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JURÍDICO
1. Introdução
Entre os vários ângulos pelos quais o tema poderia ser desenvolvido, considerando a sua
amplitude e o tempo que me foi atribuído, optei por focar a crítica, exclusivamente, na
eficácia dessa legislação em termos de garantia da qualidade de ensino.
Em outras palavras: a atual legislação que incide sobre os cursos de direito constitui
fator de garantia do ensino? Como e em que medida?
Além destas, poderá haver eventual legislação suplementar pelos Estados e pelo Distrito
Federal (art. 24, IX, da CF/1988 (LGL\1988\3)), para os respectivos sistemas de ensino,
com reflexos diretos ou indiretos no ensino do direito, em face de competências de
autorização e credenciamento de cursos e instituições.
Também não se pode deixar de considerar a interferência de várias outras leis ordinárias
na atividade educacional. Em matéria trabalhista, por exemplo, a Lei 9.601/98, relativa
aos contratos de trabalho por tempo determinado; a Lei 9.608/98, que trata do serviço
voluntário, que abrem novas perspectivas para atividade docente. Em matéria
previdenciária, a Lei 9.732/98, que impôs ônus significativos para as IES sem finalidade
lucrativa, especialmente as confessionais. Inúmeros exemplos poderiam ainda ser
citados, mas creio que estes já são suficientes para demonstrar que a normatização da
atividade educacional não se esgota na legislação de ensino e que todo esse universo
legal interfere direta ou indiretamente, na sua qualidade.
O direito, certamente, ao compor todo esse arcabouço, para ficar apenas com as
prescrições educacionais, pretende garantir valores mais amplos - expressos no art. 3.º,
da CF/1988 (LGL\1988\3), e que constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil - como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a
garantia do desenvolvimento nacional; a redução de desigualdades sociais; a promoção
do bem de todos etc.
vários dos processos educacionais, antes rigidamente normatizados, por meio de duas
vertentes principais:
Para tanto, a LDB faz uso de previsões genéricas que, para terem eficácia técnica,
exigem detalhamentos.
É nessa regulamentação da LDB, que vai do óbvio ao inconstitucional, que a meu ver se
encontram vários dos problemas relativos à ineficácia da legislação educacional para
garantia da qualidade. Ou seja, é no exercício do poder regulamentar, de natureza
administrativa, e não legislativa, que se criam as condições para o desvio de finalidade
em matéria de garantia de qualidade, pelas seguintes razões de ordem técnica:
a) quanto mais procura disciplinar e regular todos os espaços, menos o Estado parece
capaz de expandir o seu raio de ação e de mobilizar os instrumentos de que
formalmente dispõe, para exigir respeito às suas ordens; e
Do ponto de vista jurídico, essa situação permite que se façam as seguintes críticas ao
conjunto da legislação educacional, legal e infralegal, no que concerne à eficácia da
qualidade de ensino:
teve os seus efeitos suspensos para o curso de direito em razão da recente decisão em
mandado de segurança, a favor da OAB.
No âmbito do CNE a matéria vinha sendo discutida e foi objeto de duas manifestações
distintas: a) no Parecer 67, de 11.03.2003, propõe-se a revogação do ato homologatório
do indigitado Parecer CNE/CES 146/2002; b) no Parecer CNE/CES 108/2003, nota-se um
considerável recuo nas posições anteriores do Conselho, relativamente ao curso de
direito, não só no que tange à sua duração como também no que concerne às diretrizes
curriculares, "por sua consolidada e centenária experiência". Neste último, em longo e
elaborado arrazoado, o Conselho se rende, finalmente, à evidência de que o exercício
profissional é matéria estatal (como se desconhecesse o art. 5.º, XIII, da CF/1988
(LGL\1988\3), que garante a liberdade de trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer), enaltecendo a certificação profissional
promovida pela OAB, por meio de exame específico, na comparação com as demais
ordens profissionais.
É evidente que situações desse tipo, além de gerarem incerteza jurídica, em nada
contribuem para a garantia de padrão de qualidade do ensino jurídico.
Qual o valor que se está transmitindo aos alunos neste contexto? Afinal, a Constituição
Federal (LGL\1988\3) vale ou seria mera "folha de papel", como afirmava Ferdinand
Lassale ("O que é uma Constituição Política"), uma vez que não representaria os
verdadeiros fatores reais de poder, ou seja, aqueles que efetivamente podem alterar o
modo de ser da sociedade?
Ou seja, o direito não é tomado como expressão cultural que recebe e sanciona valores
de uma dada sociedade, os quais, incorporados ao direito positivo, atuam como valores
jurídicos submetidos à dinâmica própria das regras do direito (o que nada tem a ver com
o famoso "formalismo").
