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POSSE E PROPRIEDADE
V. 1
Editoria FACCAMP
1
Renata Helena Paganoto Moura
Professora de Direito Civil, Processo Civil e Prática Jurídica
Extrajudicial da Faccamp, Professora da Especialização em Processo
Civil da PUC-SP, Advogada
POSSE E PROPRIEDADE
V. 1
1ª edição
2007
Editoria Faccamp
2
Aos meus alunos,
com quem sempre aprendo mais do que ensino,
o carinho desta professora.
3
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10
1.0 Apresentação .................................................................................................................................... 10
I POSSE ........................................................................................................... 20
1.0 Considerações gerais ................................................................................................................................ 20
1.1 Conceito – teorias da posse ................................................................................................................. 20
4
3.2 Transmissão da posse ............................................................................................................................... 41
3.4 Legitimidade para aquisição da posse (quem pode adquirir a posse?) ....................................... 43
5.3 Perda da coisa, Destruição dela ou Por ser posta fora de comércio............................................. 70
5
6.1 Legítima defesa x Desforço imediato .............................................................................................. 74
6.3 Outras ações em que se discute a posse (Ações possessórias atípicas) ......................................... 84
6.3.1 Nunciação de obra nova .............................................................................................................. 85
6.3.2 Ação de dano infecto ................................................................................................................... 91
6.3.3 Ação de imissão de posse............................................................................................................. 92
6.3.4 Embargos de terceiro senhor e possuidor ................................................................................. 94
I PROPRIEDADE ............................................................................................. 99
1.0 Considerações gerais ........................................................................................................................ 99
6
3.2 Usucapião ........................................................................................................................................ 117
3.2.1 Usucapião e prescrição .............................................................................................................. 117
3.2.2 Requisitos ................................................................................................................................... 117
3.2.2.1 Requisitos Gerais ............................................................................................................. 118
‘Animus domini’ ........................................................................................................................ 119
Posse mansa e pacífica .............................................................................................................. 119
Posse contínua ............................................................................................................................ 120
Posse pública .............................................................................................................................. 120
Posse incontestada ..................................................................................................................... 121
Tempo ......................................................................................................................................... 121
Bem público ............................................................................................................................... 121
Bem de família ........................................................................................................................... 122
Bem gravado com cláusula de inalienabilidade ...................................................................... 122
Bem de sociedade de economia mista ...................................................................................... 123
3.2.3 Espécies ...................................................................................................................................... 123
3.2.3.1 Usucapião extraordinário ................................................................................................ 124
3.2.3.2 Forma especial do extraordinário (§único, 1.238)......................................................... 125
3.2.3.3 Usucapião ordinário ........................................................................................................ 125
3.2.3.4 Forma especial do ordinário ........................................................................................... 126
3.2.3.5 Usucapião especial rural.................................................................................................. 126
3.2.3.6 Usucapião especial urbano .............................................................................................. 127
3.2.3.7 §4° e §5°do art. 1.228 do CC ........................................................................................... 128
3.2.3.8 Usucapião especial coletivo do Estatuto da Cidade (art. 10, L. 10.257/01) ................. 130
3.2.3.9 Usucapião índigena .......................................................................................................... 132
3.2.4 Usucapião de direitos reais sobre coisas alheias ..................................................................... 133
3.2.5 Acessio Possessionis ................................................................................................................... 135
3.2.6 Causas obstativas, suspensivas e interruptivas da prescrição aquisitiva.............................. 138
3.2.7 Ação de Usucapião..................................................................................................................... 139
3.2.8 Direito intertemporal ................................................................................................................ 143
7
V PERDA DA PROPRIEDADE ....................................................................... 159
5.0 Perda da propriedade............................................................................................................................. 159
8
Usar, fruir e livremente dispor de suas unidades: .................................................................. 201
Usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização
dos demais possuidores: ..................................................................................................................... 202
Votar nas deliberações da assembléia e delas participar, estando quite............................... 202
7.3.3.2 Deveres dos condôminos .................................................................................................. 202
Contribuir para as despesas do condomínio, na proporção de suas frações ideais, salvo
disposição em contrário na convenção: ............................................................................................. 202
Proibição de o condômino realizar obras que possam comprometer a segurança da
edificação: ............................................................................................................................................ 204
Não modificar a forma nem a cor da fachada das partes e esquadrias externas:................ 204
Dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira
prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes:............ 204
Sanções pelo descumprimento dos deveres ............................................................................. 205
7.3.4 Da administração do condomínio............................................................................................. 206
VOTO ................................................................................................................................................... 207
OBJETO DA DELIBERAÇÃO ............................................................................................................ 207
7.3.5 Extinção do condomínio ............................................................................................................ 208
9
INTRODUÇÃO
SUMÁRIO: 1.0 Apresentação; 2.0 Objeto do direito das coisas; 3.0 Diferença entre o
direito real e o pessoal; 4.0 Características do direito real
1.0 Apresentação
O Código Civil, como se sabe, é dividido em duas partes, a geral e a especial. E essas, por
sua vez, são divididas em livros. A parte geral é dividida em 3 livros, que tratam das
pessoas, dos bens e dos fatos jurídicos. A parte especial é dividida em 5 livros, referentes
aos grandes institutos jurídicos, o direito das obrigações, o dir. da empresa (trazido pelo CC
2002) o dir. das coisas, o dir. de família e o direito das sucessões.
A parte geral, que vai do art. 1º ao 232, trata de todos os conceitos gerais que serão
estudados ao longo do Código, é como uma apresentação da obra em que se procuram
definir conceitos e classifica-los. É aqui que o Código dirá o que se deve entender por
determinado termo jurídico, quais são as suas classificações. Fiquemos com o exemplo das
benfeitorias: na parte geral encontra-se a sua classificação e as suas definições (art. 96), na
parte especial, ao se referir às benfeitorias, o código apenas as cita, mas não mais as
conceitua, levando em consideração que todos esses termos foram explicados na parte
geral.
É como essas obras que necessitam de uma outra para explicá-la, um manual de como ler e
entender a obra. A parte geral também tem essa função.
A parte especial, que é toda a restante do CC, vai do art. 233 ao 2.046, dividida naqueles
livros acima referidos (obrigações, empresa, coisas , família e sucessões).
O curso de Direito Civil, nas faculdades, também é dividido conforme essa disposição
legal. Assim, têm-se a primeira disciplina de Civil, que costuma-se enumerá-la como Civil
I, como o estudo da parte geral, Civil II, com o estudo das obrigações e assim
sucessivamente.
10
Na definição de Clóvis Bevilácqua, direito das coisas é o complexo das normas reguladoras
das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem.
Mas aqui também cabe outra explicação, pois afinal o que vem a ser COISA?
Vejam que o próprio conceito do jurista traz uma limitação ao termo coisa, pois afinal se
diz “coisas que são suscetíveis de apropriação pelo homem”.
Mas, se são somente as coisas suscetíveis de apropriação pelo homem, então existem coisas
que não são suscetíveis de apropriação pelo homem? Sim, como bem explica o prof.
Washington de Barros Monteiro, o sentido dessa expressão – ser suscetível de apropriação
pelo homem – quer significar a apreensão exclusiva pelo homem, pois aqueles bens
inesgotáveis, de uso comum da humanidade, ar, luz, não interessam ao direito das coisas.1
Nesse sentido, coisas se referem aos bens que têm valor econômico, aqueles, como se disse
acima, que podem ser apreendidos exclusivamente pelo homem. Mas todos os bens que têm
valor econômico são coisas? Até mesmo os bens imateriais (como os direitos autorais e os
direitos)?
Para o nosso atual legislador, não. A expressão coisas refere-se não só aos bens que têm
valor econômico como também aos bens corpóreos, entendendo-se aqui aqueles dotados de
existência física, que têm lugar no espaço.
O antigo legislador do Código trazia neste livro também os direitos autorais, causando uma
grande crítica da doutrina, que entendia que o termo não permitia essa extensão.
Mas, apesar da retirada dos direitos autorais deste livro, a denominação ainda sofre severa
crítica daqueles que vêem no termo um caráter restritivo porque o termo ‘coisas’
expressaria apenas uma das espécies de bens (gênero) da vida, enquanto o Livro II trata
também de relações fáticas, como a posse, sugerindo a denominação “Da posse e dos
direitos reais”.2
11
Pois, como muito bem observado pelo prof. Fábio Ulhoa Coelho, ora coisa é gênero, do
qual os bens são espécies (nesse caso são as coisas que têm valor econômico) ora bens é
gênero, do qual as coisas são espécies (nesse caso, as corpóreas).3
Sendo o objeto deste livro as coisas corpóreas, trata o direito das coisas de uma espécie de
direitos, os direitos reais.
Mas, como vimos, não somente dos direitos reais, mas também da posse.
A posse é tratada nos arts.1.196 a 1.224 e os direitos reais são enumerados no art. 1.225.
Destes, somente a propriedade representa um direito pleno; todos os demais são direitos
reais sobre coisas alheias.
Os três últimos direitos, penhor, hipoteca e anticrese, ainda são direitos reais de garantia.
Dentre os direitos reais enumerados pelo Código, dois são novos: a superfície e o direito
do promitente comprador do imóvel. Foi retirada do Código a enfiteuse, instituto da
legislação anterior e que agora consta somente das disposições finais.
Esses são os direitos reais enumerados no Código Civil e objeto deste livro. A enumeração
do legislador é taxativa: são direitos reais esses trazidos no art. 1.225, não sendo permitido
aos sujeitos de direito a criação de direitos reais, e aqui já se encontra uma das principais
diferenças entre os direitos reais e os direitos pessoais, que abordaremos a seguir.
12
3.0 Diferença entre o direito real e o direito pessoal
Direitos reais e direitos pessoais são uma das classificações que temos dos direitos
subjetivos.
Esse, por sua vez, é o poder que a ordem jurídica confere a alguém de agir e de exigir de
outrem determinado comportamento.4
Quando se classifica o direito subjetivo tendo como referência o bem protegido ou o fim a
que se destinam, este é dividido em direitos da personalidade, direitos de família e direitos
patrimoniais. Compreende os direitos patrimoniais, os direitos reais, os direitos de crédito e
os direitos intelectuais.5
É famosa e criticável uma explicação dos direitos reais que diz serem estes a relação entre
uma pessoa e a coisa, e os direitos obrigacionais (ou de crédito) a relação entre pessoas.
É criticável porque não podemos ter como sujeito de uma relação jurídica uma coisa.
Assim, dizem, o sujeito passivo desta relação é uma universalidade, são todos, pois todos
têm o dever jurídico de observar/respeitar esse direito.
E, ao falar nesse dever jurídico a que todos estão sujeitos, estamos diante de uma outra
classificação dos direitos subjetivos que, com base em sua eficácia, distinguem-os em
absolutos e relativos.
São absolutos porque devem ser respeitados por todos; são relativos porque devem ser
respeitados apenas por algumas pessoas.
Os direitos reais são absolutos porque impõem um dever jurídico a todos. Todos devem
respeitar o direito de propriedade, ninguém deve prejudicar o exercício do direito de
propriedade, logo esse dever de observar tal comportamento (“não prejudicar o exercício do
direito”) é dirigido a todos. Assim também é nos direitos de personalidade, em que todos
devem respeitar a intimidade, a liberdade, a vida, a honra alheia.
Mas, assim não são nos direitos obrigacionais, cujo dever jurídico é dirigido somente à
pessoa vinculada pela relação jurídica. Se devo, devo a alguém, e é a esse alguém que devo
4 Definição do prof. Francisco Amaral em sua obra, Direito Civil, p. 183.
5 Amaral, p. 194
13
observar o direito de pagar. Logo, o comportamento que o titular do direito subjetivo pode
exigir é dirigido somente ao seu devedor, ou seus devedores.6 Por isso ele é relativo.
Essa é também uma das características dos direitos reais que veremos a seguir.
Mas não é só, os direitos reais são exercidos sobre bens e a relação que se dá entre os
sujeitos de direito envolve bens. Ao contrário do direito obrigacional cujo objeto é a
prestação do outro. O que se quer é uma prestação do outro, de dar, fazer e não fazer. Não
que a prestação não possa envolver um bem, por exemplo: a entrega de um carro (obrigação
de dar). Mas aqui não se litiga sobre o bem em si, mas sim sobre o cumprimento da
prestação. É diferente se pensarmos num litígio envolvendo a discussão sobre a propriedade
do bem. No primeiro caso, eu quero o carro porque paguei, no segundo, eu quero porque
sou dona.
Apresenta o direito real algumas características próprias que servem para distingui-lo dos
direitos obrigacionais/pessoais, como também para compreendê-lo em seus principais
aspectos7:
Como vimos acima a oponibilidade erga omnes é uma característica dos direitos reais.
Assim, diz-se que o direito real é oponível erga omnes pois todos estão obrigados a
observá-lo. O seu sujeito passivo – antes de um conflito – é universal: todos devem
respeitar o direito de propriedade alheio.
Numa relação pessoal, só quem está obrigado a observá-lo é o outro sujeito da relação, pois
só dele o credor pode exigir um comportamento, só a ele o devedor está obrigado.
6 Francisco Amaral define dever jurídico como a necessidade de se observar certo comportamento, positivo
14
estão obrigadas a observar um comportamento em relação a ela, os outros nada têm a ver
com esta relação ou mesmo têm o dever de agirem de determinada forma em virtude dessa
obrigação.
Apontam os autores a aderência como uma segunda característica dos direitos reais. Uma
vez estabelecido o direito real em favor de alguém sobre certa coisa, tal direito se liga ao
objeto, adere a ele de maneira integral e completa, como afirma Sílvio Rodrigues.8
Como se trata, como vimos, de uma relação da pessoa sobre a coisa, representa dizer que ao
ser estabelecido cria-se esse liame jurídico do bem com a pessoa titular do direito. Assim,
adquirida a propriedade de um imóvel, constitui-se agora uma relação de direito do titular
da propriedade – proprietário - sobre o bem, podendo este opor esse direito a todos e
valendo-se de todas as prerrogativas que a propriedade lhe confere.
8 Direito Civil, p. 4.
15
Diz-se, conforme Sílvio Rodrigues, ser característica do direito real a exclusividade, no
sentido de que não se podem conceber dois direitos reais, de igual conteúdo, sobre a mesma
coisa.9
A princípio, para facilitar a compreensão, pensemos que não podem existir dois direitos
reais sobre o mesmo bem, por exemplo, não podem existir duas propriedades sobre o
mesmo bem, dois usufrutos sobre a mesma coisa.
Mas, percebamos que na excelente definição do prof. Sílvio Rodrigues, se diz direitos de
igual conteúdo, logo, podemos imaginar, sim, dois usufrutos sobre a mesma coisa, porém
não com o mesmo conteúdo: pode-se ser usufrutuário com uso limitado à plantação e pode-
se ser usufrutuário com uso limitado à moradia.
Assim, também como pode haver duas hipotecas incidindo sobre o mesmo bem. Porém a
primeira tem preferência sobre a segunda, e não sendo a dívida paga pelo devedor, os
credores exigirão os seus direitos, mas ao ser executada a hipoteca, da sua arrecadação
primeiro se pagará ao primeiro credor hipotecário, para só após pagar ao segundo. Logo,
apesar de haverem duas hipotecas sobre o bem elas não tem o mesmo conteúdo.
e) é provido de ação real, que prevalece contra qualquer detentor da coisa, razão pela
qual muitos o denominam de absoluto:
A ação conferida ao titular do direito real é ação real. E é real porque o seu direito incide
diretamente sobre o bem corpóreo e daí decorre que a ação pode ser endereçada a qualquer
pessoa que detenha o objeto do direito real.10
No Código Civil anterior ainda havia uma diferença com relação à prescrição destas ações:
as ações pessoais prescreviam em 10 anos e as ações reais em 15 e 20. O Código Civil atual
acabou com esta distinção e estabeleceu um prazo único de prescrição de 10 anos.
Fica como diferença a estabelecida acima, de que esta é endereçada a quem detenha o bem
objeto do direito real.
E aqui temos uma grande diferença do direito pessoal, pois a sua ação é endereçada ao
sujeito com quem se estabeleceu essa relação. Dirige-se a ação de cobrança contra o
devedor, com quem o credor estabeleceu uma relação de crédito. Por outro lado, em se
9 Op. Cit, p. 7.
10 Definição do prof. Sílvio Rodrigues, op.cit., p. 7.
16
tratando de direito real, a ação reivindicatória da propriedade é dirigida contra quem
detenha o bem, mesmo desconhecendo quem seja, mesmo não tendo nunca estabelecido
qualquer relação de direito com ele. A ação vai ao encontro do bem e da pessoa que sobre
ele está exercendo algum ato jurídico (posse, detenção...).
f) seu número é bastante limitado em contraposição aos direitos pessoais que são
infinitos:
Traz essa característica uma indagação: são direitos reais apenas os enumerados na lei?
Os direitos pessoais, por sua vez, não sofrem desta indagação, pois seu número é livre, a
autonomia privada dos sujeitos permite uma liberdade na sua criação.
E os direitos reais? Também podem ser criados pelas partes? Podem estas estabelecer
direito real sobre um direito?
Sobre esta questão há uma forte divergência em nossa doutrina: de um lado, os que
admitem essa criação, pela lei e pelas partes; de outro, os que não admitem essa criação
pelas partes, apenas pela lei.
Por outro lado, tem-se entendimento como o do prof. Washington de Barros Monteiro, que
aceita a criação de direitos reais pelas partes. 12
A ponderar com a nossa jurisprudência, teremos que concordar com o memorável civilista.
A promessa de compra e venda hoje incluída no rol dos direitos reais, pelo inciso VII do
art. 1.225, conquistou essa característica muito antes pela nossa jurisprudência. Os nossos
11 São estas observações do prof. Sílvio Rodrigues, que entende não ser possível, fora da lei, a criação de
direitos reais, p. 9.
12 “Outros direitos reais poderão ser ainda criados pelo legislador, ou pelas próprias partes”, Curso, p. 12.
17
tribunais tinham o entendimento quase pacífico de que, desde que registrado e com cláusula
de não-arrependimento, o compromissário adquiria um direito à aquisição do bem, podendo
valê-lo contra terceiros que eventualmente tenham adquirido do promitente o bem. O CC
atual elencando no seu rol a promessa de compra e venda fez somente incorporar algo que
na prática já existia, o direito real do promitente comprador de imóvel.
Comentaremos mais na oportunidade própria, mas, diga-se de antemão, que se não fosse –
antes do CC 2002 – um direito real a única conseqüência pela não entrega do bem pelo
promitente comprador seriam as perdas e danos ao contrário do que ocorria, a busca do bem
com quem quer que ele se encontrasse e a efetiva transferência da propriedade.
Um outro direito real existente na prática e ainda não constante do rol do 1.225 é a locação
de imóveis com eficácia real ao se registrar o referido contrato. Caso isso ocorra (o
registro), esta valerá mesmo com a venda do bem e o adquirente terá que respeitar a
locação estabelecida.
Sendo assim, temos que concordar com o prof. Washington de Barros Monteiro: apesar de
terem um número bastante limitado, frente aos direitos pessoais, também podem os direitos
reais ser estabelecidos pelas partes.
Mas, neste caso, remetemos ou pedimos ao leitor para aguardar o trato desta matéria no
capítulo em que cuidaremos da posse.
Além destas características, aponta Caio Mário mais quatro, que, pela sua importância no
entendimento da matéria, citaremos:13
1- O direito real se adquire por usucapião, ao passo que os direitos de crédito não suportam
este modo de aquisição: trata-se de uma conseqüência da última característica – só os
direitos reais são suscetíveis de posse – pois os requisitos do usucapião são posse + tempo;
13 Instituições, p. 10.
18
2- Os direitos de crédito se extinguem pela inércia do sujeito, ao passo que os reais
conservam-se, não obstante a falta de exercício, até que se constitua uma situação contrária,
em proveito de outro titular. Apesar desta afirmação ser uma verdade com relação à
propriedade, já não é, por exemplo, com a servidão, que se extingue pelo não uso, conforme
art. 1.389, III, CC;
4- O titular de um direito real que não possa mais suportar seus encargos tem a faculdade
de abandoná-lo, o que não cabe no tocante aos direitos de crédito: o abandono é uma das
causas de perda da propriedade (art. 1.275, III).
19
PRIMEIRA PARTE
I POSSE
SUMÁRIO: 1.0 Considerações gerais; 1.1 Conceito – teorias da posse; 1.2 Objeto da
posse.
Não se trata de tema fácil a posse, pois quase tudo que a envolve foi ou é objeto de imenso
debate: trata-se de um direito ou de um fato, é direito real ou pessoal, tem por objeto
somente bens corpóreos ou também incorpóreos, pode ter por objeto também direitos, e até
qual a sua origem, é tema de eterna divergência.
Mas, como aqueles temas historicamente debatidos que acabam sendo superados seja pela
sua descrição legislativa, seja por um consenso na busca de ponto comum que importa à
discussão, quanto à posse também podemos dizer que muito dessa discussão se superou.
Se é fato ou se é direito, o certo é que o Código a regula, e o faz abrindo o livro III, antes de
tratar da propriedade, o que, sem sombra de dúvidas, demonstra a sua importância na
disciplina do direito das coisas.
Mas, mesmo que em grande parte esta discussão esteja superada é necessário que
conheçamos seus principais elementos, principalmente as duas teorias em que divergiram
os juristas na elaboração da compreensão jurídica da posse.
O CC, em seu art. 1.196, define a posse como o exercício de fato de um ou mais poderes
característicos do direito de propriedade. E com essa definição aceita-se que o legislador –
mesmo o do código de 1916, pois o artigo aqui foi reproduzido – reconheceu a teoria de
Jhering.
20
Para Savigny, primeiro a escrever sobre a posse, esta é o poder que tem a pessoa de dispor
fisicamente de uma coisa, com intenção de tê-la para si e de defendê-la contra a intervenção
de outrem.14
São dois, na sua teoria, os elementos constitutivos da posse: corpus + animus domini.
O corpus é o elemento material, mas não é a coisa em si e sim o poder físico da pessoa
sobre a coisa.
O animus domini pode ser definido como a intenção de ter a coisa como sua e por isso
constitui o elemento subjetivo, eis porque a sua teoria é designada TEORIA SUBJETIVA
DA POSSE.
Logo, na teoria de Savigny, para ser possuidor é necessário a relação entre a pessoa e o bem
(corpus), é necessário que haja um comportamento de proprietário sobre o bem (affectio
tenendi) e é necessário que haja a intenção de ter o bem para si (animus dominus).
A essa teoria se contrapôs Jhering, para quem a posse é a exteriorização do domínio. Para
ser possuidor basta comportar-se com o bem como se comporta o proprietário. Não há na
sua teoria o elemento subjetivo da intenção de ser dono, por isso é esta designada como
TEORIA OBJETIVA DA POSSE.
Por isso, quando o CC define o possuidor como aquele que exerce de fato um ou mais
poderes inerentes ao proprietário, estamos diante da aplicação da teoria objetiva, pois não
se exige a intenção de ser dono, mas simplesmente o comportamento como se dono fosse,
ou seja, a visibilidade do domínio.
A teoria objetiva explica melhor outras relações jurídicas como a do locatário, comodatário,
usufrutuário, que são, nesta teoria possuidores; mas, pela subjetiva não seriam, pois lhes
faltam o elemento subjetivo, animus domini.
21
Divergem também estas teorias no entendimento do que seja detenção, e, mais uma vez,
deixa claro o nosso legislador a adoção da teoria objetiva, mas cuidaremos desse tema na
classificação da posse.
Por último, um elemento que marca a divergência entre esses dois juristas é a explicação do
corpus. Se para Savigny este representa o poder físico sobre o bem, para Jhering não há
necessidade deste poder físico, mas apenas a relação entre a pessoa e coisa, de forma a ver
nele a exteriorização do proprietário.
Não havendo necessidade de ter a coisa sobre seu poder, pode-se perfeitamente está
distante dela e mesmo assim ser possuidor, e isto se deve principalmente a um outro
elemento da teoria objetiva que é a utilização econômica do bem. É necessário que o
comportamento da pessoa com o bem esteja dentro de uma relação econômica exercida
pelo bem. Por exemplo: sou possuidor de um terreno, porque mesmo não sendo
proprietário, dele cuido e planto, mas não estou presente nele a todo momento; às vezes,
viajo e em outras estou no local que resido e mesmo nestas ausência se é possuidor, pois a
relação da pessoa com a coisa subsiste e a utilização dada por ela ao bem exterioriza a
propriedade.
Isso não ocorre quando, mesmo sendo proprietário, por exemplo, de uma casa, deixa-a sem
cuidados. Ao vislumbrá-la, dirão todos: “está abandonada”, porque nela não se têm atos que
permitam dizer que está exercendo a sua função econômica (a função de uma casa não é
estar abandonada, caindo aos pedaços).
Esse conceito de Jhering também nos faz entender o abandono, instituto que leva à perda da
propriedade e que estudaremos no capítulo sob esse título.
22
INDIRETA
SAVIGNY Corpus + Não são Não são Diz-se que a Não considera
animus domini possuidores (pois possuidores coisa está este
lhes faltam o pois lhes abandonada desdobramento
animus domini) faltam o quando da posse, logo
animus não há nesta
domini teoria a posse
direta e
indireta. O
possuidor
direto seria um
detentor.
IHERING Corpus São possuidores Não são Diz-se que a Para a teoria
(affectio possuidores, coisa está objetiva a
tenendi) pois a lei abandonada posse
exclui a quando está desdobra-se
posse, apesar fora de uma em direta e
de terem o relação indireta.
corpus econômica
Qual pode ser o objeto da posse? Todas as coisas corpóreas e incorpóreas? Todos os
direitos pessoais e reais?
Aqui também se encontra uma outra grande polêmica da posse, mas que, podemos afirmar,
está, assim como a outra, também superada.
Para o nosso legislador, só são objeto de posse as coisas corpóreas, ou seja, só se tem posse
sobre coisas corpóreas e, conseqüentemente, só há posse nos direitos reais.
A tese da posse dos direitos pessoais já foi bravamente defendida entre nós por Ruy
Barbosa. Mas, sabe-se que toda a sua construção jurídica deveu-se ao fato de não termos
23
naquele momento um instrumento jurídico eficaz para proteção dos direitos públicos
subjetivos. Hoje, com o mandado de segurança, esta discussão ficou superada.15
Hoje, com o CC, esse último argumento não prospera, pois retirou-se do elenco do direito
das coisas a disciplina sobre os direitos autorais, reduzindo esse debate, pois, pelo menos
para o direito das coisas, a propriedade abrange somente as coisas corpóreas.
Dizer que somente há posse sobre direitos reais é também dizer que somente estes podem
se valer de efeitos desses direitos, como o da utilização das ações possessórias, usucapião
etc
15Essa tese é mais do advogado do que do jurista, pois defendeu Ruy Barbosa, em 1896, ação de manutenção
de posse em favor dos lentes da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, que sofreram suspensão por 3 meses,
para mantê-los no emprego,defendendo que tinham eles a posse do cargo público. Daí até hoje a expressão
tomar posse no emprego público.
16 Washington de Barros Monteiro, Curso, p. 23.
24
II CLASSIFICAÇÃO DA POSSE
SUMÁRIO: 2.0 Apresentação; 2.1 Posse direta e indireta; 2.2 Posse justa e injusta; 2.3
Posse de boa-fé e de má-fé; 2.4 Posse e detenção; 2.5 Outras classificações da posse;
2.5.1 Posse ad interdicta e posse ad usucapionem; 2.5.2 Posse nova e posse velha; 2.5.3
Jus possidendi e jus possessionis.
2.0 Apresentação
Classificaremos nesse capítulo a posse em: posse direta e indireta; posse justa e
injusta; posse de boa e de má-fé; posse e detenção.
Estabelece o art. 1.197 que a posse direta, de pessoas que, temporariamente, têm a
coisa em seu poder, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem
aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.
Todas as vezes em que a posse couber a outra pessoa que não seja o proprietário, há
um desdobramento da posse que se apresenta sob duas faces, direta, para o que detém
materialmente a coisa, e indireta para o proprietário, para o que concedeu ao primeiro o
direito de possuir.17
A posse direta ainda guarda uma outra característica em nossa norma, é temporária
(Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em
virtude de direito pessoal, ou real...).
25
Isso quer dizer que a relação do possuidor direto com o bem é temporária. Não pode
ser estabelecida uma posse direta de duração eterna, ou seja, não pode haver uma relação
sem fim entre o possuidor direto e o indireto, o que nos indica que, para o legislador, ideal é
a posse plena na figura do proprietário, mostrando traços da teoria de Ihering, para quem
esta relação dissociada do possuidor e do proprietário não é a regra.18
Mas também não deixa de sofrer críticas esse desdobramento, pois a posse indireta
em certo sentido não deixa de ser uma ficção jurídica, se a posse é o poder de fato, não
existe então uma posse indireta.19
Para nós, essa classificação é extremamente útil pois permite uma série de relações
que só se tornam protegidas por essa divisão, como a do locador e do locatário, do
comodante e do comodatário, do arrendante e do arrendatário.
18“Em geral o possuidor de uma coisa é ao mesmo tempo o seu proprietário”, afirma Ihering em sua Teoria
simplificada da Posse, para mais à frente dizer “O conflito será sempre entre o não-proprietário que possui e o
proprietário que não possui”, p. 67-68.
19 O professor Washington de Barros Monteiro cita o prof. Gondim Neto, que afirma, criticando tal
classificação, que a posse indireta constitui mera ficção, cuja importância não vai além da possibilidade de
recorrer seu titular às ações possessórias para reprimir atos atentatórios da posse do verdadeiro possuidor.
26
O proprietário, em sua relação como o locatário é possuidor indireto. O locatário, por sua
vez, em relação com o locador é possuidor direto, mas na sua relação com o sub-locatário é
locador e possuidor indireto, o sub-locatário em sua relação com o locatário é possuidor
direto.
