então ele pega meu rosto em
suas mãos, me puxando contra si e batendo seus lábios sobre
os meus. Suas mãos percorrem meu corpo. “Caralho”, diz ele
entre beijos profundos. E isso é como uma droga. Eu me sinto
querida, desejada e bonita.

“Deus, eu quero muito te foder agora.” Bronson agarra


meus quadris e me puxa através do console central e em seu
colo. O volante bate nas minhas costas.

“Merda”, eu digo baixinho quando ele morde meu


pescoço. Suas mãos estão em cima de mim: puxando minha
blusa para cima, soltando meu sutiã, agarrando entre minhas
coxas.

“Estou tão duro.”

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E a próxima coisa que sei é que ele está abrindo os
botões dos nossos jeans. As janelas da caminhonete estão
embaçadas, ‘Little Monster’ está tocando no rádio, e quando ele
ergue a camisa sobre a cabeça, ouço o vidro quebrar. Pequenos
cubos transparentes espalham-se por toda a cabine do veículo.

“Mas que porra...”

Uma mão enluvada alcança o interior, puxa a fechadura


e a porta se abre. Bronson puxa o punho para trás, mas antes
que possa dar um soco, o homem do lado de fora aponta uma
arma para sua têmpora e puxa o gatilho. Bam. Grito e tento
deslizar Bronson para o banco do passageiro. Se eu puder
apenas chegar até aquela porta. Posso correr pelo parque até a
floresta e subir pelo bairro depois. Mas antes mesmo de mover
um músculo, a mão do homem está em volta da minha
garganta, arrastando-me sobre o corpo inerte de Bronson e
saindo pela porta aberta. Minha bunda bate no concreto duro,
enviando um choque de dor pela minha espinha.

“Deixe-me ir.” Assim que grito, seus dedos me apertam


mais. Eu sinto os ossos sendo esmagados, minha garganta
ameaçando se fechar.

“Cale a boca e não terei que te matar.” Sua voz é


profunda e áspera com um grosso e quase cômico tom de
country. Tento ver como ele é, mas está escuro como
breu. Tudo o que eu posso identificar é sua sombra.

Quero gritar de novo, mas não sou idiota. Não há


ninguém em qualquer lugar ao nosso redor para ouvir e tudo
o que vou conseguir é enfurecer ainda mais esse
homem. Sendo filha de um assassino, meu pai sempre me
ensinou a cuidar de mim mesma, a revidar. Mas eu já estou
em uma posição mais que vulnerável.

Ele me arrasta pela rua até uma caminhonete com o


motor ainda ligado. E meu cérebro quer me levar de volta ao
dia em que eu tinha sete anos e quase fui sequestrada. Desta

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vez eu sei que meu pai não virá aqui para me salvar. Só posso
contar comigo mesma.

Tomo nota da placa da Geórgia. O para-choque direito


está amassado. A tinta lascada. A porta do lado do passageiro
se abre e a luz interna pisca. Outro homem — um homem
enorme — sai e segura a porta. Sou jogada e a fera de um
homem pula atrás de mim. Eu fecho meu punho, dou-lhe um
soco e isso o faz rir. Seu rosto é bronzeado e úmido. Rugas
recobrem os cantos de seus olhos escuros, seus lábios finos e
quase roxos. O interior do caminhão cheira a cerveja velha e
mijo. Há várias latas de cerveja Miller High Life vazias e
esmagadas no chão.

“Você é uma coisinha bonita”, diz o homem enquanto


agarra meus pulsos e os prende atrás das minhas costas. Em
poucos segundos, ele me amarra com tanta força que posso
sentir o cordão já cortando minha pele.

A porta do motorista se abre e o homem que me pegou


— que matou Bronson — desliza atrás do volante. Posso vê-lo
claramente agora e ele não deve ter mais de trinta e cinco
anos. Ele é magricela. Seu nariz está torto, provavelmente por
causa de muitas brigas de bar, mas sua mandíbula é bem
definida. O homem à minha direita, ele me assusta. Ele é o tipo
de homem que eu atravessaria a rua para evitar, mas este à
minha esquerda parece inofensivo com sua camiseta do Pearl
Jam.

Ele arrasta a mão pelo rosto enquanto olha para mim.


“Olha. Isso não tem muito a ver com você.” Ele coloca uma
marcha e o motor ronca, quase engasgando. “Só não me
obrigue a te matar, ok?”

Olho para frente da minha camisa cinza. Está coberta


com o sangue de Bronson. Luto contra as lágrimas. Luto com
elas pra caralho, mas depois de alguns minutos, elas caem
pelas minhas bochechas. Um soluço sobe pela minha
garganta. Tento engolir de volta, mas não consigo. Ele sai com

STEVIE J. COLE
força total, o que faz com que o motorista olhe para mim. Seus
lábios se espalharam pelo rosto e ele revira os olhos.

“Ah, agora, querida, não chore. Merdas acontecem,


sabe. Você é obrigada a se envolver em alguma merda como
esta, mais cedo ou mais tarde. Pelo menos eu sou um cara
legal. Muito legal. E contanto que você se comporte, contando
que faça exatamente o que eu digo, você não vai se machucar
muito.” Ele tira uma lágrima da minha bochecha e sorri,
revelando dentes tortos e manchados de nicotina.

Quero dizer a ele para não me tocar. Quero gritar e dizer


a ele que o odeio, mas não digo uma palavra. Às vezes o silêncio
é sua melhor defesa. E parece que ficar de boca calada é a
minha única opção agora.

STEVIE J. COLE
4

AVA

Nós estamos andando por horas. Três horas para ser


exata. Meus sentidos estão em alerta máximo enquanto presto
atenção em cada curva, cada volta, cada marco. Precisarei das
informações quando eu sair. E eu vou sair. Atravessamos a
fronteira estadual há mais de uma hora, descemos na saída de
Bremen, e agora estamos no meio da porra do Egito, sem nada
além de campos de algodão. Nos últimos quinze minutos, tudo
o que vi à nossa frente foi o brilho dos botões brancos e fofos
dos faróis. O cara à minha esquerda, cujo nome é Bubba —
apropriado — balançou a cabeça um tempo atrás, depois de
esvaziar um pacote de seis cervejas. Ele cheira a cerveja e
suor. Suas juntas estão cheias de sujeira. Ele é completamente
imundo e sua cabeça gordurosa continua se inclinando para o
lado e caindo no meu ombro. Eu o cutuco e às vezes ele acorda.

O motorista — Bubba o chama de Earl — está apenas


em seu segundo pacote de cervejas e está serpenteando por
toda a estrada. De vez em quando ele olha por cima do
ombro. Alguns quilômetros atrás, ele acertou uma caixa de
correio. Você deve pensar que estou com medo — e foda-se, eu
estou — mas não do jeito como ele está dirigindo. Eu continuo
esperando que ele desmaie ao volante. Imagino esse
calhambeque saindo em um desses campos de algodão,
esperançosamente batendo em uma vala e capotando algumas
vezes. Eu sairia pelo para-brisa arrebentado e daria no
pé. Suas bundas bêbadas nunca seriam capazes de mirar o
suficiente para atirar em mim, muito menos conseguiriam
correr rápido o suficiente para me pegar. Algumas vezes pensei
em puxar o volante, mas não quero correr o risco de deixar
Earl enfurecido. Algo me diz que ele é um bêbado violento e eu
levaria um soco no rosto. Um lábio cortado.

STEVIE J. COLE
“Ahh, merda!” Earl geme quando pisa no freio. A poeira
voa ao redor da caminhonete enquanto ele empurra para trás.

“Que diabos, Earl?” Bubba bufa e balança a cabeça.

“Perdi a porra do retorno.”

“Mas que merda, idiota.”

Earl luta com o volante antes de finalmente se virar em


uma entrada de cascalho. Pinheiros pairam sobre o
caminho. Os faróis brilham, saltando sobre as ervas daninhas
e a grama que brota entre as rochas escassamente espalhadas,
esmagando os pneus. À nossa frente fica uma antiga casa de
fazenda, quase de aparência neoclássica. Em seus anos mais
jovens, tenho certeza de que foi uma bela propriedade, mas
agora a pintura nas colunas está lascada e desgastada. As
venezianas estão soltas, faltam algumas. Há uma única luz
que brilha através de uma janela suja de terra na varanda do
andar de baixo. Tudo o que posso pensar é no quanto esta casa
se parece com a do Massacre da Serra Elétrica.

A caminhonete estala até parar. Bubba sai e me agarra


pelos ombros, puxando para fora. Caio no chão, a grama
molhada e fria encharcando os joelhos do meu jeans. À
distância, posso ouvir grilos e sapos. O céu está limpo. Estou
apavorada, mas tudo o que consigo pensar é que nunca vi
tantas estrelas. Engraçado as coisas que você pensa em
momentos como este.

Earl da a volta pela frente da caminhonete e agarra meus


pulsos amarrados, me puxando para ficar de pé. “Agora, Srta.
Ava, temos alguns planos para você.” Earl me empurra por
trás. Bubba ainda está segurando meus ombros enquanto me
acompanham até a frente da casa decadente.

Bubba resmunga um pouco, limpando a garganta com


uma tosse seca, seguida de um som espesso.

STEVIE J. COLE
“Vai levar um longo, longo tempo”, diz Earl, empurrando
meus pulsos, “até você sair daqui. Você precisa conquistar o
direito de ir embora, está me ouvindo, garota?”

Não digo nada, apenas puxo uma inspiração sufocada. A


ponta do meu sapato bate no primeiro degrau de madeira da
varanda e, de repente, minhas pernas parecem pesos de
chumbo. Acho que fiquei em choque pelas últimas horas. Algo
sobre ter subido estes degraus como um preso no corredor da
morte tornou esta situação real demais. Estou a horas de
distância da minha casa — meu pai, minha mãe, meu
namorado morto. Eu só deveria estar em casa uma hora
atrás. Isso significa que durante duas horas ninguém teve
ideia de que algo aconteceu. A menos, é claro, que alguém
tropeçou na caminhonete de Bronson, mas muito poucas
pessoas vão até aquele parque à noite, e as que vão não estão
prestando atenção em um carro estacionado. Esses homens
devem ter planejado isso. Earl disse que tinha planos para
mim — isso não é uma decisão do momento baseada em
pânico. Isso foi premeditado.

Bubba puxa a porta e entramos na velha casa. Lá


dentro, cheira a cigarros e mofo. Manchas de água cobrem as
paredes amareladas; teias de aranha estão em todos os
cantos. Assim que entramos na cozinha, dois cães de
aparência sarnenta correm. Ambos cheiram a perna do meu
jeans. Um abana o rabo, o outro rosna, mostrando os dentes.

Earl chuta o rosnador. “Ah, cale sua boca, Bear.” O cão


foge, desaparecendo em uma porta escura.

Sou levada a uma escadaria que provavelmente desce


para um porão. Bubba puxa um cordão desgastado e uma
névoa amarela ilumina a escada. Eu quero gritar. Quero
chorar. Meu coração bate descompassadamente contra
minhas costelas, meu peito se contrai. Quanto mais descemos
as escadas, mais forte fica o cheiro úmido de mofo. Uma vez lá
embaixo, olho para cima. Eu posso ver as tábuas do assoalho
e canos. Eu sou empurrada através do quarto apertado e em

STEVIE J. COLE
direção a uma porta de madeira. Earl a abre e me empurra
para dentro. Meu pé atinge um limiar de tijolos que me
atrapalha. Eu caio no chão, meus joelhos batendo contra o
concreto.

“Agora, aqui vai ser onde você vai ficar. Foi arrumado
para você.” Uma lâmpada acende, iluminando a sala de blocos
de concreto. Contra uma parede há um colchão com uma
manta de aparência suja jogada sobre ele. Há um banheiro e
uma pia no canto. “Você fica aqui. Não tente sair. Esta porta é
grossa. Eu vou trancá-la e depois sair. Além disso, se você
subir as escadas, essa porta leva direto para a cozinha. Você
sai por aquela porta e alguém vai enfiar uma bala nessa sua
linda cabecinha.”

Earl vira as costas para mim e passa pela


porta. Sorrindo, Bubba segue-o para fora. As dobradiças da
velha porta gemem quando ela se fecha. Ouço uma tranca ser
travada, seguida por outra fechadura. Não há alça na porta,
nada além de madeira lisa. Eu caio no colchão com as mãos
ainda amarradas, e agora que estou sozinha, choro mais do
que jamais imaginei ser possível.

Me contorço. Choro. Ele enfia meu rosto meu travesseiro e


o cheiro do amaciante de roupas quase me sufocam. Eu
costumava amar o jeito que cheirava porque me lembrava da
minha mãe, mas odeio isso agora porque me lembra dele.

“Você é uma menina má, Ava. Isso é tudo culpa sua e se


alguém descobrir, vai pensar que você é ruim também. Uma
mentirosa. Uma prostituta suja e ninguém ama uma putinha
suja.”

Suas mãos são tão ásperas e grandes. E finjo que não


posso senti-las. Eu rezo para que meu pai volte mais cedo e
mate este homem.

STEVIE J. COLE
Eu quase pulo da cama. Meu pulso está acelerado, estou
coberta de suor frio e na verdade estou soluçando. É por causa
de sonhos assim que eu odeio dormir. Durante a vigília, posso
negar tudo o que quero, mas no esconderijo do sono esses
demônios esperam por mim. E pelo número desconhecido de
dias desde que estou aqui, nesta prisão, esses são os únicos
sonhos que tenho, então tento não dormir. Respirando fundo
várias vezes, ando de um lado para outro naquela pequena
sala.

Estive em negação que isso realmente aconteceu. Eu


negociei com Deus. Chorei. Gritei. O desconhecido — essa é
verdadeiramente a pior forma de tortura. O que esses homens
vão fazer comigo? Estuprar-me e depois me matar? Manter
aqui? Eu não tenho ideia, mas de todos os cenários que vivi na
minha cabeça, decidi que preferia que eles me matassem. Ser
mantida em cativeiro, tendo aqueles homens imundos em cima
de mim fazendo o que quiserem — eu não posso lidar com isso,
mas acima de tudo, não posso lidar com a esperança de que
realmente sairei daqui. Minhas mãos ainda estão amarradas,
a pele dos meus pulsos está em carne viva e meus dedos
entorpecidos, e a cada segundo que passa, a realidade de que
eu posso nunca sair deste lugar se torna real demais.

STEVIE J. COLE
5

MAX

Eu posso ver nos olhos de Lucy.

Interessante.

Esta quebrou muito mais depressa que as outras. Uma


semana de confinamento solitário e apenas oito dias disso:
tempo comigo. Seus olhos verdes desviam para os meus
lábios. Seu peito sobe em respirações antecipadas. Ela engole
enquanto eu gentilmente passo meus dedos sobre sua
bochecha, sorrindo quando ela se inclina ao meu toque.

“O que você está pensando, Lucy?” Eu pergunto.

“Como isso é errado.”

E aí está... uma ligeira confissão. E isso é errado. Ela


não deveria me amar. Eu sou, em certo sentido, seu
captor. Mas a coisa é que eu a fiz me amar.

Emoções. Você pode controlar emoções. Medo.


Tristeza. Felicidade. Amor. O amor é uma emoção e adivinhe
só? Você pode controlar isso mais facilmente do que
pensa. Passei os últimos quatro meses estudando a psicologia
da mente humana. Comportamento. Motivação. E o amor é
um grande motivador. Eu consegui encontrar essas pessoas,
graças ao celular daquela porra de cliente, Travis, e de alguma
forma, porque sou engenhoso pra caralho, e também o filho do
falecido Jacob Carter, o que me dá influência, eu consegui ser
contratado para sua posição. Desde então, tenho dissecado o
que faz as pessoas se apaixonarem. É simples na verdade. E
não é apenas simples, mas devido à situação particular em que
essas garotas como Lucy se encontram, bem, é muito diferente
de encontrar uma garota aleatória em um parque. Eu não

STEVIE J. COLE
estou esperando encontrar amor. Não, eu estou querendo
fabricá-lo.

E é doente.

Existe uma psicologia por trás de fazer um prisioneiro se


apaixonar pelo seu captor — evolução, se você
quiser. Sobrevivência do mais forte. Porque em um ponto da
história, e por mais bárbaro que possa parecer, os homens
pegaram as mulheres à força. A maioria das mulheres foi
prisioneira do homem com quem vivia. Se lutassem,
morreriam. Quem ficava, sobrevivia. Segundo a biologia, é
quase natural ser prisioneiro do amor. O amor é, em certo
sentido, uma prisão.

E no mesmo acordo, controlar alguém é mais fácil do que


deveria ser. Misturar abuso com gentileza, na verdade, forja
um vínculo mais forte do que ser sempre bom. É a
manipulação no seu melhor — ter normalidade aparece como
um ato de doação. Privar alguém de todo o poder fode com sua
mente. Fingir que você os ama em um mundo onde o amor não
deveria existir, bem, isso faz de você um cavaleiro em
armadura brilhante. O que você deve fazer é distorcer a
realidade. Tirar tempo e senso de si mesmo. Tirar tudo até que
só reste é você. E aqui estou com a Lucy.

Tudo o que lhe resta sou eu...

Eu sorrio. “O que há de errado, querida?”

“Como me sinto sobre você.” Seus olhos se enchem de


lágrimas.

Inclinando-me para mais perto dela, acaricio sua


bochecha macia na minha palma. Permito que meus lábios
mal toquem os dela, mas não ouso beijá-la. “Diga-me como
você se sente”, eu suspiro as palavras sobre seus lábios.

“Eu...” Seu hálito quente lava minha boca. Eu a ouço


engolir. “Eu acho que te amo.”

STEVIE J. COLE
O canto do meu lábio levanta. “E é assim que você
deveria se sentir.” As sobrancelhas dela se contraem com
confusão. “E eu me importo com você”, digo, “mas não sou um
homem capaz de amar alguém.” Solto a mão do seu rosto e me
viro para sair da sala.

“Por favor, não me deixe”, ela implora.

“Eu voltarei. Prometo.” Abro a porta e a fecho


gentilmente, fechando as duas trancas atrás de mim.

Quando comecei este trabalho, me senti culpado por


fazer isso, mas com o tempo você pode justificar quase
qualquer coisa. Depois do primeiro mês, percebi que o amor
pode fazer você fazer coisas malucas. E é por causa do meu
amor por Lila que faço essas coisas terríveis. Eu estou
machucando as pessoas no processo de tentar salvá-la? Sim,
mas como disse, com o tempo você é capaz de justificar
qualquer coisa.

Essas meninas são, em sua maioria, viciadas em drogas,


prostitutas ou ambos. Elas não têm família nem dinheiro. Não
têm nada e, pelo menos, eu lhes dou alguma coisa. Elas podem
ter sido pegas contra sua vontade, mas veremos nos próximos
meses e anos que o que ganharão será muito mais do que a
inevitável overdose, prisão ou morte miserável que estava
esperando por elas fora desses muros. De certa forma, estou
ajudando a salvá-las.

Assobiando, eu caminho pelo corredor até a parte aberta


do porão onde fica a sala de espera inicial. A risada rouca de
Earl desce pela escada da cozinha. Eu olho para a última porta
trancada à minha esquerda antes de subir as escadas,
imaginando como será essa nova garota. Quão facilmente ela
vai quebrar? O que mais me incomoda, pelo menos eu penso,
é que acho essa experiência inteira fascinante. E o que isso diz
sobre mim? Vou te dizer, que eu não sou tão boa pessoa como
uma vez senti que eu era.

STEVIE J. COLE
Eu chuto a porta do porão. A cozinha inteira está cheia
de fumaça de cigarro. Earl está à mesa, uma cerveja Miller
High Life aberta e uma Playboy — edição de 1989 — espalhada
na frente dele.

“Lucy... número dezoito”, começo. “Você pode tê-la


sempre que quiser.”

“Certo”, diz ele. Ele não olha para cima, apenas lambe
os dedos e vira a página. “Vai começar de novo?”

Atravesso a cozinha, abro a geladeira e pego uma


cerveja. “Sim”, eu digo.

A tampa faz pop quando abro a cerveja gelada. Eu me


inclino contra o balcão e olho em volta da cozinha suja. Odeio
este lugar. Está imundo. Infestado de roedores e baratas, mas
não tenho escolha a não ser ficar aqui. Preciso treinar essas
garotas; no entanto, eu não sou a porra da empregada
doméstica do Earl. Eu mantenho meus aposentos
imaculados. Descobri que, embora possa me convencer que
coisas que são moralmente erradas estão de certa forma
certas, não posso me convencer de que viver na miséria assim.

Uma barata se arrasta sobre a mesa e Earl lhe dá um


peteleco que a joga para o outro lado do cômodo. Vendo o
inseto virar de lado e correr debaixo da porta da despensa,
tomo um gole da cerveja gelada. “Onde você disse que pegou
essa?” Eu pergunto.

“Num parque.”

“Fazendo programas, hein?”

Earl se vira lentamente em sua cadeira, colocando o


braço sobre as costas, com a Playboy ainda na mão. Um
sorriso inquieto se desenrola em seus lábios. “Não.”

Eu estreito meus olhos e dou um passo para longe da


bancada. “O que você quer dizer com ‘não’?”

STEVIE J. COLE
Ele encolhe os ombros. “Recebi um pouco de dinheiro
para pegar essa aí. Imaginei que não faria mal matar dois
coelhos com uma cajadada e toda essa merda, sabe?”

“Não...” Meu ritmo cardíaco entra em colapso,


inundando meu corpo com adrenalina. “Eu não sei. Por que
você não me explica, porra?” Meu queixo fica tenso.

“Ah, inferno agora, Max.” Earl joga a revista sobre a


mesa. “Um filho da puta queria que ela fosse embora, algo
sobre um dinheiro do seguro e tal. Ele me pagou para matá-la,
mas eu não sou tão idiota. Pensei: digo que a matei. Trago-a
para cá e deixo você fazer sua merda com ela, então a
vendemos.” Ele sorri, mostrando seus dentes amarelados.
“Ganhos duplos.” Ele pega dois dedos e finge empurrá-los em
algo antes de colocá-los dentro de sua boca e puxá-los para
fora com um ruído nojento.

Preciso de todo meu esforço para não estrangulá-lo aqui


e agora. Eu tomo um rápido gole de cerveja, bato na boca e
engulo antes de fechar os olhos e arrastar as mãos pelo meu
rosto. “Earl.” Inspiro. “Merdas assim é que fazem a gente ser
apanhado.” E não podemos ser pegos antes de encontrar Lila.
“Então o que você está me dizendo é que essa garota tem a
porra de uma família? Uma que provavelmente está
procurando por ela?”

Ele encolhe os ombros novamente, e agora eu posso ver


a preocupação se esvaindo em seu rosto de aparência
estúpida. “Foram vinte mil…”

Eu sacudo minha cabeça. “Eu não dou a mínima,


Earl. Vinte mil paga o valor pelo qual vamos para a cadeia?”

Ele trava a cabeça como uma criança que acabou de se


meter em encrencas. Idiota do caralho. Eu bebo minha cerveja
e jogo a garrafa na pia. “Como seu pudéssemos fazer alguma
merda sobre isso agora”, digo com um gemido. “Ela está aqui,
é melhor rezar para Deus que você tenha coberto suas trilhas.”

STEVIE J. COLE
“Eu encobri tudo”, diz ele quando volto para o porão.
“Usei uma arma de um leilão estadual.”

“Usou...” Paro congelado no meu caminho. “Usou uma


arma?”

Ele joga sua revista para baixo e fica de pé. “Sim, nós a
encontramos por causa da porra de seu status no
Facebook. Pensei que ela estivesse sozinha, mas um cara
estava com ela, então eu tive que atirar nele. Vinte mil,
Max. Isso é muito dinheiro.”

“Você é um idiota, estúpido.” Apontando para ele, eu


digo: “se você for pego, eu não vou cair junto. Junte sua merda,
porra.”

Eu puxo a porta do porão e desço os degraus com Earl


logo atrás de mim. Uma vez em frente à porta, Earl coloca a
mão no meu ombro, movendo-se na minha frente. Odeio
quando esse filho da puta me toca. Eu realmente odeio.

“Deixe-me entrar primeiro”, diz ele. Ele está sorrindo de


orelha a orelha. Ele vive para essa merda bem aqui. É um
caipira idiota. Não tem ideia do que diabos está realmente
fazendo. Tudo o que ele sabe é que ganha dinheiro, assim pode
ficar chapado o dia todo e bêbado a noite toda. Isso é tudo o
que importa para Earl. “Ela não come há dias.” Seu sorriso se
alarga. “Aposto que ela está em um estado lastimável.”

Eu empurro o caralho doente nas costas. “Abra a porra


da porta já, você pode?”

Ele desliza a primeira fechadura e depois destrava o


cadeado. A porta se abre e a vejo sentada na mesma cama que
muitas outras garotas sentaram — a cama que minha irmã
uma vez sentou, tenho certeza. Essa é sempre a parte mais
difícil para mim: o contato inicial. Apenas quando Earl entra
no quarto para dar uma boa olhada nela é que a vejo
direito. Ela está com medo. Sozinha. Seu cabelo escuro está
emaranhado em seu rosto; a camisa que ela está usando desde

STEVIE J. COLE
a semana passada está salpicada de sangue. No momento em
que ela olha para cima, sei que preciso que ela se dobre
rapidamente, porque aquele rosto ali não é nada além de pura
inocência.

Ela é jovem e ao contrário das outras, não estava


perdida. Eu posso dizer isso. Ela veste o medo como um
manto. Todos os seus sonhos perdidos e esperanças são
evidentes em seu rosto. Ela teve uma vida que lhe foi
arrancada, e não há nada que eu possa fazer aqui para salvar
uma garota como ela. Para alguém como ela, tudo isso vai
acabar destruindo-a.

STEVIE J. COLE
6

AVA

Há barulho do lado de fora da porta e meu coração


dispara. A trava clica, depois a outra fechadura e a porta se
abre. Earl tosse quando entra no quarto. Um fluxo nebuloso
de luz entra pela porta, e eu posso ver que há alguém atrás
dele, escondido na sombra do outro cômodo, mas esse homem
não é pequeno e redondo como Bubba.

“Você quer algo para comer?” Pergunta Earl. Eu sacudo


minha cabeça. “Ah, vamos lá. Você tem que comer.” Ele sorri,
seu sorriso sombrio fazendo meu nó no estômago vazio.
“Prometa que vai comer.”

Estou morrendo de fome e fraca, com tanta fome que a


ideia de comida realmente me deixa nauseada, mas não quero
nada dele. “Não”, eu digo.

O homem atrás dele entra no quarto. Ele é alto. A


camiseta branca que está usando se estende sobre ombros
largos e braços musculosos. O material é tão desgastado e fino
que eu posso distinguir as tatuagens que recobrem seu peito,
e algumas descem pelos braços. Seu rosto é marcante e, por
um momento, não consigo deixar de notar o quão atraentes
são suas características distintivas: pele morena, mandíbula
bem definida, nariz reto e seus olhos profundos e escuros,
quase negros. Mas mesmo sendo muito escuros, os olhos não
são sinistros. Quando seu olhar encontra o meu, vejo algo
humano — tristeza. Pena. Eu vejo uma alma e isso me
confunde.

“Eu te disse que ela é bonita”, Earl lança sobre o ombro


enquanto caminha em minha direção. Ele agarra seu cinto e
meu coração pula várias batidas em pânico. É isso. Ele vai me
violentar. Talvez os dois me estuprem. Algo se passa dentro de

STEVIE J. COLE
mim. Eu sei que sou impotente, mas odeio isso. Eu o odeio. E
apenas desejo que ele consiga logo o que quer comigo, que
termine logo com isso.

“Vá se foder!” Eu digo com os dentes cerrados, voltando


para a parede em um último esforço para manter alguma
dignidade.

Os olhos de Earl se arregalam e ele para no meio do


caminho. “Garotinhas não deveriam ter bocas sujas assim.”
Ele ri antes de dar outro passo em minha direção. “Agora
garota. Você vai comer porque eu não quero você morrendo
aqui, ouviu?”

“O que você quer comigo então?” Sussurro. “Se você não


vai me matar, o que você quer?”

“Oh, eu tenho planos para você.” Ele bate o dedo sobre


sua têmpora e pisca para mim. “Eu sou inteligente.”

Eu olho para ele, debatendo sobre cuspir em seu rosto.


“Sim, posso dizer pela sua gramática impecável.” No segundo
que as palavras deixam minha boca, eu me encolho por
dentro. Aquilo foi estúpido. Muito estúpido.

Rindo, ele sorri antes de sua mão se estender como uma


cobra atingindo a presa. Ele segura meu cabelo e me arrasta
para me colocar de pé. Posso sentir várias mechas rasgando
meu couro cabeludo enquanto ele traz meu rosto a centímetros
do dele, sua respiração de fumante pesada no meu rosto.
“Gramática não tem muito a ver com isso. E eu sugiro que você
controle sua boca inteligente e riquinha, antes que eu te dê um
belo tapa.”

“Earl!” O homem que aparece no canto fala enquanto se


aproxima de nós. Ele pega a mão de Earl do meu cabelo e
gentilmente a solta antes de empurrar Earl de volta alguns
passos. “Apenas se acalme, ok?”

Eu caio no colchão e de repente me sinto segura...

STEVIE J. COLE
Earl olha para mim e depois para ele. “Você sabe que eu
não gosto que as pessoas comentem sobre o jeito que eu falo,
Max. Me deixa louco.”

“Eu sei.” Max dá um tapinha no ombro dele. “Eu


sei. Mas você não quer machucá-la...” Seu olhar vagueia de
Earl para mim, aqueles olhos negros de carvão se
estreitando. É como se ele estivesse me estudando, tentando
me compreender. Isso me deixa nervosa porque me dá um
pouco de esperança de que ele seja uma boa pessoa. De que vá
me salvar.

“Ava”, ele diz meu nome com tanta ternura que minha
mente privada de sono permite que meu corpo se aproxime
sutilmente dele. “Sinto muito sobre tudo isso.” Ele morde o
lábio, deixando seus olhos caírem para o chão. “Às vezes a vida
não é justa, sabe?”

E agora eu o odeio. Minhas emoções estão em estado de


destruição.

“Posso?” Ele aponta para o colchão. Eu não me


movo. Não faço barulho. Para ser sincera, acho que nem
respiro. Ele se senta ao meu lado, seu peso fazendo com que o
colchão se mova. Ele olha para Earl. “Vá pegar alguma comida
para ela. Uma tortinha ou algo assim. Algo embrulhado para
que ela saiba que não está envenenado.”

Earl sai da porta, trancando apenas uma fechadura


dessa vez. A atenção de Max se volta para mim. Luto para
evitar que meus olhos recaiam sobre aquele lábio que ele
continua mordendo. E aqui minha mente segue por algum
caminho irracional em uma tentativa de negar a situação
terrível. Agora, em vez de imaginar como esse homem pode me
matar, fico imaginando como seria sentir seus lábios nos
meus. Sei como isso soa maluco, mas a coisa é, quando você
está em uma posição como a minha: presa e trancada em um
porão sujo, sua mente se agarra a alguma normalidade. Em
uma situação normal, eu estaria em uma festa com meus

STEVIE J. COLE
amigos. Possivelmente bêbada e esse cara, Max — nós
estaríamos sozinhos neste quarto porque ele iria querer me
beijar, me foder. E se a situação não fosse igual a que está se
desenrolando nesse momento — eu permitiria. Eu gostaria que
ele me quisesse.

Meus olhos estão fixos nos dele e há algo nele, alguma


conexão estranha que quer emergir que me faz querer
experimentá-lo de todas as formas possíveis. Em um mundo
normal, nós nos beijaríamos. Nós foderíamos. E talvez eu o
fizesse se apaixonar por mim...

“Ava?” Sua voz profunda me arrasta dos meus


pensamentos vibrantes, dos reinos de proteção de um
devaneio.

Seu dedo remove um pedaço de cabelo da minha


bochecha e o calor de sua mão envia um leve choque elétrico
pelo meu corpo. Talvez este seja o destino. Minha mente tenta
implacavelmente entender por que tudo isso está acontecendo,
e agora está atirando para todo lado.

“Eu só preciso que você faça o que pedimos”, diz ele com
tal sensação de calma, meu batimento cardíaco acelerado
começa a diminuir. “Eu não quero que nada ruim aconteça
com você. Eu realmente não quero, mas se você mandar Earl
se foder...” Ele estica o pescoço. “Bem, ele tem uma cabeça
meio quente. Ele já matou pessoas por causa de coisas assim,
está bem?”

Eu concordo.

Eu concordo.

Eu concordo.

Porque isso é tudo que posso fazer.

“Por favor...” Nem sequer percebo que estou falando, e


embora eu diga a minha boca para parar, isso não acontece.
“Por favor, apenas me deixe ir embora. Eu prometo que não

STEVIE J. COLE
vou contar a ninguém. Não direi uma palavra. Nem ao meu
pai. Ninguém. Eu tenho apenas dezenove anos. Por favor.” E
agora as lágrimas estão caindo pelo meu rosto. Estou
sufocando em soluços. E estou tão cansada, tão desorientada
que acabo com meu rosto enterrado no ombro de Max. Sua
camisa está encharcada com o aroma picante de Sauvage da
Dior. Bronson usava esse perfume. E agora me vejo chorando
mais forte enquanto ele permanece rígido.

Suas grandes mãos seguram meus ombros e ele


lentamente me empurra para longe. Seus dedos percorrem
meus braços e então ele me agarra, dobrando-me sobre meus
joelhos. “Porra, Earl”, ele murmura baixinho enquanto pega
meus pulsos amarrados em suas mãos. Inclinando-se, ele
alcança a perna de sua calça jeans. Quando se endireita, há
uma faca de caça na mão. O medo me consome. Aquele
formigamento de uma súbita injeção de adrenalina cobre
minha pele, minha cabeça nada, e antes que eu possa
realmente reagir, ele corta a corda dos meus pulsos. “Não é
como se você fosse a qualquer lugar, agora né?” Pergunta ele.

Eu rapidamente trago minhas mãos para o colo e olho


para as marcas roxas. Há um pouco de sangue seco onde a
corda áspera feriu a pele. Meus dedos estão inchados e
azuis. Depois de alguns segundos, sinto formigamento na
ponta dos dedos por causa do sangue correndo de volta para
elas, e me vejo tentando afastar a desconfortável sensação.

“O que você quer comigo?” Pergunto. “Pelo menos me


diga isso.”

Um sorriso lamentável e suave contorce seus lábios.


“Você não quer saber.” Ele esfrega na parte de trás do seu
pescoço. “Eu realmente odeio isso. Odeio. Mas meio que faz
parte, sabe?”

“Não, eu não sei.” E eu não sei porque estou falando com


ele.

STEVIE J. COLE
Um leve sorriso toca em seus lábios. “Esses homens se
viram do caminho certo para andar por caminhos
escuros. Eles têm prazer em fazer o mal, e gostam dos
caminhos distorcidos do mal... Você sabe, toda essa merda.”

Olho para ele. “Não cite Jesus.”

“Isso não foi Jesus. É na verdade de Provérbios.”

Olho para ele, quase estupefata. “Sim…”

“Pessoas más precisam de Jesus mais do que as boas,


sabe?” Ele diz enquanto inspira profundamente. “Sinto muito
por isso. Apenas não implique com Earl. E, para ser sincero,
passarei mais tempo com você do que ele.”

“Por favor.” Com minhas mãos agora livres, agarro a


dele. “Por favor, apenas me deixe ir. Sou estudante da
Universidade do Alabama. Estou me especializando em
microbiologia. Quero me casar um dia, ter filhos. Por favor, por
favor, não deixe que isso seja a última coisa que
experimentarei.” Um soluço sobe pela minha garganta. “Por
favor!”

O queixo está em seu peito e ele está debruçado sobre


os joelhos, torcendo as mãos. “Basta fazer o que lhe pedem”,
diz ele.

A tranca clica e as dobradiças gemem quando Earl volta


para a sala. Ele tem vários itens em seus braços, que despeja
no colchão.

“Aqui está. Algumas águas. Gatorade, Pop-Tarts, barras


de cereais, Twinkies, alguns cookies e depois há algumas
barras de proteína com nozes.”

“Foda-se, Earl.” Max golpeia a comida. “Você quer que


ela entre em coma diabético?”

Earl encara Max. “Você disse para trazer alimentos


embalados. Bem, é o que temos.”

STEVIE J. COLE
Max sacode a cabeça e se levanta da cama. Ele empurra
Earl e passa, esperando-o na porta. O olhar de Earl continua
saltando da pilha de alimentos excessivamente processados
para mim. “Earl, vamos lá!” Max grita, fazendo Earl pular. Eu
mantenho meu olhar fixo na beira do colchão. A porta se
fecha. Cliques das travas. E estou sozinha novamente.

Solidão. Como um prisioneiro cumprindo uma sentença


de prisão perpétua porque tenho quase certeza que será assim
aqui. Eu, aqui nesta sala, até que minha vida seja finalmente
tirada de mim.

STEVIE J. COLE
7

MAX

Porra, Ava Donovan.

Eu fico olhando boquiaberto para a foto do perfil do


Facebook na tela do computador, minha mão pairando sobre
o mouse. Ela é filha de Frank Donovan. Porra do inferno,
Earl! Qualquer um neste submundo reconheceria esse
nome. Ele é um assassino de aluguel, caralho. Esse homem é
violento e implacável. E ele é um gênio da porra. A CIA não
pode tocá-lo. No que diz respeito a qualquer pessoa fora deste
mundo, Donovan nada mais é do que um homem de negócios
porque é um camaleão. As pessoas más mais bem sucedidas
são as melhores em parecer normal, elas são as pessoas que
você quer ter para o jantar porque elas são tão charmosas.

Frank Donovan.

Engraçado, a maneira como o destino tece sua pequena


teia doentia. Donovan — eu o odeio e sua porra de
família. Bato meus dedos sobre a mesa, o suor crescendo na
minha testa quando me lembro do momento em que aceitei que
há uma lasca de escuridão que vive em todos nós. Eu luto
contra isso. Cerro meus dentes, desejando que minha mente
pare, mas como um buraco negro essa memória me chama, me
atraindo para dentro do desânimo no segundo em que eu
desisto e fecho meus olhos.

O martelo parece mais pesado do que deveria em minhas


mãos. Minhas palmas suadas, meu coração batendo na minha
garganta. Cada batida pulsa atrás dos meus olhos, minha visão
ameaçando ficar preta. Nunca fiquei tão louco e posso entender
agora como as pessoas têm ataques cardíacos por pura
raiva. Estou em pé na ponta do sofá observando esse filho da

STEVIE J. COLE
puta respirar. Inspira. Expira. Inspira. Expira. Eu quero fazer
seu maldito peito parar de subir.

Essa cara trabalha com meu pai, e de vez em quando fica


tão bêbado que desmaia no sofá, assim como está agora. Eu
nunca gostei dele. Ele é um idiota arrogante, e já houve muitas
vezes que quis bater socar seus dentes, mas o que eu ouvi
minha irmã contando a sua amiga mais cedo hoje — eu vou
matá-lo por isso. Ela estava soluçando. Johnny Donovan —
esse pedaço de merda deitado no meu maldito sofá — a
estuprou. Ela tem apenas catorze anos, caralho. Eu fecho meus
olhos, tentando me convencer a respirar. Ele pula durante o
sono e se desloca no sofá, derrubando várias latas de cerveja
no chão durante o processo.

Meu queixo está tenso e dou um passo em direção a


ele. Então outro, parando quando minha sombra recai sobre
ele. Isso não é errado. Não é. Eu levanto o martelo e bato na
parte de trás de sua cabeça. Que som faz. Não é exatamente
uma rachadura, talvez mais um pop ou plop — um som meio
úmido, como quebrar a porra de uma abóbora até abrir. Ele
grita, agarrando a parte de trás da cabeça e se virando no
sofá. Ruim para ele, o próximo golpe acerta seu rosto. Sangue
explode de seu nariz. “Você estuprou minha irmã, porra, seu
doente.”

“Pare”, ele geme, cuspindo sangue da boca.

Eu bato o martelo sobre sua boca, seus dentes se


quebram. “Você parou quando ela pediu?” Eu grito. Estou
alimentado pela raiva, e uma raiva como essa — não é algo que
você pode parar facilmente.

Este diabinho dentro de mim exige que eu continue


batendo nele, que o faça pagar pelo que fez com ela. Ele luta,
agitando-se ao redor, mas continuo batendo em seu rosto,
depois de bater, até que meus músculos estão realmente muito
cansados para levantar a arma mais uma vez. Eu a deixo cair
no chão e olho para a bagunça. Sangue e pedaços de carne

STEVIE J. COLE
mutilada estão por toda parte. A parede, o abajur, eu — até
alguns salpicos no teto. Arrasto minha mão pelo rosto,
enxugando um pouco do sangue antes de me virar e caminhar
até a cozinha. Eu sento lá, bebendo água e olhando para o que
sobrou de Johnny D. Foda-se ele.

Eu saio da memória lúcida com um sorriso.

Eu nunca soube que uma única pessoa poderia ser tão


brutal com outro ser humano — que eu poderia ser tão violento
assim. Todos nós temos uma fera maligna que fica logo abaixo
da superfície, arranhando para sair. Naquele momento, matar
um homem quando eu tinha apenas dezesseis anos, bem, era
como ter uma versão manchada de sangue da Caixa de
Pandora aberta bem na minha frente.

Meu pai chegou em casa uma hora depois. Ele fez


apenas uma pergunta: por que? Eu contei a ele. Ele assentiu
e limpamos a merda, jogando o corpo de Johnny no rio
Coosa. Duas semanas depois... Frank Donovan invadiu minha
casa e levou minha família como vingança, e agora, a amada
filha de Frank Donovan está trancada naquela porra de
porão. Engraçado como a vida faz um círculo completo.

Jesus Cristo Earl! Meu pulso bate freneticamente nas


minhas têmporas, e rapidamente alcanço o maço de cigarros
na borda da mesa, puxo um para fora e acendo. Tomando
várias baforadas, meu olhar se fixa no retrato da família que
foi configurado como foto do perfil de Ava no
Facebook. Levanto-me da cadeira e dou um passo ao longo do
meu quarto, fumando o cigarro até o filtro antes de apaga-lo
em um cinzeiro de lata. Isso é uma merda. Uma bela merda.

Abro a porta, descendo os degraus até a sala de


estar. Earl está dormindo em sua poltrona reclinável. Há um
cigarro queimado pendurado em seus lábios e cerveja na mão.

“Earl!” Eu grito e ele bufa, pulando e derrubando a lata


de cerveja do seu colo.

STEVIE J. COLE
“Porra, Max?”

“Frank Donovan…”

Ele passa a mão suja pelo rosto. “Sim”, ele geme. “O que
tem ele?”

“Aquela garota lá embaixo”, aponto para o andar acima


da sala de espera — “é a porra da filha dele.”

Seus olhos se estreitam para meras fendas enquanto ele


coça a barba em seu rosto. “Não diga, né? Então eu acho que
Brandon é irmão dela?”

Jogando minhas mãos para cima, eu paro. “Eu não sei,


porra.”

