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LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

___________

DIREITO HIPOTECÁRIO

COMENTÁRIO AO DECRETO 169 A, DE 19.01.1890

por

Didimo Agapito da Veiga

Presidente do Tribunal de Contas Federal

e Professor da Faculdade Livre de Direito

1899
Aos Drs.

Edmundo Bittencourt

Sancho Pimentel

l
I

“A hipoteca ou vai desaparecer, como todas as criações jurídicas apoiadas no

predomínio da propriedade imobiliária, ou será unicamente o veículo para a circulação

dessa propriedade por meio das letras hipotecárias.”

Quando escrevíamos isto (n. 223 desta obra) nada mais fazíamos do que

assinalar um fenômeno, que está na previsão de todos quantos se interessam por esses

assuntos, e tínhamos em vista a feição que o moderno Código Civil alemão dá à letra

hipotecária, acentuando- lhe os lineamentos como instrumento direto de crédito

hipotecário, mais nitidamente do que já o havia feito a Lei prussiana de 05.05.1872.

É sob esta feição que a hipoteca há de aparecer no futuro como figura jurídica e

os códigos que a modelarem, sem imprimir- lhe o cunho de instrumento de valorização

do título circulatório da propriedade imobiliária, dar- lhe-ão uma estrutura que não a

poderá aparelhar para as funções que exige dela a economia moderna. A propriedade

mobiliária valorizada e realizável de pronto, tendo como expressão os títulos de crédito,

tende a suplantar, por completo, a imobiliária. Fazendo consistir na rápida circulação e

na fácil realização da riqueza móvel, o seu grande título preferêncial sobre o da

estabilidade e segurança que proporcionava a propriedade imóvel e atual orientação

econômica afetou substancialmente a antiga feição jurídica da hipoteca, que seduzira os

confeccionadores do Código Napoleão, e levou-os a dar- lhe consagração naquele

monumento de direito escrito.


II

Quando, cedendo ao modo de ver de Teixeira de Freitas, o legislador de 1864

deixou de aceitar o parecer da comissão da Câmara dos Deputados, que opinava pela

consagração do mecanismo da transcrição ou registro da translação da propriedade

imobiliária adotada no regime germânico, que a Lei francesa de 11 brumário do ano 7.º,

já havia adotado, e que Troplong, o inspirador de quase todas as nossas leis inovadoras

do direito civil, recomendava, como o assento de um bom sistema hipotecário (Introd.

aos Privilégios e Hipotecas, p. XXVII), imprimiu a primeira eiva de vício substancial

no aparelho hipotecário que tratava de modelar.

Nem sequer a razão fundamental de tal alvitre, o domínio simplesmente

presuntivo que se podia apoiar na incerteza dos limites da propriedade a grícola, assente

em posses e descrições quase sempre controversas, impediu que os estabelecimentos de

crédito real, melhor avisados do que o ilustre jurisconsulto e o poder legislativo na

apuração do fundamento da valorização da propriedade imobiliária, exigissem a

demarcação desta, a discriminada fixação de sua área e a prova do direito dominical do

proprietário para sobre ela assentar qualquer empréstimo hipotecário.

A idéia de tornar a letra hipotecária dependente da constituição das sociedades

de crédito real, a de assentar a garantia de tais títulos na massa dos contratos

hipotecários, objeto das operações das sociedades sobre o capital e os proventos das

quais apoiava a valorização de tais títulos, falseava a natureza dos mesmos e, como justa

decorrência do erro cometido, veio o não terem as letras hipotecárias a aceitação que

parecia estar- lhes reservada.

Com toda a razão deixou-se de ver nelas a expressão do valor imobiliário,


então representado por estabelecimentos agrícolas de grande importância, po is, que em

vez da crise atual favoneava o café, o açúcar e o fumo uma bonançosa aragem de

prosperidade, para enxergar em tais títulos a garantia que lhes advinha da prosperidade,

das sociedades emissoras a qual dependia, por sua vez, do acerto da administração e da

prudência e segurança, com que eram feitas as operações, consultando a garantia que

ofereciam os imóveis dados em hipoteca, à restituição da quantia prestada em mutuo.

As letras tinham, é certo, como primeiro assento de garantia os imóveis

hipotecários (art. 58, § 1.º, do Dec. 3.471, de 03.06.1865); como, porém, essa garantia

supunha a realização dos contratos hipotecários em sua totalidade, porquanto só assim

se apuraria o produto de tais imóveis, que não singularmente, mas em sua totalidade,

respondiam pelas letras (art. 6.º do Decreto citado) a garantia era de fato muitíssimo

fraca e incerta por depender a sua atividade da liquidação dos contratos hipotecários,

pois que do outro modo não se podiam exercer as ações dos portadores de letras, as

quais só contra as sociedades podiam ser dirigidas.

A legislação de 1890 consagrou o mesmo regime (art. 327 do Dec. 370, de

02.05.1890); no entanto, quando ela foi promulgada já vigorava a Lei prussiana de

05.05.1872, que, sob uma orientação econômica e jurídica mais segura do crédito real,

tornava a letra hipotecária o título circulatório do valor do imóvel designado e

especialmente inscrito no registro hipotecário, e dessa inscrição a letra nada mais era do

que um extrato (Lehr, Droit germanique, n. 112).

Assim emitida, à letra hipotecária prendia-se tal confiança e tal crédito, que

contra o portador da mesma não era admissível a alegação de simulação, sendo ela, ao

contrário, prova irrecusável do recebimento da quantia que mencionava; enquanto na

mesma não se dava indicação do pagamento prevalecia, entre as mãos do adquirente de


boa-fé, contra o próprio devedor que já a houvesse pago e que deveria pagá- la pela

segunda vez.

O descrédito em que caíram as sociedades de crédito real pelos defeitos de

administração afetou poderosamente o valor das letras, e o afã de procurar a sua

elevação chegou ao ponto de se ir solicitar o concurso da responsabilidade ou garantia

do Tesouro Público para valorizá- las.

Não podia ser maior o desvio de orientação; só a um resultado prático chegaria

a medida proposta: facilitar o lançamento na circulação das letras que as sociedades

tivessem, por qualquer razão, inclusive a dos pagamentos antecipados (arts. 331 e 332

do Dec. 370), esterilizadas em suas carteiras.

A letra hipotecária só se pode valorizar sendo o instrumento essencial do

contrato hipotecário.

A disposição do art. 1.117 do Código Civil alemão contém a verdadeira noção

da letra, como título de crédito real e instrumento de circulação dos valores imobiliários.

Sempre que se houver estipulado a emissão da letra hipotecária o credor só

adquire a hipoteca, quando a letra lhe for entregue pelo proprietário do imóvel.
III

Há muito quem acredite que esta forma de emissão da letra e a estrutura dada à

mesma pelo Código Civil alemão supõem a condenação da noção da acessoriedade da

hipoteca e só pode prevalecer imprimindo a esta a estrutura de uma obrigação principal.

Como afirmação de um fato não se pode contestar que o princípio romano,

geralmente aceito no direito moderno, da dependência da hipoteca, como acessória, da

obrigação principal, só foi confirmado no Código Civil alemão no art. 1.153, quando

dispõe que a obrigação principal, o crédito, não pode ser transferida sem a hipoteca,

nem esta sem aquela, sofreu diversos golpes, não sendo o menor o da criação da

hipoteca do proprietário, consagrada nos arts. 1.163, 1.168, 1.169, 1.170 daquele

Código.

Este novo conceito da hipoteca ataca fundamentalmente a noção da

dependência desta, em relação ao crédito expressado no contrato or iginário da dívida,

pois, supõe a existência da hipoteca, sem a da obrigação principal, reconhece a

possibilidade da sobrevivência daquela a esta, consagra o fato de transportar-se, para o

proprietário do imóvel gravado, que paga a dívida hipotecária, o direito real com a

ordem de classe entre os próprios credores hipotecários, que tinha a hipoteca paga em

virtude do número de inscrição.

Ainda mais, na hipótese de ter o devedor principal, que paga a dívida

hipotecária, um fundamento jurídico para exigir do proprietário do imóvel qualquer

indenização, em virtude de estipulação, o devedor adquire a hipoteca contra o

proprietário.

A hipótese é a seguinte:

O imóvel hipotecado é vendido pelo devedor; no contrato estipula-se que o


adquirente tomará a si a dívida hipotecária; por uma circunstância qualquer o adquirente

não paga a dívida hipotecária no vencimento e o alienante, devedor originário, paga-a; o

Código alemão confere a este um direito para haver do adquirente a repetição do

pagamento; este direito, o art. 1.164 garante por meio da hipoteca que, pelo fato do

pagamento da dívida, devia passar para o proprietário, por força do disposto no art.

1.163.

A desagregação da hipoteca da obrigação é positiva em qualquer dos casos

figurados.

A renúncia da hipoteca pelo credor não extingue esta, fá-la passar para o

proprietário do imóvel (art. 1.168); se em face de disposição tão precisa pode ocorrer o

fato de estar o direito creditório encabeçado em uma pessoa e o hipotecário em outra, o

laço da dependência por acessoriedade está roto.

Não há como pôr em dúvida este resultado, justa decorrência das disposições

que citamos.

Na legislação pátria de 1890 a noção romana teve consagração no art. 11 do

Dec. 169-A, de 19 de janeiro; tornamo-lo bem saliente nos comentários sob os ns. 310 e

seguintes deste livro.

As disposições do § 6.º do art. 11 do Dec. 169-A, e 227 do Dec. 370, de 2 de

maio, sancionam a desagregação da hipoteca da obrigação principal, estabelecendo que

aquela subsista, enquanto não cancelada, apesar de estar esta extinta, por qualquer dos

modos estabelecidos no art. 11, §§ 1.º e 5.º do citado Dec. 169-A.

O art. 103 do Dec. 370 torna expressiva a desagregação, quando estabelece que

a subsistência da hipoteca, quoad tertios, dá-se ainda que o contrato de que resulta a

obrigação pessoal está anulado, extinto, desfeito ou rescindido.


Só a nulidade de pleno direito afeta a inscrição com força igual a do

cancelamento; em todo o caso só o desaparecimento desta invalida a hipoteca –

subsistente por meio dele – a despeito do desaparecimento da dívida garantida.

“Pode a razão tolerar absurdos deste quilate?”, pergunta o Sr. Lafayette (nota

21 ao § 250 do Dir. das Cousas).

Parece que sim, desde que se conceba a hipoteca constituindo figura jurídica

independente da da obrigação principal; é o conceito alemão da hipoteca, que não

tardará a passar para as demais legislações, com o rep údio da noção romana.
IV

A hipoteca convencional é a única que tende a subsistir como modalidade do

direito real sobre a propriedade imobiliária adaptável quer à garantia da execução de

qualquer obrigação pessoal, quer a perdurar como figura jurídica independente e

caracterizando-se, em elemento de circulação dos valores imobiliários, tendo, por

expressão, a letra hipotecária. Esta passa de título representativo de um capital social de

operações, mais ou menos garantido, a instrumento de um contrato hipotecário,

conseguintemente a veículo de circulação da riqueza imobiliária, por meio da hipoteca

que a valoriza.

A hipoteca legal e a testamentária deixam de ter razão de existência.

A primeira, porque o processo obrigatório da especialização – torna-a

equiparável à convencional, o que importa desconhecer o seu préstimo como garantia

protetora dos incapazes.

A hipoteca legal só se justifica com a generalidade e a independência de

registro.

Desde que aos fatos da especialização e do registro se liga a sua eficiência –

torna-se precária a sua ação protetora, que depende de fato alheio, e reconheceu-se na

especialidade e na inscrição as condições substanc iais da hipoteca ora nenhuma

modalidade desta as realiza como a convencional.

À hipoteca testamentária não estamos obrigados a fazer referência, porque o

nosso legislador não a consagrou no regime hipotecário de 1890; só aludimos a ela

como elemento instrutivo do juízo sobre a índole do regime hipotecário de 1890; só

aludimos a ela como elemento instrutivo do juízo sobre a índole de regime hipotecário

da atualidade. Adotada pelo direito romano: cum testamento quoque pignus constitui
posse, imperator noster cum patre sæpissime inscripsit, diz Ulpiano (L. 26 D. de

pignoratia actione), aceita modernamente no direito belga (art. 44 da Lei de

16.12.1851), preconizada por alguns escritores italianos (Luigi Abello – L'ipoteca

testamentaria nel diritto civile italiano, p. 5; Chironi - Trattato dei privilegi, delle

ipoteche e del pegno, n. 267) ela foi repelida pela maioria dos códigos e parece-nos uma

modalidade de hipoteca condenada, como estão todas, à exceção da convencional.

(Código Civil argentino, art. 3.115; Código Civil uruguayo, art. 2.288; Código Civil do

Cantão dos Grisões, art. 281; Código Civil do Chile, arts. 2.407 e 2.409).
V

A renovação obrigada da hipoteca não encontra apoio em razão jurídica, o

fundamento de boa ordem e facilidade na manutenção dos arquivos dos cartórios do

registro e expedição das certidões não autoriza a exigência da renovação da publicidade

e a decretação da invalidade do ato de registro; assim como tal razão não poderia apoiar

a invalidade do ato constitutivo da hipoteca, porque há de prevalecer para tirar a vida ao

ato que imprime à hipoteca a força e o valor jurídicos em relação aos terceiros?

A prova de que não há inconveniente em manter a inscrição enquanto não é

cancelada, ao dar-se a extinção da hipoteca, está em que o parágrafo único do art. 215

do Dec. 370, de 02.05.1890, dispensa a renovação das inscrições de hipotecas feitas às

sociedades de crédito real.

A duração da inscrição deve coincidir com a da hipoteca, como o havia

estabelecido o art. 1.236 do Código Civil da Holanda.

A necessidade da renovação enfraquece o vigor que o registro imprime à

hipoteca e do qual tão zeloso se mostrou o legislador, que fez prevalecer a força jurídica

da inscrição sobre a da escritura do contrato ou do distrato imprimindo vigor àquela,

quando, conforme a realidade dos fatos, já está invalidada por esta.

O receio de negociar um título hipotecário (letra) cuja validade está dependente

da prevalência da inscrição afetará sobremodo a circulação da propriedade imobiliária.

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LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

LEI HIPOTECÁRIA

(Decreto 169-A, de 19.01.1890)

––––––––––––

TÍTULO I

Da Hipoteca

Art. 1.º Não há outras hipotecas e ônus reais, senão os que este Decreto

estabelece.

1. É a reprodução do que preceituava o art. 1.º da Lei de 24.09.1864. Esta

disposição, transcrita do art. 2.115 do Código Civil francês e do art. 42 da Lei belga de

16.12.1851 tem dois fins:

a) Acentuar o fundamento jurídico da hipoteca.

b) Condenar as hipotecas que a legislação anterior (Ords., Lei de 20.06.1774 e

Código do Comércio) reconhecia e tornar saliente que somente as que são

expressamente aceitas no corpo da presente lei, constituem o direito hipotecário em

vigor no país. O mecanismo de hoje, assentando na especialidade hipotecária, repele as

hipotecas gerais e sobre bens futuros (art. 4.º, 2.ª alínea) e as hipotecas legais das

mulheres casadas e dos menores e interditos; que no sistema da Lei de 1864, valiam

contra os terceiros independentemente de registro. Elas devem ser especializadas e só


como tais poderão ser inscritas (art. 3.º, § 10). Os ônus reais reconhecidos na legislação

atual são os do art. 6.º do Dec. 169 A de 1890, quaisquer outros constituem encargos

pessoais e não afetam os créditos hipotecários.

2. O fundamento jurídico da hipoteca é a lei.

O princípio capital que todos os bens do devedor respondem por suas dívidas e

que todos os credores tem o direito de se pagarem pelo patrimônio do devedor ou

receber a quota do rateio proporcional, no caso de insolvabilidade relativa, é

excepcionado e ferido de frente pela hipoteca.

Esta é pura criação da lei e tende a desagregar do patrimônio do devedor bens,

para ligá-los de preferência ao pagamento de certa dívida, com exclusão das outras.

O seu poder de exceção vai além: para efetividade de sua ação garantidora a lei

concede- lhe na seqüela a faculdade de fazer obra, para o pagamento, sobre os bens já

fora do domínio do devedor.

O primeiro pensamento do artigo supra é, conseguintemente, a consagração da

idéia de que a hipoteca, é um direito real de exceção criado exclusivamente pela lei – e

de interpretação, não ampliável por analogia ou semelhança, mas sim restrita e limitada.

Paul Pont., Hypothéques, ns. 4 e 322 ; Dir. das Cousas, § 185 e notas; Martou,

Priviléges et Hypothéques, ns. 256 e 696; P. Mazzoni, vol. 3.º, n. 339; Chironi, vol. 1.º,

§ 213, n. 3.

Do preceito do artigo dimana como corolário, admitido o seu primeiro

pensamento, que a vontade das partes, é impotente para criar qualquer modalidade da

hipoteca diferente da que a lei estabeleceu. (Laurent, Principes de Droit Civil, vol. 30,

n. 187). É assim que a ninguém é lícito, à vista de tal disposição, constituir hipoteca por
testamento; porquanto a lei não compreendeu este ato entre os capazes de gerar a

hipoteca, como fê- lo a Lei belga de 1851 (art. 43) no que foi imitada pelo Código Civil

português (art. 910). A tendência moderna sendo tornar a hipoteca o instrumento do

crédito territorial em sua expressão mais completa, e dar-lhe a circulação por meio de

letras, que são ou o próprio contrato hipotecário o u um elemento deste, consulta de

preferência o elemento econômico da hipoteca e sacrifica o seu elemento jurídico. A

estrutura dada à hipoteca no novo Código Civil alemão indica que as hipotecas legais,

sob qualquer forma e fundamento, já tiveram a sua época.

Bem inspirados andaram os Códigos Civis holandês e chileno, que só

consagraram em suas disposições as hipotecas convencionais; o regime de exceção

criado pela hipoteca só se justifica quando fundado em fato expresso em que as partes o

estipulem; as mulheres casadas, os menores, a Fazenda Pública não precisam ficar fora

deste regime desde que tenham representantes que estipulem a hipoteca. Insistiremos

oportunamente sobre este ponto.

3. O segundo fim do Dec. 169 A foi cercear, ou antes, limitar a esfera da

hipoteca em proveito de sua eficácia garantidora.

Assim é que segundo os moldes que lhe deu ela: quanto ao seu objeto, não

pode como no direito romano exercitar-se em bens móveis, nem em coisas incorpóreas,

ainda nos casos em que o direito civil lhes imprime o cunho de bens imóveis, com

exceção da enfiteuse. (Lafayette, Dir. das Cousas, § 179, n. 3, § 181).

3a. A convenção das partes – não pode ampliar a esfera do direito hipotecário

por analogia (Pont, 1, n. 322), ela é restrita aos limites que a lei traçou- lhe (Laurent, 30,
n. 187; Martou, 2, n. 696; Troplong, vol. 2, n. 392).

Não é, pois, admissível no nosso direito, quanto à causa – a hipoteca

testamentária oriunda do direito romano (L. 26, D. de pignorat. actione) e adotada por

algumas legislações modernas (Lei belga de 16.12.1851, art. 43; Código Civil

português, arts. 910 e 836). O direito inglês estabelece privilégios entre os credores do

defunto, fundados na natureza dos créditos – mas não reconhece a hipoteca

testamentária. (E. Glasson, Droit et Inst. de l’Anglet., vol. 6, p. 391, not. 4).

4. Quanto ao objeto não são permitidas as hipotecas de bens futuros, ainda

celebrada com a cláusula – se entrarem para o domínio do devedor – o que não exclui,

todavia, a possibilidade das hipotecas de imóveis objetos do domínio condicional, como

mais tarde veremos.

Não são igualmente hipotecáveis as coisas incorpóreas – ainda quando –

reputadas imóveis, como as ações reivindicatórias.

5. O direito inglês, aliás pouco influenciado pelo direito romano (Ernest

Glasson, Le mariage civil et le divorce, Parte Geral, p. 40) conservou a ampla esfera de

ação da hipoteca, admitida naquele direito.

O mortgage inglês pode ter por objeto não somente bens móveis, como toda a

espécie de direitos reais, as rendas de imóveis, e o direito de resgate na venda a retro.

(E. Glasson, Droit d’Anglet, 6, p. 392). Com esta feição romana foi a hipoteca aceita no

direito civil dos Estados Unidos da América do Norte (Kent, Commentaries on

american law, vol. 4.º, Lecture 58, p. 135), apesar da opinião em contrário de Butler,

que Kent refuta de modo completo (nota a à citada Lecture 58).


A disposição do art. 136 do Decreto de 02.05.1890, que repele a hipoteca do

usufruto, das servidões e das ações de reivindicação, é um consectário jurídico da

disposição do art. 2.º do Decreto de 19 de janeiro.

6. As hipotecas são somente:

Legais, convencionais e judiciais (Dec. 169 A, art. 2.º, § 8.º, e art. 3.º, § 11;

Decreto de 02 de maio, art. 107).

As legais são exclusivamente as mencionadas nos §§ 1.º a 8.º do art. 3.º do

Dec. 169 A, e § 1.º do art. 107 do Decreto de 2 de maio.

Quanto às hipotecas legais de que faziam menção a Lei 2.ª de 22.12.1761, nos

§§ 14 e 15, do título 3.º, sob a denominação romana de tacitas e os §§ 31, 34 e 41, da

Lei de 20.06.1774, sob a denominação de legal simples e legal privilegiada, e as que o

Código Comercial autoriza em suas disposições (arts. 97, 117, 564, 565, 626, 633, 738,

877 e 888), não vigoram como hipotecas; muitas delas, porém, têm o caráter de

obrigações reais e subsistem como privilégios: tais são por exemplo, as de que fazem

menção os arts. 876 e 877, §§ 5.º, 6.º e 7.º, e 878 do Código do Comércio (Decreto de 2

de maio, arts. 109 e 110).

7. Os ônus reais que não se acharem entre os mencionados no art. 6.º do Dec.

169 A e no art. 238 do Decreto de 2 de maio, não podem gravar os imóveis hipotecados

e nem ser opostos aos credores hipotecários. Os ônus reais – que a lei reconhece –

dependem de transcrição para valerem contra quaisquer terceiros (Decreto de 2 de ma io,

art. 241) e, conseguintemente, contra os credores hipotecários (Dec. 169 A, art. 6.º §

2.º).
Quaisquer outros ônus que houverem sido impostos pelos proprietários aos

prédios somente valerão como ônus pessoais e não dão lugar senão a uma ação pessoal

contra o proprietário, ação que se resolve na prestação de perdas e danos.

Art. 2.º A hypotheca é regulada somente pela lei civil, ainda que algum ou

todos os credores sejam commerciantes. Ficam derrogadas as disposições do Código

Commercial, relativas a hipotecas de bens de raiz.

8. É a repetição dos termos do art. 2.º da Lei de 1864.

Temos ouvido censurar a primeira parte do artigo, por parecer inconciliável

com o § 10.º do art. 14.º.

Não tem procedência o reparo.

O legislador sujeitou ao regime civil a constituição da hipoteca, a apreciação e

regulamentação dos seus efeitos, de sua compreensão jurídica, por entender,

fundadamente, que tratando-se de restringir aos imóveis a ação desse direito real,

convinha não deixar supor possível a perduração das disposições do Código Comercial

sobre hipotecas. As expressões – ficam derrogadas as disposições do Codigo

Commercial, relativas á hypothecas de bens de raiz – completam o pensamento do

legislador.

Bem longe de pretenderem significar que prevalecem as hipotecas que o

Código do Comércio concedeu sobre bens móveis, como nas hipóteses dos arts. 97, 117

e outros, indicam que as hipotecas sobre bens de raiz passaram ao domínio do foro civil,

isto é, ao direito comum; ora, o art. 2.º da Lei de 19 de janeiro em seu § 1.º declarando

que somente bens imóveis podem ser objeto da hipoteca subtraiu, ipso facto, ao regime
do Código Comercial o direito hipotecário.

O fim do art. 2.º da Lei de 1864, de onde foi copiada a disposição do Dec. 169

A, de 19 de janeiro, foi acabar com a anomalia de existirem hipotecas regidas pela lei

civil e pela lei comercial.

O § 10 do art. 14.º curou, porém, da jurisdição a que fica sujeita, de ora avante,

a ação hipotecária.

Compreende-se bem que um contrato se possa constituir à sombra da lei civil e

ser a ação oriunda das relações de direito nele criadas exeqüível perante a lei comercial,

que regula o processo, e rege a jurisdição.

É o que se deu no Decreto de 19 de janeiro.

Esta disposição excepcional foi transplantada do § 5.º do art. 4.º da Lei 3.272,

de 05.10.1885.

O pensamento do art. 2.º supra pode-se, pois, resumir nas seguintes

disposições:

a) O contrato hipotecário ainda que para garantir obrigação mercantil, e posto

que celebrado entre comerciantes, somente pode ser feito de acordo com a lei civil.

b) As disposições do Código do Comércio que admitem e regulam hipotecas,

estão sem vigor perante o novo regime hipotecário: quanto às que admitem hipotecas de

imóveis (art. 265 e seguintes) – porque estas são do domínio exclusivo da lei civil;

quanto as que estabeleciam hipotecas sobre móveis (arts. 97, 117, 564, 565, 626, 633 e

outros), porque caducaram tais hipotecas, que passam a constituir privilégios, como

expressamente e em referência aos navios, declaram os arts. 109 e 110 do Decreto de

02.05.1890.

Era esta a opinião emitida pelo Sr. Nabuco de Araujo na sessão de 09.07.1864,
respondendo ao Sr. Souza Franco, por ocasião de decretar-se a Lei de 24.09.1864.

“Essas garantias, dizia aquele senador, não são mais hipotecas, são privilégios

que ficam salvos sobre todos os objetos, menos sobre os imóveis hipotecados.”

§ 1.º Só podem ser objeto de hipoteca:

Os imóveis;

Os acessórios dos imóveis com os mesmos imóveis‟;

Os animais pertencentes as propriedades agrícolas, que forem especificados no

contrato, sendo com as mesmas propriedades;

O domínio direto dos bens enfiteuticos;

O domínio útil dos mesmos bens independentes da licença do senhorio, o qual

não perde, no caso de alienação, o direito de opção;

Os engenhos centrais, fábricas, usinas e oficinas, abrangendo os edifícios e

machinismos;

As estradas de ferro, compreendendo todos os seus imóveis, acessórios,

material fixo e rodante.

§ 2.º São acessórios dos imóveis agrícolas:

Os instrumentos da lavoura e os utensílios das fábricas respectivas, aderentes

ao solo.

9. Das disposições dos §§ 1.º e 2.º do art. 2.º, acima transcritas conclui-se que a

lei só admite que a hipoteca possa recair, sobre os seguintes bens:

a) Os imóveis por natureza;

b) O domínio direto dos bens enfitêuticos;


c) O domínio útil dos mesmos bens;

d) Os engenhos centrais, fábricas, usinas e oficinas, abrangendo os edifícios e

maquinismos;

e) As estradas de ferro, compreendendo todos os seus imóveis, acessórios,

material fixo e rodante;

f) Os imóveis por destino em geral, compreendendo todos os acessórios dos

imóveis;

g) Os animais pertencentes às propriedades agrícolas – que forem especificados

no contrato.

10. Os bens pertencentes às cinco primeiras classes podem ser de per si sós

objetos de hipoteca (Decreto de 02.05.1890, art. 133).

Os imóveis por destino, compreendendo-se entre eles os animais, quando

especificados no contrato, podem ser objeto de hipoteca com os imóveis a que estão

ligados. (Decreto cit., art. 134).

Os imóveis pelo objeto a que se aplicam – não são hipotecáveis. (Decreto cit.,

art. 186).

11. Convém antes de tudo estudar:

1.º) O que sejam imóveis por natureza;

2.º) Se todos os imóveis por natureza podem ser objeto de hipoteca;

3.º) Que imóveis por destino, além dos acessórios dos imóveis agrícolas

especificados no § 2.º do art. 2.º do Decreto de 19 de janeiro e art. 135 do Decreto de 2

de maio, podem ser compreendidos na hipoteca com os imóveis a que estão ligados.
4.º) Qual a razão da exclusão dos imóveis pelo objeto a que se aplicam? Como

considerar o domínio útil?

12. Convém, como preliminar, traçar os lineamentos da formação histórica do

direito real da hipoteca.

No direito romano podia a hipoteca versar sobre bens de toda a espécie; ainda

as coisas incorporais, aquelas que o direito considera imóveis pela coisa a que se

aplicam, tais como as servidões e outros direitos reais (o penhor, a hipoteca, a ação de

reivindicação) os simples direitos creditoriais – podiam ser objeto de hipoteca.

A exclusão era formal apenas em referência aos direitos de uso e habitação e às

servidões urbanas (Leis 11, § 3.º, 12, 18 e 31, D. pignorib. et hypoth.; L. 15 Qui potior.,

L. 7 Cod. de hered vel act. vend.; Leis 1 e 2 C. pignus, pignori, datum sit. Accarias,

Precis de droit romain, § 286 a n. 2; Maynz, Cours de droit romain, § 154; Serafini,

Intituzioni di diritto romano, § 93 in fine).

A noção do direito real da hipoteca era correta.

A hipoteca era um jus in re que se, originava da simples convenção, independia

da posse do objeto (o que a diferenciava do penhor). Eam qui senè traditione, nuda

covention, tenetur proprie hypothecæ appellatione coninere dicimus (Inst. de action. §

7; L. 4 e 5 § 1.º D. de pignorib. et hypothecis, etc.) e tinha como fim a garantia do

credor, que se tornava efetiva pelo direito de vender o objeto hipotecado para se pagar

pelo preço e como conseqüência os direitos de seqüela e prelação (L. 16 § 3.º D. de

pignot. et hypoth.; D. títulos: de distract. pignot. e qui potiores in pignore; Ortolan, Inst.

de action., § 7, ns. 2096, 1.097 e 2.099; Accarias, n. 284; Maynz, § 154; Du Caurroy,

Inst, de action., § 7, n. 1.201 e seguintes; Vinnius, ao § 7.º da Inst. de action, n. 2 e


seguintes).

13. Oriunda do direito pretoriano ela teve em seu começo como objetivo a

garantia do credor pela constituição de um direito real sobre móveis.

A necessidade de dar proteção ao proprietário dos prédios arrendados, contra a

impontualidade dos locatários, sem retirar a estes os instrumentos do trabalho, foi que

sugeriu ao pretor Salvio o interdito adipiscendæ possessionis pelo qual se concedia ao

proprietário o meio de entrar na posse dos móveis que o locatário havia retirado ( illata)

do prédio, apesar do compromisso contraído pela cláusula: donicum solutum erit aut ita

satis datum erit, quæ in fundo illata erunt, pignori sunto, etc., cláusula que importava

um ônus real sobre tais móveis, que ficavam em poder do dono, mas adstritos à garantia

do pagamento dos aluguéis do prédio arrendado.

14. As ações Serviana e quasi – Serviana concedendo ao credor um in rem

actio que autorizava, sobre os móveis retirados pelo devedor, uma reivindicação igual à

que tinha no antigo direito o credor fiduciário – completou o mecanismo da hipoteca

conferindo- lhe o direito de seqüela. (Instít., de action. § 7; Vinnius, ao parágrafo citado

da Inst. n. 6; Ortolan, Inst., vol. 3.º, ns. 2.091 e 2.092).

A ação quasi – Serviana já era denominada no direito romano – actio-

hipotecaria.

Efetivamente por meio dela conseguia o credor:

Haver dos terceiros detentores o objeto dado em garantia para vendê-lo e

pagar-se precipuamente sobre o preço de sua dívida, com prelação sobre quaisquer

outros credores (Ortolan, Inst. n. 2.091; Maynz, § 153; Accarias, n. 284; Serafini, § 95,
p. 247 in fine e 248; Du Caurroy, Inst. n. 1.202).

15. Não desconheceram, pois, os perspicazes juristas romanos que o penhor,

nem sempre preenchia de modo aceitável e prático o fim de garantir o credor sem

prejudicar o devedor, inabilitando-o, para a solução da obrigação contraída.

O pignus importava a tirada da coisa, dada em garantia da so lução da

obrigação, do poder do devedor, para o do credor.

Se se tratava de instrumentos agrícolas, de animais empregados na cultura e

outros acessórios do prédio rústico, como prover o devedor aos meios para o pagamento

da dívida – se lhe fossem retirados os instrumentos do trabalho? A noção da hipoteca

surgiu da necessidade de solver esta dificuldade.

Garantir o credor, sem privar o devedor da posse das coisas precisas para

promover a produção do imóvel, foi o que intentaram conseguir os juristas romanos

corrigindo os inconvenientes da fidúcia.

O devedor dava ao proprietário do imóvel rural, em segurança do pagamento

das prestações da locação, os móveis que existiam dentro do prédio; esta doação

operava-se por meio da in jure cessio; os bens passavam para o domínio do credor, que,

como ressalva, anexava à convenção – uma promessa de escrito particular – de restituir

os bens ao domínio do devedor logo que a dívida fosse paga: tal era a fïdúcia.

A ação Serviana, devida ao pretor Servio, de quem tomou o nome, operou a

constituição desse jus in re pela simples conservação, independente da tradição da

coisa; esta passou a ficar em poder do devedor. Eis os primeiros lineamentos da

hipoteca; confundida ao princípio com o penhor – ela veio mais tarde corrigir os

inconvenientes deste contrato – até que com a evolução operada na ciência do direito e
na orientação econômica da sociedade moderna – veio a hipoteca a ser um instrumento

de crédito poderoso, pela mobilização da propriedade territorial – a qual o sistema

cadastral apurado da legislação alemã e australiana permitiu uma valorização tão segura

– que os capitais tendem nos países onde esse regime do registro da propriedade

territorial é perfeito a procurar o solo, como a mais segura, senão a mais remuneradora

conotação.

O fim de uma boa lei hipotecária é antes econômico do que jurídico. Daí essas

exceções de feição muitas vezes odiosa, que aos princípios de direito abrem, a cada

passo, as disposições das leis hipotecárias dos países os mais adiantados.

16. Inter pignus autem et hypothecam tantum nominis sonus differt – dizia

Marciano.

Ao direito moderno estava reservado cavar profunda, linha de separação entre

os dois pactos de garantia.

O direito português, aceito em 1823, como regulador das nossas relações civis,

eivado de romanismo, admitia a hipoteca dos móveis: tais eram todas as hipotecas

gerais consagradas nas Leis de 12.05.1768 e de 20.06.1774 e no Alvará de 24.07.1793.

É assim que, notavelmente o § 38 da Lei de 20.06.1774 e o § 2.º do Alvará, de

24.07.1793 trataram da hipoteca dos móveis introduzidos nas casas para uso e

comodidade da habitação.

Era um dos casos da hipoteca legal privilegiada que tinha sua fonte na

disposição do § 3.º da Ord. do Liv. 4.º, Tít. 23.

17. O Código do Comércio, conquanto posterior ao Código Civil francês (art.


2.114), que somente admitiu o vínculo real da hipoteca sobre os imóveis, permitiu a

hipoteca dos móveis, consagrando a anormalidade de hipotecas regidas pela lei civil e

pela lei comercial, sem atender a que a rapidez do movimento, que as transações

comerciais imprimem aos móveis, importaria em absoluta instabilidade para os direitos

reais constituídos sobre bens desta espécie, pois é antiqüíssimo o princípio concretizado

no art. 2.119 do Código Civil francês: que aos móveis não se aplica a seqüela. (Voêt,

Liv. 20, Tít. 1.º, n. 1.3; Mourlon, Répét. Ecrites, vol. 5.º, n. 1.141).

18. A Lei de 24.09.1864 inaugurou regime novo baseado exclusivamente sobre

a propriedade imóvel.

Os móveis deixaram de ser objeto de hipoteca.

Nos casos em que a lei antiga firmava esse direito real sobre tais bens ficou ele

subsistindo como privilégios e ônus reais em os quais a legislação de 1864 converteu as

hipotecas primitivas; no que foi imitada pelos dois Decretos de 14 de janeiro e de

02.05.1890.

19. Imóveis por natureza.

É esta a primeira classe de imóveis que a lei admite como objeto da hipoteca

(Dec. 169 A, de 1890, art. 2.º, § 1.º; Dec. 370, de 02.05.1890, art. 133, § 1.º).

São:

a) O solo

É o imóvel por excelência: compreende, não somente os elementos

superficiários – como os elementos componentes substanciais e interiores.

É nisto que se funda a noção do direito moderno (Código Civil francês, arts.
517 a 520; Código Civil italiano, art. 408) que, repelindo a classificação de imóveis por

natureza e por ato humano – considera este segundo membro da classificação como

compreendido no primeiro. O homem, segundo o direito, faz imóveis por destino: as

construções e os edifícios de toda a espécie são imóveis por natureza.

São imóveis por natureza – como elementos componentes do solo e enquanto a

eles agregado: a areia, a argila, os fontes, os lagos, os rios, as pedreiras e as minas

(Demolombe, vol. 9, n. 98; Laurent, vol. 30, n. 195; L. 115, D., de verb. signifi; Ribas,

Dir. Civ., vol. 2.º, p. 211; Lafayette, Dir. das Cousas, vol. 2.º, § 179).

b) As minas de metais, diamantes, carvão de pedra (Instruções no Aviso 492 de

01.09.1836, art. 7.º, n. 3; Demolombe, n. 98; Laurent, n. 200).

c) As pedreiras de granito, de mármore e outras (Obras citadas).

d) As árvores, enquanto presas ao solo; os frutos pendentes de ramos, e os

ligados ao solo pelas raízes: (Aviso 492, de 01.09.1836, art. 5.º, L. 40 D. de act. empt.

L. 44, D. de reivind; Consolidação das Leis Civis, art. 45; Lafayette, Dir. das cousas, §

179; Ribas, Dir. Civ. Bras., p. 211, do 2.º vol.; Demolombe, vol. 9.º n. 131; Código

Civil francês, art. 520; Código Civil italiano, art. 411).

e) Os edifícios construídos sobre o solo – destinados à habitação, a fábricas, ou

a qualquer outro fim, desde que não sejam levantados com o intento de serem

desarmados em pouco tempo, como as barracas ou construções levantadas para feiras,

espetáculos públicos.(a)

(a)
O direito moderno, atendendo à aderência física e incorporação material que sofrem
os edifícios em relação ao solo – com o qual, segundo a frase expressiva de Demolombe (n.
102), passam a formar um e mesmo ser, a ponto de existir somente o solo, tal qual é em
substância, mas melhorado – isto é, solo edificado e não solo nú (Demolombe, n. 102),
porquanto por seu poder de atração e de assimilação o solo absorveu em sua própria substância
os materiais componentes do edifício, e este em seu todo; atendendo a isto, dizemos nós, os
20. Quais destes imóveis por natureza podem ser objeto de hipoteca?

Como princípio geral que domina os institutos de contrato hipotecário deve-se

códigos e doutrinadores modernos consideraram os edifícios imóveis por natureza e não por ato
humano.
Os arts. 5.º e 6.º das Instruções de 01.09.1836 também classificaram os edifícios entre
os imóveis por natureza.
Parece-nos que a questão não oferece senão importância escolástica.
A incorporação do edifício ao solo sobre o qual foi levantado é reconhecida desde o
direito romano como um fato natural; – solum partem esse aedium existim nec alioquin
subjacere, ur more novibus, como dizia Celso (L. 49 D. de reivindi) mas, por mais enérgica que
seja essa incorporação, a ascessão salienta-se como o fatop que imprime a imobilização ao
prédio; deduz-se isso de não poder o edifício ser hipotecado sem o solo, de não ter o que
edificou em solo alheio outro direito além, de uma ação pessoal, por indenização do valor do
edifício, compreendendo-se em tal valor o preço dos materiais e da mão-de-obra. (Demolombe,
ns. 171, 175, 176, 178 e 179).
A teoria do direito moderno reduz-se, pois, à que classificava os edifícios entre os
imóveis por ato humano, porque eles somente se tornam imóveis depois de sua incorporação, ou
de sua aderência ao solo: – o ato humano é a causa mediata da accessão.
As leis fiscais concorreram muito para que de algum modo se falseasse a nolão correta
sobre a natureza da imobilização dos edifícios. Afirma uma verdade elementar o Sr. Sarsfield
quando diz: “Lo edifícios son designados em el codigo francez como imobiles por su naturaleza,
cuando em verdad solo lo son por um hecho de accesion”.
Não desconhecemos, no entanto, a conveniência prática da classificação do art. 518 do
Código Civil francês: em referência, porém, ao regime hipotecário é inteiramente desprovida de
alcance: os edifícios não se hipotecam sem o solo que oculpam: por quê? Se fossem de per si
imóveis por natureza, pelo fato de incorporação, nada influindo que o solo seja ou não de outro
dono (Demolombe, n. 104), poderiam ser de per si objeto de hipoteca; não o são porque a sua
desagregação do solo os torna móveis (Demolombe, n. 154).
A denominação de imóveis por ato humano é combatida pelos autores modernos
quando aplicada ao edifícios (Demolombe, n. 106), por entenderem que ato humano somente
pode produzir a imobilização por destino que der à causa imobiliázada. O proprietário não pode,
como não o pode qualquer outrem, tornar imóvel por natureza, diz Demolombe (n. 106) um bem
que não se achar nas condições essenciais desta espécie de imobilização.
estabelecer que somente podem ser objeto de hipoteca os bens imóveis que estão no

comércio e que possam ser vendidos em hasta pública. É este o critério para reconhecer

os imóveis hipotecáveis; a possibilidade da alienação. (Código Civil italiano, art. 1967;

Código Civil português, art. 889; Paul Pont, n. 349; Laurent, n. 195; Dias Ferreira,

Coment. ao art. 949; Chironi, vol. 1.º § 215; Pacifici Mazzoni, vol. 3.º, n. 344, n. 1).

A razão é fundamental.

O fim da hipoteca é garantir o pagamento da obrigação pelo preço do imóvel

hipotecário. (Paul Pont, n. 349; Laurent, n. 195; Martou, 714; Mourlon, n. 1.434).

É preciso, pois, que o imóvel possa ser vendido para consignar-se o preço

apurado à solução da dívida. (Pont, n. 349; Laurent, n. 195).

21. Por não se acharem no comércio, não podem ser objeto de hipoteca os

seguintes imóveis por natureza:

1.º) Por pertencerem ao domínio público do Estado:

a) As ruas, estradas e caminhos públicos, praças, canais, fontes, pontes e cais.

(Ord. do Liv. 2.º, Tít. 26 § 8; Regimento da Fazenda, Cap. 237; Ribas, Dir. Civ., 2.ª ed.,

vol. 2, p. 292; Teixeira de Freitas, Consolid., art. 52, § 1.º, e nota 13; Souza Bandeira,

Novo Manual do Procurador dos Feitos, § 500);

b) As praias do mar (Decreto de 21.01.1809 – Decreto de 13.07.1820 – Lei de

15.11.1831, art. 51, § 14 – Dec. 447, de 19.05.1846; Ribas, obra citada, p. 303;

Consolid. das Leis, nota 14 ao art. 52);

c) Os portos e ancoradouros dos navios (Ord. do Liv. 2.º Tít. 26, § 9.º):

d) As bahias, enseadas e os mares interiores (Alvará de 04.05.1805, § 2.º, Ord.

do Liv. 2.º, Tít. 26, § 9.º; Ribas, obra citada, p. 303; Teixeira de Freitas, Consol. das
Leis, art. 52, §§ 1.º e -2.º);

2.º) Por pertencerem ao domínio privado do Estado:

a) As ilhas adjacentes ao território nacional (Ord. do Liv. 2.º, Tít. 26 § 10;

Ribas, obra citada. p. 310; Consol. das Leis, art. 52, § 2.º; Souza Bandeira, Novo

Manual do Proc. de Feitos, § 501).

b) Os terrenos de Marinha (Lei de 15.11.1831, art. 31 § 14; Instrução de

14.11.1832, art. 1.º; Lei 1.114, de 27.09.1860, art. 11, § 7.º; Lei 1.507, de 26.09.1867,

art. 39; Lei 4.105, de 22.02.1868). Excetuam-se os que por ato do poder competente

estiverem incorporados no domínio particular (Ribas, obra citada, p. 310).

c) Os terrenos de aluvião que assentam sobre o fundo do mar. (Avisos 42, de

03.02.1852 e 379, de 07.12.1855).

d) As terras devolutas (Lei 601, de 18.09.1850, arts. 1.º e 24; Dec. 1.368, de

30.01.1854, arts. 22 e 26).

e) As florestas dos terrenos devolutos (Lei de 15.10.1827, art. 15, § 12;

Circular de 19.01.1833; Lei de 18.09.1850, art. 2.º, princ.; Decreto de 30.01.1854; art.

33).

f) As minas de metais e pedras preciosas (Ord. do Liv. 2.º, Tít. 26 § 16; Tít. 28,

princ., Tít. 34 § 10; Alvará de 24.09.1734; Alvará de 13.05.1803; Decreto de

17.09.1824, art. 9.º; Lei 514, de 28.10.1848, art. 34; Lei de 18.09.1850, art. 16. § 4.º).

g) Os terrenos diamantinos (Decreto Legislativo de 25.10.1832; Decreto

Legislativo de 31.05.1833; Decretos 465, de 17.08.1845 e n. 1.081, de 11.12.1852; Dec.

5.955, de 23.06.1875).

h) Os bens vagos (Dec. 160, de 09.05.1842, art. 3.º; Dec. 2.035, de 15.06.1859,
art. 11).

i) Os próprios nacionais.

3.º) Os imóveis consagrados ao culto divino (Lafayette, Dir. das Cousas, §

178, n. 2; Paul Pont, n. 350).

4.º) Os imóveis dotais inestimados, ou estimados não o sendo venditionis

causa. (Paul Pont, n. 352; Laurent, n. 195; Martou, n. 714; Lafayette, Dir. das Cousas, §

178, n. 2).

22. Nem todos os imóveis por natureza podem ser de per si objeto de hipoteca;

ao passo que os imóveis que o são pela coisa a que se aplicam podem sê- lo.

Entre os imóveis por natureza somente podem ser objeto de hipoteca de per si:

a) O solo.

b) As minas de metais.(b)

(b)
Somos dos que entendem que a propriedade das minas pertencem ao Estado, ainda
quando elas se achem em terrenos particulares. Dispensamo-nos de demonstrá-lo. Em um
opúsculo publicado em 1885 sobre o assunto o Sr. Dr. Souza Bandeira fê-lo à saciedade.
As concessões de datas para minerar importam a prioridade da mina, conseguintemente
o poder de hipotecar.
No direito francês e belga a coisa é líquida em virtude da disposição expressa da Lei de
21.04.1810. Os comentadores não estão em discordância sobre este ponto; pode-se ver as
opiniões dos dois mais notáveis: Laurent (n. 200) Martou (n. 716).
No nosso direito as Instruções de 01.09.1856, art. 7.º, n. 5, mandam cobrar siza da
concessão de datas de terras, por importarem tais concessões transferência de domínio.
Parece-nos ser também o que se pode deduzir das disposições anteriores à Lei de
20.10.1823, que regularam a matéria, especialmente dos §§ 6.º e 8.º dos Estatutos que a Carta
Régia de 11.08.1817 decretou para as sociedades das lavras das minas de ouro que se
estabelecessem em Minas Gerais.
Quando a concessão da exploração recaía em minas existentes em propriedade
particular, era o proprietário obrigado a consentir a exploração, que passava a constituir
c) As pedreiras.

d) As minas de carvão de pedra.

23. Os edifícios, os frutos pendentes e as árvores não podem ser hipotecados

senão juntamente com o solo.

verdadeira servidão sobre o solo. O proprietário deste tinha direito à indenização de qualquer
dano que da exploração lje proviesse, mas o detrimento era averiguado por meio de peritos e em
processo rápido.
O concessionário das minas pode, pois, hipotecá-las, se for o proprietário do solo, não
se lhe pode contestar o direito de hipotecar em separado solo e mina. A hipoteca anterior do
primeiro não abrange a mina, porque desta não era proprietário o dono do solo e sim o Estado.
o mesmo não se deve, porém, dizer das minas de diamantes.
Os terrenos diamantinos pertencem ao domínio do Estado (Lei de 24.12.1754;
Resoluções de 25.10.1852, art. 9.º; e n. 374, de 24.09.1845, art. 9.º; Dec. 5.955, de 23.06.1875,
art. 3.º).
A sua exploração somente se pode operar por meio de arrendamento ou por concessão
de licença para faiscar. (Dec. 5.955, art. 25).
O proprietário do terreno, onde for descoberta a jazida diamantina, não tem outro direito
além do que lhe concede o art. 25 do Decreto de 1875, isto é, de contratar arrendamento, não em
hasta pública, mas perante a administração local do terreno diamantino, por termo lavrado, após
a medição e demarcação da área a arrecadar. Não é este privilégio exclusivo do proprietário,
mas sim extensivo a qualquer ocupante, que tiver sobre o solo estabelecimento, benfeitoria ou
casa de vivenda (Decreto cit., arts. 26 a 30).
O arrendamento, que pode ser por tempo de dez anos e passar aos sucessores do
conratante que se habilitarem em tempo (Decreto cit., arts. 41 a 57), não constitui ônus real
sobre o terreno diamantino – é uma simples locação – o direito do locatário não pode ser
transferido senão em virtude de assentimento da administração dos terrenos diamentinos.
(Decreto cit., art. 63).
Não é, pois, lícita a hipoteca do lote diamentino concedida para explorar, ainda por
prazo de dez anos.
É a conseqüência do regimento adotado no Decreto 5.955, de 1875, que aliás,
reproduziu, quanto ao tempo e efeitos dos arrendamentos, as disposições dos arts. 1.º a 4.º do
Decreto Legislativo 874, de 24.09.1845.
24. Os edifícios. As construções sobre o solo alheio não podem ser objeto de

hipoteca, qualquer que seja a sua solidez e o seu valor; a razão é fundamental: o edifício

é imóvel pela aderência física, pela incorporação ao solo, considerado em separado dele

passa a ser móvel e como tal impossível de ser hipotecado (Laurent, n. 129 e n. 214);

não pode sê- lo com o solo alheio porque ninguém pode hipotecar o que não pode

alienar; a hipoteca só poderia ter lugar assinando o proprietário do solo a escritura, caso

em que este hipotecaria em garantia da obrigação alheia, o que faculta a lei (Dec. 169 A,

de 19.01.1890, art. 2.º, § 7).

Acresce, como conseqüência do princípio jurídico que domina a matéria, que o

edifício em solo alheio passa ao domínio do dono do solo – omne quod inedifcatur; solo

cedit o edificador não tem contra o proprietário do solo ação real – mas, apenas ação

pessoal para haver a indenização do valor do edifício. (Demolombe, ns.167 e 168;

Martou, n. 732; Lafayette, Dir. das Cousas, § 179, nota 8).(c)

(c)
Reputamos este ponto líquido. Nem faça impressão o que adianta Paul Pont no n. 359
do 1.º vol. do seu Tratado de Privilegios e Hipotecas, quando diz:
“Les batiments sont donc immoubles, aussi bien lorsqu‟ils sont 1‟oeuvre du propriètaire
du sol qui lorsqu‟ils ont été construits par un autre, et par suite ils sont susceptibles
d‟hypothéque.”
O notável tratadista não afirma que o edifício em solo alheio possa ser hipotecado de
per si – o que iria de encontro à doutrina por ele sustentada um pouco após no n. 360 – quando
tratando de frutos pendentes e das árvores, diz: “Ce n‟est pas dire qu‟il puissent être
hypothéqués distinctement du fonds de terre auquel ils adhérent ou qui lés racèle” a razão de
decidir é idêntica para os frutos pendentes e árvores e para os edifícios. Os frutos como os
edifícios fazem parte do solo, nem outro é o effeito da incorporação que torna imóveis os
edifícios.
Os frutos não podem ser hipotecados sem o solo pelas mesmas razões por que não
podem sê-lo os edifícios.
a) Porque desagregados do solo tornam-se móveis;
b) Porque ligados ao solo seguem a condição jurídica deste (L. 40, D., act. empt, L. 44
D., de rei vindicat).
Não seja, tampouco, causa de dúvidas o fato de considerarem as Instruções de
11.09.1836 (arts. 5.º, 6.º e 7.º) os edifícios que constituem prédios urbanos e rústicos – imóveis
por natureza.
A expressão prédio, como com justo fundamento diz o Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, §
179, nota 8), compreende os edifícios com o solo respectivo. As expressães prédios urbanos e
rústicos de que usava o art. 138, § 1.º, do Dec. 3.455, de 26.04.1895, o que o art. 135 do Dec.
379, de 1890, eliminou, tinham referência às disposições dos arts. 5.º, 6.º e 7.º, das Instruções de
1836; ora, este não consideram todos estes edifícios e os que menciona com minudência nos
arts. 6.º e 7.º imóveis por natureza, senão quando estão para com o solo em estado de aderência
e ligação tais – que a sua deslocação importa a perda das suas individualidades – fixados no solo
de maneira que, se não possam tirar e transferir do lugar em que se acharem sem se destruírem.
É este o característico da incorporação que. imprime a tais bens o cunho de imóveis por
natureza – e é por essa razão que as Instruções de 1836 citadas consideram imóveis por
natureza, não somente toda a espécie de edifícios aderentes ao solo como também os aquedutos,
cercas e pontes – e, exclui os moinhos d‟água e do vento que forem portáteis. (Instr. cit. art. 7.º,
n. 2).
O Sr. Lafayette entende (Dir. das Cousas, § 179, nota 8) que o superficiário pode
hipotecar os edifícios que houver construído sob o solo alheio sujeito ao ônus real da superfície.
Conseguintemente se a lei hipotecária houvesse reconhecido a superfície entre os ônus
reais – o superficiário poderia hipotecar os edifícios por ele levantados sobre a superfície, pois
em tais edifícios é que se exercitava o direito real de acordo com os preceitos do direito
pretoriano. (Maynz, vol. 1.º, 152 notas 3, 5, 6 e 7).
A questão carece, pois, de alcance prático, porque o legislador de 1890, seguindo os
passos do de 1864, não reconheceu a superfície como ônus real (Dec. 169 A, de 19 de janeiro;
art. 6.º; Dec. 370, de 2 de maio, art. 238).
Não é, porém, desprovida de interesse a liquidação deste ponto, mesmo porque há quem
compreenda a superfície entre as servidões. Juliano no § 4.º da Lei 86 D. de legatis et fidei
commisso) diz: “Valet legatum, si superficies legata sit ei, cujus in solo fuerit: licet is dominus
soli sit: nam consequetur, ut HAC SERVITURE liberetur, et superficiem benifaciat”.
Pode haver intérprete – que leve o desejo de ampliação ao ponto de entender que a
expresso – servidão – abrange a superfície e que conseguintemente esta possa ser a base da
hipoteca de um edifício em solo alheio – a prevalecer a opinião do Sr. Lafayette.
25. Os frutos pendentes

Conquanto sejam no nosso direito imóveis por natureza (Instrução de

01.09.1836, art. 5.º; Ribas, obra citada, p. 212; Lafayette, Dir. das Cousas, § 179, n. 1),

como parte do solo, ao qual se reputam incorporados (L. 44, D., de reivindic.); não

A verdade jurídica, porém, não é essa.


A superfície podia, é certo, ser no D. R. objeto da hipoteca: os textos são muito
explícitos para autorizarem qualquer contestação – (L. 15. D, Qui potiores in pignore; L. 15 §
3.º D. de pignor et hipoteca; L. 16 § 2, D, de pignor action).
Mas não eram os edifícios sobre os quais se exercitava o direito da superfície que
podiam ser objeto da hipoteca, e sim o próprio direito real de snperfície – à imitação do que se
dava com o usufruto e outras servidões.
O edifícios não podiam sê-lo – por uma razão – capital: conquanto levantados pelo
superficiário – não lhe pertenciam – mas sim ao dono do solo. Há texto formal sobre o ponto:
“Superficies oedes appellamus, quoe in conducto solo posito sint quarum proprietas, et
civili, et naturali jure ejus, est, cujus et solum (Lei. 2. D., de souperficiebus).”
É pois, altamente jurídica a doutrina sustentada por Laurent ao interpretar a Lei belga de
10.01.1824: – O superfïciário não pode hipotecar os edifícios sobre os quais exercita o seu
direito de superfície – porque tais edifícios são propriedades do dono ulo sólo. (Laurent, vol. 8.º,
ns. 409, 411 e 420).
En hypothéquant son droit de superficie, le superficiaire n‟hypothequet-i1 pas
necessairement les immeubles sur lesquels son droit est établi? Non, ce serait confondre le droit
de snperficie avec la superficie. Le droit de superficie est un droit réel immobilier, qui à ce titre
peut être hypothequé, quant aux immeubles superficiaires ils sont un acessoire du sol, et ils ne
peuvent pas être hypothéqués séparémont du sol; or, le sol appartient-il au superficiaire? (n.
420).
Os jurisconsultos romanos tinham tão exata noção da natureza do direito do
superficiário, que apenas lhe concediam – não a ação real de reivindicação – mas apenas uma
actio in rem utilis (L. 16 § 2.º D. pignorat acton. Ls. 73 § 1.º. 74 e 75, D. de reivindice).
Em conclusão; ainda quando a nova legislação hipotecária houvesse admitido entre os
ônus reais a superfície com todos os seus efeitos, não podia o superficiário hipotecar os
edifícios – porque somente o seu direito real de superfície é hipotecável (Demolombe 9-483); os
edifícios são pertencentes ao dono do sólo, somente este os pode sujeitar à hipoteca.
podem ser hipotecados senão com o mesmo solo; porque a sua separação ou colheita os

torna móveis.

A hipoteca do solo abrange-os: não há contestações sobre este ponto. As

legislações e os doutrinadores estão acordes.

Quando deslocados do solo escapam à hipoteca, porque se tornam móveis. A

colheita, na época da maturidade, é o meio de deslocação natural. O credor hipotecário

não a pode impedir – porque é ela um ato da administração que o devedor exercita sobre

o bem hipotecado, cuja posse conserva; que o credor quando contratou sabia que devia

ser praticado porque o destino de frutos e outros produtos da terra é o de serem colhidos

e que é exercitado pelo devedor não somente em vantagem própria, mas na do credor.

(Martou, n. 722; Demolombe, volume citado, ns. 180, 187 e 188; Pont., ns. 302 e 363).

26. Os frutos ainda pendentes, mas já vendidos pelo devedor, escapam à

hipoteca?

A solução da dúvida é de grande alcance, para o caso de vencimento da dívida

e ação do credor.

O Sr. Lafayette entende (Dir. das Cousas, § 180, not. 5.ª) que tais bens não se

podem considerar mobilizados, para o fim de escaparem à hipoteca, porque segundo a

índole do nosso direito, o domínio não se transfere pela simples convenção, mas

depende de tradição a sua deslocação.

É de rigor excessivo este alvitre.

A colheita dos frutos é ato de administração – como ficou assentado (n. 23

supra) – o devedor tem pleno direito de exercitá- lo sem que o credor hipotecário o possa

embaraçar: ora, esse direito ele pode exercê-lo por terceira pessoa – pelo adquirente dos
frutos, a quem eles podiam ter sido vendidos com a cláusula de fazer a colheita.

Além da procedência científica desta solução – acresce que ela compreende,

para os rigoristas – um caso de tradição simbólica.

Tal solução, porém, nem sequer é novidade.

Ribas já a apadrinhava no seu curso de Direito civil (vol. 2.º, p. 212).

Quando se vende uma colheita pendente, não se entende vender bens imóveis,

e sim considera-se anticipadamente a colheita como separada e, portanto, como bens

móveis.

É certo que o comprador neste caso não reivindicava, havia-os pela ação ex-

empto: – e por quê?

Porque não se achando separadas as arvores do solo – ao qual estavam

incorporadas com os frutos e do qual se reputam fazer parte (fructos pendentes pars

fundi), não podiam ser reivindicadas de per si, sem o solo ao qual estavam aderentes:

arorum quod in fundo continentur, non est separatum corpus a fundo: et ideo, ut

dominus suas specialiter arbores vindicare emptor non poterit. – Tal é a razão dada por

Pomponio na Lei 40 do Dig. act-empt. – a qual não impedia que os frutos fossem

vendidos – pendentes – e dava ao comprador a ação própria para alcançar a e ntrga da

coisa vendida (L. 1.ª D. de action empt et venditi).

27. A lei admite à hipoteca de per si, como os imóveis por natureza:

a) O domínio direto dos bens enfitêuticos (Dec. 169 A, de 19.01.1890, art. 2.º,

§ 1.º; Dec. 370, de 02.05.1890, art. 133, § 2.º).

b) O domínio útil dos mesmos bens. (Dec. 169 A, de 19.01.1890, art. 2.º, § 1.º;

Dec. 370, de 02.05.1890, art. 133, § 3.º).


c) Os engenhos centrais, fábricas, usinas e oficinas, abrangendo os edifícios e

maquinismos (Decretos citados 169 A, art. 2.º § 1.º, e 370, art. 133, § 4.º).

d) As estradas de ferro, compreendendo todos os seus imóveis, acessórios,

material fixo e rodante (Dec. 370, de 1890, art. 133, § 5.º).

28. O domínio direto dos bens enfitêuticos.

O domínio direto é a propriedade nua, o direito fixado na substância da coisa;

confunde-se com esta na sua manifestação.

O direito moderno admite-o entre os bens que podem ser objeto da hipoteca.

(Código Civil português, art. 890; Código Civil italiano, art. 1967, n. 3).

29. O domínio útil.

O domínio útil representa o exercício do poder sobre a coisa em dois de seus

elementos essenciais: o jus fruendi e o jus utendi. É a revelação material do domínio;

como, porém, na realidade, é um desmembramento de seus elementos, o direito de

algumas nações o tem denominado propriedade imperfeita (Eduardo de Sá, Emphyteuse

e o Uso-fructo, p. 50).

O legislador tornou-o objeto da hipoteca de per si; atendendo à ponderosa

consideração de poder ele, como o domínio direto, ser objeto de alienação: – estar no

comércio.

A única limitação é o direito de opção do senhorio direto que deve ser em

todos os casos respeitado (Dec. 169 A., art. 2.º, § 1.º), não importando, porém, tal

direito no de impedir por qualquer modo a transferência, que independe do

consentimento do senhorio.
A natureza imóvel e a importância deste direito justificam a disposição da lei

(Marton, n. 757; Troplong, n. 405; Laurent, n. 21; Duranton, vol. 19, n. 268):(d)

O legislador, que não admitiu as hipotecas sobre os imóveis pela coisa a que se

aplicam (Dec. 370, de 1890, art. 136) – fez exceção da enfiteuse – por motivos de

grande ponderação.

No direito francês – o código sendo silencioso em referencia à enfiteuse –

permitiu expressamente a hipoteca do usufruto (art. 2.118); no entanto, como o diz

Martou (n. 737) a natureza imóvel e a importância deste direito, são mais enérgicas e

mais duradouras do que o usufruto!

O enfiteuta hipoteca não o imóvel sobre o qual tem o domínio útil, mas o

direito de enfiteuse (Laurent, n. 214); ele não pode hipotecar mais do que possui: ora, o

prédio não lhe pertence, é do domínio de senhor direto que tem sob seu poder a
(d)
É objeto de controvérsia no direito francês, se a enfiteuse pode ser objeto de hipoteca.
Demolombe, foi a nosso o ver, o que com melhores argumentos ombateu a opinião dos
que entendem que o código Napoleão, apesar de não fazer menção da enfiteuse, aliás, admitida
pela legislação anterior (Lei de 11 brumario do ano 7.º) e repelida abertamente por Treilhard na
exposição de motivos, aceitou em seu sistema.
O ilustre comentador consideranda-a repudiada peio código Napoleão, que não tratou
dela no lugar próprio (art. 526), quando fez menção dos imóveis pela coisa a que se aplicam, –
nem no art. 2.118, quando enumerou os bens hipotecáveis, não entra na questão de saber se é ou
não a enfiteuse hipotecável.
Em contrário, porém, à doutrina de Demolombe e à de poucos outros (Paul Pont,
Previl., e Hypoth., vol. 1.º, n. 388) está a maioria dos escritores (Duranton, 19, n. 268; Marcadé,
Código Civil, vol. 2.º, n. 368 e outros) e mais do que tudo a prática uniforme em França
(Demolombe, ns. 485 e 491, 9.º vol.).
Em face do direito escrito francês parece justificado o conceito de Demolombe que a
jurisprudência e a prática – foram os que criaram verdadiramente a enfiteuse no moderno
direito francês.
substância da coisa; o direito real do enfiteuta limita-se aos atos de fruição e utilização,

restringidos pela obrigação de conservar a substância – o que importa a privação do jus

abutendi, o qual acentua de modo capital o domínio.

A suposta identidade do domínio útil do foreiro, ou enfiteuta, e o do

usufrutuário, que se tem modernamente procurado apregoar (Eduardo de Sá –Emphyt. e

Usufr., p. 51) se tende a justificar as legislações que tornam um e outro objetos de

hipoteca – denuncia confusão de noções distintas. O limite da enfiteuse está unicamente

no jus abutendi – isto é, na alteração da substância da coisa: até aí não alcança, porém, o

direito do usufrutuário.

Se como parece, e entende o escritor citado, o Código Civil português nos arts.

1.673 e 2.197, equipara, em seu exercício material, o usufruto à enfiteuse – nem, por

isso, se deve dar como acerto seguro e princípio incontrovertível que a noção jurídica de

um é igual à de outro: que o direito real que um representa e que se revela em efetivo

desmembramento do domínio se possa confundir com a servidão pessoal em que o outro

consiste. O enfiteuta pode reivindicar (Corrêa Telles, Dout. das acçs., ed. Teixeira de

Freitas, § 39, nota 106): o usufrutuário – que tem apenas servidão pessoal – não obtém a

posse do objeto do usufruto senão pela ação confessória (Dout. das acções, ed. cit., §

56; not. 179; Molitor, Servidões, ns. 134 e 135).

Foi em atenção a que o domínio util é o exercício, a manifestação exterior e

material do domínio que o legislador consentiu que fosse de per si só objeto de

hipoteca, o que o equipara aos imóveis por natureza – apesar de ser imóvel pela coisa a

que se aplica.

Os engenhos centrais, fábricas, usinas e oficinas, abrangendo os edifícios e

maquinismos (Dec. 370, de 02.05.1890, art. 135, § 4.º).


30. Esta disposição tem em mente um fim econômico e não jurídico.

O intuito do legislador foi dar valorização econômica aos engenhos centrais e

usinas incluindo-o entro os bens que podem, de per si, ser objeto de hipoteca. Quis antes

o legislador revelar o apreço em que devem ser tidos tais bens como fatores do

desenvolvimento do crédito territorial, do que estabelecer princípios sobre a hipoteca.

Efetivamente os engenhos centrais e todos os edifícios de suas dependências,

são desde muito considerados objetos de hipoteca, enquanto aderentes ao solo, com o

qual formam um todo de que não podem ser desagregados sem perder a sua

individuação, o que caracteriza, segundo a moderna doutrina de direito, aceita pela

nossa legislação (Provisão de 08.01.1819, Instrução de 01.09.1836, art. 6.º, n. 1, in fine)

os imóveis por natureza.

Quanto aos maquinismos aderentes, ou não, ao solo, foram considerados

sempre compreendidos na hipoteca das fábricas, como imóveis por destino (Provisão e

Instrução, citadas, Lei 1.257, de 24.09.1864, art. 2.º, § 2.º, Dec. 3.453, de 26.04.1865,

arts. 139 e 140).

A lei não inovou, não teve como intuito resolver, de, modo diverso do que o

tem feito a doutrina e a jurisprudência, as questões ocorrentes sobre hipotecas de

engenhos centrais construídos em solo alheio.

Estes engenhos não podiam ser objeto de hipotecas fora do solo: – a disposição

supra do Dec. 169 A, de 19 de janeiro, não teve em mira resolver o caso, formando

princípio em contrário à doutrina corrente – isto é, tornando as usinas hipotecáveis

independentemente, do solo. O legislador considerou os engenhos centrais incorporados

ao solo, tanto que cogitou sempre da desapropriação do solo alheio, para nele ser
construído o engenho central, de acordo com os preceitos do Dec. 816, de julho de 1855

(Dec. 8.357, de 24.12.1881, art. 6.º, n. 2).

Os engenhos centrais, as fábricas, usinas e oficinas, compreendem, pois, os

edifícios, os maquinismos de toda a espécie, os aquedutos, os canais para escoamento

das águas e resíduos, os poços para fornecimento da fábrica, as bombas assentadas

sobre os rios, ribeiros e veios d‟água, que servirem para alimentar as caldeiras e

geradores de vapor.

As estradas de ferro, compreendendo todos os seus imóveis, acessórios,

material fixo e rodante.

31. Tem inteira, aplicação às estradas de ferro o que dissemos em referência os

engenhos centrais.

Antes das disposições do Decreto de 1890, já eram as estradas de ferro objetos

de hipoteca que se celebravam muitas vezes para garantir empréstimos realizados por

meio de emissão de títulos de preferência (debêntures) do falso pressuposto de que a

hipoteca era indispensável para conferir prelação a tais títulos, equívoco deplorável que

a lei felizmente incumbiu-se, em boa hora, de dissipar para sempre (Dec. 169 A, de

19.01.1890, art. 5.º § 1.º, n. 2; Dec. 370, de 02.05.1890, art. 220, letra b).

32. Os edifícios compreendendo as estações – oficinas e todas as construções

ligada ao solo, com ânimo perpétuo (Provisão de 08.01.1819, Instrução de 1836, art.

5.º); são os imóveis por natureza das estradas de ferro – compreendendo o leito onde

assenta a superestrutura metálica que é solo, como o terreno em que assentam os

edifícios.
33. Os Decretos 1.664, de 10.01.1855, arts. 2.º e 3.º; 6.995, de 10.08.1878,

cláusula 3.ª, §§ 2.º, 3.º e 7.º; e 7.952, de 29.12.1880, cláusula 1.ª, ns. 1 e 2,

providenciando com solicitude e cautela sobre a propriedade das estradas de ferro ao

solo onde são colocados os edifícios e a superestrutura metálica – bem revelam que não

conceberam a possibilidade de serem tais imóveis construídos em terreno alheio.

A providência enérgica do art. 2.º do Decreto de 1855 citado tornando

desapropriados todos os terrenos e prédios compreendidos nos planos e plantas das

estradas, apenas com dependência e para a posse efetiva – da indenização que for

estabelecida – pelo processo regulado no mesmo Decreto, torna evidente que não há

possibilidade de estradas de ferro, construídas sobre o solo que não pertença à empresa

da mesma.

O fim da disposição supra do Decreto, de 19 de janeiro, é conseguintemente

mais de intuito econômico do que jurídico.

Neste terreno a doutrina não sofreu modificação.

São imóveis por natureza o solo, as estações, oficinas e todos os edifícios: são-

no por destino os trilhos, o material rodante que compreende:

a) locomotivas;

b) alimentadores;

c) carros de passageiros para o serviço do correio, wagons de mercadorias,

gado, lastro, condução de ferro, madeira e toda espécie de materiais de construção,

freios mecânicos, etc. (Dec. 6.995, de 10.08.1878, cláusula 6.ª).

34. A lei compreende entre os bens hipotecáveis os imóveis por destino (Dec.
169 A, de 15.01.1890, art. 2.º, §§ 1.º e 2.º, e Dec. 370, de 02 de maio, arts. 134 e 135).

O estudo dos bens que tomam este caráter, sendo, aliás, móveis por natureza, é

de alta conveniência não somente, porque tem dado no direito moderno, causa a grandes

dúvidas; como porque as disposições legais limitaram- se a indicar quais os acessórios

dos imóveis agrícolas, deixando entregue às incertezas da controvérsia, a determinação

dos imóveis por destino, quando se trata de bens rurais que não sejam agrícolas ou de

imóveis urbanos.

35. O que caracteriza a imobilização por destino é a aderência ao imóvel por

natureza, operada pelo proprietário, com o ânimo de perpetuidade. (Provimento de

08.01.1819; Instrução de 01.09.1836, art. 5.º; L. 17 § 7.º D. de act. empt. e Leis 13 § ult.

e 38 § 2 D. h. tít.; Demol., vol. 9.º, ns. 199, 200 e 201; Marcadé, vol. 2.º, n. 352; Aubry

et Rau, Droit Civil Français, vol. 2.º, § 164, p. 17 e 18).

36. Esta noção oferece o preciso critério para resolver as dificuldades que no

nosso direito possam surgir na prática, como as que no direito francês originaram-se do

confronto dos arts. 518 e 525 do Código Civil. Assim desde que se revela por parte do

proprietário dos bens móveis e imóveis – o intuito de ligar aqueles a estes por laço

permanente, com o propósito de fazer deles um todo – o móvel passa a ser imóvel por

destino.

Daqui vem o critério estabelecido no Código Civil francês (art. 525) para

conhecer a intenção do proprietário e que consiste em ter sido operada a aderência do

móvel ao imóvel por laços de ligação material como: cal, cimento, ferro, etc., de modo

tal que o móvel não possa ser destacado sem ruína ou deterioração própria, ou dos
edifícios. Esta noção está reproduzida na nossa legislação e em alguns códigos

modernos (Instruções de 01.09.1836, art. 6.º n. 1 in fine; Av. 367, de 06.11.1856 [não

encontrei esta norma]; Código Civil italiano, art. 414; Goyena, Código Civil espanhol,

art. 380, n. 4; Código Civil holandês, art. 563 in fine; Código Civil chileno, art. 572;

Código Civil espanhol, art. 331, n. 4); a doutrina, porém, mais recente é a que reconhece

como existente a imobilização por destino desde que se revela no proprietário a intenção

de consagrar o móvel ao serviço, à utilização do imóvel como seu auxiliar, sua

dependência – ainda quando não exista laço de aderência material. (Demolombe, vol.

9.º, n. 278; Paul Pont, n. 372; Aubry et Rau, § 164; Código Civil argentino, art. 6.º do

Tít. 1.º do Liv. 3.º; Código Civil oriental, art. 417; Marcadé, vol. 2.º, n. 352).

37. Como se vê a dificuldade existiu sempre na determinação do laço de

aderência do móvel ao imóvel – de modo a se distinguir o imóvel por destino do que o é

por natureza (por efeito da incorporação).

É preferível, apesar do que em contrário reflexionou Sarsfield (nota ao art. 6.º

do Tít. 1.º do Liv. 3.º do Código Civil argentino), que a lei faça enumeração taxativa dos

imóveis por destino, como o fizeram o Código italiano, o do Chile, o do Estado Oriental

do Uruguai e outros.

Parece-nos que a regra capital é a estabelecida por Demolombe (vol. 9.º, n.

292).

Sempre que o imóvel, seja qual for o laço da ligação, conservar a sua

individualidade especial é imóvel por destino, desde que a ligação seja permanente.

Assim a pedra mármore colocada nas sacadas de uma casa, perde a sua

individualidade específica, ao passo que o espelho ainda quando incorporado à parece


da sala, por ligação material, não perde a sua individualidade.

No primeiro caso a pedra mármore, – por preciosa que seja sua qualidade,

passou a fazer parte integrante da casa – ad integrandum domum; no segundo caso o

espelho é, e continuará sempre a ser, um espelho – isto é – objeto ad instruendum

domum.

38. Que imóveis por destino autoriza a lei a compreender no vínculo

hipotecário?

a) animais das propriedades agrícolas – especificadas no contrato (Dec. 169 A,

de 19.01.1890, art. 2.º, § 1.º).

b) Os acessórios dos imóveis (Dec. 169 A cit.; Dec. 370, de 02.05.1890, art.

134).

c) Os imóveis por destino, em geral (Dec. 370, art. 134).

39. Os animais consagrados à exploração do imóvel são, por todos os

doutrinadores e códigos, havidos como imóveis por destino compreensíveis na hipoteca

do imóvel, independente de menção especial, e entre esses animais não se incluem

unicamente os que são propriamente consagrados ao serviço da lavoura, como os bois

de carro, animais de arado, etc.; mas ainda todos os animais necessários para a

exploração rural – como os carneiros, as vacas – desde que não se destinem unicamente

à engorda ou à criação (Demolombe, ns. 225, 235, 241, 242 e 243; Aubry et Rau, vol.

2.º, p. 13, e notas 38, 39 e 40; Marcadé, vol. 2.º, n. 353 e vol. 10, n. 372; Mourlon, Rep.

Ecrites, n. 1.436; Código Civil francês, art. 524; Código Civil italiano, art. 413; Código

Civil chileno, art. 570; Código Civil uruguaio, art. 417; Código Civil espanhol, art. 334,
n. 6; Código Civil holandes, art. 563, n. 3).

Os animais de luxo e de preço destinados à sela, a corridas, ou à criação, não se

consideram imóveis por destino, porque não se reputam consagrados à exploração do

prédio rural (Demolombe, vol. 9.º, n. 270).

A nossa lei cortou estas dúvidas. Os animais somente se compreendem na

hipoteca – quando são mencionados na escritura do contrato, com enumeração de

cabeças.

É lícito ao devedor considerar imóveis por destino para incluir na escritura da

hipoteca – não somente os animais consagrados à exploração do imóvel hipotecado,

como também os de lucro, os de criação, e os que formam um estabelecimento de

aclimação e zoológico.

Por outro lado – ainda quando consagrados ao estabelecimento agrícola – não

se compreendem na hipoteca – se não forem mencionados no contrato; porquanto a lei

não os mencionou entre os acessórios dos imóveis agrícolas, que são sempre alcançados

pelo direito real da hipoteca (Dec. 370, arts. 134 e 135).

40. Os acessórios dos imóveis.

Estes acessórios variam segundo os imóveis são rurais ou urbanos.

Ainda os imóveis rurais podem ser consagrados à lavoura, à criação, às

indústrias: como às olarias, os fornos de queimar cal, etc.

O legislador declarou que bens móveis considerava acessórios dos imóveis

agrícolas e são:

a) Os instrumentos de lavoura;

b) Os utensílios das fábricas aderentes ao solo (Dec. 169 A, de 1890, art. 2.º §
2.º; Dec. 370 do mesmo ano; art. 155).

São estes os únicos bens que se compreendem nas hipotecas dos imóveis

agrícolas? Todos os mais dependem de ser mencionados, ainda os que, segundo a nossa

legislação (Provimento de 08.01.1819; Instrução de 01.09.1836, arts. 5, 6 e 7; Av. 367

de 06.11.1856) são considerados imóveis por destino?

A resposta afirmativa é a única possível.

O legislador não compreendeu os imóveis por destino necessariamente na

hipoteca dos imóveis por natureza; antes exigiu que fossem expressamente incluídos na

escritura, para que incidam sob a ação do direito real; permittio a sua hipoteca –

juntamente com os imóveis a que se acharem ligados – o que significa que condenou e

repeliu a hipoteca dos mesmos de per si – pela razão fundamental de serem tais bens

móeis – e não poderem ser, como tais, objeto de hipoteca.

A doutrina contrária (Martou, 717 e 718) que acha apoio na lei belga, cuja

disposição é expressa (art. 45, 2.ª alínea), não é sustentável entre nós em face das

disposições do § 1.º do art. 2.º do Dec. 169 A, e art. 137, § 2.º, do Dec. 370 de 1890.

41. Os imóveis por destino – de qualquer espécie que sejam os imóveis

(urbanos ou rurais) a que se achem ligados, somente podem ser compreendidos na

hipoteca, se, à semelhança dos animais pertencentes às propriedades agrícolas, forem

mencionados na escritura do contrato.

