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O racismo no contexto do trabalho brasileiro: violência que ainda assombra1

Elina Eunice Montechiari Pietrani

Introdução

Os extensos tratados sobre o racismo no Brasil (Conselho Federal de Psicologia [CFP],


2017; Fernandes, 2007, 2008; Nascimento, 2016) têm demonstrado que a questão da
discriminação racial, em sua ampla discussão, repercute em várias esferas da existência
humana. Racismo, preconceito e discriminação são constituintes de uma mesma
dinâmica. Conforme cartilha elaborada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2017),
o racismo consiste na hierarquização de características de ordem física, cognitiva, moral
entre pessoas de cor branca e de cor negra, atribuindo a estes últimos fator de inferioridade
sobre os primeiros, criando-se, desse modo, o estereótipo racial. O preconceito racial
opera em forma de pensamentos, sentimentos, valores, crenças, a partir do estereótipo
construído ao longo do tempo e internalizado como verdade, em relação ao negro. A
discriminação racial, por sua vez, é a manifestação do preconceito, expressando-se por
atos de segregação, privação de direitos, diferenças de tratamento, baseados no
preconceito racial naturalizado ao longo do tempo.
O racismo penetra na cultura, na educação, na economia e, principalmente, entranha na
subjetividade das pessoas de pele negra e de pele branca. Nestas últimas, o racismo se
manifesta pela própria ideologia do branqueamento, disseminada historicamente como
um modelo ideal não só estético, mas também de superioridade intelectual. Nas primeiras,
leva-as a tomar a própria dominação da qual sofrem como, não raras vezes, verdades
naturais e imutáveis, o que as joga para o campo da incapacidade de lidar com as próprias
questões relativas à segregação racial, estabelecidas e institucionalizadas pelo tecido
social no qual se inserem.
O racismo vem atravessando também o campo do trabalho. Desde o início da colonização
do Brasil até os dias atuais, o negro vem sendo refém de atitudes discriminatórias, que o
colocam à margem do sistema econômico e social de relevância. O processo escravocrata
em si já expressava uma rígida e cruel demarcação entre aqueles que mandavam e aqueles
que deveriam obedecer, sistema que perdurou durante quase quatro séculos. Ao se ver
“livre” das correntes, o homem negro e, mais ainda, a mulher negra viram sua inserção e
manutenção no mercado formal de trabalho, acontecendo, em boa parte, por meios
informais como vendedores ambulantes, empregados e empregadas domésticas e
atividades afins, enquanto aos brancos eram reservadas oportunidades consideradas de
maior visibilidade.
Até recentemente, essa escassez de negros no mercado de trabalho amplo era justificada
pela ausência de qualificação desse grupo. No entanto, devido principalmente ao
estabelecimento de políti cas como a Lei de Cotas2, ocorreu um aumento considerável de

1
Esse texto é o capítulo 2 do livro PIETRANI, E. E. M.; SALIS, A. C. (orgs.) Trabalho e trabalhadores:
contextualizações necessárias. São Paulo: Ed. Scortecci, 2020.
2
A Lei 12.711, conhecida como Lei de Cotas, foi promulgada em 2012 e estabelece que as instituições federais de
educação superior e ensino técnico de nível médio reservarão, no mínimo, 50% de suas vagas para estudantes
provenientes de escolas públicas. Essas vagas reservadas devem ser subdivididas: metade para estudantes de escolas
acesso dos negros ao ensino superior, conforme atestam os dados do Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2013), que apontam que as
matrículas de brancos em instituições públicas ou privadas, no período 2001-2013,
cresceram 27,5% e as de negros, 40%. Entretanto, apesar da Lei de Cotas e de programas
como o Financiamento Estudantil (FIES), que favorece o ingresso no ensino superior de
camadas baixas da população, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
divulgou, em maio de 2018, que as desigualdades no campo profissional ainda são
grandes. Conforme pesquisa efetuada pelo órgão em 2016, o rendimento médio de
pessoas brancas se dá na ordem de R$ 2.814,00; enquanto, para os denominados pardos,
chega a R$ 1.606,00 e, para os ditos pretos, o valor fica na casa de R$ 1.570,00.
Neste momento, em que, por ocasião das comemorações do nascimento de Karl Marx,
tecemos uma reflexão sobre o trabalho e suas nuanças na contemporaneidade, esperamos
que uma reflexão sobre o racismo, ainda que breve, nos permita jogar luzes sobre as
sombras esmagadoras dessa violência, que vem se perpetuando no âmbito do trabalho.
Embora o racismo nesse campo não seja uma prerrogativa apenas do Brasil, neste artigo
daremos ênfase ao horizonte histórico do labor em terras brasileiras.
O negro e o mundo do trabalho
A história das relações raciais e do trabalho no Brasil perpassa o próprio contexto das
relações de trabalho aqui desenvolvidas. Estas tiveram no escravismo seu motor de
impulsão. Através desse modelo, os indígenas e, posteriormente, os negros, serviram
como mão de obra a uma economia ainda essencialmente agrária. Assim, desde os
primeiros tempos da conquista, a escravidão foi a relação de trabalho dominante no Brasil
colonizado e, ainda depois, no Brasil independente.