“Bem, ele é o merdinha que a queria morta.”

“O irmão dela?”

“Sim. Quer o dinheiro do seguro. Acho que ele vai matar


o pessoal dele, pegar o dinheiro. Um pequeno bastardo
ganancioso.” Earl ri.

Balanço minha cabeça e cerro meus punhos. “Eu não


me importo com o que ele quer. O pai dela é Frank-filho da
puta-Donovan e quando ele vier atrás dela — porque ele vai —
o diabo seria mais gentil em lidar com nossas mortes.”

Earl nem mesmo se abala. Ele apenas se inclina para


trás na poltrona e acena. “Não vão encontrá-la. Nós vamos
treiná-la e vender para algum pobre filho da puta e é ele quem
terá que se preocupar com Donovan.”

A raiva incha dentro de mim e antes que perceba fiz um


buraco através da placa de gesso na porta da cozinha. Eu agito
a dor da minha mão no meu caminho para a pia. A única coisa
em que consigo pensar é no quão fodido é tudo isso. Abro a
torneira, e enquanto vejo o sangue e os detritos rodando pelo
ralo, tenho a sensação de que isso está além do meu
controle. Algumas coisas não são coincidência. Algumas

STEVIE J. COLE
coisas, não importa como você tente intervir, os resultados já
estão definidos.

STEVIE J. COLE
8

AVA

Eu ando pelo quarto. Andei caminhando por horas —


penso, no silêncio.

Silêncio.

Silêncio.

Silêncio.

Não tenho ideia de quanto tempo estou aqui. Parece


uma eternidade, mas sem janelas e com pouco sono, não tenho
como saber. O cano que atravessa o teto continua vazando
água. O constante pinga, pinga, está me
enlouquecendo. Estou fraca e desorientada. Meu corpo está
exausto.

Paro no meu meio do meu passo. “Pare!” Grito, olhando


para o tubo acima da minha cabeça. “Apenas foda-se, pare com
isso!” E agora eu recomeço andando em círculos ao redor desta
porra de quarto.

Limpo a garganta para fazer barulho, depois paro de


andar momentaneamente para coçar a cabeça. Eu coço meu
cabelo imundo e embaraçado até doer, então coço meus braços
e pernas. Eu coço em todos os lugares. Não tomo banho desde
que estou aqui e ainda estou usando as mesmas roupas —
cobertas com o sangue seco de Bronson. Eu ando mais um
pouco e, de repente, começo a chorar. Esses gritos se
transformam em soluços e, assim como se alguém tivesse
acionado um interruptor, a raiva toma conta. Eu
grito. Grito. Amaldiçoo os bastardos estão me prendendo aqui
até minha garganta queimar e minha voz ficar rouca. E então,
bem, então apenas caio no chão e fico sentada no silêncio,
imaginando se realmente existe um mundo fora desta sala.

STEVIE J. COLE
Mesmo tão exausta quanto estou, meu corpo está em
constante estado de luta ou fuga.

Ainda não tenho ideia do que eles querem comigo, mas


o fato de que não fizeram nada ainda me assusta. Toda vez que
Earl entra aqui, ele diz exatamente a mesma coisa para mim:
“Você tenta fugir, você tenta fazer qualquer coisa para sair
daqui e eu vou te matar. Vou matar sua família. Vou estuprar
sua mãe antes de matá-la.” Depois disso, Earl anda até o canto
da sala, encosta-se à parede e apenas olha para mim. E é a
maneira como ele olha para mim que me atinge. Seus olhos
são completamente frios e vazios de emoção, mas quando ele
olha para mim, a maneira como seus olhos percorrem meu
corpo enquanto ele ajeita seu pau — há um brilho doentio em
seus olhos. Eu sei o que ele quer fazer e sei que fará isso. Eu
só não sei quando. De todas as coisas que podem ser feitas a
você, eu sei que o estupro é a pior.

E você quer saber por quê? Porque você pode superar a


dor. As feridas da carne curam — mas aquele sentimento
obscuro que te magoa uma vez que você foi usada por um
homem imundo... ele nunca desaparece. Quando um ato
destinado a expressar amor e conexão é transformado em ódio,
poder e controle — isso muda você de forma que não são
facilmente esquecidas. O abuso racha o espelho da auto
percepção, causando falhas na maneira como você se vê e na
maneira como aceita como os outros te veem. Essa sensação
de falta de valor, não posso aguentar de novo. Eu não posso.

Tento pensar sobre o que poderia oferecer a esses


bastardos para me soltarem, mas o que mais ferra é que sou
bem entendida sobre o estilo de vida criminoso porque cresci
nele. E a única coisa que aprendi, a única coisa de que tenho
mais certeza do que a morte, é que até que esses homens
consigam o que querem, não sairei daqui. E mesmo assim, as
chances são pequenas. Eles nunca tentaram se esconder, o
que significa que não acham que serei uma
testemunha. Garotas mortas não são testemunhas.

STEVIE J. COLE
Click. O som sutil da fechadura deslizando, e eu sei que
a possibilidade da morte é uma coisa muito real. Quando as
dobradiças enferrujadas rangem, meu ritmo cardíaco
aumenta.

Eu mantenho meu olhar focado nas mãos, esperando


que Earl jogue algumas garrafas de água na cama e caminhe
para o canto do quarto para olhar para mim antes que saia. Por
favor, deixe-o sair...

“Você já tomou banho?” O sotaque sulista arrasta meus


olhos para longe do meu colo.

Max está de pé na minha frente, seu olhar fixo no meu


rosto. Dias de nada além de solidão e Earl quase me fazem
ofegar na presença de Max. Suas feições são muito mais
suaves que as de Earl. E o único pensamento girando na
minha cabeça agora é que eu quero tocá-lo. Quero sentir
alguma forma de contato humano, embora perceba o quão
ridículo parece querer tocar alguém que está mantendo você
como refém.

Max se aproxima, até que esteja tão perto que eu posso


sentir o calor de seu corpo em minha pele, e então ele se
agacha, apoiando os cotovelos nos joelhos. Ele olha para
mim. Sua colônia cheira tão bem. Tão limpo. Tão
familiar. Fecho meus olhos e inspiro esse cheiro
profundamente em meus pulmões, fingindo que não estou
realmente aqui.

“Ava.” Eu abro meus olhos. “Você gostaria de um


banho?”

Aceno e ele fica de pé, estendendo a mão para mim. Eu


pego. Sua palma é lisa, tão macia e quente. Tão humano. Esse
simples toque quase me quebra. Lágrimas brotam nos meus
olhos. Minha visão se embaça. Minha garganta aperta. O que
há de errado comigo?

STEVIE J. COLE
“Agora”, ele me puxa para encará-lo “você tem que me
prometer que não vai tentar fugir.”

Eu concordo.

“Porque se você fizer isso”, diz ele. “Eu terei que te


machucar. E eu não quero te machucar, ok?” Outro aceno de
cabeça. “Eu vou amarrar seus braços, não que eu não confie
em você, entenda, mas eu sei que a tentação, uma vez que você
veja algo além desse quarto, pode acabar virando sua cabeça.”
Eu aceno de cabeça novamente, porque é tudo que posso
fazer. Max enfia a mão no bolso de trás e puxa uma corda.
“Cruze as mãos na sua frente.” Eu faço como pedido e ele
começa o trabalho, prendendo meus pulsos. “Isso não dói, não
é?” Pergunta ele, levantando os olhos de sua cabeça baixa.

Jesus, os olhos dele...

“Não”, eu sussurro.

“Tudo bem então.” Tomando-me pelos meus pulsos


amarrados, ele me leva para fora através da porta.

Através do porão, subimos os degraus de madeira e


entramos na cozinha. O sol da tarde passa pelas janelas,
lançando um brilho quente sobre o chão sujo de linóleo. Eu
olho em volta, procurando por Earl ou Bubba, mas não há
ninguém aqui.

“Eles se foram”, diz Max, como se soubesse o que estou


pensando. O pensamento traz calafrios na minha pele.

Há uma porta. Está trancada. Uma janela. Um bloco de


faca no balcão... Eu pego todos os detalhes que posso, tentando
fazer um esboço deste lugar no caso de eu ter a chance de fugir
daqui. O aperto de Max no meu braço fica mais firme — de
novo como se ele estivesse dentro da minha cabeça.

As paredes estão manchadas, poeira e lixo sujam cada


cômodo em que passamos. Enquanto ele me leva através dessa
casa nojenta, meu coração bate contra as minhas costelas

STEVIE J. COLE
porque eu não tenho ideia do que está prestes a acontecer
comigo. Tudo o que posso ouvir são minhas respirações
ofegantes e as botas de trabalho de Max atravessando o chão
de madeira gasto do foyer.

Ele me guia para os fundos, para uma escada caracol


elegante que tem no foyer de dois andares. “Cuidado com seus
passos, querida”, diz ele.

Eu mantenho meus olhos treinados nos degraus, no


tapete creme, que precisa urgentemente de uma limpeza. Uma
vez no topo, Max me vira para a direita e me leva a um banheiro
grande e antigo. Há uma pia antiga de pedestal debaixo de um
espelho dourado. O papel de parede é creme com rosas
encobertas por flor-de-lis marrom, e está descascando nas
emendas. Contra a parede oposta, há uma banheira com pés e
com uma rachadura grande e cinzenta no comprimento da
borda.

Max tranca a porta com uma chave, girando o trinco de


metal para garantir que está bem fechada. Seus olhos se
prendem aos meus quando ele enfia a chave dentro do bolso
de seu jeans, silenciosamente me dizendo para nem pensar
nisso. Ele acena para a banheira. “Vá para a água.” E então ele
solta o meu braço.

Eu lentamente ando em direção à banheira, meu pulso


martelando violentamente nas minhas têmporas a cada
passo. Engulo. A corda, embora amarrada frouxamente ao
redor dos meus pulsos, cava minha pele ferida quando agarro
as alças douradas da banheira. Há um barulho alto de batida
enquanto a água corre pelos canos, e quando ela vem jorrando,
está tingida de ferrugem e cheira horrivelmente.

“Apenas espere um minuto. A tubulação é muito velha.”

A água clara corre depois de um minuto ou mais. Uma


vez que a água suja se esgota, eu fecho a banheira e me
levanto, mas não me viro. “Você vai ficar aqui?” Pergunto.

STEVIE J. COLE
“Sim. Desculpa.”

Virando-me, olho para ele. Parte de mim quer falar com


ele, mas a parte mais forte de mim leva a melhor. Minha
mandíbula aperta e me viro para me despir. Tento soltar meus
jeans, mas só consigo desabotoar por causa dos meus pulsos
amarrados. Max anda atrás de mim, me pega pelos ombros e
me gira ao redor. Não quero olhar para seu rosto, então me
concentro no que está bem na minha frente — sua garganta
coberta da barba por fazer.

“Eu vou te despir.” Vejo sua garganta se mover enquanto


ele engole. “Não porque eu quero, entende?” Ele diz baixinho.
“Mas porque não posso desamarrar você.” Ele pega na ponta
da minha blusa imunda. Meus olhos vão até seu rosto. Ele é
lindo, não como qualquer homem que você normalmente veria
andando pela rua. Seu rosto — seria capaz de parar o caminho
de qualquer mulher viva. E como é irônico? Ele é o predador
perfeito. Magnético. Um homem assim atrairá você e, antes
mesmo de perceber, terá te devorado.

Uma careta se forma em seu rosto enquanto ele olha


para as minhas mãos amarradas. “Sua blusa está, de qualquer
maneira, ensanguentada.” Com um rápido movimento de seus
pulsos, o material fino é rasgado e cai no chão. Em seguida,
ele puxa o zíper do meu jeans para baixo. Ele se dobra
enquanto desce a calça sobre meus quadris, e por mais
confuso que possa parecer, há algo muito gentil na maneira
como ele está me despindo.

Nessa situação, ele poderia arrancar as roupas do meu


corpo, me agarrar — ele poderia fazer o que quisesse, porque
estou impotente, mas seus olhos estão no chão agora
mesmo. E pela primeira vez na minha vida, eu realmente sinto
que um homem me respeita. Um homem que é mau. Um
homem que está me mantendo contra a minha vontade me
respeita o suficiente para não olhar meu corpo nu. E então
aquele pedaço feio de mim me diz que é porque eu não sou boa
o suficiente. Por que ele iria querer olhar para mim? E então

STEVIE J. COLE
eu quero que ele olhe. Quero que ele seja desrespeitoso, e eu
me odeio por isso.

Saio de uma perna e depois a seguinte. Aqueles seus


olhos escuros olham para mim antes de ele ficar de pé, e desta
vez, seguro seu olhar. Seus dedos roçam meu ombro, minhas
costas, e então ele solta meu sutiã, puxa-o para longe da
minha pele e deixa cair no chão. Parte de mim quer se cobrir,
mas essa outra parte de mim quer fazê-lo me olhar. Meu peito
nu sobe em ondas profundas, meus mamilos quase roçando
sua camisa, mas seus olhos permanecem colados aos meus.
“Eu não vou olhar”, diz ele pouco mais alto que uma
respiração.

“E se eu quiser que você faça isso?” Pergunto, e a


vergonha toma conta de mim.

Ignorando o meu comentário, suas mãos quentes


alcançaram meus quadris, pegando os dois lados da minha
calcinha e arrastando-a pelas minhas pernas. Com os olhos
ainda no meu rosto, ele dá um passo para trás e eu
rapidamente entro na banheira. A água está escaldante, mas
não me importo. Afundo para baixo da superfície e fecho meus
olhos. Eu ouço o barulho de suas botas no chão, e abro meus
olhos bem a tempo de vê-lo estendendo uma toalha e uma
barra de sabão.

“Obrigada”, sussurro, envergonhada que tudo que quero


é que ele olhe para mim.

Um pequeno sorriso enfeita seu rosto antes que ele vire


as costas para mim. Eu não deveria me sentir atraída por ele,
mas estou. Tudo o que quero neste momento é que ele me
reconheça, que olhe para mim como se me desejasse. Nada
disso está certo.

Há um estalo e um rangido. Olho para cima e a janela é


aberta. Max vira para o lado enquanto coloca um cigarro nos
lábios e acende. Seu perfil é tão robusto, mas refinado. O sol
do final da tarde lança um leve brilho atrás de sua silhueta,

STEVIE J. COLE
fazendo-o parecer quase santo, mas no momento em que ele
sopra a fumaça espessa através da janela aberta, tudo o que
posso pensar é no quanto ele se parece com o diabo. E estou
começando a perceber que a maioria das coisas sobre esse
homem é um oximoro. Gentil, mas selvagem, respeitoso, mas
abominável — Deus e diabo.

Quanto mais o vejo fumar o cigarro, mais meu coração


bate forte. Estou ficando louca. Eu morrerei neste lugar,
mental ou fisicamente — possivelmente ambos. Eu não quero
que essas coisas aconteçam.

Ele dá outra tragada lenta, esfrega a mão na parte de


trás do pescoço e geme, quase posso ver a tensão crescer em
seus músculos. Então, um único pensamento vem à
mente. Escapar. Quão difícil seria sair dessa banheira e pegar
aquela chave dele? Mas então o que? Estou encharcada. Eu
escorregaria antes de chegar à porta, largaria a chave. Então
ele ficaria com raiva...

Forço minha atenção para longe dele e me lavo o melhor


que posso. Max fica ali, de costas para mim, com o olhar
voltado para fora da janela, fumando cigarro atrás de cigarro.

Sento ali na banheira até a água ficar fria e ele ainda não
se virou. Eu olho para suas costas largas, minhas emoções
oscilando de raiva para gratidão e em todos os lugares no meio.
“Posso pegar a toalha, por favor?” Eu pergunto.

“Você quer que suas costas sejam lavadas?” Ele diz.

“Não.”

“Por quê?” Ele exala, seus ombros caindo. “Você está


imunda.” Ele joga o cigarro pela janela e se afasta da parede,
mas mantém as palmas das mãos contra a moldura da
janela. Ele bate os dedos sobre a madeira enquanto deixa cair
o queixo no peito. O fato de que ainda não se virou me deixa
desconfortável por algum motivo. “Apenas recline-se sobre
seus joelhos”, diz ele. “Eu não verei nada.”

STEVIE J. COLE
“Eu não me importo se você olhar”, sussurro.

Ele se vira e ainda estou sentada, totalmente


exposta. Ele molha os lábios com a língua, em seguida, engole,
seus olhos perfurando os meus. O coração bate forte no meu
peito enquanto espero seu olhar descer pelo meu corpo,
enquanto espero pela validação que eu tão desesperadamente
e vergonhosamente quero, mas seus olhos nunca vacilam, e
segundos depois, sua sombra cai sobre a banheira.

Observo a ondulação da água, distorcendo seu reflexo


enquanto ele tira a toalha da borda da banheira, mergulha-a
na água e a torce sobre minhas costas. Fechando meus olhos,
me inclino sobre meus joelhos e coloco minha bochecha contra
o braço. E isso, embora não devesse ser, é íntimo. Este ato por
si só me deixa confusa. Uma de suas grandes mãos descansa
no meu ombro, a outra me lava com movimentos suaves. Ele
coloca meu cabelo para o lado do meu pescoço para lavar meus
ombros, e está tão perto de mim agora, cada vez que ele exala,
o calor de sua respiração envia arrepios pela minha espinha. E
por um momento — um momento fugaz — a tensão nos meus
músculos relaxa.

“Isso deve fazer você se sentir muito melhor”, diz ele,


enxaguando minhas costas.

Quando olho para cima, ele está de pé ao lado da


banheira, segurando uma toalha. Eu saio do banho e ele
envolve a toalha grossa ao meu redor. “Eu vou pegar algumas
roupas quando for para a cidade...”

Ele agarra meus pulsos e me leva até a porta, tirando a


chave do bolso. Eu fico olhando para ele tão confuso e
perturbado. “Por quê?” Pergunto enquanto saímos para o
corredor. Isso é tudo que eu quero saber. Apenas um
motivo. Porque estou aqui, porque ele se importa... alguma
coisa.

“Por quê?” Ele para no topo da escada antes de me levar


para baixo. “Por que você está aqui? Deixe-me colocar desta

STEVIE J. COLE
forma, para algumas pessoas, nada significa mais do que
dinheiro. Nem sangue, nem amor, nem vida. Ganância. Um
dos pecados mortais. É por isso que você está aqui,
querida. Tudo se resume à ganância.”

Às vezes ele diz coisas que são tão vagas que eu não
posso entender nada. “Pare de falar em enigmas, ok?” Eu digo.

Agora estamos no foyer e meu pulso está vibrando


porque eu não quero voltar para aquele buraco escuro.

“Ganância e ironia...” Max ri quando dobramos no


corredor.

“Ironia?”

“Sim, ironia porque você e eu evidentemente estamos


presos um ao outro por muito mais tempo do que as poucas
semanas que você esteve aqui.”

Já faz semanas...

“Seu pai...” Ele inala. “Bem, ele matou minha família.”


Ele não diminui o passo. Seu tom não muda.

Meu estômago dá um nó e eu engulo em volta do caroço


na garganta. “Desculpe”, consigo suspirar essa palavra.

Eu sei o que meu pai faz, mas nunca me pareceu real. É


mais como um filme ou romance de um mafioso porque ele é
tão gentil comigo e com meu irmão e minha mãe, tão terno,
mas no final das contas ele é um assassino a sangue frio. Você
tem que separar coisas assim das pessoas que você ama. Às
vezes, para amar alguém, você deve primeiro esquecer as
coisas que não pode amar sobre elas. “Sinto muito”, digo de
novo, como se essas palavras pudessem mudar alguma coisa.

Ele abre a porta do porão. “Merdas acontecem.”

Quando chegamos ao último degrau, sinto o suor


acumulado nas palmas das mãos e minha cabeça fica toda
tonta. Olho para aquela porta de madeira. Embora seja apenas

STEVIE J. COLE
sete metros à minha frente, parecem quilômetros. Quando
Max desliza a fechadura e a porta se abre, quero gritar. Estou
desesperada por qualquer coisa que não seja aquela solidão —
o silêncio que me força a pensar sobre todas as coisas que eu
não quero pensar: sobre morte e as partes da vida que eu
nunca experimentarei se não sair daqui. Sobre o fato de que
não importa o quanto procurem por mim, as chances de
alguém me encontrar são quase nulas. Aquele quarto é a
epítome do que é a solidão.

“Quantos dias eu estive aqui?” Pergunto, tentando


prendê-lo.

“Treze.”

“Quantos mais ficarei?”

A fechadura clica e ele me dá uma leve cutucada para


entrar no quarto. “Não sei.”

A água escorre pelas minhas costas e só agora percebo


que ainda estou de toalha, completamente nua debaixo
dela. Ele vai me deixar aqui assim. Nua. E na próxima vez que
Earl entrar... Não posso nem pensar nisso. Eu não posso!

“Estou com frio”, sussurro, lutando contra o desejo que


tenho de chorar.

“Vou pegar outro cobertor.” Ouço a porta se fechar e Max


se move na minha frente. “Me dê seus pulsos”, diz ele enquanto
tira uma faca do bolso e corta a corda, liberando minhas mãos.

Depois de afastar a faca, ele cruza os braços musculosos


em frente e agarra a bainha de sua camiseta. Seus músculos
se dobram e flexionam enquanto ele puxa o tecido sobre sua
cabeça. Meus olhos percorrem sua pele bronzeada, sua
estrutura espessa, seu abdômen e peito tonificados. Tatuagens
estão espalhadas por seus braços, principalmente tribais, mas
uma se destaca: um corvo em um galho atado. Certamente
representam algo... Max lança a camiseta para cima e acena

STEVIE J. COLE
para mim antes de me jogar. “É tudo o que tenho, mas vou
arranjar mais roupas para você. Não pensei muito nisso.”

Eu estreito meu olhar. “O que? Pensar no que fazer?” Eu


só quero mantê-lo aqui. Eu não quero ficar sozinha.

“O banho. Eu só...” Ele deixa cair o queixo no peito e


passa os dedos pelo cabelo escuro. “Eu me senti mal por você,
sabe? Você estava fodidamente imunda, e não confio em Earl
para não tocar em você ou qualquer coisa, então eu
simplesmente não pensei em ter roupas limpas para você.” Ele
não vai olhar para mim, e para ser honesta, eu não quero que
ele faça. Ele é muito real para mim agora. Muito normal. Muito
humano para ser o monstro que deveria ser.

“Obrigada.”

“Por nada.”

Deixo cair a toalha e deslizo a camiseta sobre a minha


cabeça antes de sentar no colchão e puxar o cobertor sobre o
meu colo. “Você pode, por favor, encontrar algo para eu vestir
na parte de baixo antes de Earl voltar?” Max olha para cima e
suspira enquanto se dirige para a porta. Ele não diz nada,
apenas sai, e ouço a trava se encaixar no lugar. “Por favor”,
digo de novo, alto o suficiente, sei que ele pode me ouvir.

Sento em silêncio por vários minutos, cercada pelo


cheiro da colônia de sua camiseta antes que a porta se abra
novamente e ele entre na sala. Ele joga uma calça de agasalho
cinza para mim.

“Obrigada.” Eu forço um sorriso.

“Por nada.”

E então ele sai de novo.

Deslizo dentro da calça, prendendo o cordão o máximo


que posso e deito no colchão irregular, fechando os olhos e, de
alguma forma, caindo no sono.

STEVIE J. COLE
9

MAX

Earl está desmaiado na poltrona com os dois cachorros


dormindo embaixo da perna. Bubba entra pela porta da frente,
com um saco de papel de mercearia amassado na mão. O
barulho repentino faz com que Bear se assuste. Ele pula de
debaixo da cadeira, orelhas para trás, dentes à mostra e
rosnando.

“Ah, cale a boca agora, Bear”, diz ele, apontando para o


cachorro.

Earl resmunga da cadeira. Bubba olha para mim.


“Temos que entregar a garota. Acabei de receber o dinheiro do
homem.” Ele joga o saco da mercearia no sofá.

Isso chama a atenção de Earl. Ele pula, quase


tropeçando em Bear enquanto se joga em direção ao sofá e
agarra a sacola. Seus lábios se abrem em um largo sorriso
quando a parte de cima e olha para dentro. Ele inspira. “Nada
como o cheiro do dinheiro”, diz ele.

Afasto-me da parede e vou para o porão. Quando abro a


porta do quarto de Lucy, ela sorri e pula da cama. “Eu senti
sua falta.” Ela alcança meu rosto, mas me afasto de seu toque.

“É hora de você ir agora.” Eu pego a mão dela, mas


quando vou caminhar em direção à porta, ela permanece
imóvel. Eu olho por cima do ombro e arqueio uma sobrancelha.
“Vamos, Lucy. Eu disse que é hora de ir.”

Seus olhos se enchem de lágrimas, o lábio treme. “Você


vai me matar, não é?”

“Não. Eu estou te dando uma nova vida.” Eu sorrio e


puxo seu braço, mas ela ainda não se move. Virando-me, eu
gentilmente a puxo pelos ombros. “Lucy, você confia em mim?”

STEVIE J. COLE
Seus olhos se prendem aos meus quando ela balança a
cabeça.

“Então, confie que estou fazendo o que é melhor para


você.”

E com isso ela cede, me seguindo para fora do quarto


sem outra pergunta, porque quando você está despojado de
tudo, exceto de algum amor fabricado, você facilmente cede
para coisas que não deveria. Ela vai acreditar em quase tudo
que eu disser a ela.

Bubba está de pé ao lado da mesa quando entramos na


cozinha. O aperto de Lucy na minha mão fica mais forte, e eu
dou-lhe um aperto reconfortante de volta. Porque vai ficar tudo
bem. Ela não vai saber, e realmente, sua vida, mesmo que ela
seja prisioneira em algum sentido da palavra, será melhor do
que a vida que levava antes de me conhecer.

A caminhonete sai da estrada de terra, parando atrás de


uma pequena igreja branca. Há bastante luar e você pode dizer
que a madeira ao longo da lateral está estilhaçada, a torre em
um ângulo. É um dos edifícios mais antigos da cidade, e parece
que logo vai cair. Um grosso manto de nuvens cruza a lua e,
de repente, está escuro como breu. Bubba desliga o motor e
sai. A mão de Lucy ainda está na minha, as palmas das mãos
suadas. Eu me viro para olhar para ela. Ela está apavorada,
tremendo, mordendo o lábio inferior. “Lucy”, eu digo em um
tom firme. “Eu prometo que isso é o melhor para você.”

Ela engole, lutando contra as lágrimas em seus olhos.

Eu acaricio sua bochecha e ofereço um sorriso antes de


descer do veículo para abrir a porta. Ela sai e espera pela
direção. Mas em vez de instruí-la, eu simplesmente a seguro
pela mão e conduzo ao BMW preto estacionado ao lado da
igreja. Uma luz de movimento pendurada no canto da igreja
acende, e agora posso ver claramente o homem vestido com

STEVIE J. COLE
uma calça preta e camisa de botão branca quando sai do carro
brilhante. Ele parece um homem de negócios quando sorri
para Lucy, não olhando para mim. Independentemente de sua
grosseria, meu olhar permanece fico nele quando nos
aproximamos. Estou com raiva do homem que acha que
mulheres são algo a ser treinado e comprado.

Esta é a parte mais difícil de aceitar.

Estou vendendo uma pessoa. Essa mulher tem um


preço. Ela foi sequestrada, manipulada e agora está sendo
vendida pelo maior lance. A maioria desses homens quer uma
mulher quebrada, que tenha sido ensinada a não questionar,
que foi construída para amar alguém que deveria odiar. Alguns
desses homens acham que podem comprar amor, e isso é
fodido. O amor é uma emoção humana, e o que estou dando a
ele, bem, isso não é exatamente humano, agora é? Eu quebro
essas mulheres, peça por peça, enquanto desconstruo suas
ideias de amor, liberdade e respeito. Eu as deixo maleáveis
para que esses homens as queiram. E isso pode fazer de mim
um bastardo, mas eu aceitei isso há muito tempo.

Lucy para de andar e olho por cima do ombro para ela.


“Você vai...”, ela sussurra. “Eu vou com?”

“Sim. Eu quero que você vá com ele. Ele cuidará bem de


você e lhe dará muitas coisas. Eu quero que você o ame.”
Aperto sua mão e ofereço um sorriso gentil. Ela vacila no
próximo passo. “Vamos, Lucy. Vai ficar tudo bem. Você sabe
que eu não mentiria para você. Você pode amá-lo...”

“Mas”, ela lamenta. “Eu te amo…”

Balançando a cabeça, coloco meu dedo sobre os lábios


dela. “E eu não sou capaz de amar, mas ele é...”

Seu olhar salta de mim para o homem agora de pé, a


poucos metros à nossa frente. Eu coloco minha mão nas costas
dela e dou-lhe uma leve cutucada. “Está tudo bem”, eu lhe
digo.

STEVIE J. COLE
O homem estende a palma da mão e sorri. “Você é linda.”
Ele pega sua mão livre, levantando-a até os lábios para beijar.
“Você nunca vai passar vontade d éter alguma coisa
novamente.”

Lucy olha nervosamente para mim enquanto lentamente


libero sua mão. Ela dá um passo na direção dele, e ele a agarra
pela cintura, puxando-a para perto. Tirando o cabelo do seu
rosto, ele pega o queixo dela e inclina o rosto para cima,
estudando-a. O jeito como olha para ela faz meu estômago
revirar. Nenhuma pessoa sensata faria isso. Pessoas normais
não compram outros para fazer o que quiserem. Mas é uma
vida melhor do que ela teve…

STEVIE J. COLE
10

AVA

As dobradiças gemem e meus olhos se abrem. Alguém


tropeça no quarto, bate e tranca a porta. Há uma tosse e sei
que é Earl. Fecho meus olhos com força. Meu coração está na
minha garganta, minha pele escorregadia de suor.

“Agora, eu sei por que não te disse por que você está
aqui”, Earl insulta. Abro os olhos assim que ele golpeia o
cordão branco desfiado pendurado no teto. Ele puxa e uma
escuridão que eu conheci muito bem cai sobre o quarto.

Isso não é apenas uma escuridão visível — é uma que


eu sinto.

Aquele que se arrasta em cada pedaço da minha alma.

As molas gastas rangem, o colchão quica quando Earl


cai na ponta dele. “Você quer saber por que, sua cadela?” Eu
posso sentir o cheiro de Bourbon em seus lábios. Eu sinto seu
hálito pegajoso no meu rosto. Eu quero gritar, mas não faço
nada.

“Seu irmão”, ele soluça, e ouço líquido em uma garrafa


antes que o som dele engolindo mais álcool quebre o silêncio.
“Ele queria que eu te matasse.”

Meu pulso acelera. Ele está mentindo. Ele é...

“Brandon, esse é o nome dele, certo? Ele queria que eu


te abatesse como um porquinho.” Ele agarra minha perna.
“Squee, squee, squee.” Outro soluço. “Pagou um bom dinheiro,
mas eu simplesmente não consegui. Porque você é muito
esperta para ser morta, entende? Eu te salvei.” Sua mão cheia
de calos roça minha coxa. “E eu acho que você me deve algo
por isso.” Rindo, sua mão se arrasta mais até a cintura da
minha calça. Fujo para longe dele. Deveria lutar com ele —

STEVIE J. COLE
parte de mim diz isso, mas o instinto de sobrevivência que
tenho me diz que só vai piorar as coisas.

Você ouve histórias de rapto. Você acha que sabe o que


faria nessa mesma situação — mas na verdade não sabe. Não
há como alguém de fora saber o que isso faz mentalmente com
você. Você não pode imaginar quão forte sua vontade de
sobreviver pode ser. As coisas que você pensava serem terríveis
são na verdade mais terríveis do que você imaginava.

Mas essas coisas não são a morte.

Aqui estou eu sentada, encostada a uma parede, com


este homem me agarrando, sua respiração cheia de Bourbon,
fazendo a bile subir em minha garganta — mas não é a morte...
Na realidade de coisas terríveis e horríveis, você nunca reage
da maneira que gostaria de reagir. A verdade disso aqui é que
sim, eu posso lutar com ele, mas sou uma garota privada do
sono, aterrorizada, de cinquenta e quatro quilos. Estou
trancada em um quarto. Ninguém sabe que ele me tem aqui e
seria fácil para ele apenas me matar e jogar meu corpo em
algum rio se eu me tornar algo muito difícil de lidar. Este é um
nível de desamparo que a mente humana não pode
compreender. Você apenas pode sentir esse vazio; isso é inútil
e incapaz se você estiver nessa situação. E no final, os seres
humanos estão preparados para sobreviver a todas as
probabilidades.

Então fico imóvel, meus olhos tão fechados quanto


consigo. Lágrimas escorrem da minha linha dos cílios. Minha
garganta aperta e me forço a descer para um buraco escuro e
profundo. Imagino o que estaria fazendo se estivesse em casa:
ouvindo o rádio, dançando no meu quarto com minhas
amigas. Talvez, se nada disso tivesse acontecido, eu estaria em
um filme com minha amiga, Meg. E espero que, se eu me
perder nesse mundo imaginário que já foi real, talvez eu não
sinta as mãos ásperas de Earl em cima de mim; seus lábios na
minha garganta.

STEVIE J. COLE
Eu luto quando ele levanta minha camiseta. Por instinto
luto e, em troca, recebo um soco forte no rosto. Sinto sangue
na minha boca e engulo. Earl coloca meus braços na cama e
eu choro. Choro forte, porque não importa o quanto eu tente,
não posso ignorar isso. Não é real. Isso não é real. Eu aperto
minhas coxas bem juntas. Earl desliza os dedos entre elas e
empurro minhas pernas com mais força.

“Não facilite, se você não quiser” diz ele. “Eu gosto


quando você luta.” Gotículas de saliva pousam na minha
bochecha. “Isso deixa meu pau bem duro. E eu gosto de uns
gritos. Vou me certificar que você grite bastante”, ele ri para si
mesmo. “Como se doesse”, diz ele com um grunhido sádico
enquanto bate o joelho entre as minhas pernas e as separa.

Por favor, Deus. Por favor... Até minha voz interna parece
assustada e desesperada. Não acredito que Deus intervenha
em nossas vidas, mas neste momento, Deus é a única
esperança que tenho. Deus, por favor, por favor, não deixe este
homem fazer isso. Por favor, deixe-me esquecer disso. Por favor,
me salve. Ou me mate se essa for a única maneira de me salvar
disso, mas se me matarem, por favor, faça ser de um jeito
rápido.

A tranca clica. A porta se abre. “Earl!” A voz de Max está


cheia de raiva.

Ouço a corda da luz quando ele a puxa. Mesmo com os


olhos fechados, posso dizer que a luz pisca. Uma brisa fria me
envolve quando Earl se afasta. Com ele longe de mim, abro os
olhos e grito. Minha camiseta está puxada atrás da minha
cabeça, meus seios expostos. Minha calça está nos meus
tornozelos.

“Porra Earl, eu disse...” A próxima comunicação de Max


com ele é um soco no rosto. Earl cambaleia, tocando seu nariz
machucado.

“Rapaz, eu vou chutar sua bunda.”

STEVIE J. COLE
Max se lança para ele de novo e de novo, em seguida,
agarra-o pelos ombros e o joga contra a parede de blocos de
concreto. E é agora que noto — a porta está bem aberta.

A porta está bem aberta!

Pego minhas calças e as puxo antes de saltar da cama e


sair correndo pela porta. Eu ouço Earl gemer. Há um baque.

“Ava, onde você está indo, querida?” Max grita.

Peço que minhas pernas me carreguem mais rápido


pelas escadas. Eu não tropeço uma vez, mas duas vezes. Eu o
ouço correndo atrás de mim. Ele está na escada. Eu chego à
porta e puxo, mas ela não se move. Eu puxo de novo, em
seguida, empurro, e quando eu empurro, caio na cozinha, de
joelhos. Meu pulso nunca correu assim em minha vida. Está
batendo tão forte que nem consigo respirar. Aqueles cães vêm
correndo, os dois rosnando com as orelhas para trás. Eu posso
ver a porta de tela que leva para o lado de fora e eu me esforço
para levantar, e assim que sinto uma mão envolvendo meu
tornozelo. Max me puxa de volta e meu corpo desce vários
degraus.

“Por quê? Por que você está me obrigando a fazer isso?”


Pergunta ele.

“Por favor. Eu não vou dizer nada.” Eu tento recuperar


o fôlego. “Por favor…”

“Eu não posso.” Ele geme quando ele se inclina e me


pega, me jogando por cima do ombro e se virando para descer
os degraus. “Eu não posso deixar você ir embora. Desculpa.”

Eu vejo aquela porta de tela desaparecer de vista, e fico


fraca porque não posso mais lutar. Seus dedos se contorcem
nas costas das minhas pernas enquanto ele me leva de volta
para o quarto onde Earl está caído no canto, o sangue
escorrendo pelo seu rosto.

STEVIE J. COLE
Max me joga na cama como uma boneca de pano, em
seguida, aponta um dedo para mim, sua expressão dura e
irritada. “Porra, não tente essa merda de novo, entende,
querida?”

Eu aceno e Max volta sua atenção para Earl. Ele agarra


os braços e puxa Earl, derrubando-o no chão. Um gemido
abafado desliza através do lábio arrebentado de Earl enquanto
Max o arrasta pelo chão sujo e sai do quarto.

“Fique aí, seu pedaço de merda”, diz ele antes de


caminhar de volta para o quarto e trancar a porta com uma
chave que coloca no bolso. “Agora, você viu o que eu acabei de
fazer lá, certo?”

“Você o matou?” Eu pergunto, porque isso é tudo que


posso compreender. Esse homem me salvou de ser estuprada,
mas não me deixa escapar. Eu não entendo nada disso.

“Não.” Ele limpa a mão sobre a boca e anda. Ele está


agitado. A cada segundo para e olha para mim, depois
continua o ritmo, passando as mãos pelo cabelo e
murmurando para si mesmo. “Tudo bem”, diz ele. “A coisa que
você precisa apenas aceitar é que você não vai sair
daqui. Quanto mais cedo você fizer isso, melhor você vai
ficar. Eu acabei de te salvar. Poderia ter deixado ele te foder,
mas eu não fiz isso porque não é certo! Essa é uma coisa que
não vou tolerar, porra.” Ele caminha em minha direção,
agachando-se na minha frente. Eu baixo meu olhar para o
chão para evitar olhá-lo nos olhos. “Não.” Ele pega meu queixo
e empurra para cima. “Você vai me olhar nos olhos. Ok? Toda
vez que eu falar com você, você precisa olhar para mim. Eu
preciso ver seus olhos para saber que você está me ouvindo.”

Suas palavras são duras e feias, mas seus olhos, seu


rosto, seu comportamento não combinam com nada disso e
confundem minha mente já distorcida.

“Eu te salvei, não é?” Ele diz.

STEVIE J. COLE
“Sim”, eu sussurro.

Ele balança a cabeça e solta o meu queixo. “Se você


apenas...” Ele balança a cabeça e inala. “Apenas fique aqui e…
bem, tudo ficará bem eventualmente. Eu sei que é fodido
pensar, mas você pode confiar em mim, Ava.”

“Estou com medo de confiar em você.” Minha respiração


fica presa porque não tenho ideia do motivo de ter dito isso em
voz alta.

Seus olhos se estreitam nos meus. Sua mandíbula


aperta e ele se levanta, andando de novo. “Você confiou em
homens muito piores do que eu”, ele diz, raiva e ódio
flamejando por trás de seus olhos negros. Eu sei que está
falando do meu pai. Eu sinto.

“Você não o conhece.”

Max joga a cabeça para trás, rindo. “Eu sei tudo o que
preciso saber.” Seus lábios viram uma linha fina em seu rosto,
e ele me dá um olhar severo. “Você o ama?” Pergunta ele. Essa
pergunta me pega de surpresa. Eu não respondo e ele fica
agitado. “Você ama, Ava — seu pai? É uma pergunta simples.”

“Sim. Claro.”

Ele coloca a mão na porta. “Faça-me um favor, pergunte-


se como você pode amá-lo, e talvez você veja por que você pode
confiar em mim.”

A porta se fecha e sou deixada para refletir sobre o fato


de que, desde o dia em que nasci, encontrei consolo nos braços
de um assassino.

STEVIE J. COLE
11

MAX

A porta se fecha atrás de mim e eu me viro, colocando as


duas trancas no lugar. Inclino meu antebraço contra a
madeira, descanso minha testa contra o braço e olho para o
chão. Isso tudo é parte disso, tão ruim quanto é. Mas o mais
alarmante para mim é que sinto culpa com ela. Aquela mulher
me faz sentir coisas que eu não deveria, mas na vida, muitas
coisas que não deveriam fazer.

Porra, estamos no começo e já estou tendo


problemas. Inspiro fundo e coço meus dedos sobre a porta
áspera enquanto tento organizar meus pensamentos. Juro que
posso ouvi-la soluçando... ou talvez apenas pense que
posso. Independentemente de suas lágrimas, ela não deveria
me afetar do jeito que afeta, mas no fim das contas, eu sou
uma porra de homem. Ela é uma mulher linda — não —
deslumbrante que irradia um ar de inocência e rebeldia, e eu
nem tenho certeza de como é possível uma pessoa exalar essas
duas coisas, mas Ava faz. Luto como qualquer homem faria. A
chave para realizar com sucesso o meu trabalho é ver essas
meninas como uma tela em branco, não uma pessoa. E, se for
sincero, não sei se existe alguma maneira de não vê-la como
pessoa.

Tomando um último suspiro, me afasto da porta. Earl


está gemendo no chão enquanto tenta se ajoelhar. Se eu for
honesto, quero chutá-lo na parte de trás de sua cabeça e não
parar até que seu cérebro esteja vazando de suas orelhas por
fazer isso com ela. É regra que elas não sejam estupradas, mas
foda-se se as regras não saem pela janela quando esse filho da
puta começa a beber. Ele tem pouco ou nenhum autocontrole.

“Por que diabos você me deu um soco, Max?” Ele geme


através de várias tossidas.

STEVIE J. COLE
“Porque você é um pedaço de merda. Você não deveria
tocá-la.”

“Ah, eu não ia fazer nada de verdade. Apenas dar um


bom susto.”

Eu ando até ele e o agarro pelas costas de sua camisa,


puxando-o de pé antes de colocar meu rosto a centímetros do
dele. “Nem mesmo foda ao redor assim.”

Ele começa a rir enquanto tenta estabilizar suas pernas


bambas. “Aja como se você não tivesse pensado nisso.” Ele
estala a boca como se estivesse chamando um cachorro. “Ela
é linda. Realmente linda.”

Olho para ele antes de dar um tapa na parte de trás de


sua cabeça. “Vá lá para cima, porra.” Eu sigo Earl até a
cozinha. Ele vai até a despensa e pega uma garrafa de
Bourbon.

“Você quer?” Pergunta ele, descascando a cera vermelha


do gargalo da garrafa.

“Não.” Eu ando até a geladeira, abro e pego uma lata de


Miller Lite. O som da cerveja borbulhando quando abro a
garrafa dá uma acalmada em meus nervos, mas nada se
compara ao alívio que desenrola meus músculos quando a
bebida gelada acerta a parte de trás da minha garganta. Puxo
uma cadeira até a mesa de metal da cozinha e aponto para Earl
se sentar. “Você falou com o irmão dela?” Pergunto.