A hipoteca – segundo o nosso direito – só compreende: as benfeitorias e

acessórios naturais – definidos no § 2.º do art. 4.º do Dec. 169 A, de 19 de janeiro,

combinado com o art. 137 do Dec. 370 de 2 de maio.(e)

(e)
A opinião em contrário seguida pelo Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, § 183, n. 2)
42. A disposição compreende dois casos de subrogação que, conquanto

idênticos nos efeitos, convém, todavia, estudar em separado, para mais completa

parece-nos carecer de fundamento.


Na referência ao art. 142, §§ 1.º e 2.º, do Dec. 3.453, de 26.04.1865, está a condenação
dessa opinião.
Efetivamente dispõe o citado artigo:
“A hipoteca compreende:
§ 1.º O imóvel com todas as suas pertenças e servidões activa.
§ 2.º Os accessorios hypothecados – com o mesmo immovel.”
A leitura destas disposições parece deixar patente – que os acessórios – (imóveis por
destino) – devem ser – expressamente hipotecados – apra ficarem gravados.
Nem faça dúvida o dizer-se no § 1.º que a hipoteca comprende – as pertenças – do
imóvel: porque os imóveis por destino – os acessórios – não são pertenças – e a prova de que o
legislador não teve o intuito de confundí-los – é que separou-os – em parágrafos diversos do art.
142.
O art. 137 do Dec. 370, de 02.05.1890, reproduziu a disposição do art. 142 do Decreto
de 1863. A interpretação é pois, idêntica, para uma e outra disposição.
O art. 137, § 2.º, do Decreto de 1890 deve ser estudado em confronto com o art. 134:
este declara que aqueles bens móveis que a lei considera acessórios dos imóveis agrícolas – e
bem assim todos os imóveis por destino odem ser objeto de hipoteca – e acrescenta – mas
juntamente com os imóveis a que pertencem – o que faz depender de sua gravação – a sua
menlão expressa, e a contrario senso torna irrealizável a mesma gravação esde que não é feita
inclusão de tais bens no contrato hipotecário.
Esta doutrina está de acordo com o princípio, que domina o decreto hipotecário e que as
legislações todas consagraram (Código Civil francês, art. 2.115; Lei belga de 16.12.1851, art.
42; Código Civil italiano, art. 1.965), que ele é excepcional – deve ser aplicado restritivamente e
não pode ser ampliado por analogia. (Marcadé, vol. 10, n. 322; Duranton, vol. 19, n. 250;
Laurent, vol. 30, ns. 187 e 191).
O Código Civil argentino ampliou a compreensão da hipoteca aos acessórios,
independentemente de menção expressa.
“La hipoteca de un immueble se estende a todos los accessorios etc.” (Liv. 3.º, Tít. 14,
art. 8.º).
elucidação das questões que se prendem a cada um deles.

43. Subrogação do imóvel segurado pelo preço devido pelo segurador.

Esta subrogação apareceu pela primeira vez no projeto de reforma hipotecária

apresentado em Franca em 1850 à assembléia legislativa.

A Lei belga de 1851 (16 de dezembro) reproduziu o artigo do projeto

modificado de acordo com a emenda do conselheiro de Estado Bethmont: o legislado

brasileiro de 1864 copiou, por sua vez, com alterações de forma – o art. 10 da Lei belga.

A disposição do parágrafo supra da Lei de 1890 é reprodução do § 3.º do art.

2.º da Lei de 1864.

O Dec. 370, de 2 de maio, que regulamentou o Decreto de 19 de janeiro

contém disposição mais clara:

“O preço que no caso do sinistro é devido pelo segurador ao segurado, não

sendo aplicado às reparações do imovel hipotecado;” (§ 5.º do art. 137).

44. Esta subrogação excepciona a um dos princípios capitais que rege a

hipoteca, e que é comum aos contratos reais. O perecimento, a perda do objeto da

hipoteca, é um dos modos da extinção desta (Dec. 169 A, art. 11, § 2.º; Dec. 370, art.

226, § 2.º); o que facilmente se compreende, desde que se considere, que a destruição da

coisa – é no caso figurado o desaparecimento do objeto do direito real.

Os organizadores do Projeto de 1850, em França, tendo em mira melhorar o

regime hipotecário do Código Civil – no sentido de acentuar o seu fim econômico, de

preferência a resguardar o rigorismo do preceito civil, – entenderam que estando o valor

do bem hipotecado – o seu preço – adstrito ao desempenho da obrigação principal – à


solução da dívida contraída, e que tal fim se obtinha – em último caso pela venda do

imóvel – liquidação do direito real – sobre o preço, produto de tal venda, entenderam,

dizemos nós, ser justo que, na hipótese de não desaparecer totalmente o valor do imovel

– com o perecimento deste – mas antes subsistir pela prestação da quantia devida como

indenização pelo segurador – sobre esta quantia se fixasse o direito de credor

hipotecário, o que somente se podia alcançar por meio da subrogação, fixado o preço

em lugar do imóvel.

Como se vê o rigor de noção jurídica foi sacrificado em bem do

desenvolvimento do crédito territorial – isto é – em prol de um fato econômico.

45. A disposição supra, assim como a sua semelhante da Lei de 1864 – dá

origem a dúvidas que já no domínio da Lei belga surgiram na prática por ocasião da

aplicação do seu art. 10.

Vejamos as principais.

46. Como devem ser entendidas as expressões: – não sendo aplicado à

reparação?

Que o segurador pode resolver sempre a aplicação da importância do seguro à

reconstrução do imóvel? ou que essa aplicação sa importância da indenização só tem

lugar quando houver sido estipulada na apólice?

O Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, § 182, nota 9) entendeu que depende tal

aplicação do valor do seguro de expressa convenção das partes – constante da apólice

que é o instrumento do contrato, seguindo a opinião de Cloes, comentador da Lei belga,

em contrário à de Martou (n. 263).


Este escritor funda-se nos seguintes e ponderosos argumentos:

O contrato de seguro não pode ser objeto de lucros e benefícios; a

responsabilidade do segurador resolve-se em garantir a existência do prédio segurado –

a prestação pecuniária é substitutiva dessa obrigação – quando o segurador preferir

reconstruir ou reparar o prédio – colocá- lo re integra, ou entregar ao segurado outro

igual ao destruído, ninguém lhe pode vedar. A estipulação, que se costuma fazer nas

apólices de seguro, é prova de que os seguradores procuram sempre precaver-se contra a

contingência de prestar valor maior do que o da reconstrução do prédio, desvirtuando-se

assim a obrigação contraída; mas tal estipulação não significa que a sua falta torna

obrigatória a prestação pecuniária: é o caso de dizer-se que se cogita de eo quod

plerumque fit.

Acresce que o credor hipotecário em nada é prejudicado, porquanto o direito

hipotecário subsistindo sempre no solo – compreende o prédio que nele for levantado; –

a hipoteca continuará pelo mesmo prazo e nas mesmas condições do contrato.

Em apoio deste modo de ver recorre Martou ao argumento deduzido da

formação da lei.

A disposição do art. 10 da Lei belga é oriunda da do projeto francês de 1850 –

com a inclusão do acréscimo de Bethmont.

Pois bem, foi justamente o reparo de Bethmont que sugeriu a inclusão das

expressões (empregadas pela emenda Vavin): si elle n’est pas appliquée par lui à la

reparation de lóbjet assuré.

Ora o reparo de Bethmont foi apresentado – porque este conselheiro d‟Estado

entendia que o fim da prestação da quantia, importância do seguro, era especialíssima –

indicado pela natureza das coisas: a reparação dos estragos – a reconstrução de imóvel
– e de modo algum o pagamento de dívidas garantidas por hipoteca do imóvel

destruído!

Como insistir ainda?

O credor hipotecário fica ao abrigo da sua garantia – os credores quirografários

não podiam contar, com outra coisa mais, do que as sobras incertas do preço do imóvel

hipotecado; a sua condição piorou!

O Sr. Lafayette, de acordo com o pensar de Cloes, entende que a obrigação de

prestar, como indenização, o valor do objeto é a única inerente ao contrato de seguro e

não a de reconstruir ou refazer o prédio.

Esta é substitutiva da primeira – depende, portanto, de estipulação expressa das

partes, a qual somente pode constar da apólice do seguro.

À disposição da lei hipotecária não se pode atribuir o intuito de inovar em

matéria de seguro, o que não e da sua competência, antes é alheio ao seu objeto.

Conquanto mais conforme à natureza do contrato do seguro, a opinião do Sr.

Lafayette parece que não resolve a dúvida, porque deixa de dar às expressões da lei o

verdadeiro alcance.

Tais expressões tiveram por fim evitar que se emprestasse à subrogação efeitos

prejudiciais – que não poderiam estar no pensamento do legislador.

De fato, desde que o preço ficasse subrogado ao imóvel, sem limitação, – qual

a conseqüência?

Os credores hipotecários, com o seu direito real firmado, por força da lei, no

preço, impediriam que ele fosse aplicado à reparação do imóvel – ainda quando tal

reparação estivesse estipulada na apólice!

Quer fosse o seguro anterior, quer posterior ao contrato hipotecário, a quantia


subrogada ao imóvel ficava do mesmo modo sob a ação do direito real da hipoteca, sob

pena de não produzir a subrogação os seus efeitos jurídicos.

O intuito do legislador foi dar remédio ao caso.

É o pensamento que ressalta das reflexões judiciosas externadas por Bethmont

por ocasião de ser sujeito ao Conselho d‟Estado em França, o projeto de 1850, e que se

deduz da nossa legislação sobre o assunto.

As expressões do § 3.º do art. 2.º do Decreto de 1890, supra, como as idênticas

da Lei de 1864, tiveram por fim evitar que o credor hipotecário possa impedir, que o

preço do seguro seja aplicado à reparação do imóvel, quando estipulada tal reparação na

apólice; mas de modo algum visou deixar ao arbítrio do segurador pagar a indenização

ou reconstruir o prédio.

Compreende-se, facilmente, que o credor hipotecário, por qualquer

circunstância, podia ser tentado a aproveitar a oportunidade para liquidar o seu contrato.

A quantia ali estava – sem dispêndio e trabalho de sua parte, para apurá-la por meio de

uma ação: ao passo que a reconstrução do prédio, importava a continuação do seu

contrato – a permanência do prazo, o vencimento adiado!

47. A responsabilidade do segurador finda com a entrega da importância do

seguro ao segurado?

O Sr. Lafayette opina que não, isto porque desde que a lei subrogou o preço da

coisa segurada a esta, em garantia dos credores hipotecário s, deu-lhe novo destino; – o

segurador não pode; sem infringir a lei, desviá- lo desse destino, como aconteceria se o

entregasse ao segurado.
48. Não nos podemos conformar com este modo de ver.

Ele importa subverter a noção da hipoteca; esta tem por fim a garantia da

solução da obrigação – respeitando sempre a posse do devedor, de cujo poder não sai [é

isso mesmo?] para o do credor a coisa hipotecada.

A importância do seguro entregue ao devedor é a observância do contrato do

seguro – é o único fato que libera o segurador.

Se os credores hipotecários não depositam confiança no devedor – tem, como

meio seguro de impedir que a quantia devida pelo segurador passe para seu poder – o

seqüestro – que a lei manteve, como medida assecuratória, sem restringi- la ao caso do

art. 384 do Dec. 370, de 2 de maio.(f)

(f)
O Sr. Lafayette convém em que o art. 2.º, § 3.º, da Lei de 1864, não é expresso no
sentido da sua opinião – e, parece apoiar-se na autoridade de Martou.
Este escritor opina, porém, de modo diferente. O que ele afirma é que o direito dos
credores hipotecários, para se tornar efetivo, não depende de penhora ou seqüestro da quantia –
importância do seguro – em mãos do segurador, assim como teriam o dever de seqüestrar o
preço devido por terceiro adquirente do imóvel hipotecado (n. 271).
Não nos parece de todo o ponto exata a asserção do Sr. Lafayette, quando adianta:
“E, accresce, se a lei deixasse ao arbitrio do segurador pagar ao segurado, teria ella
mesma destruido a virtude da providencia que consagra.”
Como? Pois a lei faz subsistir sobre a importância do seguro – a hipoteca extinta pelo
perecimento da coisa hipotecada, e não dá ao credor garantia suficiente! – antes, inutilisa esta
garantia somente pelo fato de não tirar à posse do devedor aquilo que representa o imóvel
hipotecado, que não podia sair de sua posse – a não ser nos casos em que a lei concede ao
credor o seqüestro – como meio assecuratório do seu direito, tornado exeqüível – pelo
vencimento da dívida?
Este meio o credor pode utilizá-lo na hipótese em questão: – que maior segurança pode
lhe ser concedida?
Nas mãos do segurador – antes de paga – nas do segurado depois do pagamento – pode
a importância do seguro ser seqüestrada pelo credor hipotecário. Imobilizá-la em poder do
segurador, subvertendo a noção da hipoteca é o que somente um preceito expresso da lei pode
Nada pode, no caso vertente, embaraçar o seqüestro – porque a dívida

hipotecária reputa-se vencida, como bem opina o Sr. Lafayette (nota 6, § 182, Dir. das

Cousas).

49. Se o seguro houver sido feito pelo credor, ou por um credor hipotecário as

conseqüências são, no caso de perecimento do imóvel:

a) A subrogação opera-se em favor de todos os credores hipotecários;

b) Em favor do próprio devedor em cujo interesse prevalece a sobra depois de

pago todos os credores;

c) A quantia, importância do seguro, em caso de mais de uma hipoteca em pé

de igualdade, sem prelação uma sobre outra, deve ser rateada. (g)

fazer – e este preceito não existe.


Se, porém, o credor hipotecário, fizer notificar o segurador para não entregar ao
segurado a importância da indenização?
Ainda neste caso – o segurador libera-se, pagando ao segurado.
O credor hipotecário pode intentar contra o segurador a ação hipotecária enquanto a
importância do seguro achar-se em seu poder – porque tal importância ficou subrogada ao
imóvel hipotecário que podia ser acionado quando em poder de terceiro. Em tal hipótese, sim,
não será mais lícito ao segurador fazer entrega ao segurado da importância da indenização – por
ser elle parte legítima para – responder na ação.

(g)
Não pode prevalecer a opinião de Cloes, citada em Martou, de ter o credor
hipotecário, que fez o seguro, preferência sobre os outros somente por este fato, quando não
tenha prelação legal.
Martou, com muita procedência, faz sentir que o credor hipotecário, segurando o imóvel
hipotecpario, se criou para si a garantia – dando-lhe eficácia na hipoteca do perecimento da
coisa segurada – agiu, todavia, como gestor de negócios do devedor, como seu mandatário
tácito. O preceito do § 3.º, do art. 2.º, do Decreto de 1890, tem, pois, inteira aplicação em tal
ocorrência.
A opinião de Grün de Joliat, citados também por Martou, de não produzir efeito o
50. Influi na aplicação do preceito do art. 2.º, § 3.º, do Decreto supra a época

em que houver sido feita a hipoteca?

De modo algum. O que é preciso é que o sinistro haja ocorrido na constância

da hipoteca (Dir. das Cousas, § 182, not. 12; Martou, n. 266; Dias Ferreira, vol. 2.º, p.

528, in fine; Goyena, art. 1.801).

51. Se o devedor hipotecário houver, anteriormente à hipoteca, cedido a

terceiro o preço do seguro do imóvel, hipótese, aliás, pouco freqüente, a subrogação

opera-se em favor do credor hipotecário. A hipoteca tem, pela lei, como um dos seus

efeitos, gravar a quantia, que representa, pela subrogação, o imóvel hipotecado;

conseguintemente a cessão antecipada do preço em nada altera o direito real do credor.

Como diz o Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, vol. 2.º, nota 13 ao § 182): “a hipoteca pela

perda da cousa passa sem solução de continuidade para o preço.”

É também a opinião sustentada por Martou (n. 267).

52. Subrogação do imóvel pelo valor da desapropriação, ou da indenização

(por delito ou quase delito).

O imóvel hipotecado pode ser desapropriado por utilidade pública, geral ou

seguro, senão até ao alcance do direito do credor hipotecário – segurado – é insustentável por
supor a impossibilidade de agir o credor hipotecário em seu proveito e no do proprietário do
imóvel.
Ele pratica um ato representando todos os interesses ligados ao objeto. Não somente ele
age em benefício próprio, mas no do proprietário, e no dos outros credores hipotecários, que
podem estabelecer concurso e com ele entrarem em rateio. – Reflita-se que ele melhorou, em
todo o caso, a sua posição. Sem o seguro do imóvel o seu crédito hipotecário nada valeria.
municipal, nos casos e nos termos do Decreto Legislativo 353, de 12.07.1845; ou para o

caso de construção de estradas de ferro e obras dependentes, de acordo com o

preceituado no Dec. 1.664, de 27.10.1855 que regulamentou a Lei 816, de 10 de julho

do mesmo ano; ou por necessidade pública nos casos da Lei de 29.09.1826, que a de

1855 não alterou, antes manteve nesta parte (art. 35, do Decreto Legislativo 353, de

12.07.1855).

53. Em qualquer destas hipóteses, por força da disposição da 2.ª alínea do § 3.º

do art. 2.º do Dec. 169 A, o imóvel fica livre do ônus hipotecário, e este passa para o

preço liquidado no processo da desapropriação. (Lafayette, Dir. das Cousas, § 182, art.

16).

O preceito do art. 31. da Lei 353, de 1845 citada, a que se refere Teixeira de

Freitas, na Consolidação das Leis Civis (nota 15, ao art. 522), e que oferecia o meio de

purgar o ônus real de que estava gravado o imóvel hipotecado, operando a sua remissão

de acordo com a disposição da Ord. do Liv. 4.º, Tít. 6.º princ. e § 1.º deixou de ter

aplicação desde que o art. 2.º, § 3.º, da Lei 1.237, de 24.09.1864 (reproduzida no

parágrafo supra do art. 2.º do Dec. 169 A) estabeleceu a subrogação do imóvel

desapropriado pelo preço da indenização e fez recair sobre este a hipoteca que vinculava

aquele ao pagamento da dívida, garantida.

54. A opinião sustentada pelo Sr. Lafayette na nota 15 do § 182 do seu Dir. das

Cousas não é aceitável também na hipótese vertente, porquanto a lei manda que a

importância da indenização no caso de desapropriação por necessidade pública, seja

entregue ao desapropriado – e somente depositada – se o proprietário recusar recebê- la


(Lei de 09.09.1826, art. 5.º) e quando a desapropriação se der por utilidade pública – o

depósito é ordenado para o fim da remissão do imóvel (arts. 30, 31 e 32 do Decreto

Legislativo de 12.07.1845).

Se a subrogação do imóvel hipotecado pelo preço é uma realizada jurídica, a

posse da importância que representa o imóvel, não pode ser tirada do poder do devedor

hipotecário, a menos que não se entenda obrigatória, como geral para todos os casos, o

depósito de que tratam os arts. 30, 31 e 32 do Decreto Legislativo de 1845, caso em que

tendo a lei – expressamente – retirado do poder do devedor hipotecário o valor da

indenização – sobre este se deve diretamente exercitar a ação dos credores hipotecários,

– como efeito da subrogação.

Ora este alvitre é inaceitável.

O fundamento da indenização é que “todo aquelle que é causa de damno a

outrem deve- lhe reparação completa” (Código Civil francês art. 1.382; Código Civil

italiano, art. 1.151; Chironi, La culpa nel diritto moderno, culpa extraconttractuale, vol.

1.º, n. 2; Demolombe, vol. 31, n. 456 e seguintes; Laurent, vol. 20, n. 384; Sourdat,

Responsabilité, vol. 1.º, ns. 5 e 4; Martou, Priv. et Hyp., vol. 1.º, ns. 275 a 277; Pothier,

Obrig, vol. 1.º, n. 116 a 122).

A disposição do § 3.º do art. 2.º do Dec. 169 A, de 19.01.1890, tem aplicação

aos casos em que a importância da indenização do dano causado ao bem imóvel

hipotecado é liquidada pela ação civil competente.

Se o dano provém de crime classificado no Código Criminal, a sua reparação,

que será sempre a mais completa possível (art. 22 do Código Penal), deverá ser pedida

por ação civil (art. 68 da Lei de 03.12.1841), observando-se no que forem aplicáveis, as

disposições do Cap. 4.º, do Tít. 1.º, do Código Penal.


O dano proveniente do quase delito repara-se pela ação civil de conformidade

com os princípios que regem no direito moderno – e que se pode ver desenvolvidos com

clareza e proficiência nos autores acima citados: como a lei estabelece, em garantia dos

credores hipotecários, a subrogação do imóvel pelo preço da indenização – pode parecer

que o legislador curou apenas do caso em que o dano fosse completo, isto é, que o

imóvel houvesse desaparecido.

Não é assim. A disposição da lei referindo-se a perda ou deterioração torna

claro que a ficção da subrogação opera-se não somente quanto ao preço do imóvel que

pereceu, como igualmente ao valor da reparação do dano parcial.

A disposição não entende, porém, com os danos contratuais. Estes se reparam

pelos meios que o processo civil fornece, para dar efetividade às cláusulas

convencionais.

O depósito ordenado nos arts. 30 e 31 da Lei de 1845 é um consectário da

medida estabelecida no art. 31, que é de nenhuma aplicação hoje.

A importância da indenização deve ser entregue ao proprietário do imóvel; é

ele o indenizado antes de todos porque tinha o domínio do imóvel e a sua posse. A

hipoteca não lhe tirou: ele conservou ambos até o momento da desapropriação. Os

credores hipotecários têm, sim, o direito sobre o preço da indenização como tê- lo- iam

sobre o da venda em hasta pública: esta, porém, não se operaria senão em ação regular,

onde o ônus real podia ser invalidado – por meio de embargos que atacassem a hipoteca

em sua substância, em seu modo de constituição. Por embargos não são, nem podiam

ser, repelidos pela mesma lei apesar do rigor farisaico de que usou esta contra o

devedor.
55. A indenização pode ser devida por dano originário de fato sujeito à sanação

da lei penal ou de ato que escapa a tal sanção, mas que sendo danoso autoriza o pedido

de reparação.

São os casos de aplicação da difícil doutrina da indenização do dano causado

pelos delitos e quase delitos, que no direito moderno se tem estudado com a solicitude

que demanda a dificuldade do assunto.

Só pode hipotecar quem pode alhear. Os imóveis que não podem ser alheados,

não podem ser hipotecados. (§ 4.º do art. 2.º).

58. Só pode hipotecar quem pode alhear.

A razão desta disposição não está tanto em ser a hipoteca um princípio de

alheação; um desmembramento do domínio, noção modernamente combatida; (h) mas no

(h)
Que a hipoteca não é no direito moderno um desmembramento do domínio e muito
menos, um princípio de alienação sustenta-o Demolombe (vol. 9.º, ns. 471 e 472).
É incontestável que é um direito real; a seqüela é prova disso, apesar da convicta e
animada argumentação de Marcadé (vol. 2.º, ns. 360 e 361) que firma o conceito de que a
hipoteca é um simples crédito de dinheiro contra um imóvel (Op. cit., n. 363).
Que ela importa em um desmembramento do domínio entende Demolombe ser nolão
incorreta, repelida pela natureza das coisas.
Se se deve considerar como domínio, o direito real por excelência, o conjunto do jus
utendi, fruendi e abutendi não importando a hipoteca o exercício de qualquer destes direitos,
não pode ser considerada um desmembramento, ma desagregação dos elementos do domínio.
O devedor hipotecário tem completos o jus utendi e o jus fruendi; a limitação ao jus
abutendi não entende propriamente com o exercício deste, mas com os consectários decorrentes
deste exercício.
Efetivamente qual a conseqüência da danificação do imóvel hipotecado? da demolição
do edifício sobre o qual assentou a hipoteca?
O direito do credor pedir reforço, se o valor do imóvel danificado, ou do solo sobre o
qual estava erguido o edifício demoligo não for suficiente para garantir a dívida; somente no
caso de recusar om devedor o reforço, poderá o credor acioná-lo havendo-se a dívida
hipotecária por vencida. (§ 2.º, do art. 4.º, do Dec. 169 A, de 19.01.1890).
Se o credor não tem meios de impedir que o devedor hipotecário danifique o imóvel
hipotecado – mesmo demolindo o edifício construído sobre o solo hipotecado, se apenas resta-
lhe o direito de pedir reforço e só no caso de recusa deste pode requerer o seqüestro, porque só
então a dívida reputa-se vencida – como duvidar de que o devedor tem, em sua plenitude, o jus
abutendi, revelado em sua mais enérgica manifestação?
Qual dos elementos do domínio se desagrega para constituir a hipoteca?
A verdade é que a hipoteca não importa o exercício de qualquer dos elementos do
domínio como acontece com as servidões do uso, da habitação e do usugruto, e com a enfiteuse
em as quais o desmembramento do domínio dá-se de modo preciso.
O devedor hipotecário pode usar, gozar e alienar o imóvel hipotecado; ao credor não é
lícito exercitar nenhum dos elementos do domínio; como dizer eu é ele possuidor de uma
parcela do direito de propriedade desmembrada por força do contrato hipotecário do domínio do
devedor?
No rigor da lei civil inglesa o devedor hipotecário é considerado mero possuidor em
nome do credor, que pode, quando lhe apraz, tirar o devedor da posse, por despejo, ou por outro
qualquer meio judicial. “Technically speaking, the mortgagos has, at law, only a mere tenancy,
and that is subject to the right oh the mortgagee to enter immediately, and at his pleasure, if
there be no agreement to the contrary. He mau, at any time when he pleases, and before a
default, put the mortgagor out of possession, by ejectment, or other proper suit. This is the
Engish doctrine, and I presume it prevails very extensively in the United States”. (Kent‟s
Commentaries on American Law, vol. 4.º, n. 155).
A eqüidade não deixou de modificar essa severidade e segundo a sua doutrina a
hipoteca é considerada uma simples garantia da dívida e não afeta de modo algum o domínio do
devedor. “The equity doctrine is, that the mortgage is a mere security for the debet, and only a
chatell interest, and that until a decree of foreclosure, the mortgagor continues the real owner of
the fee”. (Kent‟s Commentaries, vol. 4.º, n. 160).
A generalidade dos escritores considera a hipoteca como um desmembramento do
domínio.
Laurent opina nesse sentido porque – “le débiteur qui a donné um immeuble em
hypothèque n‟am plus sur as chose le pouvoir absolu qui caracterise la proprieté; il ne peut plus
em disposer comme le propietaire em la detruisant, il ne peut plus em jouir, ni l‟administrer
comme il l‟entead quand même il agirait em bom père de famille” (vol. 30, n. 174).
Nada menos exato, no rigor do direito, como já o fizemos ver.
Martou não tem igualmente fundamento jurídico para afirmar que é meramente de
palavras a diferença entre o direito real de seqüela e o direito real que importa desmembramento
do domínio (n. 690).
A seqüela tem como fim único proporcionar ao credor um meio eficaz de tornar efetiva
a hipoteca, a garantia real, habilitando o credor a ir vender o imóvel e pagar-se do preço
respectivo, esteja ele em poder de terceiro; qualquer dos elementos que constituem o domínio
tem maior compreensão e o seu exercício põe embaraços às funções dominicais.
A afirmação de que a hipoteca é um desmembramento do domínio falsea, pois, a noção
jurídica da hipoteca.
O que doutrina o Sr. Lafayette, no seu Direito das Cousas (§ 175, n. 3), é prova da
exatidão da nossa asserção. O poder se sujeitar a coisa a qualquer destino a que ela se preste não
é de per si só faculdade característica do domínio tanto que existe no possuidor, a título
precário, no detentor em nome alheio. O Sr. Lafayette referindo-se as servidões (nota 15 do §
175) como desmembramentos do domínio exemplificou bem o princípio que emitira no texto
nestas palavras: “A hypotheca não póde ser estabelecida senão por quem tem o domínio e o
domínio resume em si todos os direitos de que são susceptiveis as cousas corporeas”.
Fir-se-á: a que fica reduzido o direito real da hipoteca? E a seqüela? Não é mais
enérgica manifestação do jus in te aliena?
Alomgamo-nos um pouco no estudo da questão: se ela é doutrinal, não lhe falta
interesse prático: como poder resolver as grandes controvérsias que ainda hoje oferece a
hipoteca se não procurar conhecer a sua estrutura jurídica?
Em resumo o fundamento jurídico da opinião de Demolombe é de incontestável
procedência.
O poder de sujeitar a coisa a qualquer destino a que ela se preste, não assiste de modo
algum ao credor hipotecário, este não tem o jus utendi; ainda na anticrese este direito não existe
de modo absoluto: segundo a nolão moderna da anticrede esta só confere ao credor a detenção
do imóvel como garantia da percepção dos grutos para o efeito de aplicá-los à remissão da
dúvida depois de compensados os juros. (Código Civil francês, art. 2.085; Código Civil italiano,
arts. 1.091 e 1.095; Mourlon, vol. 3.º, ns. 1.226, 1.227 e 1.231, § 2.º).
É esta noção a que passou para o nosso direito hipotecário atual o qual somente confere
ao credor anticrético a posse a título precário, para administra o imóvel e aplicar os frutos ao
pagamento das anuidades da dívida e gastos da administração. (Dec. 380, de 02.05.1890, arts.
341, § 2.º, e 352, segunda alínea, in fine).
O fundo substancial da hipoteca é conferir ao credor a faculdade de tornar efetivo o seu
direito, ainda que os bens do devedor tenham saído do poder deste para o de terceiro. Isto
objeto da hipoteca. Se o devedor hipotecário não tivesse, quando celebrou o contrato

hipotecário, a faculdade legal de dispor de seus imóveis, não poderia fazer destes objeto

de uma convenção que tem como intuito a venda dos mesmos, pois, a hipoteca só tem

por fim garantir o pagamento da dívida pelo preço do bem hipotecado.

57. Todos os que não têm a livre faculdade de dispor de seus bens estão

compreendidos na proibição da lei. Os preceitos do nosso direito civil vedam às pessoas

alieni juris (como os menores órfãos e filho de famílias) e aos que se acham sob a

administração alheia (os interditos) alienar por qualquer modo seus bens de raiz.

Os doutrinadores considerando, porém, que esta incapacidade não é absoluta

mas simplesmente relativa e criada no interesse e em benefício dos menores e interditos

constitui apenas para o devedor uma limitação ao direito de transferir, sem ônus, os seus
imóveis hipotecados; mas não importa investir o credor no exercício de quaisquer dos elementos
do domínio. No direito romano o devedor hipotecário conservava o direito de usar da coisa e de
apropriar-se dos frutos (Leis 22, § 2.º, e 35, § 1.º, D. de pign. action; L. 12 por D. de distract
pign. L. 21, § 2.º, D. de pignorib. e L. 22, § 1.º, de novalib. action); de reivindicá-la, ainda do
credor hipotecário (L. 36 D. de adq vel ammit posses, L. 40 princ. D. de pignorab. action; L.
205 D. de reg. jur; Const. 10, cod., de pign. action; Const. 9.º, cod., de pigni et hupoth.) O
direito essencial que a hipoteca conferia ao credor era o de fazer vender a coisa gravada e de se
pagar pelo preço; enquanto não usasse desse direito a hipoteca não autorizava nenhum poder
sobre a coisa (Maynz, § 161; se o credor usasse ou dispusesse dela, podia incorrer a ação de
furto (L. 54, princ. D. de furtis; Instít. de oblig, quae ex delictis nascuntur, § 6.º); o direito do
credor hipotecário, consistindo no direito romano em pagar-se pelo preço da coisa, concedia-se
ao credor uma vigilância sobre a situação da coisa; em virtude disso é que ele podia usar utiliter
das ações negatória, confessória, finium regundorum e communi dividundo (Leis 16 D. de
servit, 9 de operis nov. nunt; 1.ª § 5.º de remission, 4.ª § 9.º D. finium regund, 7 § 6.º D. comm.
divid.) e da ação de furto (L. 12 § 2.º D. de condict furt, Leis 15 princ. e 87 D. de furtis e Leis
17 princ. e 30 § 1.º D. ad levem aqyuiliam).
No direito moderno esse direito era garantia do devedor ao qual restituía se o excesso de
preço sobre a dívida (Maynz, § 161) Veja Ortolan, vol. 1.º, n. 234).
só admitiam a anulação da venda, quando decretada em virtude de reclamação deles ou

de seus tutores e representantes legais (L. 13 e 29 D. de act. empt.; B. Carn., Liv. 1.º,

Tít. 26 § 224 ns. 6 e 7, Biret, Traité des nullités, 1.º, p. 15, 28 e 33), e tornavam a

hipoteca ratificável depois da maioridade ou da cessação da interdição e em tal caso a

ratificação retrotraindo os seus efeitos até à época do contrato validava a hipoteca desde

sua data. A ratificação pode dar-se de modo expresso ou tácito. O fato de não usar da

reclamação dentro de cinco anos, depois da maioridade, importa por parte do devedor

hipotecário, ratificação da hipoteca. (L. 3.ª, Cód. Si major factus alieni, Silva a Ord. do

Liv. 3.º, Tít. 42, § 2.º, ns. 3 a 7; B. Carn., Liv. 1.º, Tít. 27, § 239, n. 43; Paul Pont, vol.

11, n. 616).

O Dec. 370 de 02.05.1890 torna os menores e interditos aptos para

hipotecarem, desde que o façam com autorização do juiz dos órfãos e seja transcrito na

escritura o alvará (art. 119, par. ún., b); esta disposição compreende todos aqueles que a

lei julga incapazes de alienar imóveis tais como:

a) os emancipados com suplemento de idade (Ord. do Liv. 1.º, Tít. 88, § 28);

b) os casados menores de 21 anos (Ord. cit. e Resolução de 31.10.1831);

c) os casados com mulheres menores de 21 anos, pela razão de não poder dar

outorga para a constituição de um direito real quem não pode constituir-o e não ser a

faculdade de obrigar-se suficiente para fundamentar o ato jurídico que importa a

consignação do imóvel ao pagamento da dívida pelo seu preço ou valor venal, além de

que a lei exige para hipotecar ter a faculdade de alienar.

58. O falido não pode hipotecar seus imóveis da data da publicação da sentença

da falência em diante, por que desde essa época fica privado da administração e
disposição de seus bens (art. 18 do Dec. 917, de 24.10.1890, Paul Pont, vol. 2.º, n. 620);

as inscrições e transcrições feitas depois da decretação do seqüestro ou da declaração da

falência são nulas (Dec. 370, de 02.05.1890, art. 129; Dec. 917, de 24.10.1890, art. 29,

f): de onde resulta que a hipoteca celebrada no espaço de tempo que mediar entre a

sentença e a sua publicação será sem efeito para com terceiros, porque a publicidade dos

mesmos depois da sentença da abertura da falência é nula.

A hipoteca contratada, dentro do termo legal da falência fixado de

conformidade com o art. 6.º, b, da Lei 917, de 24.10.1890, para garantir dívida anterior

ao referido termo é igualmente nula. (Dec. 370, de 1890, art. 127, Dec. 397 de 1890, art.

29, c; Dir. das Cousas, § 215, n. 2).

A que houver sido contratada antes da abertura da falência, para garantir dívida

contraída no mesmo ato é válida: (Dec. 370, de 1890, art. 128, Dec. 917, de 1890, art.

29, c).

Os bens do falido que não estão sujeitos à responsabilidade das dívidas do

mesmo, como os dotais, os parafernais da mulher, os dos filhos e os que ele houver

adquirido por doação ou legado com a cláusula de não responderem por quaisquer

dívidas excepcionam o preceito da art. 18 do Dec. 917, de 1890, e podem ser

hipotecados (Decreto citado, parágrafo único do art. 18; Dir. das Cousas, § 213, n. 3;

Pont, vol. 2.º, n. 620).

59. As pessoas que não forem comerciantes e tiverem caído em estado de

insolvência, tem a livre disposição de seus bens e podem hipotecar seus imóveis. (Pont,

vol. 2.º, n. 622; Dir. das Cousas, § 215, n. 4, Zacharias, § 266; Troplong, vol. 3.º, n.

661).
Os arts. 20 do Dec. 169 A, de 19.01.1890, e 380 do Dec. 370, de 2 de maio do

mesmo ano, declaram sujeitos à falência todos aqueles que hajam caído em insolvência

se tiverem assinado efeitos comerciais ou contraído dívidas hipotecárias ou de penhor

agrícola.

Se prevalecessem estas disposições a conseqüência seria ficarem tais pessoas

equiparadas aos negociantes falidos e privadas do direito de hipotecar os imóveis desde

que fosse proposta ação para a cobrança das dívidas e se desse o seqüestro dos bens.

Tais preceitos da legislação hipotecária não podem ser considerados em vigor

desde que o art. 1.º do Dec. 917, de 24.10.1890, determinou que só o comerciante pode

ser declarado em estado de falência e que o § 2.º do mesmo artigo dispôs que as dívidas

civis não autorizam, de per si só, a declaração da falência.

60. O poder de hipotecar supondo, segundo a lei, o de alienar, não pode

hipotecar quem só tem a faculdade de administrar. (Pont., 2 - 632 e 633; Laurent, vol.

30 - 483 e 484).

Assim, o pai que é administrador dos bens que constituem o pecúlio adventício

dos filhos. (Ord. do Liv. 4.º, Tít. 97 § 19 e Tít. 98 § 7.º) não pode hipotecá- los porque

não pode aliená- los (B. Carneiro, § 188); a opinião contrária de Pont (2, n. 635) carece

de fundamento (Laurent, vol. 30, n. 484).

Na sua qualidade de administrador pode apenas o pai recorrer ao juiz e este

conceder- lhe autorização pare hipotecar os imóveis do filho, se ficar provado que daí

provém vantagem para o menor ou que haja necessidade de solver dívida urgente e

evitar execução iminente.


61. Os inventariantes não podem hipotecar sem o consentimento de todos os

herdeiros, porque sem tal consentimento não podem alienar (Dir. das Cousas, § 218, n.

5; C. da Rocha, vol. 2.º, nota U).

As ordens terceiras e irmandades e quaisquer associações religiosas podem

hipotecar seus bens segundo os preceitos de direito comum (art. 72, § 3.º, da

Constituição da República, e art. 19, par. ún., letra a, do Dec. 370, de 1890).

62. Imóveis que não podem ser alheados.

Os bens inalienáveis não podem servir de base ao crédito do devedor que, não

tendo a faculdade de dispor deles, não pode tornar efetiva a garantia dos credores pela

aplicação do produto da venda ao seu pagamento (Pont, Hypoth., vol. 1.º, ns. 349 e 355,

Laurent, vol. 30, n. 195); este princípio fundamental domina a matéria (Martou, vol. 2.º,

n. 714).

Assim os bens do domínio público e privado do Estado, os consagrados ao

culto da divindade, os cemitérios (P. Pont, 1 - 350); Troplong., Hyp., vol. 2.º, n. 412)

estão excluídos da hipoteca.

As concessões para edificações e estabelecimentos sobre o solo do domínio

público conferem um direito pessoal; tais edifícios não podem ser objeto de hipoteca; a

opinião em contrário sustentada por Pont (1 - 350) não tem procedência no nosso

direito, apesar de apoiada na de Troplong (Hyp., 2 - 412) e em um julgado da corte de

Caen que declarou permissível a hipoteca em um estabelecimento de salinas autorizada

pelo governo sobre as praias do mar.

Os imóveis dotais, sendo o dote sem estimação – venditionis causa (Pont, 1 -

351 e 352; Dir. das Cousas, 2 - § 178) não podem ser hipotecados.
Os imóveis penhorados.

A opinião de Pont (1 - 353) não tem apoio no nosso direito, porque a penhora

afeta os bens à solução de uma dívida reconhecida por sentença; não pode m tais bens

ser objeto de um direito real que, por sua vez, afetá- los- ia à solução de outra dívida,

com violação do decreto judicial que sobre eles estabeleceu um vínculo jurídico

somente resolúvel pelo pagamento da condenação.

Os imóveis que, por qualquer fundamento aceitável em direito, são

intransferíveis (Pont, 1 - 355), como os que forem doados ou legados com a cláusula de

não poderem ser aplicados à solução das dívidas do donatário ou do legatário. (Pont, 2 -

617).

Os bens que forem objeto de substituição podem ser hipotecados?

Não podendo ser alienados não podem ser hipotecados; a disposição é

genérica, não abre largas a exceções.

Os edifícios construídos em solo alheio não podem ser hipotecados. Eles

pertencem ao dono do solo, por acessão artificial; o proprietário dos materiais

empregados e da mão-de-obra tem apenas um direito pessoal, para haver a indenização.

(Dir. das Cousas, nota 8 ao § 179; Laurent, 30 – 214; Martou, 3 – 955): a opinião em

contrário de Pont carece de fundamento jurídico.

§ 5.º Ficam em vigor as disposições dos arts. 26 e seguintes do Codigo

Commercial sobre a capacidade dos menores e mulheres casadas comerciantes, para

hipotecarem imóveis.

63. O filho família maior de dezoito anos não pode hipotecar, salvo sendo
comerciante, autorizado por seu pai, em escritura pública; o maior de vinte e um anos

associado ao comércio de seu pai, ou que tiver levantado estabelecimento comercial

com autorização por escrito de seu pai, pode hipotecar porque pode também alienar.

Esta faculdade é, porém, restrita às transações comerciais. (Código do Comércio, art.

26).

64. O maior de vinte anos emancipado por suplemento de idade, nos termos da

Ord. do Liv. 3.º, Tít. 42, não pode vender bens imóveis, não é conseguintemente capaz

de hipotecar (Ord. do Liv. V, Tít. 88, § 28). Em posição igual acha-se o casado menor

de vinte e um anos.

O juiz da primeira instância (Lei de 22.09.1828, art. 2.º, § 4.º, Decretos 1.030,

de 14.11.1890, art. 50, § 4.º; 1.334, de 28.03.1893, art. 16; e 2.579, de 16.08.1897, art.

5.º, § 1.º, VIII, b) pode conceder autorização para tal fim (Dec. 370, de 02.05.1890, art.

119, b). Tais menores, sendo comerciantes, podem alienar e hipotecar os bens de raiz,

para fins comerciantes, sem necessidade do consentimento de pessoa alguma, porque

podem comerciar. (art. 1.º, n. 2, do Código do Comércio).

65. O nosso direito mantém a mulher sob o poder do marido; que é o chefe da

sociedade conjugal.

A mulher não tendo o exercício dos direitos civis não pode alienar nem

hipotecar bens de raiz, ainda seus próprios, sem consentimento do marido, salvo os

doados sob a condição de dispor deles livremente, exceção que confirma a regra geral

em contrário. (Lafayette, Dir. de Família, § 42; C. Bevilaqua, Dir. de Família, §§ 27, f,

e 28).
Duas exceções abre a lei a esta incapacidade:

a) A da Ord. do Liv. 4.º, Tít. 66. O imóvel que a mulher casada reivindica da

concubina de seu marido, cai sob o seu exclusivo domínio, e ela dispõe dele sem

dependência do consentimento do marido, porque fá-lo como se não fosse casada.

b) A do Código do Comércio. O art. 27 confere à mulher casada a faculdade de

alienar e hipotecar seus imóveis, ainda dotais, (i) se for comerciante tendo mais de 18

anos e autorização do marido dada em escritura pública. O exercício habitual da

mercancia é condição desta exceção. (j)

(i)
O Sr. Lafayette censura com justa razão a disposição do Código do Comércio que
permitte à mulher casada comerciante hipotetcar os imóveis dotaes, que tem no casal um destino
que semelhante faculdade impede de preencher (Dir. das Cousas-, nota 6 ao § 213) e lastima
que o nosso legislador não se houvesse atido ao preceito prudente do art. 7.º do Código do
Comércio francês, que proíbe a alienação e a hipoteca dos bens dotaes quando o casamento
houver sido celebrado sob esse regime. Tais bens são absolutamente inalienáveis no direito
francês; seu rendimento tem o mesmo caráter, eles escapam aos credores, ainda depois da
dissolução do casamento, se os credores o forem por dívida contraída na constância do mesmo.
(Alauzet, vol. 1.º, 85).
O art. 120 do Dec. 370 citado, na 2.ª alínea refere-se, revogando-a – à disposição do art.
60, do Dec. 181, de 24.01.1890, que limita a faculdade conferida pelo art. 27 do Código do
Comércio às mulheres comerciantes antes do casamento.
(j)
O Código do Com. italiano contém (art. 14) disposições mais cautelosas que o nosso.
À mulher casada permitte hipotecar todos os bens imóveis, que lhe são proprios; quanto
aos dotaes a faculdade lhe é somente concedida nos casos o com as formalidades do Código
Civil. Bem longe de estabelecer preceito de excepção às regras do direito civil o Código do
Comércio italiano sujeita a alienação dos bens dotaes da mulher – ainda quando commerciante –
aos princípios daquele direito que dominam a matéria.
Segundo o Código Comercial português de 1888 é conferida à mulher casada que for
comerciante o poder de hipotecar seus bens próprios não dotaes, sem dependência de
autorização do marido, contanto que seja por causa de seu comércio (art. 16).
O Código Comercial espanhol de 22.08.1885 mandado vigorar desde o 01.01.1886
autoriza a mulher comerciante a hipotecar não somente seus bens próprios e pessoais, mas ainda
Não pode, porém, hipotecar os imóveis comuns, nem os que forem de

propriedade exclusiva do marido. (Dir. das Cousas, § 213, n. 2, e nota 7; Dec. 370, de

02.05.1890; art. 120). Esta faculdade tem a mulher sendo comerciante antes de casar

(art. 60, do Dec. 181, de 24.01.1890).

§ 6.º O domínio superveniente revalida desde a inscripção as hipotecas

contraídas em boa fé pelas pessoas, que com justo título possuiam os imóveis

hipotecados.

66. As duas condições capitais para ter-se a faculdade de hipotecar são: o poder

de alienar e o domínio.

Este de per si só, já o vemos, não supõe o primeiro, mas não é admissível a
alienação da coisa alheia.
Quer para os que entendem que a hipoteca é um começo de alienação, um
desmembramento do domínio; quer para os que vêem nela apenas em direito real, que
tem por objeto a segurança do cumprimento da obrigação, e como tal é subsidiária e não
sobrevive à solução da mesma obrigação, o domínio é condição substancial do poder de
hipotecar.
A hipoteca da coisa alheia é radicalmente nula – quum conveniat rem in bonis
debitoris fuisse (L. 15 § 1.º D. de pignor. et hipoth.) per alium rem alienam invito
domino pignori obligari non posse certissimum est. (L. 6, Cód. si aliena res pignor);
mas se o devedor adquiria depois a propriedade do imóvel que hipotecara, operava-se o

os comuns (art. 10).


O Código do Comércio argentino (arts. 14 e 19) confere à mulher casada, quando
autorizada a comercial pelo marido de maior idade e constando a antorização de escritura
pública, a hipotecar os imóveis de sua propriedade; para garantia das obrigações que contrair
como comerciante, torna, porém, a procedência do contrato hipotecário dependente da prova,
dependente da prova, por parte do credor de que o intuito foi garantir um ato de comercio (art.
19, 2.ª alínea).
que os Glosadores denominavam a reconciliatio pgnoris – isto é, concedia o direito
romano, reconhecendo e validando o vinculum hipotecário – ex equitate – uma utilis
actio hipotecário – ex equitate – uma utilitis actio hipotecária (não direta que dependia
de hipoteca valida ab initio) ao credor – pignoris persequendi gratia.
Esta eqüidade do direito romano passou para o direito da Europa medieval e

foi o assento da jurisprudência que Troplong atesta achar-se em vigor, em França, no

tempo em que ale escreveu (vol. 2.º, n. 521).

67. O preceito acima transcrito do Dec. 169 A, de 19.01.1890, faz depender a

revalidação da hipoteca de duas condições: boa fé do devedor quando hipotecou e justo

título, o que importa dizer que a lei somente revigora a hipoteca eivada de um vício

radical de origem, quando a posse do devedor hipotecário revestir-se dos requisitos

necessários para a usucapião; fora disso a hipoteca é nula.

Se na falta do justo título o devedor adquirir o domínio do imóvel hipotecado,

por meio da prescrição trintanária, a hipoteca convalesce porque tal prescrição supre o

título.

O direito romano validava a hipoteca, dando-se o domínio posterior da coisa,

ainda no caso de estar o devedor hipotecário de má-fé (Leis 9, § 4.º, e 22, § 2.º, D. de

pignoratitia action, vel contra).

Perante o legislador de 1890 prevaleceu a opinião da glosa de que Accursio se

fizera pregoeiro e que Cujacio qualificara de frivolidade (quasi in hanc rem Accursii

nugas): mas a boa-fé exigida é unicamente a do devedor; a má-fé do credor em nada

influi sobre o nexum contraído, nem sobre o efeito da hipoteca (Dir. das Cousas, § 216,

nota 5; Troplong, Hypoth., vol. 2.º, n. 525); é este o sentir de intérpretes da autoridade

de Voet, em face do texto de Papinianno, objeto de graves contestações, quanto ao


sentido a dar-se a expressão difficilus nela empregada, a qual Cujacio e Pothier

entendem que só pode ter um sentido negativo, isto é, o de recusar a ação ao credor que

sabia não ser o devedor proprietário do imóvel, quando o hipotecou.

O princípio consagrado na disposição supra do Dec. 169 A, não teve a

aceitação da Lei belga, de 1851, antes o preceito da 1.ª alínea do art. 78 proibindo a

hipoteca dos bens futuros, não visou outro intuito senão obviar às dificuldades que havia

suscitado o art. 2.129 do Código Napoleão, o que se vê das expressões do relator

(Lelièvre) da comissão da câmara dos representantes belga. “A hipoteca não podendo

ser estabelecida senão sobre bens pertencentes atualmente o devedor, segue-se que a

hipoteca constituída sobre os bens de outrem, será nula ainda quando aquele que a

contratar venha a tornar-se proprietário do imóvel. Oferecendo o artigo assim redigido a

comissão cortou a dificuldade levantada a tal respeito, etc.

“Toda a confirmação, diz Martou (vol. 3.º, n. 100) supõe a preexistência de um

germe, de um começo de direito; não se confirma, não se consolida o nada. Pois bem,

no momento em que deu em hipoteca a coisa pertencente a outrem, ele não tinha sobre

ela direito algum, nenhuma esperança, nem uma eventualidade de direito, etc.”

É este o sentir de Laurent (vol. 30, ns. 467 a 474), Aubry et Ra u (vol. 8.º, §

266, notas 5, 8 e 10), Paul Pont (vol. 2.º, ns. 627 e 628), Duranton (vol. 19, n. 367),

Thiry (Droit Civil, vol. 4.º, n. 512).

Prevalecerão na redação do Dec. 169 A, as opiniões de Merlin e Troplong.

O Código Civil argentino vedou a hipoteca dos bens que não se acharem sob o

domínio do devedor e tornou nula a hipoteca de bens alheios, ainda que posteriormente

caiam sob o domínio do devedor, por qualquer meio, mesmo por herança.

Sarsfield dá, nestes termos, o fundamento da disposição do Código argentino:


“No referiendose la adquisición que el constituyente hiciera ulteriormente del

immueble, á ningun titulo anterior eu su persona; no se puede atribuir a esa adquisición

el caracter y los efectos de una confirmación tacita de la constitucion hipotecaria”.

O Código Civil do Chile permite a hipoteca dos bens futuros, a inscrição fica

suspensa e só realiza-se à proporção que os bens forem sendo adquiridos (art. 2.413).

68. Os efeitos da hipoteca contam-se da data da inscrição, época à qual

retrotrae-se o direito real; a prelação sobre quaisquer outras hipotecas estabelece-se,

segundo o preceito geral da lei (art. 9.º do Dec. 169 A, de 1890) pelo fato da inscrição.

É assim que o credor hipotecário terá, na hipótese vertente, preferência quer

sobre os credores por hipoteca do mesmo imóvel celebrada após a aquisição do

domínio, pelo atual devedor hipotecário, quer sobre os credores hipotecários, de anterior

proprietário do imóvel, se a hipoteca não houver sido inscrita.

“Mas as hipotecas anteriormente constituídas pelo verdadeiro dono perimem as

que forem estipuladas pelo possuidor. A razão é manifesta, a hipoteca constituída pelo

dono é desde sua data válida, não se desfaz por ato posterior translatício do domínio.”

Estas proposições do Sr. Lafayette (§ 216, do Dir. das Cousas) somente são

aceitáveis referindo-se aos efeitos da hipoteca entre as partes contratantes, e não aos

terceiros; contra estes só valerá a hipoteca inscrita, ainda que consolidada pelo fato do

domínio subseqüente.

O princípio defendido por Maynz, a que se refere o Sr. Lafayette, era de inteira

procedência no direito romano, onde a validade da hipoteca não dependia – em

referência aos terceiros – de sua publicidade.

O que doutrina Troplong (n. 526) deve ser entendido de acordo com este
princípio: o fim da inscrição não é outro senão conceder a prioridade ao credor – ainda

posterior – que registra o seu título hipotecário.

Sem a inscrição não há, no regime atual, possibilidade de preferência; os

credores entram em rateio, pois, que a data da constituição da hipoteca não fundamenta

a prelação e os dois credores hipotecários, na hipótese figurada, são, em referência um

ao outro, terceiros.

A prelação não sendo efeito essencial da hipoteca, como o é a seqüela, pode ser

sujeitada às modalidades e restrições que ao legislador aprouver. O princípio exarado no

§ 1.º do art. 9.º do Dec. 169 A, de 1890, é de rigor jurídico incontestável.

69. Se o devedor depois de se haver tornado proprietário, vender o imóvel

hipotecado, o direito de seqüela do credor inscrito não sofre alteração.

Este ponto que os comentadores do direito romano resolvera m com grande

critério jurídico, apoiando-se na opinião de Cujacio, era consagrada nos textos que

concederam a utilis actio rei perscutoria ao credor, no caso vertente, como já o fizemos

sentir.

“Rem alienam pignori dedisti: deindé dominus rei ejus esse coepisti. Datur

utilis actio pignoratitia creditori (L. 41 D. de pignor. actione).

Cum res, quae necdum in bonis debitoris est, pignore data ab eo, postea in

bonis ejus esse incipiat: ordinariam quidem actionem super pignore non competere,

manifestum est: sed tamen aequitatem facere ut facile utilis persecutio exemplo

pignoratitia detur” (L. 5.ª Cod., si aliena res).

A doutrina moderna, resistindo a um ou outro julgado mal fundado (Troplong,

n. 524, bis) tem acudido, em prol dos sãos princípios e firmado a regra que já o
legislador de 1864 consagrou (art. 9.º, da Lei 1.237, de 24 de setembro): que o credor

inscrito conserva o seu direito se seqüela contra todos os adquirentes dos bens

hipotecados e contra os credores hipotecários não inscritos, ou posteriormente inscritos,

que os seqüestrarem.

70. É admissível a hipoteca de imóvel sujeito a domínio resolúvel?

A condição resolutiva pode provir ex-causa voluntária ou ex-causa necessária.

Não é arbitrária a distinção e os seus efeitos práticos salientam-se em hipóteses

muito freqüentes no trato diário do foro.

Aquele que recebe a doação do imóvel, e que incorre em qualquer das causas

legais de revogação da doação com o fundamento da ingratidão tem o domínio resolúvel

ex-causa voluntária.

Se ele tiver hipotecado o imóvel, ainda que o domínio deste se transfira

novamente ao doador, a hipoteca subsiste; porque não for a justo que se deixasse ao

arbítrio do devedor ser a coisa efetivamente obrigada, ou não, ou como dizia a glosa:

quia in debitoris arbitrio esse non debet an res sit obligata, necne; expressões que

comentavam o final do rexto de Ulpiano, principal assento da matéria: ubi sic res

distrata est, nisi emptoris displicuisset, pignus finiri non putet. (L. 3.ª Dig. quibus modis

pignus, vel. hypotheca solvitur) (Troplong, 2 - 466; Laurent, 30 - 478, 479 e 480).

Não provindo, no caso figurado, a resolução do direito de propriedade ex-causa

necessaria antiqua et primæva, mas sim ex-causa voluntaria, posterior ao contrato, o

credor hipotecário não pode sofrer prejuízo – nemo alterius facto prægravari debet

(Martou, 3 - 969).

Se a resolução do domínio opera-se por causa necessária a hipoteca caduda,


segue a condição do domínio.

Aquele que compra um imóvel sob reserva da cláusula redimendi feita pelo

vendedor (Ord. do Liv. 4.º, Tít. 4.º pric.) pode hipotecá- lo; desde, porém, que o

vendedor faça efetivo o seu direito a propriedade passa para ele, livre de qualquer

encargo que lhe houvesse imposto o primitivo adquirente (Pont-Mascadé, 11-644).

O herdeiro testamentário – se o testamento que o instituiu é posteriormente

anulado, pode ter gravado com hipotecas os imóveis da herança; estes, porém, passarão

aos herdeiros legítimos, vencedores da ação de nulidade, livres de tais hipotecas que

cadudam (Troplong, 2 - 408, in fine; Martou, 3 - 966 e 970; Laurent, 30 - 478).

71. A condição suspensiva – suspende a transferência do domínio até a

incidência de um acontecimento futuro e, segundo os princípios que regem a matéria,

enquanto pende a condição, enquanto não se realiza o fato a coisa não é devida, ela

permanece em poder do devedor (Troplong, 2 - 468, quater; Laurent, 30 - 476).

É a solução que deve dominar no nosso direito.

O que expende Troplong, no lugar citado, apóia-se no direito romano, que

considerava como adquirido o direito deferido, e dava à expressão pertinere a latíssima

compreensão das coisas que pudessem ser adquiridas. É o que se vê no texto de

Pomponio (Lib. 181, Decreto de verborum significatione): pertinete ad nos etiam eo

dicimus, quæ in nulla earum causa sint, sed esse possint.

A atualidade do domínio dá-se no caso do domínio resolúvel, não se dá no

domínio em expectativa; e à moderna noção da hipoteca repugna que a mesma tenha

assento no domínio não existente, como é aquele que está dependente de uma condição

suspensiva.
O próprio Troplong (2 - 468, quater) repele a aplicação da noção romana, que

aceitara anteriormente (n. 468 ter) ao caso da condição suspensiva quando diz: “Qu‟est

ce qu‟une, condition suspensiva? Toutes les notions les plus élémentaires me repo ndent

que c‟est cena qui suspend 1‟effet de la disposition jùsqu‟à 1‟événement d‟un fali futur.

Tant que 1‟événement n‟est pas arrivé, tant que la condition est pendante, la chose n‟est

pas due; le crèancier n‟en jouit pas: elle est dètenue par le debiteur. Le créancier ne peut

en demandes la délivrance que lorsque la condition est accomplie auparavant, il n‟a

qu‟une espérance sus la chose, spes est debitum iri.”

No nosso direito, vê-lo-emos quando tratarmos das hipotecas convencionais, o

domínio dependente de condição suspensiva não autoriza a hipoteca. A opinião em

contrário do Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, § 219, n. 12) não pode ser defendida.

72. Aquele que tem o direito de reivindicar um imóvel pode hipotecá- lo?

A sentença que condena o detentor à restituição do imóvel não cria, reconhece

apenas o domínio do reivindicante; aquele que tem a ação de reivindicação supõe-se que

a utiliza, que a exercita em virtude do domínio que tem e conserva, apesar da posse

alheia.

É este o fundamento jurídico que Laurent desenvolve nos seguintes termos:

“Cela n‟est pas douteux; en effet, 1‟usurpation de mon d‟roit ne me dépouille

pas de mon droit; je suis et je n‟ai jamais cessé d‟être propriétaire. Qu‟importe que je

deive agir en justice si l‟usurpateur veut se mainte nix en possession? Le juge en me

donnant gain de cause, décidera que je n‟ai jamais cessé d‟être propriétaire car les

jugements ne font que déclarer les droits des parties, ils ne leur en atribuint aucun; la

consequente en sera que l‟hypothèque par moi constituée sera parfaitement valable,
puisqu‟elle a eté consentie par celui a qui 1‟immeuble appartenait actuellement, comme

le veut la loi”. (Laurent, 30 - 475).

O Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, § 219, n. 4) entende que a parte que tem o

direito de reivindicar um imóvel pode hipotecá- lo.

O nosso direito escrito não se conforma com esta resolução, só admitindo a

hipoteca do imóvel que pode ser alienado pelo hipotecante (Dec. 169 A, de 19.01.1890,

art. 2.º, § 4.º, Dec. 370, de 2 de maio do mesmo ano, art. 119) e não tendo este, no caso

figurado, outro direito além do de transferir a sua ação de reivindicação, mas não o de

transferir o domínio, que, pelo simples fato de depender de decreto judicial que o

reconheça, não está localizado, nem tem assento na pessoa do reivindicante. Não se

pode atribuir ao nosso direito hipotecário a consagração do princípio romano: Is qui

actionem habet ad rem recuperandam, ipsam rem ha habere videtur (Lei 15, D., de

Reg. jurisp.), alás contestado pelo estabelecido na Lei 204 do mesmo título do Digesto:

mìnus est actionem habere quam rem.

Ainda que fosse conciliável com o restrito regime do nosso direito hipotecário,

a hipoteca do imóvel reivindicável pelo reivindicante, ela nenhum valor prático teria

porque dependendo da inscrição para valer contra terceiros, não investiria o credor nem

do direito de prelação nem do de seqüela, ambos eles referentes aos terceiros e não às

partes contratantes.

73. Prevalece a hipoteca constituída por aquele que adquiriu um imóvel, mas

tem a compra do mesmo rescindida por lesão enorme?

O Sr. Lafayette opina pela afirmativa, porque a ação de lesão enorme é pessoal.

(Dir. das Cousas, nota 15 ao § 219).


É correta esta solução.

A ação de lesão enorme tem por fim ou reparar o dano, ou obter a entrega da

coisa vendida, rescindindo a venda; mas se o comprador a houver transferido, não tem o

vendedor o direito de reivindicá- la do terceiro que a houver adquirido, poderá, apenas,

receber do comprador o preço dela (Ord. do Liv. 4.º, Tít. 13 § 4.º). No caso, porém, de

ser enormíssima a lesão a coisa deve ser restituída, precisamente, diz o § 10 da Ord.

citada, com os frutos desde o tempo da venda. Sendo real a ação a coisa passa ao

vendedor livre dos ônus com que o tiver gravado o comprador. A hipoteca não subsiste.

§ 7.º Não só o fiador, senão também qualquer terceiro, pode hipotecar seus

bens pela obrigação alheia.

74. Aquele que tem o domínio pleno sobre a coisa tem a faculdade de aliená-la,

de doá-la e de afetá- la à garantia de dívida alheia.

Quem assim grava seu imóvel com hipoteca por obrigação alheia não toma o

compromisso de solver tal obrigação, de pagar a dívida; apenas afeta o imóvel à sua

solução até ao valor do mesmo. É assim que se e produto do bem hipotecado não bastar

para o pagamento da dívida, o credor não pode acionar o terceiro hipotecante, que não é

diretamente obrigado. (Pont, 1 - 9, e 2 - 608; Dir. das Cousas, 2 - 212): se o imóvel

perecer, desaparecerá a garantia do credor, que não tem o recurso do reforço, utilizável

unicamente contra o obrigado direto, contra o devedor. (Pont, 2 – 608; Dir. das Cousas,

2 - § 213, n. 3).

75. O terceiro hipotecante pode ser fiador do devedor, neste caso o imóvel
hipotecado não é a garantia única do credor. O patrimônio do fiador responde por toda a

obrigação. Não se trata mais de simples obrigação hipotecária, o fiador é pessoalmente

obrigado. A sua obrigação é acessória, ele goza do benefício de ordem, mas tornada

efetiva a sua responsabilidade, esta compreende todo o patrimônio, até inteira solução

da dívida (Dir. das Cousas, nota 7 ao § 212; Aubry et Rau, § 266, nota 1.ª; Dias

Ferreira, anotações ao art. 818 do Código Civil português; Pont–Marcadé, vol. 9, n.

1.141).

76. O direito moderno reconhece esta faculdade de hipotecar no terceiro alheio

à obrigação garantida (Código Civil italiano, art. 1.964; Código Civil português, art.

895; Código Civil argentino, art. 14 do Cap. 1.º, Tít. 14, liv. 3.º; Código Civil do Chile,

art. 2.414, 2.ª alinea; Código Civil do Uruguai, art. 2.293; Código Civil francês, art.

2.077) reproduzindo assim a disposição do direito romano: Dare autem quis

hypothecam potest, sive pro sua obligatione, sive pro aliena. (L. 5.ª §.º D. de pignor. et

hypoth.).

§ 8.º A hipotheca é legal ou convencional.

77. O nosso direito reconhece também a hipoteca judiciária. O § 11 do art. 3.º

do Decreto de 19.01.1890 parece não considerar como esta espécie de hipoteca, o

direito conferido ao exeqüente sobre os bens do condenado, para o efeito de executá- los,

ainda quando em poder de terceiros adquirentes. Sem dúvida é isto devido à limitação

dada aos efeitos da hipoteca judiciária, que se restringem à seqüela, com exclusão da

preferência. O Dec. 370, de 2 de maio, que regulamentou a lei, corrigiu esse defeito de
redação.

Segundo o disposto no art. 107 do citado Decreto as hipoteca são: legais,

convencionais e judiciárias.

78. Desapareceram do nosso sistema de direito as hipotecas gerais; foi, sem

dúvida, um grande passo em bem do fim econômico que se propõe alcançar um bom

regime hipotecário, elevando o crédito, territorial, pela certeza da valorização da

propriedade imóvel, valorização intimamente ligada a publicidade do seu estado, em

referência aos ônus reais, que a possam gravar, a especialmente aos encargos

hipotecários.

79. A especialidade é o princípio dominante no direito hipotecário moderno e

que foi seguido francamente na reforma hipotecária de 1890.

A legislação de 1864, apesar de apregoar a proibição das hipotecas gerais e

sobre bens futuros, restringiu tal princípio ao domínio das hipotecas convencionais;

admitiu hipotecas legais gerais – as das mulheres casadas, dos menores e dos interditos

(art. 3.º, § 10, da Lei 1.237, de 24.09.1864; Dec. 3.453, de 26.04.1865, art. 118).

No pressuposto de que a hipoteca geral oferecia mais segura garantia às

pessoas, que não podem velar sobre os próprios bens de modo a assegurar- lhes a

integridade contra os erros da administração alheia, o legislador de 1864 admitiu em seu

regeme hipotecário, de modo preciso, as hipotecas gerais, dispondo no art. 117 do

Decreto citado de 1865:

“As hipotecas são geraes, ou especiaes ou especializadas.”

O defeito era capital, pois dificultava a publicidade sobre o estado dos bens do
responsável, ao passo que iludia a garantia criada pela lei, porquanto não sendo

gravados bens especialmente, as transferências sucessivas operadas no patrimônio

geralmente hipotecado, tornava ilusória a responsabilidade do tutor e do marido.

Atualmente não existem no nosso mecanismo hipotecário as hipotecas gerais.

As das mulheres casadas, dos menores e interditos devem ser especializadas

para poderem ser inscritos e somente depois de inscritos podem valer contra terceiros.

(Dec. 370, de 02.05.1890, art. 116).

Querendo sujeitar ao novo regime hipotecário as hipotecas gerais existentes

sob o domínio da legislação de 1864, o legislador de 1890 fixou o passo de um ano para

dentro dele serem especializadas as hipotecas gerais existentes sob pena de caducarem e

não produzirem efeitos contra os terceiros (art. 397, do Dec. 370, de 1890).

80. A classificação das hipotecas em legais e convencionais estabelecida na

legislação de 1890 é a reprodução do que existia no domínio da de 1864 (Lei de

24.09.1864, art. 2.º, § 8.º, e art. 3.º, § 12; Decreto de 26.04.1865, arts. 110 e 111).

81. A hipoteca é na realidade, fundada única e exclusivamente na lei. Ela

excepciona o princípio que os bens do devedor respondem, por igual, por todas as suas

dívidas e que o rateio é a conseqüência natural da insolvabilidade do devedor,

conferindo a um credor prelação sobre outros.

Somente a lei tinha força para criar semelhante direito, todo de exceção: é,

pois, a lei o fundamento único da hipoteca.

Descendo, todavia, ao estudo dos fatos que geram imediatamente a hipoteca,

chega-se ao conhecimento de que a alguns deles conferiu a lei, por sua única sanção, a
força de dar origem à hipoteca, a outros, não; tornando antes a geração da hipoteca

dependente de requisitos e formalidades especiais.

É assim que a tutela, a interdição e o casamento produzem de per si sós a

hipoteca. São as hipotecas denominadas legais .

A condenação, tendo como fato decorrente a execução e a garantia desta

estando na possibilidade de ir o exeqüente no encalço dos bens que podem assegurar a

efetividade do pagamento, gera a hipoteca judicial, que não confere ao credor outro

poder além do de executar o julgado nos bens da condenação, ainda que se achem em

poder de terceiro.

Finalmente a hipoteca pode, ser objeto de contrato entre credor e devedor; pode

ter sua origem na convenção; sendo esta sua causa imediata denomina-se a hipoteca

convencional.

82. O estudo do nosso regime hipotecário cifra-se no destes três espécies de

hipotecas e no de sua publicidade.

Nesta, mais do que no rigor dos meios de ação contra os devedores, está a

eficácia do regime hipotecário para a organização do crédito territorial.

É exemplo disso o que se dá no regime hipotecário da Inglaterra e dos Estados

Unidos da América do Norte onde a repetida prática de diversos regimes hipotecários

não tem conseguido imprimir à hipoteca (mortgage) a importância que devera ter no

crédito territorial de países tão salientes por sua riqueza agrícola.

O mais grave defeito do regime inglês foi até os últimos tempos a

clandestinidade (E. Glasson, Droit et Institutions de l’Angleterre, vol. 6.º, p. 399);

defeito que o Ato de 13.08.1875, atenuou, mas não conseguiu eliminar de todo, e a
prova está na asserção do notável escritor que citamos – que apesar da severidade das

leis, são freqüentes as fraudes contra os credores hipotecários.

83. São legais, na moderna legislação, as hipotecas:

a) da mulher casada;

b) dos menores;

c) dos interditos;

d) da Fazenda Pública;

e) das igrejas, dos mosteiros, misericórdias e corporações de mão morta;

f) do Estado;

g) do ofendido;

h) dos co-herdeiros para garantia das reposições. (Dec. 169 A, de 19.01.1890,

art. 3.º).

84. Nenhuma das hipotecas legais aceitas pela legislação de 1890 é geral.

Todas devem ser especializadas para serem inscritas e somente depois de

inscritas valem contra os terceiros (Dec. 169 A, art. 3.º, § 10; Dec. 370, de 02.05.1890,

art. 114).

A lei considera especializadas algumas das hipotecas legais, pelo fato de se

acharem designados os bens, no ato que as constituiu.

É assim que a hipoteca legal do co-herdeiro reputa-se especializada pela

partilha, a qual no lançamento do quinhão designa o imóvel adjudicado ao herdeiro

responsável pela torna (Dec. 370, arts. 118, § 1.º, e 200).

A hipoteca judicial é também havida pela lei como especializada nos imóveis
do condenado, que o exeqüente designar nos extratos (arts. 1.183, § 2.º, e 201, do Dec.

370, de 02.05.1890).

As demais hipotecas legais devem ser especializadas.

O efeito da especialização é torná- las aptas para serem inscritas e sujeitá-las as

disposições que regem as hipotecas convencionais ou especiais, as quais ficam

equiparadas (Dec. 370, de 02.05.1890, art. 167).

Um dos efeitos da especialização é o direito do credor pedir reforço quando

reputar insuficiente o valor do imóvel, ou imóveis sobre os quais se houver efetuado a

especialização (Decreto citado, art. 168).

85. Abolido o regime das hipotecas gerais que o direito anterior a 1864 aceitara

amplamente (Lei de 20.06.1774, §§ 31 e 32) fundado no direito romano (L. 9 D. que res

pignor oblig.: Maynz, 1, § 155, nota 29) e que a legislação de 1864 consagrara em

referências às hipotecas das mulheres casadas, dos menores e dos interditos (Lei 1.237,

de 24.09.1864, art. 30, § 11; Dec. 3.453, de 26.04.1865, art. 118); não há mais

possibilidade de hipotecas compreensivas de todo o patrimônio imóvel do devedor, e

sendo imprescindível a inscrição de todas as hipotecas para valerem contra os terceiros,

não são admissíveis hipotecas que produzam todos os efeitos desde a data da

constituição e independentemente da inscrição.

Carece, portanto, de fundamento a disposição do § 6.º do art. 4.º do Dec. 169

A, reproduzida no § 1.º do art.130 do Dec. 370, que considera solenidade substancial a

declaração, por parte do devedor, de se acharem seus bens sujeitos à hipotecas legais,

cominando, na omissão, a pena rigorosa do estelionato.

De fato, a publicidade exigida para todas as hipotecas produz, como primeiro


efeito, não constituir o devedor em má- fé, pelo fato de não declarar que os bens que vai

hipotecar estão sujeitos a hipoteca convencional anterior; é doutrina corrente.

Aquele que vai aceitar a garantia hipotecária deve informar-se da eficácia da

mesma garantia que o devedor lhe oferece; a publicidade da hipoteca proporciona meio

legal e seguro de informação. O preceito a que nos referimos é lei; parece, porém, que

deve ser entendido de acordo com as outras disposições que regem as hipotecas e ter

aplicação somente ao caso do não registro da hipoteca legal anterior, não tanto pelo

dano que possa advir ao novo credor hipotecário, porque a hipoteca legal anterior não

inscrita não tem prelação sobre a parte não inscrita, mas pela má- fé em que possa

incorrer o devedor e que deverá ser provada.

A disposição a que nos referimos foi copiada, sem crítica, do art. 8.º da Lei

3.272, de 05.10.1885, que a adotou, sem o menor fundamento jurídico, pois que tal lei já

exigia a inscrição das hipotecas legais para que eles valessem contra terceiros. Impor ao

devedor uma pena severa porque o credor não foi cauteloso, antes foi descurado de seus

interesses e isto quando o devedor fazendo a inscrição p raticou o ato exigido pela lei

para publicidade de sua transação, é rigor iníquo e desnecessário. (k)

(k)
O direito francês reconhece a hipoteca geral da mulher casada sobre todos os
imóveis, presentes e futguros do marido (art. 2.122 do Código Civil; Troplong, Previl. et
Hypoth, 2 - 434; Paul Pont, 1 - 323); o nosso legislador, melhor orientado, inspitou-se na
legislação belga, que exige a especialização da hipoteca legal da mulher casada. (Lei de
16.12.1851, arts. 44 e 65; Martou, 3 - 882; Laurent, 30 - 189; Thiry, 4 - 476).
O Código Civil italiano (art. 1.969) admite a hipoteca geral da mulher casada, quando
no contrato matrimonial não tiverem sido especificados os bens do marido que devam garantir o
dote e os rendimentos deste.
Os códigos mais recentes tendem a abolir as hipotecas legais e a confiar a constituição
da hipoteca exclusivamente às convenções.
É assim que os Códigos do Chile, argetino, uruguaio e holandez não reconheceram a
§ 9.º As hipotecas, ou legais, ou convencionaes, somente se regulam pela

prioridade. Esta é determinada pela inscripção nos termos estabelecidos por este

decreto.

86. A disposição supra torna bem acentuado que a publicidade é o meio de dar

vida à hipoteca, como dizem os doutrinadores (Martou, 3 - 1.027) ativando-a,

despertando-a do estado de inércia em que se conserva (Troplong, 2 - 566) enquanto

somente vigora entre as partes contratantes (Pont, 2 - 728; Aubry et Rau, nota 3.ª ao §

267). A inscrição a faz produzir os seus efeitos característicos: preleção e seqüela.

O § 9.º do art. 2.º do Decreto de 19.01.1890 trata especialmente da posição do

credor hipotecário, perante os outros que também possuem sobre o mesmo imóvel,

hipoteca legal e estabeleceram unicamente a hipoteca convencional (Código uruguaio, art.


2.288; Código do Chile, art. 2.407; Código argentino, art. 2.º, do Liv. 3.º, Tít. 14); o Código
holandez faz depender todas as hipotecas de um ato notariado (art. 1.217) no qual se faça
menção especial do imóvel hipotecado (art. 1.219); o Código espanhol não confere às pessoas às
quais a lei concede hipoteca outro direito além do direito de exigir um ato que a estipule,
reconhecendo apenas, como existentes, hipotecas, ao Estado às províncias e comunas, para
garantia da exação da última anuidade dos impostos (art. 1.875) e o Código Civil do Cantão de
Grisões não trata da hipoteca legal (arts. 280 e seguintes).
Acre exceção a estes códigos modernos o português que, no art. 909 admite não
somente a hipoteca legal, mas dá a esta a compreensão das hipotecas gerais.
A Lei belga e o Código Civil português admitiram o testamento como causa da hipoteca
e repeliram a sentença.
Não já razão para ser repelida a hipoteca testamentária que tem como fim especial
garantir os legados.
Ela é de instituição antiquíssima (Lei 26.ª D. de pignorab actione, Lei 1.ª Código
commum de legat et fideicione. Martou, 2 - 707) e nenhum inconveniente traria à harmonia do
regime adotado, desde que fosse inscrita e sepecializada no imóvel deixado ao herdeiro e
gravado com a obrigação do legado (Dir. das Cousas, § 186, nota 9).
hipoteca legal ou convencional.

Exclui-se a hipoteca judicial porque esta não produz a preleção, mas

unicamente a seqüela; contempla-se a legal (com melhor fundamento do que a

legislação de 1864, segundo a qual tal hipoteca podia ser geral, isto é, sobre imóvel

indeterminado) porque a hipoteca legal deve ser sempre especializada e precisa ser

inscrita.

O sistema da nossa legislação é preferível ao da Lei belga (art. 81) e ao do

Código Civil francês (arts. 2.134 e 2.147).

87. No sistema do nosso direito hipotecário a prelação firma-se pela inscrição.

O dia divide-se em dois tempos de inscrição: manhã das 6 ao meio-dia, tarde

do meio-dia às 6.

A hipoteca inscrita no primeiro tempo tem prelação sobre a inscrita no

segundo, porque a primeira terá número de precedência sobre a segunda. Todas as que

se inscreverem em um tempo terão o mesmo número.

A prelação forma-se pelo número, as do mesmo número não têm preferência,

entram em rateio no caso de insolvabilidade do devedor, entram em concorrência em

todos os casos. (Dec. 169 A, art. 9.º, §§ 3.º e 4.º; Dec. 370, arts. 43, 44, 45 e 46.

A hipoteca não inscrita não tem valor algum. Não produz nenhum dos seus

efeitos, quanto aos terceiros: em referência ao devedor não aumenta a garantia do

credor, porque todos os bens do devedor respondem inteiramente por suas obrigações.

88. O sistema francês e o belga diferem do nosso em ponto capital: os credores

que concorrem à inscrição no mesmo dia, não têm prelação uns sobre outros, ainda que
a inscrição haja sido feita em horas, isto é, em tempos diversos (Código Civil francês,

art. 2.147, Lei belga de 1851, art. 81).

Aos argumentos com que Pont (n. 734) e Martou (n. 1.052) sustentam tal

sistema Laurent (30 - 550) opõe a mais judiciosa e fundada contestação:

“Cette decision, diz o eminente professor, est contraire à la rigueur des

principes. L‟inscription, en rendant 1‟hypothèque publique, devrait lui donner effet à

partir du moment où elle est prise; donc, entre d eux hypothèques inscrites le même jour,

celle qui est inscripte la première devrait primer l‟autre. C‟est le principe que la loi suit

era matière de transcription (art. 123); pourquoi ne l‟applique-t-elle pas à 1‟inscription

des hypothèques?...”

“En réalité, la loi, en decidant que les deux créanciers inscripts le même jour

viennent par concurrence, altère le droit da premier, car il n‟obtiendra qu‟une partie da

prix, tandis qu‟i1 aurait, eu tout le prix si on lui avait conservé le rang auquel il a droit.”