O possuidor direto pode defender a sua posse inclusive do possuidor indireto, como
afirmamos, mas de qual ação ele se utilizará? Deverá se utilizar de uma ação possessória.
E o possuidor indireto, tem ação contra o possuidor direto? Sim, também tem. Mas
aqui cabe fazer uma ponderação. Se o desdobramento da posse – direta e indireta – ocorreu
por meio de uma locação, esta regulada pela Lei 8.245/91 determina em seu art. 5º, que seja
qual for o término da locação, a ação do locador é a ação de despejo. Mas se tratando de
outra relação jurídica, que não a locação, a ação do possuidor indireto contra o possuidor
direto, por exemplo, comodante x comodatário, será também uma ação possessória.
Preceitua o art. 1.200 que é justa a posse que não for violenta, clandestina ou
precária.
Posse violenta é a que se adquire por ato de força, seja ela natural ou física, seja
moral ou resultante de ameaças que incutam na vítima sério receio (vi). O contrário da
posse violenta é a posse mansa, pacífica.
Posse precária é a do fâmulo na posse, isto é, daquele que recebe a coisa com a
obrigação de restituir, e arroga-se a qualidade de possuidor, abusando da confiança, ou
deixando de devolve-la ao proprietário, ou ao legítimo possuidor. (precario)20
27
Estabelece o art. 1.208 do CC, segunda parte, que não autorizam a aquisição da
posse os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessadas a violência ou a
clandestinidade. Como podemos interpretar este artigo? O possuidor injusto não adquire a
posse do bem injustamente possuído (...não autorizam a aquisição da posse...)? A
interpretação que deve ser feita deste artigo é que, enquanto subsistem os atos de violência
ou de clandestinidade, não há posse, porém, após cessarem esses atos, tendo este possuidor
tomado a posse, por esses atos, se torna possuidor; injusto, mas possuidor.
Veja que o artigo não trata da posse precária que, para alguns autores, por se tratar
de um vício absoluto (a violência e a clandestinidade seriam relativos), não convalesce. Ou
seja, a precariedade persiste impedindo a produção de efeitos nesta posse, como a
usucapião.
A questão que se coloca é se o possuidor injusto pode defender a sua posse daquele
de quem tirou? E a resposta é negativa, pois, contra este, não tem legitimidade para
defendê-la.
Isso quer dizer que a posse de má-fé está eivada de alguns dos vícios conduzidos na
aquisição da posse (vi, clam aut precario). Pois, como afirma Washington de Barros
Monteiro, só é possuidor de boa-fé aquele que possui ignorando prejudicar o direito de
outrem.21
28
Esta classificação é de extrema importância, pois repercute – em relação à
indenização por benfeitorias – aos frutos, ao exercício do direito de retenção e à aquisição
por usucapião.
Também é de boa-fé o possuidor que possui justo título, sendo este o título hábil a
transferir o domínio e que realmente o transferiria, se emanado do verdadeiro proprietário,22
assim estabelece o art. 1.202.
Num outro exemplo, imaginemos esse mesmo proprietário: agora ele adquire um
imóvel, por escritura e registro, toma posse do bem e depois vem a saber que se tratava de
um loteamento clandestino. Está de boa-fé, pois possui justo título, o que lhe vale a
presunção legal.
Nem todo possuidor de má-fé é injusto, pois conhecendo o vício, pode ocupar um
bem sem nenhuma prática injusta (violência, clandestina ou precária), assim como nem
todo possuidor de boa-fé é justo, pois pode haver uma situação em que acreditando-se
legítimo proprietário de um bem, retire de lá a força o verdadeiro proprietário, nesse caso o
ato de violência vicia a sua posse tornando-a injusta, mas não lhe retira a boa-fé, pois
acreditava estar no exercício legal de seu direito. E com isso respondemos as outras
proposições: pode haver posse de boa-fé injusta assim como posse de má-fé justa.
29
Diz-se que sim, desde que o possuidor altere o título de sua posse: é possuidor de
má-fé, pois ocupa uma propriedade sabendo não ser sua, mas depois adquire-a do legítimo
proprietário. Como a causa de sua posse foi alterada, não é mais a ocupação e sim a compra
e venda, também nesse caso se altera a posse.
Surge diante disto a pergunta: a citação ao possuidor dando-lhe ciência dos vícios de
sua posse poderia alterar a qualidade de sua posse? Imagine um possuidor que até este
momento acredita exercer legitimamente a posse de um bem, pois adquiriu este em compra
e venda devidamente registrada. Caso venha a receber uma citação para responder a um
processo ajuizado por quem se afirma o verdadeiro proprietário, perderia neste momento ( o
da citação, que implicaria o conhecimento do vício) a boa-fé e se transmudaria em
possuidor de má-fé.
Não é assim que pensamos, por entender que somente a sentença pode, neste caso,
alterar essa posse. Pois pode-se estar na posse de um bem que se adquiriu por registro e, ao
ser citado, não abalar esta convicção. Somente a sentença conferiria uma certeza maior do
que a do possuidor sobre a sua situação.
30
é posse, logo que é detenção. A primeira é considerada uma detenção dependente, pois o
detentor age no interesse do possuidor; a segunda por sua vez é considerada uma detenção
interessada, pois o detentor agirá em seu próprio interesse.23
Nosso código mais uma vez adotou a teoria objetiva, aqui na definição de detenção.
O que implica dizer que, nesses casos, não há posse e sim detenção? Implica dizer
que para as pessoas que se encontram nesta situação não há que se falar na utilização de
ações possessórias, da percepção de frutos, na possibilidade de retenção e, principalmente,
na aquisição por usucapião. Pois, todos esses, como veremos, são efeitos da posse, e que,
logicamente, são atribuídas ao possuidor.
23Conceitos trazidos pelo prof. Arruda Alvim em seu texto Algumas notas sobre a distinção entre posse e
detenção.
24 “O que se verifica é que a situação do detentor explicável, pelas duas teorias a que se alude, de uma forma
diferente”, Arruda Alvim, p. 84.
31
Outra situação de detenção trazida pelo legislador é a segunda parte do art. 1.208:
...assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão
depois de cessar a violência ou a clandestinidade.
Mas aqui nos encontramos diante de uma detenção ilícita. Aquele que agindo com
violência ou clandestinamente tenta adquirir posse, enquanto durarem os atos de violência
ou de clandestinidade haverá detenção, se conseguir, por esses atos, adquiri-la, haverá, já
dissemos, posse injusta.25
É uma redação bastante complicada, devemos concordar, mas não deve ser
interpretada de outra forma, como fazem alguns autores, ora entendendo que após cessada a
violência ou a clandestinidade, a situação se legitima em posse justa,26 ora como outros,
que não haverá posse mesmo após a cessação da violência e da clandestinidade.
Porém, questão interessante trazida pelo novo Código é a redação do art. 1.228 que
incluiu a expressão detenha onde antes só havia possua: O proprietário tem a faculdade de
usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha.
Logo com esta redação o detentor é legítimo passa a ser legítimo para responder à
ação reivindicatória?
25 “O interregno temporal de disputa da posse, enquanto essa disputa durar, implica que a detenção não seja
transformada em posse, e, se vier a preponderar o poder de fato do que foi detentor firmando-se sua posse,
essa será sempre viciada em relação àquele de quem esbulhou a posse” (grifos do autor), ob. cit. p. 80.
26É o que parece entender Washington de Barros Monteiro ao explicar o art. 1.203 “Se ela começou de modo
violento, clandestino ou precário, conserva os mesmos caracteres que se transmitem aos respectivos
adquirentes, salvo se se provar, quanto à clandestinidade ou à violência, que já cessaram.”
32
Ao que parece, sim. Mas isso não impede que faça, ao invés da nomeação à autoria,
a denunciação da lide (art. 70, II) ao proprietário pois, afinal, é este de direito que deve
responder pelo bem e indenizar eventuais danos sofridos pelo detentor.
Esta classificação serve para distinguir a posse que dá direito à utilização dos
interditos e a posse que dá direito a usucapião. A posse ad interdicta é a que pode valer-se
da proteção possessória através da utilização das ações possessórias. A posse ad
usucapionem é a posse prolongada que pode dar origem a usucapião.
Essa distinção guarda importância para a proteção possessória, pois, de acordo com
o art. 924 do CPC, regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as
normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho;
passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório.
33
não permitia antecipação, não havia a possibilidade daquela liminar, sendo somente ao final
da ação deferida a tutela possessória.
Hoje, uma questão que podemos trazer é se com a antecipação de tutela a posse
velha não se assemelharia à posse nova no que diz respeito ao seu procedimento, ou à
possibilidade de obtenção liminar do mandado de reintegração ou manutenção?
Perceba-se, então, que para este fica mais difícil a obtenção da antecipação de
tutela, do que para o outro, pois a posse nova não obriga, por exemplo, a prova do dano
irreparável ou de difícil reparação. Basta provar que se é possuidor, que houve o esbulho ou
a turbação e a perda da posse. Provando isto, já se tem direito à liminar, conforme o art. 928
CPC.
Concluímos então que, apesar desta distinção ter diminuído, ainda é vantajoso para
o possuidor proteger a sua posse dentro de ano e dia.
34
Classifica-se também a posse em jus possidendi e jus possessionis. O jus possidendi
é o direito à posse decorrente do direito de propriedade. O jus possessionis é o direito à
posse resultante da posse exclusivamente.
Guarda importância essa classificação na defesa da posse, pois o art. 1210, §2º,
prescreve que não obsta, à manutenção ou reintegração na posse, a alegação de
propriedade, ou de outro direito sobre a coisa. Complementado pelo art. 923 CPC (Na
pendência de processo possessório, é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar ação de
reconhecimento de domínio) proíbem a alegação de domínio durante a discussão da posse.
Ou seja, ao se pretender defender a posse por meio de uma ação possessória, não se
pode no curso desta alegar domínio; a defesa é pelo jus possessionis, o direito à posse pela
posse, o direito à proteção da posse porque se é possuidor.
Acrescentam ainda outros autores, como o prof. Fábio Ulhoa Coelho, outras
classificações da posse, como posse viciada e sem vício, posse com e sem justo título e
posse singular e composse28. Preferimos, no entanto, manter estas classificações, primeiro
27 Curso, p. 32.
28 Curso, p. 24-30
35
por serem já tradicionais no estudo da posse e também por entendermos que não se tratam
necessariamente de classificações autônomas. Aquelas já se encontram descritas em outras
classificações, como a posse viciada e sem vício (que é uma conseqüência da classificação
da posse justa e injusta; assim, a posse sem vício seria uma posse justa e a posse viciada
uma posse injusta) e a posse com e sem justo título (que é uma outra leitura da posse de boa
e de má-fé, já que o justo título, diz a lei, tem a presunção de boa-fé). Quanto à composse,
trataremos dela na aquisição da posse.
36
III AQUISIÇÃO DA POSSE
SUMÁRIO: 3.0 Aquisição da posse; 3.1 Transmissão ficta da posse; 3.1.1 Constituto
possessório; 3.1.2 Sucessão; 3.2 Transmissão da posse; 3.3 Extensão da posse; 3.4
Legitimidade para aquisição
Como todo direito (apesar daquela velha discussão29) a posse adquire-se e se perde.
E é também assim que trata o nosso legislador da aquisição e perda da posse.
E, quais são os poderes inerentes à propriedade? De acordo com o art. 1.228 do CC,
que trata em seus termos das faculdades e não dos poderes, estes são o uso o gozo e a
possibilidade de disposição (O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa,
e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou a detenha).
Poderíamos então ler o art. 1.204 da seguinte forma: adquire-se a posse desde o
momento em que se passe a usar, gozar e se possa dispor da coisa.
Isto significa que a posse sempre se adquire por um ato corpóreo, a apreensão física
do bem? Não necessariamente.
E se essa caça tiver caído em seus laços, em sua ausência? O caçador adquiriu a
posse, porque sua vontade de apropriar se realizou de fato de maneira clara e enérgica,
embora a ausência do contato material”.30
37
Diante disso, critica o prof. Washington de Barros Monteiro a escolha pelo
legislador do termo “exercício” para a aquisição da posse, dizendo o ilustre mestre que não
se trata do exercício, mas da obtenção do poder de fato ou poder de ingerência
socioeconômica.31
Para Ihering a resposta a essa pergunta – como se adquire a posse? – estaria sempre
ligada à visibilidade da posse, ou seja, é possuidor quem se comporta e age como se
proprietário fosse. Mas como se tornar visível para adquirir a posse. O legislador anterior
preocupou-se em estabelecer essas hipóteses.32 Já o legislador atual reduziu essa descrição
a uma única frase (“Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o
exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade”), porém,
tanto no CC anterior como neste não tratou o legislador da chamada aquisição ficta da
posse, como forma de aquisição da propriedade, mas pela sua importância merecem serem
aqui analisadas.
31“Portanto, para se adquirir posse, não se faz mister o exercício do poder; basta a possibilidade de exercício.
Não se pode prescindir é da existência do poder de ingerência”, op.cit., p. 34.
32 “Art. 493 CC/1916: Adquire-se a posse: I- pela apreensão, ou pelo exercício do direito; II- pelo fato de se
dispor da coisa, ou do direito; III- por qualquer dos modos de aquisição em geral.”
38
Constituto possessório ou cláusula constituti é o ato pelo qual aquele que possuía
em seu nome passa a possuir em nome de outrem.33
Tenha-se esse exemplo: o proprietário aliena sua casa, mas convenciona com o
comprador de nela permanecer (por exemplo até terminar a obra de sua nova casa).
Primeiramente, o comprador não se torna possuidor, pois não exerce o poder de fato sobre
o bem e nem atos possessórios, apenas se torna dono com o registro. Mas se estabelecer o
constituto possessório no contrato, tornar-se-á possuidor indireto e o antigo proprietário
será o possuidor direto.
É certo que o código a ela se refere na aquisição da propriedade móvel, mas não
teve essa intenção o legislador de excluí-la da propriedade imóvel.
3.1.2 Sucessão
Outra forma de aquisição ficta da posse em nosso sistema, que não decorre do art.
1.204, ocorre com a sucessão. A morte do possuidor transfere aos seus herdeiros e
legatários a posse dos bens, mesmo que não exista um poder de fato. Em direito das
sucessões dá-se o nome a esse fenômeno de princípio da saisine. É essa a descrição de
nosso artigo 1.784: Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros
legítimos e testamentários.
39
Por esse sistema entre nós adotado, os herdeiros – legítimos e testamentários, com a
morte do de cujus, automaticamente se tornam proprietários e possuidores dos seus bens. O
fato morte realiza essa transferência imediata, sem necessidade do animus e sem
necessidade do corpus.
Trata-se de regra utilíssima. Vamos pensar na seguinte situação: José, com a morte
de seu pai, herda os seus bens. Entre esses se encontra uma fazenda em outro Estado, que,
sabia que seu pai possuía, mas nunca lá esteve. Toma então conhecimento de que a fazenda
foi invadida recentemente. Poderá usar das ações possessórias para retirar os invasores?
Com o direito da sasine sim, mas, caso não houvesse entre nós esta regra, não
poderia. Pois nunca teve posse, e as ações possessórias são de legitimidade dos
possuidores.
Nelson Nery Junior nos dá conhecimento sobre dois sistemas jurídicos acerca da
posse dos herdeiros nos bens da herança: a) sistema romano, onde só se adquire o direito à
herança mediante a aceitação do herdeiro e só se adquire a posse dos bens mediante ato
físico de apreensão material; e o segundo: b) sistema germânico, segundo o qual os
herdeiros legítimos adquirem a posse e a propriedade da herança pelo só fato da morte.34
O sistema brasileiro, pelo que se vê, espelhou-se no sistema germânico, mas ainda
se diferenciou, pois, neste, somente os herdeiros legítimos adquirem a posse e a
propriedade e, no nosso, adquirem-na os herdeiros legítimos e testamentários.35
Quando o de cujus tenha deixado herdeiros, não podemos falar, em nosso direito, de
herança sem herdeiro, pois a sua morte transfere automaticamente a posse e a propriedade a
todos os herdeiros, mesmo que estes a desconheçam. Podem, então, tornarem-se
proprietários e possuidores de um bem de que nunca tomaram conhecimento.
40
E é essa a principal finalidade desse instituto: realizar a transmissão da posse e da
propriedade, para que não se tenha um intervalo de herança sem dono, de propriedade sem
proprietário.
Antes de mais nada, devemos diferenciar estas duas qualidades: sucessor universal e
sucessor singular.
Sucessor a título universal é aquele que substitui o titular primitivo na totalidade dos
bens ou numa quota ideal deles, como p. ex. o herdeiro. Sucessor a título singular é o que
substitui o antecessor em direitos ou coisas determinadas, como p. ex. o comprador e o
legatário.36
Já o sucessor a título singular pode optar entre a unir a sua posse a do seu antecessor
ou não. Se unir será como o sucessor a título universal, todos os vícios, se existentes, lhe
serão transmitidos. Porém tem a possibilidade legal de não unir a sua posse a do antecessor,
e assim começar uma posse nova, sem vício (caso a anterior fosse viciada).
41
Guarda muita importância essa diferença com relação aos efeitos da posse (frutos,
benfeitorias, retenção) e, principalmente, com relação à soma para a aquisição por
usucapião.
O possuidor de boa-fé, como veremos, tem muitas vantagens com relação à posse,
obviamente, do que o possuidor de má-fé. Assim, se de boa-fé terá um maior direito sobre
os frutos e as benfeitorias e terá direito ao exercício da retenção.
Mas, sem dúvida, é no campo da usucapião que esta regra mais faz sentido.
Porque, vejamos, qual seria o principal interesse do sucessor da posse em unir a sua
com a do seu antecessor? O prazo. Logo, a principal vantagem é a soma do prazo. Meu
antecessor é possuidor há dez anos; se uno a minha posse a dele, também passo a ser
possuidor há dez anos; se não uno, começo a contagem do zero.
Vamos agora imaginar uma situação em que esta somatória fará diferença para o
caso de usucapião: imagine um possuidor de má-fé (adquiriu a posse de forma violenta),
mas como não houve reação por parte do proprietário, lá permaneceu. Passado nove anos
falece, o seus herdeiros (mulher e filhos) o sucedem a título universal. Logo, também
passam a ser possuidores há dez anos, porém de má-fé. E, quanto a isso, não têm opção já
que o sucessor a título universal continua de direito à posse do antecessor. Quanto tempo
restaria para usucapir? Se residirem no imóvel, faltará apenas 1 ano.
42
O art. 1.209 refere-se a um outro elemento da aquisição da posse, a sua extensão.
Estabelece o artigo que “a posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das
coisas móveis que nele estiverem”.
A regra visa estabelecer uma presunção juris tantum, de que a posse de um imóvel
leva a presumir a posse dos bens que ali se encontram.
Esse artigo é mais uma prova de que para o legislador essa discussão sobre ser a
posse fato ou direito é superada.
Somente sendo direito é que ela permite a sua aquisição por meio de terceiros.
Ninguém adquire um fato para outro, mas pode-se adquirir um direito para outro, desde que
seja seu representante legal ou convencional (pelo mandato).
Também refere-se a lei ao gestor de negócios, aquele que age sem mandato em
nome de outrem e depois tem deste a ratificação do ato. Até este, pelo inciso II, pode
adquirir a posse para outrem.
43
IV EFEITOS DA POSSE
SUMÁRIO: 4.0 Efeitos da posse; 4.1 Faculdade de invocar os interditos; 4.1.1 Ação de
manutenção de posse; 4.1.2 Ação de reintegração de posse; 4.1.3 Interdito proibitório;
4.2 Percepção dos frutos; 4.3 Indenização das benfeitorias e direito de retenção; 4.3.1
Direito à indenização pelas benfeitorias; 4.3.1.1 Obras e despesas: significado; 4.3.1.2
Benfeitorias, Acessões e Pertenças: diferença; 4.3.1.3 Valor das benfeitorias e
compensação com os danos; 4.3.2 Direito de retenção; 4.3.2.1 Exercício processual do
direito de retenção; 4.3.2.2 Aplica-se às acessões e pertenças o direito à indenização e a
retenção? 4.4 Responsabilidade pela deterioração e perda da coisa; 4.5 Usucapião; 4.6
Ônus da prova e posição mais favorável do possuidor; 4.7 Alegação de domínio ou
outro direito (juízo possessório x juízo petitório)
Para Clóvis Beviláqua, autor do nosso Código Civil anterior, são sete os efeitos da
posse:
37A título de curiosidade Caio Mário cita um escritor que chega a atribuir 72 efeitos da posse e também
aquele que nega qualquer efeito, Instituições, p. 53.
38 Enumeração trazida pelo prof. Washington de Barros Monteiro, op. cit. p. 40.
44
4.1 A faculdade de invocar os interditos
O nosso código protege o possuidor, sem entrar no mérito desta motivação e diz no
art. 1.210 que “O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação,
restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser
molestado”.
Turbação, esbulho e ameaça são as causas de pedir das ações possessórias. Para
cada uma causa de pedir uma ação:
A turbação é todo ato que embaraça o livre exercício da posse, haja, ou não, dano,
tenha, ou não, o turbador melhor direito sobre a coisa. Para Washington de Barros
39 “Somente de uma maneira pode-se explicar satisfatoriamente o aspecto da proteção possessória do direito
romano, e é dizendo que ela foi instituída com o fim de aliviar e facilitar a proteção da propriedade”, Ihering,
p. 86.
45
Monteiro, a turbação consiste na agressão material dirigida contra a posse e pode ser de fato
e de direito.40 A turbação de fato consiste na agressão material dirigida contra a posse,
como o rompimento de cercas; a turbação de direito consiste na atitude do réu, contestando
judicialmente a posse do autor.
Das causas de pedir das ações possessórias é a que permite maior amplitude de
interpretação, pois o próprio significado do termo turbar, como incomodar, perturbar,
atrapalhar leva-nos a enquadrá-lo em um sem-número de situações que vivenciamos a todo
momento, principalmente em grandes centros urbanos.
Não é esta pergunta de uma resposta só, mas que comporta indagação diante da
situação concreta. É claro que os limites da tolerabilidade aumentam em grandes centros
urbanos e diminuem em pequenas cidades. E é em virtude da proximidade desta matéria
com o direito de vizinhança que voltaremos a abordá-lo quando do estudo desta matéria.
40 Op. cit., p. 44
41 Idem ibidem, p. 44
46
Profª Maria Helena Diniz resume bem essa situação:
“a) se há um, dentre eles, que importe, realmente, em privação da posse, daí correrá
o prazo;
b) se há vários atos distintos, sem nexo de causalidade entre eles, cada um será
autônomo, para efeito de contagem;
47
Mas, de acordo com o enunciado 80 do CJF (Conselho da Justiça Federal) não pode
ajuizar contra o terceiro de boa-fé: “É inadmissível o direcionamento de demanda
possessória ou ressarcitória contra terceiro possuidor de boa-fé, por ser parte passiva
ilegítima, diante do disposto no art. 1.212 do novo Código Civil. Contra o terceiro de boa-
fé cabe tão-somente a propositura de demanda de natureza real.”44
Logo, por força desse enunciado, se o possuidor esbulhado não for também o
proprietário e dessa situação ocorrer a transferência da posse a um terceiro de boa-fé, nada
poderá fazer, pois, não sendo proprietário, não terá legitimidade, à defesa de sua posse.
Não acreditamos ser esta a melhor interpretação deste artigo para todas as situações.
Num primeiro momento é justo, afinal aquele que esbulhou está numa posse ilícita e por
isso injusta. Mas e se, apesar de injusta está numa posse prolongada, quase usucapião e vem
a sofrer esbulho, porém ao tentar recuperar encontra outro, que não o esbulhador, na posse
do bem. Sendo terceiro de boa-fé nada poderá fazer por aquela interpretação. Mas há que se
considerar outros elementos para interpretar este artigo.
Hoje, com a nova redação do art. 5º, XXXV da CF, que tutela a ameaça de lesão ao
direito (“a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário, lesão ou ameaça a direito”),
a tutela inibitória tornou-se uma possibilidade comum. Mas, antes, era conhecida somente
nestas 3 situações.
48
Entendemos que nesse caso não, afinal como estabelece o art. 153 do CC, “não constitui
coação a ameaça de exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial”.
O CC, no capítulo referente aos efeitos da posse, só faz referência a essas 3 ações
possessórias, chamadas então de ações possessórias típicas. As outras ações, que também
tem a posse por objeto, mas por não serem exclusivamente possessórias são tratadas pelo
CPC em outras oportunidades (ações possessórias atípicas). Aqui, trataremos na defesa da
posse.
Para a teoria objetiva, frutos são utilidades que a coisa periodicamente produz, sem
detrimento de sua substância.
Pendentes quando ainda unidos à árvore que os produziu, tanto pelos ramos como
pelas raízes.
Percipiendos são os que deveriam ter sido colhidos mas ainda nãoo foram.
49
Classificação dos
frutos
O possuidor de boa-fé:
O possuidor de má-fé:
responde pelos frutos que por culpa sua deixou de perceber (art. 1216)
50
Como última regra acerca dos frutos, estabelece o art. 1.215 que “os frutos naturais
e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-
se percebidos dia por dia”.
Tudo isso para indicar a importância de se distinguir essa diferença para efeitos de
percepção nos frutos. Pois, se o possuidor estando de boa-fé percebeu frutos, esses são
deles, mas, se já tendo conhecimento do vício de sua posse, os percebeu, não mais serão
dele, apenas poderá deduzir as despesas de produção e custeio (p.único, 1.214).
Determina o art. 1.219 que “o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das
benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem
pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito
de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.”
Para tratar desse assunto, o legislador mais uma vez faz distinção entre o possuidor
de boa-fé e de má-fé.
O possuidor de boa-fé:
O possuidor de má-fé:
51
somente tem direito à indenização das benfeitorias necessárias (art. 1.220)
§ 1º. voluptuárias são as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do
bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor;
§ 3º. necessárias são as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.
Não se tem como previamente enquadrar uma benfeitoria como útil ou necessária
ou voluptuária. Para sua análise devemos nos deter na situação concreta. Por exemplo: uma
pintura é voluptuária, útil ou necessária? A resposta é: depende do caso.
Uma pintura para conservação do bem é necessária, pintar a parede de amarelo para
tornar o ambiente mais agradável é voluptuária, pintar para separar um ambiente da casa
pode ser útil.
A benfeitoria necessária é a que mais se diferencia, o que torna mais fácil a sua
classificação, ao contrário da útil e da voluptuária que podem levar a uma aproximação
entre elas de difícil distinção.
52
Necessária não é, pois não serve para conservar o bem nem evitar que se deteriore
(porque nesse caso o bem é o imóvel), seria voluptuária? acreditamos também que não, pois
não é de mero deleite ou recreio, mas pode ser útil. Porém útil para quem? Se responderá
tranqüilamente, para o bem. A utilidade do bem serve a quem? Ao seu morador? E nesse
caso o morador-possuidor ou morador-proprietário? Pois imaginemos também que se trate
de uma relação locatícia e esse imóvel foi dado em locação por um casal de aposentados
para ajudar na sua renda, essa garagem é útil a eles? Possivelmente não. É útil nesse caso
ao morador atual, o locatário.
E talvez, até pela dificuldade dessa diferença que extrema as benfeitorias úteis das
voluptuárias, é que a lei de locação tem uma resposta diversa do CC. Para esse diploma,
somente as benfeitorias necessárias são indenizadas ao possuidor de boa-fé, as úteis para
serem indenizadas dependem da autorização do proprietário. É o que consta do art. 35 da
Lei 8.245/91.45
É por isso que a essa questão respondemos que deve-se ter primeiro em mente se a
benfeitoria é útil para o proprietário ou se somente foi ou será útil para o possuidor. Porque
mesmo sendo a benfeitoria uma obra para o bem, obviamente não vemos um bem isolado
daquele que o utiliza. Com exceção da benfeitoria necessária que visa conservar o bem ou
evitar que se deteriore, as outras têm uma relação direta com a função que esse bem exerce,
e essa função tem que ser pensada sob o ponto de vista do seu proprietário. Senão,
estaremos inflingindo a este penalidades muito severas ao ter que indenizar benfeitorias que
nunca, possivelmente, realizaria no bem.
45 “Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário,
ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e
permitem o exercício do direito de retenção”.
53
Mas quais podem ser exemplos de despesas? Podemos citar a vacinação de um
rebanho, pulverização da lavoura, aragem da terra e o pagamento de tributos.
Essa última é uma questão bastante polêmica. Mas o que pode representar o
pagamento de tributos pelo possuidor de boa-fé, como IPTU, taxas, como a de lixo? Devem
ser entendidas como benfeitorias, pois são despesas que se realizam em razão da coisa.46
Questão também que nos cabe analisar é a diferença entre benfeitoria, acessão e
pertença.
O código trata das benfeitorias na parte geral (quando as classifica) e aqui no direito
das coisas, quando trata da sua indenização. Já as acessões são tratadas como forma de
aquisição da propriedade imóvel (art. 1.248). O código se refere às acessões naturais (ilhas,
aluvião, avulsão e abandono de álveo) e as artificiais ou industriais (construções e
plantações).
46 É como nos ensina Álvaro Bourguignon, “Constituem despesas, portanto, não só os gastos feitos com a
coisa, relativos a obras, aparentes ou não – como é o caso, v.g., da vacinação procedida no rebanho - , mas
ainda aqueles efetivados em razão da coisa, tais como os que derivam de imposição direta do poder público,
ou outros coativamente exigíveis, cuja satisfação é indispensável à conservação da regularidade
administrativa e fiscal do bem. O possuidor de boa-fé que os tiver suportado terá direito de, por eles, ser
reembolsado, podendo, em garantia de seu crédito, exercer o direito de retenção”, Embargos de retenção por
benfeitorias..., p. 98.