“Sim. Disse a ele que joguei o corpo dela no rio Coosa.”


Earl vira a garrafa e observo seu pescoço quando ele engole.
“Nós não seremos pegos. Ele não se importa, desde que ela
esteja fora do caminho. E você sabe o que eu estou pensando?”

Lanço um olhar irritado em sua direção.

“Que se ele continuar e matar seus pais, bem, não vamos


nos preocupar muito com Frank Donovan.” Ele ri.

STEVIE J. COLE
Eu tomo outro gole de cerveja antes de bater a garrafa
na mesa. “Acho que não.” Eu olho para a lata, traçando meu
dedo contra as letras azuis escuras.

“Acha que ela vai demorar muito para ceder?” Ele


pergunta. “Tenho um cara quer uma garota nova, ela serviria
bem para ele.”

“Uma nova garota?”

“Sim. Uma nova garota.” Ele toma outro gole de uísque.

“O que aconteceu com a que ele tinha?” Eu pergunto.

Earl encolhe os ombros. “Não sei. Não me importa. Ele é


um cliente pagante e não é da minha conta o que diabos faz
com elas depois que ele paga por elas.”

Expirando, lanço minha cabeça para trás. Eu odeio isso.


Odeio tudo sobre isso. Algo sobre aquela garota me dá essa
sensação inquieta na boca do meu estômago. Chame isso de
intuição, um pressentimento — paranoia. Mas algo muito ruim
acontecerá como resultado dela estar aqui. Eu acredito nisso.

“Aw.” Earl suspira. “Vamos lá, Max. Você não tem uma
graduação chique ou alguma merda assim? O que é mesmo?
Especialização em crendices?”

Meus dentes rangem um contra o outro com a


ignorância desse filho da puta. “Psicologia. Eu me formei em
psicologia quando tinha ambições de merda.”

“Sim, isso. Você sabe que as pessoas estão fodidas na


mente então. As pessoas que estão bem da cabeça não
compram essas garotas. Apenas os doentes e pervertidos.” Earl
ri, seus olhos brilhando com algo semelhante ao orgulho,
porque ele é um desses doentes. “Pessoas como eles, pessoas
como nós”, ele aponta para si mesmo e depois para mim.
“somos o que faz as pessoas apreciarem o bem porque têm algo
ruim para comparar.”

STEVIE J. COLE
Meu estômago se revolve como um cachorro brincando
de morto. Eu não quero ser uma dessas pessoas, mas a coisa
é que estive neste jogo toda a minha vida. Antes que eu
pudesse andar, estava insensível a mais merdas que faria
qualquer outra pessoa devolver seu almoço. Eu não tenho
empatia, não tenho capacidade para isso. Para mim, toda essa
merda, bem, é normal.

Há o glug glug glug de Earl virando a garrafa para trás,


e por alguma razão, eu só quero arrancá-la de suas mãos
desgastadas, e esmagar a porra do seu crânio com ela e vê-lo
sangrar. Mas eu não faço isso.

“Sim”, diz ele, puxando suas calças de volta sob seu


intestino. “As pessoas estão fodidas.”

E eu sento aqui em silêncio, bebendo, tentando


racionalizar o fato de que sou tão fodido quanto Earl.

STEVIE J. COLE
12

MAX

Dia 16

O despertador na mesa de cabeceira começa a tocar. Eu


gemo. Eu praguejo. Lanço-me e viro, puxando o edredom sobre
o meu rosto. E finalmente, quando a maldita coisa fica tão alta
que posso realmente ver seu pulsar em minhas pálpebras
fechadas, me levanto. Desligo o alarme. Tomo banho, escovo
os dentes, me visto. Hoje é um dia importante. Hoje mostro a
ela que sou gentil. Mostro a ela que me importo. Em um
mundo onde tudo é ruim, vou fazê-la me ver como bom. Como
um deus. E como sua única esperança.

A casa está quieta. Ninguém se levantou ainda, exceto


os cães que estão me seguindo como uma sombra. Pego itens
da despensa e armários, e quando começo a cozinhar, os
animais se sentam no chão ao lado do fogão, olhando para mim
e balançando suas caudas sarnentas. Trinta minutos depois,
dois pratos estão cheios de ovos mexidos, biscoitos e
bacon. Viro-me e um pedaço de bacon cai no chão. Rufus o
arrebata e Bear quase me derruba, perseguindo-o pela cozinha
para roubá-lo.

“Cuidado”, digo quando abro a porta do porão.

Quando chego à porta com os dois pratos, olho para a


fechadura. Bem, caralho do inferno. Não pensei nisso, e
agora? Equilibro um prato no meu antebraço, quase
derrubando-o quando destravo as trancas. Ela ainda está
dormindo quando a porta abre para o quarto. Tento fechá-la
em silêncio, mas quando a fechadura gira, ela pula na cama,
atordoada. Por um momento, a confusão é evidente em seu
rosto. Seu olhar salta do meu rosto para os pratos, para a
porta e ao redor do cômodo. Ela está desorientada. E no

STEVIE J. COLE
momento em que se lembra de onde ela realmente está, bem,
é óbvio porque todo o seu corpo murcha.

“Café da manhã”, digo quando me sento na ponta do


colchão. Eu lhe entrego o prato e ela olha a comida. “Não está
envenenado”, digo.

“Eu não me importo se estiver. Eu não tenho controle


aqui. Sei disso. Se você me quiser morta, vamos ser honestos,
não posso fazer muita coisa sobre isso.” Ela pega o prato e
coloca no colo. Eu pego uma garfada de ovo e coloco dentro da
minha boca. “Por que você está comendo comigo?” Ela
pergunta.

Dou de ombros. “Por que não?”

Ela me estuda, e parece que está tentando investigar


lugares onde ninguém deveria tentar ir. Fazemos um concurso
de encaradas silencioso e investigativo enquanto
comemos. Assim que termina, coloca o prato no chão e
suspira. Coloco meu prato em cima do dela e recuo no colchão,
encostando na parede. Há um cano que está vazando e o
gotejamento constante da água é chato pra caralho.

Seus olhos seguem o meu olhar para o cano. “Irritante,


hein?” Ela pergunta.

“Sim.”

“Incomoda você, eu acho?”

“Sim, claro que sim.”

“Eu vou dar uma olhada, então.”

Há alguns minutos de silêncio novamente e então ela


suspira. “Você pode pelo menos me avisar antes de me
matar? Ou antes de alguém fazer isso? Eu só quero saber, no
caso de eu querer rezar ou algo assim, sabe?”

Eu olho para ela do canto do meu olho. “Não vou matar


você.”

STEVIE J. COLE
“Você não precisa mentir para mim. Não é como se você
fosse me libertar, mesmo que você consiga o que quer... o que
quer que seja”, ela resmunga.

Fechando meus olhos, coloco as mãos atrás da minha


cabeça e fico mais confortável no meu lugar no colchão. “Eu
não quero te matar.”

“Mas você vai.” Sua voz tem um leve tremor agora.

“Não.”

“Você sabe por que meu irmão me queria morta?”

“Não.” Engulo. Earl! Earl deve ter dito a ela, e eu não


estou disposto a ir mais longe com isso, então mudo o assunto.
“Qual tamanho você veste?”

“O que?”

“Roupas. Que tamanho de roupa? Eu vou pegar


algumas roupas para você.”

Ela se senta em silêncio por um momento. “Um trinta e


seis. Médio. Coisas assim. Não que importe se vai servir
direito, sabe.”

Eu me estico, colocando minha mão em seu joelho.


“Quero você o mais confortável possível. Eu sei que não parece,
mas isso não tem nada a ver com você.”

E neste momento, sua expressão fica em branco. Ela


pisca. Suas pupilas incham e seus olhos se arrastam até meus
lábios. Ela engole e rapidamente evita seu olhar. Eu vejo uma
pequena fissura se passando através dela. E, por mais
maravilhoso que isso seja, fico imaginando como ela ficaria em
um vestido de linho macio, com o cabelo escovado longe do
rosto. Eu me pergunto como é o gosto de seus lábios, como soa
sua risada... ela é real demais. Muito pura. Muito
humana. Tenho medo de estar quebrando também.

STEVIE J. COLE
E não devemos nos partir juntos. Isso seria
catastrófico. Sem outra palavra, levanto-me e saio do
quarto. Minha mente gira enquanto subo as escadas, a velha
madeira rangendo sob o meu peso.

Eu ando pela cozinha, pego as chaves da minha


caminhonete no balcão e minha jaqueta na parte de trás da
velha cadeira de madeira. A tranca faz um barulho e ouço a
poltrona de Earl gemer quando ele se senta para
provavelmente espiar pelo batente da porta.

“Onde você está indo?” Earl chama da sala de estar.

“Conseguir roupas para ela. Não tente nada com


ela. Juro por Deus, vou te matar se você fizer isso”, digo. “E ela
vai me contar.”

Ele acena e troca de canal, colocando em algum filme


horrível dos anos 70. “Eu não vou tocar na sua menina bonita.”

Balançando a cabeça, abro a porta de tela. “Você é um


idiota do caralho.”

“Garoto, ainda vou sufocá-lo durante seu sono.”

A porta se fecha atrás de mim e entro no carro, dirigindo


os sessenta e poucos quilômetros até a cidade para comprar a
roupa para “linda garotinha”.

Eu me encontro preocupado com o que ela gostaria


enquanto faço as compras. Essa é a primeira vez. E é um sinal
de aviso que não me atrevo a ignorar. Passo a maior parte do
caminho de volta para casa, convencendo-me de todas as
razões pelas quais não deveria me sentir culpado: Lila... o fato
irônico de que o pai de Ava tirou minha família de mim. De
certa forma, eu deveria ver isso como uma forma de retribuição
fatal — não deveria? Ele matou minha família, eu destruo sua
filha, mas por alguma razão, estou achando tudo difícil de
digerir.

STEVIE J. COLE
O sol já quase se esgueirou abaixo do horizonte quando
volto para a garagem. O pedaço de merda de Bárbara, o Mazda
626, está estacionado em frente ao alpendre. “Porra Earl”,
murmuro. “Merda!” Limpo minha testa.

Tivemos um pouco de catástrofe há um mês com uma


das meninas fugindo, quase tive que matar aquela. Depois
disso, concordamos em não receber visitas. Claro, Earl não
pode manter um simples plano de merda. Pelo menos é só a
Barbara. Ela está sempre tão fodida com metanfetamina,
completamente fora, mesmo se tropeçasse até o porão e
entrasse naquele quarto, ela não teria nenhuma lembrança
disso uma hora depois.

Pego as sacolas de compras e a comida do Olive Garden


e saio. Está congelando hoje à noite e meu corpo inteiro se
contrai com o vento gelado que sopra através das árvores. As
correntes do velho balanço na varanda da frente rangem
quando outra rajada pega, uivando pelos cantos da casa. Bear
e Rufus estão amontoados juntos dormindo na varanda. Deixo
cair minhas chaves quando alcanço o topo da escada e Bear
preguiçosamente levanta a cabeça, olhando para mim antes de
decidir que prefere voltar a dormir a se preocupar abanando o
rabo.

Coloco a chave na fechadura e já consigo ouvir música


country ecoando nos alto-falantes, o som quase abafando a
risada áspera de Barbara e Earl.

“Venha”, cutuco os cachorros quando abro a porta.


“coloquem suas bundas para dentro.” Os dois levantam e
correm para a sala de estar, lutando um com o outro. O foyer
inteiro está cheio de uma fina nuvem de fumaça e um leve
cheiro de plástico queimado. Metanfetamina de baixo
grau. Quando dou a volta para a cozinha, há cinco pessoas —
Earl, Barbara, Bubba, Jeb e Judy — dando risadas, olhos
vidrados e vermelhos. No mesmo instante em que olho para
Judy, seus olhos se ficam em mim e eu gemo, indo em direção
ao corredor.

STEVIE J. COLE
“Ei, Maxwell”, Judy cospe, batendo os cílios enquanto
ela lentamente se levanta da mesa e vai até mim.

Judy é o que você chama de “trailer park champagne.”


Ela é a melhor que esta pequena cidade tem a oferecer: visual,
boquetes, brigas de bar. Mas, por mais que possa fingir ser
para segurar essa fachada, esse tipo de mulher tem uma
chance melhor no inferno do que comigo. Sua mão vem
descansar no meu ombro e eu dou de ombros para ela.

“Quando você vai me deixar te dar uma diversão,


bochechas doces? A primeira vez é por conta da casa.” Ela
sorri, seus lábios finos e rosados exibindo dentes clareados
demais.

Eu não pronuncio uma palavra. Apenas olho para todos


eles com desaprovação enquanto caminho até ao corredor.

“Vou esperar por você” diz ela. Ouço as pernas da


cadeira rasparem o chão e olho por cima do ombro. A atenção
deles está voltando agora para o cachimbo sendo passado, e
eu sou capaz de entrar no porão sem ser notado.

Ava está sentada no mesmo lugar em que estava quando


eu saí. Ela trançou o cabelo comprido e castanho e sorri — um
pouco, mas é um sorriso — quando entro.

“Trouxe-lhe um pouco de comida de verdade”, digo,


segurando o saco de comida. Isso me rende outro sorriso
maior.

“Eu amo Olive Garden. Por favor, me diga que é o


parmesão de frango?” Sua testa franze. Posso dizer que ela está
confusa com suas próprias ações. Isso acontece rapidamente
em situações como essas. Ela está entusiasmada com algo tão
simples quanto comida. Ela ouviu aquela excitação em sua
própria voz e agora está se questionando. Tudo faz parte do
processo...

STEVIE J. COLE
“Eu tenho algumas coisas”, digo. “Não sabia o que você
gosta.” Eu coloco a comida na cama ao lado dela antes de me
sentar. Ela pega o saco e pega o primeiro recipiente de plástico
e o conjunto de talheres. Quando ela abre a tampa, ela grita,
arranca o garfo do plástico e começa a enfiar comida na
boca. Uma mordida e ela joga a cabeça para trás, fechando os
olhos.

“Mmm.” Ela exala enquanto engole. “Eu esqueci como


gosto de comida de verdade.”

E isso me faz sentir mal. Porra!

Ela dá mais algumas bocadas na comida antes de olhar


para mim. “Você não vai comer?” Ela pergunta, usando as
costas da mão para limpar o molho de seus lábios.

“Eu já comi.” Deixo cair as sacolas de roupas no chão,


me inclino contra a parede e a observo.

Ela engole quase dois pratos de comida, ignorando-me


completamente no processo, antes de colocar a sacola no chão
e, durante todo o tempo, eu a estudo. A forma de seu rosto,
seus lábios. O cabelo dela. Os olhos. Seus maneirismos. Ao
contrário dos outros, ela foi arrancada de uma vida de
privilegiada, uma vida com promessas. E eu não posso me
convencer de que esta é uma vida melhor para ela, então me
lembro de que seu privilégio veio do derramamento de
sangue. Ela é filha de um criminoso e com essa primogenitura
vem a merda.

“Eu sinto muito”, digo, estendendo a mão para colocar


uma mecha de cabelo escuro atrás da orelha. Um toque tão
simples, mas a sensação suave de sua pele quente sob as
pontas dos meus dedos, bem, na verdade não é suficiente. Eu
quero mais. Engulo. “Eu preferia muito mais não ter você nesta
situação.”

“Então deixe-me ir embora.” Ela afasta as lágrimas


ameaçando seus olhos.

STEVIE J. COLE
Ava pode ser forte, mas ninguém é tão forte. Se eu
tivesse que adivinhar, a única razão pela qual ela está lutando
contra essas lágrimas é porque não quer que eu a veja como
fraca. Neste mundo, pessoas fracas são facilmente
descartáveis.

“Por favor”, ela diz pouco acima de um sussurro.

“Eu não posso.”

“Ele te daria o que você quiser. Quanto dinheiro quiser...


meu pai te daria qualquer coisa. Ele é rico. Ele é muito rico…”
Ela inala e soluça antes da raiva se instalar em seu rosto. “E
ele é um homem muito perigoso. Ele vai me encontrar e ele vai
te matar. Lentamente. Brutalmente. Sem nenhum remorso.”

Eu me levanto e vou para a porta. “Espero que tenha


gostado do seu jantar.”

O pânico corre através dos olhos dela. Ela salta da cama,


colocando-se entre mim e a saída. “Diga-me porque estou
aqui!”

“Não me pergunte isso de novo.”

Aquela vibração de pânico se transforma em raiva.


“Quantas vidas você já tirou?”

Que porra ela acha que está fazendo com essas


perguntas? ”Só de pessoas que fodidamente mereciam ter suas
vidas tomadas.”

“Oh.” Ela rosna. “Um justiceiro? É isso?”

Eu dou de ombros.

“Você acha que é um fodido salvador? Um herói?”

“Nunca disse isso. Tudo o que disse foi que eu só mato


pessoas ruins.”

Seu olhar se estreita. Sua mandíbula treme. Suas


minúsculas narinas se inflamam de raiva. “Eu não acredito em

STEVIE J. COLE
você. Olha o que você está fazendo comigo, olha o que você faz”,
ela grita. “Você é uma pessoa má, uma pessoa muito ruim,
Max.”

Quase me sinto como se tivesse acabado de ser


repreendido, e por instinto quero sentir uma pitada de
vergonha, mas não sinto. “Depende da sua definição de ruim”,
digo.

“Olhe no espelho. Você é minha definição de uma pessoa


ruim.”

“Uau, obrigado.” Sorrio.

“E eu odeio você.”

“Como deveria.” Agarro os ombros dela e a movo para


longe da porta.

“Por favor, não me deixe...” E, assim, ela volta do ódio


para a necessidade. Ela puxa uma respiração. “Eu só... eu
apenas... não aguento o silêncio, o estar sozinha. Por favor,
apenas fique. Por um minuto. Deixe-me fingir que algo é
normal.”

Nossos olhos se fixam pelo momento mais breve e tudo


o que posso pensar é em beijá-la. E isso é uma coisa
terrível. Antes de perceber o que estou fazendo, estou
colocando sua bochecha na minha mão. Sua respiração fica
presa e ela congela. Um gemido baixo sobe pela minha
garganta quando passo meu polegar sobre o lábio inferior
carnudo. As coisas que passam pela minha cabeça neste
momento: não quero nada mais do que agarrá-la pelos cabelos,
inclinar sua cabeça para trás e beijá-la. Eu quero saber como
sua pele macia vai ficar quando estiver pressionada contra a
minha; eu quero saber como seria possui-la, tomar seu corpo
da maneira mais primitiva… Eu fecho meus olhos em um
esforço para recuperar o controle. Digo a mim mesmo que isso
é errado.

STEVIE J. COLE
Quando abro os olhos, me inclino contra a porta. “Eu
vou ficar. E você quer saber meu motivo? É porque, quer você
acredite ou não, não sou uma pessoa ruim.”

E realmente, no centro de tudo isso, não sou diferente


do pai dela.

E ela o ama.

STEVIE J. COLE
13

AVA

Apoiando o peso do corpo com o braço, Max se abaixa no


chão. Depois que ele senta, se inclina contra a porta, seu olhar
apontado para mim enquanto ele descansa casualmente os
braços sobre os joelhos dobrados. “Eu não sou uma pessoa
má”, diz ele, quase ofendido por eu pensar nele de outra
maneira.

E não posso dizer nada porque parte de mim acredita


nele, e quão louco é isso? Nada que eu faça faz mais
sentido. Implorei para ele ficar. Parece loucura, mas não
consigo suportar a solidão e, apesar de odiá-lo, a companhia
dele é melhor que a de ninguém.

Então, novamente, há algo sobre ele que é quase


carinhoso. Minha mente começa a viajar por um buraco escuro
e deformado. A coisa sobre pessoas como ele e eu — nosso
normal é distorcido e fodido. E por mais ridículo que isso possa
parecer: algumas pessoas más são realmente boas. É tudo
questão de sorte no sorteio, bem como ser nascido na
realeza. Você se torna um príncipe devido à sua linhagem e às
vezes preferiria ser qualquer coisa menos isso. É o mesmo para
criminosos, bem, alguns deles. Quero acreditar que Max é uma
daquelas pessoas que não pertencem a este mundo, mas estão
apenas na herança. Quero que ele esteja perdido porque sinto
que ele é lindo demais para ser verdadeiramente
contaminado. Não, quero que ele se perca porque o que me
apavora é o pensamento de que talvez ele realmente pertença
a essa escuridão, assim como eu.

“Você está bem?” A calma de sua voz profunda me


arranca dos meus pensamentos.

STEVIE J. COLE
Sentando na beira do colchão, balanço minha cabeça.
“Só não quero que você saia.”

“E por algum motivo, eu não quero, porra.” Ele ri e me


vejo me perdendo na maneira como seus olhos se iluminam
quando ele faz isso. “Fodido, hein?” Ele diz, seu sorriso
desaparecendo rapidamente. E aqui nos sentamos em um
silêncio estranho. Nossos olhos estão presos um no outro, e
pedaços de mim sabem que eu deveria interromper esse olhar,
mas uma parte maior quer continuar procurando,
investigando mais fundo, esperando ver algo que ele não deixa
ninguém ver.

Ele agarra meu joelho e meu olhar muda de foco, porque


não posso olhar para ele quando me toca assim. O movimento
suave de seu polegar enquanto desliza sobre a minha pele
parece certo. Deveria parecer algo sórdido. Quero me sentir
sórdida porque isso, isso me deixa vulnerável.

“Eu sinto muito, Ava”, ele bufa e olho de volta para ele.
“Eu sou... é apenas uma daquelas coisas que não tenho
controle.” Seus olhos se voltam para o chão. “É errado pegar
você assim, mas nessa parte do mundo são negócios, você
entende isso? Eu prometo a você, não vou deixar nada te
acontecer. Vou manter você em segurança.”

E meu coração falha um batida porque isso soa tão


sincero. O olhar de Max varre o quarto, parando na cama.
“Você precisa de outro cobertor?”

“Hum, não.” Deus, isso é fodidamente insano. Por que


estou tendo essa conversa com ele? Ele é horrível. Está me
mantendo aqui... mas... o jeito como me toca. Ele é legal. Traz
coisas para mim. Se importa. Certo? Isso é carinho? Por que
mais você agiria dessa maneira quando não precisa? Eu sinto
que meu cérebro não consegue mais entender nada. Está tudo
ao contrário. Porra!

Perdi-me tão profundamente dentro dos meus


pensamentos que quando Max chega perto de mim, o

STEVIE J. COLE
movimento repentino me assusta. Entro em pânico e me afasto
dele, e minhas costas batem na parede fria.

“Calma, Ava. Só queria tocar em você. Apenas...” Seus


olhos estreitam quando ele estende a mão novamente —
cautelosamente, e tira uma mecha de cabelo do meu rosto.
“Foda-se.” Sua cabeça bate de volta contra a parede. “Eu odeio
isso.”

Ele silenciosamente olha para o chão por um longo


minuto enquanto fico ali sentada imaginando como posso
convencer esse homem a me soltar. Imaginando por que diabos
estou atraída por ele. Por que quero passar meus dedos por
seus cabelos grossos. Por que quero me despir e fazer com que
ele me toque, fazer com que ele olhe para mim como se eu fosse
algo que não pode ficar sem. Por que quero essa aprovação?

Um sorriso de curta duração passa por seus lábios e


desaparece. Ele engole. Eu engulo.

“Eu tenho que...” Seu olhar desce até os meus lábios e


conheço esse olhar. Ele quer me beijar. E eu quero que ele o
faça, então faço o que qualquer garota normal faz em uma
situação semelhante a essa, me inclino, fecho os olhos e
espero.

“Eu tenho que ir”, diz ele. Meus olhos se abrem quando
ele se levanta abruptamente. “Eu voltarei. Prometo.” E com
isso caminha até a porta, abre e sai.

Inútil…

Sento-me no colchão por alguns momentos, estupefata


com o que acabou de acontecer. Meu coração está na minha
garganta, batendo com uma força desconfortável. Fechando os
olhos, tento lembrar a sensação das mãos dele na minha
bochecha novamente. Anseio por seu toque e me pergunto se
é porque, aqui embaixo, não há nenhum toque humano. Não,
não é isso, é porque eu o quero. Quero que ele me deseje. Eu
quero que ele me foda. Imagino como seria ter suas mãos em

STEVIE J. COLE
mim, arrancando as roupas do meu corpo e me jogando na
cama. Como seria tê-lo dentro de mim e percebo que perdi a
cabeça. Vejo agora o quão fodida eu realmente sou porque o
fato de que ele não me deseja do jeito que eu anseio por ele, faz
meu peito ficar apertado. E me deixa irritada e desapontada ao
mesmo tempo.

Quanto mais tempo eu fico sentada olhando para a


porta, esperando que ele volte, mais o pânico se instala. Com
ele fora, sou mais uma vez forçada a enxergar o quarto imundo,
a porta trancada pela qual não consigo sair. Morte. É isso que
é: a sala de espera da morte.

Suor brota em meu corpo inteiro. Minha respiração fica


irregular e cada centímetro da minha pele vibra com o medo
de morrer nesta sala. As paredes parecem encolher sobre
mim. O silêncio é tão forte que posso realmente ouvir. Meus
sentidos são subjugados pela privação.

Sem som.

Sem toque.

Nada para ver ou fazer.

Não sou nada. Estou em um estado de nada absoluto —


não mais existindo fora dessas quatro paredes. E é neste
momento de desespero que percebo que estamos sempre
sozinhos. Mesmo quando cercado por pessoas, isso não é
diferente do que isso aqui. Nossos corpos são prisões. Nossa
mente, uma prisão que ninguém além de nós, entenderá
completamente. Ah Merda. Estou ficando louca!

Não sei porque faço isso, mas pulo da cama e atravesso


o quarto até a porta. Gritando por Max, bato na madeira até
que a pele dos lados das palmas se abrem. Sangue escorre das
feridas, mas continuo a bater na porta. Cada golpe duro deixa
um carimbo de sangue. Quero sentir que tenho algum controle
nisso, mesmo sabendo que não tenho. Eu só quero que ele
volte. Só quero ver o rosto dele. Não quero ficar sozinha, quer

STEVIE J. COLE
isso signifique sentar-se com o próprio diabo ou não. Bato na
porta de novo e de novo, gritando até que minha voz fica rouca,
até que estou exausta e caio de joelhos, descansando minha
testa contra a porta.

Sem fôlego, me dou conta que de que nunca irei embora,


e se por alguma chance de Deus eu conseguir sair, minha
sanidade já se foi.

STEVIE J. COLE
14

AVA

Dia 17

Não sei quanto tempo passou desde que Max me deixou


sozinha. Para ser honesta, todo o conceito de tempo está
perdido para mim agora. Não preciso de tempo. Não importa
para alguém como eu.

Estou deitada no chão, olhando para o teto, observando


a água pingar daquele maldito cano. Um farfalhar chama
minha atenção para o lado da sala. Um pequeno rato de campo
corre sobre a sacola de compras que Max deixou no chão. Ele
se levanta, passando as mãozinhas na cabeça antes de sair
novamente e desaparecer atrás do vaso sanitário. Rolando em
minhas mãos e joelhos, eu caminho para o lado do cômodo e
pego a bolsa, procurando através do conteúdo. Jeans,
camisas, blusas, calcinhas e sutiãs. No fundo, uma escova de
cabelo, uma pasta de dentes e uma escova de dente.

Meu olhar permanece fixo nesses itens enquanto eu


corro minha língua sobre o filme grosso que se construiu em
meus dentes. Eu rasgo as caixas, já cobrindo a escova de dente
com pasta enquanto corro para a pia. Eu giro a torneira e
escovo tanto e com tanta força que quando cuspo a espuma
está cheia de sangue.

Trago um último punhado de água aos meus lábios e


agito em torno de minha boca antes de cuspir na pia e desligar
a torneira. A fechadura da porta clica e eu giro ao redor,
passando as costas da minha mão pela minha boca enquanto
atravesso o quarto. As dobradiças rangem e Max entra,
segurando uma bandeja de comida. Um saco plástico, bege
com uma escrita marrom que reconheço bem: Barnes e Nobles,
pendurado no pulso esquerdo.

STEVIE J. COLE
“Você está com fome ainda?” Ele pergunta, colocando a
bandeja ao lado da cama.

Dou de ombros quando me sento no colchão.

“Desculpe, estive fora o dia todo. É hora do jantar... e...”


Ele puxa a sacola do pulso, avança em minha direção e estende
a mão. “Consegui uma coisa para ajudar a passar o tempo e
tudo.” Seu sorriso se aprofunda, covinhas aparecendo em cada
lado do rosto.

Relutantemente, pego a sacola e espio para


dentro. Livros Depois da Meia Noite, Revival, Frankenstein e A
Coleção Completa de Edgar Allan Poe. Minha testa
enruga. Estes são meus livros favoritos. Como diabos ele
saberia?

“Como...” Paro quando meu olhar encontra o dele.

“Dei uma olhada no seu perfil no Facebook.” Ele se senta


no colchão, aperta as mãos e se inclina sobre os joelhos. “Você
realmente deveria deixar algumas coisas no privado. E não
postar todas as suas atividades... ‘Animada para ir ao WJ Park
com Bronson hoje à noite.’” O rosto dele se ergue, aqueles olhos
negros me perfurando. “Vangloriando-se de ir ao
parque. Estranho como todo mundo fica confortável, em deixar
que estranhos saibam detalhes tão íntimos de suas vidas.” Ele
balança a cabeça.

Um caroço sobe na minha garganta. Eu penso de volta


naquele post. Arrependo-me dele. Gostaria de poder voltar
atrás. Saber algo tão estúpido como isso pode ser a razão pela
qual estou neste quarto neste exato momento... Pego a cópia
de Frankenstein. A capa prateada fica embaçada por causa
das lágrimas. O fato de que Max me trouxe algo que eu amo...
olho para ele. “Obrigada”, sussurro, piscando o desejo de
chorar.

Ele concorda. “Eu te disse que eu não sou um cara mau,


Ava.”

STEVIE J. COLE
E estou começando a acreditar nele. Quando você não
tem nada de bom para comparação, qualquer coisa pode parecer
boa. Veja, eu não estou completamente louca.

Eu não estou.

STEVIE J. COLE
15

MAX

Dia 18

Fico acordado, minha mente incapaz de parar. Olho para


o relógio e já passa das três da manhã. Gemendo, limpo meu
rosto antes de tocar na lâmpada na mesa de cabeceira. Um
clique e a luz brilhante quase me cega. Pego o livro bem gasto
da mesa de cabeceira. A arte da sedução por Robert
Greene. Viro para o começo do capítulo 15, intitulado: “Isole a
vítima.” Meus olhos roçam as primeiras linhas antes de deixar
o livro cair no meu colo.

É triste dizer, mas ao longo dos últimos meses, perdi a


conta das mulheres para quem fiz isso. Eu deveria ser capaz
de fazer isso até dormindo agora. Ava não deveria ser um
problema. Mas o que torna isso mais difícil para Ava — há algo
nela que eu quero.

Com apenas um olhar, ela me faz esquecer o que estou


tentando fazer. Eu me peguei em sua página no Facebook hoje
cedo olhando fotos, lendo mensagens porque estou curioso
sobre ela. Aqueles livros, esses não estavam nos planos —
embora eu deva admitir que foi um toque legal. É mais provável
que ela esteja lendo um agora e, no fundo da sua mente frágil,
estou sendo conectado a algo agradável, a um ato de
remorso. É assim que você manipula alguém: você tira tudo da
pessoa e de repente o menor ato de bondade e parece que você
moveu uma montanha. Despojadas de tudo, as pessoas
reorganizam sua visão da vida — da bondade e do amor. E,
eventualmente, uma vez que dependem de você para tudo,
quando você é tudo o que podem ver, você fica com o poder de
reorganizar a maneira como eles veem tudo.

Coisas que antes eram boas podem se tornar


ruins. Coisas que antes eram uma alegria podem se tornar um

STEVIE J. COLE
aborrecimento. Quando uma pessoa tem apenas outra pessoa
em sua vida, essa pessoa controla tudo, até as ideias e a lógica
de seus prisioneiros. Tão simples, mas tão complicado. E se
você for realmente um mestre nisso, essas pessoas nunca
perceberão que toda a sua bússola moral foi rearranjada, não
serão capazes de lembrar o que é verdade e quais são mentiras,
e mais importante, serão incapazes de se lembrar quem
realmente são.

O pensamento de Ava se perdendo — isso me deixa


sombrio porque eu quero saber quem ela é, e se ela perder essa
identidade, eu nunca saberei realmente.

Folheio as páginas até a luz da manhã penetrar pela


janela antiga ao lado da cama. Depois de colocar o livro de
volta na mesa de cabeceira, saio da cama. Uso o banheiro e
escovo os dentes, então pego um pedaço de corda da gaveta e
vou até o porão. Ava está enrolada em sua cama, a cópia de
Frankenstein ainda em suas mãos. Atravesso o quarto e
gentilmente me sento ao lado dela, observando-a dormir.

Ela parece tão tranquila, tão perfeita. Sua pele de


porcelana é impecável, seus cílios espessos e escuros
contrastam com seu tom de pele clara. Maçãs do rosto
altas. Um arco de cupido perfeito em seu lábio superior
cheio. E, se for sincero, me sinto muito como Lúcifer atraindo
um anjo dos reinos do céu; no entanto, o diabo não sentiria a
culpa pressionando-o como eu. Inclinando-me sobre ela,
acaricio com carinho meu dedo em sua bochecha. Foda-se se
a pele dela não é maravilhosa sob o meu toque. “Ava”,
sussurro. “Ei, querida?”

Seus olhos se agitam e ela faz um movimento sutil.

“Ava, hora de acordar.”

Seus olhos se abrem, atordoados e confusos antes de ela


se assustar. Coloco minha mão sobre sua coxa e a acaricio.
“Está bem. Eu não vou te machucar. Só queria te levar para
tomar um banho enquanto Earl está fora. Talvez você queira

STEVIE J. COLE
comer comigo na mesa? Ele vai ficar fora a maior parte do dia,
então pensei” — estreito meus olhos - “se posso confiar em
você... que talvez você gostasse de sair desta porra de quarto?”

Por um segundo, o olhar dela fica em branco, e me


pergunto se ela está planejando como pode sair se eu a deixar
subir. Mas então ela sorri e busca uma respiração pesada.
“Isso seria bom. Obrigada.”

Porque ela confia em mim. Ela não tem ninguém em quem


confiar senão em mim. E então ela estende seus pulsos e eu os
amarro antes de abrir a porta.

O sol do meio-dia corre através de uma das janelas da


cozinha. Ava está sentada à mesa — mãos atadas, é claro —
olhando para o colo. Ela tomou banho, vestiu um novo jeans e
uma camisa de mangas compridas que comprei para ela, e
agora acabamos de almoçar. Limpo os pratos, empilho-os na
pia e passo água sobre eles. Bear dorme debaixo da mesa da
cozinha. Ele choraminga, chutando as pernas
descontroladamente em seu sonho. Um pequeno sorriso rasga
os lábios de Ava enquanto ela espreita por baixo da mesa para
ele. “Minha cachorra faz isso o tempo todo — finge correr
dormindo”, diz ela.

“Oh, sim?” Abro a torneira, olhando para ela enquanto


seco minhas mãos. “Qual é o nome dela?”

“Sadie.”

“Isso não é um nome de cachorro.” Ela lança um olhar


brincalhão para mim, e eu rio. Ela é tão fodidamente adorável.

“Certamente é. Ela é uma miniatura de Collie. E, além


disso, é de uma das minhas músicas favoritas dos Beatles.”

Eu levanto uma sobrancelha, jogo a toalha e me afasto


da pia. Arrasto a cadeira para o outro lado da mesa e me sento.

STEVIE J. COLE
“Os Beatles? Você...” Atravessando a mesa, eu sacudo o cabelo
dela, “menina bonita, ouve os Beatles?”

“Sim, eu escuto tudo. Minha mãe…”

E a menção desse nome traz uma enxurrada de lágrimas


aos olhos dela. Porra. Estraguei tudo. Eu trouxe as coisas que
ela deveria esquecer. Limpo minha garganta. “Earl estará de
volta em breve.” Estou de pé, estendendo a mão para ela.

Ela levanta as mãos amarradas e as coloca nas minhas.

“Talvez possamos fazer isso com mais frequência. Tem


sido bom ter você aqui comigo durante dia”, digo quando abro
a porta do porão.

Lágrimas escorrem pelas suas bochechas e, sem pensar,


eu as enxugo. Quero abraça-la e confortá-la. “Não há problema
em ficar chateada, mas o que você deve lembrar é que vou
mantê-la segura. Não vou deixar você se machucar,
Ava. Entendeu?” Tento recuperar a vantagem. Ela dá um
aceno de cabeça indiferente e eu levo o queixo entre os dedos,
forçando os olhos até os meus. “Olhe para mim”, digo, e
quando ela olha, algo dentro de mim se quebra.

Esse olhar de inocência — você não vê isso muitas vezes


aqui porque as garotas que vêm para cá já estão
corrompidas. Ava é tudo menos isso. Esperança, amor e
família, essas coisas ainda são feridas muito frescas aqui. Ela
ainda é muito uma pessoa — uma mulher que, em
determinado momento de minha vida, tenho quase certeza de
que teria perseguido, amado, cobiçado. E o homem dentro de
mim ainda quer persegui-la, amá-la, cobiçá-la. Passo meu
polegar sobre sua pele macia, meus olhos deslizando para seus
lábios carnudos. Estou tão perdido em instintos que mal me
noto avançando cada vez mais perto dela. Mas, antes de meus
lábios encontrarem os dela, me detenho, apertando minha
mandíbula em uma tentativa de conter essa parte de mim que
quer levá-la.

STEVIE J. COLE
“Eu prometo”, suspiro as palavras contra seus lábios e
ela estremece. “Vou te proteger.” E é com essas palavras que
me viro para descer os degraus de madeira, para trancá-la em
um quarto e deixá-la.

“Eu acredito em você”, ela sussurra.

Fechando meus olhos, exalo. Neste mundo, a inocência


é uma queda.

STEVIE J. COLE
16

MAX

Dia 20

Tentei de tudo para encontrar Lila. Mas não tenho ideia


de quem são esses homens ou como eles encontram Earl para
chegar às meninas. Ontem à noite, Earl estava tão fodido que
desmaiou na mesa da cozinha e urinou nas calças. Aproveitei
a oportunidade para me esgueirar pelo seu quarto
novamente. É praticamente a vigésima vez que faço isso, mas
sem sucesso. Não há nada naquele cômodo além de pontas de
cigarro, latas de cerveja, revistas pornôs e roupas.

Pego duas garrafas de água da geladeira e me viro para


voltar para o meu quarto assim que Bubba vem bamboleando
para a cozinha, Rufus em seus calcanhares. “Aquela garota
deveria estar pronta, hein?” Pergunta ele. “O que leva
geralmente, um mês ou alguma merda assim?”

“Sim, mas ela é teimosa.”

“Sim.” Ele puxa a porta da despensa e começa a farfalhar


através dos sacos de comida. “Ela parecia um pouco mal-
humorada quando a pegamos. Imaginei que ela seria uma dor
de cabeça. Acho que você tem que fazer certo, hein?”

“Algo assim.” Olho para ele com desconfiança. Ele não


costuma iniciar uma conversa frequentemente.

“Inferno, ela pode não quebrar nunca.” Ele fecha a porta


da despensa e abre uma das Tortas de Aveia e Creme que tirou
da caixa, jogando-a no chão para Bear. “Mas eu aposto que há
um grande número de homens que pagaria um bom troco para
ficar com uma como ela, pelo menos eu acho, e você?”

Ele se senta à mesa, despejando o lanche em sua mão


rechonchuda.

STEVIE J. COLE
“Hey, Bub.” Me sento em frente a ele. “De onde aparecem
esses caras?”

“Uh, o cara principal tem um site funcionando. Meio


como uma daquelas coisas de casamento por
correspondência.”

Eu luto para manter meu queixo livre de tensão. A porra


de um site para vender essas garotas? “Mesmo?”

“Sim, bem, eu não sei exatamente como é isso. Acho que


é mais um site para caras, você sabe.”

“Huh...” Não sei dizer muito. Bubba pode não falar


muito, mas quando ele começa é como se vômito de palavras
saísse dos seus lábios.

Ele enfia a metade de um cookie na boca. “Sim.” Ele


cheira em torno de sua comida. “Então, esses caras, tem um
site que podem participar. Postam o que gostam, você sabe,
cor de cabelo e cor dos olhos, personalidades e toda essa
merda. Então é aí que o cara principal recebe a informação
passa para o Joseph ir e pegá-las, costumava ser Travis, mas
depois quando ele foi morto, eles acharam que talvez devessem
ter uma pessoa separada para pegá-las e então você treina as
meninas. Acho que sua posição é um pouco mais valorizada e
tudo considerando que você tem que ter essa habilidade de
foder a cabeça delas.”

Meu estômago dá um nó. Foder alguém assim não é


exatamente o que eu consideraria uma habilidade, mas,
novamente, nesta linha de trabalho, acho que é.

“Quem administra o site?” Pergunto, e Bubba nem me


dá uma segunda olhada.

“Tom. Ele lida com toda essa merda de


negócios. Costumava ser um advogado ou algo extravagante
assim, mas ele tinha esposa”, ele lambe as migalhas de seus
dedos redondos. “Ele a estava traindo e ela descobriu, levou-o

STEVIE J. COLE
à falência, então ele ficou viciado em alguma coisa ruim.
Merda... perdeu o emprego, e ficou sem todo seu dinheiro.” Ele
abaixa as sobrancelhas. “Funcionou bem para nós, eu acho,
porque agora todos têm empregos bem remunerados.” Ele ri
antes de se afastar da mesa. “Eu e o Earl vamos para o salão
da piscina com a Judy, quer vir?”

“Você sabe que eu não gosto de pessoas, Bub.”

“Sim, bem...” Ele sai da cozinha, arrotando.

Tom? Porra. Tom é o único por trás da maior parte dessa


merda? Só o encontrei duas vezes, mas ele nunca me pareceu
o tipo de líder de ringue. Ele é um porcaria de um careca de
meia-idade. Faltando metade dos dentes — devido à
metanfetamina — e ele parece esquisito como merda. Não
consegue fazer contato visual por mais de três segundos.

Não tenho ideia de onde diabos ele mora ou qual é o


sobrenome dele, mas isso é melhor do que não ter ideia de
quem diabos eu devo ir atrás. Tudo o que tenho que fazer é dar
um tempo, jogar minhas cartas corretamente e,
eventualmente, tenho certeza de que eu e a porra do Tom
chegaremos a um entendimento. Sorrindo, subo as escadas,
tirando a chave do meu bolso antes de parar na frente do meu
quarto. O trinco se abre e a porta, e lá está ela, bem onde a
deixei, sentada na cadeira no canto do meu quarto, segurando
desajeitadamente um livro.