Segundo Prado (2011), a escravização do povo negro-africano em terras brasileiras
representou um esforço pela edificação de um novo sistema de colonização iniciado pelos
portugueses e seguidos por outros povos europeus, que era o de colonizar territórios quase
desertos e primitivos, aproveitando as caraterísticas apresentadas pela região. Tratava-se,
inicialmente, de extrair da terra “descoberta” os benefícios apresentados por ela, o que
requeria também fortes esquemas de proteção, levando à construção de amplas
fortificações. O contexto do trabalho mais proeminente nesse período restringia-se, de
início, à extração do pau-brasil e, posteriormente, ao cultivo da cana de açúcar e à extração
mineral, tidos como altamente lucrativos. Entretanto, segundo Prado (2011), os negros-
africanos se desdobravam em várias atividades, incluindo também, principalmente no
caso das mulheres negras, os serviços domésticos e de atendimento aos interesses sexuais
dos senhores donos das terras.
Para um trabalho tão hostil, requeria-se mão de obra que se fizesse submissa, aceitando
as condições de ter que trabalhar com sol a pino ou chuva, extensas horas por dia, todos
os dias da semana, visto que não havia ainda legislação que regrasse o trabalho. Além
disso, o trabalho era concebido pelos colonizadores da nova terra como uma tarefa
pejorativa e desabonadora, já que não era dotada supostamente de elaborações
intelectuais. Necessitava em tese da força física e nada mais. Desse modo, os portugueses
iniciaram o processo de domesticação dos índios, o que tentaram por 30 anos (1500-
1530), lançando mão de vários dispositivos violentos. No entanto, tal tarefa não se

públicas com renda familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita e metade para estudantes de escolas
públicas com renda familiar superior a 1,5 salário mínimo. Em ambas as subdivisões, serão reservadas vagas para
pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, conforme a proporção observada no último Censo Demográfico
do IBGE em cada Unidade da Federação (Gomes e Marli, 2018).
mostrou muito eficiente por várias razões: os nativos praticavam uma forma de trabalho
mais voltada à subsistência; vários índios foram mortos ao contraírem doenças
provenientes dos colonizadores; ou simplesmente fugiam, por terem amplo domínio do
território. Portanto, temos aqui a primeira expressão da discriminação racial no Brasil, a
qual, como vemos, se inicia antes do tráfico dos navios negreiros. A colonização indígena,
com o adulteramento das características desse povo e a violência empregada para dominá-
los, aconteceu no alvorecer de um país, cujo modelo de relação laboral se sustentaria
oficialmente por mais 388 anos e deixaria marcas ainda alguns séculos à frente (Luna &
Klein, 2010; Chiavenato, 2012).
Diante da dificuldade com os nativos da nova terra e da necessidade de ampliar a força
de trabalho para levar a cabo os objetivos comerciais de colonização do país, os
portugueses seguiram com a cooptação dos negros-africanos. Por que a África e seu
povo? A costa ocidental africana se revelaria aos portugueses, pioneiros nas
“descobertas” pela via oceânica, em pleno século XV, um espaço comercial em que não
encontravam concorrentes mais antigos e já instalados, levando-os a traficar com os
mouros, que já dominavam as populações indígenas, bens como a extração do ouro e do
marfim (Prado, 2011). Além disso, a África surgia como uma rota que colocaria os
portugueses em contato direto com as especiarias da Índia, tão cobiçadas. Segundo Prado
(2011), a ideia de colonização não se referia inicialmente ao estabelecimento dos
colonizadores na terra colonizada, mas à sua mera utilização com feitorias comerciais.
Somente a posteriori, dada a necessidade de organizar o território para fins comerciais, é
que a ideia de ocupação com povoamento efetivo se fez surgir.
Arrancados de seu habitat natural, os negros eram, então, apreendidos e vendidos por
grupos de traficantes, que cada vez mais se aprimoravam nesse negócio, distribuindo sua
“mercadoria” em várias partes do mundo, percebendo, assim, a obtenção de altíssimos
lucros. Estava criada a “empresa colonial” (Prado, 2011), a qual se sustentou pela
dominação dos negros, utilizados apenas como instrumentos de trabalho. Prado (2011,
pp. 31-32) é enfático ao afirmar que:
Se vermos a essência da nossa formação, veremos que na realidade nos
constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais
tarde ouro e diamantes; depois algodão, e em seguida café, para o
comércio europeu. Nada mais que isso. É com tal objetivo, objetivo
exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que se
nos fazem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade
e a economia brasileira.