89. Laurent sugere a seguinte dúvida: Pode um credor desistir em favor de

outro da prelação que tem sobre ele? (30, n. 550).

A afirmativa, que esse tratadista sustenta, é solução jurídica.

Se a hipoteca é de ordem pública e os princípios que a regulam escapam às

convenções das partes, todavia a graduação do credor é de interesse privado; pode ser

alterada pela convenção.

90. Pode o devedor prevalecer-se da falta da inscrição? Incontestavelmente,

não. A inscrição não gera a hipoteca, publica-a apenas. O seu efeito e, pois, limitado aos

terceiros. Quanto ao devedor o contrato existe desde que em sua celebração foram
observadas as formalidades substanciais. Acresce que o devedor não tem interesse

algum em atacar a inscrição; com que resultado prático?

“Il est sans droit et sans intérêt: sans droit, puis que 1‟inscription lui est

étrangere, il n‟est pas un tiers; sans intérêt, car vainement 1‟inscription serait elle radiée,

il n‟en resterait pas moins tenu de la garantie hypothecaire ” (30 - 553).

91. Que a disposição do § 9.º supra entende exclusivamente com o direito de

prelação do credor hipotecário e não com o de seqüela, vê-se da disposição

regulamentar correspondente do Dec. 370, de 1890 (art. 112): “as hipothecas legais e

convencionais somente se regulam pela prioridade, ou seja entre si mesmas, ou

concorrendo as convencionais com as legais.”

92. O Código Civil italiano manda determinar a graduação da hipoteca pelo seu

número de ordem (art. 2.008); este número corresponde à precedência no registro, isto

é, ao momento da inscrição (art. 2.007).

Se, porém, mais de um credor, com hipoteca sobre o mesmo imóvel,

apresentar-se ao registro ao mesmo tempo (contemporaneamente) terão o mesmo

número e conseguintemente a mesma graduação (art. 2.008) e nesta hipótese não têm

prelação uns sobre os outros, mas entram em concurso sobre o preço do imóvel (art.

2.009) .

Segundo o Código Civil argentino a prelação e mais efeitos da hipoteca

produzem-se desde a sua data, se houver sido registrada dentro de seis dias, no caso

porém de não ter sido registrada neste prazo, produz efeitos da data do registro, que

poderá ser feito em qualquer tempo.


Os Códigos uruguaio e chileno não regularam a matéria da inscrição com a

devida cautela.

A Lei inglesa de 13.08.1875 regulou a publicidade das mortgages de modo

incompleto.

Teremos ensejo de estudar mais detidamente estas legislações, quando

comentarmos o art. 9.º do Dec. 169 A.

§ 10. São nulas as hipotecas de garantia de dívidas contraídas anteriormente à

data da escritura, nos quarenta dias precedentes à época legal da quebra.

93. Esta disposição, que é a reprodução literal da do art. 827, § 2.º, do Código

Comercial, consagra uma nulidade de pleno direito (art. 684, § 1.º, do Dec. 737, de

1850) porque o ato condenado supõe-se ter sido praticado com dolo.

Deve ser estudada em confronto com o art. 29, c, do Dec. 917, de 24.10.1890

que a substituiu.

Em face desta disposição são nulas em benefício da massa unicamente, as

hipotecas celebradas dentro do termo legal da falência fixado pelo juiz de conformidade

com o art. 6.º, b, do mesmo decreto para garantia de dívidas contraídas anteriormente a

esse termo. A nulidade da hipoteca dá-se, mesmo que o credor não tenha conhecimento

do estado do devedor; mais ainda, se ficar provado que o devedor fazendo a hipoteca,

não teve o intento de defraudar os credores.

Era ponto líquido na jurisprudência (Orlando, Cód. Comm. 5.ª edição, nota

1.299) que o contrato hipotecário celebrado para garantir dívida contraída no mesmo

ato, ainda dentro dos quarenta dias anteriores à abertura da falência, era válido.
O art. 128 do Dec. 370, de 02.05.1890, consagrou esta jurisprudência.

Se a hipoteca não houver sido registrada antes da sentença da abertura da

falência, ficará sem valor contra terceiros, porque depois de aberta a falência todas as

inscrições e transcrições são nulas. (Dec. 370, art. 129, e Dec. 917, de 24.10.1890, art.

29, f.)

O art. 129, diz requeridas, o que parecia autorizar a opinião que as inscrições

que houvessem sido requeridas antes da sentença que abre a falência, poderiam ser

feitas depois; a disposição da letra f do art. 29 do Dec. 917, de 1890, declarando nulas as

hipotecas feitas depois do seqüestro e da declaração da falência, colocou termo a

qualquer dúvida.

A inscrição feita após a abertura da falência modificaria o regime da liquidação

e alteraria a classificação dos créditos a qual é um direito adquirido pelos credores

existentes na época da abertura da falência.

Se a inscrição da hipoteca, legalmente celebrada, não puder ter tido lugar ante s

da declaração da falência por circunstâncias alheias à vontade do credor: – um

embaraço qualquer no registro, por exemplo?

Ainda assim não poderia ter lugar depois da declaração da falência, sem

incorrer em nulidade de pleno direito.

§ 11. Fica derrogado em sua segunda parte o art. 273 do Código Comercial.

94. Os escravos não existem mais depois da Lei de 13.05.1898.

Os animais podem ser objeto de penhor agrícola celebrado nos termos do § 16

do art. 13 do Dec. 169 A, de 19.01.1890, e art. 362 do Dec. 370, de 2 de maio do


mesmo ano.

95. Tendo em mente a organização do penhor agrícola para subsidiar e

revigorar o crédito dos proprietários rurais proporcionando-lhes meios de haver dinheiro

sobre os bens móveis de sua propriedade e sobre os semoventes, era justo levantar a

proibição do art. 273 do Código Comercial em referência ao penhor dos semoventes.

Os animais podem ser hipotecados com os imóveis, como imóveis por destino;

se o não houverem sido, podem ser penhorados nos termos dos arts. 362 e seguintes do

Dec. 370, de 1890: é uma exceção aos princípios em favor do penhor agrícola.

Os animais pertencentes à lavoura estão imobilizados; no entanto a lei permitiu

penhorá-los.
CAPÍTULO I
DA HYPOTHECA LEGAL

Art. 3..º Esta hipotheca compete:

§ 1.º A mulher casada sobre os imóveis do marido:

Pelo dote;

Pelos contratos antenupciaes exclusivos da communhão;

Pelos bens provenientes de herança, legado, ou doação, em que lhe aconteçam

na constância do matrimonio, se lhe forem deixados com a cláusula de não ser

comunicados.

96. A lei, tomando sobre se a proteção do patrimônio daquelas pessoas que

estão sujeitas à administração alheia e que ela reputa incapazes de utilizar de per si os

meios de amparar seus bens; promovendo as garantias reais sobre os imóveis d‟aqueles

que os administram, fez nascer a hipoteca do fato civil que sujeita tais pessoas ao poder

alheio.

É assim que o casamento gera a hipoteca sobre os imóveis do marido em favor

dos bens do domínio exclusivo da mulher.

Desde que se opera o casamento, regularmente celebrado nos termos dos arts.

23 e seguintes do Dec. 181, de 24.01.1890, a hipoteca surge para proteger o patrimônio

da mulher constituído fora da comunhão pelo contrato antenupcial. (Dec. 370, de

02.05.1890, art. 131, § 5.º).

O nosso regime hipotecário atual, já o fizemos ver, exige que a publicidade e a

especialização tornem válida a hipoteca em referência aos terceiros (Dec. 169 A, art. 3.º

§ 10; Dec. 370; art. 116) no que se conforma com o direito belga (Lei de 16.12.1851,
art. 64) abandonando o sistema francês (art. 2.135, n. 2, do Código Civil) que fora

adotado na legislação anterior. (Dec. 3.453, de 26.04.1865, art. 123).

97. O casamento deve ser válido (Martou, vol. 2, n. 750; Pont., vol. 1, n. 427;

Lafayette, Dir. das Cousas, 2 - 3, § 128), isto é, celebrado de conformidade com as

prescrições do Dec. 181, de 24.01.1890. O casamento nulo nos termos do art. 61 do

mesmo Decreto não produz hipoteca legal; o casamento anulável, vigorando enquanto

não rescindido pela ação competente (arts. 64, 65, 67, 68, 69, 71 e 73 do Dec. 181, de

1890), produz a hipoteca.

O casamento putativo (art. 75 do Dec. 181, de 1890) produz igualmente esse

efeito (Martou, 2, n. 750; Pont, 1, n. 427; Lafaytte, Dir. das Cousas, § 188).

98. Das disposições acima citadas, que regem a anulação dos casamentos

anuláveis, outra, conclusão não se pode virar além da que deixamos exarada e pode

parecer muito ampliativa do preceito do art. 66 do mesmo Decreto.

Poder-se-á dizer que o caso previsto no art. 66 é o único de retificação do

casamento anulável?

É violar os princípios gerais que mandam subsistir o ato anulável enquanto a

parte interessada não provoca o decreto judicial que o deve rescindir.

A nulidade relativa não afeta o ato, quando aquele em cujo proveito for

decretado fizer silencio sobre ela e aceitam o facto consumado.

É o princípio consagrado no preceito expresso do art. 686, § 1.º, do Dec. 737,

de 1850, que o Dec. 763, de 19.09.1890, mandou observar como lei formal ou adjetiva.
99. O casamento deve ser precedido de contrato no qual se estipule o regime da

separação de bens; a razão é que fora deste regime, vigora a comunhão de bens. (Ord.

do Liv. 4.º, Tít. 46, art. 57 do Dec. 181, de 24.01.1890); ora, quando todos os bens são

comuns, o são igualmente as responsabilidades, as dívidas; a mulher não pode ter então

hipoteca sobre os bens do marido, já porque este não tem bens próprios, já porque todos

os encargos são comuns.

A redação do § 9.º do art. 3.º do Decreto de 19.01.1890 pode, porém, fazer

subsistir a dúvida que autorizava a redação do § 9.º do art. 3.º da Lei 1.237, de

24.09.1864, de onde foi aquela disposição transportada, dúvida que o art. 132 do Dec.

370, de 02.05.1890, infelizmente não dissipou.

A expressa exclusão da comunhão a que se referem as disposições citadas não

é, unicamente, a que importa adoção do regime da propriedade exclusiva de cada

cônjuge.

A exclusão da comunhão é referente aos bens que pertençam a mulher, como

bens próprios, ou dotais ou parafernais; sem essa propriedade exclusiva da mulher não

há fundamento para a hipoteca legal; nada há a garantir no patrimônio da mulher.

Pode ser estipulada a comunhão nos bens não sujeitos ao regime dotal, a

hipoteca legal origina-se de todo contrato para garantir os bens excluídos da comunhão

e conservados sobre o domínio exclusivo da mulher. (Pont, 1 - 429; Martou, 2 - 751 e 3

- 884; Lafayette, Dir. das Cousas, § 188; nota 10).

100. Os parafernais (receptícios) sobre os quais a mulher tenha, pelo contrato

antenupcial, não somente o domínio mas ainda a administração, não dão direito à

hipoteca. (B. Carneiro, 2, § 151, ns. 13 a 15).


O marido não pode ser forçado a responder com seus bens pela administração

alheia; fora violência aos princípios que dominam a responsabilidade.

Os bens dotais, conquanto consagrados ao fim exclusivo de ocorrer aos

encargos do casal, passam ao domínio do marido; se os bens são fungíveis ou são dados

com estimação venditionis causa – deve o marido restituir o preço, soluto matrimonio;

se são dados com estimação taxutionis causa, o domínio do marido é resolúvel, este

deve restituí- los em espécie; no primeiro caso tem os herdeiros da mulher ação pessoal,

no segundo real. (B. Carneiro, 2 - 2.143, ns. 1, 2, 3 e 4; Valasco, consulta, 113, ns. 3 e

6; Lafayette, Dir. de Familia, §§ 82 e 83; C. Bevilaqua, Direito de Familia, §§ 50, n. 2,

e 53 a 54).

É a execução desse conjunto de obrigações que garante a hipoteca legal do

marido.(l)

(l)
A criação da instituição dotal não presidiu, como muitos ainda supõe, o pensamento
de garantir o bem-estar da mulher, noção incorreta que os modernos doutrinadores têm repelido;
mas antes o de igualar o concurso dos cônjuges ao desempenho dos encargos do casal.
No direito romano o dote foi o meio empregado para prover às uniões conjugais,
concedendo ao marido, sobre quem pesavam os ônus da família, meios de prover a elas – ad
sustinendi onera matrimonii; os textos não deixam dúvidas sobre este ponto. (L. 4 D. de jure
dotium, LL. 17 e 18 do Cód. de jure dotium, LL. 7 princ. 56, §§ 1 e 2 D. de jure dotium, LL. 20,
§§ 2.º e 46, D. familiæ erciscundæ).
Daí as conseqüências capitais da instituição no direiro romano:
a) Domínio do marido sobre os bens dotais. Constante matrimônio dos in bonis mariti
est.
b) Inalienabilidade de tais bens.
No direito romano, ainda quando estimados taxationis causa os bens dotais passavam
ao domínio do marido, sem que a mulher tivesse sobre eles igual direito; deduz-se isto dos
textos que autirozavam o marido:
A adquirir a propriedade dos frutos e acessões dos bens dotais. 9LL. 4 e 32 D. de jure
dotium, L. 7 § 12 D. soluto matrimonio dos quemad petatur).
A extinguir por confusão e consolidação as servidões constituídas sobre o imóvel que é
dado em dote. (LL. 4.ª, 69 § 9, 78 princ. de jure dotium).
A reivindicar os bens dotais contra a própria mulher (L. 24 D. de actione rerum
amotarum); ao passo que era negado à mulher o direito de reivindicá-los na constância do
matrimônio. (L. 9, Cód. de reivindicatione).
O marido era, sem dúvida, forçado a restituir os bens dotais que lhe fossem entregues
taxationis causa, no caso de dissolução do matrimônio; o que indica apenas que o domínio do
marido era resolúvel e, por outro lado, confirma o pacto da investiruda do domínio sem qual a
restituição não se poderia dar (Maynz, Droit romain, § 311 in fine).
São estes os princípios que o direiro potruguês adotou e que nós aceitamos. (Lobão,
Notas a Mello, Tít. 9, § 14, n. 2; Coelho da Rocha, § 272; Lafayette, Dir. de Família, nota 1.ª ao
§ 73; B. Carneiro, vol. 2.º, § 132 e seguintes e, especialmente, 144).
O regime inaugurado pela Lei 1.237, de 24.09.1864, e adotado pelo Dec. 169 A, de
19.01.1890, melhorou a garantia que o direito romano e a legislação portuguesa concediam à
mulher casada em benefício do dote.
No direito romano a hipoteca tácita concecida por Justitiano à mulher casada, sobre os
bens do marido (Novela 109) representa a última e a mais eficaz de todas as medidas
assecuratórias da restituição do dote, que haviam sido proporcionadas pelas leis anteriores, tais
como:
a) a missio dotis servanda causa (L. 26, § 1 D. ad municipalem, L. 48 D. de solution et
liberationibus);
b) o privilegium exigendi, que lhe dava a precedência sobre todos os credores e que
tinha por fim não só reaver as coisas dotais, mas as adquiridas com o rendimento delas (LL. 9 e
30, Cód. de jure dotium, L. 12 princ. Cód. qui potiores in pignore habeantur).
c) a ação de reivindicação dos bens que existissem pertencentes ao dote e a hipotecária
para haver o valor dos que não existissem. Per utranque viam, diz Justiniano, sine in rem, sine
hypothecariam.
Ela passou para o direito português com a sua denominação de tácita e com a sua
generalidade (§ 40, da Lei de 20.06.1774).
Acha-se, em vista do que fica exposto, a solução da trabalhada questão da restituição do
dote, que fez o tormando dos intérpretes do direito romano e dos doutrinadores do direiro
português.
Tais dúvidas não têm razão de ser no novo regime hipotecário.
O que regula a extensão da restituição, o eu limita a obrigação po parte do marido, findo
o casamento pelo divórcio, ou por parte dos herdeiros, dissolvida a sociedade conjugal pelo
101. A mulher casada não pode renunciar a hipoteca em favor do marido, nem

fazer cessão dela a terceiros.

O intuito do legislador criando a hipoteca legal para proteger o patrimônio da

falecimento do marido, é a compreensão da hipoteca.


Devendo ser especializada sobre imóveis do marido, quer designados no contrato dotal
(art. 164, do Dec. 370, de 1890), quer na sentença, que julgar a especialização (arts. 153 e 154
do Dec. 370, de 1890), a hipoteca compreende todas as acessões naturais, os frutos pendentes
das propriedades rurais e os aluguéis dos prédios, depois do vencimento da hipoteca, isto é, após
a dissolução da sociedade conjugal. (Dec. 370, art. 137; Dec. 169 A, art. 4.º, § 2.º, c/c o art. 167
do Dec. 370 citado).
Não sendo permissível à mulher casada, como o era pelo direito de Justiniano (LL. 29 e
30 Cód. de jure dotium, Novela 97, Cap. 6.º) avocar judicialmente, na constância do
matrimônio, a administração dos bens dotais, se o marido tornar-se insolvável ou piorar a
condição, proporciona-lhe a legislação hipotecária atual remédio mais consentâneo com o novo
regime de garantia.
Se ocorrer a hipótese de tornar-se o marido insolvável, à mulher é aberto o recurso de
pedir reforço da hipoteca e, julgado procedente o pedido, será a hipoteca ampliada a outro ou
outros imóveis do marido, segundo for necessário, para por a coberto o crédito da mulher pelo
dote. (Dec. 370, arts. 168 e 169).
O direiro ao reforço da hipoteca subsiste em todos os casos em que se trate de garantir
os bens próprios da mulher contra os prejuízos resultantes da administração do marido;
conseguintemente tem inteira aplicação sempre que dos contratos antenupciais resultar a
hipoteca por existirem nelles estipulações, que estabeleçam, no regime dos bens do casal,
limitação de propriedade em favor da mulher (Laurent, 30 - 342 e seg.; Martou, 3 - 887 e 888;
Pont, 1 - 437); ou quando essa limitação, resultar da modalidade da herança, legado, ou doação
acontecidos na constância do matrimônio, por importar essa modalidade a cláusula de não
comunicação dos bens deixados ou doados.
O reforço é à consagração à garantia hipotecária; a lei conrefe-o sempre que confere
essa garantia; o contrário fora supor a possibilidade de ser a hipoteca concedida ilusoriamente.
O direiro real não é senão o instrumento da garantia; se, porém, o devedor encontrar na
própria fraude o meio de embargar a ação protetora que ela deve dispensar ao direiro do credor
todo o regime hipotecário estará anulado.
mulher contra a dilapidação do marido, que o administra, seria burlado se à mulher

fosse lícito fazendo cessão da hipoteca abrir mão da garantia que lhe concedeu a lei.

Acresce, e esta razão é fundamental, que no nosso direito, os pactos

antenupciais são irrevogáveis desde que se lhes seguir o casamento (Coelho da Rocha, §

256; Cons. das Leis Civis, nota 17 ao art. 88; Valasco, Consulta 30, n. 29; Código Civil

português, art. 908; Dias Ferreira, vol. 2.º, p. 362).

102. A hipoteca, acessório do contrato antenupcial, segue a condição deste

(Lafayette, Dir. de Família, § 191, n. 2).

Não sendo a hipoteca legal da mulher atualmente geral e sim especial, só tem

razão de ser a dúvida de poder ou não a mulher casada renunciar a hipoteca, sobre

certos e determinados bens do marido no caso de intentar este subtrair qualquer deles ao

ônus real de que está gravado.

Se fora lícito à mulher libertar qualquer dos imóveis do marido do encargo

hipotecário, podia ela eximi- los todos subtraindo-os um a um, por meio de desistências

repetidas, e tornar de nenhum efeito a hipoteca (Lafayette, Dir. das Cousas, § 191, n. 4).

103. Vários textos do direito romano permitem à mulher a renúncia da hipoteca

legal, tácita ou expressamente feita (L. 21, Cód. S. C. Velleiano; Lei 8.ª D. ad S. C.

Velleiano; L. 4 § 1..º D. Quibus modis pign.; L. 158 D, de regul. juris; L. 2, Cód. de

remissione pignor.; L. 11 e 12 D. quibus modis pign. solvetur), desde que com isto não

seja prejudicada a garantia do seu dote, isto é, contanto que o marido não se torne

insolvável e conserve bens suficientes para cobrir a importância do dote: “si modo alia

bona super sint marito, ex quibus illa indemnitatem consequi possit”, como dizia Fabre.
A razão que dava Accursio para, justificar a disposição da Lei 21.ª do Código

ad S. C. Velleiano era que desde que o marido garantia a restituição do dote, não era

eqüitativo privá- lo de aumentar o seu crédito, se a mulher acedesse expontaneamente à

renúncia do seu direito real.

No direito francês a maioria dos escritores inclina-se à negativa, por não ser

lícito à mulher casada alienar o dote, na constância, do matrimônio, mas ser- lhe

permitida a subrogação da hipoteca legal em todos os casos em que o regime do

casamento não for dotal, exclusivo ou limitativo da comunhão. (P. Pont, 1, ns. 451. e

452; Dalloz, Diction. de droit civil, verb. Hyp. légale, ns. 69-70; Aubry et Rau, nota 46

ao § 264).

Alguns doutrinadores, porém, distinguem o caso de ser a cessão ou a

desistência da hipoteca feita em favor de terceiros do em que o for em benefício do

marido.

No primeiro caso, aceitando o princípio do direito romano, opinam, que a

cessão é possível sempre que o marido conserva ainda bens suficientes para garantir o

dote; no segundo caso entendem que, na constância do matrimônio, é absolutamente

vedado à mulher renunciar a hipoteca legal em favor do marido; já porque haveria

perigo em admití- lo quando a mulher está toda sob a autoridade e influência do marido:

já porque é absoluto o princípio que a condição do dote não pode ser piorada por

estipulações entre o marido e a mulher em qualquer época (Troplong, 2, ns. 601 e 635

bis e 636 e 639).

104. No direito belga, como no francês, o princípio que domina a matéria, é

que, sendo o dote inalienável, a renúncia da hipoteca legal, que o garante, é de nenhum
efeito, pois, a inviolabilidade do principal (o dote) arrasta como conseqüência a

inacessibilidade da hipoteca, seu acessório (Martou, 3, 931).

Todavia o art. 71 da Lei de 16.12.1851 permite à mulher a renúncia de sua

hipoteca em favor de terceiros, mas proíbe-a expressamente quando feita de modo direto,

em favor do marido.

A jurisprudência e os doutrinadores franceses favoreciam a renúncia da

hipoteca legal, em favor de terceiros, como compensação e corretivo à posição precária

em que tal hipoteca geral colocava o crédito do marido, quase sempre em detrimento,

dos interesses do próprio casal (P. Pont, 1, n. 450; Martou, 3, n. 930).

No domínio da lei belga com a exigência de rigorosa publicidade de

especialização, o crédito do marido não se conserva sob a pressão de uma hipoteca geral

e indefinida, compreensiva de todos os imóveis e altamente gravosa para a vida

econômica do responsável.

Circunstâncias podem ocorrer que demandem da parte da mulher o sacrifício

dos seus direitos hipotecários.

L’honneur du mari, son avenir et celui des enfants, disait la commission da

gouvernement, peuvent dépendre d’un sacrifice fait à propos par la femme (Martou, 3,

n. 930; Thiry, 4, n. 488).

Seguindo os doutrinadores belgas a renúncia da mulher pode ser ampla ou

limitada: ela pode renunciar ou transferir o seu direito hipotecário in totum ou apenas o

direito de prelação (Martou, 2 - 932; Thiry, 4 - 488).

Laurent, mais de acordo com o rigor dos princípios, opina por uma distinção

que nos parece ter sido, efetivamente, o pensamento do legislador belga.

A hipoteca legal da mulher casada, assim como a dos menores, não pode ser
renunciada, porque tal hipoteca é de ordem pública, por ser concedida a incapazes em

razão da sua incapacidade; não é permitido às partes interessadas derrogar as leis que

entendem com a ordem pública. (30 - 386).

A inscrição, com seus efeitos para com terceiros, e em favor destes, sim, diz

Laurent (30 - 386), é licito à mulher renunciar, mas sob duas condições:

a) que tais terceiros contratem com o marido;

b) que o façam como adquirentes do imóvel sujeito à hipoteca ou na qualidade

de credores hipotecários.

105. Desde quando deve-se considerar como constituída a hipoteca legal?

É ponto controvertido no direito francês, mas que no nosso está assentado em

preceito de lei.

O § 5.º do art. 131 do Dec. 370, de 02.05.1890 dispõe que a hipoteca legal da

mulher casada reputa-se constituída, por seu dote, sobre os imóveis do marido :

“Pela escriptura antenupcial, mas desde o casamento.”

À escritura antenupcial é o primeiro elemento para que se dê hipoteca,

porquanto para que esta exista é essencial que haja sido pactuada a exclusão da

comunhão, completa ou parcial, o que só se pode obter na escritura da convenção

antenupcial.

O casamento, que é a confirmação do pacto, o meio de consolidá- lo e torná- lo

inalterável, imprime- lhe o cunho de estabilidade que se faz preciso para que o contrato

não seja uma ilusão, ou um embuste.

Conseguintemente no nosso direito, desde que se realize o casamento, retrotrai-

se a constituição da hipoteca até a data do pacto ante- matrimonial.


O efeito em referência aos terceiros somente se opera pela inscrição, a qual não

pode ter lugar sem a especialização (Dec. 370, de 02.05.1890, art. 116); devem, pois, ser

considerados revogados os preceitos dos arts. 123 do Dec. 9.549, de 23.01.1886, que

somente exigiam a inscrição e não a especialização para valerem contra terceiros.

Pode a hipoteca ter por fim garantir os bens que entram para o patrimônio

exclusivo da mulher por doação, legado, por instituição hereditária, depois do

casamento, em tal caso a hipoteca sobre os imóveis do marido, reputa-se constituída

desde o momento em que o título de aquisição é exigível (§ 6.º do art. 131 do Dec. 370,

de 1890).

106. Qual o efeito do casamento celebrado em país estrangeiro, quanto à

hipoteca da mulher sobre os imóveis situados no Brasil?

Dominam a solução estes princípios que proporcionam resposta fundada nas

noções atualmente em vigor, abandonada a teoria dos estatutos reais e pessoais, que o

Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, nota 4 ao § 194) reputa defectiva e incompleta.

O casamento celebrado em país estrangeiro entre brasileiro e brasileira, ou

estrangeira, produz a hipoteca legal no Brasil:

a) se for celebrado de conformidade com a lei do país onde tiver lugar;

b) ou se o for de conformidade com a lei nacional, perante o agente

diplomático, ou consular do Brasil;

c) tais casamentos estão sujeitos às formalidades e impedimentos de que trata o

Dec. 181, de 24.01.1890; o conhecimento do impedimento compete às autoridades do

Brasil.

d) devem ser registrados no Brasil, no domicílio dos contraentes, dentro de três


meses depois de celebrados, ou um mês depois de haver um, ou ambos os cônjuges,

regressado ao Brasil (Dec. 181, de 24.01.1890, arts. 47 e 56, § 6.º; Dec. 233, de

27.01.1890, arts. 6.º, 7.º, 8.º, 9.º e 10).

O casamento celebrado em país estrangeiro entre estrangeiros, confere à

mulher hipoteca legal sobre os imóveis que o marido possuir no Brasil:

a) se a lei sob a qual houver sido celebrado tal casamento a conceder.

(Pasquale Fiore, Direito internacional privado, n. 291; Paul Pont, n. 433; Lafayette,

Dir. das Cousas, § 194);

b) a hipoteca deve conformar-se com a legislação que rege tais contratos entre

nós, quer quanto ao objeto, quer quanto ao regimes de publicidade e especialização. (P.

Pont, loc. cit.; Pasquale Fiore, § 231; Lafayette, Dir. da Cousas, § 194, ns. 2 e 6).

107. A mulher pode adquirir, na constância do matrimônio, bens com a

cláusula de serem excluídos da comunhão, sob cujo regime vivam os cônjuges.

É o caso previsto na 3.ª alínea do § 1.º do artigo supra.

Por estes bens, que cabem sob o domínio exclusivo da mulher, e que ficam

sujeitos à administração do marido, tem a mulher hipoteca legal sobre os imóveis do

marido.

Como, porém, tornar efetiva esta hipoteca?

Quando a doação tiver lugar antes do casamento e por pacto antenupcial

ficarem os bens doados excluídos da comunhão, de acordo com o título de aquisição, a

incomunicabilidade dá-se não só pela cláusula da doação, mas por força do pacto

antenupcial; em todo o caso pode o marido estipular a reserva de bens para seu domínio

particular e sobre eles localizar-se-á a hipoteca.


No caso figurado na disposição citada a doação, o legado ou a herança,

ocorrem na constância do matrimônio; se este houver sido contraído sob o regime da

comunhão, sobre que bens do marido recairá a hipoteca legal?

Se além da cláusula da incomunicabilidade o título da aquisição dos bens tiver

a da exclusão da administração do marido, não podendo este ser forçado a garantir a

administração alheia, a hipoteca não tem lugar.

No domínio da legislação de 1864 a questão não oferecia dificuldade que tem

no regime atual, porquanto a hipoteca da mulher casada era geral, compreensiva dos

imóveis presentes e futuros do marido; se este não possuía nenhum na ocasião da

aquisição que fazia a mulher, podia vir a tê- los e era de vantagem que se desse a

inscrição da hipoteca; tanto mais quanto esta não sendo especializada, podia-se tornar

efetiva em todos os imóveis que, soluto matrimonio, viessem a pertencer à meação do

marido, o que era regular e ocorria freqüentemente de acordo com os princípios que

regem a matéria (Dir. das Cousas, § 190 A).

A especialização exigida pelo Ato de 19.01.1890 (art. 3.º, § 10) torna

impossível a hipoteca legal, na constância do matrimônio, celebrado sob o regime da

comunhão, por falta de bens do marido em que ela especialmente tenha assento:

porquanto não há meação do marido, senão depois da dissolução da sociedade conjugal,

e os imóveis da comunhão não podem ser gravados por hipoteca, em favor da mulher,

que é condômina; e que como tal não tem a faculdade de criar em seu favor prelação

sobre os outros credores, em bens do patrimônio comum, que tanto respondem pelas

dívidas dela própria, como pelas do marido que são todas do casal.

O direito hipotecário belga não oferece dificuldade igual, já porque a

comunhão de bens não existe, de modo absoluto, já porque o art. 64 da Lei de 1851,
garantindo as aquisições feitas pela mulher na constância do matrimônio, supõe este

contraído sob o regime exclusivo da comunhão e o marido tendo bens sobre os quais

recaia a hipoteca (Laurent, 30 - 375 e seguintes).

108. O direito moderno ampliando a denominação do dote a toda e qualquer

porção de bens que a mulher traz para o casal com o fim de auxiliar o marido nos

encargos conjugais (Código Civil francês, art. 1.540; Pont, 1 - 435; Troplong, 2 - 585;

Martou, 3 - 884; Laurent, 26, ns. 156, 184 e 186) concedeu a hipoteca legal, quando do

regime convencionado resultar para a mulher um direito contra o marido; a natureza

deste direito é pessoal, é um crédito que se funda na obrigação que contrai o marido de

restituir a importância do dote, os juros e frutos havidos depois da dissolução do

matrimônio (Laurent, 30 - 337, 339, 340 e 341; Pont, 1 - 435 e 439; Martou, 884; Aubry

et Rau, 3 - § 264, n. 2).

109. A mulher, como já o fizemos ver, está garantida contra a alienação dos

imóveis dotais por duas ações: a hipotecária e a revocatória. A primeira ela exercita,

soluto matrimônio, contra os bens do marido, a segunda contra os terceiros adquirentes

dos imóveis. (Pont, 1 - 435; Laurent, 30 - 339; Martou, 3 - 884, p. 12).

§ 2.º Aos menores interditos sobre os imóveis do tutor ou curador.

110. A hipoteca dos menores e interditos sobre os imóveis dos tutores e

curadores origina-se da tutela e da curatela e da disposição da Lei (L. 6 § 4.º Cód. de

bonis quæ liberis; Troplong, 1, n. 429; Pont, 2, 489; Duranton, 19, 805; Laurent, 30,
262; Martou, 2, 769, in fine; Aubry et Rau, 3, § 264 bis, notas 29 e 32): o nosso direito

escrito é expresso:

As hipotecas constituem-se:

Pelo termo de tutela e curatela, a hipoteca legal do menor ou interdito, sobre os

imóveis do tutor ou curador (Dec. 370, de 02.05.1890, art. 131, § 1.º).

A aceitação da tutela, materialmente revelada pela, assinatura do termo, é o

fato a que a Lei liga o efeito da hipoteca, em favor dos menores tutelados ou dos

interditos sujeitos à curatela (Dir. das Cousas, § 195).

111. A vontade do tutor e a do pupilo não são o fundamento da hipoteca, antes

são a ela estranhos, do contrário a hipoteca seria convencional. O fato da nomeação do

tutor pelo juiz não é o gerador desse direito real: ele é, como diz Troplong, uma

preliminar para chegar à hipoteca; ele, porém, não a crêa; do contrário a hipoteca

deixaria de ser legal, isto é, oriunda da Lei para ter seu fundamento no ato praticado

pelo juiz. Ela está adstrita à tutela; existe hipoteca legal em favor dos menores e

tutelados por que eles estão sob tutela: só dá-se essa hipoteca existindo a tutela, regra

fundamental que se deve ter sempre em mente (Laurent, 30, 262).

112. A quem compete?

A hipoteca sendo de direito estrito, não pode ser ampliada por analogia para o

efeito de compreender pessoas e crédito a que a Lei não concedeu expressamente esse

ônus real (Aubry et Rau, 3, § 264 bis; Laurent, 30, 370).

Ela compete:

a) Aos menores órfãos de pai e mãe que são filhos legítimos (Ord. do Liv. 4.º,
Tít. 102; Dec. 181, de 24.01.1890, art. 94; Dir. das Cousas, 2, § 196; Aubry et Rau; 3, §

264; Martou, 2, 754; Laurent 30, 262; Troplong, 2, 420; Pont, 2, 490 e 491; Código

Civil português, art. 906, n. 2);

b) Aos menores que tendo pai ou mãe viva, os tem sujeitos a uma interdição.

(Ord. do Liv. 1.º, Tít. 88 § 6.º; B. Carneiro, Liv. 1.º, Tít. 26, § 223, ns. 8 e 9; Dir. das

Cousas, § 196; Dec. 181, de 24.01.1890, art. 94);

c) Aos menores filhos de pais incógnitos (Aviso 312, do 20.10.1859); porque

estando sob a jurisdição dos juízes dos órfãos deve-se-lhes nomear tutor, salvo se

tiverem mãe conhecida e viva. (Dec. 181, de 24 de janeiro, art. 18);

d) Aos que se acharem sob curatela por dementes. (Ord. do Liv. 1.º, Tít. 88, §

6.º, Tít. 102 princ. e § 1.º, Código Civil português, art. 206, n. 2; Dias Ferreira, 2, p.

357; Pont, 1, 499);

e) Aos que estiverem sob administração por prodigalidade. (Ord. do Liv. 4.º,

Tít. 103, § 6.º; Dir. de Família, § 167; Dir. das Cousas, § 196; Dias Ferreira, 2, p. 357).

113. Não tem hipoteca sobre os imóveis dos que administram seus bens:

a) O ausente sobre os bens do curador de que tratam os arts. 20, 21 e 22 do

Dec. 2.433, de 15.06.1859 (Dir. das Cousas, § 196).

O Código Civil português criou essa hipoteca legal (art. 906, n. 2).

É uma singularidade: a hipoteca funda-se em serem incapazes os menores e

interditos e não no simples fato da administração dos bens por meio de representantes

(Laurent, 30, 265).

b) O nascituro contra o curador do ventre (P. Pont., 1, 496).


114. A hipoteca recai sobre imóveis do tutor e do curador; não é compreensiva

dos bens futuros, mas deve incidir sobre os presentes, que serão especialmente gravados

pela hipoteca, operando-se a especialização por um processo determinado em lei. (Dec.

370, de 02.05.1890, arts. 107, 114, 116, 131, § 1.º, 149 e seguintes.

115. Tendo como fundamento a incapacidade dos menores e dos interditos,

para administrarem e regerem seus bens, a hipoteca parece que devia ampliar-se a todos

os casos em que a administração se achasse em mãos de terceiros, ainda que sem

revestimento do caráter legal de tutores.

Levados pela analogia que com o tutor oferece, quanto aos resultados práticos,

a gestão do pro tutor, entenderam alguns que a hipoteca legal devia gravar os bens

deste, que, sem ser tutor, geria como tal os bens do órfão, bona fide ou não. (B.

Carneiro, 3, § 222, ns. 11 a 14; Dir. das Cousas, 2, § 197).

Tal ampliação não é aceitável.

O princípio dominante no assunto, à vista das expressões formais dos textos

(Dec. 169 A, de 19.01.1890, art. 3.º, § 2.º; Dec. 370, de 2 de maio, art. 131, 1.º) é o que

Laurent (30, 262) proclama: não há hipoteca legal sem tutela constituída nos termos da

lei que rege o assunto, princípio este que já deixamos rememorado.

A administração do pro tutor tal como a definia o direito romano (L. 1.ª, § 1.º,

D. de eo qui pro tutore) não confere ao menor a hipoteca legal; o menor tem apenas

ação para haver do administrador os rendimentos dos bens, todos os frutos e as perdas e

danos que se liquidarem.

No direito francês o ponto não era de todo líquido.

Alguns opinavam pela existência da hipoteca legal (Troplong, 2, 421; Pont, 2,


500) apoiando-se em textos do direito romano (L. 20, Cód. de admin. tutor; LL. 19 § 1.º

e 23 D. de reb. auctor, jud. poss.) outros, com melhor fundamento e apoiados no regime

do moderno direito hipotecário, contestam de modo formal a existência dessa hipoteca.

(Aubry et Rau, 2, § 264 bis, nota 9; Laurent, 30, 264).

116. O tutor de fato, nomeado para negócio especial, ou quando o órfão não o

tem, ou quando há conflito, de interesses, que torna naturalmente suspeito o tutor

efetivo, não é tutor completo, não tem a administração da pessoa e dos bens do menor,

não assiste a este, pois, hipoteca legal; não há necessidade de garantir o menor contra

desvios de administração que não existe. (Duranton, 19, 315; Pont 2, 496; Laurent, 30,

268; Martou, 2, 773; Lafayette, Dir. das Cousas, § 197).

117. Se o nosso direito somente confere a hipoteca legal ao menor sobre os

imóveis do tutor ordinário, não pode negá- lo, contra aqueles tutores que devem ser

nomeados para administrar os bens que o menor possua em comarcas diversas da do seu

domicílio. São estes que o direito francês denomina pro tutores (Thiry, vol. 4.º, n. 459;

art. 117 do Código Civil francês), e que são verdadeiros tutores diferentes dos que o

direito romano denominara de igual modo e que eram os tutores putativos do direito

português antigo. (Troplong, 2 - 421; B. Carneiro 3, § 232, n. 11; Guerreiro, de munere

tutorum, Liv. 6, Cap. 5.º).

Tais tutores, se não administram as pessoas dos menores, administram- lhes os

bens, como seus representantes legais; dá-se em referência a estes o fundamento

jurídico para a hipoteca legal: esta garante tudo quanto o tutor deve pagar ao pupilo

tanquam tutos; o que ele houver recebido, o excesso das despesas feitas além das
taxadas, o valor dos bens que houverem perecido, ou estiverem perdidos por prescrição,

enfim todo o alcance das contas da administração. (Thiry, vol. 4.º, n. 460; Mourlon, 3,

1.457; Laurent, 30, 272 e 277; Aubry et Rau, 3, 264 bis, notas 20 e 23; Martou, 2, 786).

118. O tutor é obrigado à prestação de perdas e danos pelos prejuízos causados,

por falta, negligência e malversação. (Pont, 2, 501; Troplong, 2, 427); responde pela

alienação de imóveis feita sem as formalidades legais (Pont. 2, 501) pelos que deixou

arruinarem-se, pelos que lhe foram tirados, por meio de ação judicial, em que o pupilo

decaísse por má defesa de seus direitos. (Ord. do Liv. 3.º, Tít. 41 § 5; Ord. do Liv. 4.º,

Tít. 103, § 2.º).

119. A hipoteca garante o pagamento das dívidas que o tutor ou o curador

tenham para com o pupilo, ou curatelado?

A melhor opinião tem assentado que a dívida vencida durante a tutela, incide

sob a garantia hipotecária, porquanto o tutor – a se exigere opportere – e

conseguintemente devia pagar a si próprio por conta de seu pupillo (Pont. 2, 501;

Laurent, 30, 273; Mourlon, 3, 1.457; Voet, Pandectas, 20, 216).

120. A hipoteca legal dos menores e interditos constitui-se, como já o fizemos

sentir (n. 111), pela assinatura do termo da tutela ou curatela (art. 131, § 1.º, do Dec.

370, de 1890) os seus efeitos não datam, porém, da constituição e sim da inscrição (art.

116 do Decreto citado).

No domínio da legislação de 1864 a hipoteca legal dos menores e interditos,

sendo geral e compreensiva, dos imóveis presentes e futuros do tutor e do curador e


independendo de inscrição para valerem contra terceiros (arts. 118 e 123 do Dec. 3.453,

de 26.04.1865) os seus efeitos produziam-se todos da data da constituição; é ainda o

sistema do direito francês, que a tamanhas controvérsias tem dado lugar. (Troplong, 2 -

428).

A hipoteca legal é concedida aos interditos para garantir a restituição de seus

bens e valores, ou o pagamento do preço dos mesmos, dos frutos e rendimentos; a

garantia assenta sobre os bens dos curadores e torna-se efetiva, por meio da prelação, se

os imóveis do curador forem objetos de ação por parte de credores dos curadores e por

meio da seqüela se estes alienarem os imóveis sobre os quais assenta a garantia. Estes

efeitos dependem, segundo a legislação atual, da inscrição, a qual, por sua vez depende

da especialização; daí resulta conseqüência de grande alcance para os interesses dos

órfãos tutelados e dos incapazes sujeitos à curatela: os contratos hipotecários que o tutor

houver celebrado anteriormente à tutela e ainda no mesmo dia em que houver assinado

o termo de tutela, se forem imediatamente inscritos, conferirão prelação sobre a

hipoteca legal do tutelado, que for inscrito posteriormente; se o tutor não possuir outros

bens senão os já hipotecados e se estes cobrirem o valor das duas hipotecas, poderão ser

aceitos para hipoteca legal. (Dec. 169 A, de 19.01.1890, art. 3.º, § 7.º; Dec. 370, de

02.05.1890, art. 167); ora, na hipótese dos bens se deteriorarem, surge a necessidade de

liquidar-se a hipoteca legal e destituir-se o tutor, desde que seja impossível o reforço,

por falta de mais bens do responsável.

São estes os princípios que dominam a eficácia da hipoteca legal no direito

belga, onde é ela dependente de especialização e de inscrição, para valer contra terceiros

(Martou, 2, 776; Laurent, 30, 283 e 285).

A hipoteca legal inscrita garante todos os bens presentes do pupilo e os que de


futuro forem por ele adquiridos na constância da tutela (Martou, 2, n. 785; Pont, 1, n.

501; 2, n. 749; Lafayette, Dir. das Cousas, § 199).

121. A hipoteca legal do menor sobrevive à menoridade?

É ponto muito controvertido no direito francês.

A jurisprudência transviada, em princípio, por uma decisão da Cassação

francesa, não tardou em conformar-se com os princípios que dominam a hipoteca legal

dos menores.

Segundo uns a ação da hipoteca dura até a definitiva prestação das contas pelo

tutor cujos alcances devem cobrir o direito real constituído em favor dos tutelados e

curatelados, sob pena de proporcionar ela uma garantia ilusória, porque atos da

administração tutelar podem ser impunemente lesivos, desde que a hipoteca não proteja

contra eles os pupilos (Troplong, 2, n. 427, Aubry et Rau, 3, § 264, p. 215).

Uma segunda opinião que se apóia no direito romano, resolve a dúvida, por

meio de uma distinção:

a) Os atos que prendem-se, como conseqüência, à administração da tutela, a

hipoteca legal alcança-os; é isto consectário natural dos princípios que regem a

constituição e os fundamentos da hipoteca legal.

O direito romano assim o estatuía de modo expresso:

“Si tutor, post pubertatem pupilli, negotia administraverit, in judicium tutelae

veniet id tantum sine qua administratio tutelae expediri non potest; … et est verum ea

quae connexa sunt venire in tutelae accionem” (L. 13 D. de tutel. et ration,

distrahendis).

“Tutor post pubertatem aetatem pueelloe, si in administratione connexa


perseveraverit tutelae actione totius temporis rationm praestare cogitur” (L. 2 C.

arbitrium tutelæ);

b) Se, porém, o ato não se prende como consectário e dependência a gestão da

tutela, não se estende a esse a hipoteca legal, porquanto esta foi instituída pela lei, em

favor do menor e sobre os bens do tutor; depois da maioridade não há mais menor, e

sendo a hipoteca stricti juris não pode ser ampliada em seus efeitos, por considerações

de eqüidade ou de analogia (Demolombe, 8, ns. 27 e 28; Pont, 1, n. 502; Martou, 2,

785).

Uma terceira opinião, finalmente, reputa extinta a hipoteca legal, em todos os

seus efeitos, desde que com o fato da maioridade, cessa a presunção de incapacidade do

menor, em proteção à qual a lei concedeu a hipoteca legal.

Acresce que o princípio que domina o assunto é que somente há hipoteca legal

onde existe tutela, esta liga-se ao fato da menoridade, supor a aplicação de seus efeitos a

maioridade, é admitir a mais flagrante violação da noção da hipoteca legal.

Estes fundamentos foram produzidos, na Bélgica, pelo advogado geral Doumy,

por ocasião da decisão proferida, de acordo com os sãos princípios, pelo Tribunal de

Apelação de Gand em 03.02.1854.

Disse o referido magistrado:

A eqüidade quer que todos os cidadãos sejam iguais perante a lei. Por exceção

e para subtrair os órfãos em tenra idade aos inconvenientes de sua fraqueza a eqüidade

autoriza o legislador a colocá- los sob o poder de um protetor. Como conseqüência desta

exceção, quer a eqüidade que à lei tome, mesmo com perigo dos interesses de terceiros,

as precauções necessárias para que este poder não seja empregado contra o ser fraco que

é destinado a proteger. A eqüidade para onde finda a necessidade. Quando libertado,


pela idade e pela lei, do poder tutelar, o menor tornado maior entra na massa dos

cidadãos para gozar das mesmas liberdades e suportar os mesmos encargos que eles, a

eqüidade não mais reclama para ele tratamento privilegiado em prejuízo de terceiras

pessoas tão dignas, e algumas vezes ainda mais dignas do que ele da solicitude do

legislador (Martou, 2, n. 785, p. 370 a 371).

É este o modo de ter aceito por Laurent, que o justifica, com sólido fundamento

(vol. 5, 117 e 118). Este jurisconsulto concorda na ampliação da hipoteca legal

unicamente aos atos que, consumados durante a tutela, produzem, todavia seus efeitos

imediatos durante a maioridade do pupilo.

Assim o tutor que coloca quantias pertencentes a seus tutelados em mãos de

pessoas insolváveis, se a falência ou a insolvabilidade é declarada durante a maioridade

do tutelado, sem dúvida respondendo o tutor pelo dano a hipoteca legal deve garantir o

menor quanto à restituição dessas quantias porquanto: l’acte d’où resulte le préjudice

pour le mineur devem majeur a été consommé pendant la tutelle, c’est donc un acte de

gestion tutéllaire dont de tuteur répond, et pour lequelle mineur a sa garantie

hypothécaire (Laurent, 5, 118).

122. É esta a opinião que me parece aceitável.

Não há fundamento jurídico na distinção que fazem Demolombe (n. 27),

Martou (n. 785) e Pont (n. 502), antes ela importa em uma petição de princípio.

O objeto da dúvida é justamente se a maioridade tem, de per si só, a força de

rescindir a hipoteca legal e conseqüentemente de fazer escapar à sua proteção os atos

que se produzirem com seus efeitos danosos ao pupilo, na constância da maioridade.

Que o tutor, depois da maioridade, não responde por seus bens, sob
fundamento da hipoteca legal, por atos que praticar em referência ao patrimônio do ex-

pupilo, é fato que nunca foi objeto de contestação.

Do que se tem duvidado é da possibilidade de invocar a hipoteca legal, para o

fim de estabelecer prelação sobre credores quirografários ou hipotecários posteriores,

estando o indivíduo maior, sob pretexto de que o ato que reputa danoso está ligado à

gestão tutelar, e esta ainda não atingiu a fase da completa apuração da responsabilidade

do tutor: a prestação das contas.

Na solução deste ponto os princípios severamente aplicados não podem deixar

de isentar o tutor da hipoteca legal.

Efetivamente a maioridade faz desaparecer a presunção da incapacidade do

menor, razão fundamental da hipoteca legal; o indivíduo maior está no domínio do

direito comum; a ele cabe o emprego dos meios que as leis proporcionam a todos para a

proteção das pessoas e dos bens.

Ao maior compete chamar o tutor a contas para verificar o alcance em que ele

se possa achar; se não o fizer, se consentir que o tutor continue na gestão dos bens, fica

inovado o estado legal antigo, dá-se perfeito acordo de vontades, e ocorre, se não um

mandato tácito sujeito à ratificação, pelo menos a gestão de negócios, que nada tem de

comum com a gestão tutelar, antes procede de causa nova; “ce n‟est plus une tutelle,

c‟est un mandat tacite ou une gestion d‟affaires.” (Demolombe, 8 - 27; Laurent, 5, 117;

Pont, 1, 502 in fine).

123. O nosso direito escrito parece oferecer uma limitação a esta resolução.

Pelo direito hipotecário em vigor a hipoteca legal do menor deve ser inscrita, a

ela aplicam-se todos os preceitos que regem as hipotecas convencionais (art. 167 do
Dec. 370, de 1890); ora, o art. 227 do Decreto citado dispõe que a extinção da hipoteca

só começa a ter efeito depois de averbada no competente registro, e só poderá produzir

efeitos em juízo a vista da certidão da averbação.

Deixando para apreciar oportunamente o fundamento jurídico desta disposição,

devemos dizer, que a prova da extinção da hipoteca só se fazendo por meio da certidão

da averbação no registro, o tutor, seja ou não maior seu tutelado, fica com os imóveis

gravados com o direito real da hipotecar, em favor de seu pupilo, enquanto não oferecer

o único documento que prova, a anulação desse direito real e a deliberação de seus bens

a certidão da baixa da hipoteca. Se esta continua a produzir os seus efeitos, o devedor

descuidado, o tutor omisso em fazer a averbação da extinção sib imputet.

Só a prescrição, na falta da certidão de averbação, pode por termo à hipoteca

(arts. 215 e 116 combinados do Dec. 370 de 1890).

124. Hipoteca legal dos menores e interditos estrangeiros.

A hipoteca legal do menor e do interdito está dependente, como acessório que

é, do fato principal da tutela e da curatela, ao qual se acha ligado. A lei que rege o

principal rege o acessório. Se o direito escrito do país onde se defere a tutela liga a esta,

em favor dos menores e dos interditos, a hipoteca legal, esta tem vigor em toda a parte;

sob este aspecto é um estatuto pessoal; tal é a doutrina corrente (Laurent, 1 - 116, p.

183; Pasquale Fiore, ns. 220 e 226; P. Pont, 1, n. 489; Troplong, 2, n. 429).

A hipoteca incide, porém, sobre bens do tutor: sob o aspecto do seu objeto é ela

um estatuto real; rege-se conseguintemente pela lei da situação dos bens.

É assim que se a lei do país rei-sitæ confere o direito de hipoteca ao menor

sobre todos ou sobre parte dos imóveis do tutor, com tal compreensão é que se faz
efetiva a hipoteca.

Outrossim as formalidades para a execução do direito hipotecário são os do

país rei-sitæ.

O menor estrangeiro tem sobre os imóveis do seu tutor estrangeiro situado no

Brasil, hipoteca legal, que deve ser especializada e inscrita, se a lei do seu país confere

tal hipoteca ao pulilos (Lafayette, Dir. das Cousas, § 200).

Sendo reconhecida a tutela como um estatuto pessoal o menor brasileiro tem

contra seu tutor, ainda que a tutela se defira em país estrangeiro, hipoteca legal nos

termos dos Decretos 169 A, e 370 de 1890.

A disposição do § 4.º do art. 4.º do Dec. 169 A é restrita às hipotecas

convencionais; ela rege apenas as que se originam de contratos celebrados em país

estrangeiro.

“Aos filhos menores sobre os immoveis do pai, que administrou os bens

maternos ou adventicios dos mesmos filhos” (§ 3.º do art. 3.º do Dec. 169 A).

125. A hipoteca legal, sobre os imóveis do pai, é conferida, pelo nosso direito,

aos filhos em três casos:

a) Pelos bens que os filhos houverem recebido em legítima materna;

b) Pelos que adquirirem por doação, herança ou legado de quaisquer parentes

ou estranhos;

c) Para garantia dos bens que os pais binubos, com filhos do primeiro

consórcio, herdarem de qualquer desses filhos que faleça antes ou na constância do

segundo matrimônio.
126. A herança materna constitui no nosso direito pecúlio adventício do filho.

É um romanismo que carece de fundamento no estado atual do direito; o pai

não adquire mais por meio do filho; o regime dos pecúlios era o meio de excepcionar o

rigor do direito quiritário e de reconhecer no filho domínio sobre bens que adquiria na

sucessão materna.

Sobre tais bens as Ords. do Liv. 1.º, Tít. 88 § 6.º, Tít. 97 § 19, Tít. 98 § 7.º

conferem ao filho a propriedade e ao pai a administração e o usufruto, à imitação do

regime que no direito romano inaugurara Constantino (L. 1.ª Cód. de bonis materiais) e

Justiniano confirmou, ampliando a todos os bens adquiridos pelos filhos (Leis 6.ª e 8.ª

Cód. de bonis quæ liberis, etc., Instít. Liv. 2.º, Tít. 9.º, § 1.º, per quas personnas cuique

acquiritur; Maynz, Droit romain, 2, § 331; Serafini, § 94; nota 19).

É para garantir os filhos contra a deterioração e os danos que a administração e

o usufruto dos pais, podem acarretar aos bens daqueles que a lei constituiu a hipoteca

legal em favor deles, sobre os imóveis do pai (L. 8.ª, § 2.º, 6.ª, §§ 4 e 5. Cód. de bonis

quæ liberis).

No atual regime hipotecário deve esta hipoteca ser especializada e inscrita (art.

116 do Dec. 370, de 02.05.1890).

O art. 94 do Dec. 181, de 24.01.1890, conferindo às mães, por morte dos pais,

pátrio poder sobre os filhos, colocou estes, em relação àquelas, em posição igual à que a

legislação anterior os colocava em referência aos pais.

As mães têm o usufruto e a administração dos bens que os filhos adquirem por

legítima paterna; o texto é expresso:

“Esta lhe succederá nos seus direitos sobre a pessoa e os bens dos filhos

menores, emquanto se conservar viuva”.


Uma condição limitativa ao exercício do pátrio poder das mães é a conservação

no estado de viuvez, porque se tornarem a casar, incidirão sob o poder do marido.

O Dec. 169 A, de 1890, não havia previsto o fato por ser ele anterior ao de n.

181 que estabeleceu o casamento civil; o Dec. 370, do mesmo ano, regulamentando a

matéria das hipotecas legais, ampliou ao caso previsto no art. 94 do Dec. 181 a

disposição do § 3.º do art. 3.º do Dec. 169 A.

Os filhos menores têm atualmente, sobre os imóveis das mães, hipoteca legal

para garantia das legítimas paternas; é expressa a disposição do § 2.º do art. 131 do Dec.

370 que declara a hipoteca legal constituída.

“Desde a morte da mão, e por este fato, a hipoteca legal do menor pelos seus

bens maternos sobre os imóveis do pai, ou da mãe nos termos do art. 94 do Dec. 181, de

24.01.1890.”

Convém ressalvar uma pequena lacuna de redação; a “hipoteca constitue-se

desde a morte da mãe do pai, e por este facto, e não somente desde a morte da mãe,

como se declara no citado § 2.º do art. 131.”

A esta hipoteca aplica-se o que expendemos sobre duração da hipoteca legal do

menor sobre os bens do tutor: ela não sobrevive à menoridade.

a) “A lei considerando que o filho, quando maior, está na plenitude de suas

faculdades mentais e que, por consequência, nada o inibe de exercer pessoalmente os

recursos que lhe oferece o direito para por cobro à má gestão do pai, nega- lhe o favor da

hipoteca legal, que só concede ao filho menor.” (Lafayette, Dir. das Cousas, § 201, n.

1).

É esta a verdadeira doutrina que já deixamos expendida (n. 138) quando

tratamos da hipoteca legal do menor sobre os imóveis do tutor.


b) Hipoteca legal para garantia dos bens adquiridos pelo filho por doação,

legado ou herança.

Estes bens constituem igualmente pecúlio adventício do filho.

Tal pecúlio pode ser regular ou irregular.

Em referência ao pecúlio adventício regular, os princípios expostos tem inteira

aplicação; os filhos têm hipoteca sobre os imóveis do pai ou da mãe, para garantirem-se

contra os erros da administração dos mesmos.

O pecúlio adventício irregular é aquele em que não são conferidos ao pai – o

direito de administração (B. Carneiro, vol. 2.º, § 189, n. 4) ou de usufruto (Ord. do Liv.

4.º, Tít. 98; Ord. do Liv. 1.º, Tít. 88 § 6.º; Assento de 20.07.1780; Consolidação das

Leis Civis, art. 180 e notas).

A hipoteca legal, que se funda, na hipótese dos pecúlios regulares, no fato da

administração e no do usufruto, parece que não devia ter aplicação ao caso em que o pai

é privado de ambos estes direitos; a lei, porém, não isentou o pai do encargo da

hipoteca, porque, conquanto ele possa ser privado do usufruto por simples declaração

dessa condição na doação ou na instituição; todavia, só o será na administração, se o

doador ou o instituidor houver nomeado administrador; na falta dessa nomeação tem o

pai a administração, como exercício de um direito inerente ao pátrio poder.

A hipoteca legal tem por fim garantir:

a) A restituição dos bens que constituem o pecúlio (Ord. do Liv. 1.º, Tít. 88 §

6.º) ou do seu valor (Ord. do Liv. 3.º, Tít. 9.º, § 4.º) logo que o filho se emancipe;

b) A indenização dos prejuízos que sofrer o pecúlio, quando provenientes da

negligência, da culpa ou da malversação do pai, como na hipótese de deixar arruinar-se

a casa, danificar o prédio, prescrever a dívida e outras semelhantes:


c) A restituição dos frutos e rendimentos, na hipótese do pecúlio adventício

irregular.

127. No direito francês foi ponto de controvérsia se o filho tinha, na constância

do matrimônio do pai, hipoteca legal sobre os imóveis deste, para garantia dos bens

adventícios.

A melhor opinião, que prevaleceu na jurisprudência recusa tal hipoteca aos

filhos. A razão fundamental é que o Código Civil francês ligou a hipoteca legal à tutela

dos parentes, dos estranhos e do próprio pai ou mãe sobreviventes (art. 320); quando o

pai goza e usufrui os bens do filho jure proprio (Código Civil, art. 398), isto é,

exercendo o pátrio poder, não é obrigado à hipoteca, porque não há preceito de lei que

conceda tal hipoteca ao filho e o direito hipotecário é de interpretação restrita, não pode

ser ampliado na aplicação por analogia.

Acresce que não há conveniência alguma em aumentar os casos de limitação da

propriedade territorial por meio da gravação de ônus reais (Laurent, 30, n. 271; Martou,

2, 775; Pont, 2, 493; Aubry et Rau, 2, 264 bis, notas 23 e 26; Duranton, 1, 308;

Mourlon, 3, 1.459, 3.ª alínea; Troplong, 2, 424).

Não é o direito que domina entre nós.

A hipoteca do filho sobre os bens do pai origina-se do título de aquisição e

desde que este é exigível (art. 130, § 3.º, do Dec. 370, de 02.05.1890).

128. c) A hipoteca que a lei confere aos filhos de um matrimônio anterior sobre

os imóveis do pai ou mãe binubo, para garantir os bens havidos pelo mesmo filho em

sucessão de um irmão pré- morto, funda-se nos preceitos excepcionais estabelecidos na


Ord. do Liv. 4.º, Tít. 91, §§ 2.º, 3.º e 4.º.

Segundo o princípio dominante da ordem da sucessão os pais sucedem, com

exclusão de quaisquer outros parentes, aos filhos que falecem sem descendência (Ord.

do Liv. 4.º, Tít. 91 pr. e § 1.º); se, porém, a mãe ou o pai houverem contraído segundas

núpcias e destas tiverem filhos, não herdarão os bens de qualquer dos filhos do primeiro

matrimônio que faleça, deixando irmãos do mesmo leito: em tal caso adquirem os pais

apenas o usufruto e os bens passam em propriedade ao filho ou filhos sobrevivos do

primeiro consórcio, isto quer a sucessão do filho se tenha aberto antes do segundo

casamento do pai ou da mãe, quer na constância deste.

O preceito limitativo da Ord. observa-se, por ampliação da própria lei (§ 2.º do

Ord. cit.) no caso de existirem netos oriundos de filhos pré- mortos do anterior

consórcio, que devam concorrer com o tio sobrevivente na herança do tio falecido.

A lei, tendo por intuito garantir a sucessão dos filhos, excluiu, por disposição

expressa, de sua aplicação, a hipótese de não existirem filhos, mas sim netos oriundos

do primeiro casamento.

É para garantir os bens que compõem tal sucessão e sobre os quais o pai e a

mãe tem apenas o usufruto que foi instituída a hipoteca legal do § 4.º do art. 3.º do

Decreto de 19.01.1890.

Não tem lugar a hipoteca:

a) Se o filho instituir o pai ou mãe binubo seu herdeiro em testamento (Ord. do

Liv. 4.º, Tít. 91, § 2 in fine; Lafayette, Dir. das Cousas, 2, § 202, nota 2);

b) Se não sobreviver ao filho do primeiro matrimônio falecido, irmão algum,

ainda que sobrevivam sobrinhos, netos do pai ou mãe binubo s. (Cit. Ord.; Dir. das

Cousas, loc. cit.);


c) Se depois de firmado o direito do filho sobrevivo falecer este na constância

das segundas núpcias do pai ou da mãe, caso em que a sucessão transfere-se segundo o

direito comum .

Esta hipoteca constitui-se desde o casamento, e por este fato, sobre os imóveis

do pai ou mãe, que passam a segundas núpcias (art. 131, § 4.º, do Dec. 370, de

02.05.1890); conseguintemente:

a) Se o filho houver falecido antes do segundo casamento;

b) Se falecer na constância do segundo consórcio tem lugar a hipoteca legal.

129. Tal hipoteca sobrevive à maioridade do filho?

A razão de duvidar é esta:

O fundamento legal desta hipoteca é o usufruto; este, no caso da Ord. do Liv.

4.º, Tít. 91, § 2.º substitui a propriedade que devia caber ao pai ou mãe; tal usufruto é,

pois, vitalício, como seria definitiva e perpétua a propriedade que ele veio substituir.

Sendo assim, como não admitir a perduração da hipoteca legal, quando o fato

de onde decorre sua existência, isto é, a obrigação principal – de restituir os bens re-

integra só se resolve com entrega por parte dos herdeiros post-mortem do de cujus?

A procedência da dúvida é apenas aparente.

O preceito da lei é restrito. A hipoteca é apenas concedida aos filhos menores

do primeiro matrimônio (§ 9.º do art. 3.º do Dec. 169 A, de 1890; § 4.º do art. 131 do

Dec. 370, de 1890), não pode ser mantida quando a menoridade tiver cessado e a

maioridade já houver produzido todos os seus efeitos inclusive o da emancipação, que

lhe é atribuída no direito moderno (art., 5.º, n. 2, do Dec. 200 A, de 08.02.1890) .

A extinção da hipoteca começa, porém, a produzir efeito depois da averbação e


a vista da certidão dela. (Dec. 370, de 02.05.1890, art. 227).

À Fazenda Publica geral, à de cada Estado e à municipal sobre os imóveis dos

seu tesoureiros, coletores, administradores, executores, prepostos, rendeiros,

contractadores e fiadores. (§ 5.º do art. 3.º do Dec. 169 A, de 1890).

130. Esta hipoteca funda-se no fato de ser a fazenda pública equiparada, quanto

à sua posição jurídica e encarada como pessoa civil, aos menores, e aos incapazes –

Rem publicam ut pupillum extra ordinem juvari moris est – que não podendo de per si

administrar os bens próprios são obrigados a confiá- los à administração de outros, que

agem em seu nome e interesse por força da representação (L. 4.ª, Cód., quibus ex-causis

majores in integ.; L. 3.ª, Cód. qui potiores in pignor.; L. 13 § 1.º D. de publican. et

vectigal. et commissis; L. 3.ª Cód. de jure reipublic.; Ord. do liv. 3.º, Tít. 41 §§ 4.º e 6.º;

Lei de 22.12.1761, § 15; Instrução da Diretoria Geral do Contencioso de 10.04.1851,

art. 17; Lobão, Notas a Mello, vol. 2.º, p. 518 e seguintes; Instruções 164, de

27.04.1866; Laurent, Dir. Civil, vol. 30, n. 416; Pont, 2, n. 504) e no de querer a lei

garantir os dinheiros pertencentes a tais pessoas morais, por serem eles destinados a

serviços públicos (Thiry, vol. 4.º, § 490).

131. Como essa hipoteca tem por fim garantir a fazenda pública, no caso de

concorrerem credores ao pagamento de seus créditos pelo produto dos bens daqueles

que se acham, por alcance verificado, obrigados a restituir à fazenda pública dinheiro

que tenham sob sua guarda e que despenderam ou malbarataram, ela somente incide

sobre os imóveis dos agentes da fazenda, que por força de seu cargo, recebem dinheiros,
pagam ou conservam-nos em seu poder.

Tal hipoteca constitui-se pela nomeação, contra os próprios empregados e, pela

fiança, contra os fiadores; data do título da nomeação e do termo da fiança (art. 131, §

7.º, do Dec. 380, de 02.03.1890); mas somente produz seus efeitos, contra terceiros, da

data da inscrição (Decreto 370, arts. 113, 114 e 116; Dec. 169 A, de 19.01.1890, art.

9.º).

132. O Decreto Legislativo 392, de 08.10.1896, e o Dec. 2.409, de 23 de

dezembro do mesmo ano, marcaram o processo da tomada, das contas dos responsáveis

para com a fazenda nacional; o alcance apurado pela decisão que julgar ou apreciar as

contas, e que constitui a condenação, é pago por via de execução no juízo federal de

seção (art. 4.º, § 1.º, do Decreto Legislativo 392, e art. 240, do Dec. 2.409, do mesmo

ano). A sentença do tribunal de contas tendo força de sentença judicial, produz em favor

da fazenda, hipoteca judicial.

O processo executivo (Dec. 9.885, de 29.02.1888, art. 1.º, n. 1) conferido à

fazenda para a cobrança das dívidas fiscais é igualmente facultado, pela legislação

hipotecária, para acionar o terceiro adquirente dos bens garantidos por hipoteca legal,

que o responsável houvesse alienado (Dec. 169 A, de 19.01.1890, art. 14; Dec. 370, de

2 de maio do mesmo ano, art. 381).

133. Os rendeiros e contratadores a que se refere a disposição do § 5.º do art.

3.º do Dec. 169 A supra, são os particulares que outrora celebravam com a fazenda

pública contratos para a arrecadação dos impostos.

O Regimento da Fazenda de 17.10.1516 referia-se a tais contratos e tomara


minuciosas providências para não ser a fazenda pública defraudada pelos arrematantes

se tuis impostos (arts. 156, 173, 174, 176 e 177), dispondo sobre os meios os mais

prontos para tornar efetiva a cobrança do que ao Estado fosse devido.

O § 31, da Lei de 22.12.1761, proibia que se fizessem tais contratos, mediante

fiança: “pela impossibilidade de se segurar por cabedaes de fiadores particulares as

rendas da fazenda e pelos embaraços que dos sobreditos fiadores se tem seguido, tanto

nas arrematações dos contractos como nas execuções para os pagamentos dos preços

dalles” e mandava substituir tal fiança, pela idoneidade das arrematantes.

Na nossa administração foi ponto de controvérsia se tais expressões

compreendiam unicamente os arrematantes de rendas e impostos ou os que celebrassem

quaisquer contratos com a fazenda pública.

Por decisão tomada em virtude de parecer das Seções Reunidas de Justiça e

Fazenda do extinto Conselho d‟Estado (de 26.10.1867) ficou assentado, que somente a

primeira noção devia ser ligada às expressões usadas na Lei Hipotecária de 1864,

reproduzidas no Dec. 169 A, na disposição supra (Dr. Souza Bandeira, Manual do

Procurador dos Feitos, nota 73).

134. A hipoteca legal é igualmente conferida aos Estados e municípios, que

tem também personalidade jurídica e são capazes de adquirir bens; a hipoteca tem o

mesmo alcance e a mesma compreensão e constitui-se nos mesmos termos da que a lei

atribui à União(m).

(m)
O direito belga (arts. 47 e 48 da Lei de 16.09.1851) e o francês (Código Civil, art.
2.121) concedem a hipoteca legal aos estabelecimentos públicos, o que tem dado matéria para
longa controvérsia (Laurent, 30, n. 419; Pont, 2, n. 505) por ter o legislador deixado de
determinar, de modo preciso, que estabelecimentos auferiam essa privilegiada garantia.
135. A hipoteca da fazenda pública garante não somente a restituição dos

dinheiros públicos recebidos e confiados à guarda e à administração dos responsáveis,

mas a inteira reparação dos danos causados e conseguintemente a completa prestação

das perdas e danos.

É o pensamento dominante em toda a legislação anterior (Cap. 156, do

Regimento da Fazenda de 17.10.1516; Lei de 22.12.1761, Tít. 3.o , § 2.º).

§ 6.º Às igrejas, mosteiros, misericórdias e corporações de mão morta, sobre os

imóveis de seus tesoureiros, prepostos, procuradores e síndicos.

136. As corporações que têm como fim em sua organização e como objetivo

em sua constituição a vida religiosa, o culto da divindade ou a prática da caridade

constitui o que o direito denomina – mão morta (Ord. do Liv. 2.º Tít. 18; Provisão de

16.05.1770; Assento 1.º, de 29.03.1770; Lei de 04.07.1768; Lei de 09.09.1769, §§ 10 e

21, e Alvará de 20.07.1793).

137. Tais pessoas morais eram, desde remota data (Lei de D. Diniz de

Os Códigos posteriores (italiano, art. 1.969; português, art. 906) repudiaram esse
hipoteca.
No direito belga a hipoteca da fazenda pública é geral. (Art. 48 da Lei de 1851; Laurent,
30, 422): “mais, quoique générele, c‟est-à-dire frappant tous lês immeubles de ces comptables,
elle n‟en est pas moins soumise au principe de spécialité e de publicité, c‟est-à-dire qu‟elle doit
être inscripte et que l‟inscription doit désigner spécialemente chacun des immeubles soumis à
l‟hypothèque et faire connaître la somme jusqu‟à concurrence de laquelle cette hypothèque
existe. (art. 89).” (Thiry, Droit Civil, vol. 4.º, n. 490).
21.03.1291), proibidas de possuir bens de raiz, que se conservavam intransferíveis em

suas mãos e não sujeitos a tributos e imposições, com grave prejuízo da vida econômica

das nações (Ord. do Liv. 2.o , Tít. 18 § 1.º; Lei de 04.07.1768; Lei de 09.09.1769, § 10).

Essa proibição, que o direito português apenas relevava no primeiro ano e dia

do domínio, ou sob permissão expressa do rei, (Ord. cit. princ.) passou para o nosso

direito, com limitação do tempo concedido para a alienação e conversão dos bens

imóveis, com exceção d‟aqueles cuja conservação fosse permitida pelo governo.

Segundo a legislação anterior de 1891 as corporações de mão morta não

podiam possuir bens de raiz, sem concessão expressa e sem ser para determinada

aplicação. Os que adquirissem deviam converter em apólices da dívida pública fundada,

dentro de seis meses contados do ato da aquisição (Decreto Legislativo 1.225, de

20.08.1864, art. 2.º; Dec. 4.453, de 12.01.1870, arts. 6.º, 9.º e 12; Ferreira Alves,

Proved., § 337; Ribas, Dir. Civil, 2, p. 175; Souza Bandeira, Man. do Proc. dos Feitos,

§ 332 e notas).

Tinham, porém, a propriedade:

a) Dos bens de raiz que houvessem legalmente adquirido até a data da Lei de

20.08.1864 (Lei citada; art. 1.º; Dec. 4.453, de 1870, art. 1.º), o que já antigamente

dispunham as leis da amortização (Ord. do Liv. 2.º, Tít. 18 § 3.º) mantendo- lhes o

domínio dos bens que em seu patrimônio tivessem a 13.08.1432, dia do falecimento de

D. João I, e possuíssem até 1447 (B. Carneiro, Liv. 1.º, Tít. 36, § 305 n. 8);

b) Das apólices da dívida pública fundada em que fossem convertidos os bens de

raiz, na conformidade das disposições citadas;

c) Dos rendimentos de todos os bens de raiz ou apólices de seu patrimônio.


138. São consideradas no nosso direito corporações de mão morta:

a) As ordens religiosas e terceiras (Ferreira Alves, § 334; Borges Carneiro, §

306 n. 1; Coelho da Rocha, § 75; Lafayette, Dir. das Cousas, § 206, n. 2).

b) As igrejas, confrarias e irmandades (Ord. do Liv. 2.º, Tít. 18; Lei de

14.07.1768, princ. e § 1.º; Provimento de 14.05.1770; Alvará de 20.06.1793).

c) Os hospitais e as misericórdias (Ferreira Alves, loc. cit.; Ribas, loc. cit.) ;

d) Os cabidos. (Ribas, loc. cit., § 3.o ).

139. Foi para garantir as corporações de mão morta, que são pessoas jurídicas

(Ribas, Tít. 2.º, Cap. 4.o , § 4.o ) equiparadas aos incapazes (LL. 32 e 35, Cód. de episcop.

et clericis) e que não podem de per si só administrar seus bens, mas tem de fazê- los

gerir por prepostos que a lei (Dec. 169 A, § 6.º supra, e Dec. 370, de 02.05.1890, art.

107, § 1.º) conferiu- lhes hipoteca legal, que deve ser especializada e inscrita (Dec. 370

cit., arts. 114 e 116) sobre os imóveis de seus administradores, a datar do dia da

nomeação de tais prepostos (Dec. 370, art. 131, § 7.º; Lafayette, Dir. das Cousas, § 204,

n. 5), desde que se dê a aceitação do cargo e o seu ulterior exercício.

140. Essa hipoteca compreende em sua ação garantidora:

a) A importância das rendas e quantias recebidas provenientes dos bens e dos

juros das apólices;

b) A obrigação de reparar todos os danos que da administração resultarem para

os bens imóveis, que as corporações conservarem nos casos permitidos em lei (Decreto

Legislativo 1.225, de 1864; Dec. 4.453, de 1870).


141. O regime tutelar estabelecido pela legislação acima citada, para as

corporações de mão morta, sofreu alteração, por força do disposto no § 3.o do art. 72 da

Constituição de 24.02.1891, que não pode ser entendido sem alcançar em sua

compreensão as corporações de mão morta.

Estas passaram a ter a faculdade de adquirir e possuir bens de qualquer

natureza; e a legislação que mandava operar a conversão dos imóveis em apólices da

dívida pública, não se deve considerar em vigor por ferir o princípio do citado art. 72, §

3.º, da Constituição (art. 83 da Constituição), a despeito do que dispõe o art. 5.º do Dec.

119 A, de 07.01.1890.

A hipoteca legal subsiste, porém, em favor das corporações de mão morta,

porque não colide esse direito real com a capacidade para adquirir e possuir bens

imóveis.

A jurisprudência belga ao passo que reconhecia aos hospícios e outras

instituições de beneficência direito à hipoteca legal, considerando-as no numero dos

estabelecimentos públicos de que trata o art. 47 da Lei de 16.12.1851, recusava-a às

fábricas das igrejas e os doutrinadores justificam tal alvitre com o fundamento de não

serem as fábricas consagradas às instituições de caridade, que são de interesse geral,

mas sim a uma seita religiosa, ao catolicismo, que não sendo na Bélgica religião do

Estado, não afeta senão a um serviço de ordem privada (Laurent, 30, n. 420).

O direito francês não confere, segundo a melhor opinião, hipoteca legal às

instituições eclesiásticas reconhecidas pela lei, como os cabidos, as catedrais, as

colegiadas, os seminários e as fábricas de igrejas, entendendo os comentadores que o

art. 2.121 do Código Civil, só de modo restrito pode ser interpretado, quando faz

referência aos empregados responsáveis por dinheiros públicos (Aubry et Rau, 3, § 264,
quater).

O Decreto 119 A, de 07.01.1890, separando a Igreja do Estado, reconheceu a

personalidade jurídica às igrejas e confissões religiosas para adquirirem e administrarem

bens sob os limites postos pelas leis concernentes à propriedade de mão morta.

Estas disposições envolvem uma restrição que o preceito constitucional não

consagrou.

As expressões observadas as disposições do direito comum que se lêem no final

do dispositivo constitucional – têm por fim, em vez de manter a legislação restritiva e

excepcional (Lei de 20.08.1864 e Decreto de 12.01.1870) que regulava o direito de

propriedade de mão morta, revogar esses preceitos de direito singular e submeter a mão

morta ao regime dominical do direito comum: a disposição do art. 5.º do Decreto de

07.01.1890 deve ser considerado revogado em virtude do art. 83 da Constituição da

República.

§ 7.º Ao Estado e aos ofendidos, ou seus herdeiros, sobre os imóveis do

criminoso.

142. A hipoteca que se faz originar do crime e constituir-se desde a data deste,

tem por fim o fato altamente jurídico e moral da reparação do dano por parte d‟aquele

que é o seu causador, por ato intencional e imputável.

Para que a hipoteca tenha lugar devem concorrer os seguintes requisitos:

a) Fato criminoso, o que quer dizer fato considerado tal pela lei criminal, ainda

que, por circunstâncias especialíssimas da apreciação da criminalidade não seja punido

e antes se declare os seus autores isentos de pena: como os que têm em seu favor
qualquer das circunstâncias justificativas do Código Penal de 11.10.1890 (art. 32).

Desde que tal hipoteca só pode recair sobre os bens dos criminosos, e sendo

stritissimi juris os princípios que dominam o direito hipotecário, pode a hipoteca

originar-se de fatos que a lei não considera crimes, por serem praticados por

irresponsáveis, e recai sobre os bens de indivíduos que a lei não considera criminosos?

Os princípios, que dominavam no direito romano, autorizam a resposta

negativa.

“Et ideo quaerimus, si furiosus damnum dederit, an legis Aquiliae actio sit?

Et Pegasus negavit: quoe enim in eo culpa sit, cum suae mentis non sit? Et hoc

est veris simum: cessabit igitur Aquilia actio, quemadmodum si quadrupes damnum

dederit, (Aquilia cessat): (aut) si tegula ceciderit. Sed et si infans damnum dederit, idem

erit dicendum.

Quod si impubes id fecerit, Labeo ait, quia furti tenetur, teneri et Aquilia eum;

et hoc puto verum, si sit jam injuriae capax:” (Lei 5.ª § 2.º D. ad legem aquiliam).