54
Interessa-nos nesse capítulo as acessões artificiais, pois estas é que se assemelham
às benfeitorias, como obras realizadas na coisa.
As pertenças são referidas pelo legislador na parte geral, em dois artigos, no art. 93
as define como “os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo
duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamente de outro” e no art. 94 estabelece a
regra de que as pertenças não segue o principal (“Os negócios jurídicos que dizem respeito
ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da
manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso”).
Qual o valor a ser pago pelas benfeitorias? Ao possuidor de boa-fé, o valor atual; ao
possuidor de má-fé, há a opção entre o valor atual e o seu custo (art. 1222).
O valor das benfeitorias pode ser compensado com os dos danos (inclusive os frutos
injustamente percebidos): art. 1221.
47 Op.cit., p. 64.
55
Mas como exercer o direito de retenção e efetivamente o que ele representa?
Mas o que deve José fazer para ter esse direito (de retenção) assegurado? Deve
exercitá-lo no momento processual adequado, do qual falaremos a seguir.
Antes da Lei 10.444/02, que incluiu o art. 461-A no CPC e da reforma do processo
de execução (Lei 11.232/05 e Lei 11.382/06 ) existiam basicamente duas formas de se
argüir o direito à indenização e de retenção no processo: na contestação, em se tratando de
ações executivas ‘lato sensu’ ou nos embargos de retenção por benfeitorias, quando se
tratasse de execução para entrega de coisa certa, por título judicial ou extrajudicial.
48 São exemplos de ações executivas lato sensu as ações possessórias e a ação de despejo.
49 “PROCESSUAL CIVIL REINTEGRAÇÃO DE POSSE PROCEDENTE. EMBARGOS DE RETENÃO
56
A atual redação do art. 461-A, incluído pela Lei 10.444/02, diz que ‘Na ação que
tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo
para o cumprimento da obrigação’. Ações para entrega de coisa são todas aquelas cujo
pedido é a entrega de um bem, incluem-se nestas, as ações possessórias e as ações
reivindicatórias. Assim para estas ações não haverá mais um processo de execução e nem
uma fase de cumprimento de sentença (como ocorre para as ações de quantia certa). A sua
execução ocorrerá imediatamente, sem intervalo, proferida a sentença concederá o juiz
prazo para o cumprimento (ex. desocupe o bem em 5 dias). Nada mudou para a ação
possessória que já tinha esse processo, mas para a ação reivindicatória, houve uma grande
mudança, pois antes necessitariam para o cumprimento de sua decisão do processo de
execução.
Hoje podemos afirmar que toda ação para entrega de coisa certa tornou-se uma
executiva ‘lato sensu’.
Porém persistimos com duas formas de argüição desses direitos: quando se tratar de
ações que tenham por objeto obrigação de dar coisa certa (possessória, reivindicatória...) a
alegação desse direito deverá ocorrer na contestação; quando se tratar de execução por
título extrajudicial (não há mais que se falar em processo de execução por título judicial,
após a Lei 11.232/05) cujo objeto seja entrega de coisa certa, a alegação se dará por meio
dos embargos do devedor.
Na ação de conhecimento cujo objeto seja a entrega de coisa certa, deve o réu ao
contestar a ação onde lhe é reivindicada a propriedade, informar que realizou benfeitorias
necessárias e úteis, arrolar os valores dessas benfeitorias e requerer desde já o direito de
retenção caso não lhe sejam indenizadas. A mudança aqui ocorre impondo ao réu esta
forma de alegação em toda ação de conhecimento para entrega de coisa certa, e não mais
somente nas ações executivas ‘lato sensu’.
57
Faz-se isso pois não existe uma fase executiva nesse processo, e o cumprimento da
sentença ocorre sem intervalo.
Vejamos esse exemplo: João ajuíza contra José uma ação reivindicatória, alegando
que a propriedade que este ocupa é dele. José deve na contestação, mesmo que afirme ser
ele o proprietário, informar a realização das benfeitorias, o seu valor e o seu direito de
retenção sobre elas.
Caso João saia vitorioso, pelo art. 461-A determinará o juiz a entrega do bem. Mas,
também deverá determinar o pagamento das benfeitorias por João, como condição de sua
reintegração. Caso João não pague, não poderá ser reintegrado.
Tudo isso que dissemos diz respeito à ação para entrega de coisa certa, porém, se se
tratar de processo de execução por título extrajudicial, deverá o réu alegar o direito de
retenção através de Embargos do devedor, conforme art. 745, IV do CPC.
Antes da reforma operada pela Lei 11.382/06 o réu deveria opor o seu direito em
embargos de retenção por benfeitorias (antigo art. 744). Porém com essa reforma
concentrou o legislador as defesas da execução nos embargos do devedor, colocando aquela
como mais uma das hipóteses desta defesa.
58
Aqui os embargos funcionam como a contestação funciona no processo de
conhecimento, pois esta é a única oportunidade de defesa do réu, já que se trata de um título
extrajudicial não tenho havido atuação judicial anterior.
Estabelece o art. 745 e seu inciso IV: ‘Nos embargos, poderá o executado alegar:
IV- retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de título para entrega de coisa
certa (art. 621).
Era mais completo o art. 744 anterior, que em seu §1º especificava o que o devedor
deveria alegar nos embargos sob pena de não serem recebidos: I- as benfeitorias
necessárias, úteis ou voluptuárias; II- o estado anterior e atual da coisa; III- o custo das
benfeitorias e o seu valor atual; IV- a valorização da coisa, decorrente das benfeitorias.
Mas a alegação do direito de retenção deve pautar-se por esta descrição, pois deve o
devedor demonstrar o seu direito à indenização pelas benfeitorias, comprovando a sua
realização (por isso o confronto entre o estado anterior e atual da coisa) e o seu valor e
assim postular o direito de retenção, já que como dissemos só existe retenção onde há
indenização.
Não é mais necessário segurar o juízo para opor embargos, apesar da redação do art.
621. O legislador equivocou-se mantendo esta redação quando dispôs no novo art. 736 que
“O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à
execução por meio de embargos’.
59
Ação para entrega de coisa contestação (art. 301 CPC) 15 dias, contados da juntada do
(possessória, reivindicatória, mandado de citação ou do AR (art.
despejo) 241, I e II)
Execução para entrega de coisa Embargos do devedor (art. 744, 15 dias, contados da juntada aos
certa (art. 621 CPC) IV, CPC autos do mandado de citação (art.
738 CPC)
Quanto às acessões ainda, cabe uma última observação: por serem obras, geralmente
de valor mais elevado, em comparação com o bem, muitas vezes o valor à sua indenização
pode ultrapassar o do próprio bem, razão pela qual, o legislador atual modificou as regras
da acessão, para permitir uma regra inversa autorizando o autor da acessão a adquirir o
solo, mediante indenização ao proprietário. É o que estabelece dentre outros o p.único do
60
art. 1.255 “Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno,
aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante
pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo”.
Estabelece primeiro o art. 1.217 que “O possuidor de boa-fé não responde pela
perda ou deterioração da coisa, a que não der causa”. Enquanto o 1.218 estabelece que “O
possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais,
salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante”.
O possuidor de boa-fé:
O possuidor de má-fé:
Assim, tendo o possuidor de boa-fé que restituir o bem ao seu legítimo possuidor ou
proprietário, o fará no estado em que se encontra, não incorrendo em nenhuma
responsabilidade, caso tenha havido perda ou deterioração do bem.
Claro que responderá, caso tenha dado causa à deterioração ou perda, diz a parte
final do 1.217.
61
Questão interessante é saber se essa causa atribuída ao possuidor de boa-fé, abrange
o dolo ou somente a culpa.
Em outras palavras, o possuidor de boa-fé que deu causa, por um ato culposo
responde também? Ou somente a causa a que se refere o artigo exposto é a dolosa?
É uma prova muito mais difícil e por isso só se pode exigir essa análise (saber como
o proprietário agiria) do possuidor de má-fé.
4.5 Usucapião
51 Curso, p. 66.
62
Junto com os interditos, é o usucapião o efeito mais importante da posse.
Para alguns autores, não se deve considerar o usucapião como um efeito da posse,
pois não depende exclusivamente dela, mas também de outros elementos.
Goza o possuidor de posição mais favorável, pois quem contesta a posse deve
prová-la.
De resto, não é uma regra diferente da processual, pois o ônus da prova incumbe a
quem alega. Assim, ao reivindicante da posse compete provar que é possuidor e que não
assiste direito ao ocupante de permanecer no bem. Por exemplo, alegando ser possuidor, há
de demonstrar ter sido esbulhado e que o ocupante é possuidor injusto.
Porém, essa regra se completa com a próxima, que impede que na ação possessória
se discuta domínio. Isso, sim, faz com que o possuidor encontre-se em posição mais
favorável, pois se o reivindicante for proprietário mas não conseguir provar a sua posse, a
perderá para o ocupante, que mesmo injusto ou de má-fé, é possuidor.
Complementando essa regra, estabelece o art. 923 do CPC que “na pendência do
processo possessório, é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar a ação de
reconhecimento de domínio”.
63
Tais regras visam privilegiar a defesa da posse. Ou seja, se a ação é possessória, a
posse discutida é a jus possessinis, o direito a posse pela posse: sou possuidor e, por isso,
tenho o direito de permanecer no bem.
E se não o for, como, por exemplo, o proprietário de um imóvel que há muito tempo
não o ocupa e nem dele tem posse. Neste caso, possivelmente perderá a ação. Pois, se tentar
retirar os ocupantes-possuidores do bem, estes dirão que são possuidores, e ele não terá
como provar isso, pois não tinha posse e como não poderá discutir domínio, sairá perdedor.
Esse, para alguns autores, é mais um efeito da posse: a proibição de, durante
demanda possessória, discutir domínio.
O CC de 1916 trazia ainda uma outra regra, estabelecida na parte final do art. 505,
prescrevendo que a posse não deve ser julgada em favor daquele a quem evidentemente não
pertencer o domínio. A mesma constante da segunda parte do art. 923, revogado pela Lei
6.820/80.
Havia ainda a súmula 487 STF: Será deferida a posse a quem evidentemente tiver o
domínio, se com base neste for ela disputada.
O novo código excluiu a parte final do art. 505, permanecendo somente a sua
primeira parte, que é a regra do §2º do art. 1.210.
Podemos afirmar que, pela exclusão no Novo Código da última parte da redação do
art. 505, não houve a recepção da exceptio proprietatis?
52 Curso, p. 56.
64
Para quem entende que a exceptio proprietatis não foi recepcionada, então o juiz
deve extinguir o processo sem julgamento do mérito (aplicando o ônus da prova: o ônus da
prova incumbe a quem alega, se o autor – que alega – não consegue provar, então extingue-
se o processo).
Entendemos que essas regras (exceptio proprietatis) não foram recepcionadas pelo
legislador, até porque a confusão da interpretação desses artigos sempre foi maior do que a
própria solução. Assim, a posse tem que ser deferida àquele que provar ser o possuidor
legítimo; se o autor que demanda não consegue provar, então o seu pedido deve ser
indeferido.54
Somente há uma exceção legal, que é a do art. 1.211 e, nesse caso, para premiar a
posse legítima, de boa-fé. Pois, conforme o artigo, havendo dúvida, não se manterá na
posse aquele que estiver manifesto que a obteve de modo vicioso, p. ex, esbulhando.
65
Veja: não que a posse viciada não tenha proteção, mas, se o autor também consegue
demonstrar que é possuidor e o juiz não consegue distinguir a situação, deve deferir a posse
para aquele que não agiu de modo vicioso. Pois, se não o fizer, estará correndo o risco de
manter na posse aquele que dela retirou o legítimo possuidor.
66
V PERDA DA POSSE
SUMÁRIO: 5.0 Considerações iniciais; 5.1 Perda da posse; 5.1.1 Abandono; 5.1.2
Tradição; 5.1.3 Perda da coisa, destruição dela ou por ser posta fora de comércio;
5.1.4 Posse de outrem; 5.1.5 Constituto possessório
No Código Civil atual, o legislador opta por não fazer uma descrição, apenas
enunciando no art. 1.223 que perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do
possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196.
E é por isso que cuida de regra especial para aquele que perde a posse sem
presenciá-la, por exemplo, através de um ato de esbulho que ocorre quando não se encontra
na propriedade. Para esse, não haverá perda da posse enquanto mantiver a sua situação de
desconhecimento e essa só ocorrerá quando tiver conhecimento e tentando recuperá-la não
conseguir.
A redação atual, sem dúvida, é melhor, porque procura explicar o instituto jurídico
não através da descrição de hipóteses, mas do seu significado.
5.1 Abandono
67
O abandono é a primeira das hipóteses trazidas pelo legislador passado.
Essa definição, que não deixa de estar correta, traz um elemento que permite
bastante equívoco: intenção. Como saber a intenção do possuidor? Como saber se aquele
bem foi abandonado ou perdido?
Esse elemento subjetivo nos remonta a Savigny: se para ter posse é necessário o
animus domini, para perdê-la é também necessário o “animus de abandono”.
Veja:, dentro da teoria de Ihering, se poderia dizer que os bens boiando no mar,
estavam fora da sua relação funcional, porém nesse caso não foram abandonados. Para
teoria de Savigny, ao se perquirir a intenção, se saberia que não tinha havido abandono.
A resposta para o autor acima é de que, nesse caso não houve abandono.56
55 Curso, p. 68.
56 Citando Cunha Gonçalves, Curso, p. 69.
68
E, talvez a melhor teoria para responder essa argüição seja não adotar uma teoria só,
mas a sua conjugação e a análise de outros fatores, porque, no final, toda essa presunção de
abandono é sempre uma presunção juris tantum, que comporta, claro, prova em contrário.
5.2 Tradição
Logo, nos bens móveis, a tradição representa a perda da propriedade para aquele
que transfere, que vende, por exemplo; e a aquisição, para aquele que adquire, por exemplo,
compra.
57 Trataremos melhor desse instituto quando da análise da perda da propriedade imóvel, ao qual remetemos o
69
Isso quer dizer que nos bens móveis, somente haverá aquisição da propriedade com
a tradição.
Para os bens imóveis a tradição representa somente a perda da posse, p. ex. a partir
do momento que vendo meu imóvel e entrego a chave para o comprador morar, perco a
posse mas o outro não adquire a propriedade enquanto não se efetivar o registro.
É por isso que dissemos anteriormente que a tradição está para a propriedade móvel
como o registro está para a imóvel.
A tradição nos bens móveis representa, ao mesmo tempo, perda da posse e aquisição
da propriedade.
REAL= é quando ocorre a entrega física do bem. Numa compra e venda de um carro, por
exemplo, ocorre a tradição quando o vendedor entrega o carro ao comprador e, assim, deixa
de ter posse, passando o outro, comprador, a exercê-la;
FICTA= ocorre quando apenas se altera a qualificação jurídica da posse do bem e não a
situação de fato correspondente. O exemplo mais comum é o do constituto possessório.
Fiquemos com o mesmo exemplo que utilizamos para explicar o constituto possessório
anteriormente: numa compra e venda de imóvel, em que fique acordado que o vendedor
permanecerá no bem, as partes através da cláusula do constituto possessório, transferem a
posse; assim, apesar de não ter havido nenhuma alteração fática, o comprador se tornará
possuidor indireto e o vendedor alterará sua condição para possuidor direto.
5.3 Perda da coisa, Destruição dela ou Por ser posta fora de comércio
70
Tratava o legislador anterior, neste inciso, de 3 hipóteses: a perda do bem, a sua
destruição e a sua colocação fora de comércio. Refere-se o legislador, mais
especificadamente, ao bem móvel.
O que representa perder um bem? Por exemplo, a perda de uma coisa móvel, como
um relógio e a sua contínua procura, constitui perda? Para aquele que o encontra, qual a
diferença entre perda e abandono?
O legislador atual tratou da perda da coisa não mais como uma das hipóteses de
perda da posse e nem como uma forma de aquisição da propriedade móvel (como fez o
legislador anterior), mas na introdução da propriedade sobre a rubrica descoberta.
Assim, diz o legislador no art. 1.233, que quem quer que ache coisa alheia perdida
há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor.
Com isso, já respondemos a última pergunta: para aquele que encontra faz diferença
a perda e o abandono. Pois, se houve o abandono, aquele que encontra coisa abandonada
adquire a propriedade, mas, se houve perda, aquele que encontra deve restituí-la ao dono ou
legítimo possuidor.
Claro que esse é um primeiro raciocínio, pois, pode ser que o livro encontrado em
um terreno tenha sido furtado e lá deixado, mas auxilia na diferenciação dessas situações,
mesmo que não a resolva definitivamente.
Determina ainda, em caso de perda, que aquele que encontrou, o descobridor (no
código passado, inventor), em não encontrando o dono, entregue o bem à autoridade
competente.
71
A destruição, para o proprietário também implica em perda da propriedade. Restará
saber se dessa perda poderá ser responsabilizado alguém, se, por exemplo, a explosão do
prédio foi responsabilidade do locatário, que, neste caso, deverá também responsabilizar o
proprietário.
E, por último, a colocação do bem fora de comércio é também uma forma de perda
da posse. Se, por exemplo, é proibido pelo Ministério da Saúde a venda de um determinado
remédio, todas as farmácias que o adquiriram perdem a sua posse.
Estabelece o art. 1.224 que só se considera perdida a posse para quem não
presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou,
tentando recuperá-la, é violentamente repelido.
Perde-se a posse pela posse de outrem, mas em que momento isso ocorre? Ou seja,
ocorrendo o esbulho, ele ocasionará imediatamente a perda da posse para o possuidor? Ou
haverá um tempo até se consolidar essa perda?
E o 1.224, que transcrevemos acima, trata de uma regra especial para aquele que
perde a posse sem estar presente.
O possuidor esbulhado, se ato contínuo defende a sua posse, não a perde por tratar-
se de desforço imediato;
Para o ausente só se considera perdida a posse quando ele tem notícia do fato e, ato
contínuo, tentando recuperá-la não o consegue.
72
Consideramos um equívoco o entendimento de alguns autores para quem a posse só
se considera perdida, após o esbulho, quando o legítimo possuidor nada faz no prazo de ano
e dia. Não deve ser este o entendimento destes artigos até porque o legislador nada diz com
relação a prazo, apenas enuncia um momento em que não ocorre posse, durante a violência
ou clandestinidade e durante a ausência do possuidor.58
Aquele que vende o bem e nele permanece por tolerância e permissão do novo
proprietário altera a sua causa possessionis de possuidor para detentor.
O atual legislador não tratou do contituto possessório nem como forma de aquisição
da posse nem como perda. Somente a ele se referiu na aquisição da propriedade móvel,
quando tratou da tradição (§ único, 1.267).
Mas, isso não impede que o constituto seja uma cláusula da propriedade imóvel, em
que se negocia fictamente a transmissão da posse ou a sua perda, como verificamos.
58 Essa é a opinião de Washington de Barros Monteiro para quem “O tempo competente, a que se refere o
texto, é o prazo de ano e dia. Decorrido esse lapso de tempo, sem reação do primitivo possuidor, firma-se a
posse nova, de modo que o novel possuidor deverá ser nela sumariamente mantido, até que seja convencido
pelos meios ordinários, nos termos do estabelecido no art. 924, in fine, do Código de Processo Civil”.
73
VI DEFESA DA POSSE
SUMÁRIO: 6.0 Defesa da posse; 6.1 Legítima defesa x Desforço imediato; 6.2 Ações
possessórias típicas (manutenção, reintegração e interdito proibitório); 6.2.1
Características das ações possessórias; 6.2.1.1 Fungibilidade; 6.2.1.2 Cumulação de
pedidos; 6.2.1.3 Natureza dúplice; 6.2.1.4 Exceção de domínio; 6.2.2 Procedimento da
ação de manutenção e de reintegração de posse; 6.2.3 Procedimento do interdito
proibitório; 6.3 Ação possessórias atípicas; 6.3.1 Nunciação de obra nova; 6.3.2 Ação
de dano infecto; 6.3.3 Ação de imissão na posse; 6.3.4 Embargos de terceiro senhor e
possuidor
Mas, a defesa da posse não ocorre somente por meio destas ações, a que já nos
referimos anteriormente, chamadas ações possessórias típicas, que são a reintegração e
manutenção de posse e o interdito proibitório. A defesa da posse também ocorre por meio
de outras ações em que a posse é discutida, às vezes não como objeto principal, mas como
objeto secundário dessas ações, e as designaremos como ações possessórias atípicas.59
Com essa redação, estabelece o art. 1.210, §1º, os dois atos de autotutela autorizados
na posse: a legítima defesa e o desforço imediato.
59 São também chamadas de ações possessórias stricto sensu e de ações possessórias lato sensu, como o faz o
74
Distinguem alguns autores esses atos, identificando a legítima defesa da posse com
a turbação, e o desforço imediato com o esbulho.60
Assim, nesta diferença, o desforço imediato seria mais amplo que a legítima defesa;
enquanto esta é uma reação imediata e momentânea de repulsa ao ato turbativo, naquela o
possuidor ultrapassa esse limite até que consiga recuperar a posse, “contanto que o faço
logo”.
Questão importante é saber quanto tempo tem o 'contanto que faça logo'.
Obviamente o legislador não tinha como estabelecer um prazo, pois qualquer um poderia
ser injusto frente a situação real, mas diz-se que a reação tem que ser imediata, em ato
contínuo, mesmo que, agindo dessa forma, isso dure alguns dias.
E, como autotutelas autorizadas no sistema, tais atos não constituem atos ilícitos,
pois, de acordo com o art. 188, I, do CP, não o são os praticados em legítima defesa ou no
exercício regular de um direito reconhecido.
Outra questão interessante a discutir é saber quem pode lançar mão da legítima
defesa da posse e do desforço imediato? Somente o possuidor? Somente o possuidor justo e
de boa-fé? Ou também pode o possuidor injusto? E o detentor?
Para a maioria dos autores, somente o possuidor pode se valer dessa autotutela, mas,
nesse caso, todo possuidor, justo e injusto, de boa e de má-fé. Pois a autotutela é uma
defesa para aquele que exerce posse repelir o ato injusto de outro, mesmo que o dele na
aquisição também tenha sido injusto.
60 “Prevê o legislador, com esse dispositivo, duas situações diferentes, a legítima defesa da posse, no caso de
turbação, e o desforço imediato, no caso de esbulho”, é como afirma Washington de Barros Monteiro, Curso,
p. 54.
61 É como pensa Álvaro Bourguignon, em sua obra, Embargos de retenção por benfeitorias, p.
75
Outra questão também levantada é se a legítima defesa e o desforço imediato podem
ser delegados, p.ex, sou esbulhado e contrato pessoas para me defender? É possível?
Entende-se que a autotutela (legítima defesa/desforço imediato) é um ato indelegável, mas
o possuidor pode se servir de amigos e mesmo empregados.
c) deve haver proporcionalidade dos meios utilizados pelo possuidor com a extensão
da ofensa efetivada.62
Estabelece o art. 1.210 CC que o possuidor tem direito a ser mantido na posse em
caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo
receio de ser molestado.
Já vimos que turbação, esbulho e ameaça são as causas de pedir das ações
possessórias.
Por sua vez, estabelece o CPC, no art. 926, que o possuidor tem direito a ser
mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho. E, por sua vez,
estabelece o art. 932 que o possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser
molestado na posse, poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente,
mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso
transgrida o preceito.
76
O CPC trata das ações possessórias no Capítulo V, do Livro dos Procedimentos
Especiais e o faz nos arts. 920 a 933. Porém, divide a matéria em 3 seções: disposições
gerais, manutenção e reintegração de posse e interdito proibitório.
6.2.1.1 Fungibilidade
Estabelece o art. 920 que a propositura de uma ação possessória em vez de outra
não obstará que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente
àquela, cujos requisitos estejam provados.
Autoriza a fungibilidade que o juiz decida pedido diverso daquele que foi formulado
pelo autor: pedindo o autor manutenção pode o juiz deferir a reintegração, desde que os
requisitos da reintegração estejam provados no processo, conforme também determina o
art. 920.
Não é desnecessário dizer que tal situação náo é possível no sistema processual
tradicional, pois o juiz fica vinculado ao pedido da parte, não podendo decidir diversamente
do que foi pedido (aplicação do princípio dispositivo, expressa no art. 460 CPC).
E isto ocorre porque a situação possessória é muito transitória; hoje o que é ameaça
pode amanhã ser esbulho, e o processo não pode ser um obstáculo a essa defesa, pois,
afinal, o que se visa proteger é a ofensa à posse. Além do mais, por vezes a diferença entre
77
as possíveis causas possessionis é tênue, nem sempre é fácil distinguir, por exemplo,
turbação de esbulho. O vizinho que, por atos turbativos, impede o uso do meu quintal me
turba ou esbulha? Veja que nem sempre a distinção é clara.63
Com isso, podemos concluir que a causa de pedir nas ações possessórias é a ofensa
do direito de posse, que pode consistir numa ameaça, turbação ou esbulho.64
Por esse artigo, permite-se que o autor cumule junto a seu pedido possessório o de:
I- condenação em perdas e danos; II- cominação de pena para caso de nova turbação ou
esbulho; III- desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento de sua posse.
Todos são pedidos conexos com o da ofensa à posse e guardam com esta estreita
relação. É comum que no esbulho haja danos, que o esbulhador construa ou plante no
terreno e também que volte a esbulhar.
Mas, o que determina que esta seja uma característica especial da posse é que a
cumulação de pedidos, também permitida no CPC, impõe que o rito da ação seja o
ordinário (art. 292, =§°2), e aqui, mesmo com essa cumulação, o rito permanecerá sendo
especial.
63 É a opinião de Arruda Alvim “O espectro da fungibilidade refere-se tanto ao erro na indicação da ação
quanto na identificação dos fatos, como, ainda nele está implicado que a ação deve ser aproveitada se se
alterarem os próprios fatos”, in Defesa da posse e ações possessórias, p. 15.
64 “Importa, pois, para a concessão da tutela adequada a que alude o art. 920 do CPC, que a causa de pedir
seja, genericamente,a ofensa do direito de posse do autor e, ainda, que este tenha postulado a concessão de
tutela possessória”, in Marcato, Procedimentos especiais, p. 152.
78
sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da
turbação ou do esbulho cometido pelo autor”).
Dentro de uma melhor técnica, não se trata a ação possessória de uma ação dúplice,
pois nestas, como bem explica Marcato, autor e réu ocupam simultaneamente ambas as
posições subjetivas na base da relação jurídica processual, podendo o último obter,
independentemente de pedido expresso (mas sem prejuízo dele), o bem da vida disputado,
como conseqüência direta da rejeição do pedido do primeiro.65
Determina o art. 923 do CPC que “Na pendência do processo possessório, é defeso,
assim ao autor como ao réu, intentar a ação de reconhecimento de domínio”.
A ação possessória é discutida com base no jus possessionis e não no jus possidendi.
É vedado ao réu, durante uma ação possessória, percebendo que não irá sair-se
vitorioso, por não conseguir demonstrar sua posse, ajuizar ação reivindicatória para pleitear
a posse através de seu domínio.
Poderá o réu fazer isso após o término da ação possessória e não durante o seu
curso. Isso porque o que se pretende é defender a posse de maneira mais prontamente, já
que esta representa a visibilidade do domínio.
79
E o inverso é admissível? Na pendência de ação reivindicatória é possível discutir
posse? A resposta é, sim. O que veda a lei é a discussão do domínio durante a ação
possessória, mas não o seu inverso. Havendo duas ação, uma reivindicatória e uma
possessória, ocorreria conexão, pela identidade de pedido. Pode-se questionar do sentido
prático disso, mas o certo é que o legislador não a proíbe.
Em primeiro lugar, esse procedimento especial aplica-se à posse nova e não à posse
velha, que seguirá o rito ordinário, conforme o art. 924.
1- Petição inicial (em que o autor deve provar: sua posse; a turbação ou esbulho
praticado pelo réu; a data da turbação ou do esbulho; a continuação da posse em
caso de manutenção e perda da posse na reintegração);
5- Citação do réu para contestar (caso não tenha havido a audiência de justificação).
80
a posse do autor para obtenção do mandado de manutenção ou reintegração, quando o juiz
não tenha se sentido convencido a deferi-lo inaudita altera pars.
Outra questão também interessante envolve a legitimidade desta ação. Quem pode
ser parte legítima – ativa e passiva – para demandar e ser demandado? A resposta é, o
possuidor.
Mas, e se for chamado como réu da ação o detentor? A resposta é que este deverá
nomear à autoria.67
Hoje, com a regra do 461-A do CPC não mais somente as ações possessórias gozam
desta característica mas toda ação que tenha por objeto uma entrega de coisa, onde se
incluem as possessórias, mas também se incluem as ações reivindicatórias.
Por isso já não representa mais uma imensa diferença o rito especial da ação de
força nova para o rito ordinário da ação de força velha assim também como para o rito de
todas as outras obrigações de entrega de coisa. A possibilidade destas ações, com as novas
67 Nomeação à autoria é uma das formas de intervenção de terceiros no processo, prevista no CPC nos arts.
62-69, onde ocorre uma correção da legitimidade passiva nas duas hipóteses previstas, sendo a primeira delas
a do detentor que responde ilegitimamente a uma ação (art. 62).
81
tutelas consagradas em nosso sistema (antecipação de tutela, 273 e obrigação para entrega
de coisa certa, 461-A), aproximam ao invés de distanciar essas ações.
Petição inicial
(art. 928, CPC)
Deferimento da Designação de
liminar (art. 928, audiência de
CPC) justificação prévia
(art. 928, CPC)
Sentença
68 Verificar p.
82
A ação de interdito proibitório é uma ação para obrigação de não fazer, insere-se
dentro do grupo hoje designado de tutela inibitória.