Os negros, capturados e lançados em uma terra desconhecida, eram também destituídos


de sua rede social, familiar, cultural e religiosa, além de sofrerem toda sorte de maus
tratos e violências. A vida nos engenhos era fechada em si mesma, dominada por um
sistema patriarcal absoluto, que regulava as decisões da família e o destino de todos à sua
volta. O engenho era formado pela casa-grande, residência do patriarca e sua família; pelo
engenho propriamente, com a produção do açúcar e da cachaça; pelas senzalas, onde
habitavam os negros e as negras; e por uma igreja. O dono do engenho regulava a vida de
todos que ali existiam, impondo suas decisões, seu modo de ser, sua cultura, sua
religiosidade, o que nos leva (embora não seja nosso foco) a perceber um processo de
discriminação e dominação não apenas da raça – negra e indígena –, como também de
gênero, de cultura, de religiosidade. Em outras palavras, o que era válida era a concepção
difundida pelo branco europeu. Conforme destaca Chiavenato (2012, p. 111),
Da captura da África até integrarem-se ao sistema de trabalho escravo
nas fazendas brasileiras, eles [os negros] perdiam contato com sua tribo,
seus costumes, a família; eram privados até do idioma. Porque no geral
juntavam-se negros de nações diferentes. Seus valores naufragavam
porque não tinham condições práticas de sobrevivência em um meio
hostil, onde o irmão de infortúnio era um desconhecido.

Além de buscar o domínio e o controle do corpo negro escravizado, expropriar-lhe suas


raízes culturais e afetivas, a elite escravocrata utilizava-se de estratégias psíquicas,
visando obter o “consentimento” do próprio negro em seu processo de dominação. Nesse
sentido, o Cristianismo exerce papel preponderante, ao disseminar a noção de “que o
negro nasceu ‘naturalmente’ escravo e coisas afins” (Chiavenato, 2012, p. 99. Grifo do
autor.). A evangelização pelo Cristianismo, já hegemonicamente presente na cultura
portuguesa, trazia, em sua aproximação com os negros, esse viés de inferioridade,
fazendo-os crer no equívoco em que viviam, e para o qual o Cristianismo oferecia sua
redenção.
O Brasil entrou no século XX passando por uma dupla transição: o fim da escravatura e
o fim da monarquia. Ambas requeriam novas posturas ou, pelo menos, novas reflexões,
sobre a história, de forma a se recriar um país até então castigado por uma violência
opressora contra a população negra que aqui aportou à sua revelia, e um novo modelo de
governo, em tese mais democrático. No entanto, conforme assinala Santos (2009), essas
mudanças não foram encaradas, mas camufladas. O atraso econômico do Brasil frente a
outros povos que já se estabeleciam com o processo da Revolução Industrial não era aqui
atribuído ao regime de governo ou sistema de produção vigente, mas à indolência e apatia
de um povo “de cor”, que supostamente não se prestava ao trabalho. Segundo a autora,
“o atraso brasileiro, frente a outras nações, não fora nesse momento diagnosticado
considerando o seu passado e suas práticas econômicas ou sociais, mas pelas
características de seu povo” (p. 175). Urgia, assim, uma solução imediata para que se
substituísse o escravismo, agora proibido, mas principalmente que “extinguisse essas
‘más características’ do povo brasileiro” (Santos, 2009, p. 176. Grifos da autora.), levando
o país a abrir as portas para a imigração europeia. O branqueamento da população
acontece, assim, como uma solução não apenas econômica, mas como uma ruptura com
um padrão de pessoas supostamente não afeitas ao trabalho. Com tal solução, pretendia-
se colocar então o Brasil na rota da modernização já alcançada por outros países. Fazia-
se necessário que nos sustentássemos como uma só raça, a fim de nos constituir como
povo e sair do subdesenvolvimento. E a raça considerada como legítima era a branca
europeia. Assim, a defesa pela abolição dos escravos, longe de ser movida pela
solidariedade, preocupava-se com um novo modo de produção, com assalariados livres,
modelo considerado mais rentável, e nenhum plano que aproveitasse os negros no novo
sistema de trabalho (Chiavenato, 2012).
O processo de incorporação da “alma branca” deveria atingir também os negros, de forma
que reconhecessem sua incapacidade como raça e como povo e adotassem os hábitos,
costumes e posturas dos brancos europeus. Para extinguir a raça negra do país, não
bastava apenas ocorrer a sua miscigenação, era preciso destituir o senso de pertencimento
do negro ao seu grupo racial. Isso aconteceu pela imposição do padrão de beleza branco
europeu, popularizado através de produtos que prometiam o alisamento de cabelos, a
eficiência de cremes clareadores etc. até a “captura” da autoestima das pessoas de cor
negra, a qual supostamente só poderia ser alcançada à medida que o negro se visse como
ser inferior e desejasse ser como um branco (Domingues, 2004; Santos, 2009; Oliveira &
Pimenta, 2016). Tais aspectos evidenciavam ao negro que sua ascensão social, se não era
alcançada, devia-se pela ausência de esforço “como um branco” para lutar por ela, uma
vez que sua “índole” era naturalmente de uma pessoa incapaz, vadia etc. A ideologia do
branqueamento, com a influência das teorias racialistas propagadas no século XIX3,
disseminava no tecido social brasileiro o ideário da superioridade da raça branca e
incentivava de forma incisiva o negro a resignar-se “diante de sua própria inferioridade”
(Santos, 2005).