“Aqui está um pouco de água”, digo quando coloco uma


garrafa na mesinha ao lado de sua cadeira.

Ela balança a cabeça, os olhos treinados na página que


ela está lendo ansiosamente.

Eu dou de ombros e deito de volta na cama antes de


pegar caderno de anotações da mesa de cabeceira. Abrindo na
página marcada, olho para Ava.

STEVIE J. COLE
Ela está aqui há vinte dias. E todo dia é igual: eu luto
comigo mesmo porque esqueci o que deveria estar fazendo. Às
vezes, acredito que estou enrolando isso porque gosto da
companhia dela, porque por ela estar aqui não estou sozinho.

Ela vai virar a página e perde a página. Os pulsos


amarrados não lhe permitem muita liberdade, e acho quase
fofo a maneira como ela luta, virando por baixo e xingando
quando muitas das páginas passam. Ela joga a cabeça para
trás, revirando os olhos enquanto coloca o livro no colo. “Mas
que porra”, diz ela com um gemido.

Elevo uma sobrancelha. “Mas que boca imunda para


uma menina tão bonita.” Sorrio e ela me olha como se quisesse
me sufocar. De pé, eu rio. “Que tal se eu simplesmente desatar
você então?”

Seu olhar se estreita em mim acusadoramente.

“Quero dizer, vou confiar em você, mas se você quebrar


a minha confiança...” Balanço minha cabeça enquanto pego as
mãos dela. “Não será um bom presságio para você, minha
querida.”

“Eu não faria isso.” Ela parece desesperada, sua voz à


beira de um soluço. “Eu prometo. Só quero poder virar as
páginas.”

“Tudo bem, então.” Desato o cordão amarrado e me


afasto, virando as costas para ela — esperando para ver como
ela vai reagir. Recosto-me na cama, me inclino contra a
cabeceira da cama e pego meu caderno de volta.

“Obrigada”, ela diz enquanto pega o livro do chão e abre.

“De nada.”

E aqui nos sentamos, lendo — ela na cadeira, eu na


cama, como se ela tivesse escolhido estar aqui. E de certa
forma, escolheu já que ela não tenta fugir. Deslizo sobre a
entrada datada de julho de 2016, assunto 130:

STEVIE J. COLE
Dia 8 em cativeiro: Uma semana de isolamento e comida
reduzida. Tive meu primeiro encontro com ela hoje. Foi
peculiar. Ela salta sempre que chego a menos de um metro
dela. Chora se eu estreito meu olhar nela. Ela nunca responde
a nada que eu pergunte. Earl disse que acha que ela pode ser
muda porque não pronunciou uma palavra.

Dia 10: Não a visitei ontem. Hoje, quando entrei, ela não
se mexeu. Por um momento, temi que estivesse morta porque
estava tão quieta que a ouvi suspirar. Ela estava
chorando. Disse-lhe o quanto lamentava que ela estivesse
aqui. Nada. Disse a ela que não a machucaria. Nada. Trouxe
uma bacia de água com um pano e sabão e falei que podia se
banhar. Ela não se mexeu. Eu deixei.

Dia 11: Eu sentei com ela por duas horas e não disse uma
palavra. A estudei, observei ela me observando. É óbvio que ela
foi abusada. Há cicatrizes nos braços e nas pernas, no
rosto. Logo antes de sair eu disse que ela era linda e ela
chorou. Às vezes, acho que toda essa provação pode ser uma
bênção para essas mulheres, porque a única coisa que descobri
é que a maioria delas está precisando muito de amor, não
importa a forma, porque elas nunca tiveram o menor vislumbre
disso.

“O que você está lendo?” A voz suave de Ava chama


minha atenção para longe das palavras naquela página.

“Estudos.” Isso é o que é, não estou mentindo. Fiz


anotações sobre cada garota que treinei. Por mais mórbido e
doentio que pareça, não posso deixar de achar tudo muito
fascinante.

Sua testa se enruga em confusão. “Tipo, de escola?”

“Algo parecido. Gosto de aprender.” Lentamente fecho o


caderno e coloco na mesa de cabeceira.

“Você está estudando?” Posso ver a montagem confusa


em seu rosto.

STEVIE J. COLE
“Eu tenho um diploma em psicologia”, digo sorrindo.

“Hã…”

“Você achou que eu era apenas um criminoso sem


educação?”

“Eu... uh, quero dizer, é só que...” Ela limpa a garganta.


“O que fez você querer estudar psicologia?”

Um sorriso puxa meus lábios. “Você quer a verdade?”

Ela balança a cabeça, sacudindo os longos cabelos atrás


dos ombros. Eu debato se devo dizer a ela ou não, porque, por
mais simples que seja, nunca contei a ninguém antes. Mas
algo me faz querer dizer a ela, só para ver como ela reage. “É
uma sensação terrível quando você está com medo de sua
própria mente, Ava. Eu queria entender porque era tão fodido.”

“Todo mundo está fodido”, ela murmura. Quase posso


ouvir o desdém em seu tom.

Quase.

“Ah, sim, mas o nível de fodeção...”

“Isso não é uma palavra.”

“Não é uma palavra clínica, não.” Eu rio.

“Então, eu acho que seu nível de fodeção supera a


maioria das pessoas normais?”

Há um leve sorriso em seus lábios quando fixo meus


olhos nos dela e, sem pausa, confesso exatamente o quanto
estou ferrado. “Eu matei pela primeira vez quando tinha
dezesseis anos e gostei. Eu amei aquilo. Sonhei com isso várias
vezes porque queria fazer tudo de novo.”

O sorriso desaparece e aqueles lábios macios dela se


separam. Deus, não posso evitar, penso em deslizar meu pau
entre eles, e quase imediatamente depois de imaginar,

STEVIE J. COLE
envolvendo seu cabelo em meu pulso enquanto ela está de
joelhos, a vergonha passa sobre mim.

“Chocada?” Pergunto.

“Eu não deveria estar...” Seus olhos vão para o colo e ela
começa a cutucar as unhas. Tão bonitinho. Ela é tão inocente,
algo que eu quero.

“Só as pessoas más, lembre-se disso. Eu só quero matar


homens muito maus.”

Ela balança a cabeça, mas não vai olhar para mim agora.

“Todos nós temos nossos segredos, não temos?”

“Eu acho.”

“Então”, sento e vou até a beirada da cama, juntando as


mãos e me inclinando sobre os joelhos. “você sabe o meu
segredo, qual é o seu, Ava?”

Vejo quando ela engole em seco. Ela encolhe os ombros.

“Quero saber algo sobre você.” Levanto e atravesso a


sala, ajoelhando ao lado dela. Sinto um enorme desejo de tocá-
la, então faço isso. Gentilmente passo meus dedos sobre sua
bochecha quente, arrastando-os para baixo por sua
mandíbula. Meu pulso acelera quando o toque chega a sua
garganta e clavícula. Agarrando seu queixo, inclino a cabeça
para trás e a forço a olhar para mim. “Diga-me algo sobre você,
que ninguém mais sabe.” Prendo o olhar dela. Há algo tão
familiar nesse olhar, e por um momento me pergunto se estou
perdendo o contato com a realidade. “Você disse que todo
mundo está fodido, o que significa que você acha que está
fodida e eu quero saber o porquê.”

“Há uma escuridão aqui dentro que não me deixa”, ela


sussurra. “E isso me assusta.”

“Uma escuridão?” Aproximo-me dela, minha mão ainda


segurando seu queixo. Meus lábios estão a poucos centímetros

STEVIE J. COLE
dos seus, e tenho que fechar os olhos porque a tentação é real
demais. Sua respiração fica presa e para evitar colar minha
boca sobre a dela arrasto meu polegar sobre o lábio inferior
carnudo, lutando contra um gemido quando percebo como é
perfeito. “Por que você tem medo da escuridão, minha
querida... Você não sabe que esse é o único lugar onde
podemos sonhar?”

“E é onde todos os pesadelos vivem”, diz ela enquanto as


lágrimas penetram em sua linha dos cílios, seus lábios
começam a tremer.

Afasto-me dela, sem saber o que pensar. Estou intrigado


porque, oh, como as aparências enganam. Ela é inocência do
lado de fora, mas, ao que parece, o anjo que eu pensei que não
tinha uma rachadura pode estar quebrado por dentro, já
desmoronando por causa da destruição em seu passado. E o
que me assusta com essa revelação é que percebo porque me
sinto atraído por ela — fui atraído por ela. Ela está maculada,
pelo que eu não tenho certeza, mas apenas pessoas que estão
fodidas podem entender o que é essa escuridão, e eu quero
saber o que lançou essa sombra sobre sua alma brilhante. O
medo rasteja através de mim como um nevoeiro lento pairando
sobre um lago. A única coisa que sei é que é preciso outra alma
sombria para entender uma pessoa quebrada, e agora sei que
este é um território perigoso pelo qual estou passando.

E quando alguém quebrado se quebra, nada no inferno


pode se comparar a essa catástrofe.

STEVIE J. COLE
17

AVA

Estou cansada de ler. Cansada do ritmo. E tudo o que


há são essas quatro malditas paredes e aquela maldita
porta. Aquela barricada trancada. Então sento, girando meus
polegares. De novo e de novo.

A fechadura clica — e, como o cachorro de Pavlov — eu


quase salivo. Estou condicionada a encontrar excitação nesse
barulho agora, porque sei que Max aparecerá em um
segundo. E ele aparece. Está vestindo uma camiseta cinza e
jeans, uma leve sombra da barba por fazer. E eu quase
desmaio — não deveria — mas coisas assim, como ele em pé
na beira do colchão, olhando para mim com seu olhar
intensamente escuro, você não pode evitar.

Ele sorri e sinto minhas bochechas corarem. Pareço uma


garota de treze anos apaixonada por um professor e odeio isso.

“Consegui algo para você hoje”, ele diz enquanto estende


um diário de couro para mim. Pego o caderno dele. Moleskine
cinza escuro, então sei que não é exatamente barato. “Imaginei
que com o quanto você gosta de ler, talvez goste de escrever ou
algo assim.”

E eu quase desmaio novamente.

Ele se senta na beira do colchão, a mão descansando


sobre o meu pé. “Você gosta?” Ele pergunta.

“Do que?” Corro minha mão sobre o couro, alegre pela


sensação de algo novo.

“Você gosta de escrever?”

“Quero dizer, costumava escrever poesia o tempo todo…”

STEVIE J. COLE
Ele se deita na cama, seus dedos agora passando pela
minha panturrilha. “Mesmo? Que tipo?”

“Macabras. Cheias de... escuridão.”

“Hum, imagino. Você comentou sobre isso.” Ele sorri um


pouco. “Quantos anos você tinha quando começou?”

“Quinto ano.”

“Isso é muito jovem.”

“Sim, bem.” Engulo. “Às vezes você só precisa por para


fora, sabe?”

“Eu sei. Eu sei Ava. Eu sei.”

E há silêncio. Um silêncio tenso onde nós dois


percebemos que temos mais em comum do que gostaríamos de
admitir. Para ser honesta, isso é algo que eu conheço porque
você não é atraído por um estranho aleatório como este, se não
há algo tão profundo e fodido que você compartilha. Aquela
escuridão é como um farol, um farol silencioso e incolor que
suga as pessoas.

“Você escreve?” Pergunto.

Uma de suas sobrancelhas arqueia e um sorriso


unilateral chuta o canto da boca para cima. “Claro. É
terapêutico.”

“Exatamente.”

“Então, nós nos entendemos?” Ele ri e coloca a mão na


minha perna antes de se levantar e caminhar até a porta. “Eu
vou ver se tem um quarto diferente, se você quiser? Um quarto
real com uma cama e uma cômoda.”

E tudo o que posso dizer é: “Obrigada”, porque estou


presa aqui. Para sempre, receio, mas não sei necessariamente
se me importo mais.

STEVIE J. COLE
A fechadura clica e abro o diário na primeira página em
branco. Não há palavras. Não é uma marca perdida. Eu olho
para ele, e o engraçado é que, pela primeira vez desde que
estou aqui, há uma sensação de liberdade. Posso escrever o
que quiser. Posso me perder em um mundo que eu
inventei. Posso me impedir de ficar completamente louca,
simplesmente escapando para o que deveria ser a
realidade. Talvez seja assim que Cervantes se sentiu quando
foi preso, talvez uma revelação semelhante a isso tenha sido o
que o levou a escrever as primeiras linhas de Dom
Quixote. Tomando a caneta, nem penso. Apenas escrevo:

Quando falo comigo mesma, temo que esteja


enlouquecendo, mas quando escrevo para mim mesma, há a
esperança de que essas palavras silenciosas cheguem a
alguém. Sou Ava Donovan: refém, prisioneira — e é assim que
serei lembrada porque, para o mundo exterior, não existo
mais. Eu só existo aqui. Com ele, e às vezes, quando ele olha
para mim como se pudesse me amar de maneira que ninguém
mais poderia, estou bem com isso. Talvez eu esteja louca ou
talvez tenha encontrado o lugar a que pertenço.

Paro de escrever. Arrepios se espalham sobre meus


braços quando leio o que escrevi. Escrever é uma arte, e a
verdadeira arte vem da inspiração, o que me faz pensar em que
tipo de vida fodida alguns dos meus autores favoritos
levaram. Certamente há pedaços deles em cada história
horrível. Talvez seja a sua escrita subconsciente — as pessoas
são mesmo os autores? É mais provável que seja a mágoa,
raiva e medo, quero acreditar que são as emoções que sangram
palavras no papel.

Porque certamente não estou tão longe.

Certamente não o amo...

STEVIE J. COLE
18

MAX

Dia 59 - cinco semanas e meia depois

Arrumo o edredom e olho ao redor do quarto, meus


nervos na porra do fogo. Esta é a segunda fase: trazer conforto
e familiaridade para uma situação que deveria ser tudo menos
isso. Para todos os efeitos, este é um quarto de verdade — não
importa que haja um ferrolho duplo do lado de fora da porta.

Tudo está pronto, exceto eu. Não estou pronto para essa
merda.

Ela está parada no canto, com um enorme sorriso no


rosto enquanto passa a mão sobre os itens na estante. Trouxe
todos os livros dela para cá, mas, além disso, todas as outras
coisas aqui, estão aqui para todas as outras garotas. Cada
garota é feita para acreditar que este quarto foi preparado
especialmente para ela. Acham que é um sinal de que as
amo. Que me importo profundamente com elas porque por
qual motivo mais me daria ao trabalho de tudo isso? Da
mobília delicada, dos lençóis recém-lavados?

“Você fez isso por mim?” Ela sorri.

Nunca me incomodou que elas pensassem isso. Mas Ava


pensando assim, faz um nó se formar na boca do meu
estômago. Não posso dizer a ela que sim, então eu aceno.

“Por quê?”

“Porque...” Mudo meu olhar para o chão. “Você é especial


para mim.” E isso não é mentira. Ela corre para mim,
envolvendo os braços na minha cintura e me segurando firme.

“Obrigada, Max.”

STEVIE J. COLE
Não posso mais fazer isso, então me desculpo e saio,
fechando as duas trancas atrás de mim. Quando me viro,
encontro Earl encostado na parede, as pernas esticadas,
bloqueando o corredor estreito.

“Ela tem estado aqui por um bom tempo, não é?” Ele
pergunta. Um sorriso doentio emplastado em seu rosto.

“Bem”, passo por ele. “Ela não era uma puta, era? O que
você esperava?”

“Não sei.” Ele me segue até a cozinha.

Vou para a geladeira e pego uma cerveja, abrindo a lata


e imediatamente engolindo metade dela. Seus malditos olhos
nunca me deixam, e quanto mais olha para mim, mais eu
quero derrubá-lo. “Que porra você está olhando?” Pergunto.

Ele ri. E quando Earl ri de mim, minha pressão


sanguínea dispara até o maldito teto. “Você está na merda,
garoto.” Outra risada. “Merda profunda e escura.”

“O que diabos isso significa?”

Ele levanta as mãos como se estivesse se rendendo e


encolhe os ombros. “Tenho certeza que você sabe o que isso
significa.” Ele atravessa o cômodo, abre a geladeira e para,
olhando por cima da porta. “Ela é roubada, garoto. Então, o
que quer que você esteja pensando, é melhor se livrar
disso. Você não pode ficar com ela.”

Acabo a cerveja e amasso a lata na palma da minha mão.


“Vá se foder Earl!”

“Ah, não vá ficar todo emocional sobre isso.”

Nem olho para ele quando saio da cozinha e subo para o


meu quarto, batendo a porta atrás de mim. Ando e massageio
meu pescoço. E quando isso não faz nada para aliviar a tensão,
bato meu punho na parede como um adolescente fodido. Isso
não é justo. Não está certo. Honestamente, eu não acho que

STEVIE J. COLE
posso deixá-la ir embora. Eu deveria quebrá-la, ela diria que
me ama, e então eu a entregaria a outro homem quando só
posso imagina-la como minha?

Sento-me a mesa e ligo o meu MacBook. Isso se tornou


um hábito, ler as notícias todas as noites, verificar seu
Facebook para ver o que as pessoas estão dizendo. Todo
mundo está procurando por ela. Ela não é uma prostituta ou
criminosa; ela não é uma das esquecidas, assim como as
outras mulheres que vieram para cá. E as repercussões disso
serão severas.

Confie em mim, cheguei a pensar em pegá-la e fugir,


apenas sair no meio da noite... mas se eu pisar fora dessa porra
com ela, estarei na cadeia, ou fodidamente morto, dentro de
poucas horas.

Leio artigo após artigo. O fato de que não têm pistas,


bem, isso acalma meus nervos, e quando penso que talvez eu
possa deixá-la ir, vejo uma entrevista com seu irmão, o pedaço
de merda.

Minha irmã, Ava, foi a pessoa mais importante da minha


vida. Ela era tão feliz e vibrante, trazendo vida para todos
aqueles ao seu redor. Quem a levou não faz ideia do que fez com
a nossa família. Tudo o que posso pedir é que a tragam de
volta. Isso é tudo que queremos, encontrar Ava viva e segura.

Mentiroso filho da puta! Empurro para longe da mesa,


segurando a borda com as mãos. Meus olhos pousam na
mesinha de cabeceira, e quase derrubo a cadeira quando fico
de pé para chegar até ela. Puxo a gaveta de cima e pego minha
arma, puxando o carregador para ter certeza de que está
carregado. Colocando-o na cintura do meu jeans, e saio. Entro
no carro, fazendo a viagem de duas horas e meia para
Birmingham, no Alabama.

Algumas pessoas não merecem viver —respirar meu


maldito ar. E Brandon Donovan é um fodido que vou com
prazer, assistir seu último suspiro.

STEVIE J. COLE
19

AVA

Dia 59 - data desconhecida

Todo dia quando Max entra me diz que dia é. Hoje é o dia
59. Os dias e as noites se misturam... Na verdade, nem sei mais
o que são essas coisas. Durmo quando estou cansada. E espero
quando estou acordada e sozinha. Mas quando Earl se vai, Max
me leva para cima. Ele me leva para passear pelos campos, só
se for noite, e nós conversamos. É quase como se estivéssemos
em um relacionamento — um relacionamento desordenado e
confuso, mas ele se importa comigo. Eu sei que ele faz e em um
mundo como este, os rótulos não existem. Amigo ou
inimigo? Nada disso existe porque ele é tudo o que tenho, e
quando tudo o que você tem é uma pessoa, bem, não há
necessidade de definição.

Mais frequentemente do que não, me vejo fantasiando que


um dia ele vai me foder. Parece loucura, mas ele faz de tudo
para me deixar confortável, para passar o tempo comigo, e há
algo em seus olhos quando olha para mim que me faz acreditar
— nem tenho certeza — talvez isso seja amor... Por mais fodido
que seja, há algo profundo e elétrico, como um puxão, entre
nós. Isso soa tão estúpido, não é? Assassinato. Essa é nossa
conexão — nossos pais. E que conexão essa, uma de ódio...

Fico aqui sozinha e penso que talvez seja o


destino. Talvez ele seja minha pessoa e a única maneira de nos
encontrarmos fosse através desse pesadelo. Porque então tudo
isso valeria a pena, certo? Amor. Algo que vale a pena o
sacrifício?

Interpreto os cenários de como posso salvá-lo, como talvez


eu seja a garota que vai acender a consciência que eu conheço
e que se esconde em algum lugar dentro dele e então ele vai me

STEVIE J. COLE
salvar. E mesmo que seja uma pessoa má, mesmo que ele tenha
me feito mal ao me manter aqui... afinal, é apenas seu
trabalho. Ele está seguindo ordens, e se eu for a única que faz
com que ele quebre essas regras — bem, não é nesse tipo de
coisa que as histórias de romance são baseadas? Não é isso que
toda mulher sonha? Ter em seu amor algo tão especial e puro
que pode transformar uma fera em homem?

Fecho o caderno e o jogo no chão antes de me jogar de


volta na cama. Há uma cama de verdade aqui com um lindo
edredom lavanda e travesseiros macios. Há um ventilador de
teto e um armário, uma cômoda com espelho, uma estante de
livros. Toda semana ele me traz mais livros. O último que li foi
Dark Places, de Gillian Flynn. Ele disse que era um dos seus
favoritos, então, é claro, devorei. Há tanta coisa que você pode
dizer sobre uma pessoa pelos tipos de livros que
gosta. Pergunto-me por que ele gosta tanto dessa história, é o
assassinato, a educação de merda, o abuso? Quero
desesperadamente saber o que aconteceu que o levou até onde
está na vida — o que o fez gostar de matar. Homens que são
tão frios quanto deveriam ser, você vê isso nos olhos deles, há
um vazio que diz que eles vão acabar com a sua vida em um
instante. Mas os olhos de Max, embora sejam frios e negros, e
fingindo estarem vazios, há um lampejo de algo que acredito
que só eu posso ver. Um breve surto de vida, perda e amor que
acho que está morrendo rapidamente.

E quero ser a única a entendê-lo.

Quero amá-lo porque acho que é tudo o que ele


realmente precisa. Alguém para realmente, honestamente
entender e amá-lo.

Alguns dias atrás, ele me deu um rádio relógio antigo


para que eu não tivesse que ficar sentada em silêncio. Não me
incomodei em perguntar a ele as horas. Para ser honesta,
prefiro manter o conceito de tempo como uma daquelas coisas
que realmente não tenho noção. Não sei por que, mas apenas
ser capaz de ver o tempo passar — acho que isso me levaria ao

STEVIE J. COLE
limite. Há uma música pop rock tocando alto o suficiente para
que eu mal ouça a batida na porta.

Sorrio quando vejo Max entrar no quarto. “Comprei uma


coisa”, diz ele, segurando um livro escrito por dois autores de
que nunca ouvi falar. Eu palmas antes de estender minhas
mãos. Ele coloca a brochura na minha mão e viro
imediatamente, lendo a sinopse de Wicked Little Words.

“Obrigada”, falo enquanto folheio as páginas, inspirando


o cheiro da tinta fresca.

“Sim, pareceu-me algo que você gostaria. Absolutamente


fodido e doente”, diz ele com um sorriso enquanto se senta na
beira da cama.

“Por que você está aqui?” Pergunto.

“Porque eu me importo com você.”

“Não, Max. Por que você está aqui nessa vida? O que te
fez fazer isso — Earl, Bubba... por que você está ajudando?”
Ele não olha para mim, então eu gentilmente pego seu queixo
em minhas mãos, como ele fez comigo várias vezes, e levanto
seu rosto. “Olhe para mim”, sussurro. “Eu quero saber quem
você é, porque você é do jeito que é. E quero entender.”

Sua testa fica enrugada por um breve segundo,


estreitando os olhos. “Eu não conheci nada melhor.”

Sinto um sorriso suave moldar meus lábios. “Seus olhos


dizem outra coisa.”

Ele olha para mim, e não tenho certeza se é raiva ou


confusão ou algo completamente diferente, mas ele está
pensando.

“Quando você falha com aqueles que ama vez após vez”,
diz ele, tomando fôlego. “Quando essa merda corre pelo seu
sangue como um maldito vírus, você não tem escolha. Às
vezes, boas intenções são atadas com o puro mal.”

STEVIE J. COLE
“Você e suas charadas.”

“Tenho minhas razões, Ava. Mas mesmo assim, mesmo


sem Earl e toda essa merda, eu estava fodido muito antes
disso. Já te disse a verdade, gosto de matar, e que tipo de
pessoa gosta dessa merda?”

Arrepios se espalham pelos meus braços como


agulhas. Este homem é um assassino. Ele confessou duas
vezes que gosta de tirar a vida das pessoas, o que deveria me
fazer odiá-lo, mas isso não acontece. “Mas você mata pessoas
ruins, certo?”

“Sim.”

“Pessoas que machucam outras pessoas?”

“Sim.” Seus olhos estão presos aos meus e pego sua


mão, trazendo-a aos meus lábios e beijando-a tão ternamente.

“Então seu coração está no lugar certo.” E sei que isso


soa distorcido, mas acredito nisso. Todos nós temos
convicções diferentes, e quem sou eu para julgá-lo? Em um
mundo como esse, a consciência de uma pessoa muda. Certo
e errado não são ponderados por medidas convencionais.
“Você só precisa de alguém que te entenda.” Sussurro.

“Você...” Ele começa a me alcançar, mas para,


inclinando-se sobre os joelhos e roçando os dedos pelos
cabelos grossos.

“O que há de errado?” Corro em direção a ele e


gentilmente passo minhas unhas em suas costas largas.

“Nada.” Ele se afasta do meu toque. “Nada”, ele repete,


seu tom de voz agitado enquanto se levanta e caminha pela
extensão do quarto, parando para encostar-se à parede mais
distante.

“Max...” O medo atinge meu peito. E se Earl lhe disser


que tem que me matar, e se eu não for mais uma vantagem

STEVIE J. COLE
para eles? Meu coração martela nas têmporas, a adrenalina
sacolejando pelo meu corpo.

Ele olha para mim, com a testa franzida. “Como você se


sentiria... eu preciso saber como você se sente sobre...”
Balançando a cabeça, ele se afasta. Vejo-o engolir em seco.

A música animada no rádio desaparece e então a música


“Unsteady” começa a tocar. Uma orquestra toca ao fundo. O
som pulsante das cordas e a voz daquele homem transformam
o clima em algo sombrio, arrependido, angustiado —
perdido. O ar fica tenso. Max morde o lábio, sacode a cabeça
mais uma vez e depois atravessa o ambiente com passos
determinados. Seu olhar me prende no lugar. A intensidade
queimando atrás de seus olhos faz minha pele arrepiar e meu
coração pula para a minha garganta. Arrastando uma mão
pelo seu cabelo grosso, sua testa se enruga em uma expressão
crua quando ele se aproxima de mim.

É isso. Ele vai me matar. Com essa música. Neste


quarto com as mãos nuas. E eu pensei que o amava...

Corro através da cama até minhas costas baterem na


parede e engulo. Max para na minha frente, com os olhos fixos
nos meus. Seu olhar desce para a minha boca e ele fecha os
olhos em um gemido. Ele agarra meu rosto. Seus dedos
arranham meu cabelo, sua palma descansando sobre a minha
bochecha. Lentamente, ele puxa meu rosto para o dele até que
sua boca esteja a centímetros da minha.

Nenhuma palavra é dita, elas são desnecessárias.

Isto está errado. Há algo sobre ele que sei que não
deveria ser humanamente possível, ainda assim
existe. Aqueles olhos escuros saltam dos meus olhos para
minha boca, e quando ele se inclina tão devagar, meu coração
bate contra minhas costelas. O refrão da música toca no rádio
e esse é um daqueles momentos que você sabe que vai lembrar
no seu leito de morte. Um momento crucial onde cada
respiração não vivida de sua vida está em jogo.

STEVIE J. COLE
“Eu não deveria querer você assim”, Max sussurra em
meus lábios, o calor de sua respiração forçando calafrios pela
minha pele. Meus olhos se fecham quando outro longo suspiro
se transfere da sua boca para a minha. “Diga não”, diz ele, seus
lábios mal roçando nos meus.

Engulo assim que seus lábios quentes esmagam os


meus. Ele sobe na cama, suas mãos ainda segurando meu
rosto enquanto aprofunda o beijo. E este beijo, embora seja
gentil, é de alguma forma ainda brutal, cru e duro. O peso da
situação é evidente a cada toque, a cada respiração, mas
dentro dela há uma beleza tão profunda que as palavras jamais
farão justiça. Max geme. Seus dedos torcem meu cabelo
enquanto sua língua provoca meus lábios. Saboreio a
sensação suave de sua boca. Gosto disso porque é algo que
tenho desejado, não importa quão errado ou perverso. Eu
queria isso dele por tanto tempo. Esse beijo me concede um
tipo de validação. De alguma forma, entre as profundezas
sombrias desse pesadelo, encontrei uma versão fodida de amor
— e acredito que essa é a única linguagem de amor que jamais
vou entender.

Max descansa a testa contra a minha, o polegar


acariciando meu queixo. “Eu não posso evitar”, ele respira
sobre minha boca. “Nenhum homem poderia...”

E nossos lábios se juntam mais uma vez. Sinto cada


pedaço em mim começar a derreter, e internamente eu grito
comigo mesma para sair dessa, mas Max — tudo o que ele é,
as partes dele que ele acredita estarem arruinadas, maculadas,
o jeito que ele está me tocando como se eu fosse tudo. Neste
momento, bem, simplesmente não consigo parar. Ele está
certo. Nós estamos certos, e às vezes, sim, às vezes, talvez o
destino tenha que estragar a última coisa em sua vida para
colocá-lo onde você pertence, porque é onde eu pertenço. Sinto
isso no meu coração, embora minha mente queira negar.

As mãos de Max deslizam pelo meu pescoço, meus


ombros, meus lados. Ele me agarra pela cintura, seus lábios

STEVIE J. COLE
ainda pressionados com força sobre os meus. Seus dedos se
encostam em meus lados e ele geme antes de afastar sua boca
da minha.

“Não pare”, sussurro, envolvendo meus braços em seu


pescoço.

Outro beijo e nossas mãos estão um sobre o outro, mas


assim que meus dedos roçam a cintura de seu jeans, ele vai
para longe de mim para ficar de pé, inclinando a cabeça e
andando de um lado para o outro. Levanto-me da cama e olho
para ele.

“Não posso”, ele faz uma pausa e olha nos meus olhos.
“Ava, eu não posso...” Diz ele, agarrando-me e jogando-me
contra a parede enquanto me beija como se eu fosse a porra
da sua respiração.

O ar que nos rodeia está repleto de energia primitiva —


desejo e paixão brutais. Suas mãos vagam por mim. Meus
dedos cravam em seus enormes bíceps. Ele possui partes de
mim que ele não deveria e eu tenho quase certeza que ele sabe.

Rosnando, Max agarra meu cabelo antes de se afastar


mais uma vez. “O que você quer de mim?”

Quero gritar: ‘Que você me ame’ mas não posso dizer


isso. Tenho plena consciência de que estou apaixonada por um
homem muito mau, que me traí e que, quando você se trai,
está verdadeiramente perdido. Então, em vez disso, sussurro:
“Nada.”

“Faça-me um favor, Ava.” Ele aperta um dedo sobre


meus lábios e essa intensidade em seus olhos se transforma
em preocupação. “Se eu te perguntar o que você sente por mim,
apenas não me diga. Nunca me diga.”

E com isso ele se vira e sai do quarto, deixando-me


desarrumada e com medo de que o único homem que meu
coração é capaz de sentir assim seja o próprio ceifador. E

STEVIE J. COLE
mesmo sabendo que estou ansiando pelo que sei que um dia
pode tirar minha vida, não posso evitar. Tudo o que meu
coração continua me dizendo é que algumas coisas valem o
risco, porque sem certas coisas, muitas vezes você fica melhor
morto.

STEVIE J. COLE
20

MAX

Minha cabeça está girando. Perdi todo o caralho do


controle com ela, e está tomando cada grama do homem em
mim para não virar de volta e fodê-la contra a maldita
parede. Quero marcá-la, manchá-la. Quero reivindicá-la, e isso
é fodido até o fim.

Earl está sentado à mesa, fumando como sempre. Seus


olhos levantam do papel que ele está lendo. “Ela já está
pronta?” Pergunta, o cigarro entre os lábios, a cinza caindo no
chão quando seus lábios se movem.

“Não.” Empurro por ele. Estou farto desses filhos da


puta fazendo a mesma pergunta. “Estará pronta quando eu
disser que está.”

“Por que ela não está pronta, Max?” Ele pergunta. Paro
e lentamente viro para olhar para ele. Raiva pulsando em
minhas veias com o pensamento de ter que realmente deixá-la
ir.

“Porque não.” Dou um passo em direção a ele. “Ela teve


uma vida e demora muito mais para quebrar a esperança do
que o desespero, caralho.” Outro passo. “É por isso!”

“Bem, se ela não estiver pronta em mais uma semana ou


assim, podemos muito bem apenas matá-la.” Ele sorri,
mostrando seus dentes escuros e tortos. Ele pega sua cerveja
e eu bato em suas mãos. A lata bate no chão, espuma
jorrando. Ele me olha de cima a baixo, provavelmente
debatendo sobre o quanto iria se machucar se tentasse fazer
alguma coisa comigo.

“Como eu disse”, digo enquanto saio daquele ambiente,


“ela estará pronta quando eu disser que ela está pronta,

STEVIE J. COLE
caralho. E não vamos matá-la. Eu te mataria primeiro, seu
filho da puta.”

“Quase acho”, ele grita da cozinha, “que você tem uma


quedinha por ela.”

Ignorando seu comentário, rapidamente subo a escada


em espiral e me tranco em meu quarto. Caminho passando as
palmas das mãos no meu rosto. Olho para os cigarros no canto
da cômoda antes de arrebatá-los e acender um deles, soprando
como uma maldita chaminé a caminho da janela. Agarro o
cigarro entre meus lábios enquanto luto com a velha guarnição
de madeira. Finalmente se solta com um estrondo, guinchando
enquanto a levanto. O frio vento de dezembro entra e meus
músculos ficam tensos. Isso é o que preciso, esse frio. Algo
para me trazer de volta ao mundo real, algo para me levar de
volta ao que eu deveria estar fazendo, mas então a brisa
começa a subir e ela tira seu perfume feminino da minha
pele. Meus olhos se fecham e eu inalo em um gemido quando
trago a fumaça de volta aos meus lábios. A nicotina se infiltra
dentro dos meus pulmões em uma nuvem espessa.

Ela vai ter que sair daqui. Eventualmente — morta ou


viva, e agora, estou tentando decidir qual caminho é mais
gentil. Seria pior ela ser levada para algum filho da puta ou eu
matá-la? Eu poderia fazer isso sem ela saber. Em seu sono. Eu
poderia abrir a porta e colocar uma bala no cérebro dela e ela
nem sequer sairia do reino dos sonhos. Mas esse pensamento
faz a bile subir na minha garganta. Eu não faria isso. Não há
necessidade. E não vou deixar que seja vendida. O que tenho
que decidir: se eu vou mantê-la, ou se vou libertá-la.

Duas horas. Gasto duas horas submerso em meus


desejos conflitantes. Fumo meio maço de cigarros antes de sair
do meu quarto e ir até o porão. Quando abro a porta, ela está
deitada na cama, vestida com uma camiseta e bermuda, seu
cabelo está preso em um coque bagunçado, e ela já está a um
quarto do livro que acabei de comprar para ela. Ela não olha

STEVIE J. COLE
para cima quando começo a atravessar o quarto, ela apenas
continua lendo.

“Desde que eu vi você.” Paro ao lado da cama, pego o


livro de suas mãos, e o jogo no chão. “Ouça-me, desde que eu
vi você, tudo que em que pensava era como seus lábios
seriam.”

Ela olha para mim e, caralho, seus olhos. Não há como


parar isso.

Agarro a parte de trás de sua cabeça, puxando sua boca


contra a minha. Minhas mãos viajam do pescoço até os ombros
antes de esfregar o peito e o estômago, enquanto minha boca
a beija violentamente.

Meus dedos roçam sob sua camiseta. A sua pele é tão


quente e macia que faz com que um tiro selvagem de desejo me
rasgue. Nós tiramos nossas camisas sobre a cabeça um do
outro, a necessidade de sentir um ao outro é a única coisa
capaz de forçar nossas bocas gananciosas a se separarem. Há
uma pausa em que nos encaramos, ambos em conflito, porque
tudo nessa situação é perverso, no entanto, temo que nenhum
de nós seja forte o suficiente para parar. Verdade seja dita,
nenhum de nós quer ser tão forte.

Metade nua, eu a aceito. Sua pele pálida, seus seios e


mamilos perfeitos. Meu pau incha com uma necessidade
primitiva de tomá-la, reivindicá-la, enquanto minha
consciência faz uma guerra moral comigo.

“Por favor...”, ela sussurra e quebra o último e fino fio de


restrição que eu tinha em mim.

Agarrando a cintura de sua bermuda, eu tiro a peça por


suas pernas, jogando pelo chão enquanto deito sobre ela,
empurrando seu corpo exposto no colchão enquanto me ajeito
entre suas coxas. Ela luta com meu zíper, suas unhas me
arranhando enquanto tenta tirar a calça na minha bunda.
Luto para chutá-la das minhas pernas enquanto chupo seu

STEVIE J. COLE
mamilo. Minhas mãos passam pelo seu corpo, concentrando-
se em suas curvas — o recuo de sua cintura, seu quadril, sua
porra de bunda. Eu bato minha mão sobre aquela parte
ridiculamente sexy de seu corpo e ela engasga, o som alto
ecoando das paredes. Nós não somos nada além de uma
confusão de pele e membros, na necessidade desesperada de
tocar cada centímetro do corpo um do outro.

Beijo seu pescoço, roçando meus dentes ao longo de sua


carne delicada antes de beliscar. Ela se contorce debaixo de
mim, suas pernas caindo descaradamente abertas, suas
unhas cavando nas minhas costas. Minha mão serpenteia pelo
quadril e pela perna até a dobra da coxa. Trabalho meu dedo
debaixo de sua calcinha, e no segundo que a toco, perco cada
inibição. Enfio meus dedos dentro dela e ela geme.

“Por favor”, diz ela novamente, agarrando meu cabelo e


empurrando minha cabeça para o lado.

Porra, um homem não consegue resistir a essa merda.

“Max, eu só...”

“Porra implore”, sussurro contra seu ouvido, fodendo-a


mais com a minha mão. “Implore, Ava.” Outro impulso áspero
da minha mão e ela joga a cabeça para trás contra o
travesseiro, os belos lábios carnudos se separando em busca
de uma respiração profunda e trabalhada. Seus dedos se
fecham nos lençóis. E quando a pressiono com mais força, ela
geme.

“Maldição, isso, mulher”, digo em um gemido. Meu pau


está tão duro que mal posso ver direito. Mais um impulso e eu
puxo minha mão para longe dela, enfiando os dedos dentro da
minha boca para sugar seu sabor. Porra, o seu gosto... Tudo
que posso fazer é gemer.

Ela pega meu pau e coloca contra sua buceta. Há um


momento, um momento de merda fugaz onde eu apenas a
sinto. Onde gosto do fato de que ainda tenho que levá-la,

STEVIE J. COLE
saboreio a tentação, e então, do modo mais lento que posso,
deslizo para dentro dela. O calor e o aperto fazem meus olhos
se fecharem em um gemido. Envolvo meus braços atrás dela,
segurando em seus ombros enquanto me enterro
completamente dentro dela. “Porra, sua buceta é tão gostosa”,
digo.

E tudo o que acontece a partir deste momento é


instinto. Pura paixão, desinibida, porra. Eu a fodo até que ela
está gritando, arranhando minhas costas suadas e então
quando ela diz que não aguenta mais viro de costas, forçando-
a em cima de mim.

Ela está ofegando, seus olhos fixos nos meus enquanto


lentamente rebola em cima de mim. Tão inocente. Agarro seus
quadris em minhas mãos, apertando enquanto a forço a
cavalgar mais forte, implacavelmente. Ava joga a cabeça para
trás, seu cabelo escuro caindo atrás dos ombros enquanto
agarra minhas coxas para se firmar. Assisti-la me foder assim
é basicamente arte, algo tão cru e bonito. Não há como deixar
alguém mais possui-la. Ela é minha. Essa mulher fodida foi
feita para mim. Ela e seus demônios e sua inocência —
tudo. Tudo é meu. Para ser honesto, se eu pudesse, a possuiria
porque ela é a primeira coisa nesta vida que encontrei que foi
falha ao ponto de ser perfeita.

Meu corpo inteiro fica tenso e ela diminui o ritmo. “Não


pare porra”, digo, pegando seus quadris e forçando-a sobre
mim o mais forte que posso.

Segundos depois, um calor violento inunda meu corpo,


cada pedaço de mim ficando fraco. Batendo meus quadris
contra os dela, eu gemo. Jogo minha cabeça de volta no
travesseiro e cerro meus dentes, gemendo. Meus dedos cavam
em suas laterais, afundando em sua carne macia em uma
tentativa de retardar seus movimentos quando eu gozo. “Pare...
pare...”, sussurro, incapaz de suportar a sensação por mais
tempo.

STEVIE J. COLE
Ava cai em cima de mim, sem fôlego. Sua bochecha
descansa contra o meu peito. E aqui nós dois ficamos deitados,
sem fôlego emaranhados juntos, eu acariciando através de seu
cabelo bagunçado e ela traçando o desenho das minhas
tatuagens.

Tudo mudou. E isso é evidente.

Deitado aqui com ela assim, eu sei que não posso deixá-
la. Vou me prender a ela a qualquer custo. O amor — de todas
as emoções que existem, é o que pode causar o maior
transtorno da alma de uma pessoa, pois é a única emoção que
promete lhe dar algo em troca.

Mesmo quando essa emoção é nada mais que uma


mentira...

STEVIE J. COLE
21

AVA

Vejo as lâminas do ventilador manchando as cores do


mundo ao redor, perdida no êxtase pós-orgasmo enquanto
passo meus dedos pelos ombros de Max. Há um sentimento,
uma sensação de que estou meio perdida no abraço de Max —
e então, um momento de lucidez me acerta. Isso não é
vida. Isto não está certo. Eu sou uma prisioneira. E este
homem deitado nu debaixo de mim, por mais que aprendi a
confiar nele, não deveria. Por mais que eu sinta que é a este
lugar que pertenço, não é. Ele provavelmente vai me matar. E
meu coração distorcido e confuso está caindo para ele.

Ele se move na cama, me levando pelos braços e me


movo ao lado dele antes de colocar sua orelha sobre o meu
coração. Meu pulso entra em ação, o movimento dos meus
dedos sobre os ombros largos cessando.

“O que você está pensando?” Ele pergunta.

“Eu não sei mais o que pensar.” Exalo. “Eu tento não
pensar em nada.”

Ele põe a mão do meu lado. “Como você se sente por


estar aqui?”

Engulo. “Eu odeio isso.”

Ele concorda.

“Você espera que eu goste disso?”

“Nem um pouco.” Ele beija minha testa. “Se eu pudesse,


deixaria você ir.”