A noção que encerra este fragmento de Ulpiano encontra-se confirmada em

diversos textos.

Entende o Sr. Lafayette que o mesmo deve ser observado no nosso direito em

referência às pessoas de que tratava o art. 10 do Código Criminal de 1830 (Dir. das

Cousas, 2, § 205, nota 6), o que, a adotar-se esta opinião, deve aplicar-se aos

contemplados no art. 27 do Código promulgado pelo Dec. 847, de 11.10.1890.

O novo Código Criminal revigorou o princípio do art. 11 do Código de 1830

que sujeitava os bens das pessoas consideradas irresponsáveis à satisfação do dano

causado, dispondo no art. 31 que a isenção da responsabilidade criminal não implica a

da responsabilidade civil.
Destas disposições deve-se concluir com o Sr. Lafayette que o Código Penal

supõe a existência da hipoteca legal sobre os bens dos irresponsáveis, em antagonismo

com a legislação hipotecária que somente a confere sobre os imóveis do criminoso (§ 7.º

do art. 3.º do Dec. 169 A) e pelo fato do crime? (§ 8.º do art. 131 do Dec. 370, de

02.05.1890).

E que sendo a legislação hipotecária a competente para regular a origem e o

assento das hipotecas e estabelecer os seus lineamentos, sua compreensão e os direitos

que ela ampara, não se pode considerar como existente, no nosso direito, hipoteca legal

sobre os bens d‟aqueles que a lei criminal declara não responsáveis?

Parece-nos que à lei criminal, e somente a ela, compete definir qual o

responsável pelo crime e pelos seus efeitos e, apreciando os elementos que entram na

formação do crime, reveladores do dolo e da intenção quer fundada no estado psíquico

do indivíduo , na sanidade de sua mentalidade, quer na deliberação e no propósito

refletido da resolução, pode declarar isentos de responsabilidade aq ueles que praticam

atos que a lei reputa criminosos.

Igual competência assiste à lei criminal para estatuir que a indenização do dano

não se reputa relevada, antes a obrigação de indenizar subsiste, a despeito da

incapacidade delituosa e da irresponsabilidade criminal do indivíduo .

Sempre, pois, que a lei criminal declara o indivíduo não delinqüente, mas

responsável pela indenização do dano, ela firma um princípio que deve ser aceito em

absoluto e produzir todas as suas conseqüências.

A lei hipotecária quando confere hipoteca sobre os bens do criminoso não

entende com aqueles que a lei penal declara criminoso ou não, mas com aquele que a lei

penal torna responsável pelo dano produzido pelo crime, cuja reparação civil a lei
hipotecária tem por fim garantir.

Conseguintemente a hipoteca legal assenta sobre os imóveis de todos aqueles

que a lei criminal declara responsáveis civilmente, pelo dano resultante do crime,

embora os declare não passíveis da penalidade.

Dir-se-á: a satisfação do dano não pode ser pedida se não por ação civil e esta

independe, de modo absoluto, da ação criminal (art. 68 da Lei de 03.12.1841); a

condenação no foro criminal produz apenas, como efeito, o reconhecimento e a

declaração, de modo soberano, da autoria do crime; não regula a priori a

responsabilidade pelo dano que só no foro civil se apura: assim, só deve ser responsável

pela satisfação do dano aquele que o é segundo os princípios do direito civil, porquanto

as disposições do Código Criminal que se aplicavam ao caso estão sem vigor, por isso

que não é mais no juízo criminal que se liquida a indenização.

Esta parece ser a opinião de Teixeira de Freitas.

Carece de procedência jurídica tal modo de ver.

O que o art. 68 da Lei de 03.12.1841 operou foi a transferência para o foro civil

da competência para resolver sobre o pedido e a condenação no quantum e no modo da

satisfação; isto que está na ordem das coisas, porquanto se a decretação da reparação

material e pecuniária do dano oriundo do crime fosse afeta ao juízo criminal, estaria

deslocada: o próprio Código de 1830, como faz sentir o Dr. Silva Costa (Satisfação do

damno, p. 58) reconheceu a competência da jurisdição civil, já por força do que dispôs

no art. 31, já fazendo passar aos herdeiros do delinqüente a obrigação de reparar o da no,

o que importa reconhecer em tal obrigação um fato meramente civil, realizável por ação

civil e que só pode ser protegido por garantia civil.

Os princípios que têm dominado na prática e na jurisprudência sobre o modo de


aplicar a parte do Código Penal que regula a satisfação do dano, de acordo com o art. 68

da Lei de 03.12.1841, deixam fora de dúvida:

a) que a apuração da indenização devida pelo crime leva-se a efeito no foro

civil;

b) que a condenação criminal serve para indicar de modo absoluto qual o

responsável por ela, porquanto em face de tal condenação – não se pode mais questionar

sobre a existência do fato e sua autoria (art. 68 da Lei de 03.12.1841);

c) que a absolvição no foro criminal produz o efeito de impedir a ação no foro

civil, porque é coisa julgada, e o indivíduo absolvido no foro criminal não pode ser

condenado no civil à reparação do dano, pois a sentença estabeleceu não ser ele o

causador do dano resultante do crime, por não ter sido ele quem o praticou.

Quando, porém, o juiz da formação da culpa (art. 20 da Lei 2.033, de

20.09.1871) deixar de pronunciar o acusado por estar ele compreendido no art. 27 do

Código Penal em vigor e julgar findo o processo, é devida, ainda assim, a indenização;

porque a sentença não declara, como no caso da absolvição, que o acusado não praticou

o fato do qual se origina a obrigação de indenizar, mas sim que embora o houvesse

praticado, não é passível de pena, por não reunir as condições que o tornam responsável

no foro criminal, o que não importa não ser ele autor do dano e não dever repará- lo.

O mesmo se deve decidir quando a absolvição é dada, não por negação da

autoria do fato principal, mas em virtude de afirmação de circunstância que justifique o

crime.

Se no foro criminal decide-se definitivamente sobre a responsabilidade da

reparação, apesar de dever esta ser pedida por ação civil, não pode ser objeto de reparo

que a lei criminal regule os casos de tal responsabilidade, ainda quando decide sobre a
não criminalidade do fato, não por falta de força física objetiva do delito, mas por

ausência de sua força física subjetiva e da sua força moral objetiva e subjetiva.

Ora, a obrigação de indenizar está ligada, no nosso direito, à força física

objetiva do delito, conseguintemente a sua garantia, a hipoteca legal, existe sempre que

tal obrigação subsiste.

b) Dano resultante do delito, apreciável em dinheiro.

A disposição da segunda alínea do art. 22 do Código Criminal de 1830 não

autorizava, na melhor opinião, a avaliação do dano resultante dos crimes que afetaram o

moral do indivíduo.

Como dar valor ao mal oriundo da calúnia ou da injúria?

O fato é, porém, que na prática, quer nos corpos de delito, quer nas petições de

queixa, sempre dava-se tal valor; má inteligência do formulário mandado observar pela

Circular de 23.03.1855 e da disposição do art. 79 do Código do Processo Criminal.

Avaliar o sofrimento psíquico ou moral, para regular a satisfação pecuniária,

quando não há relação direta nem indireta com o patrimônio do indivíduo é desvio de

apreciação.

O ferimento pode dar causa e fundamento à avaliação indireta do dano,

consistente no prejuízo resultante da impossibilidade de exercer o ofendido sua

atividade física; este dano é apreciável em dinheiro e a sua satisfação é garantida pela

hipoteca legal (Lafayette, Dir. das Cousas, § 205, nota 8.ª).

143. A obrigação de indenizar passa aos herdeiros do delinqüente, até o valor

dos bens herdados (Código Criminal de 1830, art. 29).

O direito romano somente fazia os herdeiros suceder em tal obrigação quando


houvesse tirado proveito do crime – in quantum locupletiores facti sunt (LL. 38 e 44 D.

de regulis juris, Instít. Lege Aquiliæ, § 9.º in fine; Serafini, § 110; Maynz, § 267).

Passa aos herdeiros a hipoteca que grava os imóveis herdados.

144. A hipoteca legal é conferida aos herdeiros do ofendido (§ 7.º do art. 3.º do

Dec. 169 A); a razão é que o direito à indenização faz parte do patrimônio do ofend ido e

a hipoteca acompanha-o na sua transferência, como acessório que é. (Lafayette, Dir. das

Cousas, § 205, n. 4).

§ 8.º Aos co-herdeiros pela garantia do seu quinhão, ou torna da partilha sobre

o imóvel da herança adjudicado ao herdeiro reponente.

145. A hipoteca legal concedida ao co-herdeiro tem por fim:

a) garantir a reposição a que ficou obrigado um dos herdeiros, que em excesso

levou bens da herança, pela quantia que como torna, tem de prestar para completar o

quinhão do co-herdeiro;

b) garantir, não já uma parte do quinhão hereditário, mas todo o quinhão, ou na

hipótese de ter o juiz necessidade de lançar mão deste expediente para conseguir levar a

efeito a partilha, ou por acordarem os herdeiros em tal alvitre, para o fim de evitarem o

dano que possa provir da fragmentação de um bem de raiz do espólio, aliás,

juridicamente divisível.

146. Esta inteligência, que acha apoio na disposição do § 4.º do Cap. 6.º dos

artigos das Sizas de 27.09.1476, resolve a dúvida suscitada pelo Sr. Lafayette (Dir. das
Cousas, § 206, nota 6) em face da disposição inteiramente igual do § 8.º do art. 3.º da

Lei 1.237, de 24.09.1864, extraída do art. 1.272, da Seção 3.ª, do Tít. 14, do Digesto

Português de Corrêa Telles.

Não é pelo quinhão hereditário, em absoluto, que a lei confere hipoteca legal, é

por esse quinhão, quando consistente em torna e reposição feita para comodidade da

partilha, por ordem do juiz ou por acordo das partes, caso previsto nas disposições das

leis fiscais acima citadas.

147. O juízo familiæ erciscundæ tem como fim a partilha da sucessão legítima

ou testamentária, pelos herdeiros chamados por lei a suceder. (L. 2, D. familiæ

erciscundæ).

O nosso direito escrito exige que os quinhões sejam feitos em todas as classes

de bens do espólio, com máxima igualdade, quer no quantum da quota hereditária, quer

na qualidade dos bens.

Pode, porém, ocorrer que o espólio contenha um ou mais bens que seja

juridicamente indivisíveis, isto é, que não possam ser fragmentados sem deturpação da

forma, sem destruição do todo (Savigny, Trat. das obrigações, § 29; Teix. de Freitas,

Consolidação das Leis Civis, 3.ª edição, nota 26 ao art. 1.166).

Tal hipótese, prevista na Ord. do Liv. 4.º Tít. 96 § 5.º, oferecia uma dificuldade

a que davam as leis duas soluções: a licitação e a reposição ou torna; aquela está definida

na Ord. acima citada; esta consistia na formação, ou no complemento do quinhão de

qualquer dos herdeiros, em dinheiro, por um dos herdeiros, a cuja parte fosse lançado o

bem indivisível. (L. 52 § 2 D. familiæ erciscundæ; Instít. de officio judicis, § 4.º ; artigos

das Sizas de 1476, Cap. 6.º § 4.º; Alvará de 10.12.1775, § 9.º, e art. 23, n. 3, do Dec.
5.581, de 31.03.1874, e Dec. 2.800, de 19.01.1898).

A licitação, medida dependente do acordo das partes (por seu aprazimento, diz

o § 5.º da Ord. cit.), nem sempre é aplicável e muitas vezes oferece grandes

inconvenientes pela emulação que faz suscitar-se entre os herdeiros e que, quase

ordinariamente, degenera em hostilidade a que dá origem o choque de interesses.

Daí tem provindo o abandono da licitação, ainda por meio da hasta pública, e

prevalecido a prática atestada pelo sábio autor da Consolidação das Leis Civis: a torna ou

reposição.

As leis fiscais citadas distinguem o caso de operar-se a liquidação por força da

deliberação do juiz – do em que ela tem lugar por acordo das partes, fazendo provir

efeitos diferentes, quanto ao imposto, segundo ocorre um ou outro caso; no primeiro

isentam o ato de qualquer imposição, no segundo sujeitam- no à mesma taxa que a

compra e venda.

148. O n. 3 do art. 23 do Dec. 5.581, de 1874, não foi fielmente tirado do § 4.º

do Cap. 6.º dos artigos das Sizas e por isso consagra uma distinção que não tem

fundamento jurídico.

Os expedientes de que faz menção a citada disposição supõem a

indivisibilidade jurídica do bem, revelada antes ou no ato da partilha; em tal hipótese o

uso de qualquer deles é legalíssimo e tudo depende do assentimento do juiz e do acordo

das partes, já porque estas podem não convir na licitação (§ 5.º da Ord. do Liv. 4.º, Tít.

96), já porque podem não assentir em receber o seu quinhão em reposição: o acordo a

que se refere o n. 3.º do art. 23 do Decreto de 1874 não é equiparável ao contrato da

compra e venda, como o é o de que faz menção o § 4.º do Cap. 6.º dos artigos das Sizas,
que supõe a partilha julgada e findo o juízo divisório, quando dá-se a permuta dos bens

por dinheiro, o que, com justa razão, é equiparado à compra e venda.

“Porém se os ditos bens forem partidos (diz a disposição dos artigos das Sizas),

sem aí entrar de uma parte à outra tornas em dinheiro, e depois de tal partição feita

alguma das partes se concertar com outra, que lhe deixe tais bens, e lhe dá por eles

certos dinheiros, pague-se deles siza, porque é verdadeiramente venda”: o fato, porém, é

que o preceito do n. 3 do art. 23 do Decreto de 1874 é sempre observado.

149. A torna obriga o herdeiro a deixar de receber uma parte da sucessão da

qual já estava de posse pelo fato do falecimento do de cujas (Alvará de 06.11.1754 e

Assento de 16.02.1786), para adquirir em troca do direito real que perde, um direito

pessoal à cobrança da quantia devida como torna, pelo herdeiro reponente.

A hipoteca legal tem por fim restabelecer o equilíbrio neste estado de direito e

consegue-o transformando em direito real o direito meramente pessoal do herdeiro para

haver a torna; ela confere-lhe o direito de pagar-se, pelo preço do imóvel lançado ao

quinhão do reponente, ainda que em poder de terceiros, com prelação sobre quaisquer

credores quirografários, privilegiados ou hipotecários, de inscrição posterior.

150. Os imóveis da herança adjudicados aos outros herdeiros, que não o

reponente e os adquiridos por este, por outro título que a não sucessão partilhada,

escapam à hipoteca; a lei reputa esta especializada pela sentença, que julgou a partilha,

no imóvel adjudicado ao pagamento do co- herdeiro reponente (Dec. 370, de 02.05.1890,

arts. 131, § 9.º, e 200).


151. O direito moderno amparou a torna do herdeiro co locando-a entre os

privilégios (Código Civil francês, art. 2.103, n. 3; Lei belga de 16.12.1851, art. 27, n. 4).

§ 9.o Os dotes ou contratos antenupciais não valem contra terceiros:

Sem escritura pública;

Sem expressa exclusão da communhão;

Sem estimação;

Sem insinuação, nos casos em que a lei exige.

152. O contrato dotal para ser válido contra terceiros deve:

a) Ser feito por escritura pública a qual é da sua substância. (Lei de 06.10.1784,

§ 1.º; Consolidação das Leis Civis, art. 367, § 3.º; Dec. 370, de 02.05.1890, art. 132);

b) Na convenção dotal deve ser pactuada a exclusão da comunhão de modo

expresso, porque a hipoteca legal não se funda no casamento, mas no pacto, em virtude

do qual a mulher estipula o dote, isto é, a propriedade exclusiva dos bens para si e para o

marido. O ônus real grava os bens deste para garantir os bens próprios daquela, ou a

restituição dos dotais soluto matrimonio.

Não importa que a exclusão da comunhão seja parcial porquanto o regime dotal

pode existir de modo limitado, isto é, sem completa exclusão da comunhão: é o que se

deduz dos textos expressos que mandam cumprir todos os pactos estipulados em

contratos esponsalícios. (Ord. do Liv.4.º, Tít. 46 princ.; Lafayette, Dir. de Família, §

79) e do que o direito moderno consagra (Código Civil francês, art. 1529 e seguintes;

Código Civil português, arts. 1.096, 1.102 a 1.137, parágrafo único; Laurent, 21, n.

156).
Deve o dote ser insinuado se exceder a taxa de 360$ ou de 180$ segundo for

instituído por varão ou por mulher. (Ord. do Liv. 1.º, Tít. 62; Lei de 25.01.1775 e

Alvará de 16.09.1814) sob pena de ser nulo, na parte que suceder à quantia taxada pela

Lei.

153. A estimação do dote é substancial para a inscrição da hipoteca legal da

mulher, a qual não pode ter lugar sem a especialização (Dec. 370 de 1890, art. 116) e

para a especialização faz-se precisa a determinação do valor da responsabilidade (§ 1.º

do art. 117 do Decreto citado); ora a responsabilidade do marido é de restituir o dote

precipuamente em espécie – quando a estimação é taxationis causa, e no valor estimado

venditionis causa, ou mesmo taxationis causa se os bens dotais pereceram por culpa do

marido (Bevilaqua, Dir. de Família, § 53, p. 308 e 309) e não podem ser restituídos em

espécie.

§ 11. Não se considera derrogado por este Decreto o direito, que ao exeqüente

compete, de proseguir a execução da sentença contra os adquirentes dos bens do

condenado; mas, para ser oposto a terceiros, conforme valer, depende de inscripção (art.

9.º) e especialização.

154. A redação desta disposição é defeituosa; ela presta-se à inteligência, que

lhe deram alguns práticos, de referir-se o preceito não à hipoteca judicial, que, diz-se, o

legislador não cogitou de aceitar, mas ao direito conferido ao vencedor de assentar a

execução nos bens do condenado alienados em fraude da execução.

O Sr. Lafayette estabeleceu, com precisão, a diferença entre um e outro caso e


a sua distinção fundamental (Dir. das Cousas, § 208).

Nos casos em que a alienação dá-se em fraude da execução (Ord. do Liv. 3.º,

Tít. 86 § 16 ; Liv. 4.º, Tít. 10, § 9.º; Regulamento 737, de 25.11.1850, art. 494; Dec.

763, de 19.09.1890, art. 1.º; Pereira e Souza, Primeiras Linhas, nota 777, n. 5) a

penhora faz-se nos bens em poder de terceiro, porque este é mero detentor em nome do

executado, por isso que sendo nula a alienação não operou a transferência do domínio,

que continua na pessoa do executado.

A penhora recai, pois, em bens do executado; o efeito da fraude que presidiu à

alienação é tornar esta nula. Se assim não fosse careceria de propriedade o emprego da

palavra – adquirentes, na disposição do § 11 do art. 8.º supra do Dec. 169 A de 1890;

não se supondo que o legislador empregue erradamente a tecnologia jurídica – e a

expressão adquirentes só tendo como significação – pessoas às quais é transferido o

domínio – tal coisa não ocorrendo na alienação em fraude à execução, não se pode

entender a disposição supra como referente à hipótese da Ord. do Liv. 3.º, Tít. 86 § 16.

A disposição não pode deixar de referir-se à hipoteca judicial, isto é, ao direito

real de seqüela conferido pela Ord. do Liv. 3.º, Tít. 84 § 14, sobre os bens do condenado

por sentença judicial; esses bens a Ordenação citada declara hipotecados por esse mesmo

feito e por esta Ordenação para pagamento da condenação: se o vencedor fizer inscrever

a hipoteca, o direito de seqüela decorre dela, ainda que os bens se alienem em fraude de

execução – isto é, nos casos e nas condições – em que tal alienação é assim considerada

em direito; eis a explicação da referência feita no art. 201 do Dec. 370, de 02.05.1890, à

alienação em fraude da execução, da qual deduziram alguns argumentos em favor da

opinião dos que entendem que o § 11 do art. 3.º do Dec. 169 A, não se ocupou senão

com revigorar a disposição da Ord. do Liv. 3.º, Tít. 86, § 16.


O art. 201 declarando que a hipoteca judicial recairá nos imóveis do devedor

condenado – existentes na posse dele, alienados em fraude da sentença, que o

exeqüente designar nos extratos, (nada mais) fez do que tornar claro, que os imóveis

assim alienados não saíram do domínio do alienante, tanto que sobre eles pode recair a

hipoteca.

A opinião que vê no § 11 do art. 3.º do Dec. 169 A a referência ao preceito da

Ord. do Liv. 3.º, Tít. 86 § 16, sustenta que os efeitos decorrentes deste texto de Lei

dependem de ser incluída no registro hipotecário o direito que a Ordenação citada

reconhece.

155. Considera-se alienada em fraude da execução não somente a coisa certa,

objeto da condenação em ação real ou pessoal in rem scripta, mas ainda os bens de

qualquer espécie que responderem pela condenação em prestação de coisa consistente

em quantidade, como dinheiro.

A Ordenação citada tem aplicação em todos os casos em que procede a ação

Pauliana ou revocatória (art. 494 do Dec. 737, de 1850; Silva à Ord. do Liv. 3.º, Tít. 86

§ 1.º n. 33; Pereira e Souza, Primeiras Linhas, nota 777); Lafayette, Dir. das Cousas, §

208 nota 1.ª (n)

(n)
A execução nos bens alienados em fraude da condenação depende de requisitos que a
Lei enumera e exige de modo peremptório.
a) É preciso que os bens sejam litigiosos, isto é, que façam objeto de ação iniciada por
meio da citação da parte e acusada em audiência, abolida a antiga distinção entre a ação real, em
que pela citação fazia-se a coisa litigiosa, ao passo que nas pessoais tal efeito se produzia
unicamente pela litis contestação. (Dec. 737, art. 59; Ord. do Liv. 4.º, Tít. 10, § 2; Dec. 848, de
11.10.1890; Silva à Ord. do Liv. 3.º, Tít. 86, n. 8 e seg.; Pereira e Souza, notas 384 e 777;
Lobão, Segundas Linhas, à nota 381, n. 6);
156. A hipotecária judiciária é criação do direito moderno.

Aqueles que, como Grenier, acreditaram ver sua origem nos remédios que o

direito romano proporcionava ao credor, para amparar- lhe o direito executório, no caso

de ausentar-se o devedor ou na hipótese de não solver este a condenação, dentro do

prazo assinado, desconheceram a noção fundamental da hipoteca judicial.

A imissão na posse dos bens do devedor, como remédio assecuratório,

independia, no direito romano, de condenação, no caso do pignus pretoriunt; bastava,

para concessão de tal remédio que o devedor se houvesse ausentado, sem providenciar

sobre a solução do débito, ou sem deixar quem o representasse.

O credor obtinha a posse dos bens mera custodia, a venda sub-hasta não se

realizava senão mediante certas formalidades que não vem ao caso detalhar, mas que

tinham por fim tornar patente o abandono, por parte do devedor, da liquidação do seu

b) que a alienação se faça com fraude de ambas as partes (Pereira e Souza, nota 777) e
que seja sabido pelo adquirente que o devedor não possuía outros bens por onde pudesse pagar,
(Dec. 737, art. 494, n. 3; Dec. 848, de 01.10.1890, art. 247, letra b);
c) Que a alienação seja feita depois da penhora ou proximamente a ela (Silva a Ord. do
Livr. 3.º, Tít. 86, § 1.º, n. 33).
Sem que se dê o concurso destes requisitos a penhora em bens alienados pelo
condenado é violenta e nula, porquanto os bens passando para o domínio do adquirente já não
fazem parte do patrimônio do condenado e conseguintemente deixam de responder pela
condenação.
No caso de hipoteca judicial, previsto no § 11, do art. 3.º, do Dec. 169 A, acima citado a
inscrição da mesma faz valer o direito de seqüela, sobre os bens legalmente alienados pelo
vencido, em favor do vencedor, ainda que adquiridos regularmente pelo terceiro.
As disposições dos arts. 118 e 201 do Dec. 370, de 02.05.1890, só podem ser
entendidos de conformidade com estes princípios que dominam a natureza, as conseqüências e
os efeitos da hipoteca judicial.
débito.

O caso do pignus judiciale era equiparável à nossa penhora.

Se o devedor não acudia à citação, quando intimado para pagar em prazo

fixado, via seus bens transferidos ao poder da pessoa designada pelo juiz e que era

emitida na posse deles e se o devedor não os resgatava dentro de dois meses, eram

vendidos para pagamento do credor.

A hipoteca judicial é coisa inteiramente diversa.

Baseia-se ela na necessidade de dar toda a eficácia ao decreto judicial que

provê ao cumprimento das obrigações; supõe ela conseguintemente, uma sentença

passada em julgado.

Entre seus efeitos não se compreende o da tirada da posse imediata dos bens do

devedor; essa tirada opera-se pelos meios regulares da execução dos julgados, quando o

devedor é omisso em pagar; o seu principal objetivo é garantir a execução, paralisando o

direito do condenado de dispor dos bens, por meio da faculdade que concede ao credor

de ir executá-los em poder do terceiro adquirente, isto é, conferindo ao credor um

direito real de seqüela, que é a essência da hipoteca judicial.

Ao direito francês, e exclusivamente a ele, é devida a hipoteca judiciária.

No art. 35 da Ordenança de Moulins, promulgada em 1566, foi que ela aparece

pela primeira vez “conferida ao credor por efeito da condenação, em última instância, e

a datar do dia em que a sentença era proferida, sobre os bens do condenado para o efeito

e realização do julgado e da condenação nele proferida”.

O direito da época revolucionária aceitou-a consagrando-a no art. 10 da Lei

Hipotecária, do 9 messidor do ano 3.º, e no art. 3.º, da Lei de 11 brumário do ano 7.º.

Transportada para o Código Civil (art. 2.123) ela sobreviveu aos ataques de
que foi objeto em França por ocasião da discussão do projeto apresentado em 1849 para

a reforma do sistema hipotecário do Código Napoleão. As censuras de que foi objeto a

hipoteca judiciária e que inspiraram à Comissão de 15.06.1849 a proposta da sua

supressão, fundavam-se, principalmente, em que tal hipoteca importa uma preferência

odiosa em favor do credor que, por melhor conhecer as circunstâncias do devedor, ou

por ser mais exigente do que os outros, acudia a juízo com sua ação, coloca ndo o

devedor em posição de ruína eminente, porquanto a publicidade da ação contra ele

intentada levava os demais credores ao emprego de idêntico expediente.

A estes fundamentos aceitos pelo Conselho de Estado em França e por mais de

um tribunal preconizado como suficientes para justificarem a revogação da hipoteca

judiciária, os modernos tratadistas belgas acrescentaram esta: “A sentença não pode

criar meios de garantir o direito do credor; ela deve limitar-se a reconhecê- lo e a declará-

lo de acordo com os princípios: é esta a missão do juiz quando expede o decreto judicial”.

Como, pois, fazer originar se do julgado uma razão de prelação em favor da

parte vencedora.

Antes de tudo, a situação do credor, que tem em seu favor uma sentença

passada em julgado não é idêntica à do que não tem senão o seu título creditório não

ajuizado.

A sentença importa novação da obrigação primitiva; tanto assim é, que a

sentença garante a execução que se obtém pela ação judicati e não depende da ação

principal, que tem por fim convencer o devedor, em juízo competente, para alcançar a

sua condenação à prestação da obrigação.

A sentença melhora, pois, a condição do credor: neque deteriorem causam

nostram facimus actionem, sed meliorem, dizia Paulo na Lei 23 D. de novationibus et


delegationibus.

O principal fundamento da crítica contra a hipoteca judicial consiste em dois

efeitos que a lei francesa lhe confere: a generalidade e a prelação despojada destes dois

atributos, que afetam as suas forças extensiva e intensiva, a hipoteca judiciária é objeto

dos encômios de todos os espíritos práticos e a sua falta na legislação belga é lamentada

por todos os escritores compenetrados do inconveniente resultante da ausência de uma

medida garantidora da eficácia dos julgados (Martou, vol. 2.º, n. 698).

A hipoteca judiciária está consagrada na nossa legislação escoimada desses

dois defeitos; não somente no regime da legislação de 1890, atualmente em vigor, que

aboliu as hipotecas gerais, mas ainda no regime da legislação de 1864, que as admitia, a

hipoteca judiciária era considerada especializada e devia ser inscrita para valer contra

terceiros (Lei 1.237, de 24.09.1864, arts. 3.º, §§ 11 e 12, e art. 9.º, § 27; Dec. 3.453, de

26.04.1865, arts. 122, § 2.º, e 224).

Quanto à prelação nunca a produziu a hipoteca judicial no nosso direito.

A Ord. do Liv. 3.º, Tít. 84 § 14 gravava com a hipoteca os bens do condenado

que havia interposto agravo ordinário para a Casa da Suplicação de Lisboa, unicamente

para o efeito de responderem pelo pagamento da condenação, o que sempre se entendeu

como importando a constituição do direito real que forma a substância de toda a

hipoteca – a seqüela; pois, como é sabido, a prelação não é inerente à natureza da

hipoteca é um consectário a ela emprestado artificialmente pela lei.

A disposição supra do § 11 do art. 3.º do Dec. 169 A, de 1890, caracteriza a

hipoteca judicial em seu elemento substancial, no que é revigorada pelo preceito do art.

108 do Dec. 370, de 2 de maio, que reproduzindo, com pequena variante, o art. 111 do

Dec. 3.453, de 26.04.1865, acentua de modo claro o direito real, que constitui o
elemento básico da hipoteca judiciária: “O direito, que tem o exeqüente, de prosseguir na

execução da sentença contra os adquirentes dos bens do devedor”.

157. Os Códigos modernos não aceitaram, em geral, a hipoteca judiciária,

influenciados pela discussão ocorrida em França em 1850 e pela que precedeu e deu

causa à repulsa da hipoteca judiciária do regime da Lei belga de 16.12.1851.

O Código Civil italiano consagrou-a no art. 1970, respeitando o sistema dos

Códigos anteriores dos diversos estados, que se congregaram na Itália unificada.

(Código das Duas Sicílias, art. 2.009; Código de Parma, art. 2.177; Lei Toscana de

02.05.1836, art. 67).

O Código Civil austríaco promulgado no 01.06.1811 adotou, igualmente a

hipoteca judiciária (art. 449).

A hipoteca judicial é geral no direito italiano, compreende os bens presentes e

futuros do devedor: é o reflexo do Código Civil francês, de que tanto se recente o

italiano.

Chironi entende que resulta este efeito das sentenças definitivas e irrevogáveis,

quer proferidas pelos tribunais judiciários, quer por aqueles dos tribunais

administrativos que podem condenar ao pagamento de uma soma, à prestação de coisa

móvel ou ao cumprimento da obrigação que possa resolver-se em reparação do dano,

por ex. a sentença que obriga à prestação das contas (Diritto Civile italiano, vol. 1.º, §

219).

“La sentenza che produce cotesto effetto é la decisione resa dal giudice,

qualunque ne sia la giurisdizione, in qualunque grado sia resa, e sia definitiva quanto

alla condanna che pronuncia.”


Na Inglaterra o credor que consegue uma sentença condenatória passada em

julgado, ou um mandado de execução de qualquer tribunal (writ of execution) tem

preferência, a datar do dia em que houver feito entrega desse mandado ao sheriff, sobre

qualquer credor do vencido para ser pago pelo preço dos bens móveis do mesmo. Para

ser arredado é preciso que outrem tenha sobre os mesmos bens um privilegio

anteriormente constituído de modo legal.

Enquanto a ordem ou o mandado de execução não for depositado nas mãos do

sheriff, o credor não pode se julgar ao abrigo de qualquer preferente, nem mesmo da

descrição dos bens por parte do Condenado; antes o direito inglês reconhece a este a

faculdade de dispor livremente de seus bens (E. Glasson, Droit et Inst. de l’Angleterre,

vol. 8.º, p. 357).

158. O regime aceito pela nossa legislação é preferível ao da Lei belga e ao do

art. 2.123 do Código Civil francês.

A repulsa, em absoluto, da hipoteca judiciária, como fê- lo o legislador belga de

1851, importa uma lacuna gravíssima no regime hipotecário; a prova está no afã com

que, não só a Comissão da Câmara, mas a do governo, procuraram na Bélgica meios de

suprir a falta da hipoteca judiciária, recorrendo a expedientes que pela ineficácia foram

sempre abandonados.

A Comissão da Câmara propunha a limitação da força extensiva da hipoteca

judiciária, restringindo-a aos bens presentes do condenado, e aos futuros à proporção que

fossem adquiridos e mediante inscrição detalhada.

Este expediente foi condenado.

“Especial ou geral, diz Martou (vol. 2.º, n. 699), a hipoteca judiciária


estabelece sempre, em proveito daquele que a obtém, uma preferência injusta sobre os

outros credores quirografários.”

O remédio proposto pela Comissão da Câmara dos representantes foi rejeitado

por não limitar igualmente a força intensiva da hipoteca judicial, e deixar-lhe a prelação

como efeito obrigado.

O projeto da Comissão do governo sugeria que o credor provido de sentença

passada em julgado, pudesse, perante o oficial encarregado do registro das hipotecas,

fazer um ato de protesto, no qual declarava opor-se a qualquer hipoteca ou alienação,

que o devedor condenado pretendesse fazer dos bens do seu patrimônio, os quais

ficavam, desde aquela data, sujeitos ao pagamento daquela condenação ou das

condenações a que pudesse achar-se obrigado. O efeito era o pagamento precipuamente

feito do credor protestante ou o rateio entre os credores opoentes.

Este sistema foi repelido pelo Ministro Tesch.

A apreensão dos doutrinadores belgas é a excessiva compreensão e a

intensidade da hipoteca judiciária que lhe dá o direito francês; tais defeitos não

apresenta entre nós a hipoteca judiciária. A sua força intensiva é da Ord. do Liv. 3.º, Tít.

84 § 14, o direito real de seqüela; a sua força extensiva é definida e limitada de modo

expresso.

O art. 201 do Dec. 370, de 07.05.1890, considera especializada a hipoteca

judicial pela importância da sentença e compreende os bens imóveis do devedor

condenado, existentes na posse dele, ou alienados em fraude da execução.

Operada a inscrição, produz a hipoteca direito real de seqüela, em referência

aos terceiros; esse direito entra em atividade mas como de transferência dos imóveis,

levada a efeito depois da inscrição.


Os bens alienados em fraude da sentença são compreendidos na hipoteca,

porque sendo nela a transferência pleno jure (Ord. do Liv. 3.º, Tít. 86 § 16) não saem do

patrimônio do condenado. O título da hipoteca é a própria carta de sentença; à vista dela

faz-se a inscrição e nela se faz menção do numero de ordem do registro (art. 201 do

citado Dec. 370, de 1890).

Martou preconiza a generalidade da hipoteca como condição de sua

prestabilidade: “Otez lui l‟effet d‟atteindre immèdiatement les biens a venir ne lui livrez

que des biens présents, déterminés et elle perd pour le créancier ses avantages les plus

marquês. N‟oublions pas que, lorsque le créancier songeait à conquèrir l‟hypothèque, le

débiteur avait presque èpuísé ses ressources actueles et n‟offrait plus que ce que l‟on

appelle des espérances.”

159. Quais as sentenças que produzem a hipoteca judiciária?

Unicamente as que contêm uma condenação ainda que esta se resolva na

prestação de perdas e danos, como nas obrigações de fazer e de não fazer (Ord. do Liv.

3.º, Tít. 84, § 14; Lafayette, Dir. das Cousas, § 209; Troplong, Privil. et Hypoth., vol.

2.º, n. 438; Mattirolo, Diritto Giudiziario Civile italiano, vol. 3.º, nota 3.ª, ao n. 834).

A sentença anulável prevalecendo, enquanto o seu vício não for reconhecido

por decreto judicial, produz a hipoteca; não assim a nula de pleno direito, porque esta é

como se não existisse e nunquam transit in judicatum (Ord. do Liv. 3.º, Tít. 75 princ.;

Moraes Carvalho, nota 150; Paula Baptista, Proc. Civil, nota 2.ª ao § 184; Ramalho,

Praxe, § 228; Griolet, Chose jugée, p. 77).

O que em contrário afirmam, de modo absoluto, alguns escritores franceses

(Paul Pont, Privil. et Hypoth., vol. 1.o , n. 578; Aubry et Rau, Droit Civil, vol. 3.o , § 265)
é opinião combatida, mesmo em França, por escritores como Troplong (Hypoth., 2, n.

445), apesar de apoiada nas autoridades de Ferrière e de D'Héricourt, sem distinguir se a

competência é prorrogável ou não, o que importa dizer que só produz hipoteca a

sentença de juiz incompetente, quando este vício desaparece, por ser a competência

prorrogável por acordo das partes.

A sentença passada em julgado é a única que produz a hipoteca judiciária.

São somente as sentenças judiciárias, ou também as administrativas, que geram

a hipoteca?

A doutrina admite geralmente que as decisões administrativas que têm

execução geram a hipoteca judicial e a razão fundamental é que tais sentenças

produzem efeitos semelhantes aos das que provém dos tribunais judiciários.

160. Em França a solução apóia-se em dois pareceres do Conselho de Estado

emitidos em 29.10.1811 e em 24.03.1812, época em que aquele instituto tinha

competência para fixar a inteligência das leis.

Troplong (n. 447) formulou a expressão exata e correta da doutrina em vigor;

as ampliações de outros escritores (Paul Pont, n. 582), se estão na letra dos pareceres

citados, são visivelmente inspirados em um pensamento que não comporta a índole

stricti juris da organização da hipoteca.

Um ponto merece detido estudo em face da nossa legislação.

A sentença que condenou a prestação de contas gera a hipoteca judiciária?

Escritores franceses entendem que o decreto judicial que condena alguém à

prestação de contas, por mandato ou por qualquer espécie de gestão, gera hipoteca judicial

(Paul Pont, 1 - 574; Aubry et Rau, vol. 3.º, p. 256; Mourlon, Répetit. E’crites, vol. 3.º, n.
1.462; Duranton, vol. 19, n. 337 bis) porque tal sentença pressupõe a condenação ao

pagamento do alcance (Aubry et Rau, § 265, nota 20).

Troplong, apoiado na autoridade de Pigeau, refuta essa opinião, demonstra ndo

que a sentença que obriga à prestação de contas só pode ter um efeito: a prestação das

mesmas contas e como na frase de Pigeau, o condenado é constituído pelo julgado

devedor de contas e não de quantias e sendo no desenlace final do processo de contas

possível tanto o alcance contra o responsável como o crédito em favor do mesmo, a

hipoteca judiciária não se fundando senão na obrigação de pagar o condenado a

importância da condenação, pagamento que ela tem por fim garantir, só depois de

proferido julgamento no processo da tomada das contas tem a hipoteca causa jurídica,

antes dele a hipoteca é prematura, é sem causa.

Na Itália, antes da unificação da legislação civil no Código de 1865, os

Códigos existentes copiaram a disposição do art. 2.123 do Código Napoleão.

O legislador de 1865 desejou abolir a hipoteca judicial e somente aceitou-a

restringindo-a às sentenças que produzem condenação do pagamento de quantia, de

entrega de coisas móveis ou ao desempenho de qualquer outra obrigação que possa

resolver-se na indenização do dano.

Estas últimas expressões deram causa a reviver a questão que havia suscitado,

entre outras, a disposição do Código Albertino (art. 2.177).

A doutrina e a jurisprudência dividiram-se, como em França e ao passo que

Chironi, Mortara e Cuzzeri sustentavam que a sentença que condena à prestação de

contas gera hipoteca judiciária, Chresi, Pacifici-Mazzoni, Borsari e outros opinaram em

sentido contrário.

Mattirolo (vol. 3.º, n. 834) decide-se por esta segunda opinião já porque “la
sentenza, che obbliga taluno a rendere un conto, non importa al certo condanna attuale a

pagare una somma o a consegnare una cosa móbile” já pela razão de que “un conto, per

sè stesso, non é altro che un mezzo di prova, e se come disse la cassazione di Napoli,

addi 19 Dicembre 1889, non é titolo efficace di ipoteca giudiziale la sentenza che

subordina all‟ esito di una prova 1'obbligo dei convenuto al pagamento immediato del

credito liquidato nela sentenza stessa, à potiori non deve valere à produrre ipoteca

giudiziale la sentenza, la quale non contienne intanto aleuna condanna a pagare, ma solo

ordina la prova di pretesi crediti de darse col mezzo del rendimento di conti...”

É de fácil solução entre nós essa questão:

O despacho que obriga à prestação de contas o possuidor em nome alheio

como o mandatário e o gestor de negócios e os responsáveis pelos bens e valores da

União, do Estado ou do município, não importa condenação, por isso que não decorre

dela a apuração da situação do responsável.

É, porém, de toda a conveniência lembrar que as sentenças proferidas pelos

tribunais administrativos, na tomada de contas dos responsáveis, produzem a hipoteca,

não somente porque têm força de decreto judicial, como ainda porque têm execução em

juízo próprio.

O Tribunal do Tesouro criado no art. 170 da Constituição do Império tomava

anualmente as contas dos responsáveis, fixava o alcance dos mesmos, condenava-os a

pagá- lo ou liberava-os por meio de quitação (§ 3.º do art. 6.º da Lei de 04.10.1831, § 2.º,

do art. 2.º do Dec. 736, de 20.11.1850, art. 2.º, §§ 1.º, 2.º, 6.º e 10, do Dec. 2.548, de

10.03.1860); as sentenças proferidas pelo Tribunal do Tesouro tinham a autoridade de

decretos judiciais e força executória contra os responsáveis neles condenados (art. 25 do

Dec. 2.343, de 29.01.1859, e art. 8.º do Dec. 2.548, de 10.03.1860).


O art. 89 da Constituição da República criou um tribunal especialmente

incumbido de julgar as contas dos responsáveis. Os atos orgânicos desse instituto

conferiram- lhe a faculdade de proferir sentenças equiparadas às dos tribunais

judiciários, com força executória (art. 28 do Dec. 1.166, de 17.12.1892, art. 4.º, § 1.º, do

Decreto Legislativo 392, de 08.10.1896, e arts. 71 e 240 do Dec. 2.409, de 23 de

dezembro do mesmo ano); tais sentenças produzem hipoteca sobre os imóveis dos

responsáveis, devendo ser especializada e inscrita.

161. As sentenças proferidas em país estrangeiro produzem a hipoteca judicial

sobre os bens do condenado existentes no Brasil, desde que tais sentenças obtenham o

cumpra-se da autoridade judiciária brasileira competente para executar sentenças iguais

dos tribunais brasileiros e produzam tal hipoteca segundo a legislação do país em que

houverem sido proferidas.

O cumpra-se só poderá ser concedido se a nação a que pertencer o juiz o u

tribunal que houver proferido a sentença admitir o princípio da reciprocidade; se a

sentença estiver revestida das formalidades externas precisas para tornarem- na

executória, segundo a legislação do respectivo país, se houver passado em julgado, se

estiver autenticada pelo cônsul brasileiro, e se estiver traduzida por intérprete

juramentado (Dec. 9.982, de 27.07.1878, arts. 1.º e 7.o ).

Para pôr o cumpra-se o juiz examinará se a sentença, além desses requisitos,

não é contraria à soberania nacional, como se subtrair algum brasileiro às justiças

brasileiras; se não infringe preceitos de leis que se fundam em motivos de ordem pública;

ou que regulam a organização da propriedade territorial, que consagram princípios de

moral (Decreto cit., art. 2.º).


Se a nação cujos tribunais houverem proferido a sentença não admitir o

princípio da reciprocidade, dependendo a execução da sentença, em todos os seus

efeitos, de exequatur só depois deste poderá ela autorizar a inscrição da hipoteca

judicial.

O exequatur produz os mesmos efeitos do cumpra-se do poder judiciário (Dec.

7.777, de 27.07.1880).

As disposições destes Decretos representam a consagração dos princípios que

dominam atualmente nas legislações modernas.

No antigo direito francês a sentença proferida por tribunal estrangeiro contra

franceses não tinham execução em França, e os franceses neles condenados podiam

renovar o pleito perante os tribunais franceses (art. 121 do Código Michaud).

O art. 2.123 do Código Civil francês admitiu- as a produzirem seus efeitos em

França, inclusive o de gerar a hipoteca judicial contanto que tais sentenças sejam

declaradas executórias pelos tribunais franceses.

O Código Civil italiano (art. 1.973) contém disposição semelhante à do art.

2.123 do Código Civil francês.

As sentenças proferidas pelas autoridades judiciais estrangeiras não produzem

hipoteca sobre os bens situados na Itália, senão quando a execução for ordenada pela

autoridade judiciária do reino, salvas as disposições em contrário das convenções

internacionais. A autorização para a execução deve ser dada em ato de juízo

deliberatório (Chironi, Diritto Civile, § 219).


CAPÍTULO II

DAS HIPOTECAS CONVENCIONAIS

162. As hipotecas convencionais são as que têm assento em um contrato, sem o

qual elas não existem; são como todas as hipotecas, acessórios de uma obrigação

principal; não se confundem, porém, com esta nem tomam a sua natureza.

O seu cunho de acessórios revela-se no fato de não poderem subsistir sem a

obrigação principal; esta, porém, pode provir de um delito, de um quase-delito, de um

contrato e de um quase-contrato, ao passo que a hipoteca convencional, como já vimos,

só pode assentar em um contrato. (Laurent, Princ., vol. 30, n. 422; P. Pont, vol. 2.º, n.

606).

A convenção que gera a obrigação principal pode ser celebrada em escrito

particular, seja qual for o seu valor (Decreto Legislativo 79, de 23.08.1892, art. 2.º); o

contrato hipotecário deve constar sempre de escritura pública, que é da substância do

mesmo (art. 4.º, § 6.º, do Dec. 169 A, de 19.01.1890 e parágrafo único do art. 2.º do

Decreto Legislativo 79, de 23.08.1892).

Na forma o acessório prevalece assim sobre o principal; quando a obrigação

principal e a hipoteca houverem de ser contraídas no mesmo ato, o instrumento deste só

poderá ser a escritura pública.

163. O poder de alienar é o único assento da faculdade de hipotecar (§ 4.º do

art. 2.º supra e art. 119 do Dec. 370, de 02.05.1890).

A hipoteca ficaria sem objeto se não importasse na consignação do imóvel à


garantia da solução da obrigação principal; esta afetação do imóvel tem como sanção

enérgica a seqüela, expressão do direito sui generis (Demolombe, 9 - 472) que gera

hipoteca, o qual não é um jus ad rem (Marcadé, vol. 2.º, ns. 360 e 361), nem tão pouco

o direito real que representa um desmembramento do domínio nas servidões reais e na

enfiteuse, como doutrinam os tratadistas franceses e belgas, antes apoiados no

mecanismo legal da hipoteca em França, do que na verdade dos princípios e do fato

jurídico que de nenhum modo atestam, quer na seqüela, quer na prelação uma

desagregação de qualquer elemento estrutural do domínio.

Todos os bens do devedor são consignados ao pagamento dos credores do

mesmo; a hipoteca destaca desses bens um ou mais imóveis e especialmente os

consigna ao pagamento de certos e determinados credores; e como tal consignação seria

ilusória se o credor não se pudesse pagar pelo preço com preferência aos outros credores

e nem ir procurar os bens onde estivessem, para sobre eles se pagar a seqüela e a

prelação são uma decorrência do direito especial que confere a hipoteca, sendo aquela

apenas a garantia da efetividade desta, que é o verdadeiro objetivo da hipoteca.

Desde, porém, que esta não importa ao devedor proibição de alienar e de

gravar novamente o imóvel, de usar dele com a mais livre e ampla ação, onde o

desmembramento do direito dominical?

Dizer que tal desmembramento tem a sua expressão no fato da consignação do

imóvel ao pagamento do credor, é uma verdadeira petição de princípio, desde que não se

prove que tal consignação limita o jus utendi, o jus fruendi, ou o jus abutendi do

devedor que pode exercitá- los sem que uma repressão legal o possa deter em sua ação;

pois que a seqüela e a excussão não importam as limitações criadas pela enfiteuse e

pelas servidões.
164. No direito belga os intérpretes da Lei de 1851 discutem se a hipoteca é

válida sendo aceita por parte do credor por um terceiro sem mandato, desde que o

credor retifique a aceitação, ainda que tacitamente. Laurent (Princ., vol. 30 ns. 449 a

453) resolve a questão pela negativa, apoiando-se nos princípios gerais que dominam os

contratos e impugnando na hipótese a prevalência do brocardo, ratihabitio mandato

equiparatur, fundamento jurídico do mandato de ratu.

A jurisprudência belga (sentença da Corte da Cassação de 03.06.1880) resolveu

a questão por meio de uma distinção: se o empréstimo e a hipoteca fossem celebrados

no mesmo ato e no mesmo instrumento a aceitação pelo terceiro sem mandato era

regular, desde que este entregasse ao devedor a importância do mútuo, o que indicava o

assentimento do credor e o concurso de sua vontade ao contrato, assentimento que se

tornava patente se além desse ato de suprir os fundos, ele apresentasse a hipoteca a

registro; se, porém, a hipoteca fosse celebrada posteriormente ao contrato de mútuo a

representação do credor no ato de aceitação só podia ter lugar por mandatário.

Esta solução parece se depreender da exposição de Parent, relator da lei belga

que se faz intérprete do parecer da comissão que sobre ela emitiu parecer nos seguintes

termos:

“A comissão responde que o art. 1.119 do Código Civil dispõe que em geral,

não é admissível, empenhar-se, nem estipular em seu nome senão por si mesmo, que

pode-se, todavia, estipular em proveito de terceiro, contratando em nome de um terceiro

ainda que sem mandato. Enquanto não se der a ratificação, contractus claudicat; aquele,

porém, que prometeu não pode libertar-se. O contrato só produzirá efeitos pela

ratificação. Somente então a hipoteca terá sido adquirida. A ratificação não tem efeito
retroativo em prejuízo de terceiros.

Há entretanto um caso em que a hipoteca existe mesmo antes da ratificação. É

quando ela é estipulada acessoriamente a um contrato de mútuo.

A hipoteca existe então como acessório da ação principal, desde que esta ação

teve origem, e conseguintemente no próprio momento do empréstimo.

Evidentemente, não poderia ser do mesmo modo quando a hipoteca fosse

estipulada posteriormente ao empréstimo. Neste caso o credor não pode adquirir a

hipoteca a não ser por meio da ratificação”.

A doutrina tem aceito esta solução em contrário ao sentir de Laurent (Thiry,

Droit Civil, vol. 4.º, n. 506), e tornado possível a ratificação não somente por escritura,

como pretende Laurent (vol. 30, n. 450) mas tacitamente feita, de acordo com a

jurisprudência a mais recente que o julgado da Corte de Gand de 19.10.1889 (Arntz,

vol. 4.º, n. 1.789).

No nosso direito, apesar de deverem as escrituras ser assinadas pelos

contratantes ou seus procuradores (Ord. do Liv. 1.º, Tít. 78 §§ 4.º e 5.º), a estipulação

por terceiro produz os seus efeitos em referência à aceitação e ao registro da hipoteca,

ainda que sem mandato, desde que haja declaração de que o fez pelo credor (Dec. 370,

de 02.05.1890, art. 211, § 3.º).

A razão jurídica da disposição do § 3.º do art. 211 do Dec. 370, de 1890, que

declara válido o registro da hipoteca feito por terceiro, ainda sem mandato, preceito que

autoriza, como consectário, a afirmação de que ao terceiro, sem mandato, é igualmente

lícito aceitar o contrato hipotecário, porque este só produz os efeitos, que lhe são

inerentes, e só tem valor para com os terceiros (a seqüela e a prelação), depois da

inscrição, é que esta é ato autêntico, feito por oficial público, e em seus efeitos
compreende não só o valor do contrato, mas ainda a situação jurídica das partes que nele

colaboraram. A ratificação do credor hipotecário induz-se presuntivamente do registro

do contrato feito por terceiro, sem oposição d‟aquele (Thiry, Droit Civil, vol. 4.º, n.

507).

A hipoteca convencional deve ser especial, com quantia determinada e sobre

bens presentes.

Art. 4.º Ficam proibidas e de nenhum efeito as hipotecas gerais e sobre bens

futuros.

165. A generalidade da hipoteca convencional dando como compreensão a esta

todo o patrimônio do devedor (L. 9 Cód. quæ res pignori), alcançando até os bens futuros

– cætera etiam bona teneantur debitoris, quæ nunc habet et quæ postea adquisierit, como

diz Gaio (L. 15 D. § 1.º, de pignoribus et hypothecis), ou como diz Scœvola: creditor

pignori accipit à debitore quidquid in bonis habet, habiturus ve esset (L. 34 § 2.º D. h, tít.),

era aceita no direito romano; passou para o nosso direito na Lei de 20.06.1774, §§ 31 a

32, e no Dec. 482, de 14.11.1846, art. 4.º e foi condenada e substituída pela

especialidade na Lei 1.237, de 24.09.1804 (art. 4.º) e seu respectivo regulamento (Dec.

3.453, de 26.04.1865, art. 119).

O direito hipotecário moderno assenta todo ele sobre a especialidade da

hipoteca – (Código Civil francês, art. 2.129, CódigoCivil italiano, art. 1.979; Código

Civil holandês, art. 1.219; Código Civil do Cantão dos Grisões, art. 281; Código Civil

uruguaio, art. 2.300) e a sua incidência sobre bens presentes, com a sanção da nulidade

para as hipotecas sobre bens futuros.


É o princípio consagrado no segundo período do art. 4.º supra, que reproduziu

disposição idêntica do art. 4.º da Lei de 1864.

Como principal assento do crédito territorial a hipoteca em nenhum país teve a

feição especial que lhe imprimiu o moderno Código alemão nos arts. 1.115 e seguintes,

dispondo de um registro territorial bem organizado – Grundbuch –; modelado

principalmente no intuito de criar aquilo que Meulenaere chama o estado civil da

propriedade imobiliária, esse cadastro é a história de cada um dos imóveis cuja

existência inteira é descrita na série dos atos autênticos e públicos que representam as

suas mutações; fazem inteira fé, constituem prova completa não só entre as partes

contratantes, mas para com os terceiros.

Os encargos de qualquer espécie, que gravam o imóvel e que constituem

acidentes de sua história são assinalados com precisão e de modo autêntico “a fim, diz

Meulenaere, de conferir absoluta segurança ao crédito”. Para que um imóvel deixe de

ser contemplado no registro é preciso que uma disposição de lei o isente.

O legislador de 1890 tem entre nós como objetivo o desenvolvimento do crédito

agrícola, e por isso sacrificou o elemento jurídico ao econômico, na estrutura do aparelho

hipotecário; ao registro, meio de publicidade, conferiu ação poderosa na exteriorização

do direito real da hipoteca; enquanto a inscrição não é cancelada a hipoteca subsiste,

embora a obrigação principal se ache extinta.

À semelhante orientação não podiam escapar disposições proibitivas de

hipotecas sobre bens futuros, significando esta expressão o mesmo que os dizeres do art.

2.129 do Código Civil francês – imóveis atualmente pertencentes ao devedor; nem outra

coisa se coaduna com o regime de publicidade adotado, que exige especificações que

tornam imprescindível a designação detalhada e minuciosa dos característicos do imóvel


hipotecado (art. 196, §§ 9.º, 10.º e 11.º, do Dec. 370, de 02.05.1890).

Todavia o nosso legislador resolveu de modo contrário aos doutrinadores

belgas, e, a nosso ver com critério, a questão que suscitaram essas expressões da lei

francesa reproduzidas propositalmente na Lei belga de 1851 (art. 78), sobre a

revalidação da hipoteca de imóvel alheio pelo fato do domínio superveniente do devedor.

O art. 78 da Lei belga contém na segunda alínea proibição da hipoteca de bens

futuros, melhorando assim o Código Civil francês, que no art. 2.130 permite ao devedor

que não tem bens suficientes para garantir sua dívida consentir que cada um dos bens

que adquirir posteriormente fique consignado à referida garantia a proporção de sua

aquisição.

Entende-se, porém, geralmente não estarem compreendidos na proibição os

imóveis sobre os quais o devedor tiver um domínio dependente de condição suspensiva;

em tal caso a hipoteca é valida, acompanhando e conformando-se à situação jurídica do

domínio; assim se a condição realizar-se e o domínio subsistir a hipoteca prevalece; no

caso contrário ela anula-se (Arntz, vol. 4.º, n. 1.796; Martou, vol. 3.º, ns. 962 a 965;

Laurent, vol. 30, n. 476; Aubry et Rau, vol. 3.º, § 266).

No direito romano do tempo de Justiniano a hipoteca dos bens futuros era legal

e compreendia-se na hipoteca geral (L. 9, Cód. Quæ res pignor); no direito clássico os

bens futuros podiam ser objeto de hipoteca mas mediante convenção expressa; a

verdade, porém é que tal convenção acompanhava quase se mpre a constituição de uma

hipoteca geral sobre bens presentes: isto deduz-se do fragmento de Gaio, já citado, e

consolidado no § 1.º da Lei 15 D. de pignorib. et hypothec.

Os códigos modernos consagraram o princípio doutrinal q ue a propriedade sob

condição suspensiva pode servir de fundamento a uma hipoteca estabelecida nas


mesmas condições (Código Civil italiano, art. 1.975; CódigoCivil holandês, art. 1.215;

CódigoCivil francês, art. 2.125).

A mesma solução deve prevalecer no caso de ser a condição resolutiva; pela

máxima resoluto jure dantis resolvitur jus accepientis invocada por Martou (vol. 3.º, n.

966) a hipoteca resolve-se se o domínio resolúvel chegar ao seu termo de duração; as

disposições legislativas que citamos compreendem essa modalidade da hipoteca.

A aplicação das duas hipóteses ao nosso direito não oferece dificuldades; os

preceitos de direito comum dominam a nossa legislação escrita na parte não

excepcionada, de modo expresso; não se deve perder de vista esta regra elementar.

O que dizer, porém, dos imóveis reivindicáveis?

Laurent com a clareza usada sempre em suas exposições doutrinais assim se

exprime: “Um terceiro possui um imóvel que me pertence, ele não tem título algum;

posso hipotecar esse imóvel como pertencendo- me? Não pode haver dúvida nisso; com

efeito, a usurpação do meu direito não me despoja dele; eu sou e nunca deixei de ser

proprietário. Que importa que eu deva agir em juízo pelo fato de querer o usurpador

manter-se na posse? O juiz dando- me ganho de causa decidirá que nunca deixei de ser

proprietário, porquanto os julgados nada mais fazem do que declarar os direitos das

partes, eles não lhes conferem direito algum; a conseqüência será que a hipoteca

constituída por mim será perfeitamente válida, pois que ela foi consentida por aquele a

quem o imóvel pertencia na atualidade, como quer a lei (Principes de Droit Civile, vol.

30, n. 475).

É esta a doutrina que prevaleceu geralmente no direito francês; mas não é a que

deve ser aceita entre nós.

O imóvel reivindicável não pode ser alienado pelo reivindicante antes da


sentença; se esta não cria o direito para o autor, quando dá-lhe ganho de causa, nem por

isso deixa de ser substancial o seu decreto para que o imóvel entre no patrimônio do

reivindicante, de onde pode ter saído por motivos tais que fundamentem a prescrição

aquisitiva do possuidor, réu na ação de reivindicação e que pode possuir o imóvel com

justo título e boa fé.

Acresce que no caso figurado a hipoteca viria de fato a assentar na ação de

reivindicação, que o direito comum considera imóvel pelo objeto a que se aplica e que o

nosso direito escrito não aceita como objeto de hipoteca, antes formalmente repele (art.

136 do Dec. 370, de 02.05.1890).

À hipótese do imóvel reivindicável Laurent equipara o da resolução,

revogação, rescisão ou anulação do título pelo qual o imóvel saiu do domínio do

devedor; entende aquele jurisconsulto que a hipoteca pode ter por objeto tal imóvel. O

título do adquirente é anulado pela sentença, o que equivale a dizer que ele nunca

existiu. “Sou eu, acrescenta Laurent (n. 475) cujo direito o juiz reconheceu, que fui

sempre proprietário do imóvel; eu tinha pois, o direito de hipotecá-lo, conquanto no

momento do contrato eu não estivesse na posse do mesmo; mas a posse é de fato e não

decide do direito. O juiz anulando o ato por força do qual um terceiro possuía, declarou

por isso mesmo que o imóvel me pertencia no momento em que foi constituída a

hipoteca; conseguintemente esta é valida.”

Pont (vol. 2.º, n. 636) aceita esta doutrina e patrocina-a com dois textos de

Pomponio e de Ulpiano nos quais os dois jurisconsultos romanos firmam o princípio de

que fazem parte do nosso patrimônio os imóveis que nele realmente se acham, e também

os que temos o direito de chamar ao nosso patrimônio por meio de ações competentes.

Pont é coerente porque entende que tais imóveis podem ser alienados ainda
antes da sentença definitiva que rescinde o domínio suposto do detentor e reconhece o

do autor, conseguintemente podem ser hipotecados, sujeita a perduração da hipoteca à

decisão final sobre o domínio.

Mencionamos o fato, conquanto pouco freqüente na prática, para dizer que não

sendo como o da reivindicação previsto em nosso direito escrito a solução da doutrina é

aceitável com o corretivo que oferece Martou (vol. 3.º, n. 970) de não serem os atos

resolutórios e anulatórios de transferências dos imóveis amigáveis, a menos que se

fundem em uma causa necessária e legítima.

Esta opinião é emitida de conformidade com um julgado da Corte de Cassação

francesa proferido em 10.03.1836.

§ 1.º A hipotheca convencional deve indicar nomeadamente o imóvel ou

imóveis, em que ela consistir, com a sua situação e característicos.

§ 5.º Quando o crédito for indeterminado, a inscripção só poderá ter lugar com

o valor estimativo, que o credor e o devedor ajustarem expressamente.

165. É a noção legal da especialidade hipotecaria que se dá na disposição

supra.

Como a hipoteca convencional tem por assento substancial a especialidade, a

determinação individual do imóvel hipotecário é essencial para a validade da hipoteca;

essa individuação só se reputa feita de modo regular quando o imóvel é designado com

a denominação que tem, se for rural, na falta desta com a situação precisamente

estabelecida, com a menção de suas dimensões, se se tratar de prédio urbano com a

indicação da rua em que está edificado e do numero que tem; devem ser salientados
todos os característicos que sirvam para melhor determinação do mesmo e como diz

Laurent, (vol. 30, n. 505) com a sua designação individual e nominativa.

Quando o devedor hipotecar mais de um imóvel situado em uma mesma

circunscrição territorial (freguesia), deverá especializar com todos os sinais acima

indicados cada um dos imóveis, não sendo lícito declarar na escritura, de modo genérico,

que dá em hipoteca os imóveis situados em tal freguesia.

A especialidade hipotecária tem por fim não tanto, como pretende Martou,

garantir os interesses do credor e do devedor, e oferecer aos terceiros um critério para

avaliarem da situação patrimonial da pessoa com quem vão co ntratar, mas, e

principalmente observar a estrutura científica da própria hipoteca; se esta não importa

laço de nexo obrigacional, mas consiste na seleção de imóveis do patrimônio devedor,

geral e juridicamente obrigado às dívidas contraídas para afetá- los à solução de

determinado credor, como não estabelecer a individuação de tais imóveis, como condição

substancial da validade de semelhante convenção, que excepciona ao princípio geral do

direito comum?

O regime hipotecário estabelecido entre nós na Lei de 20.06.1774 e aplicado,

quanto ao registro, pelo Dec. 482, de 14.11.1846, admitia a generalidade das hipotecas

convencionais (§§ 31 e 32 de Lei citada, art. 4.º do Decreto de 1846).

A Lei de 24.09.1864 (art. 4.º, § 1.º) firmou o princípio da especialidade

imperfeitamente definido no art. 2.129 do Código Civil francês e com muito maior

precisão estabelecido e caracterizado no art. 78 da Lei belga de 1851, for mulada com o

elemento histórico da especialidade, tal qual a adotara o direito escrito francês, e

podendo evitar as dúvidas que a obscuridade dos termos do art. 2.129 do Código Civil

francês autorizava.
A especialização que o § 1.º do art. 4.º supra exige na hipoteca deve constar da

escritura desta, sob pena de nulidade, e a sua falta não se reputa suprida pelas

declarações feitas na inscrição da hipoteca, nos termos do art. 196 do Dec. 370, de

02.05.1890. A inscrição sendo o meio de publicidade da hipoteca para assegurar os

efeitos da mesma quanto aos terceiros (art. 9.º do Dec. 169 A, de 1890) não pode suprir

qualquer omissão da escritura da qual a inscrição não é senão a reprodução concisa, e

analítica (Martou, vol. 3.º, n. 998; Paul Pont, 2, ns. 671 e 672; Lafayette, Dir. das

Cousas, § 221; Cattaneo e Borda, Comment. ao art. 1.979 do CódigoCivil italiano, n. 4;

Chironi, Diritto Civile, § 220, n. 4; Laurent, Princ. de Doit Civ., vol. 30 n. 499); a

nulidade da hipoteca convencional fundada na falta de especialidade legal pode ser

alegada pelo próprio devedor (Martou, vol. 3.º, n. 999; Laurent, vol. 30, n. 512);

carecendo de fundamento a opinião que vê na falta de especialidade uma nulidade

relativa, por ter a especialidade por fim garantir unicamente os direitos dos terceiros.

166. A especialidade da hipoteca completa-se com a declaração precisa do valor

do crédito, é o que a lei indiretamente declara no § 5.º supra do art. 4.º quando exige a

determinação do valor do crédito por estimação, quando a escritura não precisá- lo, o

que supõe a necessidade de sua fixação como elemento da especialidade.

O Dec. 370, de 02.05.1890 não deixa dúvida sobre o assunto, aliás

completamente tratado na doutrina e na legislação estrangeira; de feito, tratando da

especialização obrigatória das hipotecas legais, que não podem no regime atual, ser

gerais, exige, como formalidade essencial o arbitramento do valor da responsabilidade,

salvo quando esta constar implicitamente do assento fundamental da hipoteca legal

(arts. 144, 146, 147 a 151).


A especialização do crédito deve constar da escrituração da hipoteca sob pena

da nulidade desta (Laurent, Princ., vol. 30, n. 525; Martou, vol. 3.º, ns. 1.013 e 1.014; P.

Pont, vol. 2.º, n. 702; Lafayette, Dir. das Cousas, § 221, n. 2; Thiry, vol. 4.º, n. 512); se

a omissão da declaração da importância pela qual ficava ligado o imóvel à hipoteca

fosse admitida, a especialidade deixaria de preencher seu fim, que é a determinação da

situação do devedor, em beneficio do seu crédito e como meio de esclarecer os terceiros

que desejassem contratar com o mesmo.

É possível constituir hipoteca para garantir dívida futura, de um crédito a abrir?

A razão de duvidar foi dizer-se que a obrigação potestativa (si voluerim) é

nula; a hipoteca careceria, portanto, de fundamento jurídico em tal caso.

Assentava, como se vê, a dúvida em uma confusão de noções.

Do fato de poder ou não o devedor deixar de contrair a dívida, de usar do

crédito aberto, não se pode concluir que ele deixasse de estar obrigado, caso o fato se

desse, e que nesta hipótese a hipoteca dependesse de sua vontade; ao contrário, como

faz sentir Laurent (n. 527) não dependendo do devedor que os bens dados em hipoteca

deixem de ficar hipotecados se a dívida for contraída, não depende a hipoteca de uma

condição meramente potestativa.

Em referência à garantia hipotecária adjeta à abertura de um crédito, a dúvida,

largamente elucidada entre os tratadistas franceses, não tinha procedência senão em face

da disposição do art. 1.174 do Código Civil francês, que estabelecia a nulidade de toda

obrigação contraída sob condição potestativa; não entende com a índole do contrato

hipotecário, como já o dissemos; enquanto não existir a obrigação principal não pode ter

lugar a obrigação acessória, conseguintemente, enquanto o crédito não for aberto e

fixada a soma do mesmo a hipoteca não existe por falta de objeto.


Nestas condições a abertura de um crédito oferece um ponto capital de

diferenciação de uma dívida futura; antes ele representa uma dívida atual porquanto o

banqueiro, desde que abre o crédito, põe a quantia à disposição do mutuário e não pode

mais dispor dela; a hipoteca garante, pois dívida existente; porquanto se é certo que o

mutuário pode utilizar-se ou não do crédito, nem por isso a hipoteca torna-se facultativa.

(Laurent, Princ., vol. 30, n. 528).

O art. 80 da Lei belga de 1851 contém disposição precisa e clara na sua 3.ª

alínea, a qual tem feito desaparecer todas as dúvidas que os doutrinadores apoiaram no

art. 1.174 do CódigoCivil francês.

Uma Lei belga de 15.04.1889 confirmou de modo claro a terceira parte do art.

80 nos seguintes termos:

“A hipoteca consentida em segurança de um crédito aberto é válida; ela valerá,

contra os terceiros da data de sua inscrição, sem dependência das épocas da execução

dos compromissos tomados pelo credor, a qual terá efetividade para todos os meios

legais.” (Thiry, Droit Civil, vol. 4.º, n. 513).

No nosso direito não encontra a menor dificuldade um contrato dessa natureza;

antes são freqüentemente celebrados e em suas modalidades acompanham sempre a

feição da obrigação principal que assenta na abertura do crédito.

§ 2.º A hipoteca convencional compreende todas as benfeitorias, que

acrescerem ao imóvel hipotecado, assim como as acessões naturais, nas quais se

consideram incluídos os frutos pendentes, colhidos e beneficiados das propriedades

rurais e agrícolas, e aluguéis de prédios.


167. A disposição do art. 137 do Dec. 370, de 02.05.1890, define a

compreensão da hipoteca discriminando-a de acordo com a doutrina geralmente aceita, e

corrigindo o § 2.º do art. 4.º do Dec. 169 A, de 1890.

A hipoteca abrange, segundo aquela disposição:

O imóvel com todos os seus pertences e servidões ativas;

Os acessórios hipotecados com o mesmo imóvel;

Todas as bem feitorias que acrescerem ao imóvel, depois de hipotecado;

Todas as acessões naturais, que sobrevierem, nas quais se consideram incluídos

os frutos pendentes das propriedades rurais e agrícolas, bem como os aluguéis dos

prédios;

O preço que, no caso de sinistro, é devido pelo segurador ao segurado, não

sendo aplicado às reparações do imóvel hipotecado;

A indenização em virtude de desapropriação por necessidade ou utilidade

pública, ou por efeito de perda ou deterioração.

(§§ 1.º a 6.º do citado artigo).

Na genérica disposição do artigo antecedente se subentendem:

Os novos edifícios construídos no solo hipotecado;

A consolidação de um domínio com outro, quando os imóveis forem

enfitêuticos;

Os terrenos adquiridos pelo devedor e incorporados expressa ou tacitamente ao

imóvel hipotecado, no caso seguinte;

Quando o devedor readquire as partes de um imóvel hipotecado, mas

posteriormente fracionados por divisão ou partilha (art. 138, §§ 1.º, 2.º e 3.º, do Dec.
370 citado).

O § 2.º do art. 4.º do Dec. 169 A, de 1890, faz incidir a hipoteca sobre os frutos

colhidos e beneficiados das propriedades rurais e agrícolas.

Tal disposição destoa do regime hipotecário adotado no § 1.º do art. 2.º do

citado Decreto que só reconhece como assento à hipoteca os imóveis por natureza e os

por destino; a esta classe pertencem os frutos pendentes; desde, porém, que são colhidos

perdem a sua natureza de imóveis, a qual é simplesmente devida a uma ficção de direito

apoiado no fato da aderência ao imóvel da qual resulta a imobilização dos frutos.

A deslocação destes da árvore transforma-os em móveis, fazendo-os voltar à

sua natureza primitiva pela quebra do laço de aderência que os imobilizara.

Tornados móveis não podem ser objeto de hipoteca, porque esta só pode incidir

sobre imóveis, desde que estes se mobilizam por qualquer fato, por exemplo, se a casa é

desmanchada, a árvore cortada, os frutos colhidos, a hipoteca não subsiste mais, por

falta de objeto.

A disposição do § 2.º do art. 4.º do Dec. 169 A faz voltar a nossa legislação

hipotecária ao regime do direito romano (Leis 9 § 1.º D. e 15 Cód. de pignorab et

hypothec e Leis 1.ª § 2.º. Quæ res pignorib): que conferia sobre os móveis hipoteca com os

seus dois efeitos de seqüela e prelação e do antigo direito francês que atribuía à hipoteca

sobre móveis, a prelação conquanto não a seqüela.

Os frutos colhidos não são contemplados no art. 137 do Dec. 370, de 1890,

como acessões naturais para efeito da hipoteca; é a noção corrente no direito moderno

(Pont, vol. 1.º, n. 361; Troplong, vol. 2.º, 404 e 414; Martou, vol. 2.º, n. 719; Thiry, vol.

4.º, n. 446; Chironi, Diritto Civile, vol. 1.º, § 215; Cattaneo e Borda, nota ao art. 1.967

do Código italiano, n. 9); conseguintemente a disposição excepcional do § 2.º do art. 4.º


do Dec. 169 A, de 19.01.1890, deve-se considerar revogada pela do Dec. 370, de 2 de

maio do mesmo, que tem igualmente força legislativa.

No direito francês é ponto controverso se a colheita dos frutos quando não

realizada como ato de administração pelo fato de haverem os frutos atingido o estado de

maturidade, mas feito com intuito de fraudar o credor hipotecário, confere a hipoteca o

jus persequendi pignoris sobre os frutos assim mobilizados; entre nós a questão carece

de importância.

Ainda quando a colheita seja feita por má fé do devedor o credor não pode

haver os frutos, por meio da seqüela hipotecária; resta- lhe apenas o recurso de pedir

reforço se a hipoteca se enfraquecer com desvalorização do imóvel e na falta do reforço

excutir o imóvel hipotecado (Lafayette, Dir. das Cousas, vol. 2.º, § 180, notas 7.ª e 8.ª).

No direito formal italiano concede-se o seqüestro ao credor hipotecário sobre os

móveis do devedor, quando os bens hipotecados são insuficientes para solver a dívida

hipotecária.

O fundamento desta doutrina, combatida por Norsa, é segundo Mattirolo

(Dirittto giudiziario civile e italiano, vol. 5.º, n. 1.081) a disposição do art. 1.949 do

Código Civil italiano que concede a todo o credor uma garantia geral sobre todos os

bens do devedor, garantia que não se reputa renunciada pelo fato de haver o credor

estabelecido garantia especial da hipoteca.

“Il creditore, col pottuire e coll‟aquistare una garantia speciale mercé l‟ipoteca,

non renunzia, non perde la garantia comune de cui nell‟articolo 1949. Data quindi

l‟insufficienza dell‟ipoteca, egli potra pur sempre, provando il pericolo della perdita del

suo credito, ottenere la cautela conservativa del sequestro; perche (giovi il repeterlo)

l‟articolo 924 del códice di procedura, nella generalitá della sua formula e del suo
concetto, comprende il pericolo di perdita de ogne maniera di garantie, e cosi sea quella

generale, spettante a qualzioni creditore, come di quele speciale, state expressamente

convenute.”

Este modo de ver encontrou apoio na jurisprudência dos tribunais italianos.

(Mattirolo, loco citado e nota 6.ª).

No nosso direito adjetivo tal doutrina não pode prevalecer.

O seqüestro é medida assecuratória utilizável, fora do acordo das partes, isto é,

do seqüestro convencional, nos casos determinados em lei (Ramalho, Praxe, § 88;

Ribas, Consolidação das Leis do Proc. Civ., arts. 894 e 895), e em referência à garantia

do direito real hipotecário só tem ação em referência aos imóveis hipotecados, sobre

eles somente pode ser exercitado, nos casos de oferecer o devedor, pela ocultação ou

ausência, impedimento e obstáculo à iniciação da ação executiva para a qual não é mais

necessário o seqüestro como preliminar, o que se dava no domínio da legislação de

1864 (art. 14 da Lei 1.237, de 24 de setembro, art. 284 do Dec. 3.453, de 26.04.1865);

antes o seqüestro tem apenas aplicação como verdadeira medida assecuratória da

efetividade da ação executiva e só é regularmente usado quando a penhora não pode

desde o começo ter lugar nos bens hipotecados por furtar-se o devedor à intimação (arts.

67 e seguintes do Dec. 3.272, de 05.10.1885 e arts. 384 e seguintes do Dec. 370, de

02.05.1890).

A disposição do art. 138 do Dec. 370 contém dois preceitos que merecem deter

a atenção e fazer objeto de algumas reflexões, são os dos §§ 1.º e 3.º.

Era ponto de grande controvérsia no direito francês se a hipoteca do solo

compreendia a dos novos edifícios sobre ele construídos. A razão de duvidar foi que em

tal hipótese o princípio da acessão era mal entendido, porquanto o solo não era
benfeitorizado, para o efeito de adquirindo as benfeitorias por acessão incidirem estas

sob a hipoteca – “não é mais a coisa primitiva, o solo, que foi melhorada; o seu valor

antes perdeu-se no dos edifícios.” (Dalloz, Privilèges et Hypothèques).

Esta opinião era a reprodução, mais ou menos, do parecer da Faculdade de

Direito de Grenoble, emitido por ocasião da consulta feita, em 1841, sobre as alterações

a fazer no sistema hipotecário francês; ela, porém, não prevaleceu e a doutrina e a

jurisprudência apoiando-se no princípio da acessão civil contida no brocardo – omne

quod solo inedificatur, solo cedit, entenderam que seja qual for o valor das construções,

estas incidem sob a hipoteca que grava o solo sobre a qual forem assentadas (Martou,

vol. 2.º, n. 732; Duranton, vol. 19, n. 258; P. Pont, vol. 1.º, n. 410).

A questão tinha importância no direito francês e tem no nosso tratando-se de

benfeitorias feitas pelo terceiro detentor de boa fé.

A incidência sob a hipótese não oferecia dúvida; manifestava-se, porém, a

divergência sobre a natureza do direito que cabia ao terceiro, autor das benfeitorias, para

haver a indenização destas.

A maioria dos doutrinadores opina no sentido de ser o direito do terceiro

apenas um direito pessoal e não lhe caber a detenção do imóvel hipotecado até ser

indenizado das benfeitorias, e que o meio de avaliar tais benfeitorias era fixar o valor da

melhoria que o imóvel tivesse auferido – quatenus res pretiosior facta est (Troplong,

vol. 3.º, n. 836; Laurent, vol. 31, n. 304 a 308; Martou, vol. 3.º, ns. 1.318 e 1.319; P.

Pont, vol. 2.º, ns. 1.205 a 1.208).

No nosso direito deve prevalecer esta solução (Lafayette, Dir. das Cousas, vol.

2.º, § 183, nota 6.ª).

O § 3.o do art. 138 do Dec. 370, de 1890, resolveu, contra a noção jurídica, e
obedecendo exclusivamente a sua orientação econômica a questão de compreender a

hipoteca a aquisição pelo devedor de terrenos diferentes do imóvel hipotecado e que ele

a este incorpora.

Considerando atingidos pela compreensão da hipoteca os terrenos tácita ou

expressamente incorporados ao imóvel hipotecado, quando adquiridos posteriormente, à

constituição da hipoteca, firmou princípio em contrário à doutrina, que considera a

extensão da hipoteca limitada e de restrita aplicação aos acessórios e benfeitorias do

imóvel e às adesões naturais, não podendo, portanto, ampliar-se ao caso figurado no § 3.º

do art. 138 citado (Duranton, vol. 19, n. 259; Martou, vol. 2.º, n. 730; P. Pont, vol. 1.º,

n. 411; Laurent, Princ., vol. 30, n. 207).