Vale ressaltar aqui uma frase popular, ouvida por esta autora durante sua infância, nos
encontros informais de adultos, quando, ao final desses encontros, alguém
frequentemente dizia “precisamos ir, pois amanhã é dia de branco”, evidenciando que
“precisava ir, pois amanhã era dia de trabalho”. Outras expressões também se tornaram
conhecidas no cotidiano brasileiro como a que diz “este é um negro de alma branca”, ao
se referir a alguém, negro, mas que apresentava “bons comportamentos” ou coisas do
tipo. Assim foi se constituindo o mito do branqueamento na formação do povo brasileiro,
em que o negro, esquecido de todo aviltamento sofrido no período escravocrata,
sucumbia-se à inferioridade e ao declínio de sua raça.
Oliveira & Pimenta (2016) apontam o sistema de seleção de pessoas no período pós-
abolição, no Estado de São Paulo, em que os anúncios para empregos apresentavam o
critério de cor [negra] como requisito de rejeição ao trabalho. Nesse sentido, segundo as
autoras, promovia-se um processo do qual ficava de fora a maioria das pessoas negras.
Desse modo, verificamos que a dificuldade de inserção e ascensão social dos ex-
escravizados pela discriminação racial tem seu início junto com a instauração da
República, como uma herança do período escravocrata. “Era por meio de diversos
gêneros, inclusive o de anúncios de emprego, que a cor de pele branca era tida como
sinônimo de civilidade, bom comportamento, inteligência, bom gosto etc” (Oliveira &
Pimenta, 2016, p. 390).
A escravização dos negros deixou marcas no imaginário social. Segundo estudo realizado
por Moura (apud Domingues, 2004), os estereótipos que faziam parte do imaginário da
elite paulistana no período pós-abolição e início da imigração europeia no Estado de São
Paulo apontam que o negro simbolizava atraso, barbárie, passado, devassidão, selvageria
e africanização ou enegrecimento. Enquanto isso, o europeu branco simbolizava
progresso e desenvolvimento, cultura, futuro, moral, liberdade, civilização e
branqueamento.
Abdias do Nascimento (2016), em seu livro O genocídio do negro brasileiro, relata que
até 1950 era comum nos anúncios de empregos a frase “não se aceitam pessoas de cor”.
No ano seguinte, 1951, a Lei Afonso Arinos passou a proibir toda e qualquer
discriminação contra negros. Ainda assim, segundo o historiador, “trata-se de uma lei que
não é cumprida, nem executada. Ela tem um valor puramente simbólico. Depois da lei,
os anúncios se tornaram mais sofisticados que antes: requerem agora ‘pessoas de boa
aparência’” (2016, p. 97. Grifos do autor.). Ele destaca ainda que a lei não surgiu pela
benevolência de alguns, mas foi uma reivindicação, junto com outras, por ocasião da
Convenção Nacional do Negro, em 1943, presidida pelo próprio Nascimento.
A respeito da Lei Afonso Arinos, Oliveira & Pimenta (2016) discutem também sua
ineficiência, justificada por punições brandas, que não chegavam a ameaçar a ordem
então vigente. Quase 40 anos depois, em 1989, uma nova Lei 7716/89, a Lei Caó, é criada

3Teorias propostas pelo francês Conde de Gobineau e incorporadas por intelectuais brasileiros como Nina Rodrigues,
Silvio Romero, Oliveira Viana (Santos, 2009).
para punir o racismo como crime inafiançável e estabelecia a pena de dois a cinco anos
de prisão para quem, em anúncios ou em formas de recrutamento de trabalhadores,
exigisse critérios de aparência próprios de raça ou etnia.
Oliveira & Pimenta (2016) também assinalam o recurso linguístico usado nos anúncios
de empregos: “precisa-se de alguém com boa aparência” para substituição de “precisa-se
de branco”. Essa “boa aparência” estaria associada a cheiro, a cabelo, a asseio do homem
branco. Do outro lado, o corpo do homem negro era percebido como sujo, mau cheiroso,
feio. Portanto, o critério de “aparência” se afina ao que é concebido como tal pelo branco
europeu e tomado como verdade absoluta, naturalizada, pelo patronato do início do século
XX. Ocorre que a divisão estética não se associava apenas ao aspecto físico de um e de
outro, mas a questões de caráter, de personalidade. Ao ser visto como sujo e feio, o negro
também era percebido como pouco confiável, pouco criativo, enfim, como incapaz ao
trabalho.
Mais ao final do século XX e início do século XXI, Pinho (2004, p.11) traz a ideia de que
o campo do trabalho foi um dos espaços significativos em relação ao racismo no Brasil.