Essa é a primeira vez que ele diz algo assim. Posso ouvir
o conflito, a culpa e isso me assusta. Parte de mim quer
perguntar por que ele não pode, mas, novamente, algumas

STEVIE J. COLE
coisas são melhores se continuarem no desconhecido. Espero,
eu acho.

Meus dedos voltam a traçar seus músculos. “Já houve


outras pessoas?” Pergunto. Sinto que sim, quase como se
houvesse fantasmas andando pelos corredores desta casa
velha, mas então percebo que prefiro não saber. “Não responda
isso. Não quero saber.”

“Você não quer?” Ele se senta, lançando um olhar


curioso para mim.

“Não.” Suspiro. “Se houve outras, sou apenas um


número. Uma estatística — bem, eu já sou uma estatística,
suponho, hein? Mas você sabe, de alguma forma estou lidando
com isso. E, às vezes, quando você pensa demais, as coisas
começam a fazer sentido. Meio que...” Estou divagando, mas
não consigo parar e quanto mais tempo falo, mais interessada
a expressão dele fica. “É só que, se eu sou a única, acho que,
em certo sentido, isso me torna especial, certo? Isso significa
que havia algo em mim que alguém queria o bastante para me
levar. E se você pensar sobre isso, e quero dizer realmente
pensar, tirando toda e qualquer questão moral, e bem, você só
rouba coisas que valem alguma coisa. Então, se eu sou a
única, acho que isso significa que tenho algum valor.” Há um
lampejo em seus olhos que me faz sentir vulnerável, então solto
meu olhar para o meu colo. “Eu só não quero pensar que houve
outra pessoa...” E quero dizer para ele. Não quero pensar que
houve outra garota para quem ele olhou do mesmo jeito que
está olhando para mim.

“Seus demônios, hein? Eles não vão deixar você ver o


seu valor.” Ele esfrega a mão sobre a minha cabeça, no meu
pescoço e beija minha bochecha. “Nunca houve outra
pessoa. Se for sincero, acho que sempre foi você.”

E sei que ele não está falando sobre outras


prisioneiras. Ele está falando de nós. Sobre esse sentimento
passando entre nós como uma corrente elétrica. Lágrimas

STEVIE J. COLE
ameaçam cair dos meus olhos e luto contra elas, porque chorar
não me fará bem. Esta é uma linda tragédia. Algo que em
qualquer outro mundo, qualquer outra circunstância, teria
sido uma história de amor épica, mas aqui nas profundezas
deste porão, trancado em uma sala que ninguém sabe que
existe, não pode haver felizes para sempre. Essa história
termina aqui. Nesse quarto. Comigo e com ele.

STEVIE J. COLE
22

MAX

Dia 61

O sol da tarde lentamente desaparece atrás das árvores,


mas não há cores vibrantes. Apenas um amarelo nebuloso
brilhando contra as nuvens cinzentas. O vento uiva ao redor
da varanda, os galhos secos e nus fazendo um ruído desejado
na distância. Olho para o cigarro na minha mão, observando a
fumaça sair da ponta e se dissipar na brisa enquanto Bear e
Rufus lutam em um pedaço de terra.

Tem um dia desde que fui visitá-la. Por quê? Não posso
me forçar. Desci e fiquei em frente da porta dela, incapaz de
abri-la. Minha mente está correndo sem parar. Consumido
pela culpa. Ela é como uma maldita doença me aleijando. Ela
é tudo que eu penso.

Passei horas tentando descobrir como fazer isso dar


certo. No processo de tudo, de alguma forma me esqueci de
Lila. E é neste momento que percebo que cheguei a uma
encruzilhada. Parti para salvar minha irmã, mas e se eu nunca
a encontrar? Posso salvar Ava. Neste exato momento, poderia
salvá-la, mas falharia com minha irmã. Quão egoísta seria
desistir de Lila para manter algo que realmente, no coração,
sei que não é meu. Posso ver nos olhos de Ava. Ela me ama,
ela me anseia e como isso é maravilhoso de se ver. Mas é
falso. É fabricado. E como posso viver com uma mentira como
essa? Uma mulher pela qual estou obcecado só me ama porque
a fiz acreditar em uma mentira.

Ouço o estrondo do veículo de Earl correndo pela rua,


mas não me preocupo em olhar para cima. Uma buzina soa e
segundos depois, Bear e Rufus sobem correndo os degraus,
ofegantes. A porta do carro bate. Earl está assobiando em seu
caminho até a varanda. Suas botas de trabalho enlameadas

STEVIE J. COLE
entram na minha linha de visão e eu levo o cigarro aos lábios,
inalo, depois solto uma nuvem de fumaça.

“Tom está morto”, diz Earl.

Tomando outro trago, olho para ele.

“Algum filho da puta atirou nele. Acho que vamos


precisar logo de alguém no lugar dele. Encontrar alguém para
lidar com as coisas dele, porque eu com certeza não vou fazer
isso.”

Luto para manter o sorriso doente longe do meu rosto.


“Isso é fodido. Eles sabem quem atirou nele?”

“Não, provavelmente algum negócio do sul. Ele tinha as


mãos em tudo que você pode pensar.” Earl ri. “Sem mencionar
que estava fodendo a old lady de Burt. Burt é um filho da puta
louco, provavelmente descobriu e o matou.” Ele encolhe os
ombros. “Não posso culpá-lo.”

“Sim, acho que não.” Dou uma última baforada no


cigarro antes de jogá-lo no quintal. “Ele lidava com as
transações, certo?”

Earl estreita o seu olhar para mim e, por um segundo, a


paranoia se instala. Uma risada rouca sai de seus lábios. “Tom
lidava com a maioria das coisas. Inferno, basicamente esse
negócio era dele.” Sua testa franze de preocupação. Earl não é
o mais brilhante.

“Então...” Dou de ombros. “Nós assumimos o negócio,


certo?”

Ele olha para mim como se esse maldito pensamento


nunca tivesse passado pela sua cabeça e quando a ideia
realmente se instala, um enorme sorriso se espalha por sua
boca. “Merda, sim, acho que nós podemos fazer isso.
Espertinho.” Ele estala os dedos e faz uma dancinha. “Nós
seremos os chefes agora, garoto.”

STEVIE J. COLE
Concordo. “Diga-me onde ele morava e vou ver o que
precisamos. Tenho certeza de que ele tem discos e coisas que
não precisamos que mais ninguém tome conhecimento, certo?”
O suor lentamente brota na minha testa.

“Sim.” Olhando para longe, ele balança a cabeça


enquanto seus olhos vagueiam. “Espere alguns dias. Deixe a
merda se assentar. Não precisamos de intrometidos chamando
a polícia quando você estacionar na entrada dele. Talvez na
terça-feira?” Os cachorros começam a se debater e Earl os
chuta a caminho da porta da frente. “Malditos cães... oh, e
aquela garota está pronta agora?”

Mantenho meu olhar voltado para o chão. “Não.”

“Huh, bem, peitinhos durinhos. Eu a vendi. A entrega é


daqui a três dias.” As dobradiças da porta rangem quando ele
a abre. O estrondo da porta se fechando me faz pular.

Três malditos dias? Isso é tudo o que eu tenho. Raiva


brilha através de mim, meu maxilar cerrando, meus músculos
tensos. Olho para o horizonte, estalando os dedos em uma
tentativa de soltar um pouco da minha ansiedade. Sento aqui,
sozinho, perdido em meus pensamentos, imaginando o que
diabos vou fazer. E depois que o sol se põe, ainda não encontrei
solução. Levanto-me da varanda e caminho até o quarto dela,
não tenho certeza do que vou fazer, mas tenho certeza de que
não vou deixá-la.

Paro do lado de fora da porta dela e reflito. Ela teve um


dia para pensar sobre o que fizemos. Para questionar tudo,
para me transformar em um monstro em sua cabeça. Eu
nunca pretendi tocá-la. Nunca. Mas algumas coisas estão
além do controle de um homem.

A porta se abre e ela está na cama, com o cabelo


bagunçado. Lendo.

“Ava?” Digo. Ela me ignora e vira a página do livro. “Ava.”


Ainda nada. Gentilmente levo o livro de suas mãos, marcando

STEVIE J. COLE
a página antes de fechá-lo e colocá-lo ao pé da cama. Seu
queixo mergulha no peito. Várias lágrimas caem em seu colo,
manchando o lençol enrolado em seus quadris. Penteio meus
dedos pelo cabelo em sua têmpora e ela se inclina em meu
toque. Sinto-me como um pedaço de merda.

“Você me deixou...”, ela sussurra.

“Eu...”

“Você fez aquilo comigo e depois me deixou!”

“Eu sinto muito, não deveria... eu não deveria ter feito


isso com você”, digo.

Ela balança a cabeça antes de olhar para cima e enxugar


as lágrimas. “Há muitas coisas que você não deveria ter feito,
Max.” Aperto meu queixo. “Apenas, estou confusa e — apenas
não sei mais quem eu sou. Isso...”, ela diz com raiva. “... essa
é a minha vida. Sentada aqui, trancada e por quê? Por quê?”
Ela grita. “Para que você possa me foder? Para que você possa
me ter sempre que quiser, e assim possa negociar comigo, me
matar? Que diabos é isso que você quer? Por que você está me
mantendo aqui?” Seus olhos se levantam para os meus. Há
muita emoção, como a porra de um oceano durante uma
tempestade batendo em um navio frágil. Raiva e ódio e medo
— tristeza. E ela sabe que está se afogando.

Ela enterra o rosto em suas mãos, seus ombros


tremendo com os soluços, e eu a puxo para dentro de mim,
envolvendo-a em meus ela e segurando-a com força.

Eu a vejo quebrar. Eu a sinto se quebrando.

Vejo a esperança se esvaindo lentamente. Ela sabe que


está perdendo a cabeça. Está rompendo racionalmente, e
nenhuma delas jamais quebrou dessa maneira, então,
novamente, nenhuma delas jamais me quebrou — até agora.

Uma raiva latente começa na ponta dos meus dedos e


sangra pelos meus braços, descendo pelo meu peito e minhas

STEVIE J. COLE
pernas até que cada centímetro da minha pele está zumbindo
com isso. “Não é por isso que estou mantendo você aqui, é por
isso que não estou deixando você ir.” Sussurro em seu cabelo
antes de beijar sua bochecha.

Ela agarra meus braços, seus dedos cavando


profundamente em minha pele. É como se ela estivesse se
segurando em uma tentativa de se aterrar, mas um homem
como eu não deveria ser a âncora de ninguém.

Eu fiz isso com ela.

Eu fiz isso para mim mesmo.

E agora estou preso a ela e ela nem percebe isso.

STEVIE J. COLE
23

AVA

Dia 64

É engraçado a rapidez com que você pode esquecer as


coisas.

Rostos, vozes... ausência e tempo fazem com que mesmo


as lembranças mais vívidas pareçam imprecisas. Começo a me
perguntar se algo do que me lembro é verdade. Talvez nada do
meu passado seja real. Alguma coisa daquela vida antes desse
inferno realmente existiu? Porque tudo parece tão estranho
agora, e os devaneios e a realidade são todos confusos como
uma pintura de aquarela deixada para secar na chuva — todas
as cores se fundiram até que não consigo mais distinguir as
linhas perfeitas.

Mal posso ouvir um barulho suave de trovão, e me vejo


desejando que assistir a tempestade. Pequenas coisas como
assistir a chuva — essas são coisas que você nunca acha que
vai perder; coisas que você nunca aprende a apreciar. Talvez
deva ser grata por toda essa provação ter me ensinado a não
dar nada como garantido. Mostrou o quanto da vida há para
amar, apreciar e absorver.

O trinco faz um clique, as dobradiças rangendo quando


Max abre a porta. Ele entra, tranca a porta e fica ao pé da
minha cama. Seu olhar está voltado para o chão, sua mão
esfregando a parte de trás do pescoço. Desde o outro dia, tenho
tentado forçar-me a odiá-lo. Teoricamente, deveria ser fácil. E
por uma fração de segundo, sinto isso. Sinto essa raiva
borbulhando no meu peito enquanto olho para ele.

É culpa dele ainda estar aqui. Ele está enjoado por ter
transado comigo. Mas eu estou doente por sentir desejo por ele
também... e então ele levanta a cabeça. A preocupação está

STEVIE J. COLE
gravada em seu rosto, seus olhos nadando no
arrependimento. E um apequena parte de mim acredita que ele
me ama. Essa há uma parte fodida em mim que acredita no
destino, acredita que ele me ama e eu o amo e que em algum
lugar neste lugar escuro que ele me trouxe, poderíamos ser
felizes. No exato momento em que nossos olhares se fixam tudo
o que quero fazer é tocá-lo. Meu peito aperta. Meus dedos se
fecham em punhos apertados.

Max dá um passo em minha direção, seu corpo


bloqueando a luz e lançando sombras sobre seu rosto. Tudo o
que posso pensar é que não quero odiá-lo, não. Quero amá-lo
e quero que ele me ame, porque somos ambos parte dessa
escuridão e da maneira como as pessoas como nós têm que ser
amadas — não pode ser na luz.

“Eu não virei aqui novamente hoje à noite” diz ele.

“Por quê?”

“Eu tenho que cuidar de uma coisa.”

“Tudo bem.” A tensão fica pesada no ar e eu o observo:


seu rosto, seus músculos, seu cheiro. Meu coração martela no
peito, meu rosto aquece, e porque eu não tenho mais controle
sobre nada, me sento e agarro seu braço, arrastando-o para
baixo, na cama ao meu lado.

Ele me estuda, seu olhar passando rapidamente entre


meus olhos e meus lábios. “Não é assim que deve ser”, ele diz
tão baixinho que não tenho certeza se quis dizer essas palavras
em voz alta.

Meu pulso dispara, minha mente se embaralha e, antes


de perceber que estou falando, digo: “Mas e se for?”

Max agarra meu rosto, puxando meus lábios para os


dele em um beijo brutal. Seus dedos se enroscam no meu
cabelo, sua língua macia roçando na minha antes que seus
dentes passem pelo meu lábio e, de repente, ele se afasta. Seu

STEVIE J. COLE
polegar esfrega suavemente sobre a minha bochecha enquanto
ele me olha com paixão que atinge o medo primitivo dentro de
mim. Este homem é uma contradição ambulante. Nunca a
brutalidade pareceu tão gentil, tão carinhosa. Nunca quis ser
possuída por um homem desse jeito.

Há um brilho profundo em seus olhos. Eles se estreitam


e ele se inclina para mim, me empurrando para deitar de
costas com ele em cima de mim. Max agarra meus pulsos,
prendendo meus braços acima da cabeça. Meu coração entra
em velocidade máxima. Fecho meus olhos e, em seguida, sinto-
o carinhosamente beijar meu pescoço. Assim que movo minha
cabeça para o lado, os beijos suaves param e ele morde minha
garganta. A mudança repentina nas sensações faz com que eu
me contorça sob sua estrutura maciça. Em um gemido, ele se
senta, escarranchando meus quadris enquanto tira a camisa
sobre a cabeça. A maneira como as sombras dançam sobre
seus músculos quando ele joga sua camisa para o lado não é
nada menos do que um pecado. Suas mãos grosseiramente
deslizam sobre a curva da minha cintura, e ele ainda está ali,
me abraçando.

Ele pega as alças da minha roupa com uma mão e puxa


o tecido para o meio do meu peito, expondo meus seios. Por
um momento, ele me aperta, apertando e beliscando minha
pele antes de se inclinar e chupar um mamilo entre seus lábios
macios. Tudo sobre o jeito como está me tocando é tão gentil e
reverente, e então seus dentes apertam meu mamilo. Suspiro,
minhas costas curvadas para longe da cama. Agarrando meu
queixo, ele me dá outro beijo duro e depois se afasta.

Há um flash em seus olhos, uma expressão rasgando


seu rosto enquanto ele arrasta os dedos pelo meu queixo,
passando-os pelo meu pescoço. Um hálito duro escapa de seus
lábios, seus olhos se fecham com os meus, e ele lentamente
pressiona o grosso antebraço sobre a minha garganta — gentil
o suficiente para não me matar, mas forte o suficiente para me
fazer pensar que ele poderia. E talvez seja por isso que ele

STEVIE J. COLE
parece tão dilacerado... talvez ele saiba que tem que me
matar. Há um longo momento em que nos encaramos, a
pressão de seu braço ficando cada vez mais forte. Suas narinas
inflam, seus dentes afundam em seu lábio inferior. “Foda-se”,
ele geme. Um toque mais de pressão e, em seguida, ele se
afasta, levando as duas tiras da minha blusa em suas mãos e
puxando até que o tecido fino morde minha pele, em seguida,
se rasga.

E então... estou perdia.

Suas mãos percorrem meu corpo, apertando e


acariciando. Fecho meus olhos e me contorço quando sua boca
gulosa percorre meu peito até a curva do meu quadril e até o
topo da minha coxa. As almofadas de seus dedos ásperos se
cravam em minha carne enquanto ele separa minhas pernas
com um rosnado baixo.

Minhas mãos ainda estão acima da minha cabeça, onde


momentos atrás ele as prendeu, porque eu simplesmente não
consigo movê-las. Estou muito interessada no que ele está
fazendo para me mover — também para a posse absoluta que
ele está criando; a vulnerabilidade. Ele empurra a perna da
minha bermuda para o lado, e no momento em que sinto sua
boca quente sobre o meu clitóris, um suspiro profundo corre
dos meus pulmões. Eu agarro os lençóis, jogando minha
cabeça para trás e gemendo. Sua língua passa sobre mim,
suave a princípio, me provocando, então dura, áspera e
animalesca. Max agarra a cintura do meu shorts, tirando-o
pelas minhas pernas. E lá está ele, suas mãos esfregando
minhas coxas, seu olhar preso entre as minhas pernas
enquanto se inclina lentamente.

“Porra, mulher”, diz ele em voz baixa, seu hálito quente


soprando contra a minha buceta antes de sua boca quente me
envolver.

Agarro seu cabelo grosso, puxando-o enquanto sua


língua trabalha sobre mim. Minutos depois, seus dedos estão

STEVIE J. COLE
dentro de mim, flexionando e dobrando de maneiras que eu
não sabia que eram possíveis. Os músculos de seu antebraço
ficam tensos e se agrupam debaixo de suas tatuagens, e
aqueles olhos escuros permanecem presos aos meus em um
olhar predatório. Cada estocada, sua mão se torna mais áspera
do que na anterior, quase violenta, até que estou sentada — a
mão dele ainda enterrada entre as minhas coxas enquanto eu
involuntariamente tento me afastar. Mas ele me segue, me
fodendo com mais força com a mão. Minhas costas pressionam
contra a cabeceira de madeira e não posso ir mais longe. Estou
aqui à sua mercê. E honestamente, não há outro lugar que eu
preferiria ser.

Com os dedos entrando mais fundo em mim, ele agarra


meu rosto e me beija impiedosamente, meu próprio gosto
cobrindo sua língua grossa. Meu corpo todo se ergue do
colchão, meus quadris se contraindo.

“Caralho... Foda-se.” Paro para respirar fundo. “Merda”,


gemo e ele continua ainda mais forte até que estou gritando e
gozando.

Ainda estou cavalgando as ondas de endorfinas


quebrando meu corpo quando ele me arrasta para longe da
cabeceira da cama. Agarra minhas pernas e empurra meus
joelhos para trás, perto da minha cabeça enquanto ele se
inclina sobre mim. “Eu não terminei com você ainda”, ele diz
antes de colocar a boca de volta em mim, fazendo com que todo
o meu corpo se arranque da sensação.

Apenas alguns momentos de sua língua contra mim, e


meus músculos estão se apertando novamente. Estou
entrando em outro esquecimento, xingando a Deus e a ele ser
tão bom nisso. Neste momento, não tenho mais controle. Max
controla tudo, direto em meu próprio corpo.

Deito ali ofegante, segurando os lençóis e gritando


enquanto ele continua me chupando. Quando finalmente
recupero o fôlego, sento-me, empurrando seu peito até ele cair

STEVIE J. COLE
no colchão com um leve sorriso. Agarro sua boxer e puxo-a
para baixo, seu grande pau batendo contra seu
abdômen. Lentamente, traço a minha língua ao longo do seu
comprimento, circulando a cabeça inchada. Paro, levanto os
olhos e olho para ele antes de passar a língua pela ponta com
um sorriso.

“Merda”, diz ele, envolvendo meu cabelo em torno de seu


pulso e puxando minha cabeça de volta. Eu o tomo em minha
boca, arrastando minha língua sobre ele enquanto trabalho
minha mão para cima e para baixo em seu eixo. Segundos
depois, ele agarra meus quadris, me pega e me joga de volta na
cama. Agarra uma coxa, seu aperto cavando em minha pele
enquanto me torce de lado e empurra a perna contra o meu
peito antes de se colocar entre as minhas coxas. Tento me
mover e seus olhos brilham. “Não se mexa”, diz ele, prendendo
o antebraço na minha garganta.

E com esse aviso ele entra em mim. De novo e de novo.

Ele move o braço, envolvendo seus dedos grossos na


minha garganta e arrastando minha boca para a sua enquanto
me fode. Ele me empurra de volta para o colchão e me vira de
bruços, empurrando meus quadris para cima e pressionando
as minhas costas antes que ele deslize para dentro de mim
novamente. Duas investidas, ele agarra meu cabelo e puxa
minha cabeça, fazendo um arco profundo se formar no meio
das minhas costas. Ele me fode tanto que minhas costas
começam a doer e, por um breve momento, temo que vá
arrebentar minha coluna em duas. Gemo. E empurro contra
ele. Luto contra o desejo que tenho às vezes de me afastar dele.

Max me agarra pela garganta novamente, me puxando


para mais perto dele para que possa beijar meu pescoço. Suas
respirações pesadas sopram através da minha pele, contra
minha orelha a cada impulso duro, e esse sentimento envia
arrepios frios sobre a minha pele. Seus dedos deslizam ao
redor da minha garganta até que ele está tocando minha
mandíbula, e em um gemido, ele me puxa para outro duro beijo

STEVIE J. COLE
com raiva. Ele está me fodendo como se quisesse me matar,
mas ele está me beijando como se quisesse me amar. No
segundo em que ele libera minha garganta, sua mão bate na
minha bunda e ele se enterra mais fundo dentro de mim antes
de agarrar meus quadris em suas mãos com tanta força que
eu sei que estarei dolorida amanhã. É como se ele não pudesse
me foder com força suficiente. Max está dançando naquela
linha fina e frágil entre o prazer e a dor. Eu luto para não me
afastar dele porque, embora doa, é incrível.

Isso é sexo. Claro e simples.

Seus dedos afundam mais em meus quadris quando seu


ritmo aumenta. O suor se acumula nas minhas costas, e eu
não consigo parar a série de gemidos que continuam saindo
pelos meus lábios, meu corpo se contraindo. Outro tapa na
bunda e ele enrola meu cabelo em seu pulso novamente,
puxando minha cabeça para trás um pouco antes de endurecer
atrás de mim, gemendo e amaldiçoando.

Caio na cama, tentando desesperadamente recuperar o


fôlego. Meu coração está batendo, meu corpo sem peso. Max
se deita ao meu lado, seus olhos treinados nos meus. E aqui
ficamos no silêncio, escondido nos recessos escuros desta
casa, assim é como as coisas devem ser. E em minha cabeça
recito uma frase de Pablo Neruda: Eu te amo como certas coisas
sombrias devem ser amadas, em segredo, entre a sombra e a
alma.

Max me arrasta para o peito dele. Fico distraída, ouvindo


a batida rítmica de seu batimento cardíaco enquanto passo
meus dedos por seu braço, traçando suas tatuagens. Estou
apaixonada pelo homem que deveria odiar e acredito que ele
está apaixonado por algo que deve matar.

Todos os dias as coisas ficam mais obscuras por


aqui. Não tenho certeza de quão obscuro isso pode ficar. Todas
as coisas feitas nas sombras eventualmente virão à luz, e com

STEVIE J. COLE
essa réstia de luz virá algum tipo de liberdade para mim. Se
essa liberdade será morte ou fuga.

Na verdade, parte de mim deseja a morte porque,


embora eu possa escapar deste lugar, nunca escaparei deste
domínio que ele tem sobre mim. E a única coisa da qual tenho
certeza quando me deito em seus braços é que algo mudará
logo, porque é sempre mais escuro antes do amanhecer.

STEVIE J. COLE
24

MAX

A casa do Tom é uma porra de bagunça. Há papéis por


toda parte, latas vazias de cerveja espalhadas pelo chão. Os
mosquitos pululam ao redor da lata de lixo transbordante e há
uma pilha de merda de cachorro zumbindo com moscas no
canto. Meses a fazer essa merda e finalmente, finalmente,
tenho nomes à minha disposição.

Vasculho papéis de com caligrafia confusa. A


manutenção de registros é importante nesta linha de trabalho
por um motivo: para cobrir sua bunda. Você não coloca nada
em um computador e não coloca muita informação em um
pedaço de papel.

Por baixo de uma das pilhas há um prato de papel


coberto de mofo. Bato no chão e continuo procurando,
finalmente encontrando uma das três blocos de notas que
estou procurando. Folheio a lista de nomes e ao lado do nome
de cada homem há um número. Minhas palmas estão
escorregadias de suor. Enfio o caderno embaixo do meu braço
e continuo jogando lixo no chão. O outro bloco de notas está
bem no fundo. Este tem simplesmente números com os
primeiros nomes ao lado. Minha mão treme quando eu viro
para a segunda página e a terceira e a quarta. Cento e
quarenta e cinco nomes. Cento e quarenta e cinco
mulheres. Capturadas. Quebradas. Vendidas. Ao lado do
número cento e quarenta e cinco está o nome da Ava. Volto
uma página e olho rapidamente até ver o nome da minha
irmã. Lila é o número cento e dezoito. Pego outro bloco debaixo
do meu braço, arrastando a ponta do meu dedo para baixo,

Saliva enche minha boca e engulo. Há uma fúria lenta


queimando em minhas veias.

STEVIE J. COLE
Um nome.

Parece tão simples agora, mas por meses ninguém se


importou. Ninguém procurou por ela, porque para a sociedade
ela não tinha valor. Uma prostituta, uma viciada em drogas,
mas para mim ela era meu sangue. Minha irmã. Minha única
família fodida, e para mim, não importa o quão ferrada fosse,
ela significa muito para mim. E esse filho da puta pagou uma
quantia pequena para tê-la e Deus sabe com o quê.

Coloco os cadernos na mesa e pego meu celular no bolso


de trás. Uma busca rápida e tenho o endereço de Andrew
Biddle na ponta dos dedos e, o mais fodido, ele mora a apenas
30 quilômetros desse lugar. Meu peito aperta. Sangue
bombeia através da minha jugular. Agarrando os blocos de
notas, me viro e saio de casa. Com raiva que ela foi tomada,
chateado que todo esse tempo ela esteve tão perto. A porta bate
atrás de mim. Meu ritmo aumenta quando corro para o meu
carro e quando estou atrás do volante, posso literalmente ver
meu pulso latejar. Cada batida do meu coração borra minha
visão.

Dentro de segundos, seu endereço é inserido no meu


GPS. Fecho meus olhos e bato minha cabeça contra o assento
de couro, tomando várias respirações profundas que pouco
fazem para acalmar meus nervos. Os pneus rangem na
entrada de cascalho quando saio do buraco da casa de
Tom. Vejo aquela pequena seta azul na tela de navegação se
aproximando cada vez mais de onde Lila está. Este foi meu
único objetivo. Encontrar Lila foi para justificar todo maldito
pecado que cometi, dia após dia nos últimos seis meses. E aqui
está a minha resolução. Vou encontrar o homem que a
comprou. Vou encontrá-la, e poderei entregar esses filhos da
puta, e Ava... Ava... Minha garganta aperta em pânico... porque
o que eu vou fazer com ela?

Vou levá-la comigo. Isso está errado? Seria errado levá-


la comigo? Sinto coisas por ela — há um conforto com ela que
nunca experimentei, algo tão certo e natural. E temo que, se

STEVIE J. COLE
realmente me permitir enxergar essa situação, descubra que
estou apaixonado por ela ou que fiquei louco, porra.

Piso no acelerador, descendo a velha estrada rural. E


dentro de dez minutos estou chegando a uma entrada longa e
sinuosa. A casa é uma grande edificação vitoriana com um
Aston Martin estacionado na frente, com um paisagismo
impressionante. Deve haver pelo menos quarenta janelas e
apenas uma está iluminada.

Pego o revólver no porta-luvas e saio do carro, tomando


cuidado de fechar a porta silenciosamente. Meu coração bate
contra minhas costelas enquanto luto com o pensamento do
que estou prestes a fazer. Eu não me importo de matar. É o
pensamento de que estou prestes a salvá-la que me deixa no
limite, porque e se eu estragar tudo? Não tenho planos e,
embora isso devesse me deixar cauteloso, isso não
acontece. Às vezes a raiva e a vingança funcionam melhor do
que qualquer plano racional.

Fico perto dos arbustos bem cuidados que revestem a


frente da casa, então, silenciosamente, subo os degraus de
pedra até a porta de vidro manchado. A porta não se move
quando puxo a maçaneta. Expirando, arrasto minha mão pelo
cabelo, procurando por algo para quebrar a porta de vidro. Ao
lado da entrada há um grande vaso de cimento abrigando uma
árvore murcha. Seixos são espalhados ao redor do tronco, e lá,
nem às vistas, uma grande rocha de plástico daquelas que se
usa para esconder a chave. Não posso deixar de sorrir quando
pego a chave e jogo a pedra de volta ao vaso. Um clique suave
do trinco e a porta silenciosamente se abre para um grande
vestíbulo de mármore com um piano de cauda na base da
escada em espiral.

Está assustadoramente silencioso e, embora tente ser


discreto, o salto das minhas botas ecoa. Empunho e engatilho
a arma. Esse clique reverbera ao redor da sala, o som
causando um sorriso doente em meus lábios. Tem havido
muitas pessoas cujas vidas fantasiei tomar, mas esse homem

STEVIE J. COLE
sem rosto — sonhei em tirar a vida dele depois da de Earl por
muitas noites. Eu quero isso. Preciso disso como eu preciso do
maldito ar que estou respirando. Vingança.

Depois de subir as escadas, vou para o lado da casa onde


vi a janela iluminada. Viro à direita e percorro o longo corredor
passando cômodo por cômodo e, no final, vejo uma porta
entreaberta, a luz se espalhando pelo corredor. Um profundo
soluço corre para o salão, seguido pela voz de um homem
implorando a Deus. Eu paro do lado de fora da porta e
pressiono minhas costas contra a parede, arma levantada.

“Por quê?” Ele chora. “Eu te amei. Eu te amei!”

Ando um pouco mais perto da porta. Através da


abertura, posso apenas ver uma grande cama de dossel
coberta com grossos cobertores, e ali ao lado dela se encontra
o filho da mãe que teve minha irmã nos últimos sete
meses. Minha mão treme, meu dedo se contorcendo no
gatilho. Vejo quando ele chega e leva uma mão na sua,
beijando as costas suavemente.

“Eu te amei...”, ele diz de novo, balançando a cabeça e


chorando.

O suor desce por uma linha em minha testa e eu me


esforço para respirar fundo. Quero mata-lo. Quero crucificá-lo.

Ele toca a mão dela novamente e é quando percebo que


algo não está certo. De repente, a raiva que se forma no meu
peito se dissipa, medo e apreensão rapidamente o
substituem. Chuto a porta aberta e o homem pula, com os
olhos vermelhos correndo para mim e para a arma
levantada. Ele parece quebrado, desesperado, e em vez de
reagir, simplesmente volta sua atenção para a cama, trazendo
uma mão pálida até o rosto e esfregando a bochecha sobre os
dedos. Meu olhar vai para a cama. Meus joelhos ameaçam se
dobrar. Meu coração pula várias batidas antes de ir para a
velocidade máxima.

STEVIE J. COLE
Lila está no meio da cama. Metade de seu crânio foi
explodida em pedaços, sangue e matéria cerebral estão
espalhados sobre os lençóis de linho branco e a parte de trás
da cabeceira de madeira. Todo esse tempo, e eu estou talvez
uma hora atrasado demais. Uma maldita hora.

Quero desmoronar, cair de joelhos e gritar, mas não


sei. Em vez disso, mantenho meu olhar fixo no corpo sem vida
de minha irmãzinha, as lágrimas borrando minha visão
enquanto levanto a arma e a pressiono contra a têmpora do
homem. Ele não se move ou faz um som, e eu não digo nada,
apenas puxo o gatilho. Um forte estrondo quebra o som do
silêncio seguido por um baque distinto quando seu corpo
atinge o chão de madeira. Fechando os olhos e inalando, deixo
meu queixo cair no meu peito.

“Sinto muito, Lila.” Eu mal consigo entender as palavras


quando abro os olhos e passo por seu corpo até a beira da
cama. Eu pego sua mão. Achar que ainda está quente faz meu
estômago se virar e engulo um soluço. Há uma 45 ainda presa
em sua outra mão.

Lila foi levada, sim. Ela foi tirada das ruas e despida do
pouco que tinha. Vendida para este homem que, ao que
parece, pode realmente ter amado ela. Grandes anéis de
diamantes adornam seus dedos, um colar de Tiffany está
pendurado no pescoço encharcado de sangue. Esta vida —
bem, parece o tipo que qualquer garota aceitaria de bom grado,
especialmente alguém que perdeu tudo, que foi reduzido a
foder homens para sustentar um vício. No entanto, Lila
escolheu se matar. Ela era uma prisioneira das drogas e das
ruas e ainda tinha vontade de sobreviver, mas aqui, cercada
de tudo isso, optou por acabar com sua vida.

E por quê?

Porque o amor não é algo que você pode fingir. Não é algo
que deva ser manipulado. E ser forçada a acreditar que você
ama alguém que você não ama, acho que é o suficiente para

STEVIE J. COLE
deixar qualquer um insano. Não sei quanto tempo fiquei aqui,
segurando a mão dela e chorando, aceitando que falhei com
ela. Mas, eventualmente, deixei a mão dela cair na cama e fui
embora, dirigindo em silêncio de volta para a casa.

Eu não vou falhar com Ava.

STEVIE J. COLE
25

AVA

Não consigo dormir. Minha mente viaja para aqueles


lugares escuros, imaginando se hoje é o dia que vou
morrer. Minhas cutículas estão sangrando onde as
puxei. Ouço o barulho no andar de cima. Parece que há mais
do que apenas Earl e Max lá em cima. Há muitos passos e
posso ouvir o leve zumbido da música. Ouço os passos
atravessarem o chão, observando o teto e tentando imaginar
exatamente onde eles estão acima de mim. Eles desaparecem
e engulo. Eles não estão mais no quarto acima de mim, o que
significa que eles podem estar descendo pelo...

O som de vozes na sala externa força meu coração a


correr. São todas profundas. Homens. É realmente uma
sensação terrível — a espera. Os pensamentos horríveis
passando de novo e de novo em sua mente. Juro que fico
pensando que vejo sombras, mas não há janelas. Então sei que
isso não pode estar certo.

Às vezes sinto que não consigo respirar.

Às vezes grito sem outro motivo além de apenas quebrar


o silêncio. Você ficaria surpreso que o silêncio realmente tenha
um som. E eu acho que é o som mais alto e insuportável que
já fui forçada a suportar.

Depois de um tempo, você começa a pensar que se ouve


pensando, o barulho da sua própria respiração faz você querer
gritar. E então eu percebo... há um rádio. Engraçado como me
condicionei a pensar que só há silêncio quando Max não está
comigo. Estou quase ligando o rádio quando a tranca desliza
para fora do lugar e a adrenalina atinge meu corpo.

Earl entra, seguido por Bubba e outro homem gorducho


de meia-idade, com cabelos ruivos e penteados sobre a cabeça

STEVIE J. COLE
careca. Earl levanta um dedo para mim. “Lá está ela. Ela é
uma coisinha linda.”

Bubba bufa em uma gargalhada e o outro homem entra


no quarto, batendo a porta com força. “E a porra do Max tem
um tesão por ela.” Bubba ri.

“Inferno”, diz o ruivo, cuspindo no chão. “Eu estou ligado


aqui só de olhar para ela.”

“Foda com ela se quiser”, diz Earl. “Só me dê algumas


porções e nós podemos fechar negócio agora mesmo.”

Não. Não. Não! Grito dentro da minha cabeça. Do lado


de fora, permaneço inabalável, orando a Deus para que se eu
não lutar, se eu não o deixar ver o medo que ameaça tomar
conta de mim em ondas, talvez ele perca o interesse.

“Combinado”, o caipira sem nome diz, revirando o bolso


e tirando um saquinho com pedras brancas. Tanto Earl quanto
Bubba riem e abrem a porta.

“Eu vou trancar você aqui”, diz Earl. “Estarei ali quando
terminar. Apenas não a mate; tudo o que importa é que ela
continue viva. Foda-a o quanto quiser.”

A porta se fecha atrás deles. A trava desliza no lugar. E


aquele homem repugnante já está mexendo as calças.

Eu o odeio. Odeio cada um deles.

Devo lutar? Por que piorar isso para mim?

Eu deito de costas na cama, zangada comigo mesma por


ser tão fraca, mas é fraqueza ou é uma vontade de sobreviver
contra todas as probabilidades? Isso é fraqueza para mim, ou
é uma força para aceitar que nada que eu faça irá parar
isso? Foi dito apenas para não me matar, então eu não posso
esperar por isso. Não, se eu lutar, ele vai me machucar, mas
não vai acabar comigo. Isso vai piorar, então faço as pazes com
o fato de que o amor é uma mentira, que todas as pessoas são

STEVIE J. COLE
cruéis e terríveis, e que eu — como me disseram quando eu
tinha nove anos pelo homem que me destruiu, me empurrou
na escuridão — eu sou indigna de amor.

No segundo em que ele agarra minhas coxas e as separa,


fecho os olhos e viro o rosto para o lado para tentar evitar o
cheiro rançoso de sua respiração. Assim como fiz todos
aqueles anos atrás, finjo que não sou eu. Uma e outra vez, eu
costumava cantar músicas na minha cabeça, às vezes gritando
em voz alta para abafar meus gritos. Mas isso não vai
funcionar agora, porque quando criança você não consegue
realmente compreender o que está acontecendo, pelo menos
não nas primeiras vezes. Há um ar de inocência que protege
você, onde você acha que certamente isso não pode ser o que
está acontecendo porque as pessoas não são tão más. Mas
cada vez que você é forçado a essa posição, essa inocência é
despojada.

Sou despida e quando finalmente tudo é arrancado,


percebo o quão terrível tudo realmente é. Eu não tenho
inocência para me proteger aqui, então finjo que este é um
filme terrível onde tudo que você pode fazer é ver a pobre garota
em um quarto escuro, ouvir seus gritos sufocados e os
grunhidos vis do pedaço de merda que está em cima dela
fazendo o que bem quer.

Ao longo da minha vida, aprendi que, se você disser algo


a si mesmo o suficiente, começará a acreditar naquilo, por isso
digo a mim mesma que estou no inferno. Inferno. Porque então
eu posso compreender porque tudo isso está acontecendo
comigo. Tudo se desvanece para preto e vou esquecer
tudo. Mas sei que não vou...

Ele sobe em cima de mim. Meu coração está martelando


muito forte, adrenalina muito alta. E acontece que velhos
hábitos são difíceis de quebrar, então eu canto. Eu canto
“Unsteady” para mim porque me faz pensar em Max, e choro
como a fraca vítima que sou, imaginando o que diabos há de

STEVIE J. COLE
errado comigo. O que há de tão errado comigo que coisas assim
continuam acontecendo comigo?

Ignoro tudo. De alguma forma, me afasto de tudo. E


quando ele termina, seu suor nojento pingando na minha
carne nua, ele se afasta de mim. Ele recoloca a calça em volta
da cintura, depois me dá um tapa no rosto. “Eu voltarei por
você.” Ele ri.

E eu sou sugada de volta para aquele horrível


pesadelo. Tudo dentro de mim treme, meu estômago se revolve
e torce, vira e revira antes de eu me sentar e vomitar no
chão. Meu estômago continua enjoado e volto a vomitar. Não
consigo tirar de mim a sensação dele — ficou
impregnado. Tento esfregar a minha pele uma e outra vez, e
levo um minuto para perceber que estou gritando. Eu me
odeio. Eu o odeio. Eu odeio tudo. Eu só quero morrer.

O homem bate na porta. “Deixe-me sair. Já terminei com


ela...” Ele olha por cima do ombro para mim. “Por enquanto
pelo menos. Eu voltarei novamente. Uma dose não é nada para
uma buceta assim.” Ele sorri e seus dentes apodrecidos fazem
meu estômago revirar. Ele bate na porta mais uma vez.
“Earl? Bubba? Me deixem sair agora, pessoal. Eu terminei, já
disse.”

Não há som.

“Aw, inferno.” Seu punho bate sobre a porta de novo e


de novo. E me vejo procurando por algo que possa matá-lo. Só
quero matá-lo. Quero vê-lo sangrar. Quero que ele chore. Mas
não há nada. Não há uma maldita coisa.

A fechadura se abre e eu puxo as cobertas sobre o meu


colo em uma tentativa patética de me cobrir. Ele rasgou
minhas roupas, então elas agora são inúteis. Mas a porta não
se abre lentamente, bate contra a parede com um baque alto.

Max entra correndo, o rosto vermelho e os punhos


cerrados. Ele dá um olhar fugaz para mim antes de agarrar o

STEVIE J. COLE
homem pela garganta, levantando-o e prendendo-o contra a
parede. Ele se inclina contra seu rosto. “Eu vou te matar, seu
inútil pedaço de merda.”

O homem procura a mão de Max sem sucesso. Max usa


sua mão livre para dar um soco no rosto antes de soltá-lo. Seu
corpo se encolhe no chão e Max o chuta. O homem bloqueia o
rosto com a mão, recuando quando Max se agacha diante dele.

“Diga a ela que sente muito”, diz Max em um grunhido.

“Eu sinto muito, desculpe-me.” Seu tom é espesso de


medo e isso me faz sorrir.

Sem outra palavra, Max alcança dentro do bolso. Eu mal


vejo o brilho da lâmina antes que ele a mergulhe na lateral do
pescoço flácido do homem. O sangue jorra, pulverizando Max
e a parede atrás dele com gotas vermelhas. O homem agarra
seu pescoço, olhos arregalados enquanto cai de lado,
ofegante. Um ruído gorgolejante enche o ar e, embora eu queira
desviar o olhar, não posso. Eu o vejo sangrar. Assisto o sangue
saindo de seu pescoço a cada batida de seu coração. Assisto a
poça se formando no chão debaixo dele, e fico feliz. Estou feliz
que ele esteja morto porque é uma pessoa má.

Max se levanta e se vira para olhar para mim, seu rosto


e peito cobertos de sangue. Sua testa franze de preocupação
quando ele se aproxima rapidamente da cama onde estou
encolhida contra a parede.

“Porra”, ele grita, passando as mãos pelos cabelos.