A limitação que a segunda parte do § 3.º procura estabelecer à disposição deste,

não encerra caso novo restritivo daquele preceito.

De fato se o imóvel hipotecado é posteriormente fracionado pela ação communi

dividundo ou pela partilha (familiæ erciscundæ) tal divisão não anula a hipoteca, antes a

indivisibilidade desta faz com que a parte destacada vá gravada do ônus hipotecário. Se

o devedor a readquire antes do adquirente por divisão ter remido a parte que lhe coube

em quinhão societário ou hereditário, o devedor readquire as partes divisórias com o

gravame da hipoteca, como os proprietários anteriores as haviam possuído: estando elas

remidas, fazê-las cair gravadas da hipoteca sob o domínio do devedor, que as readquire,

é atacar de frente o sistema hipotecário da legislação de 1890, que assenta na

especialidade, à qual repugna a hipoteca legal constituída sem os requisitos e fora dos

casos da especialização.

Acresce que tomada nesse sentido a disposição contém erro de direito, qual o

de fazer compreenderem-se na hipoteca bens que não podem estar a ela sujeitas pelo
princípio de acessão.

Se o que se teve em mente com o preceito da alínea do § 3.º do art. 138 do Dec.

370 foi regular uma espécie não tratada expressa, mas implicitamente na doutrina e na

jurisprudência, ainda assim, foram isolados os princípios gerais que dominam a matéria.

De feito o prédio hipotecado sofre divisão, a aquisição novamente feita das

partes destacadas pelo ato da divisão não se pode como já o fizemos ver, considerar, em

absoluto, a reintegração do prédio ou imóvel anterior; é a incorporação de um imóvel

novo, já diferente do primeiro por força da divisão juridicamente feita e cujo consectário

foi fazer do imóvel primitivo tantos imóveis quantas as partes ou porções divisas. Tem

os mesmos inteira aplicação o que dizia Treilhard dos terrenos novamente adquiridos

pelo devedor sendo inteiramente distintos do que foi dado em hipoteca, não se pode

invocar, para que a hipoteca os atinja, a acessão, porquanto tais terrenos não são

acessórios no primeiro.

Alugueis dos prédios. – A compreensão da hipoteca estendida aos aluguéis, isto

é, aos frutos civis do imóvel hipotecado, foi uma inovação da legislação de 1890 e o

Decreto, de 2 de maio, que corrigiu (art. 137, § 4.º) o erro cometido no Dec. 169 A (art.

4.º, § 2.º, supra), quando fez recair a hipoteca sobre os frutos colhidos e beneficiados,

isto é, sobre bens mobilizados, deixou subsistir a hipoteca sobre os aluguéis dos prédios

atacando a essência da hipoteca que é um direito real conferido sobre a coisa alheia para

o único efeito de consigná-la ao pagamento da dívida, pelo que o direito que se defere

ao credor é o de vender o imóvel e pagar-se pelo preço. Enquanto não exercita esse

direito não pode o credor exercitar nenhuma das faculdades que constituem

manifestação de poderes sobre a coisa, isto é, da posse, com os efeitos jurídicos

decorrentes, entre os quais o da percepção dos frutos civis. Ora, o direito ao s aluguéis
supõe o direito de locar, pois que o aluguel é o preço da locação, e esta é a deslocação

da posse; a constituição da posse, como a regulava o direito romano, e tal qual passou

para o nosso, é, pois, fundamentalmente violada no preceito dos arts. 4.º, § 2.º, do Dec.

169 A, e 137, § 4.º, do Dec. 370, de 1890, além de sê-lo igualmente a noção jurídica da

hipoteca (Maynz, vol. 1.º, §§ 160 e 161).

A razão que levou a excluir da compreensão da hipoteca os frutos colhidos e

beneficiados (art. 137, do Dec. 370), devia ter sugerido ao legislador a exclusão dos

aluguéis dos prédios.

Uns e outros frutos depois de percebidos escapam, por sua natureza e por sua

essência, ao ônus hipotecário, pelo fato da mobilização; apurada a noção jurídica dos

frutos civis no laço de dependência que os prende à posse, não considerada no elemento

material (corporis possessio), nem no intencional (animus domini, animus rem sibi

habendi), tais frutos só podem pertencer a quem tenha a juris possessio e quando o fato

material da deslocação da posse pelo seqüestro (Molitor, Posse, n. 19) acarretava a

percepção e o depósito de tais frutos era porque elas acompanhavam a sorte do imóvel

que era retirado da posse material do devedor (Savigny, Posse, § 22 A, n. 3). Como, sem

este fato, exercer o credor hipotecário o direito sobre aluguéis?

§ 3.º Caso o imóvel ou imóveis hipotecados pereçam, ou sofram deterioração,

que os torne insuficientes para segurança da dívida, pode o credor demandar logo a

mesma dívida, se o devedor recusar o reforço da hipoteca.

168. O art. 123 do Dec. 370, de 02.05.1890, reproduz a disposição supra

acentuando que ela tem aplicação, quer se trate de hipoteca legal, quer de convencional;
a declaração não parecia necessária desde que no regime hipotecário de 1890 quer as

hipotecas legais, quer as convencionais são assentes em imóveis determinadamente

especificados, sendo a especialidade condição substancial da validade das mesmas (art.

114, do Dec. 370, de 02.05.1890).

A aplicação do § 3.º do art. 4.º supra tem lugar sem que haja necessidade de

investigar se a deterioração ou o perecimento do imóvel provém de fato do devedor ou

de caso fortuito; desde que o fato do devedor não possa fazê- lo perder o direito ao prazo

e tornar exigível a dívida pelo credor, porque não há no nosso direito escrito preceito

idêntico ao do direito civil francês (art. 1.188 do Código Civil), nem a faculdade de

propor reforço de hipoteca seja concedida ao devedor unica mente na hipótese de serem

as deteriorações e a perda do imóvel hipotecado devida a causa não imputável ao mesmo

(art. 79 da Lei belga de 16.12.1851).

O preceito é absoluto quer a deterioração do imóvel, quer a sua perda sejam

devidas a atos do devedor, este pode impedir a ação do credor oferecendo reforço, ainda

mais aquele só pode acionar para a cobrança da dívida, depois de intimar o devedor para

fazer o reforço da hipoteca e este recusar-se.

O nosso legislador foi mais favorável ao devedor do que o art. 2.131 do Código

Civil francês e o art. 79 da Lei belga de 1851.

A disposição do § 3.º do art. 4.º do Dec. 169 A, de 1890, não tem, porém,

aplicação se o devedor alienar o imóvel hipotecado; neste caso entra em movimento e

ação o direito de seqüela do credor; é caso regido por disposições de direito escrito de

todo o ponto especiais, quais os arts. 217, § 3.º, e 257 a 277 do Dec. 370, de 1890, nem

cura dos casos em que o preço e o valor do imóvel hipotecado são pela Lei sub-rogados

neste, como na hipótese de sinistro o preço do seguro, no de desapropriação por


necessidade ou utilidade pública e no de indenização devida por terceiro por dano ou

perda do imóvel (§ 3.º do art. 2.º do Dec. 169 A, de 1890, P. Pont, vol. 2.º, 698): nestes

casos a ação do credor assentando como o seu direito hipotecário, no produto ou preço

do imóvel, não há fundamento jurídico para reforço.

Pode o credor hipotecário exigir que o devedor renove a hipoteca no caso de

haver esta caducado pela incidência da condição resolutiva do domínio do devedor?

De modo algum; é ponto corrente na doutrina que o direito ao reforço ou à

renovação da hipoteca e o de acionar não tem lugar, antes de vencido o prazo da

obrigação principal, se o perecimento da coisa hipotecada ocorrer por fato que o credor

devia necessariamente prever na época da constituição da obrigação da hipoteca. (P.

Pont, vol. 2.º, n. 695; Martou, vol. 3.º, n. 1.007; Lafayette, Dir. das Cousas, vol. 2.º, §

222; Laurent, Princ., vol. 30, n. 519).

O direito do credor pedir reforço, e, na falta da concessão deste, acionar o

devedor para o pagamento, dentro do prazo da obrigação, não tem, igualmente,

aplicação se a desvalorização do imóvel hipotecado não for devida à deterioração

material, mas à depreciação proveniente de causa econômica (P. Pont, vol. 2.º, n. 693;

Lafayette, Dir. das Cousas, vol. 2.º, § 222; Laurent, Princ., vol. 30, n. 517).

A deterioração do imóvel só autoriza o pedido do reforço por parte do credor,

quando ela traz como efeito tornar-se o imóvel insuficiente para garantir a obrigação

principal; a alegação por parte do credor de haverem os imóve is perdido em seu valor

não pode fundamentar o pedido de reforço (Laurent, vol. 30, n. 517); assim como a

insuficiência dos imóveis não autoriza o pedido de reforço, quando ela não sobreveio à

hipoteca mas já existia ao tempo dela, ainda que o credor estivesse em engano sobre o

valor dos imóveis, desde que tal ilusão provenha apenas de falta do próprio credor e não
de culpa do devedor (Lafayette, Dir. das Cousas, vol. 2.º, § 222, n. 3, do § II; P. Pont,

vol. 2.º, n. 693) combate um julgado da Corte de Rouen que sustentou princípio

contrário, e o fundamento capital de sua impugnação, partilhada aliás, por Laurent (vol.

30, n. 518) é que apoiando-se o direito de pedir reforço na insuficiência que sobreviesse

aos imóveis, não pode servir- lhe de fundamento a insuficiência já existente ao tempo do

contrato hipotecário: conseguintemente, acrescenta Pont, ainda que o credor só tenha

descoberto a insuficiência depois da formação do contrato, basta que ela existisse

realmente no momento do contrato, para que qualquer recurso fosse vedado ao credor.

§ 4.º Os contratos celebrados em país estrangeiro não produzem hipotecas sobre

os bens situados no Brasil, salvo direito estabelecido nos tratados, ou se forem

celebrados entre brasileiros, ou em favor deles nos consulados, com as solenidades e

condições que este Decreto prescreve.

169. Esta disposição que se acha reproduzida no art. 124 do Dec. 370, de 1890,

e foi transportada da Lei 1.237, de 24.09.1864, (art. 4.º, § 4.º) foi inspirada pela do art.

2.128 do Código Civil francês que é objeto dos reparos de todos os seus comentadores,

quando não reconhece o contrato hipotecário celebrado nos países estrangeiros, como

tal, salvo quando cláusula ou estipulação de tratados assim o estatuírem, o que exorbita

dos princípios gerais que dominam o assunto.

De feito contestar a validade e autenticidade dos contratos hipotecários

celebrados no estrangeiro e reconhecer a dos contratos de compra e venda e de doação

de imóveis, e os constitutivos de servidões reais, é não guardar a linha de observância e

de respeito dos princípios capitais do direito civil internacional e a coerência na


apreciação de fatos jurídicos da mesma natureza.

Na generalidade os doutrinadores franceses enxergam fundamento para sujeitar

exclusivamente à lei da situação do imóvel os atos de execução da hipoteca, alegando

que sendo tais atos inerentes à função executiva exercida pelo governo e portanto em

nome da soberania nacional é dominada a sua prática pelos princípios do direito

público; conseguintemente não podem ter lugar a excussão do imóvel hipotecado,

liquidação de preferências, etc., sem que à jurisdição dos tribunais territoriais hajam sido

sujeitos os contratos para serem declarados executáveis (Laurent, Princ., vol. 30, n. 456;

Troplong, Princ. e hypoth., vol. 2.º, ns. 511 e 512; Duranton, vol. 19, n. 362; P. Pont, vol.

2.º, n. 666); consideram, porém, demasia o declarar o citado art. 2.128 que os atos de

hipoteca lavrados no estrangeiro não conferem hipoteca sobre bens situados em França

(Laurent e os escritores citados).

A disposição desse artigo do Código Civil francês é a expressão do apego que

tiveram os codificadores à tradição do direito daquele país, porquanto ela nada mais é

do que uma recordação infeliz, como diz Fiore, da Ordenação de 1629 que no seu art.

121 estabelecia “que os contratos e obrigações celebrados em reinos e soberanias

estrangeiras, por qualquer causa que fosse, não podiam ter hipoteca nem execução em

França, mas teriam apenas força de simples promessas”.

O legislador belga de 1851 não cometeu o erro de ater-se ao preceito do art.

2.128 do Código Civil francês, antes estabeleceu que os atos constitutivos de hipoteca

celebrados em país estrangeiro produziriam todos os efeitos em referência aos bens

situados na Bélgica desde que sejam visados pelo presidente do Tribunal Civil da

situação dos bens.

O visto só tem por fim apurar a autenticidade dos atos em países de origem
(art. 77 da Lei belga de 1851; Martou, vol. 3, ns. 986 e 987; Laurent, Princ., vol. 30, n.

456 e seguintes).

A verdadeira doutrina sobre o assunto, a que constitui a expressão da noção

científica, é a que expendem Fiore (Direito Internacional Privado, n. 224; Laurent,

Droit Civil International, vol. 7.º, n. 372; e Savigny, Direito Romano, vol. 8.º, § 368, p.

191) e que se pode ver, apresentada em suas grandes linhas, pelo Sr. Lafayette no § 224,

do Direito das Cousas.

O contrato hipotecário é dominado pela legislação de país de origem e deve ser

aceito para todos os efeitos no país da situação do imóvel; a sua aplicação, os atos de sua

efetividade – a ação judicial, a prelação etc., regulam-se pela lex rei sitæ (Laurent, Droit

Civil International, vol. 7.º, n. 376; Pasquale Fiore, obra citada, ns. 220 e 224; Savigny,

Direito Romano, vol. 8.º, § 368): “quanto a eficácia do direito, e aos efeitos que do

mesmo podem derivar, aplicamos a regra geral, aplicável a todos os outros direitos reais,

isto é, que não podem ser eficazes senão de conformidade com as leis em vigor no lugar

em que se quer fazer valer o direito; admitimos conseguintemente, que a hipoteca é

ineficaz quando as coisas não forem susceptíveis de hipoteca, segundo a lex rei sitæ”.

O final da disposição do § 4.º supra contém uma segunda exceção ao princípio

ali estabelecido (sendo a primeira exceção a que se refere às estipulações dos tratados)

que não constitui verdadeira limitação à regra geral.

De feito os contratos celebrados nos consulados brasileiros, com as solenidades

estabelecidas no Dec. 169 A para os contratos hipotecários (art. 96, § 7.º, do Dec. 4.968,

de 02.05.1872) são lavrados por autoridades brasileiras, de acordo com as nossas leis e

como se lavradas fossem no país a exceção, portanto, na realidade nada excepciona;

confirma o preceito geral, que está em desacordo com a doutrina científica.


Os cônsules exercem as funções de notários perante os súbditos das nações de

que são agentes; assim é que segundo o art. 96 do Dec. 4.968, de 1872, acima citado,

eles fazem protestos de letras de câmbios, fazem escrituras de formação, dissolução ou

prorrogação de sociedades, lavram escrituras de hipotecas e outros.

§ 6.º A escriptura é da substância da hipoteca convencional.

É da substância das escrituras de hipotecas, para que válidas sejam, declaração

expressa, que nelas devem ser feitas por parte do mutuário, de estarem, ou não, os seus

bens sujeitos a quaisquer responsabilidades por hipotecas legais; importando para o

mesmo mutuário as penas do crime de estelionato a inexatidão ou falsidade da

declaração feita.

170. O Dec. 370, de 02.05.1890, é mais preciso no art. 130 e completa a

disposição supra.

Esta só exige a escritura para a constituição da hipoteca convencional; não

declarando que se trata da escritura pública a conseqüência seria admitir como capaz,

para a formação da hipoteca a escritura particular nos termos do art. 2.º do Decreto

Legislativo 79, de 23.08.1892, 1.ª parte, por não se tratar da hipótese regida pelo

parágrafo único da referida disposição.

O art. 130 do citado Dec. 370, de 02.05.1890, ato de força legislativa igual ao

Dec. 169 A, declarou que só a escritura pública podia ser admitida como ato substancial

da constituição da hipoteca; é a reprodução do § 6.º, do art. 4.º, da Lei 1.237, de

24.09.1864, com o acréscimo das expressões pena de nulidade, tão escudadas como as

anteriores ainda que privilegiadas sejam as pessoas que o constituírem. De feito se a


escritura pública é substancial do contrato de hipoteca este não subsiste, considera-se

como não realizado se tal escritura não existir, e tendo o privilégio sido abolido pelo

Decreto Legislativo 79, de 23 de agosto, supra citado e sendo todas as pessoas sui juris

atualmente aptas para contratar por escrito particular, quando a escritura só for exigida

ad probandum, as disposições citadas carecem de utilidade o que, aliás já tinha lugar

antes do ato de 1892 e no regime da legislação em vigor quando foi expedido o Dec.

370, de 02.05.1890.

A Lei de 20.06.1774 ( § 33) e o regulamento promulgado pelo Dec. 482, de

14.11.1846, permitiam a constituição da hipoteca convencional por escrito particular,

desde que as pessoas fossem daquelas que segundo a Ord. do Liv. 3.º, Tít. 59, §§ 11 e

seguintes pudessem celebrar por tal forma os contratos cuja prova devesse ser dada por

escrito.

A legislação que reorganizou posteriormente o nosso regime hipotecário (Lei de

24.09.1864 e Decreto de 26.04.1865) alterou tais preceitos e exigiu a escritura pública

como o assento do contrato hipotecário, no que foi imitado pela Lei 3.272 de 05.10.1885

(art. 8.º) e Decreto que a regulamentou (n. 9.549, de 23.01.1886).

O direito romano nem exigia a prova literal dos contratos hipotecários: sine

scriptura si convenit ut hipoteca sit, et probari poterit, res obligata erit de quæ

conveniunt.... Et sine his autem solet quod actum est, si habeat probationem (L. 4 D. de

pignor. et hypoth.); dava, no entanto, maior autenticidade à hipoteca provada por meio

de um ato escrito. “Fiunt enim de his scripturae, ut quod actum est per eos facilius

probari possit (Gaio, frag. citado), e preferência às que eram constituídas por escritura

pública. Eum qui instrumentis publicae confectis nititur, praeponi dicernimus, etiamsi

posterior is contineatur.” (L. 11.ª, Cód.qui potiores in pignore habeantur).


Em face das disposições citadas do nosso direito em vigor desapareceram todas

as dúvidas sobre o elemento gráfico da hipoteca e, a nosso ver, careciam de apoio

jurídico, as opiniões que pretendiam conciliar tão formais preceitos com a possibilidade

de instrumentar a hipoteca com os termos lavrados nas repartições públicas, e na

Diretoria do Contencioso do Tesouro, porque a tais termos davam força de escritura

pública a Ord. do Liv. 3.º, Tít. 59, § 18, Tít. 69, § 2.º e o Tít. 3.º da Lei de 22.12.1761.

Em consulta as sessões reunidas de Justiça e Fazenda do Conselho d‟Estado

opinaram que declarando a Lei de 1864 ser da substância da hipoteca a escritura

pública, só a escritura pública é admissível, e nenhuma outra forma pode supri- la, nem

mesmo os instrumentos públicos que têm força de escritura pública, porquanto esta

força poderá valer para prova dos contratos, mas não para a substância dos mesmos; é

princípio inconcusso que, quando a lei exige uma forma especial para o contrato, sem

ela o contrato não existe. Forma dat esse rei.

Fundado nesse parecer o governo de então expediu o Aviso 373, de

28.10.1867, declarando que só por meio de escritura pública pode ser constituída a

hipoteca convencional.

O direito escrito francês (art. 2.127 do Código Civil) apesar de sua terminante

disposição declarar que a hipoteca convencional só pode ser consentida por ato lavrado

em forma autêntica, perante dois notários, ou perante um notário e duas testemunhas,

tem sido para alguns objeto de dúvida, e acreditando outros que os atos administrativos

podem gerar a hipoteca e que o mesmo pode suceder aos escritos particulares desde que

sejam reconhecidos por notário.

A primeira solução encontra apoio na Lei de 23.10.1790, aliás, revogada pela

Lei de 11 brumário do ano 7.º; esta exigia expressamente para a hipoteca um ato
notariado, e pelo Decreto de 12.08.1807, posterior ao Código C ivil, determinava esta

(art. 1.º) que o direito de hipoteca sobre todos os bens de qualquer devedor fosse

estipulado de conformidade com o Código Napoleão. A segunda solução não encontrava

apoio nem nos elementos de formação do art. 2.127 do Código, pois os pareceres de

Berlier e de Treilhard, sobre a emenda de Duchatel que dava aí reconhecimento da

assinatura do escrito particular, quando feito perante notários, a mesma força que ao

feito em sentença, só admitem o escrito particular como assento de hipoteca, quando

aqueles contra quem ele faz prova reconhecem sua autenticidade perante notário.

(Troplong, vol. 2.º, ns. 505 e 506; P. Pont, vol. 2.º, ns. 665 e seguintes; Duranton, vol.

19, n. 361).

A hipoteca convencional, segundo o direito belga, só pode ser consentida por

ato autêntico ou por ato particular reconhecido em juízo ou perante notário (art. 76, da

Lei de 16.12.1851).

Como atos autênticos só eram considerados os atos notariados, por isso que são

os notários os únicos funcionários públicos que a lei estabeleceu para receber os atos e

contratos (Martou, vol. 1.º, n. 108, e vol. 3.º, n. 982; Thiry, vol. 4.º, n. 501; Arntz, vol.

4.º, n. 1.806; Laurent, vol. 30, n. 437); ou os atos lavrados em escritos particulares cuja

obrigação era reconhecida em sentença ou perante notário, que lavrava disso um ato, o

que importava o cunho de ato notariado, desde que o notário era quem o autenticava.

(Laurent e os outros escritores supra citados); a hipoteca constituída em escrito

particular é, porém, segundo o direito belga mais do que nulo, é inexistente (Laurent,

vol. 30, n. 437).

Para que seja exigido o ato notariado, para a constituição da hipoteca, existe,

além da razão de garantia e segurança que demandam nesse ato um cunho de enérgica
autenticidade (Lafayette, Dir. das Cousas, vol. 2.º, § 220), a razão de coerência para os

que, entre nós, enxergam na hipoteca um começo de alienação do imóvel, uma

desagregação do domínio; este só pode alienar-se, quando recai sobre imóveis, por

escritura pública (art. 11 da Lei 840, de 15.09.1855); é, pois, decorrente que os seus

desmembramentos se operem substancialmente pelos mesmos modos (Lafayette, Dir.

das Cousas, vol. 2.º, § 220, nota 1; Thiry, vol. 4.º, n. 501).

A inscrição de hipoteca nula é igualmente inválida; assim a de hipoteca que

fosse constituída por escrito particular seria insubsistente.

É da substância das escrituras de hipoteca, para que válidas sejam, além dos

demais requisitos exigidos pela legislação em vigor, a declaração expressa, que neles se

fará por parte do mutuário, de estarem ou não os seus bens sujeitos a quaisquer

responsabilidades por hipotecas legais; importando para o mesmo mutuário as penas do

crime de estelionato, a inexatidão ou falsidade nessa declaração (Dec. 370, de

02.05.1890, art. 130, § 1.º).

Desde que as hipotecas legais só podem valer contra terceiros quando inscritas,

o que as força à especialização (arts. 114 e 116 do Decreto citado), é de injustificável

incoerência a disposição supra.

Tornar responsável criminalmente como estelionatário aquele que deixa de

revelar ou mencionar na escritura de um contrato um fato que por meio de publicidade

legalmente estabelecida presume-se estar no domínio de todos e especialmente dos que

pretendem contratar hipotecas, é levar muito longe a preocupação econômica, em

desprezo da própria coerência jurídica.

Esta disposição foi transportada do art. 8.º da Lei 3.272, de 05.10.1885 e do art.

87 do Dec. 9.549, de 23.01.1886, que não reconhecia quoad tertios as hipotecas legais
senão depois de inscritas, modificando o regime de tais hipotecas na legislação anterior,

e que nem sequer se justificava com o intuito de precaver os credores hipotecários contra

as hipotecas gerais não inscritas do regime de 1864, porquanto a essas foi fixado o prazo

de um ano para se inscreverem, sob pena de caducidade das hipotecas e de multa para

os funcionários aos quais corre o dever de promover a inscrição (art. 7.º, da Lei 3.272,

de 05.10.1885, e arts. 87 e 89 do Dec. 9.549, de 23.01.1886).

É certo que o art. 27 do Dec. 482, de 14.11.1846, mandava incorporar nas

escrituras de hipotecas as certidões negativas que provassem estar os bens

desembargados; a sanção, porém, era no caso de omissão, não conferir o registro a

prelação, prevalecendo a hipoteca posteriormente registrada que tivesse incorporada a

referida certidão.

A hipoteca convencional constitui-se no direito civil italiano por ato público ou

escritura particular (art. 1.978 do Código Civil).

O Código Civil do cantão dos Grisões deixa o título ao arbítrio das partes,

exige apenas que ele mencione certos fatos que devem constar da inscrição ( arts. 286 e

288).

A hipoteca não pode ser consentida senão por ato notariado, salvos os casos em

que a lei estabeleça expressamente um modo diferente para constituir a hipoteca (art.

1.217 do CódigoCivil holandês).

Para transferir-se a propriedade de um prédio, para gravá- lo de um direito, para

transferir ou gravar um semelhante direito, faz-se preciso o acordo das vontades de

ambas as partes sobre a novação jurídica pretendida e a inscrição desta no registro

territorial, a menos que a lei não disponha de outro modo.

Antes da inscrição, os interessados não ficam ligados pelo acordo senão no


caso de serem as declarações legalizadas em justiça, ou por notário, feitas no ofício do

registro territorial ou apresentadas a esse ofício, ou quando o credor entregar a outra

parte um consentimento para inscrição correspondendo às prescrições da ordem

expedida sobre o registro territorial (art. 873 do Código Civil alemão).

Esta disposição, segundo Meulenaere tem aplicação à constituição, à

transferência e ao estabelecimento das hipotecas.

§ 7.º O devedor não fica pela hipoteca inibido de hipotecar de novo o imóvel,

cujo valor exceder o dela, mas, neste caso, realizando-se o pagamento de qualquer das

dívidas, o imóvel permanece hipotecado às restantes, não só em parte, mas na sua

totalidade.

171. Conquanto o fato da incidência da hipoteca sobre um imóvel impedisse a

alienação deste no antigo direito (Lei de 20.06.1774, § 33; Dec. 482, de 14.11.1846, art.

13), todavia era permissível constituir segunda hipoteca sobre o mesmo imóvel desde

que o valor deste bastasse para garantir as duas obrigações (Digesto Portuguez, Liv. 3.º,

Tít. 14, Secção 3.ª, art. 1.260), sendo a falta desta circunstância “quando houvesse má fé

por parte do devedor, elementar de uma das modalidades do estelionato” (art. 264, § 3.º,

do Código Criminal de 1830).

A disposição supra, reproduzida no art. 218 do Dec. 370, de 02.05.1890, foi

transportada do art. 4.º, § 7.º, da Lei 1.237, de 24.09.1864, e do art. 241 do Dec. 3.453,

de 26.04.1865, e contém a consagração do princípio da indivisibilidade da hipoteca.

Estabelecida em favor do credor, como elemento da estrutura legal da hipoteca,

a indivisibilidade, conquanto não seja da essência é da natureza daquela (Troplong, vol.


2.º, n. 388; Duranton, vol. 19, n. 245; Laurent, vol. 30, n. 179; Mourlon, vol. 3.º, n.

1.430); sendo, porém, da criação da lei, como atributo por esta emprestado, pode ser

modificada pela convenção das partes (Lafayette, Dir. das Cousas, vol. 2.º, § 176;

Thiry, vol. 4.º, n. 444; Pont, vol. 1.º, n. 332).

A indivisibilidade da hipoteca não afeta a divisibilidade da obrigação principal

nem é por ela de modo algum influenciada; considerando que ela tanto atua para o

efeito de continuar a gravar todos os prédios hipotecados, apesar de paga em parte,

como que o imóvel hipotecado a mais de uma dívida conserva-se gravado in totum

apesar da liberação de qualquer dos devedores e, ainda mais, que a indivisibilidade

conserva inteira garantia hipotecária em favor de um dos co-credores, apesar de pagos

outros, os tratadistas, à imitação de Dumoulin, declaram a hipoteca indivisível tanto

ativa como passivamente – de se remanet indivisum pignus vel hypotheca tam activé quam

passivé: exprime-se claramente indivisibilidade, ativa e passivamente considerada,

dizendo que ela divide-se entre os herdeiros do credor e os do devedor (Laurent, vol. 30,

n. 177; Lafayette, Dir. das Cousas, vol. 2.º, § 176; Pont, vol. 1.º, n. 335).

Esta noção da indivisibilidade não é peculiar ao direito moderno, ela já existia

no direito romano; a simples leitura das Leis 29 D. famíliæ erciscundæ, 65 D. de eviction

et dupla stipulatione, das constituições 6.ª Cód. de distractione pignorum e 1.ª e 2.ª Cód.

si unus ex-pluribus hæredibus, etc. e dos fragmentos 8.º § 2.º e 11 § 4.º Dig. de

pignoratitia actione vel contra deixa patente o fato.

Como a convenção das partes pode alterar a indivisibilidade da hipoteca, o que

for por elas pactuado se observará; as expressões do § 7.º supra constituem o princípio a

observar na falta de estipulação em contrário; por força desta o imóvel pode ficar

somente em parte hipotecado pela dívida subsistente, e a hipoteca que sobre a parte livre
o proprietário constituir considerar-se-á primeira e não segunda hipoteca (Duranton, vol.

19, n. 245).

Do princípio estabelecido que a indivisibilidade da hipoteca não afeta a

divisibilidade da obrigação principal, segue-se que esta só pode extinguir-se em parte,

por exemplo, prescrevendo a parte da dívida ativa que coube em partilha a um herdeiro,

que não usou dos meios regulares para interromper a prescrição, e como a extinção da

obrigação principal importa a da hipoteca, a indivisibilidade desta produz, na hipótese

figurada, o efeito único de ficar a hipoteca garantindo a parte da obrigação subsistente

em mão do herdeiro, que interrompeu a prescrição (Laurent, vol. 30, n. 177; Duranton,

vol. 19, n. 246).

Esta solução está de inteiro acordo com os princípios.

A partilha do direito creditório entre diversas pessoas dá a cada uma delas, pela

parte que lhe cabe, o direito de atuar hipotecariamente contra toda a massa dos imóveis

hipotecários e contra cada um deles em sua totalidade (Martou, vol. 2.º, n. 694); à

eliminação do direito creditório, por meio da prescrição, corresponde forçosamente a do

acessório direito hipotecário.

A indivisibilidade não protege o devedor, nem se quer para autorizá- lo a

obrigar os credores que sucederam ao primitivo credor a cobrarem conjunta e não

separadamente a hipoteca, liberando, com a excussão conjunta, de uma só vez, com

economia de custas e despesas judiciais, o devedor (Martou, vol. 2.º, n. 694).

A Corte de Cassação em França julgou, condenando esta solução e confirmando

o princípio de que a indivisibilidade só é favorável ao credor.

Os princípios que ali vão expendidos encontram implícita confirmação nas

disposições do Dec. 370, de 02.05.1890, que diluíram a matéria concentrada no preceito


do § 7.º supra.

A hipoteca é indivisível, grava o imóvel ou imóveis respectivos, integralmente

e em cada uma das suas partes, qualquer que seja a pessoa em cujo poder se acharem.

A indivisibilidade da hipoteca deve ser entendida no sentido jurídico, isto é,

somente em referência ao vínculo, que prende a coisa hipotecada à respectiva obrigação.

Quando estudarmos o art. 10 do Dec. 169 A abrir-se-á ensejo a maiores

desenvolvimentos em referência à indivisibilidade da hipoteca que os arts. 217 e

seguintes do Decreto de 2 de maio regulam com maior abundância de preceitos.

Fizemos tão demorada referência à indivisibilidade porque o preceito do § 7.º

supra consagra um efeito de grande importância prática que a doutrina e a jurisprudência

fazem decorrer desse atributo inerente à hipoteca convencional.

A solução de qualquer das dívidas hipotecárias deverá produzir a redução da

hipoteca ao valor da dívida subsistente, desde que ela nada mais é do que um contrato

acessório celebrado com o intuito único de assegurar a execução da obrigação principal;

ora a dívida paga é obrigação eliminada e esta supõe dirimida a garantia em igual

correspondência.

§ 8.º O imóvel comum a diversos proprietários não pode hipotecar-se na sua

totalidade, sem consentimento de todos: mas cada um pode hipotecar individualmente a

parte que nele tiver se for divisível, e só a respeito dessa parte vigorará a

indivisibilidade da hipoteca. Não é admissível ao registro uma hipoteca de imóvel

possuído em comum sem o consentimento dos coproprietários, ou divisibilidade

manifesta.
172. O objeto do condomínio, quer seja imóvel, quer movel, não pode ser

alienado senão por todos os condôminos, que deverão demitir de si a parte virtual do seu

direito e transferi- la ao adquirente. A hipoteca tendo como assento o poder de alienar, a

proibição de hipotecar o imóvel comum, isto é, em estado de domínio pro indiviso é um

consectário rigoroso da impossibilidade de aliená- lo.

Admitindo a possibilidade da hipoteca de parte do imóvel divisível antes da

divisão, a disposição supra copiou sem crítica os preceitos idênticos dos arts. 4.º, § 8.º,

da Lei 1.237, de 24.09.1864, e 242 do Decreto de 26.04.1865, inspirados pela doutrina

dos escritores franceses que eram acordes em reconhecer a possibilidade da hipoteca da

parte do imóvel pro indiviso para os efeitos – de consolidar-se a hipoteca depois da

partilha ou da divisão, ou de tornar-se ela sem força e existência se no juízo familiæ

erciscundæ o imóvel pro indiviso fosse lançado integralmente ao quinhão de outro

herdeiro (Troplong, vol. 2.º, n. 469 bis; Pont, vol. 2.º, n. 640; Martou, vol. 3.º, n. 971).

A doutrina sustentada pelo Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, § 219, n. 3)

ressente-se igualmente dessa influência e da do dispositivo do art. 415 do Código Civil

português.

A verdade é que o preceito do § supra do art. 4.º do Dec. 169 A, de 19.01.1890,

não devia ter sido contemplado na legislação hipotecária de 1890, por não encontrar

apoio no regime baseado unicamente na especialização das hipotecas para dar- lhes força

em referência a terceiros.

Desde que não é praticável o registro de uma hipoteca, que deve

necessariamente ser especial, com os requisitos dos arts. 196 e seguintes do Dec. 370,

de 02.05.1890, ao que vem permitir-se a hipoteca da parte ideal, como diz o Sr.

Lafayette, de um imóvel que, conquanto divisível, não tem firmado pela divisão o
quinhão de cada co-proprietário, antes mantém-se sem discriminação das partes

concretas de cada um sobre as quais possa assentar a inscrição da hipoteca?

O Sr. Dias Ferreira, ao comentar o art. 915 do Código Civil português

alcançara e tornara patente a inutilidade de tal preceito, quando dissera: “Desde que a

parte do co-proprietário não era susceptível de ser determinada, isto é, de ser

especializada, era impossível o registro, e não podia conseguintemente constituir-se a

hipoteca”.

O preceito contido na primeira parte do § 8.º supra, proibitivo da hipoteca do

imóvel em comunhão sem consentimento dos condôminos, e que envolve a consagração

do fundamento da hipoteca na faculdade de alienar, torna impraticável essa hipoteca

especial sobre uma fração ainda indeterminada de um imóvel, que conquanto divisível

entre os condôminos não está efetivamente dividido.

A indivisibilidade da hipoteca assentará unicamente nessa parte divisível mas

não determinada?

É o que acrescenta o § 8.º supra.

Desde que os efeitos da hipoteca especial prendem-se à determinação do

objeto da hipoteca, condição substancial da especialização desta, como estabelecer os

limites da indivisibilidade da hipoteca sem a determinação da coisa hipotecada e como

fazer essa determinação no caso do condomínio sem a divisão ou a partilha?

O art. 219 do Dec. 370, de 02.05.1890, não reproduziu a disposição terminal do

§ 8.º, do art. 4.º, do Dec. 169 A, proibitiva do registro da hipoteca do imóvel comum

sem o consentimento dos co-proprietários; este preceito envolve a confirmação da

nulidade da hipoteca decretada na primeira parte do parágrafo referido, – o registro é

inadmissível porque tal hipoteca seria nula, visto como seria constituída sem sê- lo por
quem tivesse a faculdade de alienar o imóvel: os condôminos.

Admitir, porém, o registro se houvesse no imóvel divisibilidade manifesta, é

equívoco; a disposição só teria procedência se àquelas expressões se substituíssem estas,

– divisão efetuada.

Um terreno é divisível pelo número de metros cúbicos que contém; como,

porém, determinar os característicos do terreno, sem estabelecer a sua divisão,

limitação e confrontação? É registrável a hipoteca de 100 metros do terreno de 800

metros sito em determinado local?

Ninguém dirá que tal inscrição contenha os elementos e req uisitos de

especialização que a lei exige.

A jurisprudência de acordo com a doutrina, tem estatuído que o princípio

concretizado na disposição do § 8.º supra, que consagra a indivisibilidade da hipoteca,

tem inteira aplicação não somente à hipoteca convenc ional mas à judiciária (Ac. da

Relação da Bahia de 04.07.1882 – Direito, vol. 29, p. 236 a 241).

O Acórdão da Relação do Maranhão de 27.09.1881 julgou que o § 8.º do art.

4.º da Lei de 24.09.1864, que é idêntico à disposição supra do Dec. 169 A, de

19.01.1890, proíbe que uma fazenda possuída em comum e sendo indivisível, possa ser

hipotecada, ainda que em parte, sem o consentimento dos demais co-proprietários.

(Direito, vol. 29, p. 515).

O Tribunal da Relação da ex-Corte, que foi revisor do feito em que fora

proferido o mencionado Acórdão da Relação do Maranhão, confirmou nos seguintes

termos a inteligência dada ao § 8.º do art. 4.º da Lei de 24.09.1864:

“Quanto à 2.ª escritura de f. 24 procede a argüição de nulidade por isso que

tendo sido lavrada com o fim especial de reforçar a 1.ª... vê-se que só foi assinada pelo
devedor principal por si e como procurador de sua mulher, mas não pelos demais

condôminos do imóvel hipotecado, quando embora versasse a hipoteca somente sobre a

metade do valor do imóvel, sendo ela materialmente indivisível, por compreender terras,

benfeitorias, casa de vivenda, engenho, paiol, depósitos, máquinas e acessórios

mencionados na mesma escritura, já não podia ser validamente hipotecado sem o

consentimento dos ditos condôminos, que constam da própria escritura, porque dava-se

impossibilidade de divisão sem dano ou destruição do imóvel, atenta a sua natureza

especial e fins a que é destinado.

“É expressa a disposição do art. 4.º § 8.º da lei hipotecária de acordo com a

Ord. Liv. 4.º, Tít. 96, § 5.º e por se tratar de condição atinente ao fundo e forma do

contrato, que em tais circunstâncias nem pode ser registrado, segundo tem sido

decidido, dá-se nulidade de pleno direito que não se baseia só no interesse das partes,

mas no da lei que regula a natureza e forma dos contratos.

“É nulidade absoluta ou substancial a que consiste na isolação da lei proibitiva,

quer esta expresse quer não tal cominação, porque é essa a sua índole.

“Ora, a lei hipotecária no art. 4.º § 8.º diz: o imóvel comum a diversos

proprietários não pode ser hipotecado sem consentimento de todos, mas cada um pode

hipotecar a parte que nele tiver, se for divisível: pela disposição de direito e pela

inteligência que na prática se tem dado ao referido artigo, o imóvel que se acha nas

circunstâncias supra indicadas é indivisível fisicamente porque não pode ser partido sem

dano na frase da Ord. cit. ibi.: assim como escravo, moinho, lagar ou outra coisa

semelhante e assim sendo torna-se necessária a pronunciação da nulidade, que, por ser

de pleno direito, não depende de rescisão e pode ser por terceiros invocada, desde que

são nisso interessados.” (Regulamento 737, art. 686, § 5.º, n. 3.453, art. 237). Acórdão
de 07.08.1883 (Direito, vol. 32, p. 252 e seguintes).

A Relação de São Paulo decidiu, em Acórdão de 26.06.1888, que a nulidade de

que trata o art. 4.º, § 8.º, da Lei de 24.09.1864, deve ser decretada em sentença proferida

em ação ordinária e que antes disso produzirá a hipoteca os seus efeitos, entre os quais o

de conferir prelação ao credor hipotecário.

De conformidade com este último julgado estão os Acórdãos proferidos em 21

de agosto e em 09.11.1888 pela Relação de Porto Alegre.

Além de firmar o princípio de que a nulidade da hipoteca fundada no § 8.º, do

art. 4.º, da Lei de 24.09.1864, não é de pleno direito, mas depende da ação em que haja

sentença, que a decrete, estabeleceu que a nulidade não pode ser alegada pelos credores

mas unicamente pelos condôminos, ibi:

“Considerando que no libelo se articula uma nulidade dependente de rescisão, e

que somente poderia ser alegada pelas partes imediatamente interessadas na validade do

ato; sendo certo que um dos condôminos do prédio hipotecado figura na ação, não nesta

qualidade, mas como credor, sem declarar a sua qualidade (Direito, vol. 48, p. 43).

§ 9.º Quando o pagamento a que está sujeita a hipoteca for ajustado por

prestações, e o devedor deixar de satisfazer alguma, todas se reputarão vencidas.

173. A disposição supra, apesar de censurada, limita-se a consagrar um

princípio de direito comum.

O prazo reputa-se, em regra, estipulado em favor do devedor, este não pode

porém, prevalecer-se da estipulação do prazo quando, por ato seu, diminuir as garantias

concedidas ao credor ou piorar a situação deste (Código Civil francês, arts. 1.187 e
1.188; Código Civil italiano, arts. 1.175 e 1.176; Duranton, vol. 11, ns. 104, 116 e 121;

Demolombe, vol. 25, ns. 621, 656, 671 e seguintes; Laurent, vol. 17, n. 204 e

seguintes).

Eliminado o prazo, a dívida reputa-se vencida e assiste ao credor o direito de

cobrá-la de acordo com as regras que dominarem o caso (Laurent, vol. 17, n. 210); na

hipótese do§ 9.º supra é a excussão da hipoteca por meio da ação executiva.

A estipulação do pagamento da dívida por prestações é feita em favor do

devedor, este pode antecipar o pagamento, renunciando não somente aos prazos de cada

prestação como ao prazo definitivo da dívida (Virgilio Rossel, Manual do Direito

Federal Suisso das Obrigações, n. 112); mas ao credor assiste o direito de cobrar toda a

dívida desde que o devedor violar o contrato não pagando as prestações.

Em face da disposição do § 9.º supra, que é cópia da dos arts. 4.º, § 9.º, da Lei

de 1864, e 130 do Regulamento de 26.04.1865, se o contrato for omisso sobre a pena de

perda do prazo e vencimento da dívida, tais fatos ocorreram por força do preceito da lei,

que os faz decorrer do ajuste do pagamento por prestações.

A disposição pode ser excepcionada por acordos das partes?

Incontestavelmente sim.

Se no contrato estipular-se que o vencimento da dívida e da hipoteca não

dimanará da falta de pagamento das prestações, ou só decorrerá da omissão do

pagamento de certo número delas, a estipulação será observada; porquanto a disposição,

que diminui o prazo, é estabelecida em favor do credor e este pode renunciá- la.

A única limitação aos efeitos decorrentes do vencimento da dívida é a

estabelecida no art. 126 do Dec. 370, de 02.05.1890: a proibição da cobrança dos juros

não vencidos.
O credor pode excutir o imóvel, juntando o instrumento do contrato do qua l

consta o vencimento da prestação; posta a ação em juízo a oferta do pagamento purga a

mora do devedor, e pode iludir a ação executiva do credor?

De modo algum.

Só um fato evitava a ação do credor: pagamento da prestação no vencimento.

A oferta de pagá- la depois de vencida a dívida se fora aceita importaria ofensa

ao direito do credor que deve receber, não mais a prestação, mas toda a importância da

dívida.
TÍTULO II

Dos privilégios e dos ônus reais

Seção 1.ª

Dos privilégios

Art. 5.º Os privilégios não compreendidos neste Decreto referem-se:

Aos móveis;

Aos imóveis não hipotecados;

Ao preço dos imóveis hipotecados, depois de pagas as dívidas hipotecárias.

§ 1.º Excetuam da disposição deste artigo:

1.º Os créditos provenientes das despesas e custas judiciais feitas para a

excussão do imóvel hipotecado, as quais serão deduzidas precipuamente do producto do

mesmo imóvel;

2.º Os debêntures ou obrigações ao portador emitidos pelas sociedades

anônimas ou comanditárias por ações.

§ 2.º Continuam em vigor as preferencias estabelecidas pela legislação atual,

tanto a respeito dos bens móveis, semoventes e imóveis não hipotecados, como a respeito

do preço dos imóveis hipotecados, depois de pagas as dívidas hipotecárias.

174. No direito romano os privilégios conferiam aos credores um direito in

persona e não um jus in rem, daí o não terem os credores privilegiados o direito de

seqüela e terem o de preferência apenas limitado a certos e determinados créditos.

O fato de estatuir a constituição 9.ª do Código qui potiores in pignore dos

Imperadores Deocleciano e Maximino que só pelo penhor, isto é, pela criação em favor
do credor de um jus in rem se lhe conferia preferência sobre todos os privilégios dos

quais decorrem apenas ações pessoais, importa a afirmação de que aos privilégios não

se concedia o direito de seqüela, e que o devedor conservava plena faculdade de dispor

dos bens o que, aliás, os intérpretes deduzem da redação da Lei 8.ª. Cód. de servo pignori

dato manumisso (Accarias, Droit romain, vol. 1.º, n. 290).

O privilégio podia fundar-se, no direito romano, não somente na consideração

que decorria da situação pessoal do credor, mas ainda na natureza do próprio crédito –

privilegia quædam causæ sunt, quædam personæ (Modestino, Lei 196 D. de regulis

juris antiqui); em um ou outro caso o privilégio só conferia um jus in persona e

conseguintemente uma ação pessoal; daí o ser o privilegio impotente para pôr o credor a

abrigo dos credores hipotecários; estes tinham sempre a prelação; em um só caso o

privilégio conferia ao credor preferência sobre a hipoteca: no das impensæ funeris (L. 45

D. de religiosis et sumptibus funerum).

A recusa do denominado jus distrahiendi aos credores privilegiados, obrigando-

os a somente fazerem valer o seu direito creditório, sobre o produto da venda dos bens

do devedor, quando se estabelecia o concurso dos credores, é prova claríssima de que

aos privilégios só estava ligado um direito pessoal e nunca um direito real, ainda quando

fundava-se na natureza do crédito.

A preferência que o privilégio criava entendia-se em referência aos credores

quirografários ou aos próprios privilegiados, entre si; os credores hipotecários tinham

sempre a prelação sobre os privilegiados.

O que, porém, caracterizava o privilégio no direito romano era o depender a

sua ação prelatícia não do tempo, isto é, da época da sua constituição, mas da natureza

do crédito em favor do qual a lei o estabelecera: – privilegia non ex tempora estimantur,


sed ex-causa; et si ejusdem tituli fuerunt, concurrunt, licet diversitates temporis in his

fuerint (L. 32 D. de rebus auctoritate juducis possidendis, etc.)

O ser o credor privilegiado arredado do concurso pelo hipotecário era, portanto,

uma decorrência de ser o privilégio mero direito pessoal, ao passo que a hipoteca

armava o credor de um direito real, que se tornava efetivo por meio da ação hipotecária,

na qual com justo fundamento diz Cujacio, plus cautionis est quam in personam.

No sistema do direito romano os privilégios só ofereciam remédio preferencial

nos casos de limitar-se o concurso ao círculo dos credores quirografários e dos

privilegiados e assentava ou sobre o produto de toda a massa devedora, na falta de

credores; ou unicamente nas sobras desse produto, na hipótese da existência de credores

hipotecários, que eram pagos de preferência, por força do seu direito de prelação.

Com o decurso dos tempos reproduzindo-se os fatos de fortificarem os credores

privilegiados os seus créditos para se garantirem com um direito real contra as surpresas

de preferências, diante das quais deviam ceder; aquilo que constituía exceção – a

hipoteca adjeta ao privilégio para dar a este o direito real, com as suas naturais

decorrências a seqüela e a prelação – tornou-se um expediente comum, e começaram a

aparecer com efeitos prelatícios de uma grande energia, as hipotecas privilegiadas que

eram a resultante da fusão dos privilégios com as hipotecas; por aqueles tinham elas a

força preferencial sobre as hipotecas simples, ainda que de data anterior, porque o

privilégio fazia-os atuar independentemente da circunstância do tempo e somente pela

natureza do crédito; por estas firmava-se a seqüela, por força de direito real de que

gozavam.

A classificação dos credores nos concursos operava-se, pois, no direito romano

na seguinte ordem:
Credores quirografários, privilegiados, hipotecários, hipotecários privilegiados;

a prelação destes sobre todos os outros provinha, independentemente da primazia do

tempo, do favor que a lei concedia ao crédito, isto é, operava-se por força do privilégio –

habita non temporis sed causæ ratione, como diz Voet.

As hipotecas privilegiadas no direito romano não tinham unicamente assento na

lei, mas nos contratos; isto é, tanto às legais como às convencionais podiam agregar-se

privilégios.

Para que as hipotecas convencionais fossem consideradas privilegiadas era

necessário que se desse uma versio in rem oppigneratum e o privilégio não ia além da in

rem versio; é a inteligência que deve ser dada às expressões da L. 5.ª D. qui potiores –

Si in rem istam conservandam impensum est, quod sequens credidit; e às da L. 7.ª Cód.

qui potiores in pignore habeantur, ibi – tamen eum, cujus pecunia prædium comparatum

probatur, quod ei pignori esse specialiter obligatum statim convenit, omnibus anteferri juris

auctoritate declaratur (Maynz, vol. 1.º, § 163, nota 2.ª; Mackeldey, § 355; Accarias, vol.

1.º, § 290, in fine).

175. Para o nosso antigo direito foi transportado o mecanismo dos privilégios e

das hipotecas privilegiadas do direito romano; se estas desapareceram da nossa

legislação por força do disposto no art. 5.º da Lei 1.237, de 24.09.1864, e nos arts. 5.º

supra transcrito do Decreto de 19.01.1890, e 220 e 221 do Dec. 370, de 2 de maio de

mesmo ano, aqueles subsistem com força preferencial sobre os credores quirografários.

Não é, portanto, desprovido de interesse o estudo dos privilégios; de acordo

com o sentir do Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, vol. 2.º, § 269, nota 4.ª) julgamos em

vigor todos os que constituíam a substância das hipotecas privilegiadas do direito


anterior a 1864, não só em face do que dispõe o art. 5.º supra, como ainda do que se vê

no n. II do art. 70 do Dec. 917, de 24.10.1890: tais privilégios só podem ter assento sobre

os bens móveis, que não podem ser objeto de hipoteca, sobre os imóveis não hipotecados

e nas sobras dos produtos dos imóveis hipotecados após a solução das hipotecas.

O nosso direito admite dois privilégios com prelação sobre as próprias

hipotecas:

a) O do crédito proveniente das despesas e custas judiciais, feitas para a

excussão do imóvel hipotecado;

b) O dos debêntures ou obrigações ao portador, emitidos anteriormente pelas

sociedades anônimas ou comanditárias por ações (art. 5.º supra, art. 220, do Dec. 370 de

1890).

Na hipótese do concurso deduzem-se do produto apurado, por meio da venda

dos imóveis hipotecados, as despesas judiciais e custas e a importância dos debêntures

emitidos antes do registro do contrato da hipoteca e da inscrição desta; o restante do

produto do imóvel será destinado ao pagamento da hipoteca é só depois desse

pagamento pode ser esse produto em suas sobras aplicado aos créditos privilegiados e

finalmente aos quirografários (art. 221 do Dec. 370, de 02.05.1890, e art. 70, § 1.º, do

Dec. 917, de 24 de outubro do mesmo ano); sendo os privilegiados entre si e em relação

aos quirografários atendidos – na ordem que lhes compete.

176. Para determinar com precisão a ordem em que devem ser contemplados os

créditos privilegiados, entre si, faz-se necessário conhecer a intensidade dos privilégios,

a qual, como o estabelecia o direito romano e consagra o moderno, não depende da

prioridade no tempo, mas sim do valor que a lei confere a cada um deles.
Pondo de parte a força preferencial dos debêntures, a qual só faz sentir a sua

ação na liquidação das sociedades anônimas, e depende de haverem sido os mesmos

emitidos de conformidade com as disposições do Dec. 177 A, de 15.09.1893, os

privilégios sobre móveis, sobre imóveis não hipotecados e sobre as sobras do produto

dos imóveis hipotecados, depois de paga a hipoteca, devem ter prelação sobre os

créditos quirografários na forma estabelecida nos arts. 67 a 70 do Dec. 917, de

24.10.1890 que rege não somente o concurso de credores em falências comerciais, como

ainda nos casos de insolvabilidade civil.

Conquanto o fundamento dos privilégios seja, no nosso direito, a qualidade que

é inerente aos créditos e a causa de que eles derivam (Dir. das Cousas, § 269); todavia

não podem ser invocados contra os terceiros detentores dos móveis ou imóveis sobre os

quais assentem; efeito decorrente da natureza do direito pessoal que geram.

O que o direito moderno consagra é, por certo, mais consentâneo com a noção

jurídica dos privilégios; desde que estes se fundam na natureza dos créditos devem gerar

direito real e não pessoal (Laurent, vol. 29, n. 314).

A primazia do privilégio sobre a hipoteca, quando aquela é especial ao imóvel,

e for dado ao registro antes desta, se importa sacrifício da ação econômica da hipoteca,

não afeta a essência jurídica desta, como fá- lo a nossa legislação, desde que em 1864 ela

modelou-se sobre a exclusiva preocupação de fazer da hipoteca o assento do crédito

agrícola, sem atender a que o crédito imobiliário, com a sua feição moderna de

circulação da propriedade imóvel, por meio das letras hipotecárias, feição que se vê

acentuada, com singular firmeza de linhas, no Tít. 1.º da Sec. 8.ª do Liv. 3.º do moderno

Código Civil alemão, carece de grande expansão entre nós, a qual não pode deixar de

encontrar peias em muitas das disposições restritas da legislação de 1890, que entrega o
devedor manietado à ação do credor, armado com o uso injustificável de uma ação

executiva, que bem longe de fortalecer enfraqueceu a confiança no poder do nexo real da

hipoteca para ligar o imóvel à solução da dívida, de modo a oferecer toda a garantia e

segurança ao credor.

Não está para este o perigo na maior ou menor violência do meio formal de

apurar seu direito, antes na severa e perfeita exatidão do registro da propriedade

imobiliária.

177. Desde que se pretenda organizar um regime hipotecário tendo em vista

proporcionar base segura ao crédito imobiliário, a prelação absoluta concedida ao credor

hipotecário e a investidura de seqüela, com exclusão das várias modalidades dos

privilégios, impõem-se como condições substanciais da hipoteca.

A Lei belga de 16.12.1851 apartou-se do mecanismo dos privilégios

estabelecido no Código Civil francês por entender o legislador belga que a preferência

concedida no direito francês aos privilégios gerais dos móveis e imóveis sobre os

credores hipotecários afetava os direitos de terceiros que contrataram na previsão de

adquirirem segura garantia real e que no momento de tornar efetivo o seu direito viam-

se preferidos por credores privilegiados que absorviam grande parte do produto dos

imóveis.

Era, pois, com razão, que Lelièvre propunha em seu relatório a absoluta

prelação da hipoteca sobre quaisquer privilégios.

Se os credores hipotecários não puderem contar com o valor integral dos bens

que são consignados à sua garantia, o fim do regime hipotecário falha por completo.

Daí estabelecer a Lei belga a situação dos credores privilegiados em segundo


grau, com referência aos hipotecários.

Nos bens não hipotecados e nos remanescentes do produto dos hipotecados a

ação preferencial dos credores privilegiados sobre os quirografários é absoluta.

O Código Civil francês (arts. 2.101 e 2.104) estabeleceu, em favor de certos

créditos, privilégio sobre os móveis e imóveis com prelação sobre quaisquer credores,

ainda os hipotecários.

Esses créditos, que eram em número de cinco (art. 2.101 do Código Civil), a

Lei belga de 1851 (art. 17) reduziu a um, as custas e despesas da justiça; todos os mais

privilégios são especiais aos móveis e imóveis, e os que assentam sobre esta última

espécie de bens são arredados pela prelação das hipotecas.

Qual a situação dos privilégios entre nós?

A disposição do art. 5.º supra. do Dec. 169 A. de 1890. e a do seu § 1.º

entendem com os privilégios especiais aos móveis e imóveis; em referência àqueles,

não sendo admissível hipoteca, a preferência regula-se pela natureza do crédito

privilegiado devendo aceitar-se a escala de enumeração da Lei de 20.06.1774 (§§ 39 e

40) do Alvará de 24.07.1793 (§ 1.º) e do art. 70, n. II, do Dec. 917, de 24.10.1890, como

a gradação para a preferência; em relação aos imóveis não hipotecados os p receitos do

Alvará de 12.05.1758 (ns. 10 e 11), da Lei de 20.06.1774 (§§ 34 a 38) e do art. 70, n. II,

do Dec. 917, de 1890, devem prevalecer.

A disposição supra transcrita do § 2.º do art. 5.º do Dec. 169, de 19.01.1890,

manda vigorar as preferências estabelecidas, quer sobre os móveis, quer sobre os

imóveis do patrimônio do devedor insolvável, privilégios que nas falências comerciais

relacionou o Dec. 917, de 1890, no art. 67, letras a a n, como dívidas privilegiadas da

massa para serem pagas pela totalidade desta de preferência a quaisquer outros credores;
como, porém, o citado § 2.º mantém ainda a preferência da hipoteca de conformidade

com o que já preceituaram os §§ 31 e 42 da Lei de 20.06.1774, sobre todos os

privilégios, estes ainda quando compreensivos dos bens móveis e imóveis do patrimônio,

sofrem a limitação dos créditos hipotecários, porque em referência a estes a prelação da

hipoteca é absoluta.

178. São privilegiados no nosso direito em relação aos credores quirografários

no produto de certos e determinados móveis pertencentes ao patrimônio do devedor

insolvável:

a) O proprietário e o sublocador, nos móveis de uso pessoal que se acharem

dentro da casa, para pagamento dos aluguéis vencidos, e nos frutos pendentes a respeito

da renda ou foro dos prédios rústicos (Dec. 917, de 24 de outubro, art. 70, n. II, letra a;

Lei de 20.06.1774, § 38; Alvará de 24.07.1793, § 2.º; C. da Rocha, § 639, n. 6; Digesto

Port., seção 3.ª do Tít. 13 do Liv. 3.º arts. 1.275 e 1.276; Trigo de Loureiro, § 549, n. 6;

Código Civil francês, art. 2.102, n. 1; Lei belga de 16.12.1851, art. 20; Código Civil

português, art. 881; Código Civil italiano, art. 1.958, n. 2; Código Civil espanhol, art.

1.921, n. 7; Código Civil holandês, art. 1.185, n. 2).

Este privilégio fundava-se no direito romano na hipoteca tácita que era o

assento dos direitos de exceção concedidos ao credor de aluguéis sobre os objetos

introduzidos no prédio locado – placet in urbanis habitationibus locandis invecta illata

pignori esse locatori, etiamsi nihil nominatim convenerit, como decidiu Paulo na Lei 4.ª

D. de Pactis, noção que consagrou o n. 38, da Lei de 20.06.1774.

O privilégio que tem lugar em favor do locatário para haver o preço da

sublocação (Martou, n. 388), compreende, segundo o direito belga e o francês, os


aluguéis a vencer (Martou, n. 392; Laurent, n. 393) no caso de insolvabilidade do

locatário ocorrente no decurso do contrato por tempo certo; se a duração do

arrendamento não estiver fixada, o credor só se poderá fazer pagar, como privilegiado,

no ano corrente e no seguinte (Thiry, vol. 4.º, 370; Lei de 16 de dezembro, art. 20).

As expressões móveis de uso pessoal devem ser entendidas como referindo-se

não somente a móveis de propriedade do locatário e do sublocatário, até o valor da

sublocação vencida, mas aos de quaisquer terceiros (Código Civil francês, art. 1,753;

Código Civil holandês, art. 1,618; Laurent, vol. 29, n. 426; Código Civil italiano, art.

1,958; n. 3, 4.ª alínea) contato, que o locador ignorasse que eles não eram da

propriedade do locatário (Laurent, n. 420 e seguintes; Martou, ns. 411 e 412; Thiry, ns.

378 e 379; Duranton, vol. 19, n. 86; Aubry et Rau, vol. 3.º, § 261, p. 142; Arntz, vol. 4.º,

n. 1.673). Troplong entende que os móveis colocados temporariamente na casa não

podem ser compreendidos no privilégio, ao passo que o devem ser os colocados

definitivamente (vol. 1.º, n. 151); distinção que ele pretende apoiar nos termos usados

por Scoevola na Lei 32 D. de pignoribus et hypothecis, etc. No entanto nesse fragmento

tratava o jurisconsulto da compreensão de escravos no penhor contratado de um prédio

agrícola, pelo fato de haverem sido eles colocados em referido prédio, post contractum,

unicamente porque este estipulava – ut quæcunque in prædia pignori data, inducta,

invecta, importata, ibi nata, paratave essent, pignori essent.”

A opinião de Troplong tem tido aceitação na hipótese de se acharem os bens na

posse do locatário a título precário (Thiry, n. 379, n. 2; Arntz, vol. 4.º, n. 1.673, letra c;

Aubry et Rau, vol. 3.º, § 261).

Podem considerar-se como móveis de uso pessoal sujeitos ao privilégio não

somente as mobílias, mas ainda os livros, as roupas e tudo quanto achar-se dentro da
casa?

No direito francês e no belga a dúvida tem procedência.

O art. 20 da Lei belga de 1851 e o art. 2.102 do Código Civil francês

compreendem no privilégio do locador le prix de tout ce qui garnit la maison louée – e

como o critério está na adaptação de qualquer móvel a guarnecer a casa – o maior

arbítrio tem se manifestado na fixação desse critério.

Aubry et Rau entendem que os objetos que servem para os usos domésticos e

para o exercício da profissão do locatário, as coleções de livros, de quadros e de

medalhas e até as mercadorias que fazem parte do comércio do locatário são alcançadas

pelo privilégio (§ 261, p. 140, do vol. 3.º); Pont compreende todos os objetos que se

acham na casa permanentemente (vol. 1.º, n. 120) e Mourlon (Rept. E’crites, vol. 3.º, n.

1.277, nota 1) vai até dizer que todos os objetos que estão na casa a guarnecem; no

entanto, exclui o numerário, os bilhetes de banco e as jóias (n. 1.277, 4.ª alínea).

No nosso direito só se devem compreender nas expressões móveis de uso pessoal

a mobília, os trastes. (Ordenação do Liv. 4.º, Tít. 23 § 3.º; Alvará de 24.07.1792, § 2.º;

Coelho da Rocha, vol. 1.º, § 78, nota; Corrêa Telles, Digesto Portuguez, Tít. XIX, seção

3.ª, Liv. 3.º art. 1276; Consolidação das Leis Civis, art. 674, nota 32).

Se os móveis de uso pessoal forem retirados da casa o privilégio deixa de

aplicar-se-lhes no nosso direito, porque, não produzindo ele direito real, não tem

seqüela, para o efeito de ir tornar efetiva a sua ação preferencial sobre o produto dos

móveis que se acharem em poder de terceiros; as expressões que se acharem dentro da

casa não tem outra significação.

A disposição do direito moderno é diferente.

Segundo o Código Civil francês (art. 2.102), a Lei belga de 1851 (art. 20), o
Código Civil espanhol (art. 1.922), Código Civil holandês (art. 1.188), Código Civil

italiano (art. 1.958, n. 3) o proprietário pode fazer penhorar (saisir) os bens móveis que

guarnecerem os prédios urbanos, quando o locatário retirá- los, removê- los da casa,

contanto, que os reivindique em prazo determinado.

Essa expressão – reivindique – tem sido objeto da preocupação dos intérpretes

do Código Civil, que após longas discussões, terminam por convir que ela não visa o seu

sentido jurídico de recuperação do domínio da coisa, nem unicamente o de restituição

dos objetos à posse do locatário conseguintemente, sempre que tal restituição tornar-se

impraticável o privilégio caduca (Duranton, vol. 19, n. 100 bis; Laurent, vol. 29, n. 441;

Martou, vol. 2.º, n. 429; Pont, vol. 1.º, n. 155; Arntz, vol. 4.º, n. 1.674; Aubry et Rau, §

261; Thiry, vol. 4.º, n. 382).

A concessão desse direito de seqüela, em contraposição ao princípio

dominante, no direito moderno, que a posse equivale título de domínio, em relação aos

móveis, é uma anomalia que uns, como Laurent (n. 439, última alínea), só explicam

como o reflexo do favor singular de que sempre gozaram em França le seigneur d’hotel

et le seigneur de métairie e outros, entre os quais Thiry (n. 382 do 4.º vol.), como uma

reprodução do art. 171 do Costume de Paris, justificada pelo fato de constituir-se um

direito real, concretizado, segundo a maioria dos doutrinadores, em um penhor tácito dos

móveis existentes na casa, para garantir o privilégio do proprietário.

O fato é que, segundo o acordo unânime dos comentadores do Código Civil

francês e da Lei belga de 1851, o direito real do proprietário, sobrevive ainda à

alienação dos móveis feita a um adquirente de boa fé; a opinião em contrário, sustentada

por Garnier, ficou isolada.

A seqüela exercita-se ainda sobre os móveis existentes na casa, que não sejam
da propriedade do locatário (Laurent, n. 442; Duranto n, vol. 19, n. 100 bis) solução de

todo o ponto coerente desde que a reivindicação tem, no caso, por fim antes o

restabelecimento da posse, do que a recuperação do domínio, o seu objetivo é o da actio

serviana dos romanos, não o da reivindicatio que tem como assento o domínio.

No nosso direito o privilégio depende da permanência dos móveis e trastes na

casa alugada; a retirada dos mesmos só os sujeita ao privilégio se importar em alienação

em fraude da ação, situação jurídica diversa da figurada pelo direito escrito francês e

pelos doutrinadores.

O § 3.º da Ord. do Liv. 4.º, Tít. 23 e o § 2.º do Alvará de 24.07.1793 não

permitem dúvidas; o art. 674 da Consolidação das Leis está redigido de conformidade

com os preceitos do nosso direito escrito, a mesma correção foi observada na letra a no

n. II, do art. 70, do Dec. 917, de 24 de outubro supra transcrito.

179. Os frutos pendentes a respeito da renda ou foro dos prédios rústicos.

“In praediis rusticis fructus qui ibi nascuntur, tacité intelliguntur pignori ess e

domino fundi locati, etiam si nominatim id non convenerit.” (Lei 7.ª, Dig. in quibus

causis pignus vel hypotheca tacité contrahitur).

O § 38 da Lei de 20.06.1774 concede aos senhores de prédios rústicos, por

força de sua tácita e legal hipoteca, preferência, para haverem o pagamento dos seus

alugueres, foros e pensões dos rendeiros dando- lhes prelação sobre outros credores,

posto que tenham geral e especial hipoteca.

Conquanto nesta disposição não assente o privilégio sobre os frutos pendentes,

todavia estes são em primeiro lugar os objetos do concurso, como Pomponio o torna

preciso na Lei 7.ª supra citada.


O direito moderno não pode deixar de ser consultado como subsidiário na

hipótese e a doutrina dos comentadores dos códigos oferece larga provisão de elementos

de solução para os casos omissos no nosso direito escrito.

O direito romano fundava o privilégio em um penhor tácito ou presuntivo; a

Lei de 1774 em uma hipoteca tácita que ela concedia para o caso; no direito francês e no

belga, apesar do regime da especialidade e publicidade da hipoteca, não falta quem dê

como assento ao privilégio do proprietário ou locador da casa um penhor tácito

(Laurent, vol. 29, n. 383) e mesmo uma hipoteca, sempre que não se trata de privilégios

sobre móveis, de acordo com a doutrina de Pothier (Laurent, obra citada, n. 439).

Os frutos das propriedades rurais constituem o objeto do privilégio porque –

“eles são produto do solo e o solo pertence ao locador; foi pois, a coisa pertencente ao

locador que produziu os frutos dos quais aproveita-se o patrimônio do devedor; é justo

que sobre tais frutos seja o locador preferido aos outros credores, pois que, sem o

arrendamento, não se teriam tais frutos tornado penhor dos credores.” (Laurent, vol. 29,

n. 379).

Os frutos compreendem na doutrina do direito francês, não somente os da

colheita do ano corrente, mas os dos anos anteriores, os quais se entendem alcançados

pelas expressões – tudo quanto guarnece a propriedade rústica – dos arts. 2.102 do

Código Civil francês, e 20 da Lei de 16.12.1851.

Tanto os frutos compreendem-se na propriedade rural, como os móveis na

urbana: “pode-se aplicar aos frutos colhidos o que a lei diz dos efeitos móveis que

guarnecem as casas alugadas.” (Laurent, vol. 29, n. 428).

Estas expressões do grande jurisconsulto belga parecem colidir com as usadas

no art. 20 da Lei belga de 1856, que assenta o privilégio nos frutos da colheita do ano,
deixando assim perceber que só estes frutos estão sujeitos e que os outros não se podem

incluir nas coisas que guarnecem a propriedade.

Laurent acode à dificuldade dando às referidas expressões do art. 20 da Lei

belga o sentido de compreenderem os frutos pendentes.

De feito sobre estes é que podia ocorrer dificuldade por isso que pelo fato de

estarem aderentes ao solo pertenciam ao proprietário deste; assim sendo eram

implicitamente incluídos na hipoteca que existisse sobre o solo, a qual os alcançaria de

modo completo.

Querendo o legislador dá-los antes em garantia do proprietário locador

declarou-os sujeitos ao privilégio, e como no sistema belga (art. 12, da Lei de 1851) o

privilégio tem preferência sobre a hipoteca, por consistir aquele em um direito real, que

tem assento no próprio crédito e não em um direito pessoal inerente ao credor, a solução

é de todo o ponto coerente (Laurent, vol. 29, n. 428).

Em suma, no sentir de Laurent não há diferença criada na lei entre os frutos do

último ano e os colhidos dos anos anteriores; destes a lei não fala, porque estão sob o

direito comum, que considera sob o privilégio os objetos que guarnecem a propriedade

rural; os outros a lei sujeita-os expressamente à ação do privilégio, porque do contrário,

eles escapariam ao privilégio, isto é, escapariam ao concurso dos credores e à execução

pela importância da renda ou do foro, porque conservando-se pendentes seriam da

propriedade do locador, proprietário do imóvel rural (Laurent, loc. cit., n. 429).

180. A letra a do n. II do art. 70 do Dec. 917, de 1890, confere privilégio, para

o pagamento da renda ou foro dos prédios rústicos, sobre os frutos pendentes.

A disposição parece pois, aceitar a situação jurídica figurada em Laurent (vol.


29, n. 429) de haver a lei considerado desligado do domínio do proprietário do prédio

rústico os frutos pendentes para considerá- los objeto do privilégio – o qual não poderia

assentar em favor do locador, sobre bens da propriedade deste, e os frutos pendentes o

são.

Parece-nos, porém, como diz o próprio Laurent (n. 429) que tal modo de ver

não está de acordo nem com a verdade dos princípios, nem com a realidade das coisas.

A lei só considerou, e bem, frutos para o efeito de neles assentar um privilégio,

em favor do proprietário do prédio rústico, os pendentes; os colhidos tendo sido

consumidos pelo rendeiro, que sobre eles tinha inteiro domínio, no uso e exercício de

seu direito de locatário e arrendatário, não podiam ser objeto de privilégio, porque não

se podiam supor subsistentes, mas sim consumidos, no sentido lato desta expressão; o

que tanto mais coerente é quanto os escritores franceses e belgas entendem que os frutos

colhidos, ainda quando encontrados armazenados, não podem ser objeto de privilégio,

senão como, móveis, utensílios e quaisquer objetos que guarneçam o prédio rústico;

nunca como fruto.

Em vez de conceder privilégio sobre os frutos da colheita do ano que estiver

correndo, o Dec. 917, de 1890, concedeu-o sobre os frutos pendentes, limitando assim a

hipoteca privilegiada do antigo direito, que incidiu sobre todos os frutos (Digesto

Portuguez, Liv. 3.º, Tít. 14, Seção 3.ª) e o penhor tácito do direito romano (L. 7.º D. in

quibus cas. pign. vel hypoth., etc.) que tinha o mesmo alcance (Martou, vol. 2.º, n. 498;

Thiry, vol. 4.º, n. 381; Pont, vol. 1.º, n. 123).

181. b) O que vendeu a semente para a plantação do terreno é equiparado ao

locador do prédio rústico no valor dos frutos; os trabalhadores rurais que fizeram a
colheita; o que vendeu estrumes e instrumentos aratórios.

Em geral costuma-se entender localizado no produto de toda a colheita os

privilégios dos que venderam a semente, estrumes químicos ou animais, e os dos

trabalhadores que fizeram a colheita, e ao passo que aos que venderam os instrumentos

aratórios concedem privilégio sobre o produto de tais instrumentos (art. 20 da Lei belga

de 1851, n. 2; Código Civil italiano, art. 1.958, n. 5; Código Civil espanhol, art. 1.922,

n. 6; Digesto Portuguez, Tít. 14, Seção 3.ª, do Liv. 3.º, art. 1.277).

182. c) Os operários, artistas, fabricantes e empreiteiros, sobre os objetos que

fabricaram ou converteram e dos quais estão de posse, para pagamento de seus salários,

fornecimentos de material e mais vantagens estipuladas (Dec. 917, de 24.10.1890, art.

70, letra b).

O privilégio assenta unicamente no caso figurado sobre os objetos que aquele

que os fabricou tem em seu poder; desde que tais objetos saiam de sua posse, perdem o

privilégio sobre o produto ou preço dos mesmos.

O fundamento é que tendo no nosso direito o privilégio assento na qualidade

do credor e na natureza do crédito, produz em favor do privilegiado um simples direito

pessoal e não real; apesar de exercitar-se a seqüela sobre os móveis no nosso direito,

pois, que a sua posse não equivale o título de domínio, segundo a doutrina posta em

evidência no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal em 11.12.1895, todavia

entendeu com acerto o legislador que o privilégio, na hipótese vertente, embaraçaria a

circulação dos móveis se pudesse ter eficácia sobre os que houvessem sabido do poder

do operário que o fabricara ou concertara.

Acresce que se os móveis garantem com privilégio o crédito daqueles que os


fabricaram ou concertaram e neles incorporaram capital próprio, que deve ser restituído

sob a forma do preço estipulado para o trabalho, é isto por um penhor tácito e

presuntivo que depende da detenção material ou simbólica do objeto; o fato de permitir

o operário que o objeto passe para o poder de terceiro importa a renúncia às vantagens

que a posse lhe proporcionava.

A disposição citada refere-se unicamente ao privilégio sobre coisas móveis;

não ao que o direito escrito confere àqueles que construíram ou concertaram imóveis

empregando materiais próprios.

183. d) Os credores pignoratícios e anticresistas e os que têm direito de

retenção na coisa dada em penhor ou anticrese, e na coisa retida.

O fundamento do privilégio do credor pignoratício está na natureza da posse

que ele tem do objeto penhorado; se os terceiros pudessem provar que este existe em

poder do credor livre de qualquer nexo de garantia, ou de consignação à solução da

dívida, o direito de preferência do credor desapareceria, com a razão fundamental do

penhor.

Os textos romanos que dão preferência àquele dos credores pignoratícios que

tem a posse do objeto penhorado (L. 10 D. de pignor. et hypoth.; L. 14 D. qui potior in

pign.) não devem ser entendidos no sentido de ser a posse da coisa dispensada no

penhor, ainda quando simbolicamente deferida; semelhante noção é incorreta em face

de textos precisos, como entre outros o de Gaio, tão comumente conhecido (L. n. 238 §

2.º D. de verbor. significat): os textos limitam-se, ao contrário, a confirmar a noção

corrente de que a posse é substancial para o privilégio oriundo do penhor; tanto assim

que na ocorrência de dois contratos celebrados sobre o mesmo objeto, o privilégio é


deferido àquele dos credores que tem a posse: o texto de Ulpiano é preciso neste

sentido:

Si debitor res suas duobus simul pignori obligaverit, ita ut utrique in solidum

obligatae essent..., inter ipsos si quaestio moveatur, possidentis meliorem esse

conditionem”.

A posse do terceiro em nome do credor produz o efeito da concessão do

privilégio; o art. 2.076 do Código Civil francês assim o resolve, quando a posse do

terceiro é convencionada no contrato; a razão é que esse terceiro possui em nome do

credor, o que equivale a ser detentor em nome alheio.

Entre nós a posse do próprio devedor confere o privilégio ao credor; o

constituto possessório é um modo de tradição do penhor ao credor (Acórdão do Supremo

Tribunal Federal, de 11.12.1895).

A perda da posse material por um acidente qualquer não afeta o privilégio do

credor pignoratício (Martou, vol. 2.º, n. 452; Mourlon, vol. 3.º, n. 1.216, 4.ª alínea; Dir.

das Cousas, § 163, n. 5); antes este faz valer o seu direito real e a pignoris persecutio é

exercitada para o efeito da recuperação da posse do objeto do penhor.

O privilégio que tem o credor anticresista é igual ao do pignoratício e o seu

fundamento assenta em fato jurídico idêntico.

A anticrese é a convenção pela qual o devedor, entregando o imóvel ao credor,

lhe transfere o direito de perceber os frutos e rendimentos do mesmo imóvel em

compensação dos juros da quantia devida e computação do excesso dos créditos no

capital da mesma (Dir. das Cousas, § 168).

Trata-se no caso figurado da anticrese quando constituída isoladamente e não

quando ligada à hipoteca; supõe, porém, a disposição a anticrese regularmente


contratada e inscrita, condição para a decorrência de seus efeitos prelatícios.

O anticresista tem privilégio unicamente sobre o valor dos frutos e

rendimentos, ou igualmente sobre o valor do imóvel? Pode ele ser considerado

quirografário em relação a este?

O Sr. Lafayette, apoiado na autoridade de Mourlon e de Coelho da Rocha opina

que a anticrese não confere ao credor privilégio sobre o preço do imóvel, ainda no caso

em que a convenção haja estipulado que os rendimentos deverão ser computados no

capital (Dir. das Cousas, § 170, n. 5).

Esta opinião é jurídica.

O nosso direito hipotecário considera a anticrese um ônus real sobre o imóvel,

e dá-lhe a força de impedir a execução da hipoteca, desde que haja sido transcrita antes

da inscrição desta.

Em que consiste, porém, o ônus real da anticrese?

No fato de ficarem os frutos e rendimentos do imóvel consignados ao

pagamento dos juros e do capital da dívida; enquanto a solução desta não se operar pelo

processo estipulado na anticrese, o direito do credor hipotecário, inscrito

posteriormente, de excutir o imóvel não pode ter efetividade sem afetar o privilégio do

credor anticrético.

Quando, pois, Mourlon diz (ns. 1.231 e 1.233, do vol. 3.º) que o credor

anticresista, em diferença do pignoratício, não tem sobre o objeto do contrato de

anticrese outro direito senão o privilégio sobre os frutos e rendimentos, e que no caso de

ser o imóvel alienado o seu direito sobre o produto é o de um simples credor

quirografário, afirma um princípio de inteira correção jurídica e dá noção exata da

anticrese (Laurent, vol. 28, n. 556; Thiry, vol. 4.º, n. 299).