Em pesquisa realizada entre 1999 e 2000, com pessoas de cor negra, na Bahia, ouviu de
um entrevistado a seguinte afirmação sobre o pai que não obteve emprego:
Agora, também, tem o racismo no trabalho. Meu pai, quando foi
procurar emprego, o homem disse que não queria ele porque não
tinha mais vaga. Aí logo entrou um homem branco e ele disse que
tinha vaga. Aí quando meu pai reclamou ele disse que não tinha
vaga para preto.
Conforme pesquisa publicada em 2017 pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada
(IPEA), que combinava as desigualdades de gênero e raça, no período de 1995 a 2015,
apesar de, proporcionalmente, a remuneração das mulheres negras ter sido a que mais se
valorizou entre 1995 e 2015 (80%) e a dos homens brancos ter sido a que menos cresceu
(11%), a escala de remuneração manteve-se inalterada em toda a série histórica: homens
brancos têm os melhores rendimentos, seguidos de mulheres brancas, homens negros e
mulheres negras. A diferença da taxa de desocupação que inclui dados de gênero e raça
também merece destaque: em 2015, no caso da mulher (independente da raça), era de
11,6%, enquanto a dos homens atingiu 7,8%. No caso das mulheres negras, ela chegou a
13,3% e 8,5% para homens negros. O emprego doméstico ainda era a ocupação de 18%
das mulheres negras e de 10% das mulheres brancas no Brasil em 2015, embora essa
ocupação venha caindo ao longo das últimas décadas: em vinte anos, passou de 17,3%
para 14,3% a proporção de ocupadas em trabalho doméstico.
Em termos de educação, apesar dos avanços nos últimos anos, com mais brasileiros e
brasileiras chegando ao nível superior, as distâncias entre os grupos por raça perpetuam-
se. Entre 1995 e 2015, a população adulta branca com 12 anos ou mais de estudo salta de
12,5% para 25,9%. No mesmo período, a população negra com 12 anos ou mais de estudo
passa de 3,3% para 12%, um aumento de quase 4 vezes, mas que não esconde que a
população negra chega somente agora ao patamar de vinte anos atrás da população
branca. Tais dados indicam o quanto ainda precisa ser feito para combater as
desigualdades de acesso das pessoas negras aos bancos escolares.
Os números não deixam dúvidas em relação à empregabilidade do povo negro brasileiro
na atualidade. Em pesquisa efetuada em 2015, com 500 organizações que vão de pequeno
porte (até 100 funcionários) até grande porte (mais de 5.000 funcionários), localizadas,
em sua maior parte (78%), nas regiões Sudeste e Sul, atuando nos setores econômicos de
indústrias, serviços, comércios e produtos agrícolas, sendo, em sua maior parte (52,1%),
pertencente ao setor industrial, dados levantados pelo Instituto Ethos (2016) apontaram
que o percentual de negros é maior do que o percentual de brancos no que se refere ao
denominado Programa Jovem Aprendiz4, em que os negros ocupam 57,5% dessas
oportunidades contra 41,6% de brancos. Os Programas Trainees5 também contemplam
um percentual maior de jovens negros: 58,2%, para 41,3% de jovens brancos. É de se
esperar que, com esses quantitativos, os negros tenham maiores chances de crescimento
na hierarquia organizacional. Entretanto, a se constatar pelos dados seguintes, verifica-se
que isso não acontece. A pesquisa do Ethos indicou que, no denominado Quadro
Funcional das empresas, observa-se que os brancos ocupam 62,8%, e os negros, 35,7%;
no nível de Gerência, os brancos ocupam 90,1% dessas posições, enquanto os negros,
6,3%; e no quadro executivo, esse percentual de negros decai: os brancos equivalem a
94,2% de posições de diretoria nas organizações, enquanto o de negros nesse nível se
estabelece em 4,7%.
A população negra brasileira,6 conforme Censo efetuado pelo IBGE em 2013,
corresponde a 52,9% da população total. No entanto, conforme a pesquisa efetuada pelo
Instituto Ethos (2016), o grupo de negros de ambos os sexos ocupa apenas 34,4% no
cômputo geral das organizações. Esse número decresce quando se isolam mulheres
negras, ressaltando que estas ocupam, no quadro geral, somente 10,6%. A taxa de
desocupação, embora tenha se elevado para ambos (em relação aos números de 2011,
apresentados anteriormente), ainda é menor entre as pessoas de cor branca: 9,5%;
enquanto pardos e pretos apresentam respectivamente 14,5% e 13,6%, considerando todo
o território brasileiro.
Março de 2017, o diretor executivo de uma empresa multinacional no Brasil, Theo Van
der Loo, posta na rede de Internet Linkedin7, “Não entrevisto negros”. A postagem, na
verdade, denunciava uma cena de racismo sofrida por uma pessoa conhecida do
executivo, dona de um extenso currículo na área de Tecnologia da Informação, que, ao se
apresentar para uma entrevista de empregos, ouviu o gerente informar à funcionária do
setor de Recursos Humanos que ele não tinha se atentado para a origem étnica do
candidato e que não entrevistava negros. O desabafo e a indignação de Van der Loo
ressoou na própria rede, mas também se tornou notícia em alguns veículos de
comunicação no país (Carneiro, 2017; Veja, 2017).