É, por isso, uma tutela preventiva, pois visa a evitar que haja violação da posse,
consumada através de turbação ou esbulho.
O primeiro determina que o possuidor que tiver justo receio de ser molestado na
posse, requeira o mandado proibitório e a cominação de pena pecuniária para o caso de
transgressão.
Como obrigação de não fazer a sua violação ocorre com o fazer. Assim, o que antes
era uma ameaça vira lesão. O que antes era uma ameaça de esbulho, converte-se em
esbulho com a invasão. A multa cominatória era imposta para que se não fizesse: p. ex.
determina a multa de X para o caso de transgressão a essa ordem de não fazer. Trata-se
também de uma multa única, e não diária, pois esta só tem sentido quando está havendo a
violação. Mas, aqui podemos perguntar: a multa cominatória pode, caso haja a transgressão,
converter-se em multa diária?
Entendemos que sim, se bem que, no caso concreto, acreditamos que não será tão
eficaz, como um mandado de reintegração. Sim, porque, nesse caso e pelo princípio da
fungibilidade, a ação de interdito proibitório converte-se em reintegração de posse e o juiz
poderá determinar, caso a posse esteja justificada, mandado de reintegração.
83
Petição inicial
Deferimento do Designação de
mandado audiência de
proibitório justificação da
possedeferimento
Sentença
Estas ações representam ora uma defesa da posse através do jus possidendi, ou seja,
a posse em virtude da propriedade, como no caso da imissão de posse, ou representam uma
84
proteção da posse perturbada pela relação de vizinhança, como no caso da nunciação de
obra nova e da ação de dano infecto, como também o requerimento da posse que foi
retirada por medida judicial, embargos de terceiro.
Claro que existe um ilimitado número de ações que indiretamente visam à posse,
como a própria ação de despejo, a ação reivindicatória, porém nessas ações a posse muitas
vezes nem é discutida. Pede-se o bem no despejo pela falta de pagamento, mesmo que nem
se vá exercer sobre ele posse, enquanto naquelas ações a posse é sempre uma finalidade, é
sempre o objetivo final da ação.
Contempla o CPC, nos arts. 934 a 940, a ação de nunciação de obra nova. Também
chamada de ação nunciatória ou embargo de obra nova.
Há uma estreita relação da ação nunciatória com o direito de vizinhança, pois esta
visa, em resumo, proteger o cumprimento de suas normas estabelecidas nos arts. 1.277 a
1.313 CC, principalmente nas que regulam o direito de construir “O proprietário pode
levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os
regulamentos administrativos” (art. 1.299).
85
Não se trata de uma ação possessória típica, tem natureza de ação pessoal, embora
fundada em grande parte na posse e na propriedade, como se depreende da legitimação do
art. 934, I e II. Mas, pode ser classificada como o fizemos, como uma ação possessória
atípica, pois apesar de nem sempre se ter a posse como causa de pedir, e por isso não poder
ser classificada tradicionalmente como ação possessória, visa em última análise à proteção
da posse, que é prejudicada pela construção irregular.
Tem como competência o foro da situação do bem (art. 95) e mesmo sendo este um
critério territorial, o que levaria a considerá-la uma competência relativa, trata-se de
competência absoluta.
A legitimidade do condômino tem por base o art. 1.314 do CC, que o proíbe de
alterar a destinação da coisa comum sem o consenso dos demais. Não se trata
somente de uma obra prejudicial, mas de uma obra que prejudique ou altere a coisa
comum. Aplica-se tanto ao condomínio tradicional como ao condomínio edilício. E
é neste como observa Araken de Assis que a nunciação encontrará o seu maior
campo de aplicação. Há legitimidade do condômino para impedir a utilização
70 Comenta Araken de Assis que “O possuidor age por si mesmo, e, não, como representante do titular do
domínio. Por isso, o réu não se livra do embargo pelo fato de exibir autorização do dono, se a obra infringe
direito próprio do possuidor”, in Nunciação de obra nova, p. 14.
86
exclusiva de um condômino em área comum, a alteração da forma externa da
fachada, a utilização da unidade autônoma diversa da utilidade do prédio, etc.71
Utiliza o CPC atual em dois momentos a expressão proprietário, art. 935 e 938.
Como também pode ser dono da obra o poder público, por exemplo, na construção
de uma escola, de uma estrada, etc.
Entendemos que tal situação pode ser enquadrada nas hipóteses da nomeação à
autoria e assim deve ser autorizado ao construtor ou preposto nomear a autoria o
proprietário da obra. Implica até em economia processual. Pois o processo deixará de ser
extinto e prosseguirá contra a verdadeira parte legítima. Mas, não estará impedido esse réu
de alegar em defesa a sua ilegitimidade e, nesse caso, não se aplica a ele a responsabilidade
do art. 69, pois não se trata de uma nomeação obrigatória mas de uma possibilidade que
aqui se defende por analogia.
Além da legitimidade, compete a ação para impedir a obra nova que esteja sendo
construída de maneira irregular ou prejudicial aos vizinhos ou aos condôminos.
87
Mas, o que é obra nova?
“Obra nova” pode ser definida, por exclusão, como a que ainda não começou
(mesmo já tendo sido informado ao proprietário), e também a que ainda não terminou.73
Há uma crítica ao conceito restritivo do termo “obra”, pois pode representar também
uma reforma, terraplenagem, colheita, extração de minério etc.
Diz-se ter sido essa ação uma criação pretoriana que nas suas origens representava
uma reação verbal da pessoa prejudicada pela obra iniciada por seu vizinho, que
simbolicamente lançava-lhe pedras em protesto, ou dispersava as pedras utilizadas na
própria construção, ou, ainda, tomava ambas as providências, na operação chamada iactus
lapilli74.
Esse protesto verbal e físico, iactus ou factus lapilli, foi o antecedente histórico da
ação de nunciação, pois com o protesto de lançamento de pedras pelo lesado, restava ao
dono da obra acudir ao Pretor, prestando caução (cautio ex operis novi nuntiatione) ou
obtendo autorização judicial (remissio) para prosseguir na edificação.75
Com o passar do tempo, essa autotutela deixou de ser autorizada e o factu lapilli foi
substituído por um procedimento judicial cujo objetivo era o desfazimento da obra.
Hoje, podemos afirmar que essa figura de autotutela - factu lapilli – foi substituída
pelo embargo verbal.
73 Explica Araken de Assis que é nova toda obra que altere a situação de fato preexistente. Importa, diz o
autor, fixar o momento em que a obra inicia, criando o interesse necessário à nunciação, e até que ocasião
perdura a novidade idônea a ensejar o embargo. In Nunciação de obra nova, p. 21.
74 Araken de Assis in Nunciação de obra nova, Repro 128, p. 9.
75 Idem ibidem, p. 9.
88
É medida de economia processual, mas de eficácia contestada. E deve ser realizado
somente quando o caso for urgente!
Porém caso seja ratificado em juízo o seu efeito é retroativo à data do embargo
extrajudicial, podendo cometer atentado o réu que após esse ato privado continuo a obra.76
Porém o embargo para que fique suspensa a obra é um pedido obrigatório desta
ação, pois é o que a caracteriza. Se o autor for a juízo para pedir somente a demolição, não
se tratará de nunciação de obra nova, mas de ação demolitória.
Na petição inicial em que o autor requer o embargo deverá este provar que a obra é
nova, sob pena de não ser admitida esta ação. Mas caso não fique devidamente provado
poderá o juiz designar uma audiência de justificação prévia. Nada diz o legislador se deve
ou não ser citado o réu desta audiência, como o fez na ação possessória, mas até por
analogia a esta, e pela finalidade desta audiência, entendemos que o réu deva ser citado.
Entendemos que esta deve prosseguir, até porque o caráter destas decisões são
provisórias, nada impede que o juiz deixe para analisar o embargo da obra de forma mais
76 “Art. 879. Comete atentado a parte que no curso do processo: II- prossegue em obra embargada”.
89
aprofundada na instrução, até porque não são poucas as nunciações que envolvem uma
complexidade de questões e dados que merecem um maior espaço de análise.
Mas guarda muita coerência o pensamento daqueles que entendem que a ação deva
ser extinta, justificam que a nunciação estaria prejudicada em decorrência do indeferimento
do embargo e além do mais o prosseguimento da ação sem a concessão do embargo
implicaria numa hipótese não prevista na lei, haja visto que a medida seguinte adotada pelo
legislador implica no deferimento do embargo (art. 938. Deferido o embargo, o oficial de
justiça, encarregado de seu cumprimento, lavrará auto circunstanciado...).77
Por último, poderá o réu prosseguir com a obra caso caucione demonstrando o
prejuízo de sua suspensão, só não poderá caucionar, e logo, não poderá se valer do
benefício da continuidade da obra, caso esta tenha sido levantada contra determinação de
regulamentos administrativos (art. 940).
Petição inicial
Pedido de ratificação do
embargo extrajudicial ou pedido
de embargo da obra (art. 936, I))
Intimação do construtor e Citação do réu (5 dias Concessão do embargo Não concessão do embargo
operários para que não contestar)
continuem a obra
Audiência de instrução e
julgamento
Sentença
77 É o pensamento de Araken de Assis para quem indeferida a ratificação do embargo extrajudicial e a liminar
prevista no art. 937, CPC, com ou sem justificação prévia, incumbe ao juiz extinguir o processo sem
julgamento do mérito, haja vista a falta de pressupostos para seu desenvolvimento (art. 267, VI, CPC). Deste
ato caberá apelação (art. 513, CPC), in Nunciação de obra nova, p. 31.
90
6.3.2 Ação de dano infecto
A previsão legal desta ação é o art. 1.280 do CC, que permite ao proprietário ou
possuidor exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando
ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente.
Assim como a nunciação de obra nova, a ação de dano infecto é ação que protege a
relação entre vizinhos, a convivência entre vizinhos.
Mas, a sua proximidade com a nunciação de obra nova está nesta relação com o
direito de vizinhança, pois, enquanto aquela visa a paralisar uma obra iniciada, esta visa a
demolir ou reparar uma obra pronta.
É também a ação de dano infecto uma tutela preventiva, pois visa a evitar um dano
que ainda não se concretizou, porém diferente do interdito proibitório, aqui não satisfaz a
aplicação de uma multa cominatória, pois isso não impedirá a ruína do prédio, lá a ordem é
dirigida à pessoa – não esbulhe, aqui a ameaça é da coisa, e para que esta não venha a
causar o dano ameaçado é necessário uma intervenção de fazer – p. ex., fazer a demolição,
fazer estrutura de apoio, etc.
A lei não descreve o rito desta ação, nem esta é descrita como uma ação especial,
logo o seu rito é o ordinário, com a possibilidade, diante da urgência, do pedido de tutela
antecipada.
78 Curso. p. 91.
91
Petição inicial com
pedido de caução
Audiência de
instrução e julgamento
Sentença de Sentença de
procedência com improcedência
determinação de prazo
Propositura da ação
principal em 30 dias (art.
806): demolitória ou
reparatória
Essa ação era prevista no CPC/39, no art. 381, que concedia imissão de posse:
III- aos mandatários, para receberem dos antecessores a posse dos bens do
mandante.
No CPC/73, não foi repetida essa ação, nem como ação possessória nem como ação
especial. Mas ela ainda continua a ser utilizada, principalmente pelo motivo exposto no
CPC/39, no inciso I, acima.
92
E, com isso, já se percebe que a ação de imissão de posse é de um proprietário não
possuidor e refere-se a uma posse nova, a uma posse que ainda não foi exercida. O que,
neste caso, a diferencia das ações possessórias típicas, que têm por legitimidade o possuidor
e referem-se a uma posse perdida, ou turbada, ou ameaçada, é que nestas há uma posse que
já foi ou está sendo exercida.
Neste caso, não há posse do seu requerente, nem esta foi perdida. Aliás, esta nunca
foi exercida, e o que se pretende é justamente exercê-la. E, por isso, o seu caráter
possessório é discutido visto ser uma ação em regra do proprietário e não do possuidor.
Apesar de não constar do CPC como ação especial, este a esta se refere em alguns
momentos, como os arts. 461-A, §2°, 625 e o 879, I. Também se refere à imissão de posse
o art. 66 da lei 8.245/91 (L. locação).
Fazemos essa observação para constatar que, sendo o objeto desta lei a entrega de
coisa certa, ao final, o que se obterá é um mandado de imissão na posse, como determina o
art. 625, que, podemos concluir, serve de fundamento para a constatação da existência
desse pedido – imissão de posse – logo, também desta ação.
Porém, recebem o nome imissão de posse as ações cujo objeto sejam aqueles do art.
381 passado, mesmo sendo, ao final, ações para entrega de coisa certa.
E, por se tratarem de ações para entrega de coisa certa, o seu rito é o do art. 461-A
ou o 621, quando se tratar de título executivo judicial ou extrajudicial.
93
ORGANOGRAMA DA AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE:
Audiência de instrução Julgamento antecipado Sentença de extinção Suspensão da execução Não suspensão da
e julgamento da lide fixando prazo do processo execução
para a entrega do bem
Mandado de imissão na
posse
O legislador não tratou dessa ação no capítulo das ações possessórias, mas como um
outro procedimento especial. Porém, como bem observa Washington de Barros Monteiro, é
inquestionável que tal remédio, quando empregado para a defesa da posse, reveste-se
indisfarçavelmente de caráter possessório. Efetivamente, os embargos de terceiro
representam a própria ação de manutenção, ou de reintegração de posse, que, por
necessidade de ordem prática, adota forma processual diversa.79
79 Curso, p. 50.
94
apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, seqüestro, alienação
judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhe sejam
manutenidos ou restituídos por meio de embargos”.
Sabe-se que os bens do devedor, presentes e futuros (art. 591 CPC), ficam sujeitos á
execução, pois, como nos diz aquele famoso adágio jurídico, ‘a garantia do credor é o
patrimônio do devedor’.
Nesse caso, esse terceiro deve, por meio desta ação, requerer a liberação do seu
bem, mediante prova da sua posse, da sua qualidade de terceiro e da ausência de
responsabilidade do seu bem responder pela dívida.
Também equipara-se a terceiro, como nos diz o §2° do art. 1.046, a parte que,
defende bens que, pelo título de sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, não
podem ser atingidos pela constrição judicial. São exemplos da aplicação dessa regra a
defesa da parte quando a constrição judicial ocorre em um bem de família, ou a do
cônjuge, quando, defende a constrição que incide sobre sua meação, ou bens
reservados.80Nesses casos, mesmo sendo parte, defenderão os seus bens por meio de
embargos de terceiro.
80 Sobre a constrição à meação do cônjuge informa-nos Marcato que temos 3 posições jurisprudenciais: a) se
ele pretende impugnar a pretensão executiva, deverá valer-se dos embargos à execução; b) se almeja apenas a
exclusão da penhora sobre sua meação, valer-se-á dos embargos de terceiro (muito embora também se admita,
nesse caso, a utilização de embargos à execução); c) todavia, se na execução os cônjuges figuram como
litisconsortes passivos, porque ambos contraíram a obrigação, nenhum deles poderá opor embargos de
terceiro, devendo valer-se, isto sim, dos embargos à execução, Procedimentos especiais, p. 259-260.
95
A legitimidade passiva compete, via de regra, ao credor do processo principal, onde
ocorreu a constrição do bem do terceiro. Este, a princípio, responderá sozinho no pólo
passivo, mas, em determinados casos, poderá responder em litisconsórcio com o devedor.
Por exemplo, se a constrição ocorreu por indicação do devedor.
Sentença Sentença
96
Para finalizar este capítulo, apresentamos um resumo descritivo das ações para
defesa da posse, apontando seus conceitos, seus elementos, sua disciplina legal bem como
suas principais características:
CONCEITO Ação cujo objeto é Ação que visa Ação que visa Remédio
evitar construção acautelar o imitir o processual
irregular ou que possuidor ou proprietário na destinado a
prejudique as proprietário de um posse do bem para terceiros ou
propriedades bem diante do risco o qual se vê aqueles assim
vizinhas ou o de ruína de imóvel impedido equiparados pela
direito do co- contíguo ou dos lei, para proteger a
proprietário. riscos de uma posse de bens
construção. apreendidos
judicialmente
PREVISÃO Arts. 934-940 CPC Art. 1.280 e 1.281 Não há previsão Arts. 1.046-1.054
LEGAL CC expressa legal. É o CPC
pedido das
obrigações de dar
coisa certa imóvel
97
CAUSA DE A causa de pedir Ameaça de ruína Recusa ou Turbação ou
PEDIR altera conforme o do prédio vizinho obstáculo na esbulho na posse
legitimado: entrega da posse do bem em virtude
prejuízo provocado de apreensão
pela obra vizinha; judicial.
alteração da coisa
comum; construção
irregular.
98
SEGUNDA PARTE
I PROPRIEDADE
A propriedade é o mais completo dos direitos reais ou, como afirma Washington de
Barros Monteiro, é o mais importante e o mais sólido de todos os direitos subjetivos, o
direito real por excelência, é o eixo em torno do qual gravita o direito das coisas.81
Afirmar que é o mais importante dos direitos subjetivos talvez seja um reforço de
linguagem utilizado pelo autor, mas sem dúvida assume uma imensa relevância na história
do direito, e o seu estudo está presente na sociologia, na economia, na política e na própria
história da humanidade.
Apesar dessa fascinante história e desse rico estudo que é a propriedade, devido às
dimensões do nosso trabalho, vamos nos restringir a uma breve análise jurídica.
81 Curso, p. 83.
82 “Nesse estágio primitivo, é possível admitir que a propriedade comum constituiu a primeira forma de
propriedade, diretamente ligada a concepção então vigente acerca da família”, Fachin, p. 14.
99
Temos no direito napoleônico uma propriedade individual e também absoluta que
em seu famoso art. 544 prescrevia “La propriété est lê droit de jouir et disposer des choses
de la manière la plus absolue, pourvu qu’on n’em fasse pás um usage prohibé par les lois
ou par lês règlements”: que pode ser traduzida como “O direito de gozar e de dispor das
coisas da maneira mais absoluta, desde que delas não se faça uso proibido pelas leis e
regulamentos”.
O caráter absoluto inspirado nesta disposição legal foi muito mais fruto de um
pensamento da época do que do texto legal. Porque afinal neste não estava traduzida uma
idéia tão absoluta quanto foi interpretada.
Mas o certo é que se diz que da propriedade surgem 4 poderes, o direito de usar, jus
utendi, o direito de gozar, jus fruendi e o direito de dispor, jus abutendi e o direito de
reivindicá-la, rei vindicatio.
b) Jus fruendi: envolve o poder de colher os frutos naturais e civis da coisa, bem como
de explorá-la economicamente, aproveitando seus produtos.
100
1.1 Disciplina jurídica da propriedade no CC
O art. 1.225 enumera os direitos reais estabelecendo-os em número de 10. São esses:
1. Propriedade
2. Superfície
3. Servidões
4. Usufruto
5. Uso
6. Habitação
8. Penhor
9. Hipoteca
10. Anticrese
Constitui esse elenco numerus clausus, pois só são direitos reais esses estabelecidos
pelo legislador. E aqui se encontra uma das principais diferenças entre os direitos reais e os
direitos pessoais, enquanto neste a sua criação é ilimitada, naquele, não há criação pelas
partes permitindo-se somente ao legislador essa atribuição.
101
Estabelece-a o legislador em nove capítulos. Iniciando por aspectos gerais no 1°
capítulo, depois enumerando as formas de aquisição da propriedade imóvel (capítulo II), da
propriedade móvel (capítulo III) e da perda da propriedade (capítulo IV). Depois regula o
legislador dos direitos de vizinhança (Capítulo V), as regras sobre Condomínio (Capítulo
VI e VII) e por último a propriedade resolúvel e fiduciária, estas novidades também deste
diploma (Capítulo VIII e IX).
1.2 Características
102
Na verdade todas essas características são cada vez mais relativas, partiu-se de uma
idéia da propriedade como o mais absoluto dos direitos, o direito subjetivo por excelência, e
todo esse pensamento foi muito mais fruto de uma concepção liberal do direito,
principalmente pós-revolução francesa, onde garantir-se o direito de propriedade era um
dos pilares da própria idéia de liberdade.
Com o tempo foi-se percebendo que o direito de propriedade sempre foi limitado,
no sentido de sempre ter sofrido restrições. O próprio Código de Napoleão, considerado o
ápice do absolutismo do direito de propriedade estabelecia que este era o direito de gozar e
de dispor das coisas da maneira mais absoluta, mas desde que delas não se fizesse uso
proibido pelas leis e regulamentos, ou seja, ele trazia ínsito na própria definição do direito a
sua limitação.
Preservaram-se essas características, porém, cada vez mais, elas tem perdido o
sentido, pois o direito de propriedade nunca foi absoluto e irrevogável, e hoje tem sido cada
vez menos exclusivo.
1.3 A propriedade na CF
103
assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social, a propriedade
privada e a função social da propriedade como princípios dessa ordem econômica também
devem obedecer a esses ditames e é por isso que nas regras da política agrícola e fundiária
estabelece a Constituição que a função social não é cumprida quando há exploração de seus
trabalhadores ou quando não se observa em relação a estes as relações de trabalho.
Algo que chama a atenção é que o legislador estabeleceu as regras sobre a política
urbana e agrícola no título Da Ordem Econômica E Financeira, demonstrando que a
propriedade é um fator de geração de riqueza, mas que deve ser utilizada atendendo aos
princípios gerais dessa atividade, gerando riqueza mas também justiça social.
Por último podemos estabelecer como importantes regras sobre a propriedade as da
política urbana e agrícola. O legislador as estabelece em dois capítulos, Da Política Urbana
(arts. 182 e 183) e Da Política Agrícola E Fundiária E Da Reforma Agrária (arts. 184 a
191).
Estabelece na política urbana a obrigatoriedade de toda cidade com mais de 20 mil
habitantes ter um Plano Diretor como instrumento básico da política de desenvolvimento e
de expansão urbana, a política de sanções que o município pode aplicar ao proprietário do
solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado e o usucapião urbano.
Na política agrícola e fundiária legitima a desapropriação para reforma agrária do
imóvel que não estiver cumprindo sua função social, estabelece os bens que não podem
sofrer desapropriação, os requisitos para o atendimento da função social da propriedade
rural, diretrizes da política agrícola e o usucapião rural.
Estas são em síntese as principais regras constitucionais sobre a propriedade. Sobre
o direito de propriedade e sobre o exercício desse direito.
O novo Código Civil preocupou-se com questões ignoradas pelo legislador anterior,
mas talvez menos do que deveria se preocupar pelo momento atual.
Os cinco parágrafos do art. 1.228 foram acrescentados por este código prevalecendo
a busca pela função social, a preocupação, mesmo que tímida, com as questões ambientais
e em evitar o uso da propriedade de forma abusiva.
No §1° estabeleceu que “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância
com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
104
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o
equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar
e das águas”.
Insere assim a propriedade dentro de um contexto de política ambiental,
demonstrando que o seu exercício deve se pautar pela preservação do ambiente a seu redor,
seja natural ou cultural.
O segundo inciso trata da proibição do abuso no exercício do direito de propriedade,
prescrevendo que são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade,
ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
Trata-se da teoria do abuso de direito aplicada ao exercício do direito de
propriedade.
O parágrafo terceiro, assim como o art. 1.229 e 1.230 são limitações ao direito de
propriedade estabelecendo a possibilidade de desapropriação, a separação das jazidas e
outros recursos minerais do solo.85
Por último inova o legislador estabelecendo uma nova forma de perda da
propriedade nos §§4° e 5°, uma espécie de desapropriação judicial, pois o proprietário que
perde o bem deve ser indenizado, ao contrário do usucapião em que o proprietário que
perde o bem nada recebe.
Trata-se de uma regra sem dúvida inovadora, revolucionária para uns e injusta para
outros, mas que comentaremos melhor no capítulo da perda da propriedade.
São esses os principais contornos da nova propriedade civil, nesta nova roupagem
trazida pelo atual legislador e que comentaremos ao longo de todo o texto.
85 Desde o Código de Minas (Dec.n. 24.642, 10.7.1934) já havia separado o legislador a jazida do solo. Em
seu art. 4º prescrevia que: “A jazida é bem imóvel e tida como causa distinta e não integrante do solo ou
subsolo, em que está encravada. Assim a propriedade da superfície abrangerá a do subsolo na forma do direito
comum, excetuadas, porém, as substâncias minerais ou fósseis úteis `a indústria”. Também a CF/88
estabelece no art. 176 esta separação.
105
II DA PROPRIEDADE EM GERAL
Estabelece no §2° do art. 1.228 que são defesos os atos que não trazem ao
proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de
prejudicar outrem.
Não é pacífica tal escolha adotada pelo legislador, propugna-se pela diferenciação
dos dois institutos, afinal ato ilícito é o cometimento de uma ação ou omissão violando
direito, já abuso de direito é o ato daquele que exercendo direito o excede.86
86 Observa Barbosa Moreira em artigo sobre o assunto que do art. 187 do CC extrai-se de imediato uma
ilação: a de que entre nós o abuso do direito está, de lege lata, equiparada ao ato ilícito. Semelhante
equiparação, já se registrou, não é pacífica em doutrina. E, na verdade, parece razoável, do ponto de vista
teórico, o entendimento que distingue as duas figuras. Uma é a situação de quem, sem poder invocar a
titularidade de direito algum, simplesmente viola direito alheio: seria esse o autêntico perfil do ato ilícito.
Outra situação é a daquele que, sendo titular de um direito, irregularmente o exerce. In, Abuso de direito, p.
104.
87 Ob. Cit. p. 107.
106
Lembram-se bastante de dois casos que já fazem parte da literatura jurídica. Um
decidido pelos Tribunais Alemães e outro pelos Tribunais Franceses.
A teoria do abuso de direito pode ser lida de uma forma objetiva e subjetiva. Por
esta há a necessidade de caracterizar-se a intenção de prejudicar outrem, por aquela não se
alude aquela intenção mas à ultrapassagem de determinados limites no exercício. Tais
limites são caracterizados como: a) pelo fim econômico ou social do direito exercido; b)
pela boa-fé; c) pelos bons costumes.88
Adota-se entre nós a forma objetiva, pois o art. 187, regra geral do abuso de direito,
não exige a configuração do elemento subjetivo – intenção de prejudicar outrem-, porém o
faz o §2° do art. 1.228 ao considerar proibitivos os atos que não trazem ao proprietário
qualquer comodidade ou utilidade exige que tais seja realizados com a intenção de
prejudicar outrem.89
107
Haveria abuso de direito àquele que exerce o direito de propriedade fora da sua
finalidade econômica e social, pois esse é o seu contorno, esse é o seu limite.
Também comete abuso, claro, quem age fora dos limites estabelecidos pela boa-fé e
pelos bons costumes.
2.2 Descoberta
108
estabelecido no art. 1.170 do CPC e deduzido do preço as despesas e a recompensa do
descobridor, o restante pertencerá ao Município em cujo local foi encontrado o bem (art.
1.237).
Mas se o bem for de pequeno valor que não compense o procedimento de venda em
hasta pública poderá o Município abandonar a coisa em favor de quem achou (§ único,
1.237).
Fará jus o descobridor a uma recompensa que não poderá ser inferior a 5% do valor
do bem, que deverá levar em conta para sua fixação o esforço do descobridor para
encontrar o dono, as possibilidades que teria este de encontrar a coisa e a situação
econômica de ambos, e ainda deverá ser somada a esta uma indenização pelas despesas
com a conservação e transporte da coisa (art. 1.234 e §único).
109
III AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL
SUMÁRIO: 1.0 Considerações gerais; 1.1 Registro; 1.1.1 Atributos do registro; 1.1.2
Lei dos Registros Públicos; 1.2 Usucapião; 1.2.1 Usucapião e prescrição; 1.2.2
Requisitos; 1.2.3 Espécies; 1.2.3.1 Extraordinário; 1.2.3.2 Forma especial do
extraordinário; 1.2.3.3 Ordinário; 1.2.3.4 Forma especial do ordinário; 1.2.3.5
Especial Urbano (pro habitacione); 1.2.3.6 Especial Rural (pro labore); 1.2.3.7 §4° e
§5°, art. 1.228 CC; 1.2.3.8 Usucapião especial coletiva do estatuto da cidade; 1.2.3.9
Usucapião índigena; 1.2.4 Usucapião de direitos reais sobre coisas alheias; 1.2.5
Acessio possessionis; 1.2.5 Causas obstativas, suspensivas e interruptivas da prescrição
aquisitiva; 1.2.6 Ação de usucapião; 1.2.7 Direito intertemporal; 1.3 Acessão; 1.3.1
Formação de ilhas; 1.3.2 Aluvião; 1.3.3 Avulsão; 1.3.4 Abandono do álveo; 1.3.5
Plantação e construção
110
Registro de Imóveis), porém por ser um evento causa mortis não é tratado no livro do
direito das coisas, mas no livro das sucessões.
Comecemos então invertendo a ordem legal, pelo registro.
3.1 Registro
Diz o art. 1.245 que transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do
título translativo no Registro de Imóveis.
Essa afirmação sempre choca um pouco aqueles que ainda não conhecem essa
matéria, questiona-se para quê então serve o contrato de compra e venda de imóvel, se ele
não torna o comprador dono. Serve para permitir o direito a essa transferência, mas por si
só não transfere. Daí a vulnerabilidade do direito daqueles que optam por comprar um
imóvel e não registrá-lo, tornando-o um ‘contrato de gaveta’.
É claro que se comprado do verdadeiro dono, aquele em cujo nome está o registro,
ele garantirá o registro, mas enquanto este não ocorrer o dono do imóvel é o vendedor, em
cujo nome ainda permanece registrado o imóvel.