Ora, se o direito positivo exige a qualidade de ensino e se tal garantia constitui princípio
educacional, expresso na Constituição, logo todos aqueles que atuam e interferem no
processo educacional - o Estado, as instituições de ensino, os professores e alunos e
também a OAB - estão obrigados a atendê-lo, sob pena de responsabilidade.
E neste aspecto enfatizo o papel da OAB, que como instituição que deve buscar o
aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas e promover a seleção de
advogados no País, diante de sua missão legal de defesa da Constituição, da ordem
jurídica e dos direitos humanos, também é parte nesse processo, como recentemente
realçado no citado MS 8.592-DF, concedido em favor do Conselho Federal da OAB,
contra ato da Ministra Interina da Educação, que homologou o inconseqüente Parecer
146/2002 da CES/CNE.
A relação entre formação acadêmica e exercício profissional é hoje enfatizada pela atual
LDB (art. 48, da Lei 9.394/1996) em face da natureza meramente declaratória que
confere aos diplomas de ensino superior - apenas atestam a formação recebida por seu
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VISÃO CRÍTICA DA LEGISLAÇÃO SOBRE O ENSINO
JURÍDICO
titular - a exigir a atuação dos órgãos de classe e das diversas carreiras jurídicas
públicas na seleção profissional.
Ora, o ensino jurídico vem sendo oferecido, desde a edição da LDB, em 20.12.1996,
para um universo de cerca de 415.000 alunos (cf. Inep, Sinopse do Censo do Ensino
Superior/2001), sem que houvesse garantia de padrão de qualidade de ensino, fosse
pelas dúvidas acerca da aplicabilidade da Portaria 1.886/94 (recepcionada ou revogada
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pela LDB? ), fosse pela inexistência de diretrizes curriculares nacionais (dada a demora
do Conselho Nacional de Educação, que apenas as fixou em 2002 em atabalhoado
procedimento e em meio à contestação de vários setores).
Dos 415.000 alunos, cerca de 11% formam-se anualmente, muitos deles desprovidos
dos conhecimentos básicos requeridos para o início do exercício profissional, como o
comprovam os resultados dos exames da OAB e também os realizados para ingresso na
magistratura e nas demais carreiras jurídicas públicas.
Mas, se a legislação pode ser tida como "neutra" ou "positiva" para as escolas de
qualidade (até porque se houver desvios, e os há, os atuais métodos de avaliação
públicos e a divulgação de seus resultados induzem à correção de rumos), o mesmo não
se pode dizer em relação àquelas instituições que não se preocupam com ética e valores
educacionais, o que naturalmente se reflete na qualidade do ensino.
O fato é que embora a Lei 9.394/96 (LDB) tente estabelecer um novo padrão de
articulação entre a União e os Estados, e entre estes e a esfera privada, ampliando o
grau de atuação autônoma dos sistemas e das instituições de ensino, insistindo na idéia
de controle de resultados, o fato é que não foram alcançados os resultados desejados
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VISÃO CRÍTICA DA LEGISLAÇÃO SOBRE O ENSINO
JURÍDICO
3. A política pública
4. Conclusões
A visão crítica da legislação sobre o ensino jurídico, quanto à sua eficácia na garantia de
qualidade, consiste na visão crítica da eficácia da própria legislação de ensino superior,
considerada em seu conjunto.
O amplo espaço regulamentar conferido pela LDB ao Poder Executivo Federal ensejou
excesso de discricionariedade e mesmo desvios de poder, sendo certo que a elaboração
de regulamentos que exorbitam os limites da função normativa administrativa enseja
questionamentos acerca da legalidade e da legitimidade do controle que exerce, o que
não só o enfraquece como provoca um alto grau de incerteza relativamente ao
referencial legal-administrativo assim inserido no sistema jurídico.
Este procedimento desencadeia táticas defensivas, não cooperativas, por parte dos
grupos afetados e tende a relativizar o direito em sua generalidade abstrata.
Em última análise, pode-se concluir com José Eduardo Faria ( A crise do direito numa
sociedade em mudança. Brasília: Universidade de Brasília, 1988, p. 98) que "(...) tudo
termina dependendo dos critérios, dos hábitos e dos procedimentos de quem realmente
detém o controle do aparelho estatal no nível de sua competência funcional (...). De
modo que, com o tempo, o sistema jurídico se torna cada vez mais independente de
suas condições iniciais, uma vez que as regras de calibração - portarias, instruções
normativas, resoluções ou simples decretos, por exemplo - é que dão o sentido e o
alcance da própria ordem constitucional".
(1) Não há homologação da Indicação CES 1/99 pelo Ministro da Educação, que
propunha a revogação da Portaria 1.886/94.
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