A questão do racismo no campo do trabalho é uma questão complexa e, muitas vezes,
difícil de ser analisada, uma vez que se encontra sedimentada no tecido social,
dificultando um olhar mais profundo. Entretanto, a ressonância dos números apresentados
continua a inquietar o horizonte histórico do trabalho, uma vez que ali se cultiva uma
prática que não se justifica por si mesma. Diante do exposto, podemos crer que o racismo

4
O Programa Jovem Aprendiz, baseado na Lei da Aprendizagem (10.097/2000), determina que empresas de médio a
grande porte tenham, em seu quadro de pessoal, um percentual de 5% a 15% de jovens entre 14 a 24 anos, ocupando
funções de trabalho, desde que eles estejam vinculados a uma instituição educacional.
5
O denominado Programa Trainee refere-se a programas de recrutamento e desenvolvimento de jovens, geralmente na
faixa etária entre 22 e 30 anos, para ocupar futuras posições de gestão em empresas, para as quais esses jovens foram
selecionados. Tal programa requer frequentemente que a pessoa esteja no último ano ou recém-formado em
universidades reconhecidas no mercado, entre outros requisitos, conforme os critérios de cada organização (Cf em:
http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/como-funciona-um-programa-de-trainee.)
6
A população negra engloba pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, seguindo a nomenclatura adotada pelo IBGE
(apud Instituto Ethos, 2016).
7 Cf. https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:6252683829606182912/.
no contexto do trabalho brasileiro permanece como uma sombra a rondar as pessoas
negras, desde que os navios negreiros começaram a aportar aqui em 1530. Conforme
ressaltado na cartilha elaborada pelo Conselho Federal de Psicologia (CPF, 2017),
pessoas brancas, pelo simples fato de serem brancas, põem-se em vantagem em relação
aos negros: portas se abrem, pois, em uma primeira impressão, a aparência física do
branco é tida, conforme já mencionado, como sinônimo não só de uma estética apreciável,
mas também de credibilidade pessoal e profissional: “[...] ser negro no Brasil é uma
função social e implica desempenhar um papel que carrega em si uma ausência de
autoridade ou desrespeito” (CFP, 2017, p. 32).
A manipulação do racismo hoje se ostenta não pela força física como no período
escravocrata, mas pelo discurso que historicamente foi (e continua sendo) entranhado na
constituição social do indivíduo, nos modelos de comportamento hegemonicamente
considerados adequados, na concepção de moral, nas crenças e nos valores
compartilhados (Oliveira & Pimenta, 2016). O mito da democracia racial (Santos, 2009;
Nascimento, 2016), que diz que o Brasil não é um país racista, apresenta-se, no mínimo,
como um discurso contraditório, que ajuda a camuflar o racismo nas várias instâncias do
dia a dia. Sob o discurso da democracia racial, percentuais, como os apontados
anteriormente, denotam uma desigualdade entre brancos e negros; assim como, sob a
disseminação da igualdade das raças, espaços de rituais religiosos de origem africana são
invadidos e destruídos (G1 Rio, 2018; Beirão, 2018).
Como descrevem Camino, Silva, Machado & Pereira (2001), o racismo na atualidade
acontece de modo mais aparente do que real, mais sutil do que expresso abertamente.
Segundo os autores, isso aconteceria pela pregação de um discurso igualitário, geralmente
oriundo de uma classe mais favorecida socialmente, que defende a igualdade para todas
as pessoas, e, ao assim proceder, recrimina, por exemplo, a Lei de Cotas, alegando que
ela restringiria essa igualdade. Outras pesquisas consultadas pelos autores indicam
também que “a discriminação racial se expressa hoje não tanto pela atribuição de traços
negativos [às pessoas de cor negra] e sim pela não atribuição de traços positivos” (p. 18).
Ou seja, quando pessoas brancas são consultadas para descreverem traços positivos e
negativos em seu grupo étnico e em pessoas de cor negra, os brancos tendem a
potencializar os traços positivos em seu próprio grupo, e, embora não apresentem
aspectos negativos dirigidos aos negros, também não lhes imputa aspectos positivos.
Florestan Fernandes (2007), ao analisar a questão da inserção e ascensão do negro no
mercado de trabalho pós-abolição, aponta que este, ao se tornar “um homem livre”, não
recebeu qualquer assistência (financeira, educacional, social etc) para se sustentar em
uma economia urbano-comercial e voltada à modernização. Além disso, o negro, diante
da necessidade de sobrevivência e açoitado pelo estigma da inferioridade, se viu
repentinamente em competição com o imigrante europeu, “sem ter meios para enfrentar
e repelir essa forma mais sutil de despojamento social” (p. 66). Ainda segundo o
sociólogo, somente com o tempo, o negro foi se aparelhando para enfrentar esse novo
sistema, mas, ainda assim, de forma imperfeita, sem receber as mesmas condições
oferecidas aos brancos, levando-o ao sentimento de impotência para disputar o ávido
mercado de “trabalho livre” (p. 67. Grifos do autor.).