O credor anticrético tem, pois, um privilégio sui generis que consiste na

computação dos rendimentos do imóvel, com preferência sobre os outros credores, ao

pagamento de sua dívida. O direito de retenção que a lei lhe confere é um meio de

tornar efetivo o seu privilégio (Laurent, vol. 28, n. 552);

Se ele o abandona, se consente na retirada do imóvel de seu poder, o seu

privilégio esvai-se com o direito de retenção, que é a garantia do mesmo (Arntz, vol. 4.º,

ns. 1.605, 1.606 e 1.608; Código Civil italiano, arts. 1.891 e 1.894; Código Civil

português, arts. 875 a 877; Código Civil francês, arts. 2.085 e 2.088; Thiry, vol. 4.º, n.

299; Laurent, vol. 28, ns. 556 e 563).

No direito francês e no belga é ponto muito debatido se a anticrese confere um

direito real ou um simples direito pessoal. A quem quiser conhecer os fundamentos da

opinião de Laurent, de Aubry et Rau e de outros que combatem o direito real do

anticresista, em contraposição ao sentir de Pothier, de Mourlon, de Proudhom e outros,

recomendamos a leitura do que escreveu extensamente Laurent no vol. 28 do seu tratado

sobre Princípios ao Direito Civil, nos ns. 561 a 582.

Conformando-se com a opinião de Pothier e com os princípios de direito

romano, considerou o Dec. 169 A, de 19.01.1890, a anticrese um ônus real (art. 6.º)

sujeitou-a à transcrição, como o direito francês, e desse fato fez decorrer efeitos para

com terceiros estabelecendo a preferência do credor anticrético sobre o hipotecário por

hipoteca posteriormente inscrita (§ 2.º, do art. 6.º citado) consistindo tal preferência, não

no direito de prelação sobre o produto da venda do imóvel, mas na efetividade do ônus

da anticrese, isto é, em a manutenção do credor na posse do imóvel (retenção), na

percepção dos frutos até extinção da dívida, podendo só depois desta paga proceder o

credor hipotecário à excussão da hipoteca e às medidas assecuratórias da mesma, como


o seqüestro.

O credor anticresista tinha no direito romano a posse do imóvel e adquiria a

propriedade dos frutos pelo fato da percepção; os textos eram formais; acentuadamente

o que Modestino doutrina na L. 39 D. de Pigneratitia actione, vel contra não deixa

pairar dúvidas sobre o direito real do anticresista. Esta parece ser a noção da anticrese

dada no moderno Código Civil alemão (art. 1.213): “O penhor pode ser constituído de

maneira que o credor pignoratício seja autorizado a perceber os produtos úteis do

penhor. O credor é sempre autorizado a perceber os frutos da coisa naturalmente

frutífera que lhe é dada em posse”.

A longa e desenvolvida argumentação de Laurent, funda-se principalmente no

texto do art. 2.091 do Código Civil francês:

“Tudo o que fica estatuído no presente cap ítulo não afeta os direitos que

terceiros possam ter sobre o imóvel dado em anticrese. Se o credor, aparelhado com este

título, tem sobre o imóvel privilégios ou hipotecas legalmente estabelecidos e

conservados, ele os exercitará na ordem que lhes couber e como qualquer outro credor”.

Parece resultar desta disposição que o credor anticresista, como tal, não pode

opor seu direito aos terceiros, no sentido de ter preferência sobre eles; ele só é

preferente se tiver hipoteca ou privilégio. Não se deve concluir que o anticresista não é

mais do que um credor quirografário, isto é, que ele não tem contra o devedor senão um

direito pessoal? (Laurent, vol. 28, n. 567).

184. e) Os hoteleiros pelas despesas do hotel, sobre os objetos do devedor que

estiverem retidos (Dec. 917, de 24.10.1890, art. 70, n. II, letra j; Código Civil francês,

art. 2.102, n. 5; Código Civil holandês, art. 1.185, n. 6; Código Civil italiano, art. 1.958, n.
8; Código Civil espanhol, art. 1.921, n. 5; Código Civil uruguaio, art. 2.333, n. 2;

Código Civil do Chile, art. 2.474, n. 1; Código Civil português, art. 882, n. 2; Digesto

Port. Liv. 3.º, Tít. 14, seção 3.ª § 1.º, art. 1.277).

A disposição supra reconhece ao hoteleiro o direito de retenção, resolvendo

assim um ponto de interpretação do Código Civil francês que oferecia matéria para

desacordo de opiniões.

Laurent (vol. 29, n. 511) entendia que a natureza especial do direito de

retenção, que não é decorrente do de privilégio, antes difere deste, pois consiste em um

meio eficaz de forçar o devedor a pagar, ainda quando seja solúvel, ao passo que aquele

só se executa no caso de insolvência do devedor, não autoriza a afirmação do direito de

retenção do hoteleiro, quando o art. 2.102 do Código Civil francês que consagrou o

privilégio criado no costume de Paris, não mencionou o direito de retenção que uma

disposição expressa daquele costume (art. 175) conferia ao estalajadeiro.

O argumento não se nos afigura de grande procedência e o fato é que a

generalidade dos tratadistas reconhece ao hoteleiro o direito de retenção dos objetos

transportados ao hotel pelo hospede, para garantia dos gastos de suprimentos da

hospedagem (Martou, vol. 2.º, n. 508; Pont, vol. 1.º, n. 167; Thiry, vol. 1.º, n. 396).

O fundamento do privilégio do hoteleiro consiste em um penhor tácito que tem

como assento e justificação o fato de ser o estalajadeiro obrigado a receber pessoas que

desconhece, para dar- lhes pousada, isto é, teto e alimentação e dever ter uma garantia

para o pagamento de tais despesas, às quais sempre se reconheceu uma certa

preferência, fundada em sua natureza

Ferriére o comentador do Costume de Paris, citado por todos os tratadistas, ao

explicar o art. 175 desse ato do direito costumeiro francês dá como origem do privilégio
do estalajadeiro a necessidade de compensar a responsabilidade que o mesmo tem dos

efeitos conservados ou transportados para o hotel pelo viajante: o hoteleiro é equiparado

ao depositário, é responsável pelo furto e subtração dos objetos e pelo dano que estes

possam sofrer, ainda quando o furto e o dano hajam sido praticados pelos outros

viajantes, que freqüentaram a hospedaria.

“Sujeito a uma responsabilidade excepcional e a uma pena perigosíssima, era

justo que a lei lhe concedesse uma proteção especial para o pagamento do crédito que

pode ser- lhe tão funesto.” Eis o que diz Ferriére.

O privilégio do estalajadeiro só se pode exercer, no nosso direito, sobre os

objetos pertencentes ao devedor, em contrário ao que se dá no direito francês, em que

estão sujeitos ao referido privilégio todos os objetos que o viajante levar para o hotel,

sejam próprios ou alheios, desde que haja boa fé da parte do estalajadeiro, hajam sido

adquiridos durante sua estada no hotel, ou antes; a razão é que o privilégio do

estalajadeiro é da mesma natureza, do locador (Pont, vol. 1.º, n. 165; Laurent, vol. 29, n.

508; Thiry, vol. 4.º, n. 395; Troplong, vol. 1.º, n. 204).

O privilégio do hoteleiro exige a posse dos objetos, e se esta é perdida, o

privilégio esvai-se; por esta razão o privilégio não pode referir-se aos gastos feitos pelo

viajante por ocasião de hospedagens anteriores; garante unicamente a estada atual e

refere-se especialmente às despesas com casa e comida, sustento de animais, tratamento

de pessoal de serviço e bebidas consumidas nas refeições (Laurent, vol. 29, n. 506;

Thiry, n. 395, citado; Duranton, vol. 19, ns. 128 e 129; Arntz, vol. 4.º, n. 1.686).

As casas de pensão, quer dêem ou não comida, têm o privilégio dos hotéis e

estalagens sobre os efeitos dos viajantes (Laurent, vol. 29, n. 506; Duranton, vol. 19, n.

128).
As expressões – que estiverem retidas – equivalendo a estas – enquanto

estiverem retidas – resolvem no sentido negativo a questão altamente debatida no direito

francês, se o hoteleiro pode reaver os objetos do viajante que este clandest inamente

houvesse retirado do hotel e sobre eles assentar a sua execução privilegiada (Troplong,

vol. 1.º, n. 206; Pont, vol. 1.º, n. 167; Martou, vol. 2.º, n. 505; Aubry et Rau, § 261, nota

78; Laurent, vol. 29, n. 510).

O direito francês em vista dos termos precisos do art. 2.102 só concede

privilégio aos hoteleiros sobre os objetos dos viajantes, não sobre os que pessoas

residentes no mesmo local conduzam ao hotel em que fixem residência (Mourlon, vol.

3.º, n. 1.314).

O Código Civil italiano concede privilégio ao hoteleiro sobre os objetos do

viajante levados ao hotel e que nele se achem e sono tuttora nel suo albergo (art. 1.958,

n. 8): “osser viamo quindi che il privilegio non dura parimente se non petempo che

quegli oggetti restai nell‟albergo o nelle localitá che ne dipendano” Cattaneo e Borda,

Comment. ao art. 1.958, n. 9; salvo retirada clandestina (Mourlon, vol. 3.º, n. 326).

O art. 1.193 do Código Civil holandês declara que o privilégio do hoteleiro só

se exercita sobre os efeitos que o viajante depôs na estalagem.

O n. 5, no art. 1.922 do Código Civil espanhol confere o privilégio ao hoteleiro

sobre os móveis que o devedor tem em seu estabelecimento.

O Código Civil português concede privilégio por despesas de pousada ou

albergaria, no valor das alfaias que o devedor tiver na pousada (art. 882, n. 2).

O Código Civil chileno no art. 2.474 confere privilégio ao hoteleiro sobre os

efeitos do devedor introduzidos por este na estalagem enquanto nela permanecerem – e

até a concorrência do devido por pousada, despesas e danos.


O Código Civil do Uruguai, art. 2.333 contempla na segunda classe de créditos

privilegiados o dos estalajadeiros em razão da hospedagem sobre os efeitos existentes

na pousada.

185. f) Desde que o § 2.º do art. 5.º supra manda vigorar as preferências

estabelecidas pela legislação atual devem ser, como já o fizemos sentir, respeitados os

privilégios conferidos pelas leis a todos os créditos civis e comerciais.

Entre estes os mencionados no Dec. 917, de 24.10.1890, constituem títulos de

preferência em qualquer concurso de credores, no caso de insolvabilidade civil, apurada

na liquidação judicial do seu patrimônio.

Tal prelação é relativa aos créditos quirografários; os credores hipotecários tem

preferência no produto dos imóveis hipotecados; nas sobras destes, no preço dos não

hipotecados ou dos móveis a preferência pode estabelecer-se por especialidade, isto é, os

privilégios são relativos a certos, e determinados móveis ou imóveis.

Prosseguindo na menção das preferências sobre o produto de certos e

determinados móveis, devemos considerar como créditos privilegiados:

1.º) O das despesas do salvamento da coisa, para quem a salvou (art. 738 do

Código Comercial);

2.º) Sobre o valor ou preço do navio e sobre a importância dos fretes da última

viagem a tripulação por suas soldadas (art. 564 do Código Comercial);

3.º) No valor do navio os que houvessem concorrido com dinheiro para a sua

compra, para o seu concerto, aprestos ou provisões. (Lei de 20.06.1774, § 35; Código

Comercial, art. 475);

4.º) Nas fazendas carregadas, o aluguel ou frete, as despesas e avaria grossa


(arts. 117, 626 e 627, do Código Comercial);

5.º) O dador de dinheiro a risco no objeto sobre que reca iu o empréstimo

marítimo (arts. 633 e 662 do Código Comercial);

6.º) O carregador sobre as bestas, carros, barcas, aparelhos e todos os

instrumentos principais e acessórios dos transportes, para pagamento dos efeitos

entregues ao condutor ou comissário de transportes;

7.º) O mandatário sobre o objeto da operação, o que for necessário para o

pagamento do que lhe for devido em conseqüência do mandato (art. 156 do Código

Comercial);

8.º) O comissário sobre os efeitos do comitente, para pagamento de todas as

despesas, adiantamentos que tiver feito, comissões vencidas e juros, enquanto os mesmos

efeitos se acharem à sua disposição em seus armazéns, nas estações públicas ou em

qualquer outro lugar, ou em caminho para o poder do falido, se provar a remessa por

conhecimentos anteriores à insolvabilidade e falência (art. 189 do Código Comercial);

9.º) O crédito contra o capitão, que é comparte do navio, sobre o quinhão e

lucros que tiver no navio e fretes, pelo que dever à parceria (art. 537 do Código

Comercial);

10.º) Sobre o navio e frete o crédito dos donos da carga pelos danos que

sofrerem por delitos, culpa ou omissão culposa do capitão ou gente da tripulação,

perpetrados em serviço do navio (art. 565 do Código Comercial);

11.º) O crédito do capitão do navio pelo preço da passagem sobre todos os

efeitos que o passageiro tiver a bordo (art. 632 do Código Comercial).

186. Tem privilégio sobre determinados imóveis, desde que estes não estejam
hipotecados, os seguintes credores:

a) de materiais, dinheiro ou serviços para a construção, reconstrução ou

melhoramento de prédios rústicos ou urbanos, fábricas, oficinas ou quaisquer outros

edifícios ou construções, sobre os referidos imóveis (Alvará de 12.05.1758, § 10.º; Lei

de 20.06.1774, §§ 34 e 36; Alvará de 24.07.1793, § 1.º; Corrêa Telles, Dig. Port., Liv.

3.º, Tít. 14, seção 3.ª § 1.º, arts. 1.273 e 1.274; C. da Rocha, vol. 2.º, § 658; Trigo de

Loureiro, vol. 2.º, § 548 , Consolid. das Leis Civis, art. 1.270, §§ 1.º, 2.º e 4.º; Código

Civil francês, art. 2.103, n. 4; Código Civil holandês, art. 1.185, n. 8; Código Civil

espanhol, art. 1.923, ns. 3.º e 5.º; Lei belga de 15.12.1851, art. 27).

Esta redação compreende o privilégio denominado em França dos arquitetos e o

do prestador de dinheiro e afasta todas as dúvidas oriundas do fato de exigir o Código

Civil francês que os serviços hajam sido contratados pelo proprietário, para que os

operários tenham o privilégio.

Formulado, como se acha, o preceito consagra o verdadeiro fundamento desse

privilégio, no direito moderno – dever ser pago com preferência aos outros credores,

aquele que coloca alguma coisa no patrimônio de outrem, ou aumenta o valor deste com

seu trabalho, ou seu dinheiro (Martou, vol. 2.º, n. 590).

As expressões usadas no § 10 do Alvará de 12.05.1758, parecem indicar que o

privilégio conferido às pessoas que emprestarem dinheiro, ou concorrerem com

materiais ou mão de obreiros para se edificar ou reedificar dentro do recinto da cidade

de Lisboa – teve por único fim animar a reconstrução de Lisboa danificada pelo

terremoto, por ser esse fato de grande vantagem, como se diz no parágrafo inicial do

citado Alvará com forra de lei; o que importaria em assentar o legislador o privilégio

antes na consideração administrativa – ne urbes ruinis diformentur, do que no princípio


de eqüidade que confere todas as preferências à restituição do dinheiro daq uele que o

forneceu para as construções e reconstruções e simples benfeitorias dos prédios, como o

estabelecia o direito romano (Leis 1.ª D. in quibus causis pignus, etc. e 24 § 1.º D. de

rebus auctoritate, etc.): as expressões do § 34 da Lei de 20.06.1774 deixam, porém,

patente que o pensamento do legislador foi não mais consultar o interesse administrativo

do embelezamento das cidades, mas o princípio jurídico de não ser licito a alguém

locupletar-se com a jactura alheia.

A redação no art. 2.103 do Código Civil francês autoriza a diversidade de

opiniões emitidas pelos doutrinadores sobre a compreensão e o fundamento dos

privilégios conferidos aos ns. 4 e 5 daquela disposição; o § 34 da Lei de 1774 com a sua

fórmula preceitual, exclui a maior parte daquelas questões e o § 36 torna necessária a

extensão do privilégio dos que realizam benfeitorias nos imóveis rústicos, aos credores

que suprem dinheiro, materiais ou serviços para benfeitorizar o prédio alheio.

No direito francês o privilégio daqueles que por suprimento de dinheiro,

concorriam para esgotamento e cultura de qualquer paul ou terra inculta, foi

reconhecido pelo art. 23 da Lei de 16.09.1807; o § 36 da Lei de 20.06.1774 já o havia

consagrado na legislação portuguesa muitos anos antes.

O privilégio compreende, juntamente, os operários, artistas, empreiteiros e

fabricantes que concorrem para a construção e reparação do prédio urbano, e dos

trabalhadores, feitores e administradores de imóveis rústicos que concorrem com o

trabalho braçal ou com o de fiscalização para levar-se a efeito o esgotamento dos pauis,

lagoas e lodaçais que tornem inúteis e impróprios para a cultura terrenos, que assim

ficam aptos para o plantio ou para edificação (Martou, vol. 2.º, ns. 591 e 502; Troplong,

vol. 1.º, ns. 242 e 242 bis; Pont., vol. 1.º, n. 210; Mourlon, vol. 3.º, n. 1.555; Thiry, vol.
4.º, n. 428; Duranton, vol. 19, n. 190; Laurent, vol. 30, n. 42).

Além, porém, daqueles que concorrem com sua indústria para o aumento do

valor do imóvel de outrem, há o que tiver emprestado dinheiro para o pagamento dos

trabalhos executados, qui numum ministravit como diz Papiniano no L. 1.º, D. quib

causis etc., este não podia deixar de estender o privilégio, in pecunia, quae credita erit,

privilegium exigendi habebit (Ulpiano no L. 24 § 1.º Dig. de rebus auctoritate, etc): a

legislação portuguesa o conferia de modo explícito (§§ 34 e 36 da Lei de 20.06.1774) e

o direito moderno consagrou o privilégio nas disposições de alguns Códigos civis atuais

(Código Civil francês, art. 2.108, n. 5, Lei belga de 16.12.1851, art. 27).

Quer, porém, no direito romano, quer no antigo direito português ou no direito

francês atual o privilégio tem como limite ou como medida de sua extensão o aumento de

valor, a benfeitoria, no sentido restrito desta expressão, experimentada pelo prédio; assim

se a benfeitoria se pode avaliar em quantia inferior ao preço do trabalho dos operários

ou à quantia emprestada pelo credor, o privilégio só vai até o valor dessa benfeitoria,

desse aumento de valor – o credor pelo excesso de seu crédito é simples quirografário e

com os demais credores desta classe entra em rateio (Lei. de 20.06.1774, §§ 34 e 36; Lei

de 12.05.1758, § 10; Dec. 917, de 24.10.1890, art. 70, n. 11, letra 12; Acórdão do

Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.1883; Laurent, vol. 3.º, n. 48; Duranton, vol. 19,

n. 190; Thiry, vol. 4.º, n. 430; Mourlon, vol. 3.º, n. 1.366; Pont, vol. 1.º, n. 213;

Troplong, vol. 1.º, n. 243; Martou, vol. 2.º, n. 596; Arntz, vol. 4.º, n. 1.699; Aubry et

Rau, vol. 3.º, § 253, n. 4 e nota 34).

Como verificar essa autorização de benfeitoria?

O direito francês e o belga (Código Civil francês, art. 2.103, n. 4, e Lei de

16.12.1851, art. 27) exigem para a conservação do privilégio e fixação do valor da


benfeitoria do imóvel, isto é, da quatenus res inde pretiosior facta est, que se lavrem dois

termos um do estado do imóvel antes do começo das obras, outro por ocasião do

recebimento dos trabalhos feitos; do confronto destes dois termos resulta o

conhecimento do aumento do valor do imóvel: os termos ou autos são lavrados por um

perito nomeado ex officio pelo presidente do Tribunal Civil da situação dos bens. – É o

processo belga (Martou, vol. 2.º, n. 599) e o francês (Pont, vol. 1.º, n. 215).

O direito francês exige ainda que o segundo perito emita o seu laudo dentro de

seis meses da terminação das obras.

Com estas duas condições o privilégio prefere as hipotecas inscritas no imóvel,

apesar de, segundo o princípio geral, a compreensão da hipoteca abranger as

benfeitorias (Pont, vol. 1.º, n. 215); a razão é que no direito francês tal privilégio

constitui um direito real, e desde que a benfeitoria (la plus value) sobre o qual ele

assenta se individualiza e acentua-se distintamente do imóvel, como diz Pont, (loco

citato), o privilégio adquire toda a sua força preferencial.

Entre nós os meios de apurar a importância das benfeitorias são o arbitramento

e a vistoria (art. 189 e seguintes, e 209 e seguintes, do Dec. 737, de 1850, e Dec. 763, de

19.09.1890).

O direito francês e o belga exigem, como condição do privilégio do prestador de

dinheiro, que este fosse aplicado ao pagamento ou embolso dos operários e que esta

circunstância ficasse provada por meio de recibos dos referidos operários, e por título

comprobatório do empréstimo contraído para tal fim pelo proprietário do imóvel; dadas

estas circunstâncias o prestador do dinheiro ficava com o privilégio que tinham os

operários (art. 2.103, n. 5, do Código Civil francês).

O direito francês não concede ao emprestador do dinheiro um privilégio


originário, limitando o destino da prestação ao pagamento dos operários, ele considera o

mutuante sub-rogado no privilégio dos operários e conseguintemente só podendo exercer

os direitos que a eles resultam do privilégio (Pont, vol. 1.º, ns. 224, e 227; Troplong, n.

248; Aubry et Rau, vol. 3.º, § 263, n. 5; Mourlon, vol. 3.º, n. 1.363; Duranton, vol. 19,

n. 196).

A Lei belga de 16.12.1851 não fez menção desse privilégio; não considerando-

o um privilégio originário, mas uma simples sub-rogação de direitos, deixou o caso para

ser regulado pelos princípios de direito comum, que regem a sub-rogação (Martou, vol.

2.º, n. 593).

Entre nós, como o vimos, o privilégio é um direito; seguimos o direito romano,

que concentrava neste caso do prestador de dinheiro o privilégio que o direito moderno

ampliou aos prestadores de materiais e serviços.

No direito moderno é ponto de dúvida se o privilégio dos arquitetos, operários,

etc., subsiste quando eles forem contratados não pelo proprietário do imóvel, mas por

empreiteiro.

A razão da dúvida está nos termos empregados pelo art. 2.103, do Código Civil

francês, e art. 27, da Lei belga de 1851, e referentes ao proprietário; a opinião geral é

que o privilégio não favorece os operários que contrataram com empreiteiros; os

doutrinadores só lhes reconhecem a ação indireta estabelecida no art. 1.166 do Código

Civil francês.

“Os subempreiteiros e os operários que tratam, não com o proprietário, mas

com o empreiteiro principal, ou com o arquiteto ou mestre pedreiro, não tem privilégio.

Eles não podem invocar o texto da lei, pois não foram empregados pelo proprie tário; não

têm direito creditório contra ele; daí a impossibilidade de ser o seu crédito contra o
empreiteiro, que não é proprietário do prédio, garantido por um privilégio sobre este

prédio. É certo que foram os operários que por seu trabalho fizeram a benfeitoria, mas

fizeram- na sob a direção do empreiteiro ou do arquiteto, são apenas instrumentos, o

diretor das obras é que é a alma. A eqüidade está, pois, de acordo com o direito. Em

direito, não há privilégio sem crédito, e os operários não têm crédito contra o dono; e

sob o ponto de vista da eqüidade, a benfeitoria não é devida a trabalhos puramente

materiais, ela é antes devida a quem dirige as obras; o privilégio deve, por conseguinte,

pertencer-lhe igualmente.” (Laurent, vol. 30, n. 45).

O privilégio que tem sobre as fábricas e seus instrumentos e utensílios, os

credores que com seu dinheiro auxiliaram, e promoveram as mesmas fábricas,

concorrendo com empréstimos para as compras dos teares e instrumentos (Alvará de

05.10.1792) assentava sobre a terça parte dos lucros dos fabricantes devedores,

avaliados por peritos e penhorados nas mãos dos próprios devedores que ficaram por

depositários de juízo e como tais obrigados a responder na forma da Lei pelas quantias

depositadas ao tempo do seu vencimento (Alvará citado).

187. b) Tem igualmente privilégio sobre determinado imóvel o credor de

dinheiro emprestado para a compra de terras, fazendas e moradas de casas, a respeito

desses bens comprados; constando da escritura do empréstimo, que ele se fez com esse

destino, e verificando-se a compra posterior (Lei de 20.06.1774, § 37; Alvará de

24.07.1793, § 1.º; Consolid. das Leis Civis, art. 1.270, § 3.º; Código Civil francês, art.

2.103, n. 2; Código Civil espanhol, art. 1.922, n. 1).

Não se refere esse privilégio ao preço da venda não pago, que se vê consagrado

no n. 1, do art. 2.103, do Código Civil francês, e de que faz menção o art. 621 do
Regulamento anexo ao Dec. 737, de 25.11.1850.

É coisa diversa.

Trata-se, na hipótese, de um privilégio conferido àquele que emprestou dinheiro

para compra de certo e determinado imóvel – casa, terras ou fazendas – sobre o produto

deste imóvel, quando vendido em praça para pagamento dos credores de um insolvável,

pelo que tenha de ser aberto o concurso e fixada a graduação preferencial.

O fundamento do privilégio assenta em consideração de eqüidade, e com mais

severa observância dos princípios que dominam os contratos, se pode dizer que na

intenção do mutuante, que só levou a efeito o empréstimo confiado na garantia que à

restituição da soma mutuada oferecia o imóvel objeto da compra.

Tanto foi esse o fundamento do privilégio, que é exigida como condição de sua

subsistência, que a compra se haja realizado.

Para que possa ter lugar o privilégio fazem-se precisas duas condições que os

textos da Lei de junho de 1774 e do Alvará de 1793 exigem de modo preciso:

a) Deve constar do instrumento do mútuo que este fez com o destino de

adquirir o imóvel ou imóveis;

b) É substancial que se verifique a compra com o dinheiro mutuado.

Da necessidade do concurso destas condições, exigidas no direito francês (art.

2.103, n. 2, do Código Civil), concluíram os doutrinadores e comentadores deste Código

que o privilégio concedido ao mutuante não é um privilégio originário e especialmente

outorgado a um credor por fundamento creditório distinto dos outros privilegiados, mas

sim uma mera sub-rogação estabelecida por preceito especial do privilégio do vendedor

que não recebeu o preço, na pessoa daquele que emprestou o dinheiro para pagá- lo,

desde que este pagamento se prova com recibo do vendedor: et par la quitation du
vendeur, que ce payment a été fait des deniers empruntés.

Este modo de ver influenciou o espírito dos legisladores posteriores ao Código

francês, ao ponto de não incluir a maior parte dos Códigos Civis o crédito do mutuante

de dinheiro para compra de imóveis no número dos de privilégio especial, imitando

assim a Lei belga de 1851 que considerou o caso como uma modalidade da sub-rogação

regulada no n. 2, do art. 1.250, do Código Civil francês (Pont, vol. 1.º, ns. 221 e 222;

Troplong, vol. 1.º, 230, nota 1.ª; Mourlon, vol. 3.º, n. 1.348).

É correta esta noção? Desde que a disposição do Código Civil francês exige,

como condições da existência do privilégio, além dos reclamados na nossa legislação,

que o emprego da quantia mutuada na aquisição do imóvel se prove por meio de

quitação ou recibo do vendedor, parece que o caso de sub-rogação dos direitos do

vendedor na pessoa do mutuante do dinheiro fica caracterizado de modo perfeito; no

entanto, o legislador francês apesar de haver sido esta circunstância lembrada pela Corte

de Grenoble, por ocasião da projetada Reforma de 1840, não alterou a disposição do

Código Civil; ainda mais, a despeito de ser este o modo de ver de Tarrible, expressado

com precisão, por ocasião da confecção do Código manteve o privilégio do mutuante de

dinheiro e distinto do do vendedor.

Os codificadores de 1804 não merecem reparo pela inserção do n. 2, do art.

2.703, no Código Civil francês; duas razões fundamentais a justificam: a) a redação do

n. 2, do art. 1.250, do Código Civil, exige para que se opere a sub-rogação do credor

primitivo na pessoa do mutuante que o empréstimo contraído seja para fazer a dívida

desde que o pagamento deva ter lugar à vista e não habita de fide pretio; as hipóteses

não são pois, idênticas; acresce que a não ser no caso exclusivo do § 2.º, do art. 1.250,

do Código Civil francês, a quantia mutuada passa para o domínio do mutuário (art.
1.893 do Código Civil francês) sai da propriedade do mutuante; quando, pois, o

vendedor do imóvel passa quitação do preço do mesmo ao mutuário, declara ao

proprietário do dinheiro haver dele, e não de qualquer outro, recebido o preço da venda,

e este é a quantia mutuada, sendo o mutuário e não o mutuante proprietário dela, a sub-

rogação do direito do vendedor na pessoa do mutuante torna-se impossível, porquanto

este só figura como proprietário do dinheiro emprestado, com exceção aos princípios

reguladores do mútuo, no caso único do n. 2 do art. 1.250, do Código Civil francês.

Esta razão, cuja procedência no direito francês não discutimos, é fundamental

para justificar entre nós o privilégio do credor por mútuo para a compra de imóveis,

revestido das condições substanciais do destino e da prova do emprego da quantia

mutuada.

O nosso direito excepcionou o direito romano e, como o legislador francês, o

legislador português de 1774 ateve-se à doutrina de Bartholo, que firmou exceção à dos

romanistas, fundado na L. 7.ª Cód. qui potior.

Esta lei parece só conceder privilégio ao mutuante da quantia destinada à

compra de imóveis quando houver estipulação de penhor – quod ei pignori esse

specialiter obligatum statim convenit –; Bartholo aventou opinião contraria ao estudar as

leis 5.ª D. qui potiores eis pignore, etc., e 5.ª § 17 D. de Tributoria act. “Quandoque

quae mutuat ad rem emendam, non expresso quod illa res sit ei obligata, et tunc habet

privilegium in personali, non in hypothecaria.”

Seja ou não justificável esta opinião perante os textos do direito romano, o fato

é que ela foi o assento do privilégio do mutuante, que o direito antigo francês deduziu

do princípio nele dominante, que fazia nascer hipoteca de todos os contratos lavrados

em forma autêntica, e que o direito português fazia remontar até ao preceito excepcional
do Cap. 4.º da Novela 97.

188. c) O vendedor de imóveis, casas, fazendas e terrenos, não pago do preço,

tem privilégio sobre o produto dos mesmos imóveis em caso de insolvência do devedor.

(Lei de 20.06.1774, § 41; art. 621, do Dec. 737, de 25.11.1850.

Segundo os princípios do nosso direito civil a venda, desde que se faça a

crédito, transfere o domínio para o comprador (Alvará de 04.09.1810) ainda que não

seja pago o preço.

A disposição da Ord. do Liv. 4.º Tít. 5.º, § 2.º que considerava o domínio

subsistente na pessoa do vendedor, a despeito da venda a prazo e da tradição da coisa,

pelo fato de não pagamento do preço, foi revogada pelo citado Alvará de 1810; o

privilégio conferido ao vendedor é no caso figurado, a justa garantia do seu direito que,

de real que era tal como o conferia a Ordenação citada, passou a ser meramente pessoal,

simples direito creditório, depois do Alvará citado.

Parece-nos que não tem fundamento a contestação que Teixeira de Freitas opôs

às reflexões de Rebouças no sentido de reconhecer como vigente no nosso direito o

privilégio do vendedor não pago do preço da coisa imóvel vendida a prazo.

É certo que o Alvará de 1810 não conferiu tal privilégio ao vendedor; mas fê- lo

o Dec. 737, de 1850; se excedeu ou não as faculdades executivas ao poder legislativo

cabe resolver; o Supremo Tribunal Federal, em caso concreto, pode cassar tal preceito

por inconstitucional? Enquanto subsistir, a sua observância impõe-se, e sobre ela já

assentaram julgados dos tribunais do tempo do Império (Acórdãos do Tribunal do

Comércio da Corte de 17 de março e 16.05.1859).

Em 02.10.1875 o Supremo Tribunal de Justiça julgando a Revista 8.746,


decidiu que não é o título de crédito mas a aplicação da matéria ou do dinheiro, com que

concorreu o credor, que dá o privilégio de que trata o art. 621 do Regulamento 737,

referindo-se ao art. 877, § 6.º, do Código Comercial.

A prova de que o título do crédito é elementar do privilégio está em que as

disposições quer da Lei de 1774, quer do Alvará de 1793 exigem, como principal

condição, a qualidade de credor por mútuo de dinheiro.

Sem dúvida que a aplicação ou o emprego do dinheiro na aquisição do imóvel

são fundamento do privilégio, por força, do preceito geral a que já nos referimos e que

domina o fato de aumento do patrimônio do devedor pela incorporação ao mesmo da

coisa adquirida, mas faz-se preciso que o prestador do dinheiro conserve o seu título

creditório para que o privilégio tenha razão de ser; o abandono desse título, por uma

doação da quantia mutuada ao devedor, ou pelo perdão da dívida, faz desaparecer o

privilégio, que segundo a correta noção do direito moderno é inerente à qualidade e à

coisa do crédito e não somente ao destino que possam ter as quantias mutuadas.

Esse destino que a lei deseja que fique comprovado é um dos elementos

substanciais do privilégio; não é, porém, o único.

O Dec. 917, de 24.10.1890, considera credor de domínio (reivindicante) nas

falências o vendedor de imóveis, não pago do preço, embora haja feito a tradição (letra

g do art. 68).

A disposição consagra um princípio substancial do contrato de compra e venda

celebrado à vista, isto é, com o pagamento imediato do preço; em tal hipótese a tradição

não é suficiente para operar a transmissão da propriedade ao comprador; para tal efeito é

também substancial o pagamento.

Acrescentando à disposição citada as palavras: salvo se o tiver creditado ao


comprador, tornou patente, que desde que a venda houver tido lugar a crédito; habita

fide de pretio, transfere-se a propriedade independentemente do pagamento do preço.

A letra h do art. 68 citado contém disposição que declara, de modo preciso, não

ser reivindicante o vendedor a prazo não pago do preço, salvo o caso de haver o

vendedor, fiando o preço, sido induzido por dolo do comprador, ou se apesar de vender

a coisa a crédito, reservar a propriedade até ser pago do preço; a razão é que, em

qualquer dos casos figurados não se dá de modo algum uma venda a crédito; e

conseguintemente o pagamento do preço faz-se preciso para que se dê a transferência do

domínio.

Desde, portanto, que o vendedor não se ache aparelhado com o direito de

reivindicação que lhe conferem as disposições das letras g e h, do art. 68, do Dec. 917,

de 24.10.1890, ou por haver creditado o preço da venda ao comprador, ou se houver

vendido a coisa a crédito, mas não havendo feito dela a tradição, não houver ocorrido

sugestão fraudulenta por parte do comprador, ou reserva da propriedade por parte do

vendedor, o privilégio do vendedor a que se referem a Lei de 1774 e o Alvará de 1793

nos lugares citados, protege o seu direito creditório ao preço não pago, em o concurso de

credores sobre o produto do imóvel vendido.

O privilégio assenta, porém, sobre o preço devido; se em virtude de uma

novação do contrato o vendedor concedeu prazo novo para o pagamento convertendo a

dívida em empréstimo a juros, o seu privilégio caduca (Pont, vol. 1.º, n. 190):

O privilégio subsiste apenas em relação ao preço estipulado no contrato; assim

se houvessem os contratantes estipulado um preço no contrato inferior ao preço real da

venda, para o fim de pagarem menor imposto de transmissão de propriedade, o preço

complementar estipulado em convenções diferentes do contrato principal não é


privilegiado (Pont, obra citada).

No preço compreendem-se os juros devidos (Pont, vol. 1.º, n. 192), mas o

privilégio não estende-se às indenizações oriundas da inexecução do contrato, por que

elas não se compreendem no preço e nem fazem parte da execução da obrigação

principal; só podem dar lugar a uma ação pessoal não privilegiada (Pont, vol. 1.º, n.

193); não é, porém, discutível que o vendedor tenha privilégio para haver as despesas e

gastos judiciais feitos para haver o preço (Pont, vol. 1.º, n. 194).

É ponto largamente debatido no direito francês e que oferece interesse no nosso

o da compreensão do privilégio relativamente ao imóvel.

O princípio aceito é que devendo o privilégio recair sobre o produto do imóvel

vendido, que faz objeto do contrato, não atinge ele o preço obtido em praça ou o

produto dos imóveis que o adquirente houver anexado ou incorporado ao primeiro, por

força de atos posteriores à compra (Pont, vol. 1.º, n. 197; Thiry, vol. 4.º, n. 417);

compreende, porém, o privilégio as construções, melhoramentos e benfe itoras feitas no

imóvel?

Apesar de julgado em sentido negativo pelas cortes de Paris e de Lyon, todavia

deve prevalecer a opinião afirmativa dos doutrinadores (Pont, vol. 1.º, n. 197; Duranton,

vol. 19, n. 158; Martou, vol. 2.º, ns. 557 e 558; Laurent, vol. 30, ns. 17 e 18).

Na venda a retro não tem privilégio o adquirente que entrega a coisa, sem

receber a restituição do preço por ele dado, por ocasião da primeira venda; a razão de

decidir é que não se dá nesta operação uma venda nova, mas sim o cumprimento de uma

cláusula do contrato da venda primitiva, condição que constitui uma verdadeira cláusula

resolutória – distractus potius quam novus contractus (Pont, vol. 1.º, n. 189; Martou,

vol. 2.º, n. 546).


189. Não existindo no regime hipotecário atual hipotecas gerais e devendo

todas, especiais ou especializadas, recair unicamente sobre imóveis, não podem deixar

de ser considerados em vigor alguns dos privilégios gerais sobre todos os móveis e

imóveis do patrimônio do devedor, estabelecidos no direito romano, não repelidos pelo

direito português e aceitos no direito civil moderno.

Tais privilégios quando têm assento nos imóveis do devedor são preferidos

pelas hipotecas sobre os mesmos imóveis, e só podem recai nas sobras do produto dos

bens depois de pagas as dívidas hipotecárias:

a) O primeiro destes privilégios é o das despesas judiciais; caracteriza- se ele

no direito romano por importar no levantamento da quota com que cada credor devia

contribuir para a conservação dos bens do patrimônio do devedor em garantia dos

credores (L. 22, Cód. § 9 de jure deliberandi, L. 72 D. ad Legem Falcidiam); no direito

português e no direito moderno funda-se ele em serem as despesas feitas no interesse

comum dos credores, os quais não poderiam fazer valer os seus direitos, se um dentre

eles, não houvesse tomado a defesa do patrimônio do devedor; e como dessa defesa

resultaram despesas judiciais, nada mais justo do que conceder ao credor privilégio

sobre os produtos dos bens para o pagamento das despesas por ele feitas com a ação da

justiça pública (Digesto Port., Liv. 3.º, Tít. 14, seção 3.ª § 1.º, art. 1.279; Martou, vol.

2.º, ns. 312 e seguintes; Pont, vol. 2.º, ns. 67 e 68; Mourlon, vol. 3.º, n. 1.259).

Portanto às despesas de justiça só se confere o privilégio quando forem feitas

no interesse geral dos credores (Laurent, vol. n. 29, 322; Pont, 2, 67; Martou, 2, n. 315);

se forem feitas em ação de interesse exclusivo de um credor, só a este aproveitando, não

tem privilégio para pagamento com preferência sobre os outros; Martou dá noção exata
deste privilégio quando diz que “aquele que o invoca não pode pretender preferir senão

os credores aos quais seus atos foram proveitosos” (vol. 2.º, n. 318).

Quais sejam as despesas judiciais a que se referem o Código Civil francês (art.

2101) e a Lei belga de 1851 (art. 17) diz Laurent nos seguintes termos:

“Le principe est donc que tous les frais faits pour la conservation, la

liquidation, la distribution du gage commun des créanciers et dans leur intérét commun

sont privilégiés, qu'ils soieut faits en justice ou hors justice. Par contre, ne sont pas

privilégiés, quoique faits en justice, les frais que l‟un des créanciers fait dans son seul

intérêt. Tels sont les dépens, c'est-à-dire les frais qu‟un particulier expose contre un

autre particulier pour faire juger un différent qui existe entre eux.” (vol. 29, n. 324).

Do exposto vê-se que estas despesas não são as feitas com a excussão do

imóvel hipotecado e a que se refere o n. 1.º, do § 1.º, do art. 5.º, do Decreto de

19.01.1890; a essas é concedido privilégio especial sobre o produto da venda do mesmo

imóvel; ainda em relação ao próprio credor hipotecário, assim se um credor houver feito

despesas com a reivindicação de um imóvel do devedor, ele tem o privilégio sobre o

produto desse imóvel; se, porém, esse imóvel estiver hipotecado, o seu crédito é

preferido pelo hipotecário, que tem prelação sobre todos os outros.

O Código Civil italiano dispõe no art. 1.956, n. 1:

“Tem privilégio sobre a generalidade dos móveis na ordem seguinte os créditos

referentes às despesas de justiça feitas com atos da conservação ou de execução dos

móveis no interesse comum dos credores. No art. 1.959 confere a esse privilégio

prelação sobre os privilégios especiais que assentam em determinados móveis. ”

O Código Civil francês no art. 2.104 torna extensivos aos imóveis os

privilégios gerais sobre móveis, compreendendo conseguintemente o sobre despesas de


justiça.

b) O segundo privilégio geral sobre móveis e imóveis é o das despesas

funerárias do devedor, quando feitas sem pompa e segundo o costume do lugar (L. 14 §

1.º D. de religiosis et sumptibus funerum; Trigo de Loureiro, § 559, n. 10; Corrêa

Telles, Dig. Port., Liv. 3.º, Tít. 14, seção 3.ª, § 1.º, art. 1.285; Dec. 917, de 24.10.1890,

art. 67, letra b; Projeto do Código Civil do Dr. Coelho Rodrigues, art. 1.321, § 1.º).

A discriminação das despesas, que devam ser compreendidas nas funerárias e

constituírem o objeto do privilégio, tem dado causa às maiores divergências.

Os mais conceituados doutrinadores franceses como Laurent (vol. 29, n. 358),

Troplong (vol. 1.º, n. 135); Martou, (vol. 2.º, n. 356); Thiry (vol. 4.º, n. 355); Mourlon

(vol. 3.º, n. 1.262); Aubry et Rau (vol. 3.º, § 260, n. 2), aconselham a interpretação

restritiva do art. 2.101 do Código Civil francês, e art. 19, n. 2, da Lei belga de 1851,

interpretação da qual resulta que só se compreendem nas despesas funerárias as

imprescindíveis para a inumação do cadáver.

Desde que não se perca de vista que trata-se de privilegiar um credor, para o

efeito de ser pago de preferência aos outros de um devedor insolvável, facilmente

compreender-se-á que conquanto causa funeris publica est, e a inumação dos cadáveres

entenda não só com a higiene, mas com o respeito devido à dignidade humana, todavia

só se justifica o seu pagamento, com preferência e em detrimento das outras dívidas

deixadas pelo que faleceu insolvável, quando a despesa guardar o comedimento

necessário para torná- la restritamente proporcional à condição social do individuo – pro

facultatibus vel dignitate defuncti – excluindo-se portanto todo o fausto no funeral e não

contemplando entre as funerárias as despesas feitas com colocação de pedra tumular,

muito menos com construção de um monumento qualquer sobre a sepultura, com o luto
da viúva, dos filhos e dos domésticos do finado.

Os jurisconsultos romanos apesar da tendência que havia na antiga Roma para

a suntuosidade dos funerais, não incluíam entre as despesas propriamente funerárias

senão as que eram destinadas à guarda e à inumação do cadáver e não as que tinham

fins de ostentação.

Ulpiano mencionando na L. 14 do D. religiosis et sumptibus funerum, acima

citada, as despesas que se julgaram funerárias usa sempre das expressões – ut funus

ducatur, ut corpus perferretur (§§ 3.º e 4.º. do L. cit.) e acrescenta (§ 6.º) “Hæc actio,

quæ funeraria dicitur, ex bono et æquo oritur: continet autem funeris causa tantum

impensam, non etiam cæterarum sumptum.”

Carecem de apoio as opiniões de Pont (vol. 1.º, n. 73) e Duranton (art. 19, n. 48)

que concedem ao privilégio uma compreensão tão grande ao ponto de abranger despesas

posteriores à inumação do cadáver e que não são substanciais a esta e relativas a outras

pessoas que não o próprio devedor, como os filhos deste.

É certo que no direito civil espanhol o privilégio tem essa compreensão, mas

por força de disposição expressa.

O art. 1.294 do Código Civil concede privilégio sobre os móveis e imóveis do

devedor ou créditos provenientes:

a) Das despesas judiciais e com a administração da massa feitas no interesse

comum dos credores e devidamente autorizadas e aprovadas;

b) Das despesas dos funerais do devedor, segundo o uso dos lugares,

igualmente dos funerais da esposa e dos filhos em seu poder, se não tiverem bens

próprios.

O Código Civil do Chile só concede privilégio às despesas funerárias


necessárias do devedor defunto (art. 2.472, n. 2).

O Código Civil holandês (art. 1.195) confere ao juiz a faculdade de reduzir as

despesas funerárias, quando necessárias.

O Código Civil português manda fixar as despesas fune rárias conforme a

condição do devedor, e o costume da terra (art. 884, n. 1); mas concede privilégio às

despesas feitas com o luto da viúva e dos filhos do falecido, conforme a sua condição

(artigo citado, n. 2).

A disposição do n. 2 do art. 2.332 do Código Civil uruguaio é idêntica à do

Código Civil chileno.

O Código Civil italiano concede privilégio – às despesas fúnebres necessárias

segundo os usos (art. 1.956, n. 2).

Comentando esta disposição Cattaneo e Borda fazem sentir que este privilégio

compreende a despesa com a cera do enterro e com o féretro, o que nunca foi assunto de

dúvida “e refere que a corte de Turim julgou em 8 de outubro de 1866 que as despesas

quando excederem à condição do defunto podem ser reduzidas”;

c) Costuma-se conceder privilégio às dívidas consistentes em os gastos e

despesas com a última enfermidade do devedor insolvável, pagando-as no inventario, por

ocasião da partilha, considerando-se em igualdade de situação esse crédito e o da

despesa com o funeral.

O direito romano parece haver estabelecido essa equiparação na Lei 4.ª Cód. de

petitione hereditatis, ibi: “In restituanda hereditate compensatio ejus habebitur, quod te

in mortui infirmitatam, usque sumptum funeriis bona fide ex proprio tuo patrimonio

erogasse probaveris.”

Alguns escritores do direito português antigo como Valasco (de Partition.,


Cap. 19, n. 40) só concediam privilégio às dívidas provenientes do funeral; outros, como

Corrêa Telles (Liv. 3.º, Cap. 14, seção 3.ª, art. 1.286) reputavam protegidas por hipoteca

privilegiada, as despesas com a última enfermidade do devedor falecido em estado de

insolvência.

O nosso direito comercial (art. 876, n. 1, do Código Comercial, e art. 621 do

Dec. 737, de 1850) concedia, no domínio da legislação de 1850, privilégio às despesas

com a última enfermidade equiparando-as às do funeral; o Dec. 917, de 24.10.1890 (art.

67, letra b) consagrou, revigorando-o, esse privilégio, que devemos ter como subsistente

no foro civil, para o efeito de serem pagas nos inventários tais despesas, em situação e

em graduação igual às do funeral, pois, o Decreto citado de 24.10.1890 as equipara de

modo claro e preciso; na legislação das sociedades anônimas, o mesmo se observa (art.

197, § 1.º, do Dec. 434, de 04.07.1891).

O direito moderno conferiu privilégio às despesas com a última enfermidade do

devedor, desde que ocorressem nos últimos seis meses de sua vida (Código Civil

italiano, art. 1.956, n. 3; Código Civil português, art. 884, n. 3) ou no último ano

(Código Civil espanhol, art. 1.924, letra c) ou que se refiram à moléstia de que faleceu o

devedor (Código Civil holandês, art. 1.195, n. 3; Código Civil uruguaio, art. 2.332, n. 3;

Código Civil chileno, art. 2.472, n. 3).

Estas declarações relativas à época em que foram feitas as despesas tiveram por

fim sustar as dúvidas que haviam suscitado as expressões pouco precisas do art. 2.101,

do Código Civil francês, entendendo alguns comentadores que as despesas da última

enfermidade referiam-se não somente à enfermidade de que faleceu o devedor, mas à

que precedeu à falência ou a insolvabilidade.

Esta inteligência que está de acordo com o relatório de Lelievre, sobre a Lei
belga de 1851, parece procedente, desde que a apuração dos créditos pode dar-se não

somente por ocasião da morte do devedor, mas no juízo da execução em que se torna

patente a sua insolvabilidade ou no juízo da falência (Martou, vol. 2.º, n. 367; Laurent,

vol. 29, n. 361).

Os escritores e a jurisprudência estão de acordo em que as despesas são as que

houverem sido feitas com médicos, cirurgiões e farmacêuticos e todas as diretamente

precisas para o tratamento, inclusive as que forem feitas com duchas, banhos especiais,

alimentação escolhida e extraordinária do enfermo (Laurent, vol. 29, n. 362; Martou,

vol. 2.º, n. 363); mas entendem alguns comentadores do Código Civil que eles só se

referem à moléstia de que faleceu o devedor; era esta a opinião de Pothier que os

redatores do Código Civil francês não tinham motivo para abandonar (Valette, Traité

des privil. et hyp. n. 27).

Como vimos, há códigos que o declaram precisamente; no domínio de tais

disposições não há dúvida; no do Código Civil francês parece- nos que é violentar o

pensamento do legislador e a natureza e o fundamento do privilégio deixar de admiti- lo

quando o devedor escapa da enfermidade, mas se acha insolvável ou falido.

A disposição do art. 67, letra b, do Dec. 917, de 24.10.1890, e a do Código

Comercial deixam patentes que só se tratou de privilegiar as despesas com a moléstia de

que falecera (Código do Comércio) o devedor falido ou insolvável .

Era este o pensamento dos escritores do direito português que reconheciam o

privilégio; a noção passou para o Código Civil português, mas sem a precisa clareza,

pois, faz referência unicamente aos últimos seis meses.

Se alguns escritores franceses como Mourlon (vol. 3.º, n. 1.264) combatem a

doutrina de Valette, outros como Laurent (vol. 29, n. 361, 2.ª alínea) declaram-se
favoráveis a ela;

d) Finalmente um quarto e último privilégio deve ser considerado como

conferido pela nossa legislação: o do crédito por despesas com alimentos do devedor

insolvável ou falido, quando autorizadas no juízo da ação ou no da falência.

O sentido restrito em que deve ser tomada a expressão de alimentos não

permite que se compreenda nela todos os objetos essenciais à vida, além daqueles que os

romanos denominaram cibaria: não é, de conformidade com o que se lê na L. 9.ª Dig.

de alim. et cibar. legat., que se deve entender a expressão alimentos usada no Dec. 917.

Essa lei decidiu que no legado de alimentos compreende-se o sustento, o vestuário e a

habitação, e isto porque, dizia Javoleno, sine his ali corpus non potest : a disposição,

como vemos, só tinha no direito romano aplicação aos legados de alimentos e não aos

alimentos convencionais.

A opinião de Troplong que o privilégio limita-se às despesas com comestíveis

e provisões de boca é combatida por Martou (n. 377), por Mourlon (vol. 3.º, n. 1.263) e

outros, como muito restrita; Mourlon entende que na expressão – subsistances – do art.

2.101, do Código Civil francês, compreendem-se todas as coisas, ainda não

alimentícias, que fazem objeto de consumo diário no casal, e são indispensáveis às

necessidades ordinárias e imediatas da vida, como a lenha, o carvão, as velas, o sabão, e

inclui, no entanto, o vestuário e a habitação.

Martou inclina-se à opinião de Renouard que deixa ao critério do juiz o incluir,

entre os objetos de primeira necessidade, alguns suprimentos módicos de objetos que

não sejam propriamente gêneros alimentícios.

Com a opinião emitida por Mourlon concordam Pont (vol. 1.º, n. 92) e Laurent

(vol. 29, n. 371) e anteriormente a preconizara Duranton (vol. 19, n. 67).


Já fizemos sentir que os privilégios são restritos; Laurent enuncia um conceito

verdadeiro quando diz que eles têm a mais restrita interpretação (vol. 29, n. 371);

como, porém, excluir dos alimentos aqueles objetos que, segundo faz ver Duranton, são

precisos para que os gêneros alimentícios sejam utilizáveis, como a lenha e o carvão?

As roupas devem ser excluídas, segundo o consenso de todos os escritores

franceses; no entanto um julgado da Corte do Sena, citado por Martou, mandou

contemplar no privilégio as despesas com o calçado; e Martou entende que a decisão foi

bem fundada, é o caso de dizer como Laurent (nota 1.ª ao n. 371, do vol. 29) que cada

escritor tem o seu sistema de interpretar a expressão subsistances.

A opinião restrita dos escritores franceses e belgas é fundada em que o Código

Civil e a Lei belga de 1851 só concedem privilégio às despesas com aquilo que se

compreende nas subsistances; se as referidas leis houvessem empregado a expressão

aliments, segundo a melhor opinião o privilégio abrangeria todas as coisas necessárias à

vida, menos o vestuário e a habitação que o próprio direito romano excluía dos

alimentos sempre que a sua prestação era objeto de contrato e não de legado; só nesta

última hipótese vigorava o que estatuía Javoleno na Lei 6.ª D. de aliment. et cibar.

legat. já citada.

No § 12, da Lei 8.ª Dig. de transactionibus estabelecia Ulpiano: “Qui transigit

de alimentis, non videbitur neque de habitatione, neque de vestiário transigisse”: é o que

se deve decidir no nosso direito, quando se tratar de tornar efetivo o privilégio

concedido na letra c do art. 67, do Dec. 917, de 1890.

Segundo o direito francês o privilégio compreende os alimentos prestados à

família do devedor (art. 2.101, n. 5, do Código Civil francês) o Código Civil holandês

(art. 1.195, n. 5) e o italiano (art. 1.956, n. 4) têm disposição idêntica; na família quem
se compreende? Aqueles a quem o devedor deve alimentos (Laurent, vol. 29, n. 372).

Os alimentos concedidos ao falido compreende a família deste, no sentido da

opinião de Laurent; devem, porém, ser autorizados pelo juiz da falência para que o

crédito da prestação dos mesmos seja privilegiado.

O Decreto de 24.10.1890 conferiu ao juiz a apreciação da natureza da despesa

para o efeito de entregar-lhe o privilégio; é um alvitre judicioso.

O privilégio só existe no nosso direito em favor dos negociantes por atacado ou

a retalho que vendem os gêneros, ou ampara o crédito de todo aquele que supre quantias

para a compra de alimentos?

Parece que só pode ser contemplado o terceiro que houver pago a despesa com

os alimentos, provando-se documentalmente o fato; a sub-rogação no crédito é que

autoriza o privilégio; o empréstimo de dinheiro, ainda que houvesse sido a quantia

empregada na aquisição de alimentos, não importa a inclusão no privilégio, salvo o caso

especialíssimo de constar do instrumento do contrato que a quantia foi emprestada para a

compra de alimentos, comprovando-se a sua aplicação documentalmente.

No direito espanhol o art. 1.924, letra e, do Código Civil, resolve algumas das

dúvidas que se agitaram no direito francês e foi redigida a disposição tendo em vista a

doutrina do comentadores.

“O privilégio compreende os adiantamentos e suprimentos feitos ao devedor e

aos membros de sua família, que se acham sob sua autoridade, em comestíveis,

vestuário e calçado durante o último ano”.

O Código Civil português dispõe no art. 884, n. 4 – Concedendo privilégio sobre

todos os móveis do devedor – “Ao crédito para sustento deste, e d‟aquelas pessoas de sua

família a quem tinha o dever de alimentar, relativo aos seis últimos meses”.
O Código Civil do Chile concede igual privilégio “aos artigos necessários à

subsistência fornecida ao devedor e a sua família durante os últimos três meses (art.

2472, n. 5): igual disposição contém o art. 2.332, n. 5, do Código Civil uruguaio, apenas

com diferença de conceder o prazo de um ano e não de três meses.


SEÇÃO 2.ª

DOS ONUS REAES

Art. 6.º Somente se consideram ônus reais:

O penhor agricola;

A servidão;

O uso;

A habitação;

O anticrese;

O usufruto;

O foro;

O legado de prestações ou alimentos expressamente consignado no immovel.

(Dec. 370 de 02.05.1890, art. 238).

190. Depois dos privilégios, que constituem direitos pessoais, e que só têm

prelação sobre a hipoteca – quando assentam no crédito por despesas judiciais feitas

para a execução do imóvel hipotecado, ou por obrigações ao portador (debêntures)

emitidas antes da hipoteca, enumera o art. 6.º os direitos reais, que podem afetar a

hipoteca, quando gravarem o imóvel em que ela assentar.

A expressão ônus reais é equivalente à jura in re aliena; estes são os direitos

reais in specie, isto é, os que afetam a coisa do domínio alheio, e representam os

elementos desagregados deste, que constituem direitos separados do de propriedade e

pertencentes a terceiros (Maynz, vol. 1.º, § 79, p. 622; Ortolan, Generalisação do direito
romano, n. 233).

É de todos conhecida a noção dos direitos reais, corrente no direito romano, e

que o direito moderno aceitou, conquanto não lhe desse aplicação em todos os casos

consagrados naquele direito. Recusando reconhecer o critério característico de

elementos desagregados do domínio em hipóteses, como a da superfície, que o direito

romano considerava perfeito desmembramento da propriedade equiparável ao que se

opera nas servidões, e de tal importância que protegeu a sua posse, posto que derivada,

com um remédio especial – o interdicto de superficiebus – utilizável contra o próprio

dominus (Savigny, Trat. de Posse, § 23); obedeceu o nosso direito moderno a

considerações oriundas da natureza íntima desse direito real, que não parece oferecer

fundada razão de conveniência prática, que não esteja suficientemente atendida na

enfiteuse.

Ao lado da noção jurídica do domínio – formou-se a dos direitos especiais

constituídos pelos diversos elementos dele desagregados (Maynz, Droit romain, vol. 1.º

§ 76; Mackeldey, Inst. de Droit romain, § 239; Accarias, vol. 1.º n. 199; Serafini, § 47;

Ortolan, Inst., vol. 1.º, n. 233) que importam a investidura de faculdades inerentes ao

domínio em pessoa, que não é o proprietário, investidura que tem como condição

substancial não trazer ao adquirente do direito real a posse jurídica e principa l da coisa,

mas apenas uma posse derivada, isto é, alieno nomine, nomine dominis, e excluir de

todo o ponto o animus domini (Savigny, obra e loc. cit.).

191. O desmembramento da propriedade, a desagregação de qualquer dos

elementos fundamentais desta, era tido no direito romano como um consectário do

direito absoluto do homem sobre a coisa, e por isso admitia aquele direito que o
proprietário pudesse destacar do seu direito dominical os elementos que lhe aprouvesse

dispensar, para constituir direitos separados, restritivos do seu; a única limitação que a

tal faculdade opunha o direito clássico era a de não criar esse desmembramento um

estado que colidisse com os princípios fundamentais da propriedade; é isso que explica

no antigo direito romano o desconhecimento da superfície como jus in re aliena: este

direito real só foi reconhecido como tal e deveu a sua incorporação no sistema do direito

civil romano à ação dos pretores.

Compreendendo a superfícies tudo o que se achava sobre o solo o proprietário

deste tinha, como decorrência da acessão, a propriedade sobre quanto na face do solo

existisse; não se compreendia, assim, a constituição de um direito que conferisse sobre a

superfície do solo faculdades que importavam a limitação do direito de propriedade em

uma de suas manifestações mais enérgicas.

O pretor conferiu ao que tivesse adquirido qualquer edifício sobre o solo alheio

um direito de superfície protegido por uma ação útil e por interdito especial, de ambos

dão notícia inúmeros trechos e principalmente as Leis 1.ª e 3.ª Dig. Uti possidetis e as

LL. 1.ª e 2.ª D. de superficiebus; só uma condição era exigida: – que a posse do

superficiário não fosse viciosa – Uti eas ædes, quibus de agitur, nec vi, nec clam, nec

precario alter ab altero possidetis: quo minus ita possideatis vim fieri veto, diz Ulpiano

(L. 1.ª D. Uti possidetis); mais preciso ainda quanto à ação concedida ao superficiário é o

§ 1.º do L. 1.ª D. de superficiebus no qual o mesmo jurisconsulto estatui – qui superficiem

in alieno solo habet, civili actione submissus est: nam si conducerit superficiem, ex

conducto; si emit, empto agere cum dominio soli potest. A ação utilis produziu o mesmo

efeito que a direta; Vinnio torna saliente este fato, que equipara à actio directa – quæ

non alii competit, quam vero rei domino – a utilis actio pretoriana, por meio da qual
eodem omnia obtinet, quæ in directo (Vinnio, Inst. de action. § 1.º, n. 15).

É certo que a ação do pretor foi facilitada porque as concessões de superfície

foram, no sentir dos comentadores e intérpretes do direito romano, muito freqüentes em

Roma desde os mais remotos tempos, principalmente nos terrenos pertencentes à

República e aos municípios; o que parece averiguado é que tais concessões tinham um

caráter transitório, pois eram temporárias e revogáveis.

O interdito de superficiebus foi que imprimiu à superfície um cunho de

estabilidade defendendo-a contra os ataques possíveis e a actio in rem, de que fazem

menção as LL. 1.ª pr. e § 1.º e 3.ª do D. de superficiebus, 73 § 1.º, 74 e 75 de reivind., 86

§ 4.º de legatis e 19 de damno infecto, deu-lhe a consagração de um direito real (jus in re

aliena).

Com justo fundamento diz, pois, Savigny que é somente por uma razão histórica

que a superfície não se compreendia no direito romano entre as servidões (Trat. de

Posse, § 9.º, n. 4).

192. Seja embora esta a noção romana da superfície, o fato é que o nosso

direito, à imitação do direito francês, repudiou a superfície dentre os direitos reais sobre

a coisa alheia, direitos que o art. 6.º do Dec. 169 A, de 1890, denominou ônus reais,

para acentuar o efeito de gravame que deles decorre, quando transcritos no registro

público, quer em referência aos imóveis, que com eles passam ao poder dos terceiros;

quer em referência às hipotecas, por eles afetadas na sua força capital, naquilo que

constitui o fundo e a substância de seu organismo jurídico, o poder de executar o imóvel

para pagar-se por seu preço da importância da dívida garantida; diante dos ônus reais o

direito hipotecário estaca como ante um obstáculo, que não lhe é dado vencer (§ 2.º, do
art. 6.º, do Dec. 169 A, supra transcrito).

Dispondo com precisão que somente se consideram ônus reais, os que

relaciona o art. 6.º, do Dec. 169 A, supra transcrito, excluiu todos os outros direitos

reconhecidos na legislação romana como jus in re aliena e que o nosso direito anterior

aceitara.

Os censos reservativos de que trata o § 3.º do Alvará de 16.01.1773 eram por

muitos escritores, como Cabedo (P. 1.ª Dec. 153) e outros considerados ônus reais,

modo de ver com o qual se conformaram autores modernos, (C. da Rocha, vol. 2.º, §

583; Corrêa Telles, Dig., Liv. 3.º, Tít. 12, Seção 1.ª, art. 1.153); Teixeira de Freitas não

aceitou esta doutrina e opinou (nota 24, ao art. 346, da Consolidação das Leis Civis)

“que a estipulação dos censos não dá direito real ao credor deles sobre o prédio alheio”

verdade incontestável, se se refere ao nosso direito posterior a 1864, asserção, porém,

difícil de justificar em face da inteligência em contrário dada por doutrinadores e

comentadores, que se referem, por sua vez, a casos julgados.

O Sr. Lafayette reconhece que os censos reservativos, perderam a qualidade de

ônus reais, por força do disposto no art. 6.º, da Lei 1.237, de 24.09.1864, e deixaram de

figurar, assim como a superfície, entre os direitos reais (Dir. das Cousas, vol. 1.º, § 1.º,

n. 4, e nota 25), o que significa que o ilustre escritor os considerava ônus reais, no

domínio do direito anterior, opinião sufragada por Valasco de jura emphyt. quest. 32,

Gama, Cabedo e Pinheiro, sendo este o primeiro dos reinícolas que ocupou-se

detidamente do assunto no seu tratado intitulado De censu et emphyteuse.

O legado de prestações, de qualquer espécie, em frutos – ou em dinheiro, ou de

alimentos constitui coisa diversa dos censos reservativos e consignativos: o ônus real

estabelecido na disposição final do art. 6.º não tem aplicação aos censos.
Estes eram objeto de contrato, sendo portanto atos inter vivos, o que aliás se

depreende da natureza dos mesmos.

No censo reservativo a reserva consistia em uma porção de frutos dada em

natureza, ou em dinheiro, segundo o valor estimado no contrato, constituindo esta

prestação verdadeira pensão; no censo consignativo a prestação de uma quota

determinada dos frutos é compensativa da quantia de dinheiro que foi emprestada ao

senhor do prédio.

O legado de prestação de alimentos consignado no imóvel pertencente à

sucessão é o caso previsto nas Leis 17 § 1.º e 21 do Digesto de annuis legatis et fidei

communis e no L. 13 D. de Tritico vino, etc.

O nosso direito aceitou-o como um ônus tão gravoso que o imóvel ficava

obrigado à prestação ainda quando passasse ao poder de terceiro, o que aliás a Lei 21 D.

de annuis legatis já havia estabelecido, dando assim a tal onus, imposto ao legado do

imóvel, o cunho de um verdadeiro direito real. Eis o caso como o figurou Scoevola no

fragmento citado:

“Liberto suo ita legavit: Praestari volo Philoni, usque dum vivet,

quinquagesimam omnis reditus, quae praediis a coloniis vel emptoribus fructus ex

consuetudine domus meae praestantur: haeredes praedia vendiderunt, ex quorum reditu

quinquagesima relicto est. Quaesítum est an pretíi usurae quae ex consuetudine in

provincia praestarentur, quinquagesima debeatur? – Respondit, reditus duntaxat

quinquagesimos legatos licet paedia venditae sunt”.

O moderno Código Civil alemão consagrou o direito real fundado nos censos

consignativos.

A estrutura desses onus reaes (charges réelles) não é a dos censos


consignativos do direito português de que rezam os Alvarás de 13.12.1614, de

14.10.1641, de 12.10.1643, de 23.05.1678, de 15.09.1766, de 16.01.1773 e de

15.07.1779.

Estes eram verdadeiros mútuos, pagando-se o juro, não em dinheiro, o que

dava ao contrato a feição de estipulação usuraria condenada pelas leis canônicas, mas

em frutos; não parecendo ainda assaz segura esta modalidade dissimulada do contrato,

ajeitou-se ele sob a forma de uma compra e venda com cláusula ou pacto de retro, para

garantia do proprietário que podia a todo o tempo reaver o imóvel.

O Código Civil alemão permite que um imóvel seja gravado de modo que

devam ser pagos por sua renda prestações periódicas àquele em cujo proveito se

estabelece o onus (art. 1.105), podendo ser constituído o onus real, em proveito do

proprietário de outro imóvel. As prestações podem ser em dinheiro, em frutos, em

servidões, em dízimos etc (Nota 1.ª de Meulenaere ao cit. art. 1.105).

O que imprime um cunho acentuado de originalidade nestes onus reaes é que

eles só podem gravar uma parte do imóvel, quando essa parte constituir uma porção

divisa de condomínio; que o proprietário responde pelas prestações, durante o seu

domínio, ainda pessoalmente, e os condôminos respondem solidariamente pelas

prestações no caso de estar o imóvel dividido (arts. 1.106 e 1.108). Na hipótese de

divisão do prédio dominante, o onus real subsiste em proveito de cada uma das partes

do mesmo (art. 1.109), licet prædia vendita sunt. É o preceito que domina no nosso

direito.

Não tem importância entre nós a questão largamente debatida, ainda

modernamente, se é lícito ao proprietário constituir sobre o objeto de seu domínio

outros onus reaes (jura in re aliena) além dos mencionados.


O art. 543 do Código Civil francês não contém disposição limitativa do direito

de estipular em contratos quaisquer direitos reais, e as disposições dos arts. 544 e 686

não afetaram o poder de dispor da coisa (jus abutendi); as expressões do art. 686, que

somente vedam a constituição de servidões contrarias à ordem pública, é confirmativa

da faculdade absoluta conferida ao proprietário.

A opinião restritiva de Demolombe (vol. 9.º, n. 519) é com vantagem

impugnada por Laurent (vol. 6.º, n. 84).

O ponto é líquido entre nós; somente se consideram onus reaes, isto é, direitos

reais sobre o imóvel alheio, os que são mencionados no art. 6.º.

§ 1.º Os outros ônus que os proprietários impuseram aos prédios, se haverão

como pessoaes, e não podem prejudicar os credores hipotecários.

193. Este preceito, corroborando a disposição anterior põe termo a todas as

dúvidas.

Quaisquer direitos limitativos das faculdades inerentes ao domínio pactuado

com o proprietário não constituem direitos reais, não são entre nós compreensíveis entre

os jura in re aliena; constituirão o que na linguagem dos intérpretes se denominava jus

ad rem ou jus in personam (Maynz, Observ. 1.ª ao § 76), isto é, direito somente mediato

e indiretamente capaz de afetar a coisa, e ainda assim fazendo-o como realização final

de um nexo obrigacional.

As expressões – e não podem prejudicar os credores hipotecários – devem ser

entendidos em sua complexa significação:

a) como a afirmação de que os onus reaes afetam os direitos do credor


hipotecário – o que aliás confirma a disposição do § 2.º, do art. 6.º, e decorre na

natureza de tais onus.

O credor hipotecário não poderá executar o imóvel hipotecário sempre que

tiver o mesmo gravado de um direito real devidamente constituído e transcrito no

registro geral; por isso dissemos que os direitos reais opõem ao direito hipotecário

obstáculo insuperável, quando ele procura tornar-se efetivo por meio da excussão da

hipoteca;

b) As referidas expressões do § 1.º contém além dessa afirmação, a

confirmação do que dispôs o art. 5.º, do Dec. 169 A, que os direitos pessoais, ainda no

caso de envolverem privilégio pela natureza dos créditos em que assentam, não podem

prejudicar os credores hipotecários; esta regra geral tem como exceções as que se

mencionam nos números 1 e 2 do § 1.º, do art. 5.º, e com os quais já nos ocupamos

anteriormente.

Convém notar, pois, que os onus que os proprietários impuserem aos seus

imóveis – não sendo do número dos relacionados no art. 6.º – não podem afetar a

hipoteca, ainda quando o oficial do registro os admita à transcrição, porque não são

direitos reais na coisa alheia, mas direitos pessoais do credor contra o proprietário.

A disposição tem grande alcance em referência, principalmente à superfície,

por ser o direito real ainda de uso moderno; os censos consignativos e reservativos não

têm mais razão de ser desde que os princípios do direito canônico que vedaram a usura,

e cuja severidade os censos propunham-se contornar, carecem de aplicação, entre nós,

depois que a estipulação dos juros foi permitida na Lei de 24.10.1832 com a mais ampla

liberdade.
§ 2.º Os referidos ônus reais não podem ser opostos aos credores hipotecários,

se os títulos respectivos não tiverem sido transcritos antes das hipotecas.

194. A transcrição dos ônus reais no registro geral é a condição substancial

para a validade dos mesmos contra os terceiros; antes dela não podem ser opostos,

conseguintemente, aos credores hipotecários, que são terceiros para os estipulantes da

constituição dos direitos reais (art. 8.º, do Dec. 169 A, de 1890, e art. 241, do Dec. 370,

de 2 de maio do mesmo ano).

O fato de haverem sido os direitos reais estabelecidos antes da hipoteca não

influi na ação dos mesmos sobre os direitos decorrentes, para o credor hipotecário, da

constituição da hipoteca.

Como o registro é o instrumento de publicidade dos onus reaes e dele faz a lei

dimanar seus efeitos em referência aos terceiros, é muito natural que tais efeitos

perdurem enquanto o registro contiver a menção dos referidos ônus; o cancelamento da

transcrição é o meio único de destruir a ação dos direitos reais registrados: o preceito

que o art. 227, do Dec. 370, de 02.05.1890, estabelece em referência ao cancelamento

da hipoteca prevalece para o dos onus reaes; enquanto ela não se der a transcrição atesta

a existência dos onus reaes e dá-lhes força contra terceiros, ainda, que por qualquer

modo se possa provar que estão extintos: tal prova deve servir de assento para obter-se o

cancelamento, para o efeito de liberar o imóvel ela é de todo o ponto ineficaz. [trecho

confuso]

Esta noção está consagrada na doutrina moderna (Pacifici Mazzoni, Instituzioni

di Diritto Civile, vol. 3.º, n. 411; Chironi, vol. 1.º, § 230; Martou, vol. 3.º, n. 1.179 e

seguinres) com assento nos verdadeiros princípios, que parece haver desconhecido o
legislador de 1890 quando faz depender da apresentação da certidão do cancelamento da

inscrição a extinção da hipoteca, ainda em relação às partes contratantes, o que importa

a asserção de que tal cancelamento acarreta a extinção da hipoteca, o que é de todo o

ponto inexato.

Segundo os verdadeiros princípios o cancelamento da inscrição não importa

extinção da hipoteca, e o credor hipotecário não pago pode renovar a inscrição, o que

não poderia ter lugar se à permanência da inscrição, que é apenas a publicidade da

hipoteca, se ligasse a vida desta, a sua perduração como direito real, o que tem aplicação

aos outros onus reaes.

O § 6.º, do art. 11, do Dec. 169 A, de 1890, parece fazer subsistir a hipoteca

anulada por meio de sentença passada em julgado por qualquer dos fundamentos dos §§

1.º a 5.º, desde que não se junte certidão da averbação do cancelamento.

O pensamento é outro.

A referida certidão é o meio de prova; não é o cancelamento que extingue a

hipoteca; ele suprime apenas a inscrição e esta nada mais é do que o veículo da

publicidade do ônus real, a qual, tornando este conhecido dos terceiros e dos credores

hipotecários, imprime ao ônus real o efeito que lhes dão os §§ 1.º e 2.º, do art. 6.º, do

Dec. 169 A, de 1890.

Assim como o fato de não ter sido inscrito o ônus real não afeta a situação

jurídica por ele criada entre as partes contratantes, do mesmo modo o não cancelamento

da inscrição nenhuma ação tem sobre essa situação.

O onus real subsiste entre as partes contratantes quer seja ou não inscrito, e,

dada a inscrição, quer seja ou não cancelada esta; assim como a inscrição só tem efeito

para com os terceiros, o cancelamento só aos mesmos afeta e interessa.


À transcrição dos onus reaes liga o § 2.º, do art. 6.º, do Dec. 169 A, de 1890, o

efeito de impedir a excussão da hipoteca.

Salvo na hipoteca do penhor agrícola em que o efeito do onus real consiste em

preferência do credor pignoratício a ser pago pelo produto do imóvel, nos outros casos o

onus real opõe verdadeiro obstáculo à execução do imóvel; do contrário a servidão, o

uso, a habitação, a anticrese, o usufruto, o juro e a prestação de alimentos ficariam

anulados.

§ 3.º Os ônus reais passam com o imóvel para o domínio do comprador ou

sucessor.

195. A disposição supra consagra um consectário jurídico dos direitos reais e

ainda quando não tivesse sido expresso no dispositivo da lei que estes passam com a

coisa para o poder do terceiro adquirente, por qualquer título, agravação acompanharia o

imóvel como um direito alegável erga omnes.

“Afetar o objeto da propriedade sem consideração a pessoa alguma, seguí- lo

incessantemente em poder de todo e qualquer possuidor, eis o efeito constante do direito

real, eis seu caráter distintivo” (Teixeira de Freitas, Consolid. das Leis Civis, Introd., p.

LXX).

“O que é um direito que da pessoa recai sobre a coisa por uma afetação direta e

incessante, que segue esta coisa de mão em mão, que sob revive às alienações, e às

mudanças de proprietários?

“Será um desconhecido em jurisprudência? Não. Os jurisconsultos de todos os

tempos o tem chamado direito real.” (M. Troplong, Droit Civ. Expliqué – Louage, n. 5).
O direito de seqüela é a manifestação enérgica do direito real, quer este assente

in re propria (domínio) quer, como desmembramento da propriedade, tenha assento in

re aliena.

A noção da estrutura íntima do direito real acentuou Vinnio quando

caracterizou a in rem actio: “per mille manus ambulare possit, accidit quoque, ut actio

in rem non semper adversus eumdem locum habeat, sed adversum quemcumque qui pro

tempore agitur, rem possidet.” (De action – Tít. 6.º, do Liv. 4.º, da Inst., n. 10).

Esta noção (Maynz, vol. 1.º § 79; Van Wetter, vol. 1.º, § 161; Accarias, vol.

1.º, n. 199) não é a da época clássica do direito romano; então não só o jus in re não era

a expressão do direito de propriedade, mas antes o de um direito real em conflito com

aquele, como faz notar Maynz, em face dos fragmentos 19 pr. D. de damno infecto; 30

D. de noxal act. e 71 § 5.º D. de legatis; como ainda a expressão jura in re aliena,

inteiramente moderna (Mackeldey, Droit romain, § 239), não tinha como

correspondente senão a de jus in re – “sive aliquod in ea res jus habeant, qualia est

creditor, et fructuarius et superficiarius, etc.” (Gaio – L. 19 D. de damno infecto).

O direito moderno aplicou aos desmembramentos do domínio os princípios que

o direito romano havia consagrado ao jus in re e o fracionamento do domínio, em os

elementos do jus utendi e fruendi, presidio à constituição dos principais direitos sobre a

coisa alheia, que gravam esta, limitando o direito do proprietário, ainda quanto ao jus

abutendi. [este parágrafo tem alguma coisa estranha]

Por outro lado no cerceamento das faculdades dominicais o direito moderno

estabelece gradações na intensidade do direito conferido sobre a coisa alheia e segundo

a melhor opinião o direito que tem por fim a garantia de um direito creditório, não

visando propriamente a coisa em sua essência, mas no valor, no produto da sua


alienação, não se confunde com o jus in re que assenta sobre qualquer dos elementos

substanciais do domínio; são, como diz Demolombe, direitos reais acessórios (vol. 9.º,

n. 472) ou como dizem Ortolan (Inst., vol. 1.º, Generalisação do direito romano, n. 234)

e Chironi (Diritto Civile, vol. 1.º, § 112), direitos que consagram, como a hipoteca,

simples garantias em prol de direitos pessoais.

§ 4.º Ficam salvos, independentemente de transcrição e inscrição, e

considerados como ônus reais, a décima e outros impostos respectivos ou imóveis.

196. O intuito desta disposição é garantir a arrecadação dos impostos lançados

sobre os bens imóveis.

Desde que tais títulos constituem onus reaes passam com os imóveis a eles

sujeitos para o poder dos terceiros adquirentes, os quais ou pagarão ou ficarão sujeitos

ao processo executivo, para cobrança judicial.

Independendo de transcrição e inscrição para valerem contra terceiros podem

os impostos ser cobrados do produto dos próprios imóveis hipotecados, antes de paga a

importância da dívida hipotecária.

E se a dívida pelos impostos for posterior à dívida hipotecaria?

Ainda assim.

Se o efeito da dispensa de inscrição não for dar prelação em absoluto, ficará

reduzida a sua ação à da seqüela; assim deverá ser perante os princípios: o que

significam porém, as expressões – ficam salvos – usados no § 4.º supra?