“Porra. Porra. Porra!” Ele anda por um segundo, a faca
ensanguentada ainda na mão. “Ele porra...” Arremessa a faca
através do quarto e cai em um joelho, agarrando-me e me
arrastando contra seu peito. Seu abraço em mim é tão forte, e
não posso deixar de encontrar conforto em seus braços. Não é
até que coloco meus braços ao redor de seus ombros que noto
que esfreguei minha pele a ponto de tirar sangue. Só queria
que a sensação do toque daquele homem fosse embora de

STEVIE J. COLE
mim. Só quero que isso acabe. Fecho meus olhos e balanço
minha cabeça.

“Isso não deveria acontecer”, diz ele, com a voz baixa. Ele
me segura mais perto e esfrega a mão nas minhas costas nuas.
“Porra.”

Abrindo meus olhos, olho por cima do ombro dele, meu


olhar fixo no corpo sem vida do homem em uma pilha no
chão. Meu cérebro tenta entender tudo isso. Quer esquecer a
sensação daquele homem em mim. Está gritando para eu me
afastar do que está me prendendo. Max está com raiva e
remorso. Ele é ruim, mas ele é bom. Eu sei que não faz sentido
e minha mente continua repetindo para eu deixá-lo. Par eu me
afastar. Odiá-lo porque isso seria certo. Mas meu coração...
meu coração está me dizendo para me agarrar a ele com tudo
o que tenho, porque quando se está no inferno, a única pessoa
que pode lhe entregar a chave é o diabo.

STEVIE J. COLE
26

MAX

Lentamente, a visão embaçada se dissipa. Meu coração


ainda está batendo no meu peito como se fosse estourar a
qualquer momento. Não consigo respirar direito. Estou
descendo da raiva cega. Quando entrei em casa. Earl e Bubba
estavam fumando crack na porta dos fundos, e eu entrei em
pânico porque Jeb não estava com eles. Sua caminhonete
estava estacionada do lado de fora, mas ele não estava com
eles. No segundo em que cheguei ao pé dos degraus da adega,
pude ouvi-lo e quase tive um infarto ali mesmo. E apenas esse
pensamento já faz meu pulso se acelerar outra vez.

Ava enterra o rosto no meu ombro e eu esfrego a mão


nas costas dela. Engulo. Tento muito me acalmar antes de
dizer qualquer coisa para ela. Inferno, estou tentando
descobrir o que fazer agora porque esse jogo mudou. Lila está
morta. Não tenho mais nenhum propósito aqui, com exceção
de Ava. Me preocupo com ela, não posso negar isso. E tudo que
posso pensar é colocar uma bala nas cabeças de Earl e Bubba
agora por deixar aquele pedaço de merda aqui com
ela. Fechando meus olhos, descanso meu queixo no topo de
sua cabeça. Há certo conforto que encontro com ela, no cheiro
dela, e aproveito tudo isso para tentar me acalmar por ela.

“Vamos lá, querida”, digo, deslizando meus braços sob


os joelhos. Eu a pego e a embalo.

Há sangue cobrindo o interior de suas coxas e minha


mandíbula aperta, meus dentes rangendo um contra o
outro. Pego o cobertor da cama e a cubro, exalando para não
perder a cabeça enquanto me dirijo para a porta. Quando olho
para o corpo de Jeb no canto, essa raiva quase me consome
novamente.

STEVIE J. COLE
“Onde você está me levando?” Ela pergunta. O medo em
sua voz me afasta do ciclo de raiva, me jogando diretamente
em uma onda de culpa.

“Vou te limpar.” Abro a porta e subo as escadas.

Todo o caminho para cima, ela olha para mim. Chuto a


porta da cozinha aberta e ela bate na parede. Earl e Bubba
ainda estão de pé na porta da tela aberta fumando um
cachimbo. Os olhos de Earl vagueiam de mim para Ava antes
de se voltarem para as escadas do porão. Ava enterra a cabeça
no meu ombro. Não posso olhar para ele porque vou matá-lo
se o fizer. E eu não farei isso na frente dela. De novo não.

Não digo uma palavra antes de entrar no vestíbulo e


subir as escadas para o banheiro. Minha camisa está
encharcada de lágrimas quando chego ao topo da
escada. Minha garganta aperta e o calor lava minha pele. Nada
vai tirar isso. Nada vai afugentar os monstros que viverão nos
recessos de sua mente quando tudo isso acabar, mas a única
coisa que posso fazer é mudar o caminho desta tempestade de
merda está.

Coloco Ava na beira da banheira e giro as torneiras,


aquecendo a água antes de fechar o dreno. Ela está tremendo,
ainda soluçando. Me viro para ela e esfrego minhas mãos sobre
seus braços. “Olhe para mim, querida”, digo calmamente.

Ela não se move.

“Ava. Por favor. Olhe para mim.”

Ela levanta o queixo e a desolação em seus olhos quase


me parte ao meio. Isso é demais. Lila. Isso... Respiro fundo e
mordo o interior da minha bochecha. “Nós vamos limpar você,
e então...” Eu engulo porque eu ainda não sei bem o que fazer.
“Vamos embora.”

Seus olhos se arregalam antes de se estreitarem com


confusão. “Você está... me deixando...” De repente, seu peito

STEVIE J. COLE
começa a subir e descer em ondas rápidas. “Você está me
deixando? Max, por favor. Eu não quero...”

Balançando a cabeça, pego os dois lados do rosto com


as mãos. “Não, estamos indo embora. Eu e você. Juntos. Você
não pertence a este lugar.” Não posso evitar, não posso lutar
contra a atração que sinto por ela, então beijo seus lábios
gentilmente, inocentemente, tranquilamente — porque mesmo
depois de tudo isso, ainda há uma lasca de inocência deixada
em algum lugar dentro dela. “Você pertence a mim”, digo antes
mesmo de saber o que estou fazendo.

Levanto a camisa esfarrapada por cima de sua cabeça,


solto o rabo de cavalo bagunçado e ajudo-a a entrar na
banheira. Quando a água toca as partes feridas de seu corpo,
ela estremece.

Ando na frente da banheira, passando minhas mãos pelo


meu cabelo, tentando estabilizar minha respiração, mas não
consigo. Quanto mais tempo penso em Lila, em Ava, em todas
as garotas que ajudei a vender — perco minha capacidade de
racionalizar. O sangue dispara através da minha jugular em
rápidas bombeadas. Estou tonto com ódio e raiva, minha pele
literalmente em chamas e coberta de suor.

“Eu vou voltar”, digo através da mandíbula cerrada.

Ava olha para mim da banheira. Ela balança a cabeça,


seus lábios tremendo. “Por favor, não me deixe. Eles vão...” Ela
engole, sufocando em suas palavras.

“Não, eles não vão, eu prometo a você.” Dou-lhe um


olhar severo. “Eles não vão, entendeu?”

Ela dá um rápido aceno de cabeça, puxando o lábio


inferior entre os dentes enquanto volta a se lavar.

“Vou pegar suas roupas.” Coloco minha mão na


maçaneta e paro, mas não me viro para olhar para ela. “E não
importa o que você ouvir, não deixe este quarto. Eu voltarei.”

STEVIE J. COLE
E com isso abro a porta, fecho-a atrás de mim e tranco com a
chave.

“The Thunder Rolls”, de Garth Brooks, flutua pela


cozinha. Puxo minha arma da parte de trás da calça jeans,
inclinando-a, o clique distinto se perdendo na vibração do
violão.

A morte virá para todos nós, mas algumas pessoas não


merecem escapar silenciosamente durante a noite. Pessoas
como Johnny Donovan e Andrew Biddle, Earl e Bubba e Jeb,
precisam ser extintas. E é por isso que há uma sugestão de
excitação percorrendo meu corpo agora. Assassinar, para
alguns, pode parecer cruel, mas eu posso te dizer, o poder que
surge quando você assiste algum filho da puta se arrepender
em seu último suspiro, quando você sabe que é a última coisa
que verão é você, isso é incomparável com qualquer outra
coisa.

Meu pulso permanece estável enquanto calmamente


desço as escadas, meu dedo descansando sobre a curva suave
do gatilho quando me aproximo da porta. Earl está cantando
junto com o rádio, embaralhando um baralho de cartas com
um cigarro pendurado nos lábios. Entro no cômodo e ele mal
me dá uma segunda olhada.

“Precisa ficar com a cabeça erguida, garoto. Aquela


garota não é...” Bam. Bear sai de debaixo da mesa enquanto
Earl afunda na cadeira. O sangue jorra sobre a mesa do buraco
em sua cabeça e, em segundos, está escorrendo pela borda e
salpicando o chão de linóleo. Bear cautelosamente se arrasta,
com a cauda encolhida. Ele cheira a poça e olha para mim
antes de lamber um pouco do sangue.

A porta do porão voa contra a parede com um estrondo


e giro ao redor. “Mas que porra é essa merda?” Bubba
murmura. Eu levanto a arma e ele levanta as duas mãos, seu
rosto branco. “Agora” — uma risada nervosa borbulha de seus
lábios. “Max, abaixe a arma. Você não quer...” O splat, splat,

STEVIE J. COLE
splat do sangue batendo no chão da cozinha puxa seu olhar
para Earl e ele engole em seco. “Você não quer fazer nada mais
do que já fez. Jeb e Earl... Eu não vou dizer nada. Posso te
ajudar a encobrir, só não me mate.”

“Você sequestrou minha irmã.”

Sua testa franze quando ele balança a cabeça. “Eu não


sei do que diabos você está falando, Max.”

“Cale a boca.” Sinto a raiva pulsando no meu


interior. Meu peito arfa, meu pulso ressoa em minhas
têmporas. Piso em direção a ele e enfio a arma na cara dele. Ele
se afasta e sigo até seus calcanhares estarem pendurados no
limiar dos degraus do porão. “Você deixou Jeb fazer isso com
Ava, sua porra doente!”

Sua mandíbula aperta e seus olhos piscam. Ele tenta


pegar a arma de mim, mas puxo o gatilho, a bala voando
através de sua jugular. Lágrimas de carne se soltam, o sangue
jorra em um jato arterial, e ele cai para trás, seu corpo pesado
batendo nos velhos degraus até que não é nada além de uma
pilha sem vida lá no fundo.

“Ela não era sua”, digo. “Ela é minha, ela sempre foi
minha, filho da puta.”

Levanto a arma e puxo o gatilho novamente mais três


vezes. Toda vez a bala desaparece em seu corpo. Sorrindo,
enfio a pistola na cintura do meu jeans antes de descer os
degraus, cuidadosamente contornando o corpo de Bubba a
caminho do quarto de Ava.

Rapidamente pego várias peças de roupa e agarro seu


diário aos pés da cama, em seguida, corro de volta pela cozinha
e até o banheiro.

“Sou eu”, grito pela porta enquanto tiro a chave do bolso


e coloco na fechadura. Quando entro, descubro que Ava já está
fora do banho com uma toalha enrolada em volta do corpo e

STEVIE J. COLE
um olhar vazio no rosto. Ela não me questiona quando lhe
entrego as roupas, mas em vez disso, rapidamente se veste.

Eu estendo a mão para ela e Ava coloca a mão na minha.


“Precisamos sair daqui, querida.”

Ela dá um aceno sutil. Saímos do banheiro e descemos


correndo as escadas. Passando pela cozinha, vejo Earl de
bruços em uma poça de sangue. A respiração de Ava fica presa
e ela faz uma pausa, olhos arregalados e fixos na bagunça
sangrenta.

“Não olhe para ele”, eu digo, levando-a para o foyer e


direto pela porta da frente.

O ar frio da noite quase me tira o fôlego. Ava engasga e


a puxo para perto de mim, seu cabelo úmido grudado no meu
pescoço. Só depois de abrir a porta do meu carro é que ela
realmente olha para mim. “Obrigada”, ela sussurra. “Obrigada
por me salvar.”

E essas palavras me cortam. Não a salvei. Eu a quebrei


e ela nem sabe disso ainda. Conduzindo-a para dentro, fecho
a porta, em seguida, corro para o lado do motorista e subo.
Imediatamente aciono o motor, não esperando que ele aqueça
antes de engatar a marcha a ré e sair da garagem.

Nós seguimos em silêncio. Minha mão repousa sobre


sua coxa, meu polegar gentilmente desenhando círculos sobre
a calça jeans. Alguns quilômetros a frente na estrada, ela
coloca a mão em cima da minha e nossos dedos se entrelaçam.
“Não pare até o sol nascer”, diz ela. “Eu apenas quero ver a
luz. Eu quero ver o amanhecer.”

E dirijo sem saber para onde diabos estou


indo. Continuamos subindo a estrada rural até o amanhecer,
e quando o sol nasce acima do horizonte, pintando o céu
naquele azul fraco que rapidamente se transforma em laranja
e rosa brilhantes, um suave grito desliza por seus lábios.

STEVIE J. COLE
Não quero que ela se quebre mais e viro-me para olhá-
la, surpreso por encontrar um sorriso profundo em seu rosto.

“Eu nunca pensei que veria o sol novamente.” Seu


sorriso se alarga. “Acho que nunca apreciei outro amanhecer
do jeito como estou gostando deste.”

Paro o carro em um estacionamento vazio, puxo o freio


e saio do veículo. E nós apenas ficamos ali, ela e eu,
observando enquanto toda a escuridão desaparece. Às vezes,
na vida, há coisas tão sutis que simbolizam eventos
significativos, o que acontece é que raramente os
notamos. Neste momento, é um que nós dois notamos.

STEVIE J. COLE
27

AVA

Os rosas e amarelos parecem tão vibrantes, os sussurros


das nuvens cinza contra o sol nascente. Tudo parece tão
grande. Os espaços abertos parecem intermináveis. Estava
começando a acreditar que o mundo não passava de quatro
paredes, imaginando se inventei todo o resto, mas não. Pego
uma lufada de ar gelado da manhã como se eu fosse uma
pessoa morrendo de sede e ele fosse água.

Depois de vários momentos, voltamos para o carro e


dirigimos por mais uma hora e meia até chegarmos a um motel
completamente decadente, com a luz fluorescente clichê
piscando na lateral da rodovia. Max dá seta e entra no caminho
de cascalho e estaciona.

“Espere aqui”, diz ele.

Ele olha ansioso para os lados, enquanto vai até o


escritório da frente, olhando brevemente para mim quando
coloca a mão na maçaneta da porta para entrar. A porta se
fecha atrás dele e não consigo ver nada pela janela fumê. Por
uma fração de segundo, algo dentro de mim me diz para abrir
a porta e correr. Meu coração lentamente acelera. Eu alcanço
a maçaneta, mas... ele me salvou.

Quando Max sai do escritório, minha mão ainda está na


maçaneta da porta. Eu a puxo de volta rapidamente quando a
culpa me afoga. A chave ainda está na ignição, o que aciona
um alarme quando ele abre a porta para mim.

“Vamos, agora”, diz ele, gentilmente pegando a minha


mão para me ajudar a sair da caminhonete.

Minha mão permanece na sua enquanto caminhamos


pela calçada, parando na frente de uma porta enferrujada no

STEVIE J. COLE
final da passarela. Isso parece tão peculiar — nós aqui fora,
entrando em um quarto de hotel. E eu não acho que deveria,
mas é estranho não ter minhas mãos atadas e não estar mais
naquela casa.

Max abre a porta e o cheiro de água sanitária


imediatamente me dá um tapa no rosto. Franzo meu nariz.

“Porra, isso é ruim”, Max geme, acenando com a mão na


frente de seu rosto. Ele fecha a porta atrás de mim e me sento
na beira de uma das camas de casal.

“Merda”, diz ele. “Eu não peguei as malas. Volto já.”

E com isso, ele me deixa sozinha.

Sozinha com uma porta eu poderia facilmente


abrir. Poderia facilmente fugir. Correr para o escritório. Eu
poderia estar livre, mas minhas pernas não querem me levar
até aquela porta. E por quê? Porque eu não quero fugir dele.

E sozinha, entro em pânico. A vertigem se instala. O


suor vem de todos os poros. Eu preciso dele. Agarro a beirada
da cama em uma tentativa de me sentir mais firme, para evitar
pensar que estou prestes a afundar neste chão de hotel
encardido. Eu conto na minha cabeça, chegando a cento e
vinte antes do trinco da porta se movimentar. A porta se abre
e, no momento em que vejo o rosto de Max, sinto que posso
respirar de novo.

Sua testa enruga. “Você está bem?” Ele joga as chaves


na mesinha de cabeceira e deixa cair as malas ao pé da cama.

“Sim, eu estou bem.”

Ele lança um olhar curioso para mim, sorrindo


levemente. “Você parece preocupada.”

“Não estou.”

“Bom.” Ele quase tropeça quando chuta as botas. “Não


deveria estar.”

STEVIE J. COLE
Max agarra a barra da camisa branca, levantando-a
sobre a cabeça. Vejo os músculos em seu estômago se
dobrando e flexionando, meus olhos deslizando sobre sua
carne nua. Ele me pega olhando para seu corpo e sorri antes
de puxar a calça jeans para baixo e rastejar na cama ao meu
lado. “Hotel de merda, mas é isso que você tem no meio do
Egito.”

Eu rio.

“O que é tão engraçado?” Ele pergunta, deitado de


bruços e agarrando um dos travesseiros. Ele torce-o sob os
braços maciços antes de apoiar o queixo. “Hein”, ele diz. “O que
é tão engraçado?”

“Eu gosto desse termo — Egito, eu uso isso o tempo


todo.”

“Oh é?”

“Sim...” Ele agarra meu joelho e dá um aperto


brincalhão, mas em vez de afastar a mão, ele a deixa lá,
esfregando suavemente os dedos sobre a minha perna.

“Imaginei.”

“Imaginou?” Pergunto.

“Sim, imaginei que você diria alguma merda assim


também.” Ele sorri novamente. E aquele sorriso faz algo em
mim. Há alguns momentos de silêncio em que nos olhamos e
tudo que eu quero que ele faça é me beijar. Abraçar. Amar…

“Tudo vai ficar bem agora.” Ele coloca uma mecha de


cabelo atrás da minha orelha. “Eu prometo.”

“Eu sei.” Minha mente está correndo. Estou preocupada


que ele possa me deixar. Ele não pode me deixar. Nunca. Meu
pulso acelera novamente.

“O quê?” Ele pergunta enquanto e desliza seus dedos


pelo meu queixo. “O que você está pensando?”

STEVIE J. COLE
“Não me deixe”, digo, percebendo o quão desesperada
devo parecer.

A questão é que não apenas me sinto perdida sem ele ou


que o amo, mas que há algo nele que sei que vou ter dificuldade
em encontrar em qualquer outro lugar, porque é algo que ainda
não sei bem dizer o que é. Essa conexão é mais profunda do
que qualquer outra que já senti.

Sua testa franze e ele se senta. “Eu não vou. Eu não vou
te deixar...” Há uma pausa e seus olhos se estreitam. Seu olhar
fica intenso como se ele estivesse tentando tirar algo de mim
sem palavras. “Eu quero saber o que aconteceu com você. Não
naquela casa, Ava. O que aconteceu com você? Muito antes de
te conhecer, você estava ferrada por causa de alguma coisa.”

Meus pulmões param de absorver oxigênio por um


segundo, e minha mente vai para aqueles lugares que não
deveria, aqueles lugares que bloqueei e treinei para esquecer:

O escuro.

Os passos do lado de fora da porta do meu quarto.

O cheiro do sabão em pó nas suas roupas, o uísque em


sua respiração.

No segundo em que fecho os olhos, sou sugada pelo


túnel de medo e vergonha. Todos esses anos mais tarde e ainda
posso sentir sua mão áspera bater na minha boca para abafar
meus gritos, sentir o cheiro dos cigarros em seus dedos. Ainda
assim — mesmo que eu não queira... Deus, parece que as mãos
dele estão em cima de mim. Ainda posso ouvi-lo dizendo que
sou terrível, que se eu contar, ninguém vai acreditar em mim
e, mais importante, ninguém vai me amar. Eu sou indigna do
amor. Esse tipo de vergonha e confusão, medo e confiança
traída afogam você, não importa quão bem você pense que se
recuperou. Sempre te devora. E a coisa é, quando você nunca
contou a ninguém sobre esse tipo de demônio, esse inferno
revive dentro dos reinos dos sonhos e às vezes dentro dos seus

STEVIE J. COLE
pensamentos despertos, e bem, você está
sozinha. Absolutamente e totalmente sozinha no lugar mais
sujo imaginável.

E eu ainda tenho que contar a alguém porque o


pensamento disso me faz sentir maculada.

Eu não quero que ninguém me veja pelo que sou.

Eu deixo a cabeça cair no meu peito, e Max


imediatamente pega meu queixo e gentilmente o levanta, mas
fecho meus olhos. Não quero olhar para ele porque, se eu fizer,
ele saberá. Ele saberá e nunca poderá me amar se souber. As
pessoas podem dizer o que quiserem, mas ninguém quer ficar
com algo tão sujo.

E é por isso que eu construo minhas paredes. Por que


afasto as pessoas, para que não possam me machucar ... mas
com Max, meus muros estão desmoronando e isso me assusta.

“Ava, olhe para mim”, ele sussurra, o polegar


acariciando minha mandíbula. “Eu quero conhecer você.
Quero saber aquelas partes que você acha que estão
quebradas e feias porque qualquer um pode amar a luz. Eu
quero amar a escuridão dentro de você.”

Ele realmente me ama? Sinto meu estômago agitado e


flutuando. Ele poderia realmente amar a pessoa feia que eu
escondo lá no fundo? Max me abraça, puxando-me contra seu
peito. E eu me vejo soluçando porque essa é a coisa mais linda
que alguém já me disse — ele quer amar as partes de mim que
eu odeio.

Tijolo, por tijolo, cada pedaço daquele muro que passei


toda a minha vida construindo, está caindo agora, e me
permito afastar dos seus braços — sair do abraço de um
homem que qualquer outra pessoa diria que quer me
destruir. E me sinto segura. Eu me sinto sem julgamento. Eu
me sinto inteira.

STEVIE J. COLE
Sempre fui escravizada pelas memórias de algo tão
errado, tão fodido... e prefiro estar ligada a um homem que vai
amar as partes de mim que precisam ser amadas na escuridão
comigo.

“Eu não posso...” sussurro.

“Tudo bem, mas eu quero que você se sinta livre disso”,


diz ele. “Não importa o quão horrível você ache que é, eu quero
essa parte de você mais do que qualquer outra coisa.” Ele beija
meus lábios com reverência e mergulho na felicidade que só
ele cria, pensando... mas tenho medo de ser livre.

STEVIE J. COLE
28

MAX

A suave calmaria da TV toca ao fundo, a misteriosa luz


azul da tela lançando sombras sobre a parede. Ava está
dormindo no meu peito e estou passando os dedos pelos seus
cabelos longos, tentando entender o que realmente estou
fazendo.

Seu rosto foi estampado em jornais nacionais. Sua


família foi entrevistada na TV — há uma boa recompensa por
seu retorno seguro. E aqui estou deitado em um motel
escarnecedor com ela adormecida em mim, fingindo que está
comigo porque simplesmente deveria estar. Mas ela deveria.

Algo sobre ela — há algo tão profundo nela que só pode


vir de trauma, desespero e mágoa. Quando você chega lá,
existem dois tipos de pessoas no mundo: aquelas que lutaram
e aquelas que não lutaram. E por dificuldades, não quero dizer
financeiramente ou fisicamente, quero dizer psicologicamente,
emocionalmente. Pessoas que experimentaram coisas tão
fodidas e distorcidas que, às vezes, anseiam pela paz da
morte. Experimentando coisas que não deveríamos,
aprendendo como compartimentar todas as besteiras e o mal
e a raiva, ele escava fendas irregulares dentro da alma de uma
pessoa, criando um nível escuro de profundidade que a mente
humana não deve realmente conhecer.

E eu posso ver essa profundidade nela, dentro do brilho


de dor em seus olhos. Isso me engole, me fazendo querer saber
o que aconteceu com ela, me fazendo querer amá-la. Eu
poderia amá-la... Acredito que preciso amá-la, e talvez seja
culpa — talvez tudo tenha chegado a um ponto crítico e estou
desesperado para saber como é o amor verdadeiro.

Não, foda-se o amor.

STEVIE J. COLE
Para o inferno com essa emoção. O amor é como o santo
graal. É algo que perseguimos e perseguimos e, quando está
ao nosso alcance, percebemos que não passou de uma
miragem. Ele se desintegra em nossas mãos e em todas as
promessas, todas aquelas palavras ardentemente apaixonadas
se transformam em mentiras e poeira que são varridas e
esquecidas dentro das areias do tempo.

O amor não é uma coisa real. É inventado, seja por


alguém como eu ou pela própria pessoa. Nós acreditamos no
que queremos, porque a verdade é que quando você percebe
algo tão puro como o amor não é nada mais do que um conto
de fadas em um mundo de merda, bem... essa epifania é o
suficiente para fazer as pessoas mais fortes desmoronarem.

Eu quero amá-la. E tudo o que isso faz é me aterrorizar,


então eu minto para mim mesmo: você está muito fodido para
realmente entender o conceito de amor. Seus olhos estão
fechados, seus lábios entreabertos em seu sono e eu passo
meus dedos sobre sua bochecha. Quero cobiçar essa mulher e
fingir que a amo de uma maneira que ninguém mais faria.

Ela é apenas engano — tudo o que eu quero e nunca


posso ter. Ela foi moldada para me ver como amor. E amor, eu
não sou, porque tenho demônios tão profundos, tão
fodidamente violentos — até mesmo algo tão puro quanto o
amor não pode purificar isso.

Virando-se levemente em seu sono, ela rola de lado e


respira fundo. E foda-me se ela não é linda. Beleza crua,
completamente não intencional.

E eu quero isso.

Eu a quero.

“Por favor, não...” Ela choraminga. “Pare...” Seu braço


voa para o ar, suas pernas tremendo. “Pare!” Assim que tento
acordá-la, ela engasga e fica de pé na cama.

STEVIE J. COLE
Sento-me e agarro-me a ela, e ela se afasta, ofegante
como se acabasse de terminar uma maratona. Seu olhar corre
ao redor do quarto antes de pousar em mim. Ela segura o peito
com a mão, exalando quando fecha os olhos e descansa a
cabeça no meu peito.

Carinhosamente tomo seu rosto em minhas palmas e


inclino a cabeça para trás, enxugando as lágrimas sob seus
olhos. “Foi apenas um sonho…”

“Mas não foi.” Ela engasga um soluço e beijo sua testa.

Quero salvá-la, protegê-la, e não posso deixar de zombar


da ironia disso tudo, porque, sem que ela soubesse, eu a
arruinei de uma maneira que ela nunca mais poderá se
recuperar. Mas até o momento em que ela entender o que eu
fiz, eu posso ficar com ela.

“Você está segura comigo”, sussurro em seu cabelo


enquanto seus dedos cravam em meus braços. Pego o controle
remoto da mesa de cabeceira e desligo a televisão, mas ela
imediatamente pega o controle remoto da minha mão.

“Não faça isso”, diz ela, pressionando desesperadamente


os botões para ligar a TV. “Não desligue. Eu não gosto do
silêncio quando durmo. O barulho afoga as outras coisas.”

“O que aconteceu com você?” Pergunto.

Ela engole e agita. “Quando eu era pequena...” Ela inala


então exala enquanto ela balança a cabeça. “Eu era apenas
uma criança e ele... ele...”

Sei o que aconteceu com ela porque posso sentir


isso. Algumas coisas não precisam ser ditas.

“Eu não posso”, ela sussurra. Se agarra a mim,


enterrando o rosto no meu ombro e eu passo minhas mãos pelo
cabelo dela. “Eu apenas, o odeio por isso. E não sei porque
nunca disse nada, sabe? Eu simplesmente não pude, porque
era errado, mas eu pensava que era minha culpa, porque

STEVIE J. COLE
alguém faria isso com você? Por que alguém em quem você
confia faria isso e diria essas coisas e te machucaria se você
não merecesse isso? O que poderia haver de tão errado comigo
que ele fazia essas coisas? É só — e depois todas as coisas que
vi quando crescia. Tudo que eu queria era ser como todo
mundo e eu nunca poderia, nunca seria... “ Suas palavras se
perdem em soluços.

“Mas se você fosse como todo mundo, não poderia


apreciar a beleza na escuridão, o milagre da luz. Por mais
terríveis que possam parecer, as coisas que você vê como
falhas”, eu a puxo para perto do meu peito, “essas são as coisas
que te fazem bonita. Isso faz você entender as pessoas que
ninguém mais entende. E todos nós precisamos de alguém que
possa nos mostrar que não devemos ter medo de nossos
demônios.” Seus braços caem das minhas costas, seu corpo
fica flácido, e tudo que posso fazer é abraça-la.

Ava é um anjo cujas asas foram cortadas e arrancadas


antes de ser lançada na terra. E por mais doloroso que seja,
esses são os tipos mais preciosos, pois os anjos caídos são as
únicas criaturas que sabem como é o céu e o inferno.

Nós nos encontramos com o lado sombrio da


humanidade, os rostos crus, corajosos e terríveis que a maioria
das pessoas só vê nos pesadelos. Ela e eu — nós dois sabemos
a verdade: o conceito de amor é a maior fachada que o homem
já sonhou.

E é por isso que ela está quebrada.

É por isso que estou quebrado.

STEVIE J. COLE
29

AVA

Ele beija minhas costas e esfrega o rosto no meu ombro.


“Eu nunca vou deixar você se machucar assim novamente.”

“Eu sei.”

E sei mesmo disso. Enquanto ele estiver comigo, estarei


sempre a salvo. Ele se deita, me derrubando com ele. Seu
grande braço envolve-me e todo o medo se dissipa como se
nunca tivesse existido. Eu o respiro e passo meu dedo sobre os
montes em seu abdômen. “Você acredita em destino?”
Pergunto.

Seu peito sobe profundamente. “Às vezes.”

“O destino não é uma coisa eventual, Max.”

“Eu tenho que acreditar que é.” Ele ri. “Porque me recuso
a acreditar que algumas coisas deveriam ser.”

Discuto sobre o que estou prestes a dizer, quase me


excluindo do medo de como vou soar louca. Mas algumas
coisas, não importa o quão insensatas possam soar, vão te
enlouquecer se você não as disser. “Eu acredito que conhecer
você foi o destino.”

Sinto seu aperto no meu corpo se contorcer. “Não diga


isso”, diz ele com uma pontada em sua voz, e por algum motivo,
isso quebra meu coração um pouco.

“Max...”

“Nada sobre você me encontrar foi destino, Ava. Foi


errado.” Ele inala e sua mão passeia em minhas costas, meu
pescoço, meu cabelo. “Talvez o meu encontro com você”, ele
sussurra antes de beijar minha testa, “mas você encontrar
comigo.”

STEVIE J. COLE
Meu peito aperta e mordo meu lábio. Luto contra isso,
mas a essa altura não me importo mais. Quero que ele
concorde. Sorria. Beije. Que me abrace. Mas ele age como se a
ideia de nós dois fosse uma tragédia. “Foi o destino, não
importa o quão horrível este encontro casual tenha sido — foi
destino.”

O golpe constante de sua mão através do meu cabelo


parou segundos atrás, seu corpo ficando tenso. O homem
compassivo que estava me segurando, me dizendo que os
pedaços defeituosos de mim são lindos, ele se foi, escondido
atrás de uma parede que está montando rapidamente. Tijolo
por tijolo. Porque fomos longe demais, deixamos as coisas
parecerem reais demais, e quando você sente as coisas, você
está fadado a se machucar.

“Você nem me conhece, Ava”, diz ele, uma rudeza em sua


voz. “Nem um pouquinho. Nem mesmo meu sobrenome.” E
essa verdade me ataca, mas só por um momento.

“Eu sei que te amo e isso é tudo que eu tenho que saber,
porque não importa qual seja o seu nome, não importa mais
nada... eu te amo.”

Ele se move na cama, suas mãos segurando minhas


bochechas enquanto arrasta meu rosto para o dele. Seus
lábios pressionam os meus em um beijo duro, sua língua
mergulhando na minha boca. Eu derreto. Eu desmaio. Eu
quero isso. Deus, eu quero isso, não importa o quão fodido seja
porque amor — bem, amor não conhece limites. O amor não
se importa com o resultado, só importa que exista, e isso —
Max — ele é amor.

As coisas perfeitas não precisam ser consertadas. Não


há espaço em algo sem falhas para qualquer coisa caber dentro
dela, sem necessidade de outra pincelada, outra reescrita. A
perfeição não quer... mas nós, as pessoas danificadas,
queremos tanto, por coisas que apenas pessoas como nós
podem entender. E nós dois estamos arruinados — de

STEVIE J. COLE
maneiras diferentes — mas uma vez que algo está quebrado,
realmente importa como foi destruído?

E assim, ele se afasta de mim. Um gemido baixo ressoa


de seu peito e seus olhos estão fixos nos meus. Posso ver sua
mente trabalhando, vê-lo lutando consigo mesmo sobre o quão
errado isso é. Outro gemido e seu olhar recai sobre a cama,
sua mão esfregando seu rosto.

“Max”, sussurro. “Isso é o destino.” E me sinto tão


desesperada para fazê-lo entender isso porque eu acredito, e
temo que ele apenas não saiba disso. Assim como alguém pode
saber que existe um Deus, mas eles não acreditam nisso, então
eles vagam sem rumo, passando pela vida à procura de algo
que eles sentem que devem provar acreditar... Max não pode
passar pela minha vida. Ele tem que acreditar nisso. Eu não
passei pelo inferno para perder minha graça salvadora, mesmo
que todos os outros só vejam seus chifres e não suas asas.

“Eu te amo.” Inclinando-me, levanto o rosto para beijar


seus lábios e ele gentilmente me beija de volta. Sua mão segura
meu queixo antes de entrar no meu cabelo e agarrar a parte de
trás da minha cabeça. E neste beijo, sei tudo o que preciso
saber. Dizem que as ações falam mais alto que as palavras, e
meu Deus, é assim porque esse beijo é tudo que o amor deveria
ser: terno e apaixonado, desesperado e cheio de medo.

Se fôssemos pegos, Max iria para a cadeia, porque sei


que eu nunca poderia depor em seu favor. Mas o amor... amor
nunca é errado, então o que fazemos? O que você faz quando
a pessoa que você foi feita para amar é dada a você sob todos
os pretextos errados?

Você deita ao lado dele e aproveita cada momento que


tem, porque nada dura para sempre. Nada.

STEVIE J. COLE
30

MAX

São necessárias apenas algumas ligações e um dia para


conseguir identidades falsas para nós dois. Coloco os
documentos para o lado e continuo arrumando nossa
bagagem. Não decidi para onde vamos, mas precisa ser longe
daqui, isso é certeza.

Ava sai do banheiro, o cabelo ainda molhado do


chuveiro. Ela para em frente ao espelho e passa os dedos pelo
cabelo ruivo agora na altura do queixo. “Não consigo me
acostumar com isso” diz ela, olhando para seu reflexo. “Não
parece comigo.”

“Não é para parecer.” Eu rio quando ando por trás dela,


agarrando seus ombros antes de me inclinar para beijar sua
bochecha pálida. “Mas você é linda não importa o cabelo que
use.” Agito o cabelo dela antes de caminhar de volta para a
cama e vasculhar os documentos falsos. Quando abro o
passaporte, leio o pseudônimo que ela escolheu: Guinevere
Stephens.

“O que fez você escolher o nome Guinevere”, eu


pergunto, sorrindo.

“Ela era a rainha do Reino de Camelot.” Ela se afasta do


espelho e rasteja para a cama, deitada de barriga para baixo e
apoiando o queixo nas mãos. “Algumas histórias dizem que ela
foi sequestrada. Pensei que fosse apropriado.” Ela sorri. “E
Stephens, porque, bem, Stephen King.”

“Você e seus livros.”

“Eles eram uma fuga. O jeito de empurrar toda a merda


da minha mente. Essa é a beleza das histórias, elas permitem
que você seja quem quiser. Você pode mergulhar em mundos

STEVIE J. COLE
e pessoas e histórias de amor, você pode sentir as emoções e
esquecer quem você é. Essas histórias me salvaram de perder
a cabeça.”

“Perder-se em qualquer coisa, menos na realidade,


hein?”

“Sim.”

Fecho o passaporte e coloco na frente da minha


bagagem. “Falando em se perder...” Paro e ela estreita o olhar
em mim.

“O que, Max?”

Parte de mim não quer perguntar a ela, mas eu tenho


que limpar minha consciência. “Tem certeza de que não quer
que eu te leve para casa? Eu posso fazer isso.”

Seus olhos descem para o edredom. Ela puxa um fio


solto e suspira. “Não, eu quero ficar com você.”

E eu aceno com a cabeça, meu estômago revirando,


porque tenho medo de que ela nem sequer percebesse se
queria me deixar.

“Então”, ela sussurra. “Onde estamos indo?”

Eu dou de ombros. “Qualquer lugar que você quiser.”

“Itália. Para o sopé do Vesúvio.”

Olho para ela, sorrindo. “Isso é bastante específico.”

“Pompeia.” Ela arqueia uma sobrancelha.

“Ah, entendo. Você quer viver no sopé da tragédia.”

Sorrindo, ela me dá um beijo rápido. “Claro que sim, foi


onde eu te encontrei.”

E quero toma-la. Quero transar com ela, mas não


faço. Não tenho certeza se ela está pronta tendo passado pelo
que passou com Jeb, e isso aqui, é o suficiente.

STEVIE J. COLE
Ela pega seu diário da mesinha de cabeceira e vira para
uma página antes de colocá-lo na minha frente. Eu me deito
ao lado dela, envolvendo meu braço em sua cintura minúscula
antes de descansar meu queixo em seu ombro enquanto leio
as palavras:

Asas de anjo e língua de serpente

O fascínio do mal para os jovens

Pálida pele mostrada e olhos tranquilos

Esconda a criatura que está dentro dele

Ela vê um movimento rápido e leve

Um flash de dentes e um sorriso torto

Riso sulfuroso e ele assobia o nome dela

Uma onda de ar viciado e o roçar de sua presa

Criança, oh amor, você não deveria temer minha mão


devassa

Apenas aceite esta escuridão, não lute contra meus


planos perversos.

Minha pele escamosa e mentiras preciosas, eles não


tentam seus lábios aveludados?

A nitidez das minhas garras causa dor quando eu


agarro seus quadris frágeis?

Deixá-lo saber que é muito cedo para confiar, muito fácil


de enganar com estas palavras que me permitem entrar

O disfarce do mal, oh criança, oh amor, você encontrou


seu refúgio enterrado dentro do meu pecado.

Suas palavras são tão misteriosamente sombrias e


feridas, e estaria mentindo se dissesse que não fico intrigado
— fascinado, apaixonado por esse lado dela. “E há a sua

STEVIE J. COLE
escuridão vindo para a luz, hein?” Pergunto, tirando uma
mecha de cabelo do rosto dela.

“É tudo que sei escrever. A única maneira de não me


consumir é colocando tudo para fora em palavras — palavras
não ditas — é a única maneira de fazer isso sem me matar.”

Arrasto seu rosto para o meu e a beijo. No momento em


que me afasto, posso ver todo o rosto dela. Ela esteve lá. Ela
tropeçou e caiu naquele profundo abismo onde todas essas
lembranças vivem, constantemente tentando abrir caminho
pelas paredes escorregadias. “Ava?” Digo.

“O que faz alguém fazer algo assim?”

“Eu não sei.”

“O que faz alguém querer machucar uma criança


assim? Como alguém pode fazer isso com elas? Isso é doentio
e muito fodido e eu o odeio. Odeio tanto que quase me consome
às vezes.”

E eu quero matar esse homem, quem quer que seja, por


tirar a inocência dela. Se eu puder encontrá-lo, vou me deliciar
com isso. Vou me banhar em seu sangue, filho da
puta. Tomando-a pelos ombros, eu a puxo para mim e a
abraço. “Diga-me o nome dele. Por favor, me diga o nome dele.”

“Era meu tio...” Há uma longa pausa. Eu posso vê-la


lutando com isso. “O nome dele era Johnny”, ela sussurra no
meu pescoço, e todo o meu corpo se agita em estado de choque.

O tempo parece passar mais devagar, possivelmente


parar quando minha mente se reverte ao momento em que eu
acerto o crânio daquele homem com um martelo. Sangue, é
tudo que posso ver na minha cabeça e tudo no universo acaba
de se encaixar. Destino. Ela é meu destino e eu sou dela e
nunca posso negar enquanto eu viver agora.

“Ele está morto. Alguém o assassinou”, ela diz. “E sabe


de uma coisa? Quando descobri que ele estava morto, fiquei

STEVIE J. COLE
bêbada por horas. Chorei como um bebê porque alguém que
eu nem conhecia me salvou quando não consegui me salvar e
então, quando consegui conter as lágrimas, sorri. Eu agradeci
a Deus porque isso significava que eu estava segura.”

Engulo. Meu coração bate contra minhas costelas como


uma fera enjaulada tentando libertar-se de sua prisão.
“Johnny Donovan?” O ódio escorre do meu tom.

Ela acena com a cabeça. Eu digo a ela? Digo a ela como


estamos ligados um aos outro? “Eu acredito no destino agora”,
digo. “Acredito que estamos destinados a ficar juntos.”

Ela se afasta de mim, seu olhar curiosamente se


estreitando. “Por quê?”

“Aquele homem estuprou minha irmã e eu o


matei. Quando tinha dezesseis anos, eu o matei porra.”

Seu rosto fica pálido, o lábio tremendo. Parece que uma


hora se passa antes que a boca dela se mova para formar
palavras, mas mesmo assim, nenhum som sai. Isso é uma
coisa difícil para ela digerir, tenho certeza. O homem que ela
acredita que ama acabou de confessar ter assassinado seu tio
estuprador, um que a arruinou... mas como ela deveria se
sentir?

“Então mesmo antes de você me conhecer, você me


salvou.” E seus lábios pressionam os meus, lágrimas
escorrendo pelo seu rosto enquanto ela agarra em mim em um
aperto que seria o suficiente para arrancar o maldito diabo de
seu trono e fazê-lo implorar em os joelhos dela. “Você sempre
me salvou.”

Encontrei dentro dela algo incomparável com qualquer


outra coisa. Nossos demônios são os mesmos e, embora eu
saiba que, no fundo, isso não é justo para ela, sou
egoísta. Muito egoísta, e quão ruim pode ser para uma pessoa
viver uma mentira que nem sequer sabe que existe?

STEVIE J. COLE
Não consigo dormir. Viro e reviro, consumido pelo
remorso. Quando sairmos amanhã, não haverá como voltar
atrás. E o que estou fazendo é o melhor para ela? Porra. É
melhor para ela?

Minha mente se volta para Lila, para seus olhos sem vida
fixos no teto daquela mansão. Finalmente, entendo esses
homens, mesmo que eu deseje não ter feito isso. Enquanto Ava
está dormindo em meus braços, completamente vulnerável,
completamente minha, percebo que esse sentimento — bem,
acho que muito poucas pessoas experimentam isso.