Se considerarmos que a inserção no mercado de trabalho ainda é um fator central na
construção da identidade do sujeito, no estabelecimento do padrão de sociabilidade e,
sobretudo, na origem dos recursos que permitem ao indivíduo atender necessidades
básicas com autonomia, a exclusão do negro do processo de produção, pela via do
racismo, não só o destitui de todas essas prerrogativas, inerentes a qualquer pessoa em
uma sociedade capitalista, mas é também fator gerador de sofrimento psíquico, em vista
de ser uma exclusão potencializada com elementos raciais, alheios à capacidade do
indivíduo de cor negra.
O racismo coloca em xeque a noção de sucesso pelo mérito, uma vez que não é apenas
pelo mérito que a população branca é frequentemente detentora do capital financeiro,
obtém maior ascensão profissional e tem maior representatividade na política: esses
espaços já são herdados por ela historicamente. Uma vez que o negro não apresenta os
requisitos de aparência creditados pela elite branca e historicamente traz o ranço da
incapacidade, da vagabundagem, conforme apresentamos anteriormente, é requerido dele
um esforço maior do que os brancos para ultrapassar a barreira da aparência e das crenças
que nela são depositadas.
Alto, de olhos azuis, pele clara, ficou conhecido no Brasil o caso do mendigo identificado
nas ruas de Curitiba, PR. Fotografado por uma transeunte, recebeu a atenção de várias
pessoas quando sua foto repercutiu nas redes sociais de internet e na mídia (Justi, 2012;
Forum, 2013). Parecia ser quase estranho pensar um branco, com traços europeus, nas
ruas, pedindo esmola, enquanto uma pessoa de cor negra frequentemente tem sua
presença ignorada à vista dos que passam nas ruas das grandes cidades. Conforme matéria
na revista Forum (2013), o mendigo de Curitiba é branco, e por ser branco recebeu
tratamento diferenciado, enquanto pessoas negras em situação de rua não recebem, muitas
vezes, nem o básico para sua sobrevivência.
Portanto, parece se manter aí um lapso entre o modo como os brancos são vistos pelo
mercado de trabalho e o modo como os pretos são vistos, sendo estes últimos
frequentemente desfavorecidos pela cor da pele e as características de sua raça, bem como
pela associação destas com comportamentos considerados inadequados ao trabalho
moderno. Eles são assim lançados em uma desigualdade que não se relaciona diretamente
com sua competência, mas por concepções prévias definidas por padrões brancos. Em
matéria publicada na revista Carta Capital (2016), verifica-se o relato de uma jovem
negra acerca das dificuldades encontradas para conseguir um posto de trabalho
qualificado, a despeito do seu currículo e experiência. Fluente em três idiomas, pós-
graduada na área de negócios e com experiência em cargo de gestão, a candidata ouviu
da profissional de RH que o seu perfil nas redes profissionais na Internet era “muito
descolado” (cabelo crespo e roupa colorida) e que roupas mais sóbrias combinadas com
o cabelo alisado poderiam ser mais apropriadas.
É possível ver que o estabelecimento da inferioridade intelectual das pessoas de cor negra
constituiu-se no bojo das relações sociais e foi tomado como verdade absoluta,
naturalizando-se no horizonte histórico do trabalho brasileiro. O racismo põe em
evidência a velha dicotomia corpo-mente pregada por Descartes (e tão questionada pelas
ciências humanas), uma vez que dissocia o corpo – negro – de sua mente e associa-o a
aspectos propagados historicamente, que são tomados como a totalidade desse sujeito.
Descartes, pioneiro no pensamento por divisão e etapas, estabeleceu por esse caminho o
método científico, pois acreditava que, assim, poderíamos analisar melhor a realidade e,
ainda, poderíamos ter o controle das situações e fazer previsões (Ribeiro, 2008). Tal
método, inserido no cotidiano da existência, dada a atratividade com que se apresentava,
levou-nos a analisar todas as coisas que chegam para nós de forma também fragmentada
e sistematizada. Assim, ao considerarmos que a pessoa de pele negra é desqualificada ou
vadia pela associação à cor da sua pele, tal pensamento ocorre pela fragmentação dessa
pessoa, separando-a em físico e intelectual, seguindo um caminho já aberto
anteriormente. Entretanto, se tal método pode ser eficaz para os objetos da natureza, para
a compreensão do homem pode ser insuficiente, uma vez que tal postura negligencia a
pessoa como um todo, que é vista somente por um aspecto, o qual, reiteramos, é alheio à
própria pessoa. Ao segmentar os indivíduos pela cor da sua pele, propagamos a vitória da
racionalidade, fazendo valer o caráter metódico de compreensão do homem, com suas
categorizações prévias, em detrimento da existência pelo seu caráter sensível.