Se não tem por fim garantir a exação dos impostos, objeto de interesse público

geral, ainda no conflito contra o interesse da ordem privada, representado na prelação e

na seqüela hipotecária, não tem tais expressões sentido apreciável; são de todo o ponto
inúteis na redação da citada disposição.

Esta disposição, que já existia na Lei 1.237, de 24.09.1864, (art. 6.º, § 4.º), foi

transportado para o § 1.º, do art. 27, do Dec. 5.581, de 03.03.1874, e art. 70, do recente

Dec. 2.800, de 19.01.1898, que regulou a arrecadação do imposto de transmissão de

propriedade no Distrito Federal de acordo com o n. 55, do art. 1.º, da Lei 489, de

15.12.1897; foi ela igualmente consagrada no regulamento expedido, para a exação do

imposto predial, pelo Dec. 7.051, de 18.10.1878 (art. 32).

A legislação anterior a 1864 conferiu hipoteca legal à Fazenda Nacional, pela

importância do imposto da décima, sobre o imóvel a ela sujeito (art. 21, § 2.º, do Dec.

152, de 16.04.1842), medida que na reorganização do regime hipotecário em 1864, foi

substituída pela de constituir ônus real o referido imposto.

É a que consagrou a legislação de 1890 no artigo supra do Dec. 169 A, de

1890, e no art. 242, do Dec. 370, de 2 de maio do mesmo ano.

§ 5.º A disposição do § 2.º só compreende os ônus reais instituídos por atos

inter vivos assim como as servidões adquiridas por prescrição, sendo a transcrição neste

caso por meio de justificação julgada por sentença ou qualquer outro ato judicial

declaratório.

197. Esta disposição tem uma redação viciosa.

Parece que ela pretende estabelecer que só as servidões adquiridas por

prescrição incidem sob o preceito do § 2.º, do art. 6.º, e que as constituídas por qualquer

outro ato inter vivos não estão sujeitos à transcrição para valerem contra terceiros e

contra credores hipotecários, o que não é exato.


A disposição do § 5.º supra contém duas partes.

Na primeira estabelece-se que só os onus reaes instituídos por atos inter vivos

são sujeitos à transcrição, não o sendo os instituídos por atos de última vontade; é

aplicar aos onus reaes o preceito que regula as transmissões de imóveis, os quais só

serão sujeitos à transcrição quando operada por atos inter vivos, sendo expressamente

isentos os efetuados por atos causa mortis (art. 237, do Dec. 370, de 02.05.1890).

As servidões que forem constituídas por atos inter vivos devem ser sujeitas a

transcrição (art. 241, do Dec. 370, de 02.05.1890) e só dessa data começam a valer;

quando o reconhecimento da servidão fundar-se em prescrição a transcrição deve ter

lugar, e a segunda parte do § 5.º, do art. 6.º, do Dec. 169 A, de 1890, estabeleceu modo

de operar-se a transcrição: a justificação julgada por sentença ou qualquer ato judicial

declaratório.

198. O art. 249, do Dec. 370, de 02.05.1890, torna preciso o pensamento; ele

ordena que a transcrição das mais servidões adquiridas por prescrição tenha lugar

mediante sentença proferida em ação confessória, ou em interdito possessório.

A disposição do Decreto de 2 de maio parece querer suprimir a justificação,

como meio de reconhecer a servidão e dar como meio único a ação confessória; parece-

nos, porém, que deve-se considerar a sentença proferida em justificação um modo de

instituir a servidão (Servidões Reaes, n. 39).

As servidões são objeto de quase-posse; esta leva à prescrição ordinária, desde

que seja acompanhada de justo título e boa- fé (Servidões Reaes, n. 36), ou à

extraordinária pelo prazo de longo tempo ou pelo tempo imemorial.


TÍTULO III

Do Registro Geral

O registro geral compreende:

A transcrição dos títulos da transmissão dos imóveis suscetíveis de hipoteca e a

instituição dos ônus reais;

A inscrição das hipotecas (art. 7.º, do Dec. 169 A).

199. Se é certo que a perfeição do regime hipotecário depende da boa

coordenação do registro da circulação da propriedade imobiliária, não o é menos que o

aparelho desse registro deve servir para alguma coisa mais do que para publicar as

transferências do domínio dos imóveis que podem ser objeto da hipoteca.

A eficiência do registro será tanto maior quanto mais exata for a atestação do

direito dominical fornecido pela última transcrição.

Se para comprar com segurança faz-se preciso ter um meio de certificar-se de

que a pessoa que vende é proprietária da coisa (Laurent, vol. 29, n. 7), como pretender

atingir esse fim por meio de um aparelho registral que apenas consegue indicar o último

adquirente do imóvel, deixando pendente de verificação judicial posterior a efetividade

do direito dominical deste.

Se o último registro do título de translação do imóvel não induz a prova do

domínio deste é falha a garantia que oferece o mecanismo de publicidade; desde que o

credor tem de provar o direito de propriedade do devedor para dar seguro assento à sua

hipoteca, a publicação da aquisição do imóvel de bem pouco proveito lhe é.

Se não basta, para a validade da hipoteca, que o credor tenha títulos, mas faz-se
preciso que estes provenham do verdadeiro proprietário (Laurent, loc. cit.) o que adianta

a publicação solene de uma translação do imóvel a non domino?

Que segurança oferece ao regime hipotecário um mecanismo registral que pode

proporcionar indicações de domínio eivadas de vício originário e iludir os intuitos da

hipoteca, pondo ao seu alcance imóveis sujeitos à reivindicação?

Nem se diga que no regime de publicidade aceito, nenhum valor tem, segundo

a melhor opinião (Lafayette, Dir. das Cousas, nota 2, ao § 48), quer entre as partes

contratantes, quer erga tertios a translação de domínio não inscrita e que por outro lado,

como decorrência natural do princípio, para o credor hipotecário o proprietário é o

declarado na transcrição.

Contra esta doutrina está a disposição expressa do § 4.º, do art. 8.º, do Dec. 169

A, de 1890, quando declara que a transcrição não induz prova do domínio, disposição

reproduzida no art. 235, do Dec. 370, de 2 de maio do mesmo ano, que no art. 234

declara a transferência do imóvel válida entre as partes, até à transcrição; além do que se

estatui no § 6.º, do art. 2.º, do Dec. 169 A, de 1890, que torna possível a hipoteca a non

domino, validada pelo domínio superveniente e exposta, enquanto tal superveniência

não ocorrer, à anulação, apesar de inscrita a transferência que entre os efeitos erga

tertios não produz o de impedir a reivindicação, a qual assiste a quem provar o domínio.

É, pois, incontestável que se a transcrição do título de transferência de domínio

não produzir, como efeito, a declaração legal da propriedade em favor do adquirente

inscrito:

a) o credor hipotecário não encontrará na transcrição base segura para aquilatar

da garantia real sobre a qual contratou;

b) desde que a transcrição não purga os vícios da aquisição, a propriedade do


adquirente, que não houver pago o preço da venda, sendo rescindível a despeito da

transcrição, esta servirá apenas para induzir em erro o capitalista, que acabará por evitar

a aplicação de capitais à hipoteca, e o resultado do mecanismo hipotecário engendrado,

será negativo, ainda mais, será prejudicial ao crédito territorial.

Destes princípios decorre que só oferece assento seguro ao regime hipotecário

o mecanismo do registro em que:

a) a transcrição for a expressão não da publicidade da transferência dos

imóveis, com os vícios e defeitos inerentes a estes, mas o registro do verdadeiro estado

do imóvel em referência ao seu proprietário;

b) se prevalecer para tal efeito não somente com referência aos terceiros, mas

às próprias partes contratantes.

200. Não é este, porém, o mecanismo adotado pelos atos de 1890, e sim o

mesmo da Lei de 24.09.1864 e do Decreto de 26.04.1865.

O registro geral é, entre nós, o veículo da publicidade das mutações da

propriedade imobiliária e das hipotecas e ônus reais de que a mesma pode ser gravada.

A transcrição publica a transmissão dos imóveis susceptíveis de hipoteca e os

ônus reais, e a inscrição as hipotecas constituídas sobre os referidos imóveis.

Não há propriamente um critério de diferenciação entre a transcrição e a

inscrição; em sua estrutura material e mecânica são os dois atos idênticos e nem

oferecem o ponto de distinção, que tem no direito francês e no belga onde a transcrição

consiste na transportação integral do título para o registro (Marcadé, vol. 3.º, n. 657;

Troplong, Priv. e Hyp., Introdução, p. 39; Martou, vol. 1.º, n. 47; Laurent, vol. 29, n. 32;

Thiry, vol. 4.º, n. 329; Arntz, vol. 4.º, n. 1.365); ao passo que a inscrição, ato mais
delicado e que demanda grande cuidado e escrúpulo em sua confecção, consiste na

inserção do substrato das circunstâncias capitais, cuja enunciação deve ser resumida,

mas cautelosamente feita (Troplong, Priv. e Hyp., vol. 1.º, p. 39; Martou, vol. 3.º, n.

1.060; Laurent, vol. 29, ns. 221 e 222; Arntz, vol. 4.º, n. 1.819, 1.822 e 1.827; Thiry,

vol. 4.º, n. 521).

No nosso direito um e outro ato operam-se por extrato e somente a transcrição

tem lugar por cópia integral do título quando a parte interessada requer que ela se faça

verbo ad verbum (§ 3.º do art. 8.º, do Dec. 169 A, de 19.01.1890).

201. O art. 7.º supra oferece os lineamentos do mecanismo de publicidade

adotado na organização hipotecária que o Dec. 169 A, tratou de modelar.

Como esse aparelho de publicidade consta de duas peças capitais – a

transcrição e a inscrição – sobre as quais assenta toda a estrutura do regime hipotecário,

convém conhecê- los em sua origem histórica, em seu desenvolvimento progressivo e

em sua ação atual como fatores da garantia hipotecária.

As solenidades de que no direito romano clássico revestiam-se os atos

translativos do domínio a mancipatio e a in jure cessio não podiam deixar de visar o fim

de tornar públicos, patentes a todos, a transmissão dos direitos reais, do domínio

quiritário, a expressão mais enérgica do direito real sobre as res mancipi e o domínio

pretoriano das res nec mancipi.

Se com o decurso dos tempos e sob a influência dos pretores a traditio passou a

constituir a propria alienatio rerum nec mancipi, em substituição à in jure cessio, não

foi senão porque o processo simplificado da traditio não afetava a publicidade da

transferência, antes tornava-a mais precisa com o fato material da posse por parte do
adquirente, fato que envolvia em si a presunção de uma justa causa de transferência:

rerum nec mancipi dominia traditione ad prehendemus, scilicet si ex justa causa tradita

sint nobis.

A mancipatio cercava-se de um aparato, que não somente encontrava seu

fundamento no amor do cerimonial que tanto se revela nos menores atos do povo

romano, mas ainda no intento claro de tornar conhecida de todos a alienação do domínio

que se operava.

As cinco testemunhas, que por ficção representavam as cinco classes em que

Serviu Tullio dividira a nação, classici testes, presididas essas testemunhas pelo

antestatus; o libripens, segurando a balança, onde era colocada a moeda, que nos

últimos tempos substituiu a barra de bronze das épocas primitivas, as palavras

sacramentais que referem Gaio e Valerio Maximo, tudo isto não tinha por fim a

observância de um simples aparato de solenidade, mas sim a publicação da translação

da res mancipi do poder de um para outro proprietário.

Tinha, pois, razão Teixeira de Freitas (Introdução à Consolid. das Leis, p. 185)

quando dizia que a traditio tinha como fim, no direito romano, prover a necessidade de

uma advertência sobre as mutações da propriedade.

O mesmo se pode dizer do processo formal da in jure cessio em o qual o

adquirente figurava de reivindicante e o pretor conferia-lhe a propriedade nessa

qualidade (Gaio, Instít., Comment. 2.º, § 24; Ulpiano, Frag. Tít. 19, ns. 9 e 10).

A traditio, que exigia a presença de pessoas capazes de transferir e de adquirir

a propriedade (L. 20 princ. D. de adquir. rerum domin; LL. 11 e 54, D. de regulis juris;

L. 6 Cod. de rebus alienis non alienandis), importava a tomada da posse por parte do

adquirente com o consentimento do transferente; era um modo de imissão na posse, que


às vezes não tinha solenidade, como na brevi manu traditio (L. 43 § 1.º D. de juri

dotium e L. 79 D. de salut.) e no constitutum possessorium (L. 77 D. de rei vindicta; L.

18, D. de adquir. possess.), mas constituía efetiva entrega da coisa no pensamento de

transferir e adquirir o domínio (L. 55, D. de obl. et act., L. 15, § 2.º, D. de contrat.

empt.; L. 42, § 2.º, D. de adq. rerum dominium.)

No antigo direito português (Ord. do Liv. 3.º, Tít. 59 e Alvará de 30.10.1793) a

exigência do comparecimento do tabelião para intervir nas transferências do domínio

dos imóveis de valor superior a 800$000, sob pena de não poderem tais transferências

ser provadas contra terceiros e entre as próprias partes contratantes, não era senão a

consagração da publicidade de tais atos, pois tanto significava proibir que eles se

realizassem por meio de escritos particulares, que podiam ser conservados ocultos nas

mãos dos adquirentes e mandar que fossem lavrados em livros públicos de notas dos

quais a todo o tempo é facultada a expedição de traslados e certidões.

Quando posteriormente a transferência dos bens de raiz, de valor superior a

200$000, não pode ter lugar, sob pena de nulidade, senão por escritura pública (Lei 840,

de 15.09.1855, art. 11, parágrafo único, do art. 2.º, do Decreto Legislativo 79, de

23.08.1892) a inserção do ato no livro das notas era ainda uma ampliação da

publicidade das translações do domínio imobiliário.

O projeto de lei hipotecária oferecido em 1854 pelo Conselhe iro José Thomaz

Nabuco de Araujo foi que primeiro consagrou a publicidade dos atos translativos do

domínio dos imóveis.

O fato de ser a publicidade destinada apenas a advertir os mutuantes e

adquirentes de que o proprietário atual do imóvel não fizera hipo teca ou alienação

anterior à transcrição e à inscrição, sugerira à Comissão do Senado, ao emitir parecer


sobre a proposta da Câmara em que se convertera o projeto Nabuco, as seguintes

reflexões:

“Reduz-se o registro a uma formalidade externa do contrato, incômoda,

dispendiosa e talvez desnecessária entre nós, onde se pode chegar a resultado

semelhante consultando os cartórios das escrituras, que hoje são essenciais nas

transmissões dos imóveis e principalmente os registros fiscais, dos quais deve constar o

pagamento dos impostos inerentes aos atos da alienação, que só assim tem valor

jurídico.”

“Bastaria que o governo regulasse e concentrasse esses cartórios e registros

fiscais nos lugares da situação dos imóveis para que o conhecimento e publicidade de

tais atos ficassem ao alcance dos interessados.”

A Lei de 24.09.1864 não obedeceu à orientação da Câmara dos Senadores em

matéria de publicidade, sem dúvida por importar ela a consagração do regime anterior,

que não destacava o ato da publicação da translação do imóvel, do que era substancial

da transferência, o que prejudicava o mecanismo da publicidade, que deve consistir em

um registro, do qual possa fielmente obter certidões e esclarecimentos todo o

interessado, o que não se dá em referência aos livros de notas dos tabeliães.

O aparelho de publicidade deve ser confeccionado de modo a proporcionar

esclarecimentos:

a) em relação ao direito de propriedade do devedor sobre o imóvel;

b) em referência à garantia que pode oferecer o imóvel transcrito, por estar

livre de hipotecas e encargos reais de qualquer espécie, na época do contrato.

O Dec. 169 A, de 1890, propôs-se a alcançar estes dois requisitos com a

publicidade constante do registro geral estabelecido no art. 7.º e desenvolvido, nos seus
elementos constitutivos, nos arts. 8.º e 9.º. Vingou ainda na legislação de 1890 o

pensamento do projeto Nabuco de 1854, consagrado na Lei Hipotecária de 1864 apesar

dos esforços empregados na Câmara dos Deputados para que o registro da translação da

propriedade imobiliária apresentasse a situação dominical da mesma.

“A transcrição, dizia em seu parecer a comissão da Câmara dos Deputados,

deve importar a prova da propriedade.”

No mesmo sentido opinara a Comissão do Senado e, mau grado este acordo de

vistas das duas comissões, não vingou o mecanismo de publicidade alemão e o registro

das transferências dos imóveis permaneceu como o instrumento de publicação e não

como registro da situação jurídica da propriedade imobiliária.

O sistema adotado é, ainda assim, de profícuos resultados; não somente a

publicidade da circulação dos imóveis oferece elementos de segurança às hipotecas,

como ainda a publicidade destas, por meio da inscrição, é elemento de eficiência das

mesmas.

Como e porque o domínio das idéias já correntes em 1890 e q ue

impulsionaram o crédito territorial ao ponto de oferecer- lhe a base segura de um registro

definitivo da propriedade imobiliária, com sua situação jurídica apurada (Dec. 955 A, de

05.11.1890) repeliu- se o regime germânico, que não se julgou inaplicável sobre a feição

do Registro Torrens, tão facultativo quanto o registro hipotecário? (arts. 59 e 60, do

Dec. 955 A, de 05.11.1890).

Dir-se- ia que a lição de Teixeira de Freitas atuara tanto nos espíritos que

arredava-os, ainda em 1890, de uma inovação que em 1857 este reputava perigosa, ao

passo que via no regime aceito pelo projeto, e consagrado na Lei de 1864, um sistema

que “se não purifica a propriedade, pelo menos a expõe à luz da publicidade no estado
em que se acha, preenche completamente o fim da tradição, separa os direitos reais dos

pessoais e impede estelionato, isto é, as fraudes das alienações e hipotecas duplicadas,

da alienação do que já está alienado; e da alienação e hipotecas de imóveis como livres,

quando já estão onerados de direitos reais, além de outros enganos no mesmo sentido”.

(Consolidação das Leis Civis, Introdução, p. 210 a 211, da 3.ª edição).

O sigilo que no direito romano presidia a constituição da hipoteca e ainda

observado no mecanismo hipotecário da Lei portuguesa de 20.06.1774, não passou à

organização hipotecária moderna, assim como a publicidade das transferências do

domínio operado pela tradição foi substituída pela transcrição.

202. Não é sem oportunidade fazer um ligeiro esboço do aparelho de

publicidade das legislações mais salientes dos países estrangeiros.

Se não pode ser posto em dúvida que o direito costumeiro do norte da França e

de toda a Bélgica, oriundo dos costumes germânicos, fonte das instituições jurídicas

feudais, não reconhecia nas transferências do domínio a deslocação do direito real do

transmitente para o adquirente sem a investidura deste na posse da coisa; se a dessaisine

e a saisine em que consistiam os deveres da lei, importavam, como o nantis semen ou a

réalisation uma tradição solene coram judice; se o nantissement é, como diz Laurent,

em fundo idêntico à transcrição do direito moderno, diferenciando-se apenas as formas

judiciais de um das administrativas da outra, nem por isso há fundamento para afirmar

que o nantissement não tendia ao mesmo fim que a traditio romana, por visar o interesse

dos terceiros na translação do domínio, ao passo que esta só visava o das partes

interessadas.

A entender-se que no direito romano a traditio tinha por fim único a


deslocação material da coisa do poder do transferente para o do adquirente é força

convir, que não passava de um formalismo inútil, como o disse Teixeira de Freitas

(Consolid. das Leis, Introdução, p. 184 a 185, 3.ª edição), porque a imissão da posse da

re vendita não dependia dessa deslocação; ela não tinha lugar em relação aos imóveis,

cuja tradição operava-se, mesmo estando estes fora da presença dos contratantes (Ulp.

frag. 19, § 6.º).

A traditio era também, já o dissemos, um meio de publicidade da translação do

domínio; meio imperfeito, é certo, porque autorizava dúvidas futuras, não sendo

registrada em documentos permanentes, e abria largas à discussão sobre o seu objetivo e

intuito, atribuindo-se a estes não transferir o domínio, mas proporcionar a detenção da

coisa a simples título precário.

O exame despreocupado do elemento histórico da traditio leva a convicção de

que por meio desta procurava-se dar uma revelação pública da transferência do domínio

e não somente realizar a entrega material da coisa; ela visava tanto a situação dos

terceiros como a das partes contratantes; àqueles interessava sobre modo o

conhecimento da razão da traditio; estes, que bem a conheciam, reputavam- na feita

ainda quando a deslocação material não se dava, como no constitutum possessorium.

Carece, pois, de fundamento a asserção por demais absoluta de Laurent que a

traditio não visava a publicidade da transferência do domínio.

O asserto de Merlin que o nantissement e a traditio importavam a consagração

do princípio, que a translação do domínio não se operava por força do contrato mas

dependia da entrega da coisa, é a afirmação de um fato histórico e de um princípio

jurídico, que o Código Civil francês abandonou, fato histórico que a noção do vest e

devest confirma, princípio jurídico que tende a restabelecer-se no direito escrito


moderno.

A Lei francesa de 19.09.1790 (art. 3.º) declarando abolidas as formalidades da

saisine, dessaisine, vest, devest, reconnaissance echevinal, mise de fait, main-assise,

plainte à la loi e todos os que se prendiam ao nantissement e mandando substituir tais

formalidades pela transcrição, expressão pela primeira vez usada então, não fazia mais

do que repelir as expressões feudais, para transigir com as idéias do tempo, mas adotar a

substância da coisa.

A assembléia nacional francesa aplicara a Lei de 1790 exclusivamente aos

países de nantissement; a forma de publicidade criada não tardou em ser desenvolvida

na Lei de 9 messidor ano 3.º, que foi de pequena duração e logo substituída pela de 11

brumário ano 7.º (01.11.1798).

O art. 26 desta continha a seguinte disposição: “Os atos translativos de bens e

direitos susceptíveis de hipoteca devem ser transcritos nos registros da conservação das

hipotecas da circunscrição em que os bens estiverem situados. Até então eles não podem

ser opostos aos terceiros que tiverem contratado com o vendedor e que se tiverem

conformado com as disposições da presente lei”.

O Código Civil francês repelindo o direito romano e a Lei de 1798, que

consagrava na transcrição a tradição solene, considerou a venda do imóvel perfeita, q uer

entre as partes contratantes, quer em referência aos terceiros, pela simples convenção.

(Martou, vol. 1.º, n. 8; Troplong, De la vente, ns. 44 e seguintes).

No entanto o art. 1.583 declarando a alienação perfeita, entre as partes

contratantes, pela simples convenção e independentemente da entrega da coisa, e do

pagamento do preço, parecia autorizar a inteligência de que igual força não teria o

contrato em referência aos terceiros.


A comissão de redação do Conselho d‟Estado formulou neste sentido uma

disposição que tornava os atos translativos da propriedade dependentes de transcrição

para valerem contra terceiros, que houvessem contratado com o vendedor.

Combatida por Malleville e por Tronchet ela foi aceita pelo Conselho d‟Estado

com duas emendas; a primeira tinha por fim tornar a disposição inaplicável às vendas

anteriores; a segunda tornar claro que a transcrição não operaria a transferência da

propriedade para o comprador, quando o vendedor não fosse proprietário.

A defesa que Treilhard fizera da disposição só conseguira este resultado, que

ainda assim ficou inutilizado, porquanto ou propositalmente, como dizem Troplong e

Martou, ou por um esquecimento de Treilhard, a disposição emendada pelo Conselho

d‟Estado foi suprimida.

Os codificadores de 1804, que haviam repelido a transcrição nos contratos

onerosos, exigiram- na nos gratuitos (art. 939 do Código Civil).

A razões especiais com que pretendeu-se justificar essa anomalia, somente

serviram para tornar patente o desacerto da repulsa do art. 26, da Lei do 01.11.1798, que

Tronchet denominara – desastrosa, porque podia abrir ensejo à eventualidade de ver o

adquirente que não houvesse transcrito, excutido o imóvel por credor hipotecário do

devedor, em favor de quem este houvesse constituído hipoteca depois do ato da

alienação.

“A verdade é”, diz Laurent (vol. 29, n. 28), “que o direito de propriedade fica

comprometido pelo próprio adquirente, que se deve queixar de sua negligência e não da

lei, esta não pode proteger a imprudência”.

A Lei de 23.03.1855 deu em Franca remédio a este estado de coisas,

restabelecendo a transcrição das alienações dos imóveis sujeitos à hipoteca.


A Lei belga de 1851 exige a transcrição de todos os atos inter vivos, a título

gratuito ou oneroso, translativos ou declaratórios de dire itos reais imobiliários, menos

os privilégios e hipotecas; ordena que a transcrição tenha lugar no cartório das hipotecas

da circunscrição em que estiverem situados os bens, e estatui que, sem a transcrição, tais

atos não valham contra terceiros, que houverem contratado sem fraude.

No seu mecanismo de publicidade, por meio da transcrição, compreende a lei

belga a das sentenças com força de causa julgada, que servirem de título à transmissão

desses direitos, atos de renúncia e arrendamentos excedentes de nove anos, ou que

contiverem quitação de três anos de aluguel.

O Código Civil chileno (art. 686 e seguintes) exige, sob a denominação de

inscrição, a transcrição dos títulos de alienação de imóveis e da constituição dos direitos

reais, em um registro público a cargo de um conservador e regulado em seu mecanismo

pelo Decreto de 24.06.1857.

Esse registro criado pelo art. 695 do Código Civil serve para a inscrição dos

títulos de propriedade, das hipotecas e ônus reais e das interdições e proibições para

alienar (art. 31, do Decreto de 1857). Os títulos que devem ser inscritos são:

a) Os translatícios de domínio de bens de raiz, os de direito de usufruto, uso e

habitação, censo e hipotecas constituídas nos imóveis, e a sentença passada em julgado

que declare a prescrição aquisitiva do domínio e de qualquer dos ônus reais;

b) a constituição dos fideicomissos que afetem bens de raiz, de direitos reais e

da hipoteca;

c) a renúncia de qualquer desses direitos;

d) as sentenças de interdição e de reabilitação (art. 52 do Decreto citado).

A inscrição estabelecida nos arts. 686 e seguintes do Código Civil chileno


constituem o modo de tradição dos bens de raiz; ela é necessária para que a posse se

transfira para o adquirente (art. 696 do Código Civil); se sem a inscrição a transferência

não tem valor entre as próprias partes, como há de tê- lo em relação aos terceiros?

O regime do Código Civil chileno é, pois, em última análise, idêntico ao nosso,

como o faz sentir o Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, vol. 1.º, § 48, nota 2).

203. O Código Civil português de 1867 estabeleceu, sob a denominação de

inscrição, o registro do ônus reais e das transmissões de propriedade do imóvel, por

título oneroso e gratuito (art. 949, ns. 2 e 4).

Ao passo que tornou o registro o cadastro em que se compreende o lançamento

de toda a propriedade e dos atos que importam alteração, em que constituem simples

modalidade da mesma (art. 949, §§ 1.º e 2.º, e art. 955), não declarou a inscrição

obrigatória, nem imprimiu- lhe o cunho de título da propriedade; considerou antes o

registro o meio de tradição e da investidura da posse, ficando salvo o direito dominical a

quem o provar (arts. 952, 953 e 954, do Código Civil; Dias Ferreira, vol. 2.º, comentário

ao art. 949, p. 388 e ao art. 953, p. 431 a 435).

A jurisprudência dos tribunais tem esclarecido o sentido de algumas

disposições do Código Civil referentes aos efeitos da inscrição, acentuadamente a do

art. 953 a qual entendeu-se que imprimira ao registro a força de legalizar a aquisição a

non domino, não podendo o verdadeiro proprietário defender a sua posse e o seu

domínio, se não houvesse feito o registro, isto porque o adquirente ao fazer o registro,

adquiriu a posse (arts. 952 e 953).

“A posse no caso do art. 953 não é um direito independente do domínio, mas

sim a conseqüência do domínio adquirido pela transmissão. O próprio artigo declara que
a transmissão da posse resulta da simples inscrição no registro de um título que

transferiu a propriedade, e portanto se o título, por provir a non domino não transmitiu a

propriedade ao registrante não podia também transferir- lhe a posse.” (Dias Ferreira,

Comment. ao art. 953; vol. 2.º, p. 433).

Além de ser instrumento de tradição e veículo de publicidade da translação do

domínio “mais perfeito e solene do que o consistente nos atos isolados, que constituíam

a investidura da posse, segundo as outras leis, atos que às vezes só eram presenciados,

pelo número de pessoas estritamente necessário para testemunhar o fato da posse” (Dias

Ferreira, vol. 2.º, p. 431), a inscrição acentuava a situação jurídica da propriedade

imobiliária em relação aos terceiros, salvo no caso excepcional de ser ela indeterminada

(art. 951 do Código Civil) em que o registro não é o regulador dos efeitos da translação

do domínio os quais decorrem do próprio ato translatício, como acontece em referência

às partes contratantes, seus herdeiros ou representantes (citado art. 951).

204. O Código Civil italiano, no intuito de proporcionar ao crédito imobiliário

um seguro assento de operações, pela certeza da situação dos imóveis sobre os quais

tem de apoiar a sua garantia, estabeleceu um regime amplo de publicidade

compreensivo não solene dos atos translativos da propriedade dos imóveis, mas ainda

dos que afetam a condição jurídica desses bens nas relações criadas pelos contratos, em

que figuram como objeto.

O direito escrito italiano manda sujeitar à transcrição, sob pena de não valerem

contra os terceiros, que por qualquer título tenham adquirido e conservado direitos sobre

os imóveis, e de não efetuarem a hipoteca constituída pelo alienante, os seguintes atos:

a) translativos do domínio de imóveis e de quaisquer bens suscetíveis de


hipoteca, com exceção dos títulos de renda do Estado;

b) os atos inter vivos constitutivos ou modificativos das servidões predia is, e

dos direitos de uso e de habitação, ou translativos do exercício do direito de usufruto;

c) os atos que importarem renúncia de quaisquer dos direitos enumerados;

d) as sentenças de venda de imóveis em hasta pública, com duas exceções que

não afetam o caso;

e) contratos de locação de imóveis por mais de nove anos;

f) os contratos de sociedade quando esta tiver por objeto o gozo dos imóveis,

desde que a duração da sociedade exceder de nove anos, ou for indeterminada;

g) os atos e as sentenças de que resultarem a liberação ou a cessão de

arrendamentos e aluguéis ainda não vencidos, por prazo maior de três anos;

h) as sentenças declaratórias da subsistência de uma convenção verbal sobre

qualquer dos fatos supra enumerados (Código Civil italiano, art. 1.932, ns. 1 a 8;

Chironi, vol. 1.º, § 79; Cattaneo e Borda, vol. 2.º, p. 1.550 e Comment. ao art. 1.932).

A razão fundamental da transcrição de todos estes atos é que eles afetam o

valor dos imóveis (Chironi, vol. 1.º, p. 133; Cattaneo e Borda, Comment. ao art. 1.932,

n. 1) e devem ser conhecidos dos terceiros que tiverem interesses ligados à situação de

tais bens para que estes não sejam surpreendidos com a alteração do valor dos mesmos.

Como se vê o Código italiano manda registrar, por meio da transcrição, não

somente os atos alienativos do domínio e os constitutivos de direitos reais, mas aqueles

em que, segundo a doutrina corrente de direito, não se dá nem a translação do domínio,

nem a instituição de um direito real.

A locação de imóveis por tempo superior a nove anos foi sujeita à transcrição

por entender-se que da mesma decorre, senão uma desagregação do domínio, como na
enfiteuse e nas servidões, uma limitação à faculdade de dispor livremente do imóvel

locado (Cattaneo e Borda, Exposição dos motivos da transcripção § 4.º).

“Pareceu lógico, dizem estes escritores, que a lei que submete à transcrição o

ato pelo qual se adquire uma servidão, que em suas conseqüências pode muitas vezes

constituir um ônus de menor importância que o proveniente de um prolongado aluguel,

devia igualmente sujeitar este à dita formalidade.”

205. O Código Civil holandês (art. 671) considera a transcrição o meio legal da

tradição dos imóveis; sendo esta enumerada entre os modos de adquirir a propriedade,

quando tem lugar após um título translativo do domínio, emanado de quem possa dispor

do imóvel (art. 637), a transcrição é, implicitamente, condição da validade da alienação,

em referência aos terceiros, por isso que ela o é em referência às próprias partes

contratantes.

A transcrição pode ser feita por meio do extrato do ato, quando este contiver

objetos ou atos que não afetem à coisa entregue; neste caso o extrato deve conter

escrupulosamente a individuação da coisa e declaração das partes de que a transcrição

poderá ser feita de acordo com esse extrato (art. 671, 2.ª alínea).

206. O Código Civil espanhol exige a transcrição dos títulos de domínio e

outros direitos reais, sobre imóveis, no registro da propriedade para que tais títulos

possam valer contra terceiros (arts. 605 e 606).

As disposições da lei hipotecária regulam a forma, os efeitos e o cancelamento

da transcrição, a maneira de fazer o registro e o valor das menções deste (art. 608).

Como é sabido o Código Civil espanhol manteve a lei hipotecária anterior; por
ela regula-se a inscrição hipotecária e a transcrição da alienação da propriedade

imobiliária.

207. Na Inglaterra as mutações da propriedade imóvel, depois de terem sido

sujeitas, em tempos remotos, a certas medidas de publicidade, como sob o domínio dos

Saxônios a transcrição nos registros do mosteiro mais próximo, e, sob o feudalismo, a

saisine e a investidura, passaram a ser ocultos.

Os graves inconvenientes resultantes de tal regime, mormente nos condados de

York e Middlessex, onde essas transferências eram freqüentes, trouxeram como

conseqüência a volta ao regime da publicidade, melhor organizado, o que foi tentado

por três leis expedidas no reinado da rainha Anna e outra em 1735, sob o reinado de

Jorge II, que prescreviam a inserção nos registros públicos de todos os atos que

transferissem ou gravassem de direitos reais a propriedade imobiliária, situada naqueles

condados, quer a translação se operasse por atos inter vivos, quer mortis causa.

É fato curioso e digno de mais sério estudo o da resistência oposta pelos

jurisconsultos e pelos práticos que essa publicidade fosse aplicada no resto da

Inglaterra; resistência que inutilizou, de todo o ponto, as tentativas feitas em cinco bills

sujeitos à apreciação do parlamento de 1830 a 1835, ao bill proposto por Sir John

Campbell em 1835 o ao projeto oferecido pelo ministério à Câmara dos Lordes em

1853, para estabelecer uma publicidade restrita e facultativa.

Durante longo período foi essa resistência dirigida por lord Saint-Leonard, que

garantia a indenização completa da publicidade na Inglaterra; a despeito disso em 1863

eram promulgados dois bills estabelecendo a publicidade facultativa.

O mecanismo do registro desses bills era complicado e propunha-se não


somente à publicidade mas ao reconhecimento titular da propriedade, pois, que

autorizava a expedição de um título inatacável (indefensible title).

Estas leis encontraram tão enérgica oposição dos práticos que nunca foram

executadas.

A insistência na adoção de um regime de publicidade acabou por vencer as

resistências dos jurisconsultos e dos práticos e o Ato de 13.08.1875, estabeleceu

definitivamente a publicidade na Inglaterra.

Conquanto facultativa e criando uma classificação da propriedade com título

absoluto, com titulo possessorio e com título qualificado, o Ato de 1875 representa, em

referência aos freeholds e aos leaseholds uma situação preferível à do regime da

propriedade oculta, a despeito de ter ela vindo complicar mais ainda a teoria já obscura

da propriedade imóvel na Inglaterra (Glasson, Direito e instituições da Inglaterra, vol.

6.º, p. 344).

Em 1884 foi expedido o Yorkshire Registries Act, que declarou fraudulento e

nulo, em relação ao adquirente e ao credor hipotecário, qualquer título (deed),

transferência (conveyence), ou disposição testamentária (devise) que pudessem afetar

um imóvel, ou uma terra alodial, situados em qualquer dos condados de York ou de

Middlessex, sem o registro de um extrato dos referidos atos unless a memorial thereof

shall have been registred in such manner and within such period as the acts direct.

Com esta amplitude o registro nunca foi estendido a toda a Inglaterra “has

never been extended to other parts of England”; o ato de 1875 aplicou-se sempre

especialmente aos lands of freehold tenure (Stephen‟s, Commentaries on the laws of

England, vol. 1.º, p. 708 a 709).


208. O direito em vigor nos Estados Unidos exige o registro dos atos e das

hipotecas para que aqueles produzam efeitos contra terceiros e estas a prelação.

“O sistema deste país é favorável não só à certeza e segurança, mas ainda à

conveniência de um registro tanto para os atos como para as hipotecas e, segundo o

código de Nova York qualquer transferência de bens imóveis, quer feita

definitivamente, quer por meio de hipoteca, deve ser inscrita no cartório do escrivão do

departamento em que o imóvel estiver situado, depois de devidamente comprovado,

conhecido e certificado, como o exige a lei.

Se não for registrado não é válido em relação a qualquer adquirente posterior,

ou credor hipotecário, de boa-fé, do mesmo imóvel, ou de qualquer porção dele, cuja

transferência for antes devidamente registrada.”(Kent, Comment. on american law, vol.

4.º, n. 168).

Este direito que domina, na generalidade, o sistema do registro em toda a

União, sofre alteração e é agravado em alguns Estados, já pelo fato de fixar-se o prazo

para o registro, já por não valerem as translações de imóveis contra terceiros, quando

feitos fora de tais prazos.

Nos Estados de Pensilvânia e de Delaware nenhuma transferência ou hipoteca

vale contra terceiros se não for registrada dentro de seis a doze meses e nos Estados de

Massachussets, Rhode Island e Connecticut a transferência não opera resultados antes

de registrada, exceto entre as partes contratantes e seus herdeiros.

Que o fim do registro é a publicidade revela-o o fato de ser doutrina corrente,

apesar de contestações que não tem prevalecido na jurisprudência, que o registro da

transferência do domínio e o da hipoteca é considerado presuntivamente uma

notificação aos adquirentes e credores hipotecários posterio res.


“In this country the registry of the deed is held to be constructive notice of it to

subsequent purchasers and mortgages, etc.” (Kent, Comment., vol. 4, n. 174).

Como consectário de tais princípios a prática americana estabeleceu que a falta

do registro supre-se com a notificação aos adquirentes e credores hipotecários, da

transferência operada.

“The effcet of notice supplies the want of the register.” (Kent, Comment., vol.

4.º n. 170).

No Estado do Ohio as transferências não produzem efeito não sendo

registradas dentro de seis metes; no entanto se forem notificadas prevalecem contra os

adquirentes posteriores (Kent, vol. 4.º, n. 108, nota a).

209. Para não nos alongarmos no estudo retrospectivo do registro na legislação

alemã anterior ao atual Código Civil(o) examinemos se a transcrição é exigida na

Alemanha, na última fase do seu direito civil, inaugurado pelo código promulgado em

18.08.1896 e que deve entrar em vigor no 01.01.1900.

Para a transferência da propriedade de um imóvel, para a constituição de ônus

real, para transferir ou gravar um direito real o atual Código Civil alemão exige:

a) o concurso de vontades das partes no ato que inova o direito existente;

b) a inscrição do ato no registro territorial.

Antes da inscrição o acordo das partes manifestado no contrato apenas gera

(o)
A saisine germânica apresenta todos os elementos da saisine feudal o que, aliás, não
é para estranhar; porquanto o feudalismo não foi outra coisa mais do que a transportação do
elemento germânico para os países conquistados e a modelação da nova sociedade sobre as
idéias germânicas, que sofreram a ação dos sentimentos dos conquistadores.
entre elas laços de direito referentes ao ato, se as declarações houverem sido tomadas

por termo em juízo ou por notário, no cartório do registro territorial, ou apresentado a

esse cartório, ou quando o transferente entrega r ao adquirente uma declaração para a

inscrição, com os elementos exigidos para o registro territorial (art. 873 do Código Civil

alemão).

Esta disposição não se aplica à transferência resultante de sucessão, de

execução forçada ou de desapropriação.

A reunião das duas condições referidas opera a transferência da propriedade ao

adquirente, a qual não depende das relações jurídicas existentes entre as partes.

O adquirente tem a propriedade ainda que o contrato seja nulo ou anulável; o

vendedor só tem ação pessoal contra o comprador para haver o preço ou a indenização

sob o fundamento de locupletar-se este com os proventos da venda (Meulenaere, Annot.

ao art. 873 do Código Civil alemão).

A inscrição induz a presunção de ter o inscribente o direito que inscreveu;

assim como o cancelamento da inscrição estabelece a presunção em contrário (art. 891)

e pode operar a reunião de muitos imóveis sob o domínio do inscribente, quando este se

inscreve como um único (art. 890).

O contexto do registro presume-se exato para o efeito de atestar a aquisição de

um direito real sobre um imóvel, salvo se o adquirente tinha conhecimento da

inexatidão do ato, ou se este for objeto de contestação mencionada no registro do

mesmo ato (art. 892).

A organização do registro territorial na Alemanha tem como principal objetivo

garantir a transmissão dos imóveis e assentar em bases seguras o crédito real

imobiliário. O seu fim, como diz Meulenaere, é criar o que se pode denominar o estado
civil da propriedade imobiliária.

O Grundbuch é a historia dos imóveis considerados por ficção, uma entendida

jurídica cuja existência refere-se em todos os atos de que elas foram objeto e que se

acham inscritos no registro imobiliário.

O ônus que gravam tais imóveis, e que tão grande influência exercem em seu

valor, como acidente da história desses bens, devem ser inscritos a fim de oferecerem

segurança ao crédito real (Meulenaere, nota ao art. 873).

Tal é a traços largos a organização da transcrição no moderno direito civil da

Alemanha: quais os seus efeitos e a sua ação vê- lo-emos oportunamente.

210. A publicidade das hipotecas opera-se pela inscrição das mesmas no

registro geral e como ela é exigida, na legislação de 1890, para toda a espécie de

hipoteca, sem exceção das dos menores, interditos e das mulheres casadas que, segundo

a legislação anterior, vigoravam para com terceiros independentemente da inscrição, o

mecanismo da publicidade do Decreto 169 A, de 19.01.370, e do Decreto de 02.05.1890

é mais perfeito do que o da Lei 1.237, de 24.09.1864, e do Dec. 3.453 de 26.04.1865.

A inscrição é a condição da graduação dos créditos hipotecários.

Este efeito revela a importância do ato; daí o cuidado e o escrúpulo com que as

leis de todos os países têm tratado a regulamentação do registro das hipotecas.

Sem a inscrição a hipoteca não vale contra terceiros, conseguintemente não

autoriza a excussão do imóvel hipotecado, quando alienado pelo devedor, não confere

prelação ao credor hipotecário sobre os quirografários (Trop long, Hyp., vol. 2.º, n. 568)

e menos ainda sobre os de hipotecas, conquanto posteriormente celebradas.

Tem, pois, toda a procedência a asserção de Troplong (Priv. e Hyp ., vol. 2.º, n.
566) que a hipoteca conserva-se inerte enquanto a inscrição não a torna conhecida: “sem

isto ela não passa de um corpo privado das faculdades que o fazem mover-se, conserva-

se reduzida a um estado de passividade e a lei recusa-lhe o direito de produzir a

preferência” (Troplong, Priv. e Hyp ., vol. 2.º, n. 568).

Como requisito intrínseco da hipoteca a inscrição não afeta a substância desta;

ela não purga a nulidade da hipoteca, não lhe aponta os defeitos de origem, assim como

não lhe comunica os vícios de que estiver eivada (Dir. das Cousas, § 225).

Daí o poder ser válida a inscrição, estar regularmente feita e tornar-se inútil e

de todo o ponto ociosa, por ser a hipoteca substancialmente nula (Laurent, vol. 30, ns.

499 e 500 e vol. 31, n. 99, 2.ª alínea); por outro lado pode a inscrição estar afetada de

vício essencial e a hipoteca perdurar válida: como porém, o ato nulo nenhum efeito

produz, a inscrição cuja nulidade for provada não produz nenhum dos efeitos que os

preceitos das leis de 1890 ligam à publicidade da hipoteca (Dir. das Cousas, § 225;

Troplong, vol. 2.º, n. 566; Aubry et Rau, vol. 3.º, § 267, in fine; Laurent, vol. 31, ns. 93

a 95).

A doutrina, que estabelece ser a inscrição da essência da hipoteca e não poder

esta existir sem aquela, encara a hipoteca sob ponto de vista diferente do da nossa

legislação e vê na inscrição um ato meramente conservativo mas sem elemento

essencial da hipoteca, sem o qual esta não pode agir (Chironi, Diritto Civile italiano, §

221).

Sendo a inscrição o veículo da publicidade das hipotecas e estas só

prevalecendo em seus efeitos se forem regularmente inscritas, se a nulidade da inscrição

ocorrer por falta de observância de qualquer das formalidades a que se refere o § 25, do

art. 9.º, do Dec. 169 A, de 19 de janeiro, e que se acham detalhadamente mencionadas


nos Caps. 6.º e 7.º, do Dec. 370, de 02.05.1890, em tal hipótese tendo o credor o

prejuízo de ver repelida a sua prelação por nulidade da inscrição, pode intentar ação de

perdas e danos contra o oficial do registro causador da nulidade da inscrição e

responsável pelo dano sofrido, desde que se trate de formalidade da iniciativa do o ficial

e da exclusiva competência deste; ele é o fiscal da regularidade do registro (Laurent,

vol. 31, n. 99).

211. Foi sob o regime das hipotecas ocultas que vivemos até 1846.

O Dec. 482, de 14 de novembro, desse ano pôs em execução o art. 35 da Lei

316, de 21.10.1843, e estabeleceu o registro geral das hipotecas designando os

encarregados do mesmo nas capitais e vilas das comarcas do interior do país.

O registro regulava, pela sua data, a existência jurídica da hipoteca (art. 14 do

Decreto 1846); as anteriormente constituídas, se fossem registradas dentro de um ano,

produziriam todos os efeitos da data da constituição; as que acudissem ao registro fora

desse prazo só produziriam a seqüela e a preferência a contar do registro, e as que não

fossem levadas ao registro não produziriam efeito algum (art. 17 do Decreto citado).

Firmava-se no art. 29 a responsabilidade dos encarregados do registro pelos

danos que causassem às partes interessadas por omissões, erros e prevaricações na

confecção do registro.

Incompleto, por somente compreender o registro das hipotecas convencionais,

que o direito escrito admitiu então, e que podiam ser gerais ou especiais, ainda assim o

Decreto de 1846 exprime um progresso em relação à legislação de 1774, que não

admitia a publicidade das hipotecas, antes fixava o critério das preferências nas datas

das escrituras das hipotecas, quer estas fossem gerais, quer especiais, e se estabelecesse
o concurso entre hipotecas de diferentes espécies (§§ 31 e 32, da Lei de 20.06.1774).

Aperfeiçoado na legislação de 1846, assentado em bases mais seguras na de

1885 que exigiu a inscrição das hipotecas gerais (art. 7.º da Lei 3.272, de 05.10.1885, e

art. 88 e seguintes do Dec. 9.549, de 23.01.1886) o mecanismo da publicidade só foi

modelado sob um plano melhor estudado pela legislação de 1890 que aboliu as

hipotecas gerais, exigindo a especialização de todas inclusive a das hipotecas dos

menores e interditos e das mulheres casadas que a Lei de 24.09.1864 e o Decreto de

26.04.1865 isentaram da inscrição, imprimindo- lhes todos os efeitos, pelo simples fato

de sua regular constituição (art. 9.º, da Lei 1.237, arts. 116 e 123, do Dec. 3.453, de

26.04.1865) e que a lei de 1885 mandava registrar, conservando- lhes o cunho de

hipotecas gerais.

212. Segundo grande título de comentadores dos textos do direito romano, a

reserva e o sigilo nas hipotecas não pode ser atribuído àquele direito.

Afigura-se-lhes mais do que clara a referência aos sinais impressos nas casas

sujeitas à hipoteca, no direito grego, nas exp ressões – tabulas fixeris – do texto de

Venuleio (L. 22, § 2.º. D. quod vi aut clam) e – signasset – do fragmento de Modestino

(L. 20 D. de injuriis et famosis libellis).

A generalidade dos escritores, porém, opina pela falta de publicidade no

regime hipotecário romano (Troplong, Hyp .,vol. 2.º, n. 557 e autores por ele citados).

Esta opinião parece- nos mais defensável perante os textos.

Dois fatos jurídicos atestam que os romanos não curaram da publicidade da

hipoteca, como meio de imprimir a esta a suas funções essenciais, e de despertá- la da

inércia em que, segundo a noção moderna, ela se conserva antes que a sua existência
seja comunicada aos terceiros; esses fatos são:

a) O regular a prelação, a data da constituição da hipoteca (L. 16 § 8.º. D. de

pignor et hypotheca; Const. 11, cód. Qui potiores in pignori habeantur; L. 12 § 2.º D.

qui potior in pignor, e Leis 11 § 1.º e 18 hujus tituli);

b) a freqüência dos textos que reprimem a fraude dos devedores, que

constituíam novas hipotecas sobre bens já hipotecados, indício de que a legislação

romana não oferecia meios de verificar, se os bens estavam ou não gravados de

hipotecas, o que o regime da publicidade moderna não deixa de proporcionar.

Se a transferência da propriedade imobiliária era cercada em Roma de

solenidades que tornavam precisa a publicidade da deslocação do domínio do

transmitente para o adquirente, a constituição da hipoteca, ainda sobre imóveis, não

apresentava nenhum vestígio ou sinal de publicidade; só a repressão enérgica da

duplicação oculta das hipotecas, considerada estelionato, pode oferecer certa garantia

aos credores.

213. A evolução que sofreu a publicidade hipotecária em França desde as

tentativas de Henrique III até a Lei de 1855, tão bem descrita por Troplong, indica que

não foi sem luta com os preconceitos e as idéas arraigadas sobre a noção do crédito

imobiliário, que a publicidade das hipotecas chegou, no direito moderno, a ser a

condição essencial da atividade, senão da vitalidade das mesmas.

Se independentemente da inscrição a hipoteca vale entre as partes contratantes

não afeta tal fato a situação da hipoteca perante os terceiros.

As hipotecas dos menores, interditos e das mulheres casadas valiam contra

terceiros da data da constituição; o registro de tais hipotecas era, até certo ponto, a
exceção no regime da legislação de 1864; basta refletir que tais hipotecas conservavam

o seu caráter de generalidade, e podiam ser inscritas sem especialização, conquanto esta

fosse facultada sempre que a conveniência de singularizar e especificar o imóvel

onerado assim o aconselhava (§ 10 do art. 3.º da Lei 1.237, de 24.09.1864; arts. 117,

118 e 123, do Dec. 3.453, de 26.04.1865).

A superioridade do mecanismo hipotecário da legislação de 1890 está não

somente em ser mais completa a publicidade, como ainda em não admitir hipotecas

gerais; todas são especiais, umas por natureza própria, como as convencionais, outras

porque devem ser especializadas, para poderem ser inscritas, como as legais (Dec. 370

de 02.05.1890, arts. 114, 115 e 116).

A inscrição é essencial para que umas e outras possam valer contra os

terceiros; só por meio dela adquire a hipoteca força de prelação (Dec. 370 citado, arts.

112 e 113), que é o seu efeito em referência aos credores (Raoul de la Grasserie, La

Reforme hypoth., p. 83); e a de seqüela, que é a força hipotecária em referência aos

adquirentes do imóvel (Raoul de la Grasserie, obra citada); por isso que só a publicidade

imprime atividade à hipoteca (art. 9.º, § 1.º, do Dec. 169 A, de 19.01.1890; Dir. das

Cousas, § 225; Pont, vol. 2.º, n. 728; Aubry et Rau, vol. 3.º, § 267; Martou, vol. 3.º, n.

1.027).

O Dec. 370 de 1890 especificou minuciosamente as formalidades da inscrição,

segundo o exemplo de todas as leis anteriores e obedecendo à necessidade de

determinar com precisão cada uma das peças que constituem esse aparelho de

publicidade.

214. O direito escrito das nações mais adiantadas estabeleceu o regime da


publicidade sobre moldes da mais severa precisão, como vê- lo-emos oportunamente.

Desde já, convém adiantar que o mecanismo da Lei francesa de 11 do brumário

do ano 7.º, repudiado por ocasião da confecção do Código Civil, foi aceito por quase

todos os países e pela própria França na Lei de 1855.

A inscrição de todas as hipotecas, legais e convencionais, foi estabelec ida

como condição substancial de sua validade para com terceiros (Lei belga de 16.12.1851,

art. 81; Código Civil português, art. 949; Código Civil italiano, arts. 1.982, 1.983, 1.986

e 1.989; Código Civil holandês, art. 1.224 e seguintes; Código Civil espanhol, art.

1.875; Código Civil uruguaio, art. 2.289; Código Civil chileno, art. 2.410 e Lei de

24.06.1857, arts. 31 e 32; Código Civil do Cantão dos Grisões, arts. 282 e 286), e suas

formalidades reguladas com a maior minuciosidade para que bem acentuados possam

ficar a individualidade do imóvel onerado e a data em que a prevalência do direito se

estabeleça de modo claro.

Procurando amparar a preleção do credor, quando a inscrição possa sofrer

demora pela necessidade de efetuar a especialização, que demanda um processo mais ou

menos moroso, admitiram algumas leis o expediente da prenotação; esta outra coisa não

é mais do que um registro provisório, não igual ao estabelecido no Código Civil

português (arts. 966 e seguintes) mas consistente unicamente na menção do título de

ordem e da data da apresentação no protocolo do oficial do registro, para conservar a

escala de preleção àquele que houver acudido, dentro do prazo concedido para o registro

a garantir a sua preferência em relação aos credores posteriores.

A legislação de 1864 e 1865 admitia a prenotação, que foi abolida pela de 1890

e que a melhor estrutura do aparelho hipotecário moderno dispensa como uma peça

inútil; de fato ela só serve para complicar as questões de prioridade das hipotecas,
acrescendo que na maioria dos casos a faculdade de prenotar a hipoteca era ilusória pelo

curto prazo de tempo em que era dado utilizá- la (Direito das Cousas, § 228).

A transcrição e inscrição devem ser feitas na comarca ou comarcas, onde forem

os bens situados (§ 1.º, do art. 7.º, do Dec. 169 A).

215. Se fosse lícito fazer a inscrição em qualquer registro e a transcrição das

transferências dos imóveis fora do lugar da situação destes, o fim da publicidade teria

sido iludido, pois, ver-se-ia quem tivesse interesse em conhecer a inscrição da hipoteca

ou a transcrição da transferência dos imóveis obrigado a proceder a uma pesquisa em

todos os registros existentes no país, esforço ante o qual recuariam os mais resolutos e

as hipotecas e as aquisições de imóveis passariam a ser feitas sem o exame dos livros de

inscrição e de transcrição e daí as contínuas ações, que tornariam de todo o ponto

incerta a propriedade imóvel e vacilante o direito hipotecário.

Se os bens estiverem situados em mais de uma comarca o registro deve se r

feito em todas elas (Dec. 370, de 02.05.1890, arts. 196, n. 3, e 245, n. 3); as inscrições

de hipotecas que forem feitas em comarcas diversas da da situação dos imóveis é nula, o

mesmo sucede à transcrição; é esta a sanção da lei ao preceito do § 1.º, do art. 7.º supra,

do Dec. 169 A, de 1890 (Dec. 370, de 1890, arts. 212 e 253; Dir. das Cousas, § 240;

Martou, n. 1.034; Código Civil português, art. 950; Dias Ferreira, vol. 2.º, p. 429 e 430;

Lei belga de 1851, art. 82; Laurent, vol. 31, ns. 1 e 2; Código Civil italiano, art. 1.938;

Chironi, vol. 1.º, § 221; Cattaneo e Borda, Comment. ao art. 1.938, n. 2; Aubry et Rau,

vol. 3.º, § 268; Pont, vol. 2.º, ns. 865 e 866; Martou, vol. 3.º, n. 1.547; Troplong, Hyp., n.

646 e seguintes; Thiry, vol. 4.º, n. 522; Duranton, vol. 20, ns. 74 e 75).
As despesas da transcrição incumbem ao adquirente. As despesas da inscrição

competem ao devedor (§ 2.º, do art. 7.º, do Dec. 169 A).

216. Ao adquirente é que aproveita a transcrição em seus efeitos imediatos; os

gastos que ela exige para que a transferência do domínio se torne efetiva em relação aos

terceiros que são todos quantos possam ser interessados em tê- lo apurado e reconhecível

primo-visu, devem ser pagos pelo adquirente, como os do contrato de compra e venda,

despesa de escritura, imposto de translação do domínio (Martou, n. 1.177; Troplong,

Hyp ., n. 729).

A transcrição sendo a tradição solene da coisa comprada (Dir. das Cousas, vol.

1.º, § 48; Consolid. das Leis, nota 27 ao art. 534) importa a consumação da translação

do domínio e devem os seus encargos caber ao adquirente.

A inscrição é toda no interesse do credor, que por meio dela imprime à

hipoteca a força e a ação, retira-a do estado de inércia em que se conserva enquanto a

publicidade não a torna válida contra os terceiros; dá- lhe os dois grandes efeitos da

prelação e da seqüela; ao credor a quem a inscrição aproveita exclusivamente deveria

caber as despesas com o ato; a lei, porém, fá- las correr a conta do devedor, porque este

somente conseguia que o credor contratasse, dando- lhe garantias, ora se tal garantia só

se torna real e efetiva pelo fato da inscrição, esta deve ficar a cargo do devedor e todas

as despesas devem correr à sua conta (Martou, n. 1.172).

A Lei belga de 1851 (art. 91), reproduzindo a disposição do Código Civil

francês (art. 2.155) permitiu que as partes contratantes estipulassem que as despesas da

inscrição possam correr à conta do credor, apesar de ser o devedor a causa de necessitar
o credor de fazer a inscrição para que seu título seja garantido em referência aos

terceiros. (Troplong, Hyp ., n. 729).

A disposição do § 2.º do art. 7.º supra impede que o mesmo se dê entre nós?

De modo algum.

O preceito ali estabelecido tem como intuito firmar o princípio regulador do

caso; não veda as estipulações contratuais em sentido contrário; desde que se trata da

renúncia de um direito por parte do adquirente e do credor, nenhum embaraço pode

opor ao fato a disposição da lei.

Se for estipulado que o transferente carregue com a despesa da transcrição e o

credor com as da inscrição, a estipulação é válida e como tal deve ser observada.

Este registro fica encarregado aos tabeliães, criados ou designados pelo Dec.

482, de 14.11.1846 (§ 3.º, do art. 7.º, do Dec. 169 A, de 1890).

217. Os encarregados do registro geral são, na atualidade:

a) os oficiais que existiam no domínio da legislação de 1864; os que foram

nomeados pelo fato da divisão do município da Capital Federal em dois distritos

hipotecários, levada a efeito pelo Dec. 137, de 10.01.1890;

b) os nomeados nas capitais dos Estados pelos governadores;

c) os que forem pelas mesmas autoridades nomeados nas cidades e vilas dos

Estados designados sob informações dos juízes de direito das comarcas;

d) os tabeliães dos termos que forem para tal fim designados pelo s

governadores dos Estados, e que são obrigados a aceitar o encargo (§§ 1.º a 3.º, do art.

6.º, do Dec. 370, de 02.05.1890).


Os ofícios ou cartórios de hipoteca são por sua natureza privativos, únicos e

indivisíveis; este caráter de indivisibilidade que afeta às funções dos oficiais não

impede, porém, que os atos da competência destes sejam lavrados por escreventes

juramentados, denominados suboficiais, contanto que sejam subscrito pelos oficiais.

Estes não podem confiar àqueles a escrituração e a numeração de ordem do

protocolo, que a lei lhes atribui exclusivamente e pessoalmente (arts. 8.º, 9.º e 10, do

Dec. 370, de 02.05.1890).

218. Quando houver de instalar-se um ofício de registro de hipotecas criado

novamente, nos termos do n. 217, o juiz de direito da comarca ou a autoridade que

corresponder-lhes na organização judiciária do Estado, fará anunciar por editais a

inauguração do ofício, assistirá à ela e mandará lavrar auto de solenidade.

Neste auto far-se-á menção:

a) do título com que servir o oficial do registro;

b) do número e da qualidade dos livros que devem servir no registro.

O auto deve ser lavrado no protocolo, logo na página seguinte à do termo de

abertura (arts. 2.º e 3.º, do Dec. 370 de 1890).

A inauguração do registro não deixará de ter lugar pelo fato de não se achar

designado o oficial, ou de não estarem prontos os livros no dia designado para a

instalação; em tais hipóteses o oficial será substituído por um tabelião ou escrivão que o

juiz de direito deverá designar, e os livros por cadernos provisórios devidamente

legalizados, sendo os lançamentos posteriormente transferidos para os livros

competentes logo que estes se prontificarem (art. 4.º, do Dec. 370, de 02.05.1890, e

Dec. 544, de 05.07.1890).


A autoridade que presidir à instalação do registro deverá remeter ao ministro da

justiça, na Capital Federal, e aos governadores nos Estados, cópia do auto de instalação

do registro (art. 5.º do Decreto citado).

219. A escrituração do registro demanda o jogo de livros de grande formato e

com o número de folhas fixado em lei, segundo a freqüência dos atos que devem neles

ser lançados: são isentos de selos, com exceção do protocolo, guardam uniformidade em

todas as comarcas, regulando-se pelos modelos anexos ao Dec. 370, de 1890 (arts. 13,

14 e l5, do Decreto citado e Dec. 544, de 05.07.1890).

Para os registros instalados de novo os livros são ministrados pelo governo na

Capital Federal e pelos governadores nos Estados; os oficiais indenizam o valor dos

mesmos à repartição que lhas houver fornecido; findos esses, isto é, quando estiverem

escritos dois terços das folhas, os oficiais do registro comprarão e farão selar e rubricar

outros iguais que os substituam (arts. 16 e 17, do Dec. 370, de 1890).

Quando findar um livro, o que o substituir conservará o mesmo número,

adicionando a este as letras do alfabeto, sucessivamente: Livro n. 1 – A, Livro n. 1 – B,

etc.

Estes números de ordem não se interrompem; continuam nos livros seguintes

(arts. 19 e 20, do Decreto citado).

Os livros eram divididos em três classes segundo a classificação das comarcas

feitas no antigo regime e ainda mantidas na época da promulgação do Decreto de

02.05.1890, na qual a organização federativa da República apenas havia sido declarada

como a forma do mecanismo governamental adotado (Dec. 1, de 15.11.1889), mas não

formulada em sua estrutura definitiva, o que só teve lugar pelos atos do Governo
Provisório de 22.06.1890 (Dec. 510) e Congresso Constituinte de 24.01.1891 que

assentou sobre bases definitivas a organização política da Rep ública.

Pertencendo a organização judiciária aos Estados a classificação das comarcas

não pode mais servir de assento à modelação dos livros da escrituração do registro das

hipotecas; no Distrito Federal não tendo os atos que organizaram a justiça local

(Decretos 1.030, de 14.11.1890, 1.334, de 28.03.1893, 2.464, de 17.02.1897 e 2.579, de

16.08.1897) mantido a classificação dos juízes pela natureza, das jurisdições convém

considerar todos os livros como pertencentes ao número dos que o art. 18, § 1.º,

considera da primeira classe.

Estes livros são

- o protocolo com 300 folhas,

- o de inscrição especial como 300;

- o de transcrição das transmissões com 450,

- o de transcrição dos ônus reais com 300,

- o de transcrição do penhor agrícola com 300,

- o indicador real com 300.

Além desses livros há os auxiliares do de escrituração especial e da transcrição

das transmissões (arts. 11 e 12, do Dec. 370, de 1890).

A escrituração de cada livro deve ser feita de modo que contenha nela a

menção dos fatos especiais que no livro devem ser consignados e as observações que

ocorrerem sobre os mesmos (art. 22, do Dec. 370, de 1890).

A chave do registro geral é o protocolo, porque nele faz-se menção de todos os

títulos apresentados diariamente para a inscrição, transcrição ou averbação, e dessa

menção deriva o número de ordem do título, fato de suma importância; esse número de
ordem é dado segundo a data da apresentação (art. 23, do Dec. 370).

O Livro n. 2. – Inscrição especial – é o que contém o registro das hipotecas

especiais e especializadas; esse registro tem lugar por meio da inscrição, que é

escriturada no verso de uma folha do livro e na face da folha seguinte.

Este espaço divide-se em duas partes iguais: uma, a que ocupa o verso da folha

antecedente, é riscada por meio de linhas perpendiculares em número necessário para

formar tantas colunas quantos forem os requisitos da inscrição mencionados no art. 196,

do Dec. 370, de 1890; a outra parte que ocupa toda a face da folha seguinte, fica em

branco para nela serem lançadas as averbações.

As inscrições são separadas umas das outras por uma linha horizontal. (art. 24,

do Dec. 370).

O terceiro Livro é destinado a transcrever as transmissões dos imóveis

suscetíveis de hipoteca.

Cada transcrição compreende o verso de uma fo lha e a face da seguinte; este

espaço é dividido em colunas formadas por traços perpendiculares, em número

necessário para conterem os requisitos exigidos no art. 245, do Dec. 370, para a

transcrição da transferência dos imóveis.

O Livro n. 4, destinado à transcrição dos ônus reais, escritura-se de modo

semelhante ao de n. 3.

As transcrições serão separadas umas das outras por uma linha horizontal, e o

espaço destinado à transcrição é dividido no número de colunas correspondentes a

menção dos requisitos do art. 246, do Dec. 370, de 02.05.1890.

É escriturado, de modo igual a este Livro, o de n. 5 destinado à transcrição do

penhor agrícola.
O Auxiliar n. 2 escritura-se como o da inscrição especial; o Auxiliar n. 3 é,

porém, escriturado como os livros dos tabeliães, devendo existir entre as transcrições

um espaço, formado por duas linhas horizontais, destinado a nele se inscreverem o

número de ordem da transcrição e a referência ao número de ordem e à página do Livro

n. 3, de onde consta a transcrição por extrato (arts. 26 a 29, do Dec. 370, de 1890).

O Indicador Real (Livro n. 6) é o repertório de todos os imóveis que figuram,

por qualquer modo, nos Livros ns. 2, 3, 4 e 5.

Cada folha desse livro corresponderá a uma das freguesias em que se dividir a

comarca.

Cada uma das indicações é feita em um espaço correspondente a um quarto da

página do livro, dividido em cinco colunas, cada uma das quais servirá para inserir a

indicação do número de ordem, da denominação do imóvel, se for moral [não seria

rural?]; menção da rua e número, se for urbano; o nome do proprietário; as referências

aos números de ordem e páginas dos Livros ns. 2, 3, 4 e 5 e as anotações.

O espaço formado por linhas horizontais de que trata o art. 24, terá em vez do

título do livro, a indicação da freguesia (art. 38, do Dec. 370, de 1890).

O Indicador Pessoal é destinado a conter os nomes das pessoas que figurarem

no registro geral por contratos hipotecários ou por transferências de imóveis, como

credores ou devedores, como adquirentes ou transferentes, individual ou coletivamente;

daí o serem cortadas as páginas desse livro em colunas que contenham menção do

número de ordem, dos nomes, domicílios e profissões das pessoas, referências aos

números de ordem de outros livros e anotações, cada espaço compreende somente um

oitavo da página (art. 31, do Dec. 370, de 1890).

Dando-se o caso de achar-se já a pessoa ou o imóvel, que figuram em novo


contrato, mencionados no Indicador Pessoal ou no Real, não se reproduz a menção dos

nomes ou indicações mas, fazem-se apenas referências, nas colunas próprias, ao número

de ordem e à página do livro, onde se lavrar a nova inscrição ou a transcrição.

Se, porém, cada inscrição ou transcrição referir-se a mais de uma pessoa ativa

ou passivamente, o nome de cada uma será lançado distintamente no Indicador Pessoal,

com referência recíproca na coluna das anotações.

As indicações dos Indicadores Real e Pessoal têm número de ordem especial,

correspondendo o número de ordem dos imóveis à freguesia da situação dos mesmos, e

o número de ordem das pessoas à respectiva letra do alfabeto (arts. 32, 33 e 34, do Dec.

370, de 1890).

Achando-se inteiramente escriturados o Indicador Real ou Pessoal o registro

continua no livro seguinte, averbando-se o transporte no livro antecedente; quando

tratar-se do registro de uma freguesia criada de novo far-se-á no Livro n. 6A,

continuando a dos outros no livro n. 6: neste caso dar-se- ia na distribuição das folhas do

livro seguinte, maior número à freguesia, ou à letra do alfabeto, cujas folhas se tiverem

esgotado antes de distribuídas às outras freguesias, ou às outras letras (art. 36, do Dec.

370, de 1890).

Os livros do registro não devem sair do escritório ou do cartório do oficial,

salvo caso de força maior.

Estas expressões da lei são muito restritas se considerá- las em confronto com

as outras – por nenhum motivo ou pretexto.

A segunda alínea do art. 37, do Dec. 370, que contém essa disposição qualifica

o que seja força maior, desde que determina que a pretexto de diligências judiciárias e

extrajudiciais os livros não saiam do cartório devendo as diligências ter lugar neste.
O serviço do registro deve começar às 6 horas da manhã e terminar às 6 horas

da tarde, em todos os dias úteis.

Esta disposição não é observada.

Os registros lavrados antes das 6 da manhã e depois das 6 da tarde são nulos;

os oficiais respondem civilmente pelos danos que resultarem da violação desse preceito;

podem ser processados, nos termos do art. 207, n. 1, do Código Penal, como

prevaricadores, os que praticarem tais atos.

O Dec. 370, de 02.05.1890, permite que o trabalho se prolongue além das 6

horas da tarde para ultimar-se um registro começado, o que é justificável desde que se

atenda aos efeitos decorrentes do registro (arts. 41 e 59, do Dec. 370).


CAPÍTULO I

DA TRANSCRIÇÃO

A transmissão inter vivos por título oneroso ou gratuito dos bens susceptiveis

de hipotecas (art. 2.º, § 1.º), assim como a instituição dos ônus reais (art. 6.º) não

operam seus efeitos a respeito de terceiro, senão pela transcrição, e desde a data dela.

A transcrição não induz a prova do domínio que fica salvo a quem for (art. 8.º e

§ 4.º, do Dec. 169 A, de 19.01.1890).

220. A incoerência que os prosélitos do regime germânico de publicidade têm

enxergado no mecanismo da transcrição tal qual foi modelado, entre nós, pelo legislador

de 1890 não existe de fato, e o reparo é infundado, conhecido o ponto de vista jurídico

sob o qual foi encarada a transcrição, quando se organizou o regime hipotecário de

1864.

A transcrição não visou outro fim mais do que dar maior solenidade à tradição,

fazendo-a conhecida de todos quantos sejam interessados em acompanhar a circulação

da riqueza imobiliária operada pelos atos translativos do domínio dos bens imóveis e

que sobre estes buscam assentar operações de crédito hipo tecário. A tradição, não

imprimindo maior força jurídica ao título do domínio, não pode ter como fim expurgá- lo

dos defeitos de origem.

Se o imóvel transferido não for da propriedade do tradente a tradição, pelo fato

de passá-lo à posse do adquirente, não purga o domínio deste do vício de que veio

afetado; como não se pode transferir a outrem mais direito do que se tem, o tradente que

não tinha o domínio não podia transferi- lo ao adquirente e a transcrição não opera senão
a publicidade deste estado de coisas.

Expressão solene da tradição a transcrição não importa revelação do direito

dominical dos imóveis em sua situação definitiva, decorrente do encabeçamento na

pessoa do adquirente; em tempo algum foi essa a função jurídica da tradição.

Segundo a noção romana o adquirente não obtém pela tradição senão o direito

de propriedade tal como estava dele investido o transferente.

“Non debeo melioris conditionis esse, quam auctor meus a quo jus in me

transit, dizia Paulo” (L. 178 § 1.º D. de regulis juris.)

“Absurdum est, plus juris habere eum, cui legatus sit fundus, quam heredem,

aut ipsum testatorem, si viveret” (Ulpiano, L. 160 § 2.º D. de regulis juris.)

“Alienatio cum fit, cum sua causa dominium ad alium transferimus, quae esset

futura, si apud nos ea res mansisset: idque toto jure civili ita se habet, praeterquam si

ali-quid nominatim sit constitutum.” (Pomponio, Dig. de contrahenda emptione, L. 67.)

De nenhum texto, porém, resulta a noção da traditio e a sua função jurídica

como da Lei 20 D. de adquirendo rerum dominio em que Ulpiano doutrina com a

costumada precisão.

“Traditio nihil amplius transferre debet vel potest ad eum, qui accipit, quem

est apud eum qui tradid.”

E acentuando esse efeito da tradição torna-o mais preciso figurando a hipótese

da transferência a non domino e resolve:

“Si igitur quis dominium in fundo habuit, id tradendo transfert: si non habuit,

ad eum qui accipit, nihil transfert.”

Aceita a transcrição como uma forma solene da tradição (Dir. das Cousas, §

48; Consolid. das Leis Civis, Introd., p. 204) não podia ela oferecer o critério de
apreciação da situação dos imóveis em referência ao direito de propriedade dos seus

possuidores inscritos como adquirentes.

As leis que aceitaram o regime francês de 1855 e o belga de 1851 são

coerentes, quando recusam ao registro das translações dos imóveis a força de um

cadastro da propriedade imobiliária.

Qual, porém, o efeito deste mecanismo sobre um regime hipotecário que

pretenda servir de assento ao crédito territorial?

De todo o ponto negativo.

Não oferecer aos prestadores de capitais, imóveis cuja propriedade não se dá

como definitivamente encabeçada naquele que figura no registro imobiliário na

qualidade de sujeito do domínio, é tornar de todo o ponto inútil a preconizada

publicidade, que não orientando o capitalista sobre a situação definitiva e certa do

domínio dos imóveis nos quais podem ter assento hipotecas, não oferece critério que o

habilite a julgar da segurança com que poderá fazer o empréstimo, sob garantia

hipotecária, desde que não lhe proporciona outros meios de fugir à eventualidade de ter

anulada a hipoteca no caso de reivindicação do imóvel transferido ao devedor a non

domino, senão as pesquisas laboriosíssimas para a apuração do verdadeiro domínio dos

imóveis.

Fora isto demolir pelos fundamentos o edifício hipotecário que se pretendeu

levantar como amparo ao crédito territorial.

Apesar de preconizado por Teixeira de Freitas, o mecanismo da legislação de

1864, apenas oferece aos terceiros uma indicação ilusória; no fundo ele não indica a

deslocação do domínio, desde que este só fica putativamente assente na pessoa do

transcendente; neste os terceiros, os prestadores de capitais só podem ver o domínio


encabeçado aparentemente, e sobre essa aparência de propriedade é que deverão eles

arquitetar a garantia real da restituição do capital mutuado?

Em França, apesar de haver ainda quem, como Fournier de Flaix, preconize o

regime de transcrição da Lei de 23.03.1855, criticando o projeto apresentado em

27.10.1896 pelo guarda-selo, M. Darlan, que propunha ampliar a transcrição a todos os

atos inter vivos e mortis causa, a verdade é que a tendência dos espíritos está para a

reforma da legislação de 1855 no sentido de tornar o registro da propriedade imobiliária

o assento do crédito territorial.

Fournier de Flaix acha de mau conselho que se sobrecarregue de atribuições os

oficiais (conservateurs) dos registros, e que se pretenda fazer deles des officiers de l’état

civil.

É esta, no entanto, a orientação moderna, a que obedeceu o Código Civil

alemão organizando, como diz Meulenaere, o estado civil da propriedade imobiliária.

221. À transcrição não são sujeitas as transmissões de imóveis, passíveis de

hipoteca, quando operadas mortis causa.

Não somente a exclusão está implícita no art. 8.º supra, mas cla ra e

peremptória no art. 237, do Dec. 370, de 02.05.1890.

A redação dada a esta disposição é defeituosa e parece indicar que só não são

sujeitas à transcrição as transmissões testamentárias devendo sê- lo as ab intestato; não é

assim; são isentas de transcrições todas as transmissões mortis causa.

Desde a confecção da Lei belga de 1851 acudiu aos jurisconsultos, que a

discutiram, a conveniência de imprimir um cunho de generalidade à transcrição

tornando-a compreensiva das transferências de imóveis por via sucessória.


Um registro público que fizesse conhecer aos terceiros as mutações que se

operassem por meio da morte oferecia um certo grau de utilidade, proporcionando assim

o meio de remontar ao conhecimento de todos os proprietários sucessivos de um mesmo

bem. Para conseguir este fim, bastaria prescrever aos herdeiros a obrigação de

indicarem, nas declarações de sucessão, os imóveis pelas sucessões e números em que

figuram na matriz do cadastro e ordenar aos conservadores de manter,

independentemente dos registros atuais, um registro no qual se transcrevessem as

declarações de sucessões relativas aos imóveis situados em suas respectivas

circunscrições, etc (Relatório da Comissão da Câmara belga).

Depois de promulgada e de por longo tempo executada a lei os seus mais

autorizados comentadores lamentam que a exigência de atos (escrituras) para que se dê

a transcrição torne esta impossível, nos casos de transmissão do domínio de imóveis por

meio da sucessão ab intestato (Laurent, vol. 29, n. 39; Martou, vol. 1.º, n. 14 in fine, p.

14), e a lei repila a necessidade da transcrição no caso da sucessão testamentária em que

a cédula do testamento é um documento sobre o qual devia assentar a transcrição.

“É uma nova exceção ao princípio da publicidade e uma nova lacuna, resulta

dela que os registros do conservador não fazem menção de nenhuma transmissão

hereditária; de sorte que não fazem conhecer a transmissão mais importante e usual,

porque tem necessariamente lugar por ocasião da morte de cada proprietário. Não se

pode dizer dos testamentos o que dissemos das sucessões ab intestato, que a publicidade

é impossível, porquanto não existe testamento sem ato, e, de fato, existiam costumes de

nantissement que prescreviam os deveres da lei para a sucessão testamentária. Há ainda

mais; o próprio Código Civil prescreve a publicidade das substituições fideicomissárias

permitidas quando se efetuarem por ato de última vontade, assim como quando tiverem
lugar por atos inter vivos (Laurent, vol. 29, n. 41). O projeto Darlan a que acima nos

referimos propunha a transcrição das transferências por sucessão testamentária e ab

intestato.

Fournier acha que: “c‟est aller encore plus loin et rendre plus inextacable la

besogne, déjà si compliquée et si lourde, des conservateurs d‟hypotheques.”

Os que justificam a exclusão das transferências causa mortis do registro da

publicidade das transmissões dos imóveis apresentam uma única razão de certo valor,

de comum aplicação no direito francês e no nosso.

A sucessão foi sempre considerada como operando “uma devolução de pleno

direito; e a máxima le mort saisi le vif é uma das regras essenciais do nosso direito.”

Dever-se-á retrogradar à idade média germânica para sujeitar a investidura o sucessor

ab intestato? (Troplong, De la transcription, n. 56).

O Sr. Lafayette abunda nas mesmas idéias e nos seguintes termos: “A sucessão

transfere o domínio desde o momento de sua abertura independentemente de tradição

(Lei de 09.11.1754, Ass. de 16.02.1786): tornar dependente da formalidade da

transcrição este efeito que por óbvios motivos deve ser pronto seria derrogar sem

utilidade reconhecida um princípio já aceito e determinado pelas necessidades práticas

da vida.” (Nota 4.ª ao § 50, do Dir. das Cousas).