É da natureza humana ser forte, colocar uma


fachada. As pessoas querem ser algo que não são. Tentam
impressionar, para superar, proteger seus corações e
orgulho. As mulheres que saíram daquela casa estavam sem
essas coisas. Elas estavam nuas. Elas estavam abertas e livres
das expectativas. De certo modo, completamente puras,
embora fossem as mais impuras entre os impuros. Tendo
todas as besteiras da sociedade tiradas, elas foram feitas para
amar.

E acima de tudo, o amor é puro... é sem julgamento e


aberto, e esses traços são raros. Tão raros por causa de como
nos tornamos dignos, como onipotentes e orgulhosos. Essas
mulheres foram construídas para não conhecer nada além de
amor e isso vale mais do que o dinheiro pode comprar,
infelizmente. Vejo isso agora porque essa mesma pessoa está
descansando no meu peito.

Eu não sou melhor. Não sou mais forte porque quero


levá-la. Quero correr e nunca deixá-la ir. Levaria essa mentira
em uma batida do coração, mas a coisa é, ela me ama porque
não conhece nada melhor, ela me ama porque eu a manipulei
— eu a amo porque é o que eu devo fazer. E que realidade
fodida é essa? Conhecer a mulher que você deveria amar, e ela
te amar com base em uma manipulação.

STEVIE J. COLE
E então decido que vou salvá-la. Vou salvá-la mesmo
que eu queira ser egoísta demais para fazer isso.

Nós saímos por volta das seis da tarde para evitar o


tráfego de trabalho e usar a escuridão para ajudar a nos
esconder. São quase onze agora, e ela não percebeu que
estamos indo na direção errada, ou se sim, não mencionou isso
para mim. Mas ela tem estado terrivelmente quieta.

“Quanto tempo vai levar o voo?” Ela pergunta.

“Dez horas.” Eu me sinto um merda por mentir.

Saio da rodovia para uma velha estrada do condado e


noto que ela se senta no banco. “Max?”

“Hã?”

“Isso não é...” Ela inala. “Isto é…”

Agarro o joelho dela e aperto, pressionando o acelerador


um pouco mais forte. Um cervo sai do mato ao lado da estrada,
congelando no meio do caminho. Bato nos freios e me debruço
na buzina. O cervo finalmente se liberta de seu torpor e sai
para o campo. “Maldito cervo”, bufo.

“Por que você está fazendo isso comigo?” Posso ouvir sua
garganta apertando e isso me mata.

“Porque eu não sou uma pessoa má.”

“Não, se você fizer isso comigo, você é.” Há uma ponta


de histeria em sua voz. “Você me ouviu? Se você me levar de
volta, você é uma pessoa horrível.”

Entro na curva forte demais e os pneus derrapam, a


terra voando no ar.

“Max!” Ela agarra meu braço, afastando minha mão do


volante e o carro vai voando através de uma curva fechada, a
lateral da caminhonete raspando nos galhos.

STEVIE J. COLE
“Ava!” Puxo o braço para longe e retomo o controle do
volante. “Pare com isso.”

“Eu vou dizer a todos o que você fez. Você vai para a
cadeia...”

“E pelo menos, se isso acontecer, será com uma


consciência limpa.”

Desligo os faróis e paro na lateral, segurando o volante


com tanta força que temo que possa realmente quebrar. Eu
não sei se posso olhar para ela. “Vá”, eu digo.

Ela se senta em silêncio, segurando as laterais do banco.

“Vá. Você me ouviu? Saia da caminhonete.”

“Por favor, não me obrigue...”, ela sussurra.

“Ava. Saia.” Meu coração ressoa contra minhas costelas.

“Max...”

“Porra, apenas vá.” Eu inalo. “Você não pertence a


mim. Você não pertence a nada dessa merda.”

Suas mãos frias agarram meu rosto, virando minha


cabeça para a dela. Ela bate os lábios sobre os meus e o sal de
suas lágrimas desliza na minha boca enquanto seus dedos
delicados se arrastam pelo meu queixo. Abro meus olhos e olho
para ela. Quero implorar para ela não me deixar, mas não
posso, porque nada disso está certo. Posso não ter escolhido
este caminho de destruição e derramamento de sangue, mas
aqui estou eu, e não há saída. Nenhuma. E eu me recuso a
arrastá-la para mais longe neste inferno. Já fiz o suficiente
para ela.

“Mas eu te amo”, ela sussurra, a declaração forçando


meus olhos fechados. Meu peito está apertado, meu queixo
tenso e meu maldito coração ameaçando quebrar. Eu quero
dizer a ela que eu a amo, porra, mas ao invés disso, me espicho
por cima do seu colo e abro a porta.

STEVIE J. COLE
“A coisa é, Ava”, engulo, porque o que estou prestes a
dizer pode muito bem morrer perto de mim. “Eu fiz você me
amar. É tudo uma mentira do caralho.”

Sua testa franze. “Você não me obrigou a te amar.”

“Houve outras. Muitas outras e eu fiz todas me amarem


também.” E esse comentário esmaga em ruínas tudo o que eu
construí nela. “Vá!” Grito, apontando para fora da porta.
“Porra, vá!”

Seu queixo cai para o peito enquanto ela lentamente


desce do SUV. No segundo em que os pés dela estão
firmemente plantados no chão, engato uma marcha e piso do
acelerador, a força batendo a porta fechada. Observo pelo
espelho retrovisor. Ela fica imóvel na borda da floresta que leva
a sua casa e pela primeira vez desde que eu perdi Lila, quero
abrir a porra da boca e chorar.

Talvez aquela garota seja exatamente o que vai me


colocar no túmulo. Faria qualquer coisa para salvá-la, para
mantê-la, para retirar todas as coisas que fiz para ela. Se eu
tivesse que dar minha própria vida e é isso que me faz acreditar
que o amor é realmente uma coisa real. Quando um homem
egoísta se torna altruísta — isso é amor. Puro e simples.

E eu simplesmente a deixo ir.

STEVIE J. COLE
31

AVA

Meu coração bate violentamente contra as costelas. Tão


forte que tenho certeza que deve estar prestes a vacilar e parar
para sempre.

Observo o brilho vermelho das luzes traseiras enquanto


ele se afasta, e antes que eu saiba o que estou fazendo, estou
correndo atrás dele, gritando para que volte. Meus pés batem
no chão com tanta força que sinto dor nas canelas.

Aqui estou, livre em frente à casa dos meus pais, mas


em vez de correr em direção à segurança da casa, tudo o que
quero é a segurança que encontrei nele. Suas luzes traseiras
desaparecem e fico sem fôlego no meio dessa estrada
escura. Meus pulmões queimam pelo ar frio que estou
sugando, minhas bochechas ardem e meu coração está
despedaçado. Chorando, viro-me e dirijo-me para a entrada da
garagem, e por um momento penso que talvez devesse deitar-
me nesta estrada e deixar tudo correr. Neste momento, a morte
— a mesma de que eu queria fugir — bem, para meu coração
partido e espírito ferido, a morte parece pacífica.

Os faróis brilham do outro lado da estrada quando um


carro sai da minha garagem. As luzes brilhantes me fazem
estreitar os olhos. Os freios param bruscamente e a porta do
lado do motorista se abre, minha mãe clamando, com a mão
colada à boca. Ela contorna a frente do carro e para,
inclinando-se e apoiando as mãos no capô enquanto lágrimas
escorrem pelo rosto.

“Ava...” ela soluça. “Por favor, Deus. Eu não estou


perdendo a cabeça. Seus olhos se estreitam e eu corro em
disparada em direção a ela, minhas pernas fracas de medo pelo

STEVIE J. COLE
que perdi, por quem agora me tornei. “Ava!” Ela grita, seus
gritos ecoando na noite fria.

Colidindo uma com a outra, nos abraçamos. Ela me


agarra, segurando-me tão forte que não consigo respirar
fundo. Ela beija minha testa, minhas bochechas, agradecendo
a um Deus que ela nem acredita por me trazer para
casa. Descanso minha cabeça contra o ombro dela e olho para
os faróis do carro parado. Eu fui libertada, mas o que é bom
para um pássaro que não tem asas?

STEVIE J. COLE
32

AVA

Dia 7 - casa

Meu irmão me queria morta. Deixei isso se assentar e


afundar mais abaixo das cobertas.

E em vez de eu ter morrido, ele é quem morreu. Eles


esperaram até esta manhã para me contar, e se eu não tivesse
perguntado onde ele estava, não sei quanto tempo teriam
esperado. Ele foi assassinado. Tinha drogas suficientes para
ser considerado um traficante, então a investigação não foi
muito longe. A polícia atribuiu isso a um acordou que deu
errado. Mas eu sei.

Eu sei que Max fez isso, e isso prova para mim que ele
me amava. Brandon ia matá-los e pegar o dinheiro do
seguro. Max protegeu não só a mim, mas minha família — meu
pai que matou sua família — ele salvou até mesmo meu pai da
morte, e que ato mais abnegado existe do que proteger seu
inimigo? Eu acho que talvez Max soubesse que um dia ele me
deixaria partir e não queria que eu sofresse a mesma perda
que ele sofreu.

Isso. É. Amor.

E isso se foi para sempre.

Há uma batida na porta do meu quarto antes de ouvir o


grito da maçaneta; as dobradiças rangem.

“Ava, querida?” O sotaque sulista do meu pai lança uma


sensação de conforto através de mim. Ele entra, com um
sorriso simpático no rosto áspero. “Você sabe que te amo.”

“Claro.”

STEVIE J. COLE
“Mas...” brincando com sua barba grisalha, ele atravessa
o quarto e se senta na beira da minha cama. “Estou tentando
ser compreensivo, eu estou, mas preciso saber quem era esse
homem.”

“Eu não sei quem ele era.”

E isso não é mentira. Não sei quem ele era fora daquele
quarto. Papai respira fundo e fecha os olhos. O vejo engolir e
exalar.

“Ava. Você não está fazendo nenhum favor, não me


dizendo. Eu o encontrarei.”

Sacudo minha cabeça. “Você não pode encontrar um


fantasma, papai.”

Seu olhar se estreita em mim, rugas profundas se


instalando em sua testa. “Eu tenho pouca tolerância para isso,
Ava.”

“Ele não me machucou. Outros homens fizeram isso, ele


os matou. Ele me salvou.” Sinto meu peito apertar, minha
garganta se contrair. “Ele me salvou, papai.”

Meu pai joga a cabeça para trás em um gemido e olha


para o teto por um momento.

“Papai?” Ele abaixa a cabeça e olha para mim. “O que


importa mais para você? Eu ou a vingança?”

Ele agarra meu pé e aperta. “Sempre você. Você e sua


mãe são o meu mundo.”

“Então o deixe em paz. Isso me quebraria, saber que


você o matou. Por favor, papai.”

Fechando os olhos, ele solta um suspiro antes de me


agarrar e me puxar para o peito. “Você está pedindo muito de
mim.”

“Eu sei.”

STEVIE J. COLE
Ele me segura por alguns momentos. Posso ouvir seu
coração batendo com raiva em seu peito, porque acabei de
pedir a um homem que vive por sangue e retribuição para
perdoar — para deixar isso de lado. Sem uma palavra, ele se
levanta e caminha em direção à porta do quarto.

“Só por você, Ava...” Ele abre a porta, fechando-a


silenciosamente atrás dele e me deixa aqui, sozinha com meus
pensamentos. Tento sonhar acordada, tento ler, tento fazer
qualquer coisa, mas penso em Max e falho
miseravelmente. Finalmente, decido tomar um banho e
tropeço até o banheiro, abrindo as torneiras e observando a
água escorrer da torneira.

Sento-me nos degraus da banheira de


mármore. Varrendo minha mão pela água morna, escuto o eco
do enchimento da banheira. Este banheiro é maior do que a
sala de estar da maioria das pessoas. É aberto e luxuoso, algo
que uma vez eu dei por certo. A música toca nos alto-falantes
no teto. Eu olho para o meu reflexo nos espelhos ao redor do
banho. Meu olhar se dirige para o lustre de cristal centrado
acima da enorme banheira e eu rio. Coisas tão extravagantes,
coisas desnecessárias. E tudo comprado com dinheiro de
sangue.

Cento e sessenta e oito horas. Sete dias. Por quanto


tempo estou em casa. Há quanto tempo estou ‘segura’.

Abro as torneiras e deslizo meu roupão antes de entrar


na água escaldante. Assobiando com a queima lenta, me
abaixo da água. É bom machucar porque fiquei entorpecida
sem ele. Inclino-me para trás contra a inclinação da banheira
e olho para frente no reflexo do teto para o espelho do chão. Eu
deveria conhecer aquela garota bem ali, mas não sei quem ela
é, e a verdade é que nunca soube. Assim como todo mundo
nessa família, passei minha vida como camaleão.

Qualquer um que tenha olhado para mim deve ter


pensado que eu era feliz; como eles poderiam não pensar? Fui

STEVIE J. COLE
uma líder de torcida. Popular. Bonita. Sorri, mas eu fiz essas
coisas — eu era essa pessoa porque era quem eu deveria ser,
e quando você é uma bagunça por dentro, você só quer de
misturar do lado de fora. Você sorri e ninguém lhe pergunta o
que está errado, mas quando você chora — oh, quando você
chora, as pessoas não te deixam em paz.

Aquela garota me encarando agora, ela não está sorrindo


porque não pode. Ela está cansada. Ela é destruída por
dentro. Aquela garota é quem eu fui o tempo todo e dói
finalmente vê-la. Isso me faz sentir envergonhada, estúpida e
perdida. O que houve de errado comigo? Por que, dentre todas
as pessoas deste mundo, essas coisas aconteceram comigo?
Não, não importa que elas tenham acontecido comigo, por que
essas coisas acontecem a qualquer corpo? E por que, porra,
por que deixamos essas coisas nos destruir? Por que
escondemos nossas cicatrizes? Eu lhe direi o motivo: porque
as cicatrizes são feias, é isso que nos ensinam. Ah, finja ser
feliz, finja ser perfeita, porque ninguém quer uma
bagunça. Mas cicatrizes são as histórias de nossas vidas. O
bem, o mal — é isso que nos molda, para melhor ou para pior,
e Max me ensinou isso, se fôssemos apenas mais abertos, nós
encontraríamos aquelas pessoas que verdadeiramente nos
amam e não ficaríamos tão incomodados por aqueles que não
podem entender que a verdadeira beleza é encontrada dentro
das imperfeições. Pois se fôssemos todos perfeitos, não haveria
beleza alguma.

Afundo abaixo da água até que a superfície esteja


tocando o fundo do meu nariz. Quando fecho meus olhos, eu
o vejo. O sorriso dele. Aqueles olhos intensamente escuros que
me conheciam antes mesmo que eu me conhecesse. Meu peito
aperta e a escuridão se fecha em mim. Ele passa pela minha
mente como uma aranha, enredando meus sentidos em fios de
seda de tristeza. E eu choro. Eu soluço. Meu coração quebra
mais e mais porque ele me deixou. Ele me salvou apenas para
me matar, abandonando-me. Ele se fez um fantasma, e estar

STEVIE J. COLE
apaixonada por um fantasma é um lugar lamentável para
encontrar seu coração.

E algumas coisas, bem, agora acredito que algumas


coisas são piores que a morte.

A água ondula, a luz do candelabro se reflete na


superfície, me tentando. O que faria para a mãe se ela me
encontrasse afogada nesta banheira? Sacudo esse pensamento
da minha mente e me forço na banheira porque não confio em
mim mesma. Mas momentos depois, me vejo afundando mais
e mais, mais e mais perto da água. Quero isso. Anseio por isso
porque amá-lo é uma prisão, e acredito que minha liberdade
só será encontrada nos grilhões da morte.

Deixo meu corpo deslizar para baixo, dentro da água e


me deito no fundo da banheira, os olhos abertos, olhando para
a visão distorcida da superfície. Eu estou no controle
disso. Posso controlar minha vida afinal de contas, e aqui,
encontro a paz. Tudo o que tenho que fazer é respirar.

Uma. Profunda. Respiração.

Pergunto-me como será... e então, simplesmente deixo


ir. Minhas mãos agarram a borda lisa da banheira, porque
minha mente quer que eu lute, para sobreviver. Mas o coração
é uma fera muito mais forte e uso essas mãos para me segurar.

Pergunto-me se há um paraíso ou um inferno e penso se


vou para o inferno, temendo que já esteja lá. Eu respiro outro
bocado de água. Queima e arde. Meu peito parece que está
pegando fogo, meu coração tremendo a cada batida
rápida. Minha visão vacila. Fraqueza me envolve, e a próxima
coisa que sei... estou caindo na escuridão que tem me
chamado o tempo todo.

E dentro dessa escuridão haverá paz. Paz e nada e…

STEVIE J. COLE
33

MAX

A fita gruda nas luvas de borracha e luto para soltá-


la. Estou selando o envelope com a fita porque, diabos, não vou
deixar qualquer maldito DNA. Imprimi a carta dentro de um
Kinko nos arredores de Lafayette. Descrevi tudo, dizendo a eles
o que significam as folhas de papel. Estou informando que
todas aquelas garotas foram levadas e vendidas, que todos os
homens que as possuem são criminosos para comprar outro
ser humano. Paguei cinquenta pratas a uma criança do lado
de fora da estação de ônibus para escrever o endereço do
departamento de polícia no envelope. Meu pulso dispara
enquanto desço a janela da caminhonete. Entro no
estacionamento dos correios de Nova Orleans, paro ao lado da
caixa de correio – ainda com as luvas — e coloco o envelope na
caixa de correio e saio.

Viajo por algumas horas sem direção, finalmente


parando em algum pequeno café em Biloxi.

“Mais café, senhor?”

Olho para cima do copo vazio para a jovem


garçonete. Seu cabelo escuro está puxado para trás em um
rabo de cavalo, seus olhos delineados com muita sombra. Ela
sorri enquanto segura o fumegante bule de café. Deslizo a
caneca sobre a mesa e aceno.

Ela não sai uma vez que está cheia, então olho para ela
novamente.

“Suas tatuagens. Eles são legais.” Ela torce a ponta do


rabo de cavalo flertando para o lado e sorri.

“Obrigado.” Minha atenção volta para a caneca, e ela


finalmente se afasta.

STEVIE J. COLE
Que diabos vou fazer com a minha vida agora? Não
tenho ninguém. Posso ter coberto meus rastros, mas ainda
assim, estou paranoico. Todas essas mulheres sabem como eu
pareço, mas parte de mim acredita que elas ainda me amam,
ainda sentem um profundo senso de lealdade e me
protegerão. Mas realmente, o que isso importa?

Fecho meus olhos e tudo que posso ver é Ava. Isso é foda
e eu não entendo. Dois meses com ela — é isso, e ela sangrou
para o meu ser como uma doença terminal. Os sons ao meu
redor desaparecem juntos: o barulho dos pratos sendo limpos
das mesas, a conversa monótona, o bebê chorando. Há uma
escuridão dentro de mim ... Eu posso ouvi-la dizendo
isso. Literalmente, ouça-a dizendo essas palavras como se eu
estivesse ouvindo uma gravação. A mente é uma criatura
misteriosa e fodida. E me pergunto como você deve deixar as
coisas quando elas podem ocupar sua mente sem que você
queira. Seu rosto, seu cheiro, a sensação de sua pele sob
minhas mãos — quero que essas memórias vão embora antes
que elas me deixem louco.

A garçonete para de novo me olhando, e me vejo


encarando-a, pensando que seu cabelo é da mesma cor de Ava
e imaginando com que facilidade ela quebraria, contemplando
o quão difícil seria desnudá-la. E eu percebo o quão fodido eu
realmente sou.

STEVIE J. COLE
34

AVA

Dia 68 - casa

“Síndrome de Estocolmo”, diz a Dra. Barnes. “Você já


leu aquele livro que te dei sobre isso?”

“Eu li o primeiro capítulo e não é isso.”

Ela suspira e balança a cabeça. “Esses sentimentos, não


vou dizer que você não tem sentimentos, mas eles estão
distorcidos. Foi uma maneira de sua mente lidar com o trauma
de ser prisioneira. Foi tudo manipulação da parte dele.” Ela se
inclina sobre a mesa de mogno, olhando dentro dos meus
olhos. “Manipulação.”

Evito meu olhar no dela. Eu odeio essa palavra. Max me


disse que era assim e nunca tive palavras tão duras. Síndrome
de Estocolmo — acho que é mais fácil para qualquer outra
pessoa acreditar, porque há uma razão pela qual algo tão
depravado pareceria tão certo.

“Isso não é o que aconteceu”, sussurro.

“Ok, leia o livro, por favor. Eu entendo que isso é difícil


para você, Ava, realmente entendo, mas você tem que aprender
a superar. Acho que se você deixasse as autoridades fazerem o
seu trabalho, talvez você o visse pelo que é.” Ela faz uma
pausa, esperando que eu responda, mas não tenho nada a
dizer para ela. Apenas assisto o ponteiro do relógio passar,
esperando que esta hora de besteiras termine logo.

“Ava...” Olho para ela. Ela olha com empatia para mim,
e isso me faz odiá-la. Não deveria, mas acontece.

Ela não pode sentir empatia por mim, simpatia, talvez,


mas não empatia porra.

STEVIE J. COLE
“Querida”, diz ela. “Você percebe que não está ajudando,
não dando à polícia nenhuma informação, certo?”

Olho para ela. Espero que ela possa sentir a aversão


irradiando do meu olhar. “Eu não tenho nada para lhes
dizer. Eu só sei o primeiro nome dele. Eu não sei mais nada.”

“Mas você nem vai dizer a eles seu primeiro nome.”

“E eu não vou dizer a você também, então desista, não


é?” Levanto-me da cadeira e ando para frente à janela, parando
para pegar algumas das folhas marrons da planta murcha no
peitoril da janela.

“Ava?”

Continuo podando a planta.

“Ava?”

“O quê?” Eu gemo de frustração.

“Eu sei que você pensa que está protegendo o cara, mas
ele é um criminoso, ele te manteve presa naquele quarto, ele
fez você pensar que o amava...”

“Ele não me fez amá-lo. Você não entenderia.”

Ela suspira. Minhas costas ainda estão para ela, e eu a


escuto batendo aquela maldita caneta sobre a mesa. É assim
que eu sei que ela está ficando agitada. “Eu já ouvi você duas
vezes por semana durante oito semanas. Dezesseis sessões, e
não estamos mais perto de resolver isso do que no primeiro
dia.”

“Não há como resolver isso.”

“Ah, mas você tem que estar disposta a tentar.”

Giro ao redor, minhas narinas dilatadas. Estou com


fome. Meu sangue está pulsando através da minha jugular e
tudo o que posso pensar é pegar seu porta-lápis e arremessá-
lo pela sala. E sei que não é racional — porque, de repente,

STEVIE J. COLE
sinto lágrimas nos olhos. Como se alguém tivesse apertado um
interruptor, estou desmoronando. “Eu tentei. Eu tento, mas
você não ouve o que estou dizendo.”

“Eu ouço...”

“Pare de escutar com seu diploma e ouça com seu


coração. Eu o amei. Eu senti isso e não há nada que eu possa
fazer para provar todas as outras malditas pessoas pensem
que seja, ou quão louca eu deva estar para pensar assim, mas
é verdade.” Atravesso a sala em direção à porta.

“Ava... volte para a realidade! Por mim.”

“Realidade?” Zombo. “Dra. Barnes, a realidade abrange


tudo o que existe, mesmo que essas coisas não sejam
compreensíveis. E esse sentimento existe.” Abro a porta,
fechando-a atrás de mim quando saio do consultório.

Quando chego em casa, mamãe está sentada à mesa da


sala de jantar, lendo com os óculos e vasculhando a
correspondência.

Ela sorri quando atravesso o vestíbulo. “Oh, alguém


ligou para você”, diz ela.

“Deixe-me adivinhar.” Paro no final da mesa. “Um acordo


para escrever um livro, um contrato de filme para toda a vida,
e eles querem três entrevistas.” Todo mundo quer saber esta
história, e não quero contar nada a ninguém.

Ela faz uma careta. “Você só faz isso se quiser, querida.”

“Bem, eu não quero.”

Ela sacode a cabeça. “Eu não te culpo. Viver aquele


inferno uma vez foi o suficiente para todos nós. Como foi a
terapia?”

“Uma merda.”

STEVIE J. COLE
Ela suspira e puxa os óculos de leitura pela ponte do
nariz. “Eu não sei o que fazer para te ajudar. Estou perdida
aqui, Ava. Me diga o que fazer.”

“Nada.” Contorno a ponta da mesa.

“Querida…”

“Só quero ir dormir, mãe. Só estou cansada. Não quero


falar sobre isso. Só quero dormir.”

“Ava, você tentou se matar. Perdi seu irmão, não suporto


perder você de novo também.”

E aí esta, as coisas que ela joga na minha cara toda vez


que não consegue entender isso.

“Merdas acontecem”, murmuro.

“Ava!”

“Não sei o que você quer. Estou tentando. Eu estou!”

“Quero minha garotinha de volta.” Ela se levanta da


mesa e eu vou para o foyer. “Não quero ter essa discussão
agora. Ava!”

“Esse é o problema, não sou uma garotinha. Você não


pode consertar tudo com uma porra de Band-Aid, mãe.

“Cuidado com sua boca, senhorita.”

Nunca lhe falei uma palavra atravessada. Mordo meu


lábio, culpa acumulando meu corpo. “Eu sinto muito. Não
deveria ter... eu... eu só... só preciso ficar sozinha.”

Subo as escadas, meus passos ecoando no teto alto. Ela


ainda está em pé ao pé da escada, olhando para mim quando
desapareço no meu quarto e fecho a porta. Tiro o celular do
bolso, deito na cama e folheio o Facebook, lendo os posts
mundanos de todos. E então meu telefone apita com um e-
mail. O cabeçalho diz: Eu acredito que você o ama.

STEVIE J. COLE
Abro rapidamente, lendo a mensagem:

Eu acredito que você o ama.

Cara Ava,
Sei que você deve ter mil ofertas, e talvez você não esteja pronta
para contar sua história, mas posso prometer a você que a
história que quero contar é realmente a sua. Quero a verdade
brutal e crua. Quero saber por que você o ama, me chame de
romancista, mas eu acredito que o amor é às vezes encontrado
nos lugares mais peculiares. Estou anexando links para outras
histórias de crimes reais que eu recontei, e, como acredito que
você verá, não costumo retratar o lado convencional das
coisas. Se você estiver interessada em discutir, ficaria mais do
que emocionada em falar com você.

Atenciosamente,
Tabitha Strong
NYT Bestselling True Crime Autor
Paddington Press

Fecho o e-mail, sem saber se vou realmente contatá-la


ou não, e adormeço ao meio do dia, rezando para sonhar que
volto para aquele quarto onde esperava por ele.

STEVIE J. COLE
35

AVA

Dia 71 - casa

As notas suaves do piano desaparecem no quarto


escuro. Retiro os dedos das teclas e espero que o silêncio da
casa ainda me envolva como um cobertor de lã. Meu olhar se
dirige para a janela. Completamente escuro. São duas da
manhã, está escuro lá fora, o que significa que não consigo
dormir. Desde que voltei, durmo apenas durante o dia. Passo
as noites imaginando e contemplando, sentindo falta dele,
embora me dissessem que não deveria. Estou com medo de
que um dia, vou esquecer de coo é seu rosto. Não é como se eu
tivesse fotos para me lembrar dele, e às vezes me pergunto se
acabei de inventá-lo. Se talvez literalmente eu tenha perdido a
cabeça e todo mundo sente pena de mim, então eles me deixam
ficar louca, perdida em meu pequeno mundo de escuridão e
dor.

Meus dedos deslizam sobre as teclas lisas e as notas


ricas mais uma vez enchem o ar. Estou em casa. Deveria estar
feliz. Tudo deveria estar certo, mas parece tudo
errado. Continuo esperando ouvir sua voz. Vê-lo entrar no
quarto. Na verdade, me sinto perdida sem ele. Paro de tocar
“Fur Elise” de Beethoven e exalo antes de fechar os olhos. O
rosto de Max — aqueles olhos — imediatamente se
materializam em minha mente. E o conforto me
domina. Engulo. Meu peito aperta e luto contra um soluço.

“Sinto sua falta”, digo para o nada porque não vai


discutir esse fato comigo.

Amor…

Se você pensar sobre o assunto, o amor é a força que


impulsiona esse mundo inteiro. Quase tudo na vida é centrado

STEVIE J. COLE
em torno do amor. A maioria das pessoas procura por ele como
um viciado que procura desesperadamente por um baseado. E
agora sei o porquê. Se você alguma vez encontrar um amor
verdadeiro, não há como errar. No momento em que você
encontra alguém cuja mera presença pode acalmá-lo, que pode
fazer com que até mesmo a mais horrível das situações pareça
esperançosa, suportável, sua alma dirá: ‘E aí está você.’ E
quando isso acontece, nada — certo ou errado — pode fazer
você acreditar que não pertence a eles. Em um mundo onde
nada faz sentido, onde de momento a momento as coisas
mudam, ter algo que você sabe permanecerá uma constante
em sua vida até você dar seu último suspiro, bem, isso é algo
que faz da existência uma vida real.

Mas me disseram: essa pessoa é errada para mim.

Essa pessoa é terrível.

Essa pessoa é ruim.

Se for esse o caso, prefiro ter apenas existido. Por


conhecer o tipo de amor que nem Shakespeare poderia
descrever e ser incapaz de possuir esse amor, isso é a
morte. Posso estar livre daquele quarto, mas eu ainda sou uma
prisioneira, porque Max possui um pedaço de mim que
ninguém mais poderá. E enquanto ele o fizer, eu também posso
ser trancada em um porão porque viver sem ele ainda é apenas
existência. É uma cortina de fumaça da liberdade. E não há
nada mais trágico do que ser forçado a fingir que você está
vivendo quando você mal consegue respirar.

Um choque estridente de notas soa do piano quando eu


desmorono sobre as teclas e enterro meu rosto nas
mãos. Quero gritar, mas ao invés disso, passo meus dedos pelo
cabelo e choro. Disseram-me que esse sentimento de perda
angustiante, é apenas uma reação ao trauma. Que com o
tempo vou vê-lo pelo que ele é: um criminoso, um
manipulador, uma pessoa horrível que me usou.

Mas eu sei que isso é mentira.

STEVIE J. COLE
Ele matou por mim.

Ele me amava.

Meus soluços ecoam do alto teto. Tento me controlar,


tento me acalmar porque há coisas piores na vida. Existem...
mas essas coisas são meramente momentâneas. As partes
terríveis de sua vida — até mesmo a merda que sofri quando
criança — foram apenas um momento fugaz no tempo, mas
nunca mais ver Max de novo, bem, isso é uma sentença de
prisão perpétua, então talvez não haja coisas piores. Ele é uma
pessoa viva envolvida em uma falsa morte. E eu odeio isso.

A luz do teto pisca. Rapidamente enxugo as lágrimas das


minhas bochechas e olho para a porta. Mamãe atravessa a
grande sala, apertando o roupão. Ela ainda está meio
adormecida, seus olhos não estão realmente abertos. “Querida,
por que você está acordada?”

Balanço a cabeça e choro ainda mais, meus ombros


tremendo com cada respiração. “Eu não consigo dormir”, digo.

Seus braços me envolvem e caio dentro dela. Essa


sensação de conforto, de amor eterno, só pode ser encontrada
no abraço de uma mãe, e absorvo esse sentimento, sabendo
muito bem que um dia não serei capaz disso.

Essa parece ser a única coisa em que posso pensar


ultimamente — que um dia perderei todo mundo que
amo. Max já perdeu todos que ele ama...

“Querida...” Ela me aperta e respiro seu perfume familiar


apenas para chorar mais. “Ah, Ava”, ela sussurra. “Eu sei que
é difícil entender tudo. Sei que deve ser. É difícil para mim,
mas...” Ela dá um passo para trás e enxuga as lágrimas do
meu rosto. “Eu pensei muito sobre isso e a coisa é...” Um
sorriso compreensivo se forma em seu rosto. “Bem, se você o
ama, ok, você o ama! E isso não é algo que você vai resolver.”

STEVIE J. COLE
Aceno, enterrando meu rosto contra seu ombro. Tenho
dezenove anos e choro com a minha mãe como uma criança de
sete anos com uma perna quebrada, mas é nisso que as mães
são as melhores, não é? Consolar você quando ninguém mais
puder. Compreender as coisas que ninguém mais poderia
esperar entender.

“E você se sente culpada?” Ela pergunta.

“Deus, sim.” Engulo as lágrimas que não parecem parar.


“Porque eu não deveria amá-lo, mas você está certa, eu não
posso evitar. Não quero.”

Sua mão esfrega sobre os meus ombros e ela balança a


cabeça, trazendo-me de volta contra o peito e me segurando
firme. “Não, você não pode escolher quem ama. O amor não é
algo sobre o qual temos controle. Eu acredito nisso com cada
pedaço da minha alma. E você não deve se sentir culpada por
algo que não pode controlar.”

“Ele é uma pessoa má.”

“Talvez, mas o seu pai também é”, ela sussurra. “E nós


duas o amamos, não é?” Olho para a parede, minha cabeça em
seu peito, sua mão deslizando sobre minhas costas. “Ava, tudo
o que importa é se ele é ruim para você. Isso pode parecer
egoísta e errado em todos os sentidos, mas isso realmente é
tudo o que importa no amor. Ele é uma pessoa má para
você? Porque a única coisa que aprendi nos meus quarenta e
oito anos de vida é que o amor não tem moral, então você não
pode esperar explicá-lo.”

O amor não tem moral... Nunca uma declaração mais


verdadeira foi dita, pois o amor não se importa se você foi
prometido à outra pessoa, se você é jovem ou velho, um
pregador ou um cativo — quando ele cava suas garras
irregulares na sua carne, bem, é para sempre.

STEVIE J. COLE
36

MAX

A brisa fresca da manhã de primavera traz arrepios


gelados sobre a minha pele nua. Alongo-me antes de sentar no
cais, afundando meus pés sob a superfície da água fria antes
de puxar o último cigarro de um maço e acendê-lo. Dou uma
grande tragada e olho para o lago plácido enquanto rolo o
cigarro em chamas entre meus dedos. Ela provavelmente está
lendo... ou talvez tenha feito isso porque não tinha mais nada
a fazer.

Eu nem sequer a conheci. Não de verdade. Eu conheci a


concha de uma pessoa, mas isso não muda o fato de que me
senti atraído por ela. Havia partes dela que refletiam
profundamente minha própria alma... mas nada disso
importa. Eu a arruinei.

Outra tragada profunda, nicotina cobrindo meus


pulmões. Assisto a fumaça dos meus lábios. Ultimamente tudo
o que posso fazer é refletir sobre minha vida. Sobre o que me
tornei. Em Lila, em todas as garotas que desnudei, as pessoas
que matei, mas principalmente em Ava. Sempre me perguntei
porque eu? Mas logo percebi que a auto aversão não faz nada
para mudar a situação.

Termino meu cigarro, jogo na água e vejo um peixe


arrancando-o da superfície. Ando calmamente de volta para a
casa, pisando em galhos e ouvindo-os estalar sob meu
peso. Quando corro minha mão por cima do corrimão de
madeira gasto até a varanda, uma farpa se enfia sob a minha
pele e puxo minha mão para longe, xingando baixinho. Pego o
pedaço de madeira da palma da minha mão e abro a porta da
frente.

STEVIE J. COLE
Não há luzes acesas. O sol quente de verão entra pelas
janelas e posso ver a poeira girando no ar. Respiro fundo e
tusso. É velho e há mofo aqui ainda. Só estive aqui por uma
semana, e isso não foi tempo suficiente para tirar esse cheiro
da casa. Atravesso o corredor até a sala de jantar e paro na
porta. Meus olhos param no tapete debaixo da mesa da sala de
jantar. Se eu o puxasse de volta, a madeira por baixo ainda
teria uma leve descoloração de onde o sangue foi esfregado.

Esta é a casa em que meu pai e minha mãe foram


assassinados, e embora tenha debatido vendê-la por anos,
simplesmente não consigo fazer isso. Parte de mim pode ser
supersticioso, preocupado que suas almas ainda estejam
vagando em algum lugar desta casa. Talvez seja por isso que
fiquei com ela, ou talvez haja uma parte mórbida de mim que
se sente ligada a este lugar. Talvez eu goste de morar onde os
esqueletos e demônios brincam. Para ser honesto, questiono
malditamente tudo em minha vida neste momento.

Balançando a cabeça, desapareço na cozinha e pego


uma lata de cerveja na geladeira antes de ir para o escritório e
me sentar no sofá. Estalo a primeira e bebo metade da
lata. Gemo e bato minha cabeça contra a almofada. A coisa
mais fodida é que eu gostaria de ser um pedaço de merda
porque então teria ficado com Ava e ela estaria aqui comigo,
com a cabeça no meu colo e meus dedos passeando por seu
cabelo espesso. Poderia dizer a ela que eu a amo, mas as
palavras que ela diria de volta seriam sem sentido.

E isso é o que eu faço.

Todo dia.

Sento aqui e penso em todas as coisas que perdi na vida


e a cada dia que passa me dou conta que de tudo que perdi,
perder Ava é realmente o mais difícil de lidar.

STEVIE J. COLE
37

AVA

Dia 96 - casa

O ar úmido de agosto gruda em minha pele e dou as


boas vindas à brisa que sopra pelo corredor. Escolho um lugar
na grama e me deito. Há um intervalo de horas entre minhas
aulas, e isso se tornou um ritual — sair e sentar, pensar,
escrever.

Tiro minha mochila e pego o diário que Max me deu. O


vento inverte as primeiras páginas abertas. E quase como se
houvesse algum pequeno deus mexendo nas minhas palavras,
as páginas tremulantes param. Eu olho para a página,
sorrindo enquanto leio as palavras:

Dia 24
Escuridão e silêncio se infiltraram em minhas veias
Em algum lugar lá no fundo sinto algo mudar
Me adapto a uma criatura de obscuridade, uma das coisas e
pecados vis
Cresci a amar vivendo dentro do covil do diabo

Um lampejo de luz, um lampejo de escamas enegrecidas


Diria a maioria de qualquer um que isso aqui é o inferno
Mas então você entra, com tal profundidade em seus olhos
E eu sei que você não é a pessoa que deixaria um anjo quebrado
morrer

Bem abaixo, muito abaixo neste inferno


Embora eu tenha ficado com raiva e talvez muito frágil
Eu ainda estou lúcida o suficiente para reconhecer meu destino
quando ele entra

STEVIE J. COLE
Mesmo que esteja cercado por uma mortalha preta de pecado.

Algumas criaturas pertencem enterradas dentro da escuridão e


dentro do frio,
Apenas esperando em segredo por outra alma quebrada
Sim, sou prisioneira por esta noite, desse medo e aqui nesse
quarto
Mas acima de tudo, querido diabo, eu sou uma prisioneira
voluntária para você.

Ele me fisgou cedo, mesmo quando pensei que me


mataria, no fundo sabia que seria salva por ele. Eles podem
dizer o que querem, mas o que eu sinto por Max, é
verdadeiro. Não é resultado da manipulação — e, na verdade,
mesmo que seja, me diga como isso é diferente do amor. O
amor é manipulação do coração e da alma. E as coisas que
alguém faz por amor — como isso não é um sinal de
loucura? Não há lógica nessa emoção. Nenhuma. Essa emoção
é, em si, um manipulador.

“Ava?” O som do meu nome me arranca dos meus


pensamentos.

Viro-me para encontrar Megan, a única amiga que


consegui manter depois de tudo, caminhando em minha
direção com dois copos do Starbucks na mão. Ela joga a
mochila no chão antes de me entregar um dos copos
descartáveis e tirar o cabelo loiro platinado do rosto. “Gelado
de baunilha com leite.” Ela sorri.

“Obrigada”, digo, fechando o livro.

“Você é tão estranha com essa coisa.” Seus olhos se


desviam para a caderneta e meu coração pula no meu
peito. Eu rapidamente abro a minha mochila e a enfio lá
dentro.

“Sim, apenas escrevendo coisas.”

STEVIE J. COLE
“Uh-huh.” Seu olhar se estreita. “Ava, eu me preocupo
com você”, diz ela.

Suspirando, pego as alças da minha mochila, me levanto


do gramado e sigo para o Edifício de Humanas. “Estou bem,
Meg. Mesmo. Muito bem. E não quero discutir isso. Estou
farta de discutir.”

Ela se esforça para ficar de pé antes de eu começar a


andar. “Ava, espere!”

Paro na beira da calçada, as pessoas quase esbarrando


em mim. “Eu tenho aula”, digo com mau humor em meu tom.

“Em quarenta e cinco minutos.”

Continuo andando, empurrando as pessoas que


passam.

“Ava?”

Estou com fome. Não deveria estar, mas estou. Isso


acontece, algo que não deveria me incomodar me irrita ao
ponto em que minha pressão arterial aumenta. Ela está
preocupada — e embora não deva, isso me irrita. Por
quê? Porque com o que ela tem que se preocupar? Eu sou
aquela que viveu algum tipo de filme fodido. Sou aquela que
todo mundo pensa que é insana por amar o homem que a
manteve presa. E ela está preocupada. A preocupação é um
estado de ansiedade... por que diabos as outras pessoas têm
ansiedade pelas coisas pelas quais passei?

“Ava...”

Paro, me virando, minha mandíbula apertada. “O que?”


Rosno com os dentes cerrados.

“Eu apenas pensei...” Ela congela, as sobrancelhas


franzindo de confusão.

“Bem, pare de pensar! Eu estou bem. Não há nada para


se preocupar.” E assim, a raiva diminui. Meu pulso lentamente

STEVIE J. COLE
retorna ao normal e o calor do constrangimento passa sobre
mim. Exagerei. “Sinto muito, Meg. Me desculpe”, digo,
balançando a cabeça. “Eu só... não gosto de falar sobre isso ou
pensar sobre isso. Não gosto… Eu só não quero… Eu só quero
esquecer.” Mas não posso. Eu nunca vou esquecê-lo.

“Está tudo bem.” Ela coloca a mão no meu ombro e sorri.


“Totalmente bem.”

E voltamos para a grama para nos sentarmos. Ela


divaga sobre o tutor da sua aula de anatomia, e eu só ouço
metade porque, como sempre, minha mente volta para aquele
quarto. Sessenta e quatro dias — isso não é nem metade de
um único por cento da minha vida, mas me moldou mais do
que qualquer outra coisa que já existiu. Contei os dias em que
estive lá e agora, bem, agora ainda conto os dias. Conto os dias
desde a última vez que vi Max. Hoje é o dia noventa e seis.

De alguma forma consigo afasta-lo dos meus


pensamentos e minha atenção volta para Meg. “…Você deveria
ver o jeito que ele olha para mim, Ava. Eu garanto que poderia
ficar com ele. Talvez seja disso que você precisa.”

“Hã?”

“Transar.” Ela ri.

“Oh, sim, não. Estou bem.”

Ela encolhe os ombros e bebe seu café. “Como quiser.”

Noventa e seis. “Você acha que eu sou louca?” Eu


pergunto a Meg. Sua testa enruga, acho que pela aleatoriedade
dessa questão.

“Uh, quero dizer, não... não como certificável ou


qualquer coisa de qualquer maneira.”

“Por amá-lo.”