Enclausuramos, assim, a existência humana em sistemas fechados e ignoramos seu
caráter de abertura, seu caráter de poder-ser, que lhe é inerente.
Mas, como a concepção do negro, associado à baixa capacidade ou vagabundagem, se
naturalizou em nossa sociedade? O homem, ao se ver lançado no mundo, é lançado
simultaneamente em seu horizonte histórico, recebendo deste suas determinações, suas
categorizações. Não tendo ainda outros referenciais, a pessoa toma do mundo os
referenciais que lhe chegam (primariamente através da família e, posteriormente, através
da escola, dos meios de comunicação, dos amigos etc.) e recebe as categorizações do
mundo como verdades absolutas, sem refletir sobre elas, de início. Desse modo, os
pressupostos construídos socialmente vão sendo passados de geração a geração e
cristalizando-se ao longo do tempo, sem que se reflita sobre sua constituição. Tais
categorizações são temporais e espaciais, pois se constituem em uma determinada época,
dentro de uma determinada comunidade, e podem sofrer alterações à medida que ambos
– tempo e espaço – também se alteram, constituindo novas categorizações. Isso acontece
com o racismo, mas também com a concepção da maternidade, do casamento, até do que
se entende por sucesso pessoal e profissional. Como vimos ao longo deste estudo, o
racismo, como a ideia da desqualificação do negro, foi se construindo por um caminho
de diversas fontes – religiosas, políticas (em sua relação de poder) etc. – e se consolidando
ao longo do tempo. Gerações e gerações receberam do mundo essas categorizações, sem
refletir sobre elas, tomando-as como verdades absolutas e propagando-as de forma
natural.
Ocorre que, ao tomar a desqualificação da pessoa para o trabalho, baseando-nos em
orientações sobre a cor de sua pele, sedimentadas em um contexto histórico-social, a
existência humana em sua singularidade vai sendo negligenciada. Do mesmo modo como
acontece em relação a outros grupos minoritários (mulheres, grupos regionais etc.), as
pessoas negras passaram a ser analisadas por aspectos difundidos historicamente,
enquanto é desconsiderado seu modo de ser mais próprio, que agrega várias dimensões e
limitações, como quaisquer outras pessoas, porém, no caso do racismo, o olhar se volta
preponderantemente para os constructos cristalizados socialmente. Em outras palavras, a
superioridade ou a inferioridade entre raças se constituem no seio social e se alimentam
por ele mesmo.

Considerações finais
Este estudo procurou mostrar, ainda que de forma breve, como o racismo se inseriu e se
estruturou no contexto do trabalho brasileiro, tecendo algumas considerações sobre o
modelo de trabalho baseado no escravismo até chegar aos dias atuais, com a
modernização e flexibilização dos processos de trabalho, sem, contudo, ver extinta a
discriminação racial no mercado de trabalho, tanto no que se refere à inserção como à
permanência do negro no campo laboral. Como vimos, o racismo se inicia como estratégia
de dominação de povos, o que requeria também a aceitação e o reconhecimento desses
povos como seres inferiores. Através de um aparato religioso-ideológico, os africanos
negros sucumbiram ao seu status de povo colonizado por uma raça supostamente
superior. Conforme foi possível observar, tal dominação se manteve ampliada por vários
séculos e até os dias atuais é possível encontrar seu modelo, ainda que de forma velada,
devido às proibições expressas em lei. Assim, a pessoa de cor negra caminhou no mundo
do trabalho: tropeçando, buscando se levantar, se autoafirmando, tendo que provar com
mais veemência sua capacidade, a fim de manter sua sobrevivência ou mesmo, quiçá, de
adquirir certo status dentro de uma sociedade majoritariamente preconceituosa.
Ao excluirmos o negro do mercado de trabalho digno, o excluímos também das
possibilidades de interação social, de aperfeiçoamento educacional, de acesso à saúde
(física e psíquica), de mobilidade social e cultural, entre outros bens proporcionados pelo
trabalho. É a pessoa em suas várias dimensões que sofre pela exclusão de um mundo que
somente se sustenta pela relação empregador-empregado, mesmo com variadas e ligeiras
alterações.
Parece-nos necessário esclarecer que, uma vez que o racismo se constrói social e
historicamente, sua desconstrução, conforme aponta Costa (2012, apud CFP, 2017), passa
pela conscientização de seu processo. Somente compreendendo seu modo de
estruturação, é possível tirar o racismo desse olhar naturalizado que o alimenta há séculos,
para poder enfrentá-lo e propor mudanças também estruturais. Nesse sentido, ações
afirmativas que ponham em relevo a questão do racismo, originadas ou de órgãos públicos
ou de iniciativas privadas; atividades no interior das organizações empresariais, entre
outras ações, podem favorecer essa conscientização, ainda que dentro de um espectro
temporal longo e imprevisível.

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