Por isso adotou-se no Brasil a regra do registro que garante maior segurança nestas
transações, principalmente para terceiros, que tem no Cartório de Imóveis a possibilidade
de informar-se sobre a situação do imóvel sabendo quem é seu dono (para verificar se
aquele que lhe está oferecendo a propriedade é legítimo), se sobre ele pende algum ônus
real (como hipoteca), se há algum direito inscrito sobre o bem (como uma locação).
111
Conforme Washington de Barros Monteiro são 5 os atributos do registro:
publicidade; força probante; legalidade; obrigatoriedade e continuidade. Alguns autores
preferem denominá-los por princípios do registro e ainda enumeram junto a estes a
territorialidade, a prioridade, a especialidade e a instância.
Publicidade
O primeiro atributo do registro é a sua publicidade. É por isso que qualquer pessoa
pode ir ao Cartório de Registro de Imóveis e verificar a situação de imóvel. Quem é seu
dono, se sobre ele pende algum ônus, etc. Ao se registrar a transferência não se torna só
dono, também informa-se a todos de que se é dono. Ninguém poderá alegar
desconhecimento da sua propriedade, pois o registro lhe confere esta publicidade.
Força Probante
Claro que não é uma presunção absoluta, admite-se prova em contrário, mas essa só
poderá ser feita no judiciário, pois terá que se provar, por exemplo, uma fraude, daquele
que se apresentou como dono, falsificando documentos e efetivou uma transferência de
propriedade. Por isso o CC prescreve no art. 1.245, §2º que enquanto não se promover, por
meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento,
o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.
Legalidade
Também o registro opera uma legalidade do seu ato. Pois o registro não é realizado
somente pela apresentação da escritura pública, o cartorário verifica a legalidade do ato.
Verificará pela apresentação da escritura de compra e venda se aquele que vende é quem
está registrado o imóvel, se sendo casado o cônjuge também outorgou o documento, enfim
112
verificará se não há nenhuma irregularidade ou pendência que prejudique o registro e só
assim o fará.
Por isso que primeiro ocorre a prenotação do documento, para que nesse período de
análise o cartório possa verificar tudo isso e só depois é que se registrará na matrícula o
imóvel.
Obrigatoriedade
Nenhum ato registral pode ocorrer se não for autorizado pela lei dos registros
públicos, que é a referida lei 6.015/73.
Continuidade
113
Essa continuidade representa também um histórico da propriedade, pois sabe-se
através do registro quem foram os seus proprietários, em que ano ocorreram as
transferências, se houve ônus reais, como hipoteca, etc., enfim, conhece-se a história
daquela propriedade.
Territorialidade
Prioridade
A prioridade protege quem primeiro registra o seu título e essa ordem é determinada
pela prenotação.
114
Imagine que mais de um título seja apresentado para registro, por exemplo duas
hipotecas sobre o mesmo imóvel. Se o credor 1 apresentá-la depois do credor 2, será este
último o primeiro hipotecário e se privilegiará da venda, pois o dinheiro arrecadado
primeiro pagará a este, só para depois, com o que sobrar pagar o 2º hipotecário.
Especialidade
Instância
Pela instância não é permitido ao oficial proceder a registros de ofício, mas somente
a requerimento do interessado. Este requerimento poderá inclusive ser verbal, por exemplo,
com a apresentação do título, não é exigido que se realize o requerimento formal, por
escrito.
Conhecida como a lei dos registros públicos, a lei 6.015 de 1973, regula os serviços
concernentes aos registros públicos, sendo estes o registro civil de pessoas naturais; o
registro civil de pessoas jurídicas; o registro de títulos e documentos e o registro de
imóveis.
115
Inicia estabelecendo a separação entre os atos que serão registrados (art. 167, I) e os
atos que serão averbados (art. 167, II). Todos descritos minuciosamente, sem o qual não
poderá o oficial registrar ou averbar.
Aliás o termo registro como bem aponta Nelson Nery não é unívoco. Ora se designa
por ele o próprio ofício público (Cartório de Registro de Imóveis), ora se designa o ato
praticado em livro desse ofício para realizar o referido fim.
Além do mais a própria lei acabou com a diferença entre transcrição e inscrição
resolvendo tudo pelo termo genérico registro como dispõe o art. 168 ‘Na designação
genérica de registro, consideram-se englobadas a inscrição e a transcrição a que se referem
as leis civis’.
A lei como dissemos só faz diferença entre o registro e a averbação, esta última
sempre envolve atos que dependem da existência de um registro anterior e se faz
marginalmente a esta.
Mas mesmo assim o termo registro acaba também abrangendo numa linguagem
comum a averbação, se diz que vai ao cartório registrar, quando tecnicamente o que se
realizará é uma averbação.
Com relação ao processo este inicia-se com a prenotação do título, conforme art.
1.246 do CC e 182 da Lei de Registros, onde no prazo de 30 dias deverá o oficial do
cartório verificar a regularidade para só após registrar ou averbar o título.
Também estabelece quais os atos que poderá o oficial de ofício retificar e quando
deverá cancelar em virtude de decisão judicial (art. 213 e 214).
A novidade desta lei é o estabelecimento da matrícula a todo imóvel que venha a ser
registrado (art. 176, §1º, I). Assim, antes de efetivar-se o registro deve instituir-se a sua
matrícula, e isso ocorrerá quando o imóvel sofrer a sua primeira alteração na titularidade
após a vigência da lei.
116
3.2 Usucapião
Tem-se o tempo como seu fator principal. Todo usucapião resulta de uma posse por
determinado tempo. O tempo varia nas modalidades de usucapião como veremos mas
sempre há uma soma do tempo + posse.
Porém sem dúvida é a propriedade o mais importante e o que gera a maior fonte de
investigação e estudo.
Mas o instituto da prescrição tem um alcance mais geral, pois se refere a todos os
direitos, enquanto o usucapião só se refere à propriedade e aos direitos reais.92
3.2.2 Requisitos
92 Explicação de Andrea Torrente, extraída da obra do prof. Washington de Barros Monteiro, Curso, p.122.
117
Para se adquirir por usucapião é sempre necessário os requisitos: posse + tempo.
Esses são os requisitos básicos, porém junto a estes aliam-se outros requisitos O requisito
tempo é diverso nas várias modalidades de usucapião atual como também na história desse
instituto. O certo é que o legislador opera com a seguinte equação: quanto maior o
tempo menor o número de requisitos, quanto menor o tempo maior o
número de requisitos.
Também não é todo bem que pode ser usucapido, proíbe-se a aquisição de bens
públicos (art. 102, CC).
REQUISITOS DO USUCAPIÃO
produtividade
118
‘Animus domini’
A posse deve ser exercida com animus domini, ou seja, exige-se aquele requisito
subjetivo Savinyano, o ânimo de possuir como dono, o animus rem sibi habendi.
Diz o código no art. 1.238 ‘aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem
oposição, possuir como seu...’. Também repete esta expressão nos arts. 1.239 e 1.240
do usucapião especial.
Não exerce posse com animus domini o locatário, o comodatário, o arrendatário, pois
reconhecem no proprietário a titularidade deste direito. Mas isto não quer dizer que a
causa possessionis destes não possa ser alterada, passando a assumir uma posição de
posse ad usucapionem.
A posse do usucapião deve ser mansa e pacífica, ou seja, não pode ser uma posse
contestada, é a posse que é exercida sem oposição.
Mas há que bem explicar-se essa ausência de contestação, Caio Mário, diz que “requer-
se ausência de contestação à posse, não para significar que ninguém possa ter dúvida
sobre a conditio do possuidor, ou ninguém possa pô-la em dúvida, mas para assentar
que a contestação a que se alude é a de quem tenha legítimo interesse, ou seja, da parte
do proprietário contra quem se visa usucapir”.93
E aqui já nos surge duas questões: 1° a contestação deve ser somente a do titular do
direito esbulhado, por exemplo, um terceiro que tenta tomar a posse é considerado para
efeito de contestação? Se terceiro, que não o proprietário de quem se pretende usucapir,
tenta obter a posse e não consegue por ação deste possuidor, que por exemplo, valendo-
se da legítima defesa da posse ou mesmo de medidas judiciais a recuperou não deve ser
considerado contestação ou oposição à posse. Deve ser entendida esta como a ação
vitoriosa do proprietário e não de um outro terceiro contra quem não está correndo o
prazo de usucapião.
119
vitoriosa, se este ajuizando uma ação contra o possuidor não logra sair vitorioso, não
interrompe a prescrição aquisitiva. 94
Posse contínua
A posse deve ser contínua, ou seja, sem interrupção. Como explica Carlos Roberto
Gonçalves, ‘o possuidor não pode possuir a coisa a intervalos, intermitente. É
necessário que a tenha conservado durante todo o tempo e até o ajuizamento da ação de
usucapião.95
Considera-se interrompida a posse quando o possuidor sofre esbulho por terceiro? Não,
mas desde que ele a recupere logo. O art. 1.210, §1° do CC usará essa expressão ao
dizer ‘O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua
própria força, contanto que o faça logo (...)’. Como visto não estabelece o código prazo
para essa interrupção, mas já se decidiu que se dentro de ano e dia houver a recuperação
da posse, esta não terá sido interrompida.
Também não deve ser considerada interrompida a posse por qualquer mudança do
possuidor, pode este, que antes morava no bem, vir a morar em outro local porém
continuar exercendo posse sobre o bem.
Por último, apesar do legislador exigir a continuidade da posse, esta não se dá na pessoa
do possuidor mas na posse exercida sobre o bem, quer se dizer que não é João, por
exemplo, quem deve exercê-la por 10 anos, mas que a posse exercida seja de 10 anos
contínuos, pois esta pode ser somada com a posse do antecessor. Trata-se da acessio
possessionis, que abordaremos a seguir.
Posse pública
Reforçam também os autores a idéia de que a posse ad usucapionem deve ser pública,
ou seja tem que ser aquela que ocorre na vista de todos, não é possível a aquisição por
usucapião de uma posse clandestina, aliás estando a posse a revestir-se dessa
característica nem inicia-se a contagem do prazo prescritivo.
94 Não é esta, por exemplo, a posição da 2ª Turma do STJ, que entendeu interrompida a prescrição mesmo no
julgamento improcedente de ação reivindicatória: “Direito processual civil. Efeitos da citação válida. Código
de Processo Civil, art. 219. Ação proposta, mas pedido julgado improcedente. Inequívoco exercício do direito.
Inércia descaracterizada. Prazo prescricional interrompido. (EREsp/SP; 1998/0057915-0, j. em 27/09/2006)”.
95 Direito Civil Brasileiro, p. 258.
120
Posse incontestada
Posse incontestada é sinônimo de posse mansa e pacífica. Pois a posse ocorre de forma
mansa e pacífica quando não é contestada.
Tempo
REQUISITO NEGATIVO:
Bem público
Não podem ser adquiridos por usucapião os bens públicos, conforme art. 102 CC e
art. 183, §3° e 191, § único da CF.
121
Bem de família
É uma questão interessante, afinal se este goza de proteção legal impedindo a sua
constrição por motivos de dívida, poderia então sofrer a prescrição aquisitiva?
E essa conclusão não decorre das ressalvas estabelecidas pela própria lei (art. 3°, da
lei 8.009/90), mas da própria interpretação do instituto do usucapião.
Para ser usucapido um bem precisa estar na posse de outro durante um determinado
tempo estabelecido pela lei, isso significa que durante esse tempo não houve reclamação
adequada para interromper essa posse, como pode então um bem de família que pela lei “é
aquele único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente
(art. 5°)” estar na posse de outro sem reclamação? Se isso ocorreu é porque não havia nele
moradia e se havia abandonou-se pela negligência ou descaso.
122
assim desonerá-lo. Mas a isto deve estar atento o juiz na ação de usucapião e não, por esta
razão, interpretar de outra forma a norma e a natureza jurídica do instituto.
Poderia um bem em que as pessoas jurídicas de direito público respondem por mais
de 50% serem usucapidos?
A resposta é sim.
Apesar de terem uma participação pública tais bens não são considerados públicos e
a eles então não se aplica a regra do art. 102 do CC.
3.2.3 Espécies
123
Usucapião Especial Urbano ou pro habitatione: art.1240 e 183,§1º a 3º, CF
Usucapião Especial Rural ou pro labore: 1239 e 191 CF
§§ 4º e 5º do art. 1.228 do CC
Usucapião indígena
124
A posse como explicado no item dos requisitos deve ser qualificada o possuidor
deve possuir animus domini, sua posse deve ser mansa e pacífica e todo o período de 15
anos deve ter transcorrido sem oposição.
Acrescenta o legislador mais dois requisitos junto a posse e ao tempo, que também
reduz para 10 anos: moradia + realização de obras ou serviços de caráter produtivo.
Nesta espécie começamos a ter alguns requisitos específicos, além daqueles gerais.
Aqui exige-se o justo título e a boa-fé.
Não há necessidade que esse título esteja registrado, até porque se assim ele
estivesse, não haveria obstáculo à transmissão da propriedade. São justos títulos os famosos
‘contratos de gaveta’, os compromissos e promessas de compra e venda, etc.
125
A pessoa que toma posse por um justo título acredita ser o dono e por isso coloca-o
o legislador numa situação beneficiada de redução do prazo.
O art. 1.201 do CC presume a boa-fé no justo título (“O possuidor com justo título
tem por si a presunção de boa-fé ...”). Porém aqui, no usucapião ordinário, o legislador
exige o justo título e a boa-fé. Não há aquela presunção. São necessários os dois requisitos.
O legislador do atual código criou essa modalidade de usucapião como uma forma
especial ao usucapião ordinário, conferindo para este o prazo de 5 anos.
Sendo uma espécie daquele, exige-se os mesmos requisitos além dos seguintes
específicos: aquisição onerosa com base no registro constante do respectivo cartório,
cancelada posteriormente + moradia ou investimentos de interesse social e econômico.
Veja que fica claro a preocupação do legislador em coroar situações de fato de uso
da propriedade.
126
Seu objetivo, como observa Washington de Barros Monteiro foi a fixação do
homem no campo.98
Exigiu-se primeiramente como requisito a posse por 10 anos + área não superior a
20 hec + não propriedade de outro imóvel + produtividade + moradia.
A CF/88 reproduzindo esta espécie estabeleceu no art. 191 “Aquele que, não sendo
proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem
oposição, área de terra em zona rural, não superior a 50 hectares, tornando-a produtiva por
seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”.
O usucapião especial rural foi a primeira espécie a indicar sua utilização pelo
legislador também como um instrumento de política social, para o atendimento da função
social da propriedade, aqui direcionada a fixação do homem no campo e uma premiação
àquele que dele faz sua moradia e da família e também sua fonte de sustento.
Estabeleceu no art. 183 que “Aquele que possuir como sua área urbana de até
duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,
utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não
seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”.
Vejam que os requisitos são próximos da usucapião especial rural, não se exige a
produtividade pois não é essa a finalidade de um imóvel urbano e estabelece-se outra
medida (250 m²) adequada à propriedade urbana.
O Estatuto da Cidade (art. 9°, Lei 10.257/01) reproduziu essa disposição assim
como o atual CC em seu art. 1.240.
98 Curso, p. 126.
127
enquanto os dois anteriores falam em área urbana este última fala em área ou edificação
urbana.
Haveria então diferença? Como exige o legislador a moradia, há quem entenda que
não seria possível, pela CF e pelo CC a usucapião de terreno urbano sem construção, tendo
em vista que o objetivo da lei é a moradia.
Não entendemos dessa forma, e além do mais não acreditamos que área urbana
refira-se a área construída, pois pode-se morar mesmo sem moradia e depois construí-la,
improvisando temporariamente, afinal quantas pessoas moram na rua.99
Pelo estatuto da cidade não fica dúvida de que para o legislador a usucapião é um
instrumento da política urbana (Art. 4°, V, j), e, assim poderíamos dizer para o
cumprimento da função social da cidade, como é o usucapião rural para o campo.
99 Esse é o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves, para quem a tal espécie não se aplica à posse de
terreno urbano sem construção , pois é requisito a sua utilização para moradia do possuidor ou de sua família.
Direito Civil, p. 240.
128
Consideram alguns autores como o prof. Carlos Alberto Dabus Maluf que se trata
de uma nova modalidade de usucapião, porém não se trata de uma posição unânime. E a
principal resistência a adoção dessa tese é que o parágrafo seguinte ainda tratando desta
espécie de aquisição dirá que “No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa
indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o
registro do imóvel em nome dos possuidores”. (grifo nosso)
A aquisição por usucapião nunca gerou indenização ao proprietário e por isso tal
espécie trazida pelo legislador civil não deve ser vista como uma modalidade de usucapião
e sim como uma outra causa de aquisição da propriedade.
Mas entendemos que não se deve tentar conceituá-lo através de outros institutos em
que este não se enquadra sem uma distorção da idéia daquele, o melhor é defini-lo como
uma nova espécie de aquisição da propriedade, porque no caso da desapropriação, mesmo
que o §5° fale em indenização, essa indenização ao que indica, não é devida pelo Estado
mas sim pelos possuidores-beneficiados, o que modifica o próprio conceito de
desapropriação. 101
Trata-se sem dúvida de uma licença poética do criador do código, dar a essa
disposição um caráter revolucionário, mas sem dúvida é um instrumento de grande poder
do juiz até devido ao número de conceitos vagos trazidos como extensa área, considerável
100 Código civil comentado, art. 1228, §4º, nota 27, ou autor inclusive define a desapropriação judicial na nota
29 como o ato pelo qual o juiz, em ação dominial (v.g., reivindicatória) ajuizada pelo proprietário, acolhendo
defesa dos réus que exercem a posse-trabalho, fixa na sentença a justa indenização que deve ser paga por eles,
réus, ao proprietário, após o que valerá a sentença como título translativo da propriedade, com ingresso no
registro de imóveis em nome dos possuidores, que serão os novos proprietários.
101É esse também o entendimento de José Carlos de Moraes Salles para quem como o §5° não diz a quem
incumbirá o pagamento da indenização devida ao proprietário, não será possível atribuir-se esse encargo ao
Poder Público, de modo que, por mais essa razão, a tal “privação” da coisa pelo proprietário não deriva de
desapropriação. Usucapião de bens imóveis e móveis, p. 494.
102 Visão geral do novo Código Civil, p XV.
129
número de pessoas e obras ou serviços considerados pelo juiz de interesse social e
econômico relevante.
Chama-nos a atenção nesta nova espécie de aquisição dois elementos: 1°o fato do
legislador não ter estabelecido a quem competirá o pagamento da indenização e 2° a
possibilidade desta aquisição ocorrer em imóvel público.
Com relação ao segundo elemento, por não se tratar de usucapião, é possível esta
aquisição sobre imóveis públicos, a vedação da lei não atingiria esta espécie, aliás este é um
dos motivos pelo qual não se deve chamar esta hipótese de usucapião, para não lhe trazer as
mesmas proibições.
103 Um elemento que também nos chama a atenção é a semelhança desta forma de aquisição com a do
usucapião coletivo do estatuto da cidade. Ambos requerem o prazo de 5 anos, o considerável número de
pessoas e a extensa área ocupada (no usucapião coletivo + de 250 m²). Para o usucapião coletivo se exige a
moradia, para este, obras e serviços de interesse social e econômico relevante. O que os diferencia e o que os
aproxima é algo que a doutrina e jurisprudência deverão resolver, para não aniquilar o usucapião coletivo
através desta forma de aquisição da propriedade.
130
Estabelece então o Estatuto da Cidade no art. 10 que “As áreas urbanas com mais de
250m², ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por 5 (cinco) anos,
ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados
por cada possuidor, são suscetíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os
possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural”.
Esta espécie faz parte dos institutos jurídicos e políticos (art. 4º, V, j) utilizados
como instrumentos da política urbana (art. 4º) do Estatuto da cidade visando atender as
diretrizes gerais nele estabelecidas (art. 2º), neste caso visando a regularização fundiária e
urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda (art. 2º, XIV).
Se o próprio instituto já foi uma grande novidade as repercussões dele advindas são
inúmeras.
Como a modalidade traz vários conceitos vagos todos eles reclamarão uma exegese
do julgador interpretando-os ao caso concreto. Por exemplo, o que significa população de
baixa renda? Há algum parâmetro para compreendê-la? E área superior a 250 m², haverá
um limite? E como deve ser a posse dessa população de baixa renda? Somente para
moradia? Poderá haver comércio (bar, salão, mercearia, etc.)? Enfim, são questões que se
resolverão com o tempo, com a aplicação do instituto na prática.
131
Como se resolver, por exemplo, a existência de ruas, vielas, caminhos, praças que
vão se formando nesta aglomeração urbana? Essas vias passarão para o domínio do
município como bens de uso comum do povo? Ou serão encaradas como uma espécie de
servidão? Tudo isso faz parte da problemática da aplicação desse novo instituto, que só o
tempo, a análise dos casos concretos e a consolidação de um pensamento sobre a matéria é
que determinará as melhores soluções.
Prescreve o art. 33 que “O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez
anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinqüenta hectares, adquirir-lhe-á a
propriedade plena”.
132
QUADRO-RESUMO DAS DIVERSAS ESPÉCIES DE USUCAPIÃO CIVIL:
DISPOSIÇÃO Art. 1.238 CC § único, 1.238 CC Art. 1.242 CC § único, 1.242 CC Arts. 183 CF, Arts.191 CF Art.10
LEGAL 1.240 CC e 9º Est. e 1.239 CC
Cidade.
REQUISITOS Posse + tempo Posse + tempo +moradia Posse + tempo Posse+tempo+just Posse+tempo+ Posse + Posse + tempo+
ou realizar obras ou + justo título + o título+boa- tempo + moradia de
serviços de caráter boa-fé fé+aquisição moradia+ 250m² moradia + população de baixa
produtivo onerosa ou realizar +não ser torná-la renda+impossibilid
proprietário de produtiva ade de identificação
investimentos de + individual dos
interesse social e outro imóvel 50 hec. terrenos + não
econômico serem proprietários
de outros imóveis.
Entre estes há que haver o exercício de uma posse prolongada, por isso é possível
adquirir por usucapião a servidão. O código é inclusive expresso sobre esta possibilidade
quando no art. 941 do CPC diz que “Compete a ação de usucapião ao possuidor para que se
lhe declare, nos termos da lei, o domínio do imóvel ou a servidão predial”. Também o art.
1.379 do CC dirá que “O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por
dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registra-la em seu nome no
Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a
usucapião”.
Mas como visto pela leitura, exige o legislador que a servidão seja aparente.
Servidão aparente é aquela que se manifesta por atos visíveis, como a servidão de aqueduto.
As servidões não aparentes são aquelas que não aparecem exteriormente, ou seja, não são
visíveis. Uma servidão de não edificar acima de certa altura é uma servidão não aparente.
Também como servidão não aparente encontra-se a servidão de trânsito ou também como é
conhecida servidão passagem.
133
prolongada. Então como explicar o usucapião desta servidão não aparente? Justifica-se
quando a servidão de trânsito se apresenta ostensiva e materializada em obras externas,
como pontes, viadutos, trechos pavimentados e outros sinais visíveis. Nesse sentido dispõe
a súmula 415 do STF “Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente,
sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à
proteção possessória”.
Além da servidão afirmam alguns autores ser possível usucapir o domínio útil na
enfiteuse, o usufruto, o uso e a habitação.105
Considera-se em alguns julgados que o objeto sobre que recai o usufruto não
pertence àquele que o constituiu. Assim, estabelecido o usufruto entre A (nu-proprietário) e
B (usufrutuário), C tendo dele posse pelo período autorizado pela lei, adquire por usucapião
o usufruto de B. A prescrição aquisitiva opera entre B e C. O objeto do usufruto não
pertence a B mas a A, então o que se adquire de B é o seu direito real de usufruto. A,
continuará sendo nu-proprietário, mas agora o usufrutuário passará a ser C. É como nessa
jurisprudência citada por Moraes Salles “Consumada a prescrição, o direito do usufrutuário
105 Poucos autores enfrentam o tema do usucapião de direitos reais sobre coisas alheias, entre estes encontra-
se José Carlos de Moraes Salles, em sua obra Usucapião de bens imóveis e móveis, p. 151.
134
subsiste em pleno vigor com todos os seus efeitos diante do verdadeiro proprietário, como
se por ele mesmo houvesse sido estabelecido”.106
Mas veja como é tênue esta separação, porque a posse exercida por C não geraria a
própria usucapião da propriedade?
Tanto o uso como a habitação são espécies de usufruto, ou usufrutos limitados, pelo
uso ou pela habitação.
135
Diferenciam os autores essa regra quando a soma da posse ocorre entre sucessores
singulares, chamando-a então de acessio possessionis, e quando a soma da posse ocorre
entre sucessores universais, que então seria a sucessio possessionis. Porém usaremos nesse
trabalho o termo acessio possessionis para designar as duas espécies.
107Esta é a opinião de alguns autores, como Carlos Roberto Gonçalves, que ao explicar a impossibilidade de
acessio possessionis à usucapião rural, assim justifica: “Não pode, assim, o possuidor acrescentar à sua posse
a dos seus antecessores, uma vez que teriam de estar presentes as mesmas qualidades das posses adicionadas,
136
Porém nada comentam os autores acerca destas formas especiais acrescentadas às
tradicionais. Entendemos, no entanto, que devido à redução de prazo e ao seu caráter
especial, só deve ser admitido a sucessio possessionis, ou seja, a acessão do sucessor
universal que já residia na posse, como o filho, que sucedendo ao pai, continua nela
morando e produzindo.
Por sua vez o Estatuto da Cidade provoca uma mudança na relação da acessio
possessionis na usucapião urbana. O §3° do art. 9° que versa sobre a usucapião urbana
individual, permite que o herdeiro continue a posse de seu antecessor, desde que já resida
no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.
o que seria difícil de ocorrer, visto que há requisitos personalíssimos incompatíveis com a aludida soma,
como produtividade do trabalho do possuidor ou de sua família e morada no local. É afastada até mesmo a
hipótese de adicionamento quando o sucessor a título singular faz parte da família e passa a trabalhar a terra e
a produzir, nela residindo”, Direito Civil, p. 240.
137
família.
USUCAPIÃO URBANA Admite-se a sucessio possessionis, §3º, art.
9º, Estatuto da Cidade
Na matéria de usucapião isso tem um peso significativo pois tais causas não levam à
contagem do prazo aquisitivo.
Sendo assim, são causas obstativas da prescrição as descritas nos artigos 197, 198 e
199 do CC. São causas suspensivas as descritas no art. 201. E são causas interruptivas as
descritas no art. 202.
138
que possua um imóvel de um incapaz, não poderá alegar usucapião se este ainda for menor,
mesmo que tenha ficado no bem tempo suficiente para usucapir).
Como importante causa interruptiva temos o despacho do juiz que ordena a citação
(art. 202, I). Imagine que um proprietário esbulhado em sua posse ajuíze ação possessória
após 4 anos e 11 meses (quando o prazo aquisitivo fosse de 5 anos), o despacho desta ação
interromperá o prazo prescricional do réu, que recomeçará a contar do zero após a sentença,
caso o possuidor-esbulhador saia vitorioso, que para usucapir agora deverá completar todo
o prazo novamente (no nosso exemplo, 5 anos).
Não há uma sintonia técnica na disposição deste artigo no Código, pois ele se
encontra entre a enumeração das espécies de usucapião e logo em seguida continua o
código a enumerar mais uma espécie de usucapião, podendo parecer que a esta ele não se
refere.108
108Os 3 artigos anteriores 1.238, 1.239 e 1.240 descrevem respectivamente o usucapião extraordinário, o
especial rural e o especial urbano, depois o 1.241 refere-se à ação de usucapião, e continua o 1.242 a
descrever o usucapião ordinário.
139
Também pode parecer pela sua leitura que é a ação de usucapião que faz com que o
possuidor adquira a propriedade. Esta já foi adquirida pelo decurso do tempo, pois
lembremos, o usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade.
O rito processual da ação de usucapião é descrito no CPC nos arts. 941 a 945.
Para a ação deverão ser citados além do proprietário em cujo nome, está transcrito o
registro imobiliário, todos os confinantes do imóvel. Estes são partes no processo e não
testemunhas, se bem que a sua participação ocorra para testemunhar e não para pedir.
Trata-se de um litisconsórcio necessário, mas não unitário.
109 Como nesta decisão do STJ: “PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO. CITAÇÃO. CONFRONTANTE.
AUTOR. RESCISÓRIA. DESCABIMENTO. 1- Se o móvel da ação rescisória é a falta de citação de
confrontante (ora autor), em ação de usucapião, a hipótese é de ação anulatória (querella nulitatis) e não de
pedido rescisório, porquanto falta a este último pressuposto lógico, vale dizer, sentença com trânsito em
julgado em relação a ele. Precedentes deste STJ. 2- Recurso conhecido em parte e, nesta extensão, provido
para decretar a extinção do processo rescisório sem julgamento de mérito (art. 267, VI do CPC) (REsp
62853/GO, T4, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 19/02/2004)”
140
O tempo de prescrição aquisitiva deve ter se completado quando do ajuizamento da
ação, se bem que já se admitiu que a posse exercida entre a propositura e o julgamento da
ação seja computada no prazo exigido para o usucapião.110
Uma outra questão interessante é se para a ação de usucapião a posse deve ser atual.
Ou seja, deve o possuidor se encontrar na posse do bem quando do ajuizamento da ação?
Imaginemos a seguinte situação: João possuiu um bem durante 06 anos, junto a outros
requisitos que lhe permitiriam adquirir na modalidade especial urbano individual. Porém
antes de ingressar com a ação, sofre esbulho. E agora, poderá ajuizar ação de usucapião?