Como o faz sentir Laurent, a propósito da opinião de Troplong, o argumento

faz confusão da posse com a propriedade; aquela é que se transfere pelo simples fato da

morte – é a ela que se refere no direito francês a máxima le mort saisi le vif e no nosso

direito a Lei de 09.11.1754; ora, a transferência da posse nada tem que ver com a

transcrição nec possessio et proprietas misceri debent, nihil commune habet proprietas

cum possessione, somente a translação do domínio depende desta para valer contra os
terceiros; o argumento carece, portanto de aplicação e de procedência no caso figurado.

Bem longe de retrogradar, como diz Troplong, o legislador teria dado os justos

limites à sua reforma se houvesse generalizado a transcrição ao ponto de incluir em sua

compreensão os atos mortis causa translativos do domínio dos imóveis susceptíveis de

hipoteca.

O fato, porém, é que não deu ao registro essa extensão e os atos de transmissão

mortis causa foram excluídos; concorreram sem dúvida para tal resultado as reflexões

de Teixeira de Freitas no sentido de não escorrerem, na hipótese, as fraudes freqüentes

nos atos inter vivos, e não se poder dar colisão de fatos, porque só de um fato – o

falecimento – provém os direitos sucessórios (Consolid., Introd., p. 211).

222. A transcrição opera a validade das deslocações do domínio em referência

aos terceiros; o contrato só opera em referência às partes contratantes, como fato

gerador de direitos pessoais.

Aos que estudam os fatos jurídicos em seus elementos mais remotos de

formação e à luz de uma crítica fundada toda naquilo que constitui a verdadeira

substância da ciência do direito, a essência dos princípios, acode que essa aparente

anomalia que Laurent julga ser ilogismo e incoerência da lei, e opera a cisão do mais

absoluto dos direitos reais (vol. 29, n. 158), é no nosso direito um consectário jurídico

da noção romana, desprezada pelo Código Civil francês; que o domínio só se transfere

por meio da tradição das coisas e não por força da simples convenção.

Se a transcrição é no nosso direito a tradição solene dos imóveis (Lafayette,

Dir. das Cousas, § 48; Consolid. das Leis Civis, Introd., p. 210 a 211) não há como

estranhar que em sua falta a translação do domínio dos imóveis não opere seus efeitos
como tal nem entre as partes contratantes nem entre os terceiros.

Entre as partes que contrataram, o domínio não se transfere, porque, segundo a

expressa disposição do art. 234, do Dec. 370, de 02.05.1890, antes da transcrição apenas

existe entre as partes um simples contrato, e não sendo a convenção o meio de transferir

a propriedade no nosso direito, a conseqüência é que aos estipulantes apenas assistem os

direitos pessoais que decorrem das convenções, não o direito de propriedade que exige a

tradição da coisa.

O § 1.º do art. 29 do Dec. 917, de 24.10.1890, deu a verdadeira inteligência ao

art. 234, do Dec. 370, de 02.05.1890.

“A falta de transcrição ou inscrição dá ação pessoal ao comprador para haver o

preço até onde chegar o produto do imóvel”.

“A doutrina da nossa lei, diz o Sr. Lafayette, conserva a noção científica e legal

do domínio, satisfaz a necessidade de sujeitar a transmissão de domínio a uma forma

pública e solene e evita as dificuldades da lei francesa, estabelecendo um princípio

simples e claro – que antes da transcrição não há domínio – princípio diante do qual se

esvaem as questões entre adquirentes e terceiros, que tanto que fazer dão aos escritores

franceses” (Dir. das Cousas, nota 2.ª ao § 48).

No direito belga (art. 1.º da Lei de 1851) é de toda a procedência a censura de

ilogismo e de incoerência formulada por Laurent contra a decorrência da transferência

segundo, se trata das partes contratantes ou dos terceiros, que houverem contratado sem

fraude.

A transcrição não é exigida no direito belga e no francês senão no interesse dos

terceiros.

“É somente ao público, diz Martou, que a mutação deve anunciar-se por sinais
certos, a fim de fazer nascer a confiança e no intuito de prevenir os manejos

fraudulentos que acham em um regime de clandestinidade, animação e amparo. Entre as

partes contratantes, a propriedade transmite-se pelo acordo das vontades; o adquirente

fica investido da propriedade, pela única força do consentimento, segundo a regra

fundamental do direito moderno, que consagram os arts. 711 e 1.138, do Código Civil.

A transferência do direito tem o seu fundamento e sua existência na própria convenção.

A transcrição não passa de uma formalidade intrínseca, uma espécie de complemento,

para garantir, quanto aos terceiros, a eficácia da transferência e pôr a coberto a plenitude

das prerrogativas do adquirente” (vol. 1.º, n. 63).

É em face desta noção do direito civil francês que segundo os escritores não se

justifica a dupla face do direito de propriedade, que lhe imprimem a Lei belga de 1857 e

a Lei francesa de 23.03.1855.

Concebe-se, diz Laurent, que se possa ser dono da coisa somente em relação ao

vendedor e não sê-lo em relação aos terceiros? Pode alguém ser ao mesmo tempo

proprietário e não-proprietário?... O adquirente é proprietário em relação ao vendedor e

não o é em relação aos terceiros. Por sua vez, o vendedor deixando de ser proprietário

em referência ao adquirente não pode mais dispor da coisa; no entanto conserva-se

proprietário em referência aos terceiros enquanto não se faz a transcrição; ele pode

portanto alienar, hipotecar, gravá- la de direitos reais, e tais atos serão válidos; poderão

ser opostos ao adquirente se os terceiros houverem preenchido as formalidades

prescritas pela lei.

Não terá sido mais lógico fazer da transcrição uma condição necessária para a

translação de propriedade?

É o sistema alemão que se propôs introduzir na Bélgica e em França. Tais


projetos não foram bem acolhidos” (vol. 29, n. 158).

Foi sem dúvida sob a impressão desta anomalia do direito belga e do francês

que o Sr. Lafayette escrevia estas palavras: “O domínio é um direito absoluto, erga

omnes: se não existe em relação a terceiro, também não pode existir entre as partes

contratantes. Um domínio que só é domínio entre os contratantes, mas que não é em

relação a terceiros, é uma monstruosidade que repugna à razão”. (Nota 2.ª ao § 48, do

Dir. das Cousas).

223. A transcrição, no registro hipotecário, da transferência dos imóveis com o

efeito de operar a definitiva situação da propriedade, como a estabeleceram o Código da

Baviera, o Código Civil austríaco (art. 431), o do Reino de Saxe (art. 276), o de Zurich

(art. 532), o dos Grisões (art. 186), o de Shaffusa (art. 474), o de Argovia (art. 512), o de

Soleure (art. 738), o de Berne e o Ato prussiano de 05.05.1872 (arts. 5.º e 6.º), que o

novo Código Civil alemão promulgado em 18.08.1896, adotou nos arts. 873 e 925 foi

objeto da preocupação do parlamento por ocasião de discutir o projeto de lei hipotecária

proposto pelo finado Conselheiro Nabuco de Araujo em 1854, e condenado por

considerações de inadaptabilidade ao nosso meio.

A Comissão da Câmara dos Senadores emitindo parecer sobre a proposição da

Câmara do 01.09.1856, em que se convertera o projeto Nabuco dizia:

“Em duas partes principais pode ser dividido o projeto; uma que trata do

registro dos títulos de transmissão entre vivos, a que se deu o nome de transcrição;

outra, que re- gula as hipotecas em sua constituição, fórmulas e efeitos.

“Quanto à primeira parte, a comissão não desconhece que seria muito

proveitoso para consolidação e certeza do domínio, o registro público dos títulos de


propriedade, de maneira a considerar-se o adquirente, ou o credor hipotecário,

perfeitamente seguro e inatacável a respeito do objeto adquirido ou hipotecado, e dos

encargos a que está sujeito; porém o meio do registro não produz esses resultados,

demonstra apenas, se os contratantes estão no lugar onde se operou o registro que até

esse momento o alienante não cedera a coisa a outra pessoa. Se porém o contrato é

celebrado em lugar diverso, bem pode acontecer que outra alienação se efetue antes

dessa, e então um dos dois adquirentes, aliás em boa fé, virá a ser prejudicado pelo que

primeiro tiver verificado a formalidade exigida.

“Em qualquer dos casos a propriedade continua sujeita às variadas ações reais,

não só do próprio cedente, mas as que este era obnóxio, visto como, segundo o disposto

no projeto o registro não prova o domínio, que fica salvo a quem o tiver...

“Convém lembrar ainda que decresce a importância do registro pela confusão e

incerteza dos limites das propriedades agrícolas, que em grande parte nunca foram

medidas e demarcadas, regulando-se, como se observou em outro lugar, por posses e

descrições quase sempre controversas.”

“Nos países em que essa formalidade foi adotada, acontece o contrário, porque

em alguns constitui a mutação das propriedades um ato judiciário em que se liquida o

domínio, servindo- lhe de prova; em outros o solo está demarcado, cadastrado e

dividido, cuidadosamente.

“Qualquer desmembração ou alienação, portanto, verifica a quantidade de

terreno que passou ao adquirente, e a porção que ficou pertencendo ao cedente.”

“Se estas condições não existem entre nós, como transplantar o sistema que

nelas baseia?” (Parecer de 11.09.1857, assinado por Silveira da Motta, Muritiba e Souza

Ramos).
Concluía a comissão por condenar o regime da transcrição proposto no projeto

por ineficiente, para alcançar o fim desejado.

Teixeira de Freitas, consultado pelo ministro da justiça de então sobre o

projeto, foi o mais decidido adversário da adoção do regime germânico de transcrição, e

apreciando o parecer da comissão achava justas as reflexões que ficam transcritas,

menos na parte em que concluía a comissão pela inutilidade do registro das

transferências dos imóveis, tal como se achava no projeto sob a denominação de

transcrições.

“Esta conclusão não nos parece justa, dizia Teixeira de Freitas (ofício ao

Ministro da Justiça, datado de 06.03.1860), e ousamos dizê- lo, parece-nos contraditória

com primeiro juízo do parecer sobre o grau em que o projeto em questão reformara o

regime hipotecário atual.

“E na verdade, se a transcrição do registro desse projeto não prova o domínio,

que fica salvo a quem o tiver, ao passo que a transcrição do registro germânico tem o

valor de prova irrecusável do domínio; o que há de comum entre essas duas

transcrições, produzindo efeitos tão diversos? Por outros motivos poderia a ilustre

comissão rejeitar a idéia capital do projeto no que toca à instituição do registro público;

mas nunca pela suposição de que esse registro fosse idêntico ao dos países a que alude o

parecer, onde a mutação da propriedade é um ato judiciário que continuamente liquida o

domínio, e que tem por base as demarcações ou indicações de um cadastro rigoroso.”

As idéias de Teixeira de Freitas, que eram as consagradas pelas leis da maioria

dos países da Europa, vingaram na Lei de 24.09.1864 (art. 8.º, § 4.º), e dela foram

transportadas para a legislação de 1890.

A corrente da opinião favorável em teoria ao regime germânico declarou-se


pelo mecanismo da transcrição proposto no Projeto Nabuco e defendido com razões

ponderosas que encontravam fundamento na situação especial da nossa propriedade

imobiliária rural, a qual devia principalmente servir de assentos aos contratos

hipotecários que tendiam a fomentar o desenvolvimento do crédito agrícola.

Se a Câmara dos Deputados dera o exemplo de pugnar pelo regime germânico

de registro da propriedade imobiliária, não o fizera sem encontrar apoio em opiniões de

grande valia e no exemplo de países, como a Prússia e Alemanha, onde quase todos os

Estados se haviam afeiçoado a esse mecanismo.

O próprio Teixeira de Freitas, na Introdução da sua Consolidação das Leis

Civis, não pode deixar de reconhecer na inovação proposta pela Comissão da Câmara

dos Deputados (Parecer de 14.08.1854) um esforço racional que já merecera a

consagração em diversas legislações de países onde era instituição reinante, cujos

benefícios a experiência confirma, e de grandes resultados em relação ao crédito dos

imóveis e aos bancos públicos que o mantém no pé mais favorável.

A apreciação prática do regime incompleto da transcrição de 1864 foi dada

pelos estabelecimentos de crédito real, que desprezando os fundamentos em que os

jurisconsultos apoiavam a proficuidade e eficiência de tal transcrição em confronto com

o regime de reserva e segredo nas translações do domínio imobiliário, exigiram, como

condição dos contratos hipotecários, a especificação da propriedade, por meio da

demarcação e medição dos imóveis rurais oferecidos em hipoteca.

Tanto é certo, que o domínio presuntivo da transcrição adotada não oferece

garantias ao capital, que se teme sempre da incidência do domínio efetivo, que arrede o

putativo, único que a reforma hipotecária de 1890 achou para oferecer ao crédito

imobiliário agrícola do qual dependia o revigoramento de uma indústria que sofrera o


mais profundo golpe com a Lei de 13.05.1888.

É certo que o transferente não podendo transmitir ao adquirente maior direito

do que possui, por meio da transcrição que é simplesmente a tradição solene do imóvel

alienado, não se pode exigir que o ato, que é a expressão da tradição, altere o direito

sobre o objeto da mesma tradição; argumentar deste modo é responder a questão pela

questão; o que se diz é que a transcrição não deve ser a tradição solene do imóvel, mas o

título dominical deste, expurgado o imóvel do perigo da reivindicação e evicções

imprevistas, como o é o registro do sistema Torrens, cujo aparelho não oferece essa

engrenagem complicada de que tanto se temia Teixeira de Freitas, cujos receios o Sr.

Lafayette parece justificar na, aliás luminosa, nota 2 ao § 49, do Direito das Cousas.

Como está estabelecido nas disposições do art. 8.º, e § 4.º, do Dec. 169 A,

supra transcritos a transcrição opera o registro da transferência do domínio para o

adquirente, tal como se achava dele investido o transferente, com os mesmos atributos e

os mesmos vícios.

Se o adquirente só houve o imóvel a non domino está exposto à reivindicação

da qual não o defende a transcrição operada; se na crença de ter líquido o seu direito

dominical houver hipotecado o imóvel, a hipoteca é nula, salvo se o devedor resolver-se

a adquirir novamente o imóvel do verdadeiro proprietário, caso em que o domínio

superveniente revalidará a hipoteca anteriormente feita.

Que segurança, repetimos ainda e não nos cansaremos de dizê-lo, oferece ao

crédito territorial semelhante mecanismo de inscrição da propriedade imobiliária, em

seu movimento?

A hipoteca ou vai desaparecer, como todas as criações jurídicas apoiadas no

predomínio da propriedade imobiliária, ou será unicamente o veículo para a circulação


dessa propriedade por meio das letras hipotecárias, novo instrumento de crédito, que

não poderá em caso algum ter assento em uma propriedade presuntiva, que terá sempre,

como diz Teixeira de Freitas, de ceder a propriedade verdadeira, do mesmo modo que a

presunção deve sempre ceder à verdade (Consolidação das Leis, Introd., p. 203).

224. A jurisprudência interpretando as disposições da Lei de 1864 e do seu

regulamento e aplicando-as aos casos concretos, considera a transcrição como o critério

do encabeçamento do domínio – em referência aos terceiros – e só reconhece no

preceito do § 4.º do art. 8.º, da Lei de 24 de setembro, uma restrição que afeta somente

as partes contratantes, únicas competentes para apurá- la, sem que tenha, porém, a

solução, qualquer que ela seja, efeitos para com os terceiros.

Em uma sentença de que dá notícia O Direito, vol. 37, p. 542, se firmou o

princípio que só depois da transcrição do título passa o domínio do imóvel para o

adquirente; até então pertence ao alienante, que é considerado senhor do imóvel, o qual

fica sujeito ao pagamento de suas dívidas.

Esta decisão confirmada por dois acórdãos da Relação de Porto Alegre foi

reformada por acórdão do antigo Supremo Tribunal de Justiça de 15.06.1885 sob o

fundamento de que não se faz precisa a transcrição quando o adquirente ocupa logo

imóvel adquirido (O Direito, vol. 37, p. 550 a 551).

O Tribunal da Relação desta Capital, designado para revisor, decidiu

restabelecendo a doutrina da sentença e desenvolvendo-a:

Que o adquirente do imóvel que não faz a transcrição é vencido nos embargos

de terceiro senhor e possuidor opostos à penhora do imóvel, ainda que o credor

exeqüente não tenha registrado a hipoteca judiciária e isto porque:


Nos termos do art. 8.º da Lei de 1864, e dos arts. 256 e 257, do Decreto de

1865, a transmissão entre vivos, por título oneroso ou gratuito, dos bens suscetíveis de

hipoteca, não opera seus efeitos a respeito dos terceiros senão pela transcrição e desde a

data dela, sendo que até à transcrição o ato da transmissão é um simples contrato que só

obriga às partes; que das disposições da Lei de 24.09.1884 e do Decreto de 26.04.1865

resulta que antes da transcrição e até a data dela o domínio do imóvel, suscetível de

hipoteca, alienado por qualquer dos modos exemplificados no art. 259 do Decreto de

1865 não passa do alienante para o adquirente, ficando assim substituída a tradição

exigida pela Legislação anterior, pela transcrição prescrita do art. 8.º da Lei Hipotecária,

sem que se possa invocar a disposição do artigo citado § 4.º e art. 258 do Regulamento

de 1865 contra a procedência dessa ilação, porque, se a transcrição não induz a prova

do domínio; é ponto que só pode ser debatido entre as partes contratantes às quais

afeta, e em qualquer sentido que seja decidido não prejudica aos terceiros para os

quais vigoram os efeitos legais da transcrição (Acórdão de 27.11.1885, em O Direito,

vol. 39, p. 215 a 219).

Este modo de ver, como afirmativo da noção do alcance da transcrição, no

sistema da Legislação de 1864, ressumbra de grande número de decisões dos tribunais

em as quais firmou-se o princípio de que o adquirente, que transcreveu o título, é

terceiro senhor e possuidor para embargar a execução que se pretender assentar no

imóvel por ele adquirido e cujo título de aquisição houver transcrito; devendo somente

julgar-se inválida a transcrição para tal efeito, quando a transferência tiver vício radical,

como por exemplo, quando houver sido feita em fraude da execução.

A importância destes julgados (O Direito, vol. 25, p. 228; vol. 50, p. 574 a 578;

vol. 58, p. 227 a 232 e outras) está em que o fato de reconhecerem no adquirente, por
título transcrito, um senhor e possuidor do imóvel, importa ver na transcrição a

revelação do domínio para com os terceiros, atenta a disposição restritiva do § 4.º do art.

8.º, da Lei de 1864 e do Dec. 169 A, de 1890, aos contratantes.

224. Entre os imóveis susceptíveis de hipoteca, que já enumeramos por ocasião

de estudar o § 1.º, do art. 2.º, do Dec. 169 A, não se pode contemplar o edifício vendido

para ser demolido; conquanto os edifícios sejam compreendidos entre os imóveis por

natureza, as partes que os compõem, como os materiais de toda a espécie que nos

mesmos se acham incorporados, são móveis desde que são considerados desape gados

do todo, e se só com esta condição são objeto do contrato de venda, esta não transfere

direito real sobre o imóvel, nem sobre objetos que o contrato não pode deixar de

considerar móveis, pois os supõe desagregados do imóvel (Demolombe, vol. 9.º, n. 183;

Martou, vol. 1.º, n. 28).

225. O art. 236 do Dec. 370, de 02.05.1890, menciona discriminadamente os

atos inter vivos que devem ser considerados translativos do domínio e, como tais,

sujeitos à transcrição.

226. A compra e venda pura ou condicional, que é o modo mais comum de

transferir o domínio, não compreende a venda alternativa de dois imóveis, antes da

opção.

Os doutrinadores do direito francês opinam que um dos imóveis devendo-se

reputar vendido, a venda alternativa deve ser registrada imediatame nte; apesar de

operar-se no direito francês (art. 711 e 1.838 do Código Civil) a transferência da


propriedade dos bens por simples força dos contratos e independentemente da tradição,

ainda assim a melhor opinião é no sentido de não levar-se a efeito a transcrição senão

após a opção (Laurent, vol. 29, n. 58), porque só então o adquirente se torna

verdadeiramente proprietário e, conseguintemente, há interesse em ser a venda

conhecida dos terceiros.

A opinião, em contrário, de Aubry et Rau que a venda alterna tiva confere ao

adquirente um direito atual sobre as duas coisas compreendidas in obligatione, direito

que desaparece, em referência a uma delas, pelo fato da escolha da outra, não parece

justificar-se com o fundamento de ter a transcrição por fim garantir o adquirente contra

os direitos que o vendedor concedesse sobre uma ou outra coisa das compreendidas na

venda e, que, no caso em que a opção pertence ao vendedor, a transcrição tem como

conseqüência tornar ineficaz, em referência ao comprador os direitos que depois de ter

usado de sua faculdade de opção vendendo ou hipotecando uma das coisas, tivesse o

vendedor concedido ulteriormente sobre a outra (Aubry et Rau, vol. 2.º, § 209).

No nosso direito, conquanto nas vendas alternativas se repute o direito do

adquirente firmado sobre uma das coisas, tanto que no caso de perda de ambos, ao

adquirente imputa-se a perda de uma – sed et pariter decesserunt, pretium debebitur –

(Paulo, § 6.º da L. 34 D. de contrahenda emptione), todavia só pela opção o direito de

propriedade se encabeça e, conseguintemente, só nessa hipótese se dá a transcrição.

227. A permutação de dois imóveis importa a transferência do domínio de

ambos; ela é um contrato essencialmente translativo da propriedade (Laurent, vol. 29, n.

66; Aubry et Rau, vol. 2.º § 209, letra c), e equiparado à compra e venda (Consolid. das

Leis, nota 1.ª ao art. 510).


Quando se fizer o registro de permuta de dois imóveis devem ter lugar duas

transcrições, com referência recíproca e números de ordem seguidos no protocolo e no

livro de transcrição, sendo também distintos e com referência recíproca as indicações do

Indicador real (art. 256 do Dec. 370, de 02.05.1890; Aubry et Rau, § 209). (p)

228. A dação de imóvel em pagamento é, no nosso direito, equiparado à

compra e venda (Lobão, Notas a Mello, vol. 2.º, Liv. 2.º, Tít. 8.º, § 19, n. 13; Consolid.

das Leis, nota 1.ª ao art. 510; Aubry et Rau, § 209, letra b; Laurent, vol. 29, n. 63).

229. A transferência feita por sócio de um imóvel para a sociedade como

contingente para o fundo social.

(p)
A disposição supra do art. 256 do Dec. 370, de 02.05.1890, reprodução do art. 281 do
Dec. 3.453, de 26.04.1865, exigindo no registro da permuta e da sub-rogação de imóveis duas
transcrições, deu causa a duvidar-se quando comparecia uma só das partes contratantes seria ela
obrigada a registrar, transcrevendo a sua aquisição e a do transmitente, ou tem ela aplicação
unicamente ao caso de comparecerem ambos os permutantes a transcreverem cada um o seu
título.
A dúvida acha-se formulada por um oficial de registro de hipotecas e devidamente
resolvida na decisão de que dá notícia O Direito, vol. 14, p. 410, e no artigo inserto na mesma
revista no referido volume a p. 667 a 669.
A disposição não veda que uma só das partes permutantes faça transcrição do seu título
de aquisição; importaria isso a exigência das duas transcrições, o que afeta o princípio cardeal
do regime da publicidade da transferência dos imóveis consagrado na legislação de 1864 e
transportado para a de 1890 – a voluntariedade do registro. Nenhum adquirente é obrigado à
transcrição; a sanção desta é não valer, sem ela, a aquisição do domínio contra os terceiros.
O art. 256 do Dec. 370 deve, pois, ser entendido como tendo aplicação ou no caso de
comparecerem os dois formulantes a fazer as transcrições de seus títulos, e, o que vem a dar no
mesmo, no de comparecer um só devidamente habilitado para fazer a transcrição do outro, ou ao
de comparecerem um após outro os dois contratantes; em tal hipótese a duas transcrições e as
referências recíprocas terão lugar quando comparecer a adquirente retardatário.
A transcrição é do título de aquisição da sociedade, a qual tem patrimônio

próprio como pessoa jurídica distinta dos sócios (Aubry et Rau, § 209, letra d;

Endemann, Manual de Direito Comercial, vol. 1.º, § 74, trad. italiano de Betocchi e

Vighi; Laurent, vol. 29, n. 67; Lafayette, Dir. das Cousas, § 51, n. 5).

O Código Civil italiano exige a transcrição do próprio contrato que a sociedade

que tiver por objeto o gozo de bens imóveis, quando a duração da sociedade for

indeterminada ao exceder de nove anos (art. 1.932, n. 6.)

230. A doação entre vivos. Compreendem-se nesta expressão todas as doações

propter nupcias e a renúncia translativa (Dir. das Cousas, § 51, n. 7; Aubry et Rau, §

209, letra f) de direitos adquiridos.

A disposição do nosso direito escrito (§ 5.º, do art. 236, do Dec. 370, de 1890)

foi inspirada pelo do art. 939 do Código Civil francês; deve-se portanto, entender que a

transcrição das doações inter vivos de imóveis suscetíveis de hipoteca, nada tem que ver

com a insinuação exigida em tais doações, que de modo algum pretendeu substituir.

A insinuação é substancial para a validade das doações inter vivos, na parte em

que estas excedem as taxas de lei (Ord. do L. 4.º, Tít. 62; Lei de 25.01.1775 e Alvará de

16.09.1814).

As opiniões de Toullier (vol. 3.º, n. 230 e seguintes) e de Vazeille (art. 941, n.

1) são aceitáveis no nosso direito de preferência às de Demolombe (vol. 20, n. 242, letra

c), de Duranton (vol. 8.º, n. 504) e de Marcadé (vol. 3.º, n. 659).

Sendo a insinuação substancial, no nosso direito, para a validade das doações

de imóveis susceptíveis de hipoteca, quando o valor destes exceder das taxas da lei, não

é dispensável, não é suprível pela transcrição, que tem função diversa, qual a de
publicar a transferência do domínio operado pela doação; para que esta subsista,

publicada ou não, é preciso que seja válida, o que só se dá quando insinuada. Para que

possam valer contra terceiros, devem ser publicados, isto é transcritos; se, porém, forem

substancial- mente nulos, por falta de insinuação, o fato da transcrição não purga a

nulidade (q).

O direito belga (Lei de 16.12.1851, art. 1.º) exigindo a transcrição para as

doações inter vivos, ainda que tenham como objeto móveis ou imóveis não suscetíveis

de hipoteca, ampliou a disposição do art. 939 do Código Civil francês e, segundo a

opinião mais seguida, acabou com a insinuação, que considerou um meio de publicidade

substituído pelo da transcrição.

A nossa lei corrigiu o defeito do art. 939 do Código francês admitindo, de

conformidade com o regime belga (Thiry, vol. 4.º, n. 306; Martou, vol. 1.º, n. 17;
(q)
Não é desprovido de interesse prático o apurar-se se perdura a insinuação, ainda sem
relação às doações de imóveis sujeitos à transcrição.
Os comentadores do Código Civil francês entendem que a transcrição das doações dos
imóveis suscetíveis de hipoteca é hoje não um modo de publicidade comum às transferências de
domínio dos imóveis, mas sim, como foi transportada do art. 26 da Lei de 11 do brumário do
ano 7.º, é condição necessária para a validade da doação para com os terceiros e substitui a
insinuação.
Tal substituição pareceu estar na intenção da seção de legislação do Conselho d‟Estado
em França, por ocasião da confecção do Código Civil, quando condenou como duplicação inútil
a necessidade da insinuação estabelecida na Ordenança de 1731, e a transcrição exigida no art.
26 da Lei do brumário do ano 7.º.
A oposição feita por Tronchet ao parecer do Conselho de Estado, fundava-se na maior
compreensão da insinuação, que abrangia todas as doações, ao passo que a transcrição
compreende apenas os imóveis hipotecáveis, o que indica que tal medida afeta mais a perfeição
do mecanismo hipotecário do que a validade substancial das doações.
O interesse prático está nisto: a falta de insinuação pode ser alegada pelos herdeiros, do
doador, para anular a doação; ao passo que não poderia alegar a falta na transcrição, porque o
contrato vale entre as partes independentemente de transcrição.
Laurent, vol. 29, n. 46), a transcrição dos ônus reais, por disposição expressa ( art. 241,

do Dec. 370, de 02.05.1890, e arts. 70 e 8.º, do Dec. 169 A, de 19 de janeiro do mesmo

ano).

231. O dote estimado. A razão de não ser sujeito à transcrição o dote

inestimado ou o estimado taxationis causa é que neles não tem lugar a transferência do

domínio dos bens, dados em dote, ao marido; o domínio da mulher, quando o dote é por

ela constituído, renasce logo que se dissolve a sociedade conjugal (Lafayette, Dir. das

Cousas, § 51, nota 7; Dir. de Familia, § 88; Consolid. das Leis Civis, arts. 122 e 129, e

notas 15 e 17; Clovis Bevilaqua, Dir. de Familia, § 46).

O imóvel dotal, não sendo o dote estimado, não pode ser hipotecado – pelo

marido; porque este não tem sobre ele o domínio, – pela mulher porque, conquanto

proprietária, não tem exercício do seu direito e não pode alienar o imóvel, salvo o caso

de já ser comerciante quando casou (art. 60, do Decreto de 24.01.1890).

232. Toda a transação, da qual resulta a doação ou transmissão do imóvel.

A hipótese figurada na disposição supra não é, no rigor dos princípios, a

consagração da noção de que a transação seja alienativa e não simplesmente

reconhecente do domínio; mas sim, a aplicação da transcrição ao caso em que a

transferência da propriedade senão se funda, resulta da transação.

Assim quando em uma contenda qualquer as partes transigem transferindo uma

a outra a propriedade de uma casa, tal transferência, como diz Laurent (vol. 28, n. 394),

não resulta da transação pois que o direito de propriedade da casa não era objeto da

contenda, não é sobre tal direito que assenta a transação; conseguintemente não é por
força da transação que se opera a translação do direito, é em virtude de um acordo de

vontades que se ajunta à transação, mas que não é propriamente a transação.

A noção jurídica desta repele um acordo qualquer sobre um direito certo; a

transação não transfere domínio, nem importa a aquisição de novo direito ou novo

título; mas opera apenas a extinção da controvérsia; esta noção dada por Dumoulin foi a

que passou para o direito moderno.

Como, porém, ocorrem hipóteses iguais à figurada supra em que sem a

transação não se daria a translação do domínio e que aquela foi o meio de operar-se esta

e dar-se a liberatio controversiæ, que Dumoulin diz caracterizar a transação, o

legislador de 1890 andou acertadamente reproduzindo a disposição do § 7.º do art. 259

do Decreto de 26.04.1865 e sujeitando à transcrição a transação de que resultar qualquer

transferência de imóveis suscetíveis de hipoteca, apartando-se assim do direito francês,

que não faz transcrever a transação (Aubry et Rau, vol. 2.º, § 209), salvo na hipótese de

consistir esta na cessão de um imóvel, que não fosse objeto da demanda, caso em que

deverá ser transcrito o ato que opera a cessão.

Esta restrição oferecida por Aubry et Rau (loc.cit.) e Mourlon (Transcrição,

vol. 1.º, n. 73), é uma perfeita filagrana; porquanto, na hipótese, a cessão foi o assento, o

elemento substancial da transação; sem ela esta não teria tido lugar.

“De resto, diz Aubry et Rau (loc. cit.) um ato, que qualificado de transação,

não passasse na realidade de uma cessão disfarçada, não poderia ser, aposta aos

terceiros senão depois de transcrita”.

Se a cessão importasse uma transação, como não decidir do mesmo modo?

Laurent entende (vol. 28, n. 297) que a transação, ainda quando importa

alienação ou transmissão de imóvel hipotecável ou não, não está sujeito, no direito


belga, à transcrição.

Carece de apoio na disposição do art. 1.º, da Lei de 1851, a opinião do distinto

jurisconsulto; ela funda-se em a inteligência muito restrita que dá ao ato declaratório,

que a lei manda registrar e às renúncias de direitos de domínio sobre imóvel, que podem

ser elementos da transação, e os quais se devam aplicar os princípios e a solução que

acima estabelecemos em referência à cessão.

Contra a opinião de Laurent estão a de Arntz (vol. 4.º, n. 1.620) e a de Thiry

(vol. 4.º, n. 306).

“A renúncia que fazem os que transigem, diz Laurent, não tem como intuito

senão terminar a contestação que as divide” – como se por esse fato a renúncia da

propriedade de uma em favor da outra das partes contendoras, como meio único de pôr

termo a contestação, deixasse por isso de operar a transmissão de propriedade, ato que

deve ser sujeito ao registro na lei belga, ainda quando não se trate exclusivamente de

imóveis suscetíveis de hipoteca.

233. Em geral, todos os demais contratos translativos de imóveis suscetíveis de

hipoteca.

Esta disposição do § 8.º do art. 236 do Dec. 340, de 02.05.1890, transportado

do art. 259, § 8.º, do Dec. 3.453, de 26.04.1865, compreende os distratos de contratos

translativos do domínio de imóveis; a razão é que por meio de tais distratos transfere-se

novamente a propriedade para o primitivo dono, o vendedor (Dir. das Cousas, § 51, n.

9, nota 15).

Compreende a cessão do direito de resolução da venda de imóveis por força da

cláusula a retro?
No direito francês é ponto de discussão; Laurent opina pela afirmativa porque a

cessão do direito de resgate importa a cessão de um direito à transferência do imóvel

novamente para o poder do alienante, se o cessionário usar do direito de resgate ele

tornar-se-á proprietário a partir do ato de cessão, como se tivesse comprado o imóvel,

pois, foi na realidade o imóvel que ele comprou (vol. 28, n. 86).

Esta opinião é combatida por Aubry et Rau com o fundamento de que a venda

a retro ou com a cláusula rendimendi importa, por parte do vendedor, despojar-se este

de todo o direito de propriedade; somente conserva ele um simples jus ad rem; a cessão

da faculdade rendimendi estipulada na alienação dos imóveis, não importa transferência

de um direito de propriedade sobre imóvel, conseguintemente não pode ser sujeito à

transcrição (nota 68 ao § 209).

Se o fundamento do sentir de Aubry et Rau nos parece aceitável na parte em

que aprecia a natureza e os consectários da venda a retro; não podemos deixar de

preferir como de mais segura aplicação a de Laurent, pela seguinte e peremptória razão.

As vendas com a cláusula rendimendi são consideradas no nosso direito vendas

condicionais (Ord. do Liv. 4.º, Tít. 4.º; Consolid. das Leis Civis, notas aos arts. 550 e

551): ora cumprida a cláusula resolutiva, a força desta faz retroagir a situação jurídica

das partes contrastantes à época do contrato, conseguintemente o cessionário do

vendedor na venda a retro, entende-se conservar mais do que um direito creditório

contra o comprador, como supõem Aubry et Rau; antes, chegado o termo estipulado, ou

prestado o preço da venda (Ord. do Liv. 4.º, Tít. 4.º princ.), o direito de propriedade que

resignar-se-ia na plenitude de seu exercício na pessoa do vendedor, passar- lhe-á com

igual vigor por força da cessão.

É certo que o vendedor à retro transfere ao comprador a propriedade do


imóvel; a Ord. do Liv. 4.º, Tít. 4.º princ. bem o indica quando estabeleceu que havendo

o comprador a coisa comprada em seu poder, ganhará e fará cumpridamente seus

todos os frutos e renovos, e vendas, que houver da coisa comprada, até que o dito preço

lhe seja restituído: mas, como diz Laurent, (vol. 24, n. 392) a transmissão é afetada de

uma condição resolutiva, e como toda a condição resolutiva importa uma condição

suspensiva, o vendedor conserva um direito condicional sobre a coisa.

Este modo de ver, preconizado pela doutrina dos escritores franceses não teve

o beneplácito da jurisprudência, que se tem inspirado na decisão da Corte de Cassação

da França proferida em 21.12.1825.

A noção jurídica da cláusula rendimendi como a expõe Laurent é a única

aceitável entre nós: sendo uma condição que afeta a venda de imóvel suscetível da

hipoteca deve ser transcrita nos termos do § 5.º, do art. 8.º, do Dec. 169 A, de

19.01.1890, e igualmente deve sê- lo a cessão que o vendedor houver feito do seu jus

redimendi.

As sub-rogações de imóveis inalienáveis por outros imóveis devem

compreender-se entre os contratos translativos de imóveis susceptíveis de hipoteca, para

o fim de serem transcritos, deles paga-se imposto de transmissão de propriedade (art.

14, n. 9,do Dec. 5.581, de 31.03.1874).

234. A instituição dos ônus reais, enumerados no art. 6.º, do Dec. 169 A, de

1890, quando feito por atos inter vivos está sujeito a transcrição para valerem tais ônus

contra terceiros; a prevalência da instituição começa a decorrer da transcrição (art. 8.º

do Dec. 169 A, e art. 241, do Dec. 370).

A razão da transcrição funda-se em que tais ônus são em substância direitos


reais, no sentido restrito da palavra – jura in re aliena – e afetam, de modo gravoso, o

domínio, já em seu exercício, já em seus elementos essenciais, e como aderem ao

imóvel e acompanham-no em seu movimento de circulação convém ser conhecidos dos

terceiros, para que não se dêem aquisições de imóveis como livres e desembaraçados,

quando são onerados de direitos reais, que suportam restrições das funções dominicais

do proprietário.

Acresce, e é esta a razão primordial que interessa ao mecanismo hipotecário,

que tais direitos têm ação sobre o direito real do credor hipotecário, para o efeito de

sujeitar este às limitações decorrentes daqueles; para que esta ação possa ter lugar a lei

exige que o credor hipotecário tenha conhecimento da existência de tais ônus, antes de

celebrar o contrato hipotecário: o modo de proporc ionar- lhe tal conhecimento e a

publicidade dos direitos reais existentes sobre o imóvel, por meio da transcrição.

O Dec. 370, de 1890, que tem força legislativa, conquanto seja ato de caráter

executivo, abriu uma exceção à necessidade da transcrição dos ônus reais em favor do

imposto predial e dos outros impostos relativos a imóveis (art. 242).

A preocupação de criar ao fisco situações excepcionais no mecanismo jurídico

que preside ao exercício das faculdades decorrentes dos preceitos do direito comum,

deve cessar por odiosa, e não se justifica, quando a fazenda pública tem funcionários

especialmente incumbidos de prover a guarda e a vigilância dos direitos da mesma.

Porque não fazer depender da transcrição os imposto reais, já que a lei

concedeu- lhes a investidura de direitos reais, de ônus, que gravam os imóveis, em sua

circulação?

O fato é que o preceito de exceção existe e deve ser observado.

O Estado submete à transcrição as transmissões que, como pessoa civil opera


em contratos com os particulares com exceção das concessões de minas, caminhos de

ferro e canais (art. 243, do Dec. 370, de 02.05.1890), a qual aliás não precisava ser

declarada, por não constituírem tais concessões translações de domínio; porque não

submete à publicidade do registro os ônus reais consistentes em encargos decorrentes da

tributação sobre a propriedade imobiliária?

§§ 1.º e 6.º A transcripção será por extracto.

As transcripções terão seu numero de ordem e à margem de cada uma o

tabellião referirá o numero ou números posteriores, relativos ao mesmo immovel, ou

sejam transmitidos integralmente ou por partes.

235. O modo prático de realizar a transcrição está estabelecido com

minudência no regulamento, a cujo cargo o ato de 19.01.1890 deixou a organização do

processo e de escrituração da transcrição (§ 7.º, do art. 8.º, do Dec. 169 A).

Em nada foi alterado o mecanismo da legislação anterior, antes os preceitos

dos arts. 45 e seguintes, e 268 a 281, do Decreto de 26.04.1865, foram reproduzidos no

regulamento aprovado pelo Dec. 370, de 02.05.1890.

O adquirente que quer ter o seu título transcrito leva-o ao oficial do registro da

situação do imóvel, acompanhando-o de dois extratos, que devem conter as indicações

necessárias para a transcrição e que esta deve conter. Estes extratos devem ser assinados

pela parte, por seu advogado ou procurador (art. 50, §§ 1.º e 2.º, do Dec. 370, de

02.05.1890).

O oficial toma no protocolo nota da data da apresentação do título e dá- lhe o

número de ordem que lhe competir, reproduz no título essa data e esse número de
ordem.

Este número tem a função importante de determinar a prioridade do título;

assim sendo, se duas pessoas pedirem as transcrições de seus títulos ao mesmo tempo,

isto é, das 6 às 12 da manhã, ou das 12 às 6 da tarde, os títulos por elas apresentados

terão o mesmo número de ordem, e conseguintemente não terão prioridade um sobre o

outro, com esse fundamento; poderão tê-lo, porém, com o fundamento de antiguidade

de data (arts. 42 a 46, do Dec. 370, de 02.05.1890).

Podendo dar-se o caso de uma mesma pessoa apresentar mais de um título de

transmissão de diversos imóveis para ser transcrito, ou mais de um título de

transferência do mesmo imóvel, o oficial do registro dará, no primeiro caso, a cada um

dos títulos o seu número, mas observando a numeração seguidamente; no segundo caso,

o número de ordem dos títulos será o mesmo, adicionando-se-lhes, nos outros títulos, as

letras a, b, c, etc.

Acentuada assim a situação da prioridade do título, na escrituração do

protocolo e no próprio título, passa o oficial a examinar se os extratos estão regulares.

A regularidade consiste:

a) em estarem os extratos conformes um com o outro;

b) em terem os requisitos necessários, segundo o art. 245, do Dec. 370, de

02.05.1890, para se dar a transcrição: os extratos devem conter as declarações exigidas

na mesma ordem mencionada no citado art. 245 (art. 52, do Dec. 370).

Se os extratos não forem conformes entre si o oficial não os aceitará, e não fará

o registro, sem que sejam apresentados outros; sendo conformes um com o outro, mas

faltando- lhes qualquer das declarações exigidas no art. 245, o oficial fará a transcrição

suprindo a deficiência dos extratos, como o que constar do título (arts. 52 e 53, do Dec.
370).

É lícito fazer a transcrição em face de um título particular; isto que era

permitido pelo Dec. 370, de 1890, desde que o interessado apresentasse o título em

duplicata, para que um dos exemplares ficasse arquivado no cartório das hipotecas é,

por força de maior razão, permissível na atualidade, depois da Lei de 23.08.1892, apesar

de que este ato manteve a necessidade da escritura pública em todos os casos em que ela

for da substância do contrato, como nas transmissões de bens de raiz de valor superior a

duzentos mil réis (art. 11, da Lei 840, de 15.09.1855; parágrafo único, do art. 2.º, do

Dec. Legislativo 79, de 23.08.1892), conquanto adotasse o regime salutar de

celebrarem-se por escrito particular todos os contratos em que a escritura pública fosse

exigida como prova, na Legislação então dominante. O art. 74, do Dec. 370, admite para

a transcrição os atos autênticos de países estrangeiros, legalizados pelos cônsules

brasileiros e traduzidos na língua nacional, por tradutor público (§ 3.º do artigo citado).

A transcrição consiste em lançar o oficial no Livro n. 3 as cláusulas e requisitos

seguintes:

1. O número de ordem;

2. A data;

3. A freguesia onde o imóvel é situado;

4. A denominação do imóvel, se for rural; a menção da rua e número dele, se

for urbano;

5. As confrontações e característicos do imóvel;

6. O nome e o domicílio do adquirente;

7. O nome e o domicílio do transmitente;

8. O título de transição (se é venda, permuta ou outro);


9. A forma do título e o nome do tabelião que o fez;

10. O valor do contrato;

11. As condições do contrato;

12. As averbações (art. 245, do Dec. 370, de 02.05.1890; Lafayette, Direito das

Cousa, § 52).

Efetuado assim o registro o oficial lançará no protocolo a nota de haver feito o

registro mencionando o livro, a página e o número do mesmo; mencionará no Indicador

real, os imóveis transcritos e no Indicador pessoal as pessoas que fizeram na transcrição.

Tomadas estas notas e feito no título a de registrado com declaração do

número e da página do livro em que o registro estiver lançado; o oficial entregará à

parte o título e um dos extratos, depois de numerar e rubricar as folhas de um e outro

(arts. 54 e 55, do Dec. 370, de 1890); o outro extrato e o outro título, se for este escrito

particular, serão arquivados, sob o rótulo do ano a que pertencerem e nos maços dos

títulos e extratos nos termos do art. 76, do Dec. 370, de 1890 (art. 56 do mesmo

Decreto).

Os títulos que não puderem ser transcritos por ter chegado à hora do

encerramento do registro terão preferência para serem registrados no dia seguinte, para

o qual ficarão reservados (art. 61, do Decreto citado).

O oficial do registro só procede às transcrições em virtude de requerimento da

parte, nunca ex officio; não somente as pessoas que adquirem ou transmitem algum

direito por meio dos títulos oferecidos ao registro são pessoas legítimas para pedirem a

transcrição, mas também as que lhes sucedem, ou as que as representam; as que não

forem partes no contrato, ou herdeiros destas, são considerados terceiros (arts. 62, 63 e

64, do Decreto citado).


Quando for presente ao oficial do registro algum título para transcrever, não

tem ele competência para recusá-lo sob pretexto de ilegalidade sem tomar nota da

apresentação e conferir ao título o número de ordem que lhe couber (art. 65 do Decreto

citado).

Feita a nota de apresentação e conferido o número de ordem pode o oficial, no

caso de duvidar da legalidade do título, recusar o registro; em tal hipótese entregará o

título ao interessado com a declaração da dúvida que encontrou a fim de poder a parte

recorrer à autoridade a cuja jurisdição está sujeito o oficio ou cartório do registro

público e das hipotecas e das transmissões do domínio dos imóveis.

Como, porém; o título já foi notado no protocolo, o oficial deverá, na coluna

deste livro destinada às anotações, declarar que a transcrição não teve lugar e ficou

adiada por haver sido posta a dúvida, que mencionará em resumo (arts. 66 e 67, do

citado Decreto).

A parte interessada requererá à autoridade competente a solução da dúvida

proposta pelo oficial, e para isto juntará o título no qua l estará escrita a dúvida do

oficial, dirá sobre ela impugnando-a, como lhe parecer melhor, e pedirá que se mande

proceder ao registro.

Se a dúvida for julgada infundada o oficial fará o registro do título à vista da

decisão proferida, que será apresentada em certidão pela parte interessada, ao mesmo

tempo que o título. O oficial na coluna das anotações do protocolo declarará que a

dúvida foi julgada improcedente por despacho da autoridade tal, datado de tal dia, que

fica arquivado.

Se, porém, o juiz houver julgado a dúvida procedente, o escrivão do juízo

enviará ao oficial do registro certidão do despacho, o oficial cancelará a nota de


apresentação, declarando, na coluna das anotações, que a dúvida foi julgada procedente

por despacho de tal data, e arquivará a certidão (arts. 68, 69 e 70, do Decreto citado).

As disposições supra autorizam o oficial do registro a opor à transcrição dos

títulos de transferência de domínio dúvida fundada em vício substancial do contrato, ou

somente em erro formal do título instrumento da convenção?

Se a transcrição não tem outro efeito mais do que dar à publicidade, para que

chegue ao conhecimento dos terceiros e valha para com estes, a transferência do

domínio, e de modo algum tem como fim estabelecer a situação legal e definit iva do

domínio transcrito pelo adquirente do imóvel, a função do oficial, sendo como dizia

Teixeira de Freitas a de mera testemunha instrumentária como o são os tabeliães ou

notários, não o autoriza a opor óbices ao registro, fundado em vício substancial da

transferência, como a de ser feita a non domino; a fiscalização do oficial recai somente

sobre a estrutura formal do título; se esta for tão eivada de defeitos e de vícios, que

autorize a suspeita de falsidade do título, ou a increpação de nulidade, terá lugar a

oposição de dúvida à realização do registro.

As expressões ou sobre ele ocorra qualquer dúvida não autorizam a

competência do oficial para opor dúvida fundada na nulidade essencial da transferência,

quer esta provenha de falta de domínio do transferente, quer de ser o instrumento da

translação escrito particular, quando se tratar de bens imóveis de valor superior a

duzentos mil réis, caso em que a escritura pública é da substância do contrato; porque

isso fora conferir ao juiz da legalidade da transcrição a atribuição de apurar o domínio

legítimo do adquirente, o que não está nos moldes do nosso registro, de simples

publicidade, que só trata de proporcionar o conhecimento do domínio putativo no estado

em que se acha, respeitados e salvos os direitos incógnitos de terceiros (Teixeira de


Freitas, Ofício de 17.02.1860 ao Ministro da Justiça).

Se o juiz, por provocação do oficial do registro, pode julgar da idoneidade do

título para operar a mutação do domínio, e repeli- lo do registro quando não tiver

idoneidade para tal efeito, e isto porque o contrário seria consentir na transcrição de

uma transferência de domínio nula, ineficiente para operar a mutação da propriedade, o

que equivaleria ao registro de uma transferência em que nada se transferia; porque não

fazer da transcrição a demonstração definitiva do domínio legitimo; segundo a ex-

pressão de Teixeira de Freitas? Nem sequer para tal afirmação do direito do adquirente

falta a autoridade do magistrado, que o exímio jurisconsulto dizia não existir no oficial

do nosso registro, em diferença do que se dá em relação aos conservadores de registro

no regime alemão. (Citado oficio ao Ministro da Justiça).

Todas as transcrições deverão ser assinadas pelo oficial do registro (art. 72, do

Dec. 370, de 1890), elas podem ser requeridas pelo adquirente, pelo transferente,

pessoas que os representarem, ou comparecerem por parte deles, ainda mesmo sem

procuração, e por todos os que tiverem interesse na transcrição (arts. 211 e 244 do

citado Dec. 370, de 1890).

Às partes é lícito requerer a transcrição do título verbo ad verbum; esta far-se-á

no livro auxiliar do Livro 3.º e não dispensa a transcrição por extrato; as expressões –

além da transcrição pela forma determinada nos arts. 245 e 246 – do art. 248 do Dec.

370 não deixam dúvida a respeito; assim também o entendeu o Sr. Lafayette o preceito

idêntico do art. 273, do Decreto de 26.04.1865 (Dir. das Cousas, § 52).

236. Nulidades da transcrição. A omissão de solenidades que afetem

essencialmente a transcrição, como meio de publicidade das mutações do domínio dos


imóveis, não pode deixar de torná- la nula, pois que do contrário tornar-se- ia ela uma

formalidade sem valor.

O art. 243 do Dec. 370, de 02.05.1890, declara radicalmente nula as

transcrições de transferências de imóveis, quando delas não constarem:

- A freguesia onde o imóvel é situado;

- As confrontações e característicos do imóvel (Sent. no Direito, vol. 37, p.

370);

- O nome e o domicílio do adquirente;

- O nome e o domicílio do transmitente;

- O título da transmissão;

- A forma do título e o nome do tabelião que o fez;

- O valor do contrato;

- As averbações de ocorrências referentes à transcrição.

Desde que a lei inflige a nulidade do ato como sanção à inobservância destas

declarações, é que considerou-as solenidades substanciais da transcrição.

De feito como há de esta proporcionar aos terceiros que desejem contratos

sobre os imóveis registrados se do registro não constar os sinais designativos dos

imóveis, as pessoas que o detêm em domínio atual, o título de aquisição, o que habilita

o interessado a investigar da procedência e da legitimidade do título do proprietário

mencionado como tal no registro?

Estas nulidades são de pleno direito e como não dependem de ação, uma vez

provadas, isto é, verificada regularmente a sua existência, invalidam o registro, ainda

quando este não haja sido cancelado.

As expressões – uma vez provadas – não têm outro alcance além do de exigir
prova da nulidade e não simples alegação da mesma, e não se refere à necessidade de

sentença que decreta a nulidade fundando-se em falta de formalidade substancial.

No regime do Decreto de 06.04.1865 a disposição do art. 105, § 1.º, era o

preceito dominante do cancelamento do registro; este só deixaria de produzir os efeitos

dele decorrentes quando cancelado, o cancelamento dependia da sentença ainda quando

estivesse eivado de nulidade substancial (art. 108, do Decreto citado).

O reparo feito pelo Sr. Lafayette à disposição do § 1.º do art. 10, do Decreto de

1865, tem, pois, todo o fundamento (Dir. das Cousas, § 53, nota 5.ª) .

O Decreto de 02.05.1890 corrigiu este defeito do de 1865.

O registro depende do cancelamento para não produzir os seus efeitos

regulares; a nulidade do contrato não importa a do registro; mas as nulidades de pleno

direito e não dependentes de ação, quer efetue o contrato quer o registro, invalidam este

ainda que este não tenha sido cancelado (art. 103, parágrafo único, do Dec. 370, de

1890).

A lei torna estas nulidades definitivas e irreleváveis ainda quando os extratos

não contenham as omissões que as constituem e estejam regularmente formuladas (art.

254, do Dec. 370).

A razão desta disposição, que à primeira vista afigura-se pouco justa, pois,

torna a parte interessada responsável pelo ato deficiente do oficial, está em que a

publicidade das mutações do domínio acha-se ligada à transcrição e é dela decorrente e,

não depende dos extratos, que são elemento de sua formação, mais não são o ato de

publicidade em si. Acresce que a ultimação do ato da transcrição defere às pe ssoas

competentes e pelos meios regulares o direito de promover a rescisão do ato já perfeito

e completo. É a consagração de um princípio de direito comum, que se encontra no art.


255, do Dec. 370, e que impede que o oficial corrija os vícios, repare as nulidades da

transcrição depois desta ultimado (Dir. das Cousas, nota 7.ª ao § 53). O direito de atacar

a transcrição por essas nulidades cabe aos terceiros interessados em que a transcrição

seja rescindida; as partes contratantes, o transferente e o adquire nte não podem alegar as

nulidades?

Não; a razão fundamental é que a transcrição é feita no interesse dos terceiros e

não no dos contratantes; somente àqueles é licito promover a sua anulação; em

referência a estes, segundo o sistema da nossa legislação e de todos os que adotaram o

regime belga francês, a transferência produz os seus efeitos, subsiste em estado de

perfeição, ainda quando não transcrita (Laurent, vol. 29, n. 185).

Se a transcrição não pode ser atacada com o fundamento de nulidade pelos

contratantes, não pode sê- lo igualmente pelos herdeiros e sucessores universais destes,

os quais sucedem- lhes nos direitos e nas obrigações, continuam, para tal efeito, a

personalidade do de cujus: o mesmo não se pode dizer do legatário; em referência aos

contratantes ele é um terceiro (Laurent, vol. 29, n. 188).

Os escritores franceses em geral repelem esta solução de Laurent, sem darem,

todavia a razão de sua opinião. Aubry et Rau (vol. 2.º, § 209, nota 90) referem-se ao

caso da falta da transcrição e fundam sua solução em não ser necessária a transcrição

das mutações causa mortis, pelo que os legatários a título singular não se contemplam

na classe das pessoas, que, tendo direitos sobre o imóvel transferido, conservam tais

direitos desde que se conformem com as leis, expressões que supõem a necessidade da

transcrição.

Demolombe (vol. 24, n. 457) apóia a opinião de Aubry et Rau e entende que o

legatário não pode alegar a falta de transcrição da alienação do imóvel, que, posterior-
mente à transferência não registrada, lhe foi legado; este modo de ver, como o de todos

os escritores franceses funda-se em que a falta da transcrição só pode ser alegada por

aqueles que têm direitos sobre o imóvel, segundo a disposição do art. 3.º, da Lei de

23.03.1855, o que não se dá em referência ao legatário de um imóvel já transferido por

ato anterior, que produziu todos efeitos translativos do domínio, segundo o sistema dos

arts. 711, 1.138 e 1.583, que Demolombe entende que não foi alterado, antes respeitado

pela Lei de 23.03.1855 que, como dizia Persel, por ocasião da elaboração da mesma não

contradiz, mas completa o Código de Napoleão e, segundo, as expressões da exposição

de motivos – não tratava de pôr mão sacrílega sobre o Código Napoleão; suas

disposições ficam intactas; sua economia inteira. Só tratamos de apresentar

disposições por assim dizer adicionais; completar não é destruir (Demolombe, vol. 24,

n. 449).

O Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, § 53) opina que o próprio alienante pode

invocar a nulidade da transcrição; parece-me que não se pode compreender o

transferente, parte contratante – entre os terceiros aos quais a lei permite invocar – a seu

favor – as nulidade da transcrição.

As considerações produzidas pelos escritores citados com aplicação à falta de

transcrição podem ser ampliadas ao caso de nulidades insanáveis da transcrição –

aqueles a quem é permissível socorrer-se da omissão da publicidade não pode ser

recusada faculdade de fazer desaparecer o ato de publicidade, e com ele todos os efeitos

do mesmo decorrentes, por meio da sua anulação.

Quando os contratos de transmissão de imóveis, que forem transcritos,

dependerem de condições, estas se não haverão por cumpridas, ou resolvidas, para com

terceiros, si não constar do registro o implemento, ou não implemento, delas por meio
da declaração dos interessados, fundada em documento legal, ou com a notificação da

parte.

(§ 5.º do art. 8.º do Dec. 169 A, de 1890, e art. 250, do Dec. 370, de 2 de maio

do mesmo ano).

237. A transcrição sofre alteração dada qualquer das hipóteses a que se refere a

disposição supra; devem pois, ser averbadas quaisquer das circunstâncias ali referidas.

Se a transferência de domínio, que faz objeto da transcrição, houver sido

levada a efeito, sob uma condição suspensiva ou resolutiva, ocorrido o implemento ou a

incidência desta, a mutação de propriedade transforma-se. Dada a venda com cláusula

redimendi, se a condição é preenchida, o ato translatício sujeito ao registro anula-se e

em seu lugar opera-se nova venda em que os papéis de vendedor e co mprador trocam-

se; se se mantivesse a transcrição feita esta revelaria um fato já não existente; a

publicidade, que se pretende obter por meio da transcrição, induziria os terceiros em

grave erro, pois daria a conhecer um ato muito outro que o existente na atualidade, em

substituição do primeiro registrado, que de todo o ponto desapareceu.

Como o implemento das condições afeta a situação criada às partes

contratantes pela convenção, a averbação do cumprimento ou do não cumprimento de

tais condições é essencial que seja promovida pelas mesmas partes interessadas que

farão as declarações precisas, comprovados com documento autêntico, ou aprovados

pela parte, expressamente notificada para assistir à avaliação, no caso de ser a

declaração feita por interessados na exatidão dos dizeres do registro, que não sejam as

partes que contrataram, ou que promoveram a transcrição.

Somente após esta averbação o implemento das condições tem efeito em


relação aos terceiros.

238. As averbações não são necessárias somente no caso figurado na

disposição supra do § 5.º, do art. 8.º, do Dec. 169, de 1890; mas em todos aqueles em

que uma ocorrência ou um fato qualquer afetem o contrato transcrito.

É assim que as cessões, ou sub-rogações, a extinção total ou parcial do imóvel

transcrito devem ser averbados, bem como devem sê- lo quaisquer ocorrências que

afetem as pessoas ou os imóveis que figuram em atos registrados (art. 75 do Dec. 370,

de 1890; Lafayette, Dir. das Cousas, § 54).

Como das averbações resulta alteração na transcrição, elas só podem ser feitas

pelo oficial do registro, que deverá datá- las e assiná- las, depois de numerá- las (arts. 73 e

251, do Dec. 370, de 02.05.1890).

As novas transmissões dos imóveis transcritos, quer eles tenham por objeto

todo o imóvel, quer parte dele, deverão ser averbados na primeira transcrição, com

menção dos nossos [novos?] números dados aos imóveis (art. 251 do Dec. 370).

239. Uma das averbações mais importantes é a que tem lugar para o efeito de

cancelar a transcrição.

O cancelamento, que tem como fim fazer desaparecer o registro, pode tornar-se

necessário por haver deixado de existir o ato primitivo, como se a venda houver sido

rescindida por lesão enorme, a doação revogada, o fideicomisso passado às mãos do

fideicomissário e cessado, portanto, a propriedade fiduciária e outros semelhantes

(Lafayette, Dir. das Cousas, § 54).

Pode fazer-se necessário o cancelamento por estar nula a transcrição, apesar de


subsistir o ato transcrito, o que ocorre, no caso figurado no art. 253, do Dec. 370, de

1890, quando se dá omissão de formalidades substanciais no registro.

O cancelamento tem lugar por meio de uma certidão escrita pelo oficial do

registro na coluna das averbações do livro respectivo; o cancelamento deve declarar a

sua razão e o título em virtude do qual houver tido lugar.

Os títulos hábeis para tal efeito são somente: sentença passada em julgado

anulando o ato transcrito ou a transcrição feita e documento que torne patente o

consentimento dos interessados em que o cancelamento se dê (arts. 99 e 102, do Dec.

370; Lafayette, Dir. das Cousas, § 54).

O cancelamento da transcrição, por nulidade desta, não impede que esta se

renove; os efeitos; porém, decorrem da transcrição validamente feita de novo, e não da

nula interiormente realizada (art. 105, do Dec. 370, de 1890).

O cancelamento pode ser total ou parcial e ter como fim a supressão das

averbações feitas à transcrição; a quaisquer pessoas prejudicadas pela transcrição é

lícito requere- la (Dec. 370).

Enquanto não for cancelada, a transcrição produz todos os efeitos, ainda

quando se prove por qualquer meio, que o contrato está desfeito, extinto, anulado ou

rescindido (art. 103 do Dec. 370):

Esta disposição que ataca de frente o sistema do registro da legislação de 1890

que já o era da de 1864, mereceu do Sr. Lafayette a seguinte e conceituosa crítica:

“Esta disposição do Decreto (de 1865) sempre nos pareceu iníqua e sem razão

que lhe colorasse a iniqüidade. Desde que a transcrição não induz prova absoluta do

domínio, que fica salvo a quem for, bastava dar-lhe a virtude de produzir a presunção

de validade do título, presunção porém, que pudesse ser dividida por qualquer gênero
de prova em contrário. Mas não permitir, que a presunção seja destruída senão pelo

cancelamento, é um rigor que o sistema da lei não exigia, e que veio derrogar práticas e

princípios de uma justiça irrecusável e consagradas pelas mais antigas tradições do

direito. Assim, as escrituras nulas de pleno direito, como as que não são assinadas pelas

testemunhas; eram repelidas em juízo, independentemente de sentenças declaratórias de

nulidade proferidas em ação ordinária. Hoje se escrituras tais forem transcritas, a parte a

quem aproveita a nulidade, não a poderá invocar em juízo antes de obter sentença

passada em julgado, que a habilite a requerer o cancelamento. Por exemplo, um terceiro

que transcreve um título nulo de pleno direito vem com embargos de senhor e possuidor

à penhora; o exeqüente não o poderá repelir com a alegação da nulidade plena, mas ou

será vencido ou terá de intentar a ação de nulidade do título, para com a sentença que

alcançar, requerer o cancelamento.

“Mas que princípio fundamental da lei ou que razão de utilidade exigia um

vexame destes?

“Todavia pode-se dar ao citado art. 106 do Decreto (de 1865) uma inteligência

que ressalve os absurdos notados, e vem a ser, que ele alude tão-somente às nulidade

que dependem de ação, e não às de pleno direito.” (Dir. das Cousas, § 54, nota 21).

Há procedência nessa inscrição de excesso de regulamentação feita à

disposição do art. 106 do Decreto de 1865?

Quer parecer-nos que não.

O vício está no sistema incompleto do registro, que nesta como na hipoteca dos

conflitos de transcrições, e na de nulidade substancial dos atos transcritos em conflito

com a transcrição perfeitamente realizada, emoldurou suas falhas irreparáveis.

Ou o regulamento havia de imprimir às transcrições dos atos de mutação de


domínio um cunho de garantidora eficácia quanto à realidade do fato por ela

denunciado, e em tal caso, enquanto não fosse a transcrição eliminada pelos meios que

proporcionaria para tal efeito, devia produzir todos os consectários como ato válido e

subsistente; ou podia consentir no possível conflito entre o ato transcrito e a transcrição,

para o efeito de invalidar esta, tirar- lhe a força, apesar de continuar esta subsistente e

não cancelada, o que fora estabelecer a mais completa anarquia no sistema de

publicidade e destruí- lo fundamentalmente.

O preceito do art. 106 do Decreto de 1865 como o do art. 103 do Dec. 370, de

1890 não contém uma iniqüidade e muito menos a violação de qualquer princípio do

direito comum.

O registro, sob a forma da transcrição ou da inscrição, é a interiorização da

mutação do domínio dos imóveis hipotecáveis e da gravação dos mesmos imóveis do

ônus hipotecário; como admitir que ele possa deixar de ser o signo denunciativo de tais

fatos quando seja mantido na plenitude de sua vigência, a despeito de conceder a lei, no

cancelamento, uma revelação do desaparecimento do fato que o registro pública para

esclarecimento dos terceiros que pretendam contratar sobre os imóveis, efetivamente já

colocados em situação diversa da que indica o registro.

Ou este há de produzir todos os efeitos enquanto subsistir, enquanto não

cancelado; ou força é convir que deve ser eliminado como meio de publicidade, de

preferência a poder ser considerado perante os tribunais como fonte de informação

ilusória sobre a situação dos bens e das hipotecas existentes.

O cancelamento da inscrição não importa a extinção da hipoteca (art. 104 do

Dec. 370); no entanto, a inscrição da hipoteca produz todos os efeitos, enquanto não é

cancelada, a despeito de ter sido a hipoteca anulada e apesar de haver o devedor pago a
dívida hipotecária e obtido quitação do credor.

Há conflito entre estas disposições?

De modo algum.

A primeira consagrada no art. 104 do Dec. 370 é o consectário natural do

sistema de publicidade adotado: de que o ato de publicação da hipoteca é rescindido

como concluir a nulidade da hipoteca, salvo quanto aos efeitos decorrentes da

publicação?

Porque a hipoteca foi anulada como julgá- la inválida para os efeitos ligados à

publicidade, que subsiste?

Tudo se torna claro desde que se reflita em que em um caso do cancelamento

da inscrição ou da transcrição a hipoteca ou a transferência do domínio dos imóve is

subsiste, mas sem valor para com os terceiros; no segundo a hipoteca anulada, paga,

invalidada, subsiste todavia para com os terceiros porque tal força não é inerente à

hipoteca, mas à publicidade da mesma.

240. Conflito entre duas transcrições do mesmo título.

Já nos referimos a este fato; convém, porém, insistir para procurar a solução de

uma hipótese, que parece insolúvel no nosso direito.

Na hipótese de duas transcrições pelas transferências do mesmo imóvel a dois

adquirentes diferentes, qual destes prefere ao outro?

O primeiro critério para a preferência é o número de ordem; se as duas

transferências obtiverem o mesmo número, como em tal hipótese esse número não pode

ser o critério para a prioridade (art. 46, do Dec. 370, de 1890), a lei estabeleceu outro,

para não deixar o conflito sem solução; as datas dos títulos passa a ser o critério para
estabelecer a prioridade; o título mais antigo em data prefere ao outro (art. 46 citado,

segunda alínea).

Se, porém, os títulos tiverem a mesma data e as transcrições tiverem o mesmo

número de ordem?

O Sr. Lafayette, seguindo as opiniões de Riviere e de Troplong, opina pela

preferência ao adquirente a quem o vendedor houver feito a tradição do imóvel, isto é,

imitido na posse.

É tanto mais aceitável esta solução entre nós, diz o Sr. Lafayette, quanto ela

estava consagrada no domínio da tradição pura pela Ord. do Liv. 4, Tít. 7.º, § 2.º.

Parece-nos que a questão é insolúvel desde que as transcrições sejam feitas ao

mesmo tempo, isto é, das 6 da manhã ao meio-dia, ou desta hora às 6 da tarde e que

ambos os títulos tenham igual data.

A tradição material não pode ser mais critério de prioridade, este só existe no

número de ordem da transcrição e na data dos títulos; a tradição tendo sido substituída

pela transcrição, que é tradição solene, a máxima melior est conditio possidentis só tem

aplicação ao adquirente que transcreveu o seu título de aquisição; desde que as regras

reguladoras da prioridade no regime da transcrição são impotentes para oferecerem

solução ao conflito de transcrição estas regularão a sorte conjunta dos adquirentes

transcribentes.

241. Dependem igualmente da transcrição para valerem contra terceiros os

ônus reais instituídos por atos inter vivos sobre os imóveis suscetíveis de serem

hipotecados.

A anticrese, decidiram alguns julgados a que se referem os arts. 70 e 71, do


Dec. 3.471, de 05.06.1865, não precisa de transcrição especial para valer como ônus

real contra terceiro, porque ela é uma transformação do seqüestro e quando é uma

decorrência da hipoteca conferida à sociedade de crédito real deve-se haver como

transcrita pela inscrição desta e valer contra terceiros. (Sent. e Accs. n‟O Direito, vol.

38, p. 369 e vol. 39, p. 68).

A instituição das servidões pode dimanar de sentença que reconheça a

aquisição dos mesmos pelo prédio dominante por tempo necessário para a prescrição; se

se tratar de transcrevê- las o título hábil para tal fim é a sentença proferida em ação

confessória, ou a que reconhece a quase posse da servidão em ação possessória (art. 249

do Dec. 370, de 1890).

A transcrição dos ônus reais deve conter estes requisitos:

1.º Número de ordem;

2.º Data;

3.º Freguesia da situação do imóvel;

4.º Denominação do imóvel, se for rural; menção da rua e número dele, se for

urbano;

5.º Nome e domicílio do credor;

6.º Nome e domicílio do devedor;

7.º O ônus;

8.º O título dele;

9.º Averbações.

São nulas as transcrições dos imóveis que não contiverem as formalidades

especificadas acima, com exceção das 1.ª, 2.ª e 4.ª (arts. 246 e 253, do Dec. 370, de

1890).
Tem aplicação às transcrições dos ônus reais os preceitos reguladores das

nulidades das transcrições das transferências de imóveis suscetíveis de hipoteca, e que

já especificamos anteriormente.

242. No sistema do registro dos imóveis e ônus reais criado na Alemanha pelo

Ato de 05.05.1872, antes do registro, deve o empregado encarregado de fazê- lo, apurar:

a) se o vendedor é efetivamente proprietário do imóvel que vende;

b) se tem capacidade para vender, e no caso negativo se está legalmente

representado por seu tutor ou autorizado por alvará judiciário. A transcrição não tem,

pois, lugar senão depois do exame prévio sobre a validade do título; este exame, porém,

não é um julgamento sobre o domínio, como supõe-se, tanto que Lehr (direito civil

germânico) torna saliente (n. 64) que em diferença da antiga Salung (forma da tradição

solene – traditio legitima, – que só podia ter lugar perante o juiz ou o tribunal local e

testemunhas que representavam ficticiamente o povo reunido em assembléia, e que se

completava com a homologação do juiz ou tribunal – er wirkte Frieden) a inscrição não

exige a intervenção do juiz, em audiência, e é apenas conferida a um empregado

cauteloso e íntegro.

No entanto, a despeito de declarar-se que o registro não prova o domínio que

fica salvo a quem o tiver; qual o efeito dado à transcrição entre nós? O mesmo que Lehr

descreve como sendo, em essência, o da inscrição no registro alemão e que é o admitido

pela jurisprudência.

“O principio do direito novo é que a propriedade immobiliaria não póde ser

transferida inter vivos senão mediante a inscripção no registro territorial. A venda que

Caius faz em proveito de Titius vale como contracto, independentemente de qualquer


inscripção, o que quer dizer que Caius é pessoalmente obrigado a tomar as necessarias

medidas para fazer passar a propriedade para a cabeça de Titius, e que este, por sua vez,

fica pessoalmente obrigado a pagar o preço e os outros encargos do contracto. A

propriedade, porém, não se transfere do vendedor para o adquirente senão por meio da

inscripção” (Lehr, ...Droit Civil germanique, n. 64).

Qual a conseqüência da doutrina que considera, entre nós, a transcrição

tradição solene, senão a de representar ela o meio da transferência do domínio do

vendedor para o adquirente? Somente, esta transferência pode não significar uma

translação real, porque o transferente pode ser non domino. E quando do título constar

evidentemente que o não é, não terá lugar a interposição da recusa do oficial do registro,

com o fundamento da ilegalidade do título, como no caso de ter este patente qualquer

vício formal?

E se não é isto possível; como pretender assentar o crédito real em um registro

que não oferece ao prestador de capitais critério para julgar da efetividade e da

segurança da garantia imobiliária que lhe proporcionaria a hipoteca?

Para que a hipoteca possa oferecer sólido assento ao crédito territorial, precisa

apoiar-se em registros que não sejam anuláveis, como títulos de domínio; a necessidade

de pesquisas e indagações para evitarem as reivindicações futuras torna sem valor, o

registro da translação dos imóveis, como elemento instrutivo dos contratos hipotecários.
CAPITULO II

DA INSCRIÇÃO DAS HIPOTECAS

SEÇÃO 1.ª

DA ESPECIALIZAÇÃO

243. Dependendo, no sistema hipotecário da legislação de 1890, todas as

hipotecas da inscrição, para valerem contra terceiros e não podendo o registro ser levado

a efeito sem que o valor do crédito hipotecário seja fixado e o imóvel designadamente

mencionado, com todos os característicos que o distingam, ficariam sem importância e

ação as hipotecas conferidas pela lei, como garantia de interesses de pessoas que são

tidas em direito por incapazes, absoluta ou relativamente, por acharem-se sob o poder

de outrem, alieno jure subjectœ ou de entidades jurídicas que possuem personificação,

por força de uma verdadeira ficção, e que da gestão de administradores tem dependentes

a sua prosperidade e o seu desenvolvimento econômico.

As hipotecas legais nascem sem nexo real sobre determinados imóveis; o seu

cunho característico não é a generalidade mas a indeterminação, o que, em um regime,

como o da legislação de 1890, que não permite as hipotecas gerais, importa a não

existência das hipotecas legais, antes de ser especificado o imóvel ou os imóveis sobre

os quais devem ter assento.

Este resultado, que se consegue por meio da especialização, é inerente à

validade de tais hipotecas e decorrente do mecanismo do regime atual; ele justifica, de

modo completo, as legislações que aboliram as hipotecas legais e só reconheceram as

convencionais.
Só estas se conformam com a noção e a estrutura modernas da hipoteca.

244. A especialização consiste, portanto, na fixação do valor da

responsabilidade do devedor e na determinação do imóvel dado em garantia; o seu fim é

precisar a importância da dívida e designar o objeto dado em caução real, ou, como diz

o Sr. Lafayette, converter as hipotecas legais originariamente gerais em hipotecas

especiais únicas capazes de serem inscritas (Dir. das Cousas, § 231).

Ela é, de acordo com esta noção, nos regimes que só reconhecem as hipotecas

convencionais, substancial da formação das hipotecas, é um elemento essencial do

direito real; sem especialidade a hipoteca não existe, porque depende de pacto em que

para garantia do pagamento da dívida determinada se consigna o preço que der, quando

vendido, certo e designado imóvel.

A convenção é, segundo este modo de ver, o único assento das hipotecas,

princípio que diversos códigos consagraram (Código Civil argentino, Livro 3.º, Tíulo

14, art. 8.º; Código Civil uruguaio, art. 2.288; Código Civil chileno, art. 2.409; Código

Civil holandês, art. 1.217; Código Civil do Cantão dos Grisões, arts. 280, 286 e 288;

Código Civil alemão, arts. 1.113 e seguintes).

245. Em certos casos de hipoteca legal a especialização parece desnecessária,

porque o valor da responsabilidade e a designação do imóvel dão-se de modo claro;

assim na hipoteca do co-herdeiro para garantir a torna, ou reposição, na da mulher

casada quando o imóvel é designado no contrato antenupcial, sendo o valor do dote

sempre dado por estimação, sob pena de nulidade da doação propter nuptias (art. 3.º, §

9.º, do Dec. 169-A, e arts. 132 e 164, do Dec. 374, de 1890); desde, porém, que a
determinação de tais valores e imóveis não caracteriza de per si só a hipoteca

convencional, única especial, e sendo o assento da hipoteca nos casos figurados não o

contrato, mas a disposição da lei, e consistindo na especialização o processo regular

para imprimir às hipotecas legais o cunho de especialidade das hipotecas convencionais,

a especialização é indispensável.

246. A determinação do valor da responsabilidade, primeiro elemento da

especialização, assenta na estimativa documentada da própria parte (art. 145 do Dec.

370, de 1890); esta instrui a petição que deve ser dirigida, no Distrito Federal, ao pretor,

ou ao conselho no Tribunal Civil; segundo o caso (Dec. 2.579, de 16.08.1897, arts. 5.º,

ns. 5 e 7, letra a, e 17, § 1.º, n. 1 e § 2.º, n. 1, letra a, 1.º) com o documento em que se

funda a estimação da responsabilidade, e com a relação dos imóveis que possua, além

do que especialmente designa para ser hipotecado (arts. 144 e 145, do Dec. 370, de

1890).

Na mesma petição pode propor os árbitros que designa para estimar a

responsabilidade e avaliar o imóvel; o juiz escolherá nos louvados propostos o que

julgar mais idôneo, este procederá à avaliação, feita a qual o juiz dará vista às partes por

48 horas para dizerem sobre a estimação dada à responsabilidade, sobre o valor do

imóvel ou dos imóveis designados e sobre a suficiência dos mesmos para garantire m a

responsabilidade do devedor (arts. 116 e 152, do Dec. 370, de 1890).

Há casos em que a estimativa da responsabilidade por louvados não é

necessária por constar o valor de documento legal – assim o dote devendo ser estimado,

sob pena de nulidade, tal estimação constitui o valor da responsabilidade do marido, que

terá de restituir a importância fixada (art. 147 do Dec. 370); no caso da hipoteca da
fazenda pública a responsabilidade do exator sendo fixada na fiança, não se faz precisa

a estimação da mesma (art. 148 do Decreto citado).

Mandando calcular o valor da responsabilidade dos tutores, curadores, maridos

e síndicos ou tesoureiros de corporações de mão morta, como compreensiva dos

rendimentos que o responsável há de receber e deve acumular até o fim da tutela,

curatela ou administração, o art. 149, do Dec. 370, faz uma exigência infundada e em

muitos casos impossível de ser cumprida.

Como fixar a renda que o marido tem de accumular e a que tem de consagrar às

despesas do casal? Como aplicar o preceito aos administradores das corporações de

mão-morta? A quantia fixada para alimentos dos órfãos e interditos, nem sempre é

suficiente, e muitas vezes os tutores e curadores vêem-se na contingência de excedê- la;

por motivos justificados a que os juízes não podem deixar de atender.

Devem ser entendidas as expressões da lei como oferecendo um critério de

estimação da responsabilidade, quando esta pode compreender tais rendimentos, por

excederem estes, segundo os ônus anteriores, as despesas efetivamente realizadas com a

manutenção dos menores, interditos, mulheres casadas e administração das corporações

de mão-morta.

Compreende a garantia hipotecária os rendimentos dos menores e interditos

como sanção da obrigação estabelecida nos §§ 3.º e 22, da Ord. do Liv. 1.º, Tít. 88, no §

30, da Ord. do Liv. 1.º, Tít. 72 e no art. 32, § 8.º, do Decreto de 02.10.1851; assim deve

ser entendida a sentença no Direito, vol. 1.º, p. 136 e o Acórdão que a confirmou.

Os imóveis dos menores não pesam no valor da responsabilidade dos tutores e

curadores, que vão tê- los sob sua guarda e administração, porque não podem ser

facilmente alienados e não são consumíveis (Lafayette, Dir. das Cousas, § 232); não é
judicioso o preceito: os tutores e curadores podem prejudicar os imóveis, reduzí- los de

valor, danificá- los por diversos modos.

Basta a possibilidade de tais fatos para deverem eles influir na estimativa da

responsabilidade dos mesmos devedores; acrescendo que ela pode ser igualmente

influenciada por uma grande valorização dos imóveis; cuja administração por parte dos

tutores e curadores ser lesiva aos interesses