STEVIE J. COLE
“Oh.” Ambas as sobrancelhas finas se arqueiam. “Não,
eu entendo.” Mas ela olha para longe de mim porque ela não
entende, ela simplesmente não quer admitir isso para mim.

E estou cansada de pessoas pensarem que sou louca por


amá-lo. Preto no branco. Preciso disso em preto e branco, a
coisa toda. As emoções, a verdade. Então, puxo meu telefone
do bolso da frente da mochila, passo todos esses e-mails e
respondo ao e-mail de Tabitha Strong de meses atrás:

Eu adoraria que você contasse minha história.

STEVIE J. COLE
38

MAX

A luz é refletida pela capa do livro. É simples, na


verdade. Preta, um buraco de fechadura de luz fora do centro,
Love Within the Dark: A História de Ava Donovan, em letras
brancas cursivas. Pego o livro, passo meus dedos sobre o nome
dela antes de ir para parte dos fundos.

Ava Donovan foi sequestrada depois que dois homens


atiraram em seu namorado a sangue frio.

Sessenta e quatro dias em cativeiro. Sessenta e quatro


dias para se perder — ou se encontrar.

Constantemente se perguntar quando e como você vai


morrer, transforma você. Muda a sua mente. Mas o que você faz
quando acontece algo ao seu coração? O que você faz quando o
homem que mantém você em cativeiro parece ser tão quebrado
quanto você, quando sua mera presença se torna um conforto
que você almeja — quando você o ama, mesmo que não
devesse? Você sorri e diz a si mesma que está tudo bem, porque
o amor não tem moral.

Esta é a sua história, contada por Tabitha Strong,


aclamada autora do Crime Verdadeiro de Esposa de Outro
Homem e Morrendo para Vencer. Aviso: Pode haver gatilhos
para alguns que sofrem de eventos traumáticos.

Engulo. Calor toma conta do meu peito, meu pescoço e


minhas bochechas. Me pego olhando nervosamente em volta,
com medo de parecer suspeito — com medo de que alguém
saiba que eu fui esse homem. Eu sou o homem que a manteve
presa. Eu a fiz me amar e ela ainda acredita nisso meio ano
depois.

STEVIE J. COLE
Volto-me para a primeira página. Aos dezenove anos,
você está preocupada em estudar para suas provas finais e em
qual festa comparecerá na sexta à noite. Mas eu, deveria ter me
preocupado em ser arrancada da minha vida perfeita e
trancada em um porão...

Ela não tinha uma vida perfeita.

…Mas essa teria sido a menor das minhas preocupações,


porque o que tenho suportado desde que fui libertada, bem, isso
é mais cruel do que você pode imaginar. Amar um fantasma que
todo mundo lhe diz que não é nada além do demônio, é uma
forma lenta de tortura.

Há um estalo alto quando fecho abruptamente o livro,


tão alto que a mulher ao meu lado lança um olhar irritado para
mim. Estou tentado a mandá-la ir à merda, mas me contenho,
enfiando o livro debaixo do braço enquanto me dirijo ao caixa.

Minhas mãos estão molhadas de suor enquanto espero


que a caixa me cobre. Ela examina o código de barras, depois
pega o chiclete. Seu olhar se estreita e ela olha para
mim. Sorrisos. Digitaliza o livro novamente e ele emite um
bipe. Quando pago e pego a sacola dela, o suor escorre pelas
minhas têmporas. Parte dessa reação é culpa, paranoia, mas
parte é algo totalmente diferente. É o pensamento dela. O
pensamento dela pensando em mim, me amando, um pequeno
pedaço de esperança de que nossa conexão — que era verdade.

Já passou da meia-noite e aqui estou, lendo uma


história que conheço muito bem. A culpa me consome com
cada palavra do caralho. Por mais errado que pareça, embora
eu devesse ter ficado assustada — apavorada mesmo — havia
algo nele que me tranquilizava. Algo que dizia à minha alma que
eu seria salva porque, embora ele fosse um homem mau, algo
me dizia que ele nunca seria ruim comigo. E não é isso que
importa? O amor é pessoal e, se ele me fizesse sua rainha,

STEVIE J. COLE
independentemente de ser do céu ou do inferno, isso é tudo o
que importava.

Quão terrível é amar alguém que pensa que te ama.

No momento em que pus os olhos nele pela primeira vez,


já havia algo ali. Minha terapeuta me disse que é um
verniz. Isso porque eu estava em uma situação ditada pelo
medo, o pico constante de adrenalina, aquela corrida
persistente — que foi isso que me deu uma falsa sensação de
amor. Evidentemente, a pressa que você recebe do medo pode
imitar as respostas fisiológicas do amor. Então fui condicionada
a amá-lo. Eu tenho dito isso de novo e de novo. Que ele era um
mestre manipulador, primeiro me isolando, depois me forçando
lentamente a confiar nele, fingindo que se importava em me dar
coisas, passando tempo comigo.

“Um manipulador faz com que você não possa separar a


verdade das mentiras. E, Ava, é o que esse homem fez com
você. Ele fez você acreditar que você o amava, quando a verdade
é que você o odeia.”

Mas eu não o odeio.

“Você nem o conhece. Você sabe apenas o que ele queria


que você soubesse.”

Às vezes, tudo que você precisa saber é encontrado em


um único olhar, um único toque. Ocasionalmente, há pessoas às
quais nossas almas estão vinculadas antes de as conhecermos,
e é por isso que sei que realmente o amo. Eu não decidi amá-
lo. Minha mente distorcida não escolheu amá-lo. Meu coração —
não tem nada a ver com isso.

Nós não estamos destinados a entender um por que ou


como para tudo. Não, às vezes devemos apenas entender o que
é. Às vezes, não importa o quão maligno e distorcido possa
parecer, nós apenas temos que acreditar no destino. A vida não
é um conto de fadas, e eu não gostaria que fosse porque
precisamos conhecer o ódio e a dor para realmente saber o que

STEVIE J. COLE
é o amor. Eles me disseram que ele era um monstro — mas isso
é só porque a maioria das pessoas não sabe amar coisas que
não entendem. E ninguém nunca vai entender isso.

Eu posso estar viva. Eu posso ser livre, mas ainda sou


refém só capaz de respirar dentro do coração de um
fantasma. Um homem cujo sobrenome eu nem conheço... e o
amor é o captor mais cruel. Eu sei porque sobrevivi a uma forma
de cativeiro, mas me diga, quem pode viver quando seu coração
ainda é prisioneiro?

Mais uma página. E me atrevo a transformá-lo porque


isso é lindo e não quero que seja contaminado. Lentamente,
com relutância, viro para a última página.

Para meu sequestrador:

Estou morta. O amor me matou, mas a coisa engraçada


sobre esse tipo de morte é a única morte que você está viva para
sentir. O amor é o que nos torna humanos, então sem você eu
não sou nada além de um vaso vazio. Eu te amo. E se você me
ama, vai me encontrar.

Se é o certo?

Talvez não, mas o fato é que o amor não tem moral, mas
eu acredito que você tenha.

Por favor, me salve.

Fecho meus olhos e respiro fundo. Nunca fui forçado a


ver a destruição que resta quando uma pessoa morta está
andando em um corpo vivo. Só senti isso porque por muitos
anos, essa foi a minha existência.

E de repente, meu estômago se contorce e torce com


uma percepção, uma que atinge um medo tão profundo que
meu sangue corre frio e arrepios percorrem minha pele. O
pensamento de que Lila tirou a própria vida, não porque ela

STEVIE J. COLE
estava infeliz com o homem que a comprou, mas que ela estava
infeliz porque ainda estava apaixonada pelo homem que a
manipulou. Que ela se sentia assim por ele e é por isso que se
matou. Porque ela já estava morta.

Largo o livro no chão com um baque e um ritmo. Eu


passo, arrastando minhas mãos pelo meu rosto. Eu fumo um
cigarro. É isso. Eu estou de pé. Eu fumo. Eu ando. Eu fumo.

Minha mente é incapaz de parar. Meus músculos ficam


tensos enquanto minha respiração fica irregular. A raiva
sangra dos meus dedos pelos meus braços, no meu peito,
apertando minha garganta. Sem pensar, pego a lâmpada na
mesa final e a lanço pela sala, observando enquanto se quebra
em pedaços. Mas isso não é suficiente para acalmar essa raiva
em chamas no meu peito — na porra do meu coração. Pego o
vaso do console da lareira e o colo contra a parede. Meu olhar
vagueia pela sala, procurando por alguma coisa para liberar
essa raiva reprimida, e eventualmente pousa no atiçador
pendurado na lareira. Eu o agarro, seguro com força enquanto
ando ao redor do cômodo quebrando e partindo tudo o que
posso até o suor rolar da minha testa, até que todo o meu corpo
esteja encharcado e meus músculos estejam doendo.

E quando tudo está dito e feito, quando tenho certeza de


que estou à beira de um ataque cardíaco, paro, no meio do
covil, abraçando a ruína que me cerca. Isso é o que eu
sinto. Isso é o que eu fiz para ela, e isso quebra meu maldito
coração. Isso faz sentido? Não, mas nem uma coisa da minha
vida fez sentido, então por que começar agora? Soltando o
atiçador, caio no chão, o vidro quebrado esmagando minhas
costas. O ventilador de teto gira acima de mim, e eu vejo a
poeira que se instala ao meu redor.

Na minha neblina, penso em Ava, daquela primeira vez


em que a vi. A maneira como o medo em seus olhos parecia
desaparecer quando seu olhar pousou em mim. Todas as
outras mulheres já estavam destruídas quando foram jogadas
naquele porão. Tudo o que fiz foi quebrá-las para que

STEVIE J. COLE
pudessem ser reconstruídas a partir dos escombros que eram
suas vidas. Ava não estava completamente arruinada, ela
estava rachada. Ela ainda sabia o que era ter esperança. Eu
arrasto minhas mãos pelo meu rosto enquanto permito que
minha mente disseque as coisas. Enquanto procuro por um
sinal de que talvez tenha falhado. Talvez eu não a tenha
manipulado, talvez o destino tenha nos unido.

Amor…

Talvez a porra do amor tenha nos manipulado, e se esse


é o caso então — pulo, quase tropeçando nos meus próprios
pés. A coisa é que nunca amei as outras mulheres. Nem
mesmo tive um pouco de sentimentos por elas — pena,
sim; sentimentos, não. Fiz as coisas que fiz por Ava porque
queria, porque precisava. Não havia uma gota de falsidade nas
coisas que fiz para ela descritas naquele livro, e essas coisas
são o que ela diz que a fizeram se apaixonar por mim. Então,
o que há de tão errado em ela me amar? É errado apenas
porque ela estava em alguma forma terrena do inferno? Pois
certamente até o amor existe nas profundezas do inferno.

Que porra eu fiz?

STEVIE J. COLE
39

MAX

Todo dia. Sozinho. Nesta casa. Nestes malditos bosques.


Solidão — é realmente uma coisa terrível. Não posso ir a lugar
algum porque saberão que fui eu que fiz isso com ela. E, além
disso, preciso ficar aqui e pensar no que fiz. Leio as palavras
dela repetidas vezes na tentativa de me convencer de que estou
errado. Talvez eu esteja enlouquecendo porque sinto a
necessidade de fazer isso, de me isolar, de experimentar o que
Ava sentiu naquela primeira semana. Solidão completa.

Em seu livro, ela disse que você começa a falar sozinha


e sabe de uma coisa? Você começa a falar consigo mesmo —
com coisas que não estão vivas. Engraçado como a mente
humana funciona assim. E o devaneio, para ser honesto,
sonho com ela tantas vezes, nem tenho mais certeza do que é
a realidade. Joguei fora como as coisas poderiam ter terminado
de forma diferente. Finjo que nunca a deixei ir e às vezes eu
deito aqui e falo com ela, deixando minha mente invocar o doce
som de sua voz para uma resposta. Eu não posso tirá-la da
minha cabeça, é como uma obsessão. E acho que talvez, se
fingir que posso tê-la de volta, talvez isso me ajude a tirá-la da
minha cabeça.

Você pode tê-la de volta. Apenas vá atrás dela.

Pulando do sofá, balanço minha cabeça. “Não, isso é


ridículo.”

Por que é ridículo? Ela pediu para você ir salvá-la. Está


em preto e branco...

“Ela não está estável o suficiente para saber o que quer.”

STEVIE J. COLE
Você não está estável, Maxwell. Quem é você para colocar
palavras em sua boca? Você nunca saberá até que tentar. Você
quer que ela se sinta inútil?

“Claro que não.” Estou andando em frente à lareira,


arrastando minhas mãos pelo meu cabelo.

Você a salvou antes mesmo de conhecê-la. Destino. Você


fodeu o destino, Max. Ela era seu destino. Você era dela e a
abandonou.

“Eu não fiz isso!” Grito, minha voz ecoando em torno da


sala vazia. “Fiz a coisa certa.”

Para certas pessoas, as coisas erradas parecem certas e


certas parecem erradas. Ela não pode viver na luz. Isso vai
matá-la. Tire-a da luz antes que ela morra completamente.

Meus olhos pousam na porta do porão e eu paro de


andar, meu pulso martelando nas minhas têmporas. Coisas
negras vivem no escuro...

Coço minha barba espessa, depois limpo o suor da testa


antes de descer da escada. O candelabro que eu pendurei
balança, as lâmpadas pegando os cristais de lágrima
pendurados. Passei a maior parte do mês rasgando o porão
dessa velha casa. O quarto que já foi o escritório do meu pai
era perfeito. Sem janelas. No canto de trás da casa,
completamente no subsolo. Era apenas feio. Painéis de
madeira do chão ao teto e cheirava a charutos. É bastante fácil
derrubar paredes e colocar placas de gesso. Eu pintei as
paredes de um belo lavanda. A cama é uma antiguidade que
comprei em uma venda de garagem. Uma cama de dossel em
ferro forjado preto. Encontrei um tecido bonito que eu coloquei
ao redor da moldura. A cama está arrumada com um edredom
branco porque fica frio aqui embaixo e eu não gostaria que ela
ficasse desconfortável. O closet — eu o transformei em um bom
lugar para ela, e enchi de delicados vestidos e sapatos. Eu

STEVIE J. COLE
mesmo construí a estante de livros. Vou preenchê-la esta tarde
depois de descansar um pouco. Eu quero que tudo seja
perfeito.

Deve estar tudo perfeito.

Tenho pensado muito no mês passado. Li o livro dela até


o ponto em que algumas das páginas se soltaram da
encadernação. E você deveria ver as anotações que fiz. Eu não
vou perder a chance. Eu farei certo porque não vou manipulá-
la. Não vou precisar porque ela vai me amar por vontade
própria. Ela vai.

STEVIE J. COLE
40

AVA

Dia 263 - casa

Jogo o batom na minha penteadeira e olho no


espelho. Claro, eu estou bem. Não estou.

Meu telefone vibra com uma mensagem de


texto. Ignoro. É mais provável que Meg diga que está a
caminho. Não quero ir a lugar algum, mas disse a ela que iria
e agora estou lamentando essa decisão com todo o
coração. Deito-me no sofá para esperá-la, tentando descobrir
como posso sair dessa besteira.

As pessoas não entendem; elas não são capazes de


entender. Estou cansada de ouvir todos me dizendo para
deixar ir, que sou uma pessoa forte, que vai melhorar com o
tempo. Honestamente, acho que piorou com o tempo. Todos
fingem que a solidão é curada ao nos cercarmos dos
outros. Isso é uma bela mentira porque a verdade é feia.

Estamos sempre sozinhos.

Ninguém pode entrar em sua mente, ninguém mais tem


que usar sua alma, suportar suas cicatrizes. E quando você
está triste, todo mundo franze o cenho porque é educado,
mesmo que suas almas consigam sorrir se elas se
permitirem. Para todos os demais, devemos fingir ser algo que
se assemelha ao ideal do que a vida deveria ser, e quando não
o fazemos, somos rotulados como deprimidos.

Alguns dias estou bem, então alguns dias todo o meu ser
transmite medo e ansiedade. Algumas noites acordo suando,
meu coração martelando dentro do peito e eu procuro
freneticamente pelo corpo de Max ao lado do meu. Então o
medo me engole porque ele não está lá. Quando estranhos
ficam muito perto de mim, sinto que vou surtar. Um cara olha

STEVIE J. COLE
para mim do jeito errado — ou, dependendo do dia, apenas
olha para mim — e meu instinto inicial é sair correndo na
direção oposta.

A vida molda e forja uma pessoa, e uma vez que alguma


coisa foi arrancada de sua alma, você não pode remonta-la. E
talvez seja por isso que eu o amo tanto, ele estava lá quando
eu quebrei, ele me entende porque tem monstros que meus
demônios podem brincar, e a coisa é, a pessoa que eu sou por
dentro — ela não pode brincar com anjos porque céu e inferno
não se misturam.

Uma batida forte na porta me assusta, meu corpo inteiro


tremendo em um espasmo de ansiedade. Meu coração dispara
e adrenalina do choque repentino me deixa tonta. Outro
estrondo alto. A contragosto escorrego do sofá e olho através
do olho mágico na porta. Meg está do lado de fora com um
sorriso estampado no rosto maquiado. Ela está vestindo sua
saia preta curta, que significa festa de fraternidade. Reviro
meus olhos antes de abrir a porta.

“Oh, você está linda”, ela diz quando me dá um rápido


olhar. “Esta pronta? Eu disse a Tara que passaria pegá-la.”

“Sim.” Pego minha bolsa da mesa ao lado da porta e nos


dirigimos para o caminho da entrada.

“Ava, você está bem?” Ela pergunta enquanto chegamos


ao estacionamento.

“Sim.” Ela me dá um olhar de conhecimento, assim que


um SUV preto para do outro lado do seu Mustang. Eu congelo
momentaneamente, mas ela continua andando.

“O quê?” Ela olha por cima do ombro quando chega à


parte de trás do carro. “Por que você parou no meio da rua?”

“Eu... uh...” Começo a andar de novo, decidindo não


explicar que não queria chegar tão perto de um carro, porque
estou com medo de ser puxada para dentro. “Eu apenas pensei

STEVIE J. COLE
ter esquecido minhas chaves.” Eu as seguro. “Estão aqui.”
Sorrio e alcanço a porta do passageiro assim que ela sobe no
banco do motorista.

Assim que afivelo meu cinto de segurança, o telefone


dela toca.

“Olá? Ah Merda. Sim... oh, sim, parece bom, espere um


segundo.” Meg olha para mim enquanto coloca o carro em
marcha a ré. “A polícia do campus acabou com a
festa. Confiscou o barril. Devon disse que podemos ir assistir
a um filme. Parece bom para você?”

“Claro.” Prefiro ir ao cinema, sentar no escuro e não ter


que falar com ninguém, então estou absolutamente bem com
isso.

Meu coração está descontrolado. Estou tremendo.


Suando. Continuo olhando para as pessoas no cinema.
Esperando.

O que?

Algo.

Por alguém.

Conversei com todos para sentar na fila de trás, porque


pelo menos desta forma ninguém fica atrás de nós. O filme está
rodando, mas não posso te dizer do que se trata, porque tudo
que posso fazer é tentar respirar, tentar dizer a mim mesmo
que está tudo bem. Estou bem. Estou segura...

A pessoa na minha frente se levanta abruptamente, a


almofada do banco caindo para trás e eu pulo. Meg fixa os
olhos em mim.

Engolindo, mantenho meus olhos focados na tela do


cinema. Quero que esse maldito filme termine. Quero sair
dessa porra do teatro. A tela escurece e tudo o que você pode

STEVIE J. COLE
ouvir são as respirações pesadas da atriz no filme, seus passos
enquanto ela atravessa a casa escura como breu, depois uma
porta se abre e a tela fica brilhante. Há um grito e é tudo que
posso aguentar. Levanto da cadeira, descendo os degraus do
cinema com o coração na garganta. Segundos depois, a porta
do auditório se abre e Meg sai correndo procurando por mim.

“Que diabos, Ava?” Ela pergunta, seu rosto desenhado


com preocupação.

Meu olhar recai imediatamente para o chão porque


tenho vergonha. Não tenho controle sobre nada disso. O mal-
estar. O medo. O fato de que adoraria ser outra pessoa além
de mim. “Eu só, hum, eu apenas — foi demais, eu acho. O
filme, sabe? É escuro e tem todas aquelas pessoas e o cara na
nossa frente meio que pulou e isso me assustou, e eu não sei,
eu apenas. Eu apenas, não posso...” Não consigo recuperar o
fôlego. Meu peito está tão apertado que parece que meus
pulmões vão desmoronar a qualquer momento.

Meg envolve seus pequenos braços em volta de mim.


“Ah, Ava. Eu sinto Muito. Sinto muito”, ela sussurra contra o
meu cabelo. “Eu gostaria de poder entender. Eu gostaria de
poder consertar isso para você.”

Mas você não pode consertar algo assim. Não há nada


para consertar. Não sou uma boneca quebrada. Os pedaços de
mim que estão faltando e deformados, aqueles não podem ser
costurados de volta com cuidado. Ninguém entende isso. E
saber disso me faz sentir mais sozinha do que eu já me senti
naquele porão.

Então parece que, tendo sobrevivido ao que eu fiz, a


liberdade é realmente o meu inferno.

STEVIE J. COLE
41

MAX

Toco “Unsteady” enquanto espumo meu rosto e pego uma


lâmina reta, deslizando lentamente sobre a minha
garganta. Depois de cada golpe da navalha, coloco a bagunça
na pia. Um mês de barba desaparece e eu pareço um novo
homem. Eu me sinto como um novo homem.

Vejo-me cantarolando enquanto puxo uma blusa em


decote V preta sobre a minha cabeça. Um último olhar no
espelho, e corro meus dedos pelo meu cabelo antes de pegar
as chaves da cômoda e ir para a porta da frente. Piso na
varanda, respirando fundo enquanto desço os velhos
degraus. O aroma distinto de lenha queimando em uma casa
vizinha vem com a brisa. Esse cheiro faz alguma coisa para
acalmar meus nervos quando contorno a esquina da
casa. Folhas rangem sob minhas botas. Os galhos se
partem. Abro a porta enferrujada do barracão, pego a corda e
as luvas, depois a fecho rapidamente.

Esses itens vão no banco do passageiro, bem ao lado do


livro dela. Sua bíblia, se você quiser. Ligo a ignição, o motor
rugindo para a vida. Tanque cheio. Sorrio porque da próxima
vez que eu voltar aqui, ela estará comigo. E eu nunca, nunca
vou soltá-la. Algumas coisas só podem ser amadas na
escuridão. Ava e eu, não conhecemos outra maneira, eu só
precisei enxergar isso.

Dirijo por cinco horas antes de entrar na pequena cidade


de Tuscaloosa, Alabama. O lugar está cheio de carros e
trailers. Porra de futebol. Jovens da faculdade estão
acampados debaixo de tendas, fazendo círculos em torno de
barris, todas com o rosto vermelho bêbado e gritando. O
tráfego na minha frente avança ao longo do McFarland
Boulevard e meus dedos ficam brancos por apertar o volante.

STEVIE J. COLE
“Porra de idiotas”, murmuro quando uma picape bate na
traseira de um sedã.

Há uma rua lateral à direita, onde viro. Apenas alguns


carros estão nessa rota e dentro de quinze minutos estou do
lado de fora do campus, em uma pequena vizinhança que
lembra um pouco a Comedia Leave It to Beaver. E vendo como
esta é uma cidade universitária onde o futebol é mais
importante que Deus, a área está completamente
deserta. Passo pelos números 547, 545, 543 na Elder Street e,
felizmente, encontro uma vaga de estacionamento bem debaixo
de um velho carvalho em frente ao 541. Você pensaria que não
seria tão fácil rastrear uma garota que já tenha sido
sequestrada uma vez, mas Diretórios universitários — bem,
eles obviamente não levam isso em conta. A luz da varanda
está acesa e uma janela na parte de trás da casa está
aberta. Um carro na garagem. Eu pego as luvas e meu casaco
do banco do passageiro. Depois que coloco minha jaqueta,
enrolo a corda e enfio dentro do bolso da frente.

Não há tráfego. Nenhum carro. Nenhuma


alma. Nenhum pássaro filho da puta à vista enquanto eu corro
para a calçada e desço ao longo da lateral da casa, grato pela
escuridão suficiente entre as duas pequenas casas, de forma
que me misturo com as sombras. Quando chego aos fundos da
casa, fico feliz de encontrar a porta dos fundos aberta, apenas
a porta de tela me separa do lado de dentro. Minha respiração
fica irregular, audível quando deslizo meus dedos nas luvas de
couro e tiro a faca do bolso de trás. É tão fácil abrir um buraco
na malha de arame, chegar lá dentro e virar a fechadura. E
fácil o suficiente para empurrar a tela de volta para que não
seja perceptível, a menos que você esteja procurando, que
alguém tenha arrombado ali. Mesmo que eu tenha cuidado,
abrindo a porta o mais lentamente possível, as dobradiças de
alumínio gemem. Eu me encolho, minha testa franzindo, mas
não há som, nenhum movimento vindo de dentro.

STEVIE J. COLE
Cuidadosamente fecho a porta atrás de mim e
silenciosamente sigo ao longo da parede até o corredor da
pequena cozinha. Meu pulso martela nas têmporas, minha
pele aquece da expectativa se formando como um fogo lento no
meu peito. Esta é uma chance que estou tendo. Não vou
mentir porque não sei quem está aqui. Estou alerta quando me
aproximo da sala de estar, e ainda mais quando abro o
segundo corredor que leva ao único cômodo da casa com uma
luz acesa. O quarto onde, esperançosamente, minha criatura
sombria vive — por enquanto.

O som suave da música flutua pelo corredor —


“Unsteady” — é claro. A música termina assim que eu coloco
minha mão na porta, mas volta porque ela a repete. E eu juro
para você, meu coração nunca bateu assim antes. Parando ao
lado da porta, tento me recompor, mas quando entro encontro
o quarto vazio. O edredom em sua cama está enrolado em uma
confusão. Roupas estão espalhadas pelo cômodo. A porta do
armário está bem aberta, a roupa suja saindo de uma cesta e
saindo pela porta. E pelo mais breve dos momentos, entro em
pânico. Meu plano está falhando... meu olhar pousa em uma
foto emoldurada na cama dela. É uma foto dela e dos pais, e o
fato de eu posso olhar para ela faz tudo desaparecer no fundo.

Desvio da bagunça no chão e pego o porta retratos,


olhando para ela, chateado que de alguma forma me esqueci
exatamente o quão linda ela é, mas novamente, nunca a vi
assim — com maquiagem e cabelo enrolado — tentando
esconder quem ela realmente é. Quando passo a ponta do dedo
sobre a foto dela, os faróis refletem pela sala. O zumbido de um
carro que entra na garagem é quase inaudível através da janela
do seu quarto.

Ela está aqui.

O pensamento faz meu pulso acelerar quando um


sorriso profundo se instala no meu rosto. Sem pausa, entro em
seu armário, pressionando minhas costas contra a parede e
dando uma última e profunda respiração. Meus olhos se

STEVIE J. COLE
fecham com o cheiro dela, um aroma que uma vez me
envolveu, deixando meus demônios lá no fundo. E se isso não
for suficiente para me dizer que este é o destino — que é assim
que deve ser — bem, não sei o que será.

Ouço a porta da frente sendo aberta. Vozes. Passos


pisando no corredor. E com cada som, cada movimento a
aproximando de mim, meu coração quase explode do meu
peito.

“Ava”, a voz de uma menina flutua pelo corredor. Ela


parece agitada. “Estou tentando entender, mas nem sinto que
você está tentando. Eu entendo, foi uma merda. Isso te fodeu,
mas...”

“Não! Você não entende”, Ava grita. “Não tente,


Meg. Apenas pare de tentar me forçar a fazer merda. Não está
ajudando.”

“Ava.” A outra garota suspira. “Desculpe, eu só quero


que você seja feliz novamente. Eu só quero que você aprenda
como lidar com tudo isso.”

“Sim, eu vou lidar com isso.” Uma risada cínica enche o


ambiente quando ouço a porta se abrir. “Por que você
simplesmente não volta para a festa?”

“Bem, tenho certeza que não vou ficar aqui para ficar de
mau humor com você. Estou cheia de tentar ajeitar essa
merda, Ava.”

“Eu nunca pedi para você fazer qualquer coisa.”

A parede treme quando a porta se fecha. Ouço Ava


atravessar o quarto, gemendo. A música é interrompida. Ela
está andando e resmungando baixinho. Segundos depois, a
porta dos fundos bate fechada e, momentos depois, ouço o som
fraco de um carro saindo da garagem. É isso. Só tenho que
levá-la — apenas pegá-la. Puxo a corda do meu bolso e me
preparo para entrar em seu quarto, mas ouço as dobradiças

STEVIE J. COLE
da porta rangendo e, de repente, ela se foi. Olho
cautelosamente e ouço um chuveiro no corredor.

Esgueirando-me para fora do armário, passo na ponta


dos pés pelo quarto, e cuidadosamente, espio pela porta. Meu
olhar se desvia para a porta parcialmente aberta no final do
corredor. Eu me esgueiro pelo corredor e tento o melhor que
posso para evitar que as tábuas do piso ranjam — não que ela
ouça sobre o chuveiro. Se for honesto, odeio como isso está
acontecendo. Nunca quis tirá-la do banheiro, nua. Eu não
queria que qualquer coisa aqui parecesse perversa ou
clichê. Porque esta é nossa história de amor. Escura, arenosa
e crua, tão profundo que nos levou à beira da loucura.

Mordo meu lábio enquanto me arrasto ao longo da


parede, minhas mãos correndo sobre o corrimão liso. Quando
meus dedos se enrolam no batente da porta, hesito. Talvez
essa não seja a maneira de fazer isso, mas assim como Ava
disse, as coisas roubadas valem muito mais para você, e coisas
roubadas, por sua vez, sabem que têm um grande valor, pois
os homens só roubam as coisas com as quais não conseguem
viver sem.

E eu não posso viver sem ela.

STEVIE J. COLE
42

AVA

Dia 265 - casa

A água quente corre sobre o meu corpo, mas não faz


nada para aliviar a tensão em todos os meus músculos. Sinto-
me como uma cadela por gritar com Meg, mas tenho pouco
controle sobre minhas emoções. A raiva me atravessa sem
aviso, e eu quebro. A tristeza me afoga e eu choro. Essas
emoções são como feras que não tenho esperanças de domar.

Inclino a cabeça para trás, apoiando-a no azulejo


frio. Perdida em minha própria pele, odeio isso. Odeio tudo e
às vezes gostaria de poder voltar para a noite em que fui
sequestrada e fazer com que a bala atravessasse meu crânio
em vez do de Bronson. Ou talvez, de volta à noite, que tentei
me afogar, porque desta vez teria esperado até que minha mãe
fosse dormir.

A culpa me domina com o pensamento. Mas para mim,


a morte parece uma saída tão fácil, porque uma vez que você
devora, não há mais nada. Escuridão. Vazio. Nada. Um
homem morto não luta mais com demônios.

Lágrimas caem pelo meu rosto, perdendo-se no rastro de


água do chuveiro. E assim, o cansaço cai sobre mim. Eu mal
posso manter meus olhos abertos e tudo que quero fazer é
dormir por dias. Quero dormir para colocar tudo isso para
fora. E não posso deixar de pensar que o sono é uma forma de
morte para os vivos.

Rapidamente me lavo, giro as torneiras e saio do


chuveiro, pegando a toalha do rack e me secando. Quando
limpo a névoa do espelho, percebo que a porta está bem
aberta. Eu a deixei aberta? Meu pulso imediatamente acelera,
mas de alguma forma consigo me acalmar. Talvez em parte

STEVIE J. COLE
porque, do jeito como estou esta noite, não me importaria se
alguém invadisse para me matar.

Devagar, alcanço o topo do espelho, quase como se


alguém estivesse controlando meus membros. “Você está me
assustando...” Escrevo essas palavras através do nevoeiro
antes de caminhar para o meu quarto.

Pode me chamar de sádica, mas agora, a maneira como


esta depressão está sacudindo minhas entranhas, só quero
mergulhar nela. Quero deixar isso me consumir, então folheio
a playlist no meu laptop e escolho “11:11” por In This Moment,
pressionando o play antes de pegar minhas roupas íntimas e
uma camiseta da minha cômoda. Depois que visto as roupas,
caio de volta na minha cama.

A chuva começa a cair sobre o telhado e sorrio porque,


ao que parece, o resto do mundo sente o mesmo que eu. Uma
rajada de vento sopra gotas de chuva contra a janela. Ramos
da árvore do lado de fora arranham o vidro. E me perco em
pensamentos dele. Daquele quarto...

Um assoalho range e sinto a energia de outra


pessoa. Minha pele se arrepia. Vejo a sombra na parede pouco
antes de uma mão cobrir minha boca, outra agarrando o topo
da minha cabeça.

“Shh”, ele sussurra, o calor de sua respiração se


espalhando pelo meu pescoço. Soluços invadem meu
corpo. Meus músculos ficam fracos. “Não grite, entendeu?”

Eu aceno, sufocando as lágrimas porque ele veio me


buscar.

Ele tira a mão da minha boca, e eu sinto a textura áspera


do arranhão da corda contra o meu braço enquanto ele agarra
minhas duas mãos e as cruza uma sobre a
outra. Rapidamente, ele envolve a corda nos meus pulsos e me
senta, virando-me para encará-lo. Mordo meu lábio, lágrimas

STEVIE J. COLE
escorrendo pelo meu rosto. Quero tanto tocá-lo, mas não posso
com minhas mãos amarradas assim.

“Eu te amo”, ele sussurra antes de ternamente


pressionar os lábios contra os meus. “E isso quase me deixou
louco, mas é assim que deveria ser. Eu e você, assim.”

Há uma pausa em que nos encaramos, e levo apenas um


momento para formar palavras. “Eu também te amo”,
sussurro.

Um sorriso simpático se forma em seu rosto. “Você vai...


pelas razões certas desta vez.” Ele se levanta e agarra meus
pulsos amarrados. “Vamos agora, querida.”

E permaneço, seguindo-o sem lutar,


sorrindo. Irradiando. Porque ele me ama ao ponto de
insanidade — com tanta ferocidade que está me
levando. Sequestrando. Roubando. As pessoas pesquisam
vidas inteiras que querem ser possuídas e aprisionadas por um
sentimento tão forte que nada pode quebrá-la. E é isso aqui.

Não faço barulho quando ele me conduz pela porta dos


fundos, ao lado da casa, e para um carro estacionado do outro
lado da rua. Ele abre a porta para mim e quando entro,
encontro meu livro no chão. Meu coração se agita no
peito. Meu estômago revira. Suor nas minhas mãos e minhas
bochechas coradas. Isto é amor. Esse sentimento é o que me
faz saber que não sou louca.

A luz interior se acende quando ele abre a porta do lado


do motorista. Aqueles olhos escuros se fixam nos meus. Ele
parece ainda mais bonito do que eu me lembro. E talvez seja
porque agora sei que ele é meu. Eu sou dele. E estou segura
com ele.

Ele sobe e gira a ignição, verificando o espelho retrovisor


antes de se afastar do meio-fio. Quando chegamos ao fim da
estrada, a mão dele está na minha, o polegar acariciando meus
dedos gentilmente. “A corda não está muito apertada?”

STEVIE J. COLE
Olho para ele. “Não.”

As luzes da rua refletem em seu rosto, as sombras


acentuando seu maxilar cortado. Por um momento, temo ter
finalmente cedido ao colapso nervoso que minha mente tem
lutado, e entro em pânico, fechando os olhos com força. Ele
ainda estará lá. Ele vai... Porque muitas vezes eu sonhei com
ele vindo me buscar, e acordei para a realidade de que sou livre
e isso quase me matou.

“Max”, sussurro. Não posso abrir meus olhos. Não posso


suportar. “Max?”

“Sim querida?”

“Qual é o seu sobrenome?”

“Carter.”

Mas isso não é suficiente para me convencer de que ele


é real. “Por que você demorou tanto?” Pergunto, depois abro os
olhos e ele ainda está aqui.

“Eu tive que preparar as coisas.” Ele aperta minha mão,


olha para mim e sorri. “Porque tenho que mantê-la segura
comigo.”

Recosto-me no banco, a felicidade caindo sobre mim


como uma névoa. “Você sabe que não tem que me manter
amarrada.”

“Eu sei.” Ele sorri.

“Eu nunca deixaria você.”

“Eu nunca deixaria você.”

E nós dirigimos pela noite. Cochilo, entrando e saindo


do sono, minha mão na dele o tempo todo. Acordo assim que a
escuridão do céu dá lugar a um profundo azul da meia-noite e
engole as estrelas dentro da luz. Max sai da estrada principal,
entrando numa entrada de terra e estacionando em frente a

STEVIE J. COLE
um chalé. Ele desliga o carro, sai e abre a porta. Então ele me
leva até degraus de madeira gastos e pela porta da frente.

O interior da casa parece não ter sido atualizado em


mais de trinta anos. Sobre a lareira há um retrato de família,
e presumo que o menino pequeno ao lado de uma criança com
tranças, e na frente de pais radiantes, seja Max. Através do
covil, por um corredor, e chegamos a uma porta.

Uma porta para um porão.

Max abre, descendo imediatamente as escadas. Quando


ele chega ao fundo, se vira e estende a mão para mim. Levanto
minhas mãos amarradas e seguro as dele.

“Quase lá”, diz ele. Passamos por uma sala de recreação


e outro corredor, e no final há uma porta — com uma
fechadura no lado de fora.

Espero enquanto ele destranca o cadeado, deixando-o


cair no chão. A porta se abre e ele me permite entrar primeiro.

As paredes estão com tinta fresca. Tudo aqui é delicado


e perfeito. Meus olhos pousam em uma estante na parede do
fundo cheia de livros. Meu peito incha e eu sorrio. “Está
perfeito. Eu amo isso.”

Acima da cama de ferro forjado há uma simples tela


preta com a cotação de Pablo Neruda: amo-te como certas
coisas sombrias devem ser amadas, em segredo, entre a
sombra e a alma, escritas em letras finas e brancas. Essa é a
nossa frase.

Max desamarra a corda, largando-a no chão antes que


me gire para encará-lo. Agarrando o topo dos meus braços, ele
inclina a cabeça para descansar a testa contra a minha. “Eu
pensei que dar a você sua liberdade mostraria que eu te amava,
mas eu simplesmente não entendi.”

STEVIE J. COLE
Engulo. Há tanto que quero dizer a ele, mas por onde
começar? ”Eu implorei para você não me deixar, eu implorei a
você...”

“Sei que você implorou, mas eu só queria o melhor para


você. Nunca... nunca imaginei, que te libertar fosse te matar.”
Ele faz uma pausa, passando os dedos pelo meu pescoço. “E
se o que você precisa é saber o seu valor, se você quer ser
roubada e cobiçada, eu farei isso, mas essa tranca, essas
cordas, nós dois sabemos que não há necessidade disso. São
apenas símbolos. Você entende, certo?”

“Símbolos de quê?” Minha testa franze e um leve sorriso


toca em seus lábios.

“Amor. Porque, por si só, é uma prisão.” Ele gentilmente


coloca meu cabelo atrás da orelha.

“E nunca mais quero fugir.”

“Exatamente. Tive que perceber que pessoas como eu e


você — outras pessoas estão muito protegidas para nos
entender, são muito simples”, diz ele. “E nós não precisamos
que ninguém entenda isso desde que nós dois possamos
compreender.” Ele me beija com tanta reverência que juro que
nossas almas sangram com esse beijo. Este é um beijo onde o
núcleo de quem você é se torna entrelaçado.

Max me encosta à parede. Suas mãos me cobrindo em


um frenesi, como se ele não pudesse me tocar o suficiente. Ele
beija meu pescoço, uma mão acariciando minha garganta.
“Você.” Ele respira contra a minha pele. “Nada mais poderia
me fazer sentir do jeito que você faz.”

As roupas são arrancadas e ele me joga na cama,


enrolando meu cabelo em volta do seu pulso e me levando no
caminho que só ele pode. Ele me fode com seus movimentos e
faz amor comigo com suas palavras. Ele me trata como se eu
fosse inquebrável, mas sussurra para mim como se eu fosse a
coisa mais frágil que já existiu. O suor se acumula nas minhas

STEVIE J. COLE
costas e ele agarra meus quadris, batendo na cama antes de
se acomodar entre as minhas coxas. Um ligeiro sorriso toca
seus lábios enquanto seus dedos enrolam em minha garganta.
“Tão, inocente, tão linda. Porra.” Ele morde o lábio inferior
antes de deslizar dentro de mim. Lanço minha cabeça para
trás em um gemido, suas mãos ainda ao redor da minha
garganta. Inclinando-se ao meu ouvido, ele beija ao longo do
meu queixo, passando os dentes sobre a minha pele. “Diga-me
como você se sente, Ava”, ele sussurra.

Eu olho para ele. Apaixonada. Loucamente apaixonada.


“Eu te amo.”

“Como deveria.” Ele bate de volta dentro de mim antes


de agarrar os lados do meu rosto e arrastando meus lábios nos
dele em um beijo implacável. “E eu te amo, caralho.”

E acredito que ele ame. Como nenhum outro homem


jamais poderia.

Ninguém entenderia. A maioria das pessoas nos chama


de loucos, mas o fato é que todos nós temos um pouco de
escuridão dentro de nós. E muitas vezes as pessoas veem essa
parte enegrecida de nossas almas como algo maligno, algo
distorcido e errado porque algo nos diz que todos devem viver
na luz. Mas para alguns, a luz da vida é muito brilhante. Deve
haver equilíbrio em tudo, o que significa que deve haver
escuridão, pois sem esse abismo, a luz não poderia existir. E
esse pequeno mundo nosso — esse amor perfeito — é o céu
noturno que permite que você veja as estrelas. Você vê, há
beleza dentro da escuridão, se você apenas ensinar a si mesmo
como encontrá-lo.

Sessenta e quatro dias em cativeiro. Duzentos e


sessenta e cinco dias sem ele. O resto da minha vida para ser
prisioneira do homem que sempre será o dono do meu coração
— livre ou não. Porque, para ser sincera, no sentido de amor,
todo mundo quer ser mantido em cativeiro.

E onde a escuridão termina, o amanhecer começa...

STEVIE J. COLE
Nota da autora:

Dentro de cada livro, acho que você encontrará partes


de seu autor. Vislumbres e vislumbres dentro de seu coração,
seus medos, seus sonhos. De todo o simbolismo e metáfora em
Darkest Before Dawn, o que eu realmente espero ter trazido à
luz é que, muitas vezes, o amor verdadeiro vem do amor às
partes sombrias de alguém, partes quebradas. Ser capaz de
entender o que faz alguém se sentir feio e ajudá-lo a se sentir
bonito, para mim, é um atributo que cria o tipo mais épico de
amor. E é por isso que a maioria das minhas histórias é
sombria, distorcida e crua — porque o amor nunca foi feito
para ser fácil, nunca foi realmente concebido para ser
compreendido. Foi meramente destinado a existir.

xx-Stevie

STEVIE J. COLE

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