As opiniões divergem bastante. Para muitos autores é necessário que a posse seja
atual. Se o possuidor-usucapiente foi esbulhado, deverá primeiro recuperar a posse para
somente depois ajuizar a ação de usucapião.111 Porém para outros, como trata-se o
usucapião de uma ação somente declarativa de um direito já conquistado, poderá o
possuidor, mesmo sem posse atual, ajuizar ação de usucapião para reconhecer seu direito e
depois vitorioso, ajuizará contra o possuidor-esbulhador ação reivindicatória.112
Mas mesmo diante desta última opinião faz ressalva quem entende desta forma à
usucapião especial, considerando que para esta a posse deve ser atual.
Devemos ainda lembrar que o usucapião pode ser alegado em defesa. Ou seja,
demandado pelo proprietário que pretende reivindicar a propriedade pode o possuidor
alegar que já usucapiu, não tendo mais direito o proprietário a essa reivindicação. Trata-se
de uma defesa de mérito indireta, pela alegação de um fato extintivo do direito do autor.
110 Carlos Roberto Gonçalves nos traz essa notícia, Direito Civil, p. 262.
111 Esta é a opinião de Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil, p. 270.
112Opinião de Nelson Luiz Pinto para quem já se tendo o usucapião consumado, quando a posse foi perdida,
não vemos como negar o direito à ação declaratória deste, àquele titular desse direito, mesmo sem posse
atual”, Usucapião, p. 73.
141
Como em algumas espécies como vimos não é necessário que a posse seja atual, a
legitimidade poderá ser daquele que no momento não tem posse.
Intervenção obrigatória
do Ministério Público
(art. 944)
142
3.2.8 Direito intertemporal
Também como norma provisória a do art. 2.030 determinava que o mesmo prazo
anterior (acréscimo de dois anos) fosse aplicado ao instituto criado pelo §4° do art. 1.228.
Ainda em vigor resta a norma do art. 2.028 que determina que sejam os da lei
anterior os prazos, quando reduzidos pelo CC, se na data de sua entrada em vigor, já houver
transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.
Em matéria de usucapião tal norma ainda tem aplicação. É o caso do possuidor que
quando da entrada em vigor deste código (2003) tenha cumprido mais da metade do prazo
da lei anterior (p. ex. tenha posse de um bem por 11 anos, mais da metade do prazo de 20
anos do CC anterior para usucapião extraordinário). Aplicando o 2.028 ele ainda terá que
cumprir mais 9 anos. Se, porém o prazo atual fosse a ele aplicado só teria que cumprir mais
4, pois esta forma de usucapião reduziu-se de 20 para 15 anos.
143
3.3 Acessão
2- por aluvião;
3- por avulsão;
As acessões ainda podem ser divididas em: acessões naturais e acessões artificiais.
A acessão natural se dá quando a união ou incorporação da coisa acessória à principal
advém de acontecimento natural. A acessão artificial ou industrial resulta de trabalho do
homem, de um comportamento ativo.115
144
Antes de mais nada cumpre indagar como faz Washington de Barros Monteiro, a
que ilhas se refere o legislador?
1° Não são ilhas que nascem no mar (pois, se em águas territoriais, serão do país por essas
banhado);
2° Não são ilhas em alto-mar, pois, nesse caso, pertencerá ao primeiro ocupante;
3° Não são ilhas em rios navegáveis, ou que banhem mais de um Estado, pois, nesse caso,
sendo tais correntes públicas (art. 20, IV, CF), as ilhas também serão públicas.
Imagina-se uma linha divisória nessa rio ao seu meio, às ilhas que ali nascerem
aplica-se essa linha, se formadas ao meio do rio, de acordo com essa linha divisória, serão
dos proprietários fronteiriços, de um lado e de outro. As que se formas entre a linha e uma
propriedade será desse proprietário e por último as que se formam pelo desdobramento de
um novo braço do rio continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos às custas dos
quais se constituíram.
3.3.2 Aluvião
116“Só interessam ao direito civil ilhas e ilhotas aparecidas nos rios não navegáveis, nas águas comuns ou
particulares. Pertencerão elas, de acordo com o citado art. 23, do Código das Águas, ao domínio particular”,
como mais uma vez nos informa Washington de Barros Monteiro, Curso, p. 110.
117 Famosa definição de Justiniano trazida por Washington de Barros Monteiro, Curso, p. 111.
145
correntes, ou pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais,
sem indenização”.
3.3.3 Avulsão
Estabelece o 1.521 sobre a avulsão que “Quando, por força natural violenta, uma
porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a
propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenização se, em um
ano, ninguém houver reclamado”.
A coisa desprendida deve ser suscetível de aderência natural, como terra, areia, pois
se não o for, como madeiras, móveis que possam ser lançados de um imóvel para outro por
um furacão, não há que se falar em avulsão, mas sim em coisa perdida, que deve ser
devolvida ao dono.
Álveo, pelo Código das Águas, é a superfície que as águas cobrem sem transbordar
para o solo natural e ordinariamente enxuto (art. 9º).
146
A questão surge para o Direito quando o rio abandona o seu álveo. Por isso a forma
de acessão chama-se álveo abandonado.
O álveo abandonado pode ser de corrente pública ou particular, a lei não distingue.
E a mudança da corrente não gera indenização aos proprietários dos terrenos desse
novo curso, salvo se a mudança se fez por utilidade pública, neste caso, conforme art. 27 do
Código das Águas, o prédio ocupado pelo novo álveo deve ser indenizado, e o álveo
abandonado passa a pertencer ao expropriante para que se compense da despesa feita.
Trata-se de uma acessão industrial, porque diferente das outras, ocorre por ação
humana.
E até por isso, pelos desdobramentos que traz, é regulada em mais artigos. Está
estabelecida no CC nos arts. 1.253 a 1.259.
Se submetem à regra de que tudo aquilo que se incorpora ao bem em razão de uma
ação qualquer pertence ao domínio de seu proprietário: “Toda construção ou plantação
existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o
contrário” (art. 1.252). É a regra do acessório segue o principal.
Porém dessa regra de que tudo que se incorpora ao bem pertence ao proprietário,
surgem 3 outras regras:
147
O art. 1.254 trata da situação da construção ou plantação em terreno próprio com
material alheio.
Neste caso aquele que semeou perde para o proprietário o que plantou ou construiu.
Se de boa-fé, tem direito à indenização. Também uma conseqüência da regra de que
toda construção ou plantação em um terreno presume-se do proprietário.
Mas o §único do art. 1.255 inova, trazendo uma regra que inverte a regra geral do
1.253, invertendo assim a regra de que o acessório segue o principal: “Se a
construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele
que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante
pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo”.
Por último, estabelece também o legislador uma regra para quando ambas as partes
estiverem de má-fé, neste caso o proprietário adquire a plantação ou construção,
devendo ressarcir o valor destas acessões, presumindo-se a má-fé quando a
construção ou plantação tiver sido realizada em sua presença sem impugnação (art.
1.256 e § único)
148
CONSTRUÇÃO OU PLANTAÇÃO EM TERRENO ALHEIO COM MATERIAL
ALHEIO
Também sobre acessões regula o legislador a invasão do solo alheio por construção,
a chamada construção em zona lindeira. Estabelece para esse caso 2 regra nos arts.
1258 e 1259, dependendo se a construção excede a 1/20 do terreno ou não.
149
Adquire o construtor a propriedade do solo invadido se de boa-fé,
devendo a indenização ser calculada sobre o valor que a invasão
acrescer à construção + a área perdida + desvalorização da área
remanescente (art. 1.259, primeira parte).
150
IV AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL
SUMÁRIO: 4.0 Considerações gerais; 4.1 Usucapião; 4.2 Ocupação; 4.3 Achado de
tesouro; 4.4 Tradição; 4.5 Especificação; 4.6 Confusão, Comistão, Adjunção
4.1 Usucapião
Não difere o instituto da usucapião de coisa imóvel e móvel, apenas perde este em
importância.
O legislador estabelece nos arts. 1.260 e 1.261 duas espécies de usucapião, as quais
podemos equipará-las com o usucapião ordinário e extraordinário.
151
Não podemos confundir a aquisição por usucapião com a ocupação, esta é a
aquisição de uma coisa sem dono, abandonada. Na usucapião a aquisição surge em
decorrência do tempo de posse.
É curiosa essa conclusão, pois afinal um bem imóvel pode ser ‘roubado’ no sentido
de violentamente tomado de seu proprietário, e mesmo assim gerará usucapião para esse
que tomou. Mas para o bem móvel essa situação não pode se aplicar, pois ao ser roubado o
proprietário não tem como agir, pois nem sequer sabe onde está o bem, por isso a
preocupação de se afirmar que esta posse não gera usucapião, pois afinal o proprietário
nada pode fazer para impedir a prescrição aquisitiva.
Por outro lado em se tratando de carro é comum que após a posse, no decurso de
prazo legal, se requeira usucapião para consolidar o direito e poder efetivar a transferência
no registro.
Também não pode ser confundida no usucapião de coisa móvel a detenção, a posse
por mera permissão ou tolerância. Se o carro, o computador, o dvd foi emprestado isso não
152
configura posse, a não se que o decurso do tempo faça presumir que aquele que possui o faz
com animus domini.
4.2 Ocupação
Estabelece o art. 1.263 que “quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe
adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei”.
Trata o legislador da “coisa sem dono”, se bem que conforme explica o prof.
Washington de Barros Monteiro prevê o dispositivo tanto a ocupação das res derelictae
(coisas abandonadas ou renunciadas) como das res nullius (coisas sem dono).120
As coisas comuns também podem ser apropriadas parcialmente, como rios, mares.121
É difícil imaginar hoje em dia algo sem dono, mas é possível que algo seja
abandonado. O abandono é uma das hipóteses legais de perda da propriedade e pressupõe
sempre a intenção.
Claro que a demonstração dessa intenção não é algo fácil, afinal ninguém abandona
um bem com uma carta avisando que se trata de abandono, esse deve sempre ser
presumido.
Mas remetemos o leitor nesse momento ao capítulo que tratamos do abandono onde
essa questão será melhor desenvolvida.
Como exemplo de coisas sem dono, mas por que comuns, podemos lembrar a
aquisição pela caça e pela pesca. Ambas constavam do CC anterior, não constam mais
deste, ma constituem objeto de leis especiais.
120
Estabelecia o código passado expressamente no §único do art. 592 que “volvem a não ter dono as coisas
móveis, quando o seu as abandona, com intenção de renunciá-las”.
121Como explica Washington de Barros Monteiro, as coisas comuns (res communis omnium) comportam
apropriação parcial; rios e mares não podem ser apropriados em seu todo, mas nada impede a apropriação de
uma parte, Curso, p. 188.
153
4.3 Achado do tesouro
Logo, por esses requisitos podemos concluir que não é achado de tesouro quando se
sabe o dono ou quando este aparece para reclamar a propriedade, assim também como não
o é, quando o achado não foi casual.
A importância dessa matéria deve ter sido tanta para o legislador que constitui
inclusive crime achar tesouro em prédio alheio e se apropriar, no todo ou em parte, da quota
a que tem direito o proprietário (art. 169, §único, I).
154
4.4 Tradição
Isso quer dizer, assim como na propriedade imóvel, que não é o contrato que
transfere a propriedade, é necessário a tradição, antes dela há um direito pessoal do
comprador, mas este ainda não é proprietário.
Não que o instituto tenha perdido em importância, essa tradição ficta é muito
comum nos contratos, principalmente no de compra e venda, tanto de propriedade móvel
quanto de propriedade imóvel. Por ela o comprador/adquirente tem a posse transferida pelo
vendedor/transmitente, mesmo que efetivamente o bem vendido ainda esteja no poder físico
do antigo proprietário. E este que antes a possuía como proprietário agora a possuirá como
possuidor direto, e o comprador se tornará possuidor indireto.
155
Por esse direito vim inserido em contrato, é também conhecido por cláusula
constituti.
É de grande importância nas relações negociais em que a venda não vem seguida da
efetiva tradição. Quando se trata de propriedade imóvel há a transferência negocial da posse
e também a inversão do título de posse do proprietário, quando se trata de propriedade
móvel há a transferência da propriedade, por essa tradição ficta.
Mas por sua vez ameniza esta regra ao estabelecer, primeiro, que se foi oferecida ao
público ou em estabelecimento comercial, cujas circunstâncias façam presumir a
legitimidade da transferência considera-se havida a tradição e segundo, se o alienante
realizou a tradição não era o proprietário e o adquirente estava de boa-fé, poderá
posteriormente haver a revalidação da tradição quando o alienante adquirir posteriormente
a propriedade.
156
4.5 Especificação
a) quando a matéria-prima lhe pertença, ainda que em parte somente (art. 1269);
a) quando sendo a matéria-prima alheia, mesmo que em parte, nesta for praticável a
redução à forma originária (art. 1270, §1º);
157
E em qualquer caso aqueles que sofrerem dano poderão tê-lo ressarcido, menos o
especificador de má-fé quando impraticável a redução à matéria-prima, nesse caso perderá
o bem sem direito à indenização.
Podem as coisas mesclar-se ou interpenetrar-se de tal maneira que não mais seja
possível separá-las, desmembrá-las ou distingüi-las. Quando a mistura se verifica entre
coisas líquidas, ou liquefeitas, existe confusão, entre coisas sólidas, ou secas, comistão e
quando ocorrer justaposição de uma coisa a outra, adjunção.128
b) se, não sendo possível separá-las mas uma das coisas puder ser
considerada a principal, o dono desta também será do todo que se formar,
cabendo indenizar os demais (§2°, 1.272);
c) se esta ocorreu de má-fé, poderá optar a parte que assim não agiu em
adquirir a propriedade no todo, pagando a parte que não foi sua, ou
renunciar ao que lhe pertencer mediante indenização (art. 1.273).
158
V PERDA DA PROPRIEDADE
SUMÁRIO: 5.0 Perda da propriedade; 5.1 Alienação; 5.2 Renúncia; 5.3 Abandono;
5.3.1 Abandono do bem imóvel; 5.3.2 Arrecadação do bem abandonado; 5.3.3
Procedimento da arrecadação de bem vago; 5.3.2 Abandono de bem móvel; 5.4
Perecimento da coisa; 5.5 Desapropriação; 5.5.1 Espécies; 5.5.2 Legitimidade para
desapropriar (quem pode desapropriar?); 5.5.3 Legitimidade para ser desapropriado
(quem pode sofrer desapropriação?); 5.5.4 Objeto da desapropriação 5.5.5
Retrocessão; 5.5.5 Processo desapropriatório; 5.5.6 Desapropriação e função social da
propriedade (desapropriação sancionatória).
Não era desta forma o CC anterior, que reservava um capítulo para a aquisição e
perda da propriedade móvel e outro para a perda da propriedade imóvel.
Curioso realizar esta comparação, pois, se num primeiro momento nos parece mais
técnica a descrição atual, em outro nos perguntamos se as causas de perda da propriedade
são as mesmas tanto para o bem móvel quanto para o bem imóvel?
Mas, estabelece o caput do artigo que além destas descritas nestes 5 incisos existem
outras causas consideradas neste código.
159
do usucapião. O usucapião é uma forma de aquisição da propriedade, mas é também de
perda. E isso ocorre com todas as causas de aquisição da propriedade móvel e imóvel.
E, por isso, foi mais técnico o legislador na descrição atual em não misturar as
causas de aquisição com as de perda e enumerar em um único artigo as causas de perda que
tanto servem para a propriedade imóvel como para a móvel.
Também podemos observar que não descreve o legislador como causa de perda da
propriedade o não-uso. Pois como observa Washington de Barros Monteiro, a prescrição
extintiva não se aplica ao direito de propriedade, de molde a acarretar-lhe a perda. O não-
exercício desse direito, por mais prolongado que seja, não o aniquila, não o extermina.129
5.1 Alienação
Essa transferência pode ocorrer a título gratuito, como no caso da doação, ou a título
oneroso, como no caso da compra e venda.
Já para Orlando Gomes alienação é o ato pelo qual o proprietário, por vontade
própria, transmite a outrem seu direito sobre a coisa.131
Reside aqui uma grande diferença na definição desses dois autores: é que sendo a
alienação a transferência voluntária da propriedade, não seriam transferência, logo
alienação, a desapropriação e também outros atos involuntários, como a arrematação no
processo de execução, que involuntariamente transmite para o arrematante a propriedade do
bem do devedor.
160
Mas aqui cumpre observar uma diferença entre a propriedade móvel e imóvel.
Enquanto para esta o registro representa a forma de aquisição da propriedade, logo sem ele
não ocorre a transferência da propriedade (art. 1.227), para o bem móvel esta só ocorre com
a tradição (art. 1.226).
Registre-se, então, uma diferença desta forma de perda da propriedade para o bem
móvel e para o bem imóvel.
5.2 Renúncia
É por isso que o legislador, no mesmo parágrafo único do art. 1.275, estabeleceu
que, para se efetivar a perda da propriedade pela renúncia, é necessário o registro do ato
renunciativo no Registro de Imóveis.
Nos casos dos bens móveis é difícil estabelecer uma diferença entre renúncia e
abandono. Como saber se o bem foi renunciado ou abandonado se para distinguir esses atos
a lei nada exige?
161
porque, em se tratando de bens móveis, uma das formas de aquisição, como vimos, é a
ocupação, o que não ocorre na propriedade imóvel; aquele que dela se ocupa não adquire a
propriedade, e, por isso, é possível estabelecer uma diferença entre renúncia e abandono na
propriedade imóvel.
Mais uma vez nos encontramos diante de uma diferença entre os institutos de perda
da propriedade, para a coisa móvel e imóvel.
A renúncia é um ato unilateral e para valer não necessita de aceitação de quem quer
que seja, como bem observa Orlando Gomes.132
162
5.3 Abandono
Mas se tudo parece fácil num primeiro momento é difícil explicar na prática essa
diferença.
Define abandono Orlando Gomes como o ato pelo qual o proprietário se desfaz da
coisa que lhe pertence, por não querer continuar seu dono.134
Mas como configurar o abandono, como saber se uma coisa foi ou não abandonada?
1- a derrelição da coisa;
163
ano. E esse não-uso não caracteriza abandono. Pois é normal que tais imóveis sejam usados
periodicamente, sazonalmente.
É evidente que para abandonar é preciso não usar, mas o não-uso tem que ser
analisado junto a outros elementos que tornem possível definir o abandono. E óbvio que
esse propósito de não ter o bem mais para si, tem que ser compreendido através dos
elementos que conduzem a essa interpretação, pois o proprietário não formalizará o
abandono, deixando uma carta no bem àquele que primeiro dele tomar conhecimento de
que o bem foi abandonado.
O abandono se caracteriza por atos externos, como a falta de cuidados com o bem,
telhado caindo, muro despencando, mato crescendo etc. Mas não só estes, é preciso
também analisar a relação entre o bem e sua finalidade, como dissemos acima: uma casa no
campo, na praia é comum ficar sem uso por quase todo um ano, mas uma casa na cidade é
incomum ficar sem uso e sem cuidados.
Se o abandono gera a perda da propriedade, como nos diz o código, não gera por
outro lado a aquisição, pois se for imóvel dependerá de usucapião do particular e se for
móvel dependerá de aquisição.
Mas é curiosa a análise dessa causa de perda na propriedade imóvel, pois se por um
lado foi abandonada, por outro o registro ainda continua em nome do ‘anterior’
proprietário, e o IPTU continua incidindo, assim como todas as outras taxas, lixo, luz, água,
etc. Como fica o pagamento destes, quem as deve, se o bem foi abandonado? A mesma
pergunta caberia no caso de renúncia, renunciando ao bem, a quem incide esses tributos?
Se o abandono do bem imóvel não gera, por outro lado, a aquisição da propriedade,
pois o particular dependerá para adquirir de usucapir, o Poder Público, por sua vez, pode
arrecadar esse bem. Esta é a possibilidade do art. 1.276: O imóvel urbano que o
proprietário abandonar com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que
se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar,
três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas
respectivas circunscrições.
164
Os requisitos para essa arrecadação são:
1- abandono;
Haverá ainda uma presunção legal de abandono no caso de não pagamento dos
tributos incidentes sobre a propriedade (§ 2º do art. 1.276).
E, nesse caso, o legislador não determina prazo: quanto tempo é necessário ficar
sem pagar tributos (iptu, luz, água...) para presumir-se o abandono?
Mais uma vez se trabalhará com presunções subjetivas: 1 ano sem pagar iptu é
pouco e comum, mas 1 ano sem pagar conta de luz é muito, afinal o vencimento desta é
mensal, enquanto o daquele é anual.
Sobre isso concluiu a III Jornada do STJ que “A presunção de que trata o CC 1276
§2º não pode ser interpretada de modo a contrariar a norma-princípio da CF 150 IV”. Esta
norma constitucional proíbe que o imposto seja utilizado com efeito de confisco. Deverá se
levar conta estas presunções acima analisadas. Arrecadar um imóvel por 1 ano sem pagar
IPTU é valer-se do imposto para confiscar a propriedade.
É preciso também que o imóvel não se encontre na posse de outrem. Essa outra
pessoa não precisa ser o proprietário, afinal o bem foi por ele abandonado. O legislador se
refere a um terceiro que ocupe o bem. Para o Município ou União arrecadar como bem
vago, é preciso, como lhe diz o nome, que o imóvel esteja vago. Claro que essa ocupação
por outrem não gera a propriedade, mas com o tempo poderá gerar pelo usucapião. E, sendo
assim, o Município ou União não poderá arrecadar como bem vago.
165
Requererá o Município ou a União a arrecadação citando o proprietário
pessoalmente, quando se souber e esse for encontrado no endereço, ou por edital, quando
não o localizar (o que será o mais comum). Dentro do prazo legal, caso não haja
manifestação do proprietário ou de interessados, como parentes, por exemplo, o bem será
decretado vago e arrecadado pelo requerente. Após 3 anos dessa decretação judicial, o
Município ou União requererá a transferência da propriedade, também judicialmente, neste
mesmo processo.
A dicção legal é ...poderá ser arrecadado como bem vago e passar 3 anos depois à
propriedade do Município.., mas, essa transferência não é imediata. Dependerá de sentença
e mandado judicial, pois como se sabe somente o judiciário pode alterar o registro, além do
proprietário.
Mas, no caso da propriedade móvel, é mais simples, bastará a ocupação (art. 1.263).
Mas todo bem móvel pode ser adquirido por ocupação? Essa é uma pergunta
importante, pois, se a maioria dos bens móveis abandonados, por não terem maior valor
econômico, não trazem uma maior indagação, há bens móveis que guardam não só um
valor de uso bom como também de mercado.
166
5.3.5 É possível adquirir um carro abandonado?
A princípio, a resposta não diverge de nenhum outro bem móvel: é também possível
adquirir por ocupação um carro abandonado. Porém, como saber que um carro foi
abandonado? Pelos mesmos vestígios que nos levam a concluir que um bem foi
abandonado: ausência de cuidados, abandono físico – o carro está naquela rua há dias etc
Porém, o carro é um bem móvel diferente de vários outros, pois possui registro,
havendo um departamento próprio para registrá-lo (DETRAN), assim como aos imóveis há
o cartório de registro. Mas, enquanto na propriedade imóvel a ocupação não é uma forma
de aquisição, aqui é. Então, voltemos à pergunta anterior: ao encontrar um carro
abandonado na minha rua posso ocupá-lo e assim adquiri-lo?
Porque o carro é um bem móvel que tem um aparato documental, são exigidas
algumas outras providências por parte do ocupante. A primeira é certificar-se de que esse
veículo não foi roubado e isso terá que ser feito na Polícia. A segunda é certificar-se da
propriedade do bem, pois, diferente de vários bens móveis, aqui há como se saber o dono.
E, se o dono for presente, obter dele, se possível, uma declaração desse abandono.136
136 É por isso que afirma Sílvio Venosa que a renúncia de bens móveis pode exigir declaração expressa do
titular para conhecimento de terceiros, se o simples abandono for insuficiente para o caso concreto, não
refere-se o autor explicitamente ao carro, mas aplica-se bem a esta situação. Direito Civil, p.
167
Então, se hipoteticamente toda essa casuística se reunir: abandono do carro +
veículo não roubado + bem em estado de uso = o ocupante poderá exigir do detran o
reconhecimento desta ocupação e o novo registro em seu nome.
Vamos, para responder a essas perguntas, trabalhar com termos. Diz o código que o
abandono e a renúncia são causas de perda da propriedade.
Eis uma questão que não vemos enfrentada pelos autores que tratam do assunto,
mas é de uma imensa importância.
Trabalhemos com um exemplo de renúncia, pois nesta há uma data que marca o
termo inicial da perda da propriedade, o registro do ato renunciativo. A partir dessa data
incide IPTU? Caso o bem venha a ser ocupado, o imposto será devido por esses ocupantes?
No caso do abandono a questão é mais difícil, pois como precisar esse marco do
abandono? Quando o bem foi abandonado se para sê-lo não era necessário nenhum ato
formal? Não poderá haver má-fé do proprietário que abandona o bem para não mais pagar
impostos?
168
No caso de abandono, é difícil a caracterização do marco do abandono. Mas, da
mesma forma que a renúncia o Município ou a União podem arrecadar como bem vago,
presentes aqueles requisitos anteriormente analisados. Mas se o particular ocupa o bem,
deve este pagar o imposto. De todo o período aquisitivo para à usucapião, assim como, por
exemplo, o IPVA do carro a partir do momento em que ocupou o bem. E se houver
impostos atrasados, deve ser cobrado do proprietário-abandonante.
Tanto o bem móvel como o imóvel podem perecer. O perecimento tem que ser tal
que retire do bem a sua finalidade. Por exemplo, em uma batida de veículo, mesmo que não
haja mais possibilidade de conserto para torná-lo usual, a sucata é do proprietário, assim
também, como nos lembra Sílvio Venosa, no caso de animal morto, o corpo do animal é do
proprietário.
Com o perecimento, não há aquisição da propriedade por parte de outro, por ser
uma perda absoluta que não gera de outro lado a aquisição.
5.5 Desapropriação
É por isso que alguns autores tratam da desapropriação também como uma forma de
limitação ao direito de propriedade, pois está além das forças do proprietário evitar essa
perda e, como todas as causas de limitação, deve se submeter a elas.
É instituto de direito público, e é nele que é mais profundamente estudado, mas que
importa ao direito civil pela perda da propriedade que ocasiona.
169
Está presente em nosso ordenamento desde a Constituição Imperial de 1824, e
atualmente é prevista na Constituição Federal no art. 5º, XXIV: “A lei estabelecerá o
procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse
social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos
nesta Constituição”.
137 Era esta a antiga redação do art. 590: “Também se perde a propriedade imóvel mediante desapropriação
por necessidade ou utilidade pública. § 1º. – Consideram-se casos de necessidade pública: I- a defesa do
território nacional; II- a segurança pública; III- os socorros públicos, nos casos de calamidade; IV- a
salubridade pública. § 2º. – Consideram-se casos de utilidade pública: I- a fundação de povoações e de
estabelecimentos de assistência, educação ou instrução pública; II- a abertura, alargamento ou prolongamento
de ruas, praças, canais, estradas de ferro e, em geral, de quaisquer vias públicas; III- a construção de obras, ou
estabelecimentos destinados ao bem geral de uma localidade, sua decoração e higiene; IV- a exploração de
minas.
170
3.365/41, trata dos casos de desapropriação por necessidade e utilidade pública e a Lei
4.132/62 trata dos casos de desapropriação por interesse social.
A desapropriação por interesse social surge inspirada pelo princípio da função social
da propriedade, constante da Constituição de 1946.
Há, aqui uma espécie de sanção do legislador a esse proprietário, que permite ao
Poder Público desapropriar um bem sem ter que utilizá-lo, apenas para retirar a propriedade
daquele que, por não ter cumprido a função social, não pode ser proprietário.
- art. 5º, Lei n. 4.132/62: União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios;
171
Meirelles, para quem essa desapropriação é anomalia em nossa legislação, por ser tal ato
caracteristicamente de administração.138
138 xxx
172
5.5.4 Objeto da desapropriação
Aqui estamos a nos referir à espécie de bem, qual bem pode sofrer desapropriação.
Mas não são só os bens imóveis que podem ser desapropriados; também os bens
móveis e também os bens imateriais.
É nesse sentido que entendem os Tribunais que a posse também deve ser indenizada
na desapropriação, recebendo também o possuidor pelo valor da indenização.139
5.5.5 Retrocessão
É definido como o direito que tem o expropriado de exigir de volta o seu imóvel
caso o mesmo não tenha o destino para que se desapropriou. 140
139 Decidiu o STJ em 08/05/2007 em Recurso Especial (769731/PR) que o possuidor também tem direito à
desapropriação não sendo motivo neste caso para aplicação do depósito do art. 34 da Lei 3365/41. No que
concerne ao direito do possuidor pela indenização extrai-se aqui os principais trechos do julgado:“A
desapropriação atinge bens e direitos mobiliários e imobiliários, corpóreos e incorpóreos, desde que sejam
passíveis de apossamento e comerciabilidade, tenham valor econômico ou patrimonial e interessem à
consecução dos fins do Estado. Consoante jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal, verbis: “ Tem
direito à indenização não só o titular do domínio do bem expropriado, mas também, o que tenha sobre ele
direito real limitado bem como direito de posse” (...) “ A posse, conquanto imaterial em sua conceituação, é
um fato jurígeno, sinal exterior da propriedade. É; portanto, um bem jurídico e, como tal, suscetível de
proteção. Daí por que a posse é indenizável, como todo e qualquer bem.”
140 Di Pietro, Direito administrativo, p. 179.
173
A definição que trouxemos e a redação do art. 519 do CC já são contraditórias e nos
levam a 2 entendimentos: a retrocessão é o direito de exigir o bem caso o poder público não
dê a ele o destino para o qual foi desapropriado ou a retrocessão é somente o direito de
obter preferência quando da venda do bem que outrora foi desapropriado?
Maria Sylvia Di Pietro resume bem esta questão ao apontar as 3 correntes que se
formaram em torno desses entendimentos:
1- Para esta corrente, a retrocessão é um instituto de natureza pessoal, por força do art. 35
do Decreto-lei 3.365/41 e do atual art. 519 do CC (antigo 1.150), pois qualquer ação sobre
o imóvel desapropriado resolver-se-á em perdas e danos, restando somente a possibilidade
de preferência quando da venda do bem. É o entendimento de Hely Lopes Meirelles, Celso
Antônio Bandeira de Mello, Clóvis Bevilácqua e Erbert Chamon. Poderíamos chamá-la de
TEORIA DO DIREITO PESSOAL;
141 O resumo desses entendimentos foram extraídos da obra Direito Administrativo, p. 179.
174
A corrente que tem prevalecido atualmente é a primeira; assim a retrocessão é vista
como um direito pessoal de obter perdas e danos quando a administração não aplica ao bem
a finalidade para o qual foi desapropriado.
Assim, com relação ao bem expropriado podem ocorrer as seguintes situações: não
ser utilizado; ter destinação pública diversa; ter uma destinação privada, com as seguintes
soluções:
142 São várias as jurisprudências nesse sentido como o REsp 847092 julgado pela 1ª T em 17/08/2006
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. AÇÃO
DE RETROCESSÃO. DESTINAÇÃO DIVERSA DO IMÓVEL. PRESERVAÇÃO DA FINALIDADE
PÚBICA. TREDESTINAÇÃO LÍCITA. 1. Não há falar em retrocessão se ao bem expropriado for dada
destinação que atende ao interesse público, ainda que diversa da inicialmente prevista no decreto
expropriatório.”
143 Dentro da posição dominante REsp 647340/SC, 1ª T., j. 06/04/2006: “ADMINISTRATIVO.
RETROCESSÃO. DESTINAÇÃO DE PARTE DO IMÓVEL DESAPROPRIADO À CONSTRUÇÃO DA
SEDE DA ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES DO ENTE EXPROPRIANTE. TREDESTINAÇÃO
ILÍCITA. AUSÊNCIA DE UTILIDADE PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. 1. A
utilização de parte do imóvel desapropriado como sede da associação dos servidores do ente expropriante,
reservada à recreação e lazer de seus associados, constitui tredestinação ilícita que torna cabível a retrocessão
diante da ausência de utilidade pública da desapropriação. 2. Conquanto seja a retrocessão um direito real,
havendo pedido alternativo de restituição do imóvel ou de indenização por perdas e danos, esta é a melhor
solução nessa fase recursal, em que é inviável o conhecimento da atual situação do bem. Precedente. 3.
Recurso especial provido.”
175
O particular foi alijado do seu bem, indenizado, mas teve que se submeter à
prevalência do direito coletivo sobre o seu individual e ao final não vê o bem sendo
utilizado para a finalidade pública e mesmo assim não pode exigi-lo de volta. Concordamos
com a corrente que entende ser a retrocessão um direito real de exigir de volta o bem, pois a
consideramos mais justa. Pensar desta forma é exigir maior responsabilidade dos
administradores públicos na condução de suas políticas.
Mas qual seria então o prazo prescricional para a utilização pública do bem?
Quando que o particular poderia exigir o bem de volta para quem entende ser isso possível,
ou então requerer indenização?
Não são um, mas vários os prazos a que temos que nos referir, dependendo da
modalidade de desapropriação:
De acordo com esses prazos, o poder expropriante deve dentro deles realizar a
utilização pública do bem. Caso não o faça, surgirá para o expropriado o direito de requerer
176
a retrocessão. O prazo para requerer a retrocessão é de 10 anos.144 Sendo assim,
ultrapassados esses prazos acima começaria a correr o prazo de 10 anos da retrocessão.
E quando o bem expropriado viesse a ter uma utilização privada, qual seria o prazo
para requerer a retrocessão? Também de 10 anos, só que desta vez se contaria a partir da
utilização privada do bem. Imaginemos o seguinte exemplo: desapropriação por utilidade
pública para construção de uma escola. Após 2 anos da desapropriação o poder
expropriante constrói uma associação recreativa para seus servidores públicos. A partir
desta data, conta-se o prazo de 10 anos para se requerer a retrocessão do bem.
A resposta é sim. Pois, da mesma forma que a desapropriação por utilidade pública,
a por interesse social também visa a um fim, mesmo que a causa não tenha sido esse fim.
Explico: na desapropriação por utilidade pública, a causa coincide com o fim, o bem é
desapropriado para construção de uma escola (causa) e o fim deve ser a construção dessa
escola. Já na desapropriação por utilidade pública, a causa é o descumprimento da função
social, mas o fim deve ser ou a reforma agrária ou o aproveitamento do bem, por qualquer
uma de suas formas; esse é o seu fim, não podendo o imóvel ser desapropriado para nada
ser feito.
177
FASE DECLARATÓRIA:
1- Declaração expropriatória: que pode ser decreto (quando é realizada pelo poder
executivo) ou lei (quando realizada pelo legislativo);
FASE EXECUTÓRIA
JUDICIAL: quando não houver acordo entre expropriante e expropriado ou quando não se
souber quem seja o proprietário.
9- Não há apreciação do mérito pelo Poder Judiciário (art. 9º, Decreto-lei, 3.365/41)
178
A desapropriação é um importante instrumento da função social da propriedade. Isto
porque o desatendimento da função social da propriedade autoriza a desapropriação, que
nesse caso vem recebendo da doutrina o nome de desapropriação sancionatória.
A propriedade urbana de acordo com o art. 182 da CF, regulamentado pela Lei
10.257/01, pode sofrer desapropriação quando não cumprir a função social.
Previsão legal Art. 182, § 4°, III e Lei Art. 184, caput, e Lei
10.257/01 complementar 76/93
179
QUADRO-RESUMO DA PERDA DA PROPRIEDADE:
180
VI DEFESA DA PROPRIEDADE
A este direito de reivindicar a coisa, rei vindicatio para os romanos, é que traduz-se
o direito de defesa da propriedade.
181
Diz-se que a ação reivindicatória é a ação do proprietário não-possuidor contra o
possuidor não-proprietário.
147 Carlos Gonçalves, p. 209 e STJ no julgamento do REsp 691963/RS: “ CIVIL E PROCESSO CIVIL.
182
propriedade cederia facilmente frente à posse, pois bastaria uma ocupação sem violência,
clandestinidade ou precariedade para ceder o direito de propriedade.149
Como a propriedade não se extingue pelo não-uso, diz-se que a ação reivindicatória
é imprescritível. Pois desde que o possuidor não a tenha adquirido por usucapião, pode a
qualquer tempo o proprietário reivindicá-la.
A ação reivindicatória é uma ação de natureza real e aqui já surgem duas regras
processuais, primeiro, a de que ela é ajuizada no local do imóvel (art. 95 do CPC) e
segundo, a de que para ajuizá-la tem-se que ter autorização do cônjuge, bem como, deve
este também ser citado para a ação, como determina o art. 10 do CPC.
Tem legitimidade ativa para esta ação como vimos o proprietário, mas também já
entendeu nossos tribunais que o promissário comprador do bem possui esta legitimidade.
Poderá por sua vez o réu alegar em defesa toda matéria de direito, atacando desde o
fato constitutivo do direito do autor até apresentar fatos modificativos, extintivos e
impeditivos do direito do autor. Poderá então alegar que não é possuidor injusto, que a sua
posse tem causa jurídica e poderá também alegar que pelo tempo que possui já adquiriu a
propriedade por usucapião.
149 Como diz Carlos Gonçalves, não fosse assim, o domínio estaria praticamente extinto ante o fato da posse,
183
municipal, estadual e federal, a citação dos réus incertos e eventuais interessados e a
participação obrigatória do Ministério Público.
Como o usucapião é uma matéria de defesa já entendeu nossos tribunais que, se não
alegado, preclui essa oportunidade, só podendo o réu alegar posse posterior à ação
reivindicatória:
184
ORGANOGRAMA DA AÇÃO REIVINDICATÓRIA
Petição inicial
Sentença de procedência
185
186
VII CONDOMÍNIO
7.0 Condomínio
É comum dois ou mais sujeitos serem titulares do mesmo direito sobre o mesmo
objeto. Assim, vemos dois credores do mesmo crédito, marido e mulher titulares dos
mesmos direitos, herdeiros titulares dos mesmos bens. Quando o objeto desta comunhão é a
propriedade, é chamado de condomínio.
150 Analisa bem esta questão Fábio Ulhôa quando observa que “Dois ou mais sujeitos podem simultaneamente
titular o mesmo direito sobre um único objeto. No campo do direito obrigacional, nunca se problematizou
essa hipótese (...) No direito das coisas, porém, a pluralidade subjetiva ou a simultaneidade de direitos iguais
sobre o mesmo objeto desperta por vezes na tecnologia civilista brasileira, certa resistência. Como admitir que
o direito de propriedade, por essência excludente, pode ser partilhado?” (Curso, p. 121).
187
O condomínio é voluntário ou convencional quando surge do acordo de vontade dos
condôminos. É eventual ou acidental quando surge por causa estranha à vontade dos
condôminos, como na sucessão. É legal quando decorre da lei, como é o caso do
condomínio de cercas e muros, art. 1.327 CC. É universal quando abrange a totalidade da
coisa, inclusive frutos e rendimentos e particular, quando se restringe a determinadas coisas
ou efeitos. É pro diviso, como explica o autor, a comunhão que existe de direito, mas não
de fato, uma vez que cada condômino já se localiza numa parte certa e determinada da
coisa. E é pro indiviso a comunhão que perdura de fato e de direito.151
Mas, a classificação mais importante, sem dúvida, é quanto à forma, que divide o
condomínio em pro diviso e pro indiviso. Veremos mais à frente que é esta a que mais
repercussões traz do ponto de vista jurisprudencial.
7.1 Classificação
O condomínio edilício não constava do código civil anterior; era regulado apenas
pela lei 4.591/64 que tratava das incorporações imobiliárias.
188
VOLUNTÁRIO (art. 1.314)
GERAL
CONDOMÍNIO
Como vimos, sob o título condomínio geral, trata o legislador da relação entre os
proprietários e a coisa. Assim, quando se fala de uma casa que pertencem a dois
proprietários, está se falando, na linguagem do nosso legislador, de um condomínio geral.
Mas, quando se fala de um apartamento em um prédio, estamos nos referindo ao
condomínio edilício. Em um apartamento de um prédio pode haver condomínio, por
exemplo, quando duas pessoas titularem a sua propriedade e, nesse caso, estamos nos
189
referindo ao condomínio geral-voluntário. O condomínio edilício irá dizer respeito a essa
propriedade exclusiva convivendo ao lado de propriedades conjuntas.
Estabelece o art. 1.314 que cada condômino pode usar da coisa conforme sua
destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de
terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal ou gravá-la.
O art. 1.314 compreende uma série de poderes e deveres dos condôminos sobre a
propriedade co-dividida, configurando a própria compreensão da idéia de condomínio.
• Na defesa de seus direitos, pode recorrer aos interditos possessórios, até mesmo
contra os demais condôminos? E reivindicatória?152
152Pode se utilizar de ações possessórias mas não de ação reivindicatória, pois não poderia opor a sua
propriedade à propriedade do outro.
190
• Pode ocupar o prédio para sua moradia? Deveria, então, aluguel aos outros
condôminos?153
• Pode o condômino dar posse, uso ou gozo da propriedade a estranhos sem prévio
consenso dos demais?155
• Não pode o condômino alterar a destinação da coisa sem o consenso dos outros
(art. 1.314)
153Sim, mas deve pagar aluguel, pela interpretação do art. 1.319. A questão trazida por Carlos Roberto
Gonçalves é quanto ao termo inicial desta obrigação (pagamento do aluguel). Cita entendimento
jurisprudencial que entende ser o da citação do condômino, uma vez que o período anterior ao reclamo tem
natureza equiparada ao comodato. Cita ainda o autor outra questão interessante decidida pelos Tribunais
quanto à impossibilidade do cônjuge cobrar, quando ainda não separado judicialmente, mas apenas de fato,
aluguel da mulher que permanece residindo no imóvel com os filhos, pois enquanto ainda não separado o que
há é comunhão e não condomínio, irrelevante que seja aquele proprietário exclusivo do imóvel em questão.
Direito Civil Brasileiro, p. 358-359.
154Poderá promover ação de despejo, pois se pode reivindicar sem anuência prévia dos demais, pode propor
ação de despejo (O raciocínio é aquele de sempre: quem pode o mais pode o menos).
155A resposta é negativa conforme art. 1.314.
191
E, por sua vez, o terceiro reclamado não pode opor-lhe em exceção o caráter parcial
do seu direito.
Na terceira parte, determina o legislador que cada condômino pode defender a sua
posse. Trata-se de direito correlato ao anterior, que era a defesa da propriedade por
meio da ação reivindicatória. Mas, para ser legitimado a fazer uso das ações
possessórias, é necessário que o condômino seja também possuidor.
A ação possessória pode também, como vimos, ser ajuizada contra o outro
condômino que impedir a posse do co-proprietário.
Por último, determina o art. 1.314 que cada condômino pode alhear a respectiva
parte ideal ou gravá-la.
Surge também, como direito dos condôminos a todo momento, alienar a parte que
lhes cabe nesta comunhão. Alienando-a, deverão dar preferência na compra aos
demais condôminos com relação a terceiros, conforme determina o art. 504 do CC.
Caso os outros condôminos não tenham condições de comprar, deverá ser dividida a
coisa comum (art. 1.320 CC).
192
A regra é a de que, a todo momento, é possível extinguir o condomínio, adquirindo
um condômino a quota-parte de todos os outros ou então dividindo a coisa comum (art.
1.320 CC). Sendo assim, podemos afirmar que é da própria essência do condomínio a sua
temporariedade (não se aplicando essa regra ao condomínio edilício).
Não sendo possível a compra por um condômino da outra, ou outras cotas partes, a
propriedade deverá ser dividida. E, aqui, teremos dois procedimentos: a divisão da coisa
divisível e a divisão da coisa indivisível.
Sendo o condomínio sobre coisa divisível (p. ex. uma fazenda) o procedimento para
extingui-lo, caso um condômino não adquira a propriedade dos demais é a divisão. E esta
por sua vez pode ser amigável, cabendo ao juiz apenas a sua homologação, ou litigiosa,
quando os condôminos divergirem ou quando houver menor. Isso porque se aplica nesse
caso o art. 2.015 CC da partilha (“Se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha
amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular,
homologado pelo juiz”).
E, sendo amigável ou litigiosa, a sentença da divisão será levada a registro (art. 167,
nº. 23, L. 6.015/73).
193
Recaindo o condomínio sobre coisa indivisível (p. ex. uma casa, um carro) a sua
extinção ocorrerá com a venda judicial, quando um condômino não adquirir dos demais a
propriedade. É o que estabelece o art. 1.322 do CC.
Se todos decidem por vender o bem, não há qualquer problema: faz-se a venda e
divide-se o valor obtido entre os condôminos, de acordo com as suas frações.
Mas, também prevê uma rara situação o p. único do art. 1.322 CC: quando os
condôminos tiverem interesse na aquisição, não havendo benfeitorias e nem quinhão de
maior valor, deve se proceder, na hasta pública, uma licitação daquele que oferecer maior
lanço, em preferência ao estranho.
Levar o bem à venda em hasta pública é sempre uma situação desvantajosa frente à
venda particular. É por isso que há decisões, como nos informa Carlos Roberto Gonçalves,
que, em se tratando de condomínio formado por menor, autoriza-se a venda por corretor ao
invés da hasta pública do procedimento de alienação judicial. Isso para garantir um valor
mais vantajoso, que, como sabemos, dificilmente se obtém em um procedimento judicial.156
156“Condomínio. Extinção. Procedimento de jurisdição voluntária. Pretendida autorização para que a venda
do bem se dê por intermédio de corretores de imóveis em vez do leilão público. Admissibilidade, ainda que
presente o interesse de incapazes no espólio de um dos condôminos ou que a solicitação tenha tido
discordância da minoria dos condôminos (RT, 767/238)”, jurisprudência também citada pelo autor em sua
obra Direito Civil Brasileiro, p. 365.
194
Quando o condômino administrar sem oposição dos demais, presume-se
representante comum (art. 1.324). A representação presumida, neste caso, dificulta a que o
condômino possa alegar posteriormente usucapião, pois facilmente se contra-argumentará
que a utilização, mesmo exclusiva do bem, se deu por representação e sem animus domini.
As deliberações devem ser tomadas por maioria absoluta (§1º, art. 1.325), calculada
pelo valor dos quinhões.
O condômino que contrair dívida em proveito da comunhão fica obrigado a ela, mas
tem ação regressiva contra os demais.
E cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa e pelo
dano que lhe causou.
7.2.1.4 Renúncia
195
Aplica-se a este as regras do direito de vizinhança, pois se trata muito mais de uma
relação entre vizinhos que de um condomínio em si.
Porém, as suas principais regras podem ser assim resumidas: o proprietário tem o
direito de estremar a sua propriedade com a do vizinho com cercas, muros ou valas. As
cercas, muros e valas firmam um condomínio necessário e por isso tem o proprietário que
as fez o direito de receber metade do valor da obra. Caso haja divergência sobre esse valor,
tal deverá ser decidido por perito.
No Brasil, o primeiro diploma que tratou da propriedade horizontal (como antes era
chamada) foi o Decreto-Lei nº. 5.481, de 25.6.1928, modificado pelo Decreto-Lei 5.234,
8.2.43 e pela Lei nº. 285, 5.6.1948. Com a lei nº. 4.591, 16.12.1964, a propriedade
horizontal passou a ser regulada expressamente. Esse diploma, dividido em duas partes,
tratava na primeira do condomínio e na segunda das incorporações imobiliárias.157
O legislador também inovou no nome: até então esse condomínio era conhecido
como condomínio horizontal; o termo condomínio edilício surge pela primeira vez nesse
código.158
A Lei n. 4.591/64 continua em vigor, mas deve ser aplicada apenas de forma
subsidiária.159
157 Dados trazidos pelo prof. Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, p. 370.
158Informa-nos Eduardo Cambi que a exposição de motivos do projeto do Código Civil, justifica essa escolha,
porque tal condomínio se constitui, objetivamente, como resultado do ato de edificação, sendo por tais
motivos, denominado de “edilício”. Ainda conforme a exposição, esta palavra vem do latim aedilici, que não
se refere apenas a edil, mas também às suas atribuições, entre as quais sobreleva a de fiscalizar construções
públicas e particulares”, Algumas inovações..., p. 40.
159Esse é o entendimento da maioria dos autores, dentre estes Sílvio Rodrigues (Direito Civil, p. 205), Carlos
Roberto Gonçalves (Direito Civil, p. 370 ), mas há quem entenda, como Fábio Ulhoa, que a lei foi revogada
(Curso, p. 138).
196
O art. 1.331 define bem esse condomínio: “pode haver, em edificações, partes que
são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos”.
Cada condômino é titular de fração ideal no solo e nas outras partes comuns que são
identificadas em fração decimal. É por isso que quando se compra um apartamento o
registro indica a propriedade de 17, 333% da propriedade (§. 3º, art. 1.331, CC).
Discute-se também qual a natureza jurídica do condomínio edilício: seria este uma
pessoa jurídica? A lei não o trata desta forma e na doutrina ele é reconhecido como um ente
sem personalidade jurídica, como o espólio e a massa falida. Porém, tem legitimidade para
atuar em juízo representado pelo síndico (art. 12, IX, CPC). Isso quer dizer que pode
197
demandar e ser demandado, mas por não ser uma pessoa não pode realizar atos
exclusivamente civis, como comprar, contratar, vender etc. Entretanto, sabemos que o
condomínio tudo isso faz, contrata seus empregados, contrata uma empresa imobiliária para
lhe prestar serviços etc. E, então, como entender isso?
Eduardo Cambi nos traz a notícia, em seu artigo, de que, em congresso promovido
pelo STJ, concluiu-se que ao condomínio edilício deve ser reconhecida personalidade
jurídica, nas relações inerentes às atividades de seu peculiar interesse.163Logo, em sendo
assim, para realizar os atos civis inerentes à sua atividade, como contratar empregado,
empresa para administrar etc, ele teria legitimidade, independente de registro próprio,
constituindo-se como tal com o registro de seu ato constitutivo.
b) incorporação;
c) testamento
162 “O condomínio edilício tem personalidade anômala, pois compra, vende, empresta, presta serviços,
emprega, recolhe tributos etc, além de poder ser proprietário de unidades autônomas, lojas no térreo ou
garagens, bem como locar lojas ou estacionamento no condomínio e auferir renda. Com efeito, o condomínio
age tal qual uma pessoa jurídica, embora entre os condôminos não haja affectio societas”, Direito Civil,
p.321-322.
163 Algumas inovações..., p. 44.
198
Como explica Sílvio Rodrigues, o ato de instituição do condomínio pode ser
realizado sobre prédio por construir ou sobre prédio já construído. No primeiro caso, é
quando ocorre a incorporação, que nada mais é que o empreendimento que consiste em
obter o capital necessário à construção do edifício, geralmente mediante a venda, por
antecipação, dos apartamentos de que se constituirá. E o segundo caso, o de prédio já
construído, ocorrerá geralmente por destinação do proprietário ou por testamento.
Mas, esse é o conteúdo mínimo exigido pela lei, outros poderão ser contidos nesse
ato de instituição.
Tem um caráter estatutário ou institucional, pois não obriga somente as partes, mas
sujeita todos os titulares de direitos sobre as unidades, ou quantos sobre elas tenham posse
ou detenção, atuais ou futuros (os seus efeitos atingem qualquer indivíduo que penetre na
esfera jurídica de irradiação de suas normas).164
164Segundo João Batista Lopes, seu caráter normativo e institucional ressalta claro da circunstância de que ela
alcança não só os signatários, mas todos aqueles que ingressam no universo do condomínio. (...) A convenção
apresenta traços que a assemelham à lei. Em verdade, ela pode ser considerada a “lei interna do condomínio”.
Natureza jurídica da convenção de condomínio, p. 382.
199
III- a competência das assembléias, forma de sua convocação e ‘quorum’ exigido
para as deliberações;
IV- as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;
V- o regimento interno.
Qualquer alteração posterior reclama o quorum de dois terços das frações ideais, e
outras ainda exigem a unanimidade, como a mudança da destinação originária das unidades
autônomas; mudanças na fachada do prédio (art. 10, §2º, L. 4.591), nas frações ideais, nas
áreas de uso comum, construção de outro pavimento ou outro edifício no solo comum (art.
1.343, CC).
Ainda sobre a convenção, faculta a lei o seu registro “para ser oponível contra
terceiros, a convenção de condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de
Imóveis (p. único, 1.333).” Esses terceiros não são os futuros moradores do edifício que
não participaram da votação da convenção, pois, esses, como vimos, também são atingidos
pela convenção dado o seu caráter normativo.
Os terceiros que aqui se refere são aqueles que estão fora da órbita do condomínio,
mas são atingidos por ela.
165 Alguns julgados explicam bem esse conflito entre restrições x violações: “Convenção condominial que
proíbe que o proprietário de unidade autônoma a alugue para estudantes. Inadmissibilidade. Discriminação
que atenta direitos, e assim é ineficaz, porque ilegal (RT, 779/277)”; “Garagem. Condômino que deverá
cadastrar seu veículo, para só ele ser colocado na vaga a que tem direito. Inadmissibilidade. Garagem que
pode ser utilizada por qualquer carro do condômino, seja o seu, emprestado ou alugado ( RT, 785/287)”.
200
Por último, o Regimento Interno complementa a convenção, é o ato interna corporis
que regula o uso e o funcionamento do edifício. Reúne aquelas regras relativas ao dia-a-dia
da vida condominial (ex. horário de funcionamento da piscina, horário de mudança,
utilização dos elevadores).
• Também poderá alienar parte acessória de sua unidade imobiliária, como a vaga
de garagem do apartamento, por exemplo, mas nesse caso poderá sofrer
restrições pela convenção sendo impedido de vender a terceiros (§ 2º, art. 1.339,
CC)
201
Usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua
a utilização dos demais possuidores:
• Como bem acentua Carlos Roberto Gonçalves, uma das características mais
marcantes do condomínio edilício é a vedação do uso exclusivo das partes
comuns. Logo, não podem os corredores ser utilizados como áreas de lazer, as
vagas de garagem ser transformadas em depósito ou o salão de festas ser usado
como escritório particular de condômino.166
202
• §2º, art. 1.334: “São equiparados aos proprietários, para fins deste artigo,
salvo disposição em contrário, os promitentes compradores e os cessionários
de direitos relativos às unidades autônomas”;
• E, por sua vez, conforme o §1º deste artigo, “o condômino que não pagar a sua
contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo
previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o
débito.”;
203
às prestações vencidas após a vigência no novo código se aplica a multa de
2%.170
• Trata-se de obra em sua unidade autônoma, pelo qual não depende de qualquer
autorização para realizá-la, mas fica impedido e responsável, caso esta
comprometa a segurança da edificação.
Não modificar a forma nem a cor da fachada das partes e esquadrias externas:
• Esta norma visa a não desnaturar o condomínio, pois este no todo é identificado
como uma unidade;
Dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar
de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou
aos bons costumes:
• A primeira parte deste inciso - dar às suas partes a mesma destinação que tem a
edificação – reproduz a regra do art. 1.314 (Cada condômino pode usar da coisa
conforme sua destinação...);
• O síndico pode tomar providências contra o condômino infrator – que usa de seu
imóvel residencial para fins comerciais, transformando-o, por exemplo, em um
escritório;
170“Estando previsto no novo CC o patamar de 2%, deve ele ser aplicado mesmo se a convenção for anterior
à data em que entrou em vigor a nova lei, ou seja, 11 de janeiro de 2003. Para as prestações devidas antes da
entrada em vigor, aplica-se sobre o débito a multa de 20%, como previsto na legislação de regência da época.
Todavia, para as prestações devidas após a entrada em vigor, aplica-se a multa de 2% prevista no art. 1.336 do
novo Código ( Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Resp 722.904, 3ª T.)”.
204
• A segunda parte do artigo - não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego,
salubridade e segurança dos possuidores – veda o chamado USO ANORMAL
DA PROPRIEDADE (art. 1.277 CC);
• Porém, não deixa de ser em parte subjetiva essa expressão, pois, por exemplo, a
presença de animais prejudica o sossego e a segurança dos condôminos? Pode
ser que sim, pode ser que não. E, por isso, entendemos que tal norma pode ser
objeto de convenção.
• A lei só prevê como sanção a pecuniária, não pode o condômino ser punido
quanto ao uso de partes comuns (ficar, por exemplo, proibido de usar a piscina
171 Nesse sentido e também preocupado com as repercussões que esta norma possa causar, é que o prof.
Carlos Roberto Gonçalves afirma que “Não podem, com efeito, os donos dos outros apartamentos alegar que
a pessoa que mora no edifício não é casada, ou que tem amante, ou que o homem que habita algum dos
apartamentos recebe amante. Não havendo violação das regras de convivência social, pode o morador receber
as visitas que entender. Nada impede que o proprietário de apartamento ali mantenha amante ou receba visitas
para prazeres fugazes, desde que se ressalve o decoro, não se provoque escândalos ou algazarras. O que se
proíbe é o uso do apartamento como casa de tolerância, porque o dever implícito de moralidade repele a
aludida destinação. Tudo depende do caso concreto, em que o ocupante de apartamento ultrapassa os limites
do razoável”, Direito Civil Brasileiro, p. 387.
205
porque a usou fora do horário) e nem com a imposição de saída do
condomínio.172
A duração do seu mandato é de 2 anos, podendo renovar-se. Porém, não diz a lei se
se permite somente uma reeleição ou se esta pode ocorrer indefinidamente.
O síndico também pode ser assessorado por um Conselho Consultivo, eleito pela
assembléia dos condôminos.
172 Tal proibição é inclusive questionada por alguns autores como Eduardo Cambi, para quem o novo código
civil deve ser criticado por não prever a possibilidade de se impedir que determinado condômino ou possuidor
seja impedido de residir ou ingressar no edifício (por exemplo, locatário ou condômino baderneiro ou
traficante de drogas), embora a doutrina não descarte esta possibilidade, mediante decisão da assembléia
geral, com prévia observância da garantia da ampla defesa uma vez que, para alguns condôminos de alto
poder aquisitivo, a multa não servirá de meio de coerção suficiente para reprimir o comportamento
indesejado. Algumas inovações..., p. 42.
206
- Exige o Código que a assembléia deve ser convocada ao menos uma vez por ano
(art. 1.350)
a) prática de irregularidades;
207
1.351)
destruição
demolição
desapropriação
confusão
208
Na primeira hipótese prevista – destruição – se a maioria dos proprietários não
aceitar a reconstrução, este deixará de ser um condomínio edilício para ser um condomínio
geral, devendo, então, como a regra deste, ser vendido ou adjudicado por um dos
proprietários.
209
VIII PROPRIEDADE RESOLÚVEL E PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA
210
A propriedade resolúvel está subordinada a uma condição resolutiva e também ao
advento de um termo.
A propriedade fiduciária, por sua vez, é também uma propriedade resolúvel, pois
como define o art. 1.361 “Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel
infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor”.
- venda a estranho pelo condômino sem respeito ao direito de preferência (art. 504
CC);
211
Fiquemos com o exemplo do pacto de retrovenda.
Todas estas propriedades estão submetidas a uma condição resolutiva, pois com o
advento do evento futuro e incerto (resgate da propriedade; morte do donatário; exercício
do direito de anulação da venda; pagamento do preço), extinguirá a propriedade para aquele
que a adquiriu sujeita a esta condição.
212
Também resolve-se a propriedade pelo advento de uma causa superveniente. Neste
caso não se trata de uma causa que se encontra no título constitutivo da propriedade, mas
conforme seu próprio termo é superveniente a este, resultando em surpresa para o
adquirente, que se de boa-fé deve ser protegido contra essa resolução.
É isto o que diz o art. 1.360, Se a propriedade se resolver por outra causa
superveniente, o possuidor, que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução, será
considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução,
ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria coisa ou o seu
valor.
213
Como se vê a propriedade fiduciária estabelecida no art. 1.361 tem o escopo de
garantia, e é desta que trataremos, mas também pode a propriedade fiduciária ter o escopo
de administração. Ou seja, o negócio fiduciário, que dá origem à propriedade fiduciária
pode ser realizado com o objetivo de administração de bens ou com o objetivo de garantia.
Porém a propriedade fiduciária estabelecida nos arts. 1.361 a 1.368-A tem o escopo
de garantia
214
vista financia o pagamento. Surge aqui a figura do terceiro que é a instituição financeira,
CREDORA. Esta financia para o COMPRADOR a aquisição do bem com o empréstimo da
quantia necessária que será paga conforme pacto entre as partes, mas como garantia do
pagamento tem o bem adquirido pelo COMPRADOR alienado para si e então se torna
CREDORA-PROPRIETÁRIA do bem, com uma propriedade resolúvel. O COMPRADOR
se torna COMPRADOR-DEVEDOR e após o pagamento do empréstimo readquire a
propriedade automaticamente. O comprador é o fiduciante e o credor é o fiduciário.
Esse negócio deve ser celebrado por instrumento público ou particular e registrado
no Cartório de Registro de Títulos e Documentos ou, em se tratando de veículo, na
repartição competente, que entre nós é o DETRAN (§1°, art. 1.361).178
Caso não tenha sido registrado não poderá ser oponível a terceiros de acordo com a
súmula 92 do STJ (“A terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não anotada
no Certificado de Registro do veículo automotor”).
215
juros, se houver; IV- a descrição da coisa objeto de transferência com os elementos
indispensáveis à sua identificação (art. 1.362).
A coisa pode ser um bem móvel infungível, pelo CC, mas também um bem imóvel,
pela Lei 9.514/97 e direitos, pela Lei 4.728/65. E além do consenso das partes e da
condição resolutiva, é necessário o contrato principal, que não se confunde com o contrato
de alienação fiduciária. Naquele nosso exemplo da compra do carro, o contrato principal é
o empréstimo para sua aquisição. O estabelecimento da propriedade fiduciária garante o
pagamento deste empréstimo.
Adquire a posse fictamente pelo constituto transmite a posse fictamente pelo constituto
possessório possessório
216
Como estabelecido neste quadro com a propriedade fiduciária dá-se o
desdobramento da posse, o credor-fiduciante se torna possuidor indireto e o devedor-
fiduciário se torna possuidor-direto, e tem a posse a título de depositário devendo de acordo
com o art. 1.363 empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua natureza e
entregá-la ao credor, se a dívida não for paga no vencimento (I e II).
Veda a lei o pacto comissório, que seria a possibilidade do credor ficar com o bem
em pagamento da dívida, mas o CC atual atenuou essa regra permitindo no parágrafo único
do art. 1.365 que o devedor dê seu direito eventual à coisa em pagamento da dívida quando
haja acordo entre a as partes.
180Decidiu o STJ no HC 74458 j. em 30/01/2007 com voto do Ministro Peçanha Martins pelo não-cabimento
da prisão civil em casos de alienação fiduciária em garantia, uma vez que não se equipara o devedor
fiduciante ao depositário infiel. Mas também entende Nelson Nery nos comentários do art. 1.363 que a prisão
de quem foi declarado, por decisão judicial, como depositário infiel é constitucional, seja quanto ao depósito
regulamentado no CC [1916] como no caso de alienação protegida pela cláusula fiduciária. Também comunga
desta opinião Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil, p. 407.
181O mencionado Decreto-Lei n. 911/69 aplica-se, com efeito, apenas, no que couber, às questões de natureza
processual, estando revogado naquilo que respeita ao direito material, é opinião de Carlos Gonçalves, Direito
Civil, p. 402.
217
carta registrada (§2º, art. 2º), mas poderá o credor considerar antecipadas todas as
prestações vincendas e não precisará indicar na notificação moratória o valor do débito.182
Procedência Inprocedência
182 Súmula 72 STJ (“A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado
fiduciariamente”) e Súmula 245 STJ (“A notificação destinada a mora nas dívidas garantidas por alienação
fiduciária dispensa a indicação do valor do débito”).
218
IX LIMITAÇÕES AO DIREITO DE PROPRIEDADE
Qui dominus est soli dominus est usque ad coelos et usque ad inferos, quem é dono
do solo é também dono até o céu e até o inferno, diziam os romanos para ressaltar o caráter
absoluto do direito de propriedade.
Porém todos sabemos que a propriedade não assume mais esse caráter absoluto,
afinal quando ouço o barulho de um avião cortando os céus sei que não recebo um centavo
pela utilização de “meu” espaço aéreo, assim também como nada recebo pela utilização do
“meu” subsolo quando nele passam toda a encanação de gás canalizado.
Daí já se vê que a propriedade não vai até o céu e nem até o inferno, vai até onde o
legislador determina, e vai até onde não causar dano à propriedade vizinha, já que mesmo
não sendo proibido não se pode utilizar da propriedade para causar dano a outrem, sem
auferir nenhum benefício (essa é a regra do §2º do art. 1.228, são defesos os atos que não
trazem ao proprietário qualquer comodidade,ou utilidade, e sejam animados pela intenção
de prejudicar outrem, que traz para o Código Civil a proteção contra o abuso de direito).
219
Um dos casos pioneiros da restrição ao direito de propriedade foi julgado pelos
tribunais franceses ainda no séc. XIX, quando este decidiu que a colocação de estacas em
um terreno prejudicando o proprietário vizinho que praticava balonismo não podia ser
admitida, pois estas não visavam nenhuma vantagem para o proprietário, mas apenas
prejudicar o outro.
220
com o desenvolvimento humano, já que a propriedade é geradora de riquezas, entendendo-
se esta riqueza como moradia, habitação, plantação, colheita, emprego.
Será que aquele proprietário da zona rural está preparado para justificar o porquê da
sua propriedade não ser produtiva?
Essa idéia de que “sou proprietário, o imóvel é meu, faço o que quero e ninguém
tem nada a ver com isso”, faz parte do passado, de um velho passado, que não retornará,
pois como dissemos cada vez mais se aumentam as limitações e as exigências ao
proprietário.
O Estado não só tem a ver com isso, como pode impor que se faça isso ou muito
mais.
E a Constituição acima disso dirá que a propriedade atenderá a função social, logo
só pode ser proprietário quem atende a esta função social que a propriedade deve exercer.
221
Como dissemos anteriormente a propriedade é limitada por diversas disposições e
em diversas áreas. Trataremos a seguir daquelas que consideramos serem as principais
limitações ao exercício do direito de propriedade bem como as que mais explicam não só
essas limitações, mas também a própria transformação porque passou e passa o direito de
propriedade.
Claro que há autores que trazem um rol muito mais extenso de limitações, mas
preferimos concentrá-las nessas que entendemos serem as principais, do qual muitas das
outras decorrem.
O direito de vizinhança é um capítulo dentro do direito das coisas, tratada logo após
a perda da propriedade. E este por sua vez é dividido em sete seções, que abordam o uso
anormal da propriedade, as árvores limítrofes, a passagem forçada, a passagem de cabos e
tubulações, as águas, os limites entre prédios e o direito de tapagem e o direito de construir.
É um capítulo bastante extenso que vai do art. 1.277 ao 1.313.
222
Estabelece o art. 1.227 que “O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o
direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos
que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha”.
Quase todas as normas de direito de vizinhança poderiam ser resumidas nesta única
disposição que é bastante abrangente para regular todos os comportamentos pretendidos
pelo legislador nesta esfera privada de relações.
Nas relações de vizinhança se aplica bem aquele brocardo popular “de que o meu
direito vai até onde inicia o direito do outro”.
É uma ofensa à segurança pessoal ou dos bens atitudes como a exploração de uma
indústria de explosivos, ou uma obra que provoca trepidações excessivas, ou o depósito de
materiais perigosos e nocivos. É uma ofensa ao sossego atitudes da vizinhança que causem
ruído exagerado. E, por último, é uma ofensa à saúde atitudes da vizinhança que
provoquem emanações de gases tóxicos, águas paradas que aumentam o risco de dengue,
etc.184
É por isso que o §único, do art. 1.277 irá dizer que proíbem-se as interferências
considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que
distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da
vizinhança.
223
poeira, etc, mas devo tolerar, afinal o proprietário também tem o direito de construir em seu
terreno, porém mesmo que a construção seja um uso lícito da propriedade, esta pode causar
danos, pelo excesso de ruído, de sujeira, pelo descumprimento de normas urbanas.
A regra do §único do 1.277 tenta estabelecer que algum grau de tolerância devemos
ter, afinal morando em cidades, em grandes centros urbanos há muitos ruídos que
interferem em nossa segurança, em nosso sossego e em nossa saúde, proibi-los de maneira
absoluta é impossível, senão imaginemos, nem carro poderíamos usar, pois também a sua
fumaça é prejudicial à saúde, a questão é buscar o grau de tolerabilidade e este deve ser
definido segundo as regras deste parágrafo, levando em consideração a natureza da
utilização, a localização do prédio (fará diferença, por exemplo, para estabelecer esse grau
de tolerância se a propriedade é urbana ou rural), as normas de edificações (deverá se
buscar no PDU da cidade as normas que regulam, construção, zoneamento,etc) e quais os
limites já existentes de tolerância naquela vizinhança.
É por isso que completando essa idéia dirá o legislador no art. 1.278 que ainda que
por decisão judicial devam ser toleradas as interferências, poderá o vizinho exigir a sua
redução, ou eliminação, quando estas se tornarem possíveis.
Muitas regras no direito de propriedade poderiam ser resolvidas com bom senso sem
necessidade de uma disciplina legislativa. Mas como nem sempre este ocorre e para quando
este não ocorrer regula o legislador uma série de normas referentes às principais questões
envolvendo vizinhos. Todas por mais simples que possam parecer já chegaram aos nossos
tribunais.
Chamaremos aqui a atenção dos aspectos mais importantes dessas normas evitando
a citação de artigos, na maioria das vezes auto-explicáveis.
224
Sobre as árvores limítrofes a principal regra é a de que se o tronco da árvore estiver
na linha divisória pertence aos seus proprietários (art. 1.282). É também autorizado ao
proprietário cortar os galhos e raízes da árvore vizinha que ultrapasse sua propriedade (art.
1.283), mas não pode por isso colher os frutos, pois não lhe pertencem, apenas pode colher
os frutos caídos, que passam a lhe pertencer (1.284). Mas caso esses frutos caiam em
propriedade pública, pertence ao dono da árvore.
Mas não poderá se valer desse direito o proprietário que vende parte de seu imóvel,
tornando a outra parte encravada. Nesse caso a passagem deverá ser realizada na parte da
propriedade vendida, pois o encravamento deve ser natural (§2°, 1.285).
225
forçada se usa da propriedade alheia quando não há acesso à via pública, enquanto na
servidão de passagem se estabelece um direito real de uso sobre a propriedade alheia
mesmo que se tenha acesso à via pública. Visa-se na servidão de passagem a uma maior
comodidade na passagem. Esse direito é estabelecido em comum acordo entre as partes,
mediante pagamento e levado a registro no cartório de registro de imóveis. Por ser um
direito real adere ao bem e o novo titular da propriedade a adquirirá com essa limitação à
sua propriedade imposta pela servidão instituída pelo antigo-proprietário.
Legitimidade Dono do prédio que não tiver Proprietário vizinho que queira
acesso à via pública utilizar o imóvel serviente
como passagem
226
9.1.1.4 Águas
A água já foi um tema restrito ao direito civil, até o homem compreender a sua
importância, a possibilidade de seu esgotamento e o prejuízo de sua má-utilização.
O Código Civil regula alguns aspectos da água no que diz respeito à relação entre
vizinhos. E não as suas questões ambientais que envolve disciplina de direito público. Trata
da água doce. Pois a água salgada dos mares, não é de propriedade particular. E trata das
águas provenientes de rios particulares, pois a de rios navegáveis são públicas. Enfim, trata
da água, de rio particular, de córrego formado pela chuva, de lago, etc.
Não cuidou o código, como dissemos, das questões ambientais envolvendo essas
águas particulares, mas não que se despreocupou com isso o legislador civil, tanto que no
§1° do art. 1.228 estabeleceu que no exercício do direito de propriedade deve ser evitada a
poluição do ar e das águas.
São quatro os direitos de vizinhança em relação às águas com bem sintetiza Fábio
Ulhoa: a) direito de conservação; b) direito de aproveitamento; c) direito de represar; d)
direito de aqueduto.186
227
O terceiro desses direitos, direito de represar, assegura ao proprietário o direito de
represar águas de sua propriedade. Estabelece o art. 1.292 que “O proprietário tem direito
de construir barragens, açudes ou outras obras para represamento de água em seu prédio; se
as águas represadas invadirem prédio alheio, será o seu proprietário indenizado pelo dano
sofrido, deduzido o valor do benefício obtido”. Claro que tal direito deve ser exercido em
consonância com os anteriores. Não poderá o proprietário represar um rio obstando o seu
fluxo natural.
Por último estabelece o legislador nos arts. 1.293 a 1.296 o direito à construção de
aquedutos. Aquedutos são canais, geralmente subterrâneos, utilizados para captar água ou
para escoá-las. Autoriza o legislador que os proprietários e possuidores possam construir
esses canais através de imóveis alheios para receber as águas a que tenham direito bem
como para escoar as águas supérfluas (art. 1.293). Tal direito é exercido mediante
indenização aos proprietários dos terrenos utilizados, pelo qual podem exigir que o
aqueduto seja subterrâneo (§2°, 1.293) e que seja construído da maneira menos prejudicial
(§3°, 1.293).
Mas cuida o legislador de estabelecer normas para aqueles que talvez seriam os
principais conflitos envolvendo uma construção para os vizinhos.
São estas na suscinta enumeração de Fábio Ulhoa: a) o prédio não pode despejar
águas diretamente sobre o vizinho (art. 1.300); b) as janelas, terraços ou varandas não
228
podem distar menos de metro e meio da divisa (art. 1.301); c) na zona rural, a distância
mínima do prédio em relação ao terreno vizinho é de 3 metros (art. 1.303); d) o confinante
que primeiro construir a parede divisória pode assentá-la até meia espessura no outro
imóvel e tem direito de cobrar do outro confinante metade de se valor, quando o vizinho
assentar as vigas (travejar) de sua construção na parede-meia (art. 1.305); e) a construção
não pode acarretar poluição ou inutilização de água de poço ou nascente alheia preexistente
(art. 1.309), nem lhe suprimir o conteúdo de forma a privar outrem do indispensável às suas
necessidades normais (art. 1.310); f) nenhuma obra pode importar o desmoronamento ou
deslocação de terra de imóvel vizinho ou colocar, de qualquer modo, em risco sua
segurança, devendo o proprietário construtor providenciar obras acautelatórias (art.
1.311).187
Mas independente da discussão acerca de sua natureza jurídica o certo é que há uma
limitação, pois ao bem tombado impõe-se uma série de restrições como a de não vender
229
sem dar preferência ao poder público, de não modificar o bem, de não pintar de outra cor
senão a original, restrições à vizinhança do bem tombado, etc.
230
O tombamento ocorre por um processo administrativo que pode ser de ofício quando
se trata de bens públicos (art. 5º, Decreto-lei 25/37) e voluntário ou compulsoriamente
quando se trata de bens particulares (art. 6º, De.lei, 25/37).
O bem tombado é inscrito em um dos quatro livros do tombo previstos no Dec. Lei
25/37: 1) Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; 2) Livro do Tombo
Histórico; 3) Livro do Tombo das Belas Artes; 4) Livro do Tombo das Artes Aplicadas.191
191Para o tombamento de bens imateriais existem outros 4 livros: Livro de Registro dos Saberes, para os
conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; Livro de Registro de Celebrações,
para os rituais e festas que marcam vivência coletiva, religiosidade, entretenimento e outras práticas da vida
social; Livro de Registros das Formas de Expressão, para as manifestações artísticas em geral; e Livro de
Registro dos Lugares, para mercados, feiras, santuários, praças onde são concentradas ou reproduzidas
práticas culturais coletivas. (informação do site do IPHAN, www.iphan.gov.br)
231
Se o bem tombado for de propriedade particular o seu proprietário continuará dele
dono, mas para alienar deverá dar preferência às pessoas jurídicas de direito público (art.
22), havendo transferência mesmo causa mortis deverá ser informado o órgão competente
(§1º, art. 13), também não poderão as coisas tombadas serem destruídas, demolidas,
mutiladas, e para serem reparadas, pintadas ou restauradas deverá haver prévia autorização
do órgão competente (art. 17), se a coisa for móvel não poderá ser deslocada sem
comunicação ao órgão competente (§2º, art. 13), também não poderá sair do país sem essa
informação e ainda só poderá ocorrer por curto prazo para fim de intercâmbio cultural (art.
14).
Considera-se essa restrição à vizinhança uma servidão, onde o bem tombado seria o
dominante e os imóveis vizinhos os servientes. 192
É questão polêmica e de difícil resposta, pois afinal quem arcará agora com os
prejuízos? O proprietário deverá paralisar a obra, depois de ter sido autorizado pela
prefeitura? E se tiver quem lhe deverá indenização, já que realizou um ato lícito?193
Por tudo isso vê-se que o tombamento independentemente da discussão sobre sua
natureza jurídica, provoca uma restrição à propriedade, que por vezes é vantajosa ao
192 Na posição da profª Maria Sylvia Di Pietro, “È servidão que resulta automaticamente do ato do
tombamento e impõe aos proprietários dos prédios servientes obrigação negativa de não fazer construção que
impeça ou reduza a visibilidade da coisa tombada e de não colocar cartazes ou anúncios; a esse encargo não
corresponde qualquer indenização”, in Direito Administrativo, p. 139.
193 JURISPRUDÊNCIA
232
proprietário e outras não, causando por isso alguns conflitos, mas se trata de um ato que
visa a proteção de um direito difuso, que é o patrimônio histórico e artístico, não ocorrendo
para agradar ou desagradar seus proprietários mas visando a proteção de um bem público
que é o patrimônio nacional.
233
A inalienabilidade implica para aquele que recebe a propriedade a impossibilidade
de aliená-la, a título gratuito ou oneroso, a incomunicabilidade impede a comunicação do
bem para aquele que recebe ao seu cônjuge e a impenhorabilidade torna o bem
impenhorável não podendo por isso ser tomado para pagamento de dívida do seu
proprietário.
Também não permite o legislador que possam ser estabelecidas ao bel prazer do
testador ou doador, exige-se justa causa.196 Porque afinal a limitação imposta por elas
engessa o direito do proprietário, imagine receber um bem de herança e nunca poder aliená-
lo, mesmo tendo necessidade de fazê-lo, para, por exemplo, saldar dívidas, investir,
financiar projetos de vida, como viajar para o exterior, morar fora do país, financiar o
estudo de um filho, etc.
O legislador de 1916 não previa essa justificativa para imposição destas cláusulas.
Também era mais abrangente, pois tratava do testamento e da doação. Estabelecia no art.
1.676 que “A cláusula de inalienabilidade temporária, ou vitalícia, imposta aos bens pelos
testadores ou doadores, não poderá, em caso algum, salvo os de expropriação por
necessidade ou utilidade pública, e de execução por dívidas provenientes de impostos
relativos aos respectivos imóveis, ser invalidada ou dispensada por atos judiciais de
qualquer espécie, sob pena de nulidade”.
196Refere-se a justa causa o legislador no Livro das Sucessões, estabelecendo no art. 1.848 “Salvo se houver
justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade,
impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima”.
234
Quando a restrição vier do testamento constará do próprio ato a justificativa, como
exige o art. 1.848 (declarada no testamento).
O bem clausulado por inalienabilidade pode ser alienado, quando também houver
justa causa, porém haverá a sub-rogação nos outros bens em que se converteu a alienação
(§2°, 1.848. Mediante autorização judicial e havendo justa causa, podem ser alienados os
bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens, que ficarão sub-rogados nos
ônus dos primeiros).
Logo, mesmo omisso o testador ou doador quanto as outras duas cláusulas, essas
também importarão naquela.
235
Já a cláusula de impenhorabilidade estabelece a impenhorabilidade voluntária do
bem clausulado, isto quer dizer, que não poderá sofrer constrições judiciais para
pagamentos de dívidas pelo beneficiado. Não se pode estabelecer a cláusula em proveito
próprio, apenas se poderá fazê-lo por testamento ou doação.
Todos os outros direitos reais além da propriedade são direitos reais sobre coisas
alheias – superfície, servidão, usufruto, uso, habitação, direito do promitente comprador do
imóvel, penhor, hipoteca e anticrese, - que limitam a plenitude da propriedade, tornando-a
assim uma propriedade limitada.
Por esse aspecto deveríamos comentar todos os direitos reais sobre coisas alheias,
pois como dissemos, todos limitam a propriedade. Porém nos restringiremos a uma análise
geral, senão tomaremos aqui nesta obra o lugar de uma outra que pretende tratar dos
direitos reais sobre coisas alheias.
O primeiro direito real sobre coisa alheia é a superfície. Trata-se de um novo direito
real, se bem que já existiu em nossas ordenações, estabelecido pelo atual legislador. Trata
da possibilidade do proprietário conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em
seu terreno. Este torna-se o superficiário e o outro o proprietário ou nu-proprietário, já que
terá uma propriedade nua, destituída do poder de uso e gozo, pois este caberá ao
superficiário.
O segundo direito real sobre coisa alheia é a servidão. A servidão é uma restrição
imposta a um prédio para uso e utilidade de outro prédio. Aquele chama-se serviente e este
dominante (art. 1.378). Aqui fica mais caracterizada a limitação do que na superfície, pois o
proprietário do prédio serviente não perde o uso e gozo, apenas, por convenção, é obrigado
a suportar o uso do seu prédio pelo prédio serviente, como por exemplo, na servidão de
passagem ou de aquedutos.
236
O próximo direito real sobre coisa alheia é o usufruto. É este o direito real conferido
a uma pessoa, durante certo tempo, que a autoriza a retirar da coisa alheia os frutos e
utilidades que produz.198 Estabelecido o usufruto o usufrutuário tem o direito de uso e gozo
do bem. O proprietário neste caso, também é um nu-proprietário, pois com o usufruto
retira-se-lhe todos os poderes de uso e gozo, ficando somente com a nua propriedade,
poderá dispor, mas não poderá usá-la e nem dela fruir.199 Os próximos direitos reais sobre
coisa alheia, uso e habitação, nada mais são que espécies de usufruto limitados ao uso ou a
habitação.
à moradia, será habitação e se limitado ao uso, sem moradia, será o direito real de uso.
200 Já era esse o entendimento de nossa jurisprudência para os contratos de compra e venda a prazo (promessa
ou compromisso de compra e venda). Exige o legislador no art. 1.417 que as partes não tenham estabelecido o
direito de arrependimento e que este contrato seja registrado no cartório de registro de imóvel.
237
garantia estabelecida for a anticrese, o credor poderá usar o bem e dele extrair os frutos
necessários para o pagamento do crédito.
Estabelece o §1° do art. 1.228 que “O direito de propriedade deve ser exercido em
consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam
preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as
belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águas”.
Em outras palavras quer dizer o artigo que se o direito de propriedade deve ser
exercido preservando a flora, fauna, etc, significa que para preservar a flora, fauna, belezas
naturais, equilíbrio ecológico patrimônio histórico e artístico, e a poluição do ar e das
águas, poderá a propriedade sofrer limitações.
Essas limitações surgem em leis especiais mas também pela própria interpretação da
norma que é uma cláusula geral.
A expressão meio ambiente é usada para designar o meio ambiente natural (solo,
água, ar, flora e fauna), o meio ambiente cultural (patrimônio histórico, artístico e
arqueológico) e o meio ambiente artificial (edifícios, equipamentos urbanos, comunitários).
Vê-se nesse sentido que o próprio instituto do tombamento é um instrumento de proteção
ambiental. Nesse sentido o ‘velho’ direito de vizinhança também tem esse fim, pois quem
primeiro sofre os danos ambientais são os vizinhos, assim quando o art. 1.277 diz que “O
proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências
prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela
utilização da propriedade vizinha” é este também um instrumento de proteção ambiental.
238
Os principais instrumentos jurídicos da tutela ambiental são a CF que lhe dedica um
capítulo (art. 225 ), a Lei 6.938/81, que estabelece a política nacional do meio ambiente.
Não há nada que se comente mais ao longo dos últimos anos em relação à
propriedade do que a sua função social.
Há dúvida sobre quando e por quem surgiu esse conceito. Entre nós prepondera a
idéia de Leon Duguit.
No direito brasileiro tal expressão surgiu na CF/1988, se bem que esta visão de uma
funcionalidade já existia desde a CF/34 que no art. 113, n. 17 estabelecia que “o direito de
propriedade não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo”.
Arts. Art. 179, Art. 72, §17 Art. 113, Art. 147 Art. 157, III Art. 5°,
XXII n. 17 XXIII.
239
será elie pertencem aos
préviamente proprietários
indemnisado do solo, salvas
do valor as limitações
della”. que forem
estabelecidas
por lei a bem
da exploração
deste ramo de
industria”
Apesar de toda essa evolução impressa ao longo dos anos o conceito de propriedade
no CC atual em nada foi alterado em relação ao anterior. Estabelecia o art. 524 do CC/16
que “A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de
reavê-los de quem quer que injustamente os possua”. O CC/02 estabelece que “O
proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do
poder de quem injustamente a possua ou detenha”. Não houve evolução e nem
aperfeiçoamento do conceito e continua-se definindo a propriedade pelo seu conceito.201
201 Guedes, Jefferson Carús. Função social das “propriedades”...in Aspectos controvertidos do novo código
civil, p. 345.
240
social.202 E prescreveu no art. 185 que a pequena e média propriedade assim como a
propriedade produtiva não serão desapropriadas para reforma agrária.
Tudo isso não define e não definirá o que seja função social da propriedade, esta
sempre permanecerá sendo um conceito jurídico indeterminado, preenchido pela própria
evolução da propriedade e da sociedade.
Mas em si a noção de função social traz consigo a idéia de um direito não absoluto,
da utilidade no exercício desse direito, do atendimento de uma função a ser exercida por
aquele instituto na coletividade, a noção da função econômica que este representa como
fonte geradora de riquezas, que só é cumprida quando há um uso do bem e um uso voltado
a essas funções.
Não se está dizendo que esses dois institutos são destinados à função social da
propriedade, são estes institutos autônomos cuja função é definida em lei, mas de que se
vale o legislador para por eles, buscar o cumprimento da função social da propriedade.
202 “Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I- aproveitamento racional e
adequado; II- utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III-
observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV- exploração que favoreça o bem-estar
dos proprietários e dos trabalhadores”.
203 Usa-se aqui a expressão punir de forma licenciosa, mais como um recurso lingüístico a reforçar a idéia da
241
uma utilidade pública, o pagamento é prévio e em dinheiro (art. 5°, XXIV), já nas
desapropriações por desatendimento da função social o pagamento não é em dinheiro,
paga-se com títulos da dívida pública resgatáveis no prazo de até 10 e até 20 anos.
Assim, resumiríamos nesse quadro as principais hipóteses legais que visam através
da usucapião e da desapropriação buscar o cumprimento da função social da propriedade,
ora sancionando ora beneficiando quem a cumpre:
DESAPROPRIAÇÃO USUCAPIÃO
Art. 182, §4°: “È facultado ao Poder Público Art. 183. Aquele que possuir como sua área
municipal, mediante lei específica para área urbana de até duzentos e cinqüenta metros
incluída no plano diretor, exigir, nos termos da quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e
lei federal, do proprietário do solo urbano não sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou
edificado, subutilizado ou não utilizado, que de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde
promova seu adequado aproveitamento, sob que não seja proprietário de outro imóvel
pena, sucessivamente, de: III- desapropriação urbano ou rural.
com pagamento mediante títulos da dívida
(USUCAPIÃO PRO HABITATIONE)
pública de emissão previamente aprovada pelo
Senado Federal, com prazo de resgate de até dez
anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas,
assegurados o valor real da indenização e os
juros legais”.
Art. 184. “Compete à União desapropriar por Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de
interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural ou urbano, possua como seu, por
imóvel rural que não esteja cumprindo sua cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de
função social, mediante prévia e justa terra, em zona rural, não superior a cinqüenta
indenização em títulos da dívida agrária, com hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho
cláusula de preservação do valor real, ou de sua família, tendo nela sua moradia,
242
resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir adquirir-lhe-á a propriedade.
do segundo ano de sua emissão, e cuja
(USUCAPIÃO PRO LABORE)
utilização será definida em lei”.
§4°,1.228. O proprietário também pode ser § único, 1.238. O prazo estabelecido neste
privado da coisa se o imóvel reivindicado artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor
consistir em extensa área, na posse ininterrupta houver estabelecido no imóvel a sua moradia
e de boa-fé, por mais de cinco anos, de habitual, ou nele realizado obras ou serviços de
considerável número de pessoas, e estas nela caráter produtivo.
houverem realizado, em conjunto ou
(FORMA ESPECIAL DO USUCAPIÃO
separadamente, obras e serviços considerados
EXTRAORDINÁRIO)
pelo juiz de interesse social e econômico
relevante.
204 Para alguns autores trata-se esta espécie de uma desapropriação judicial,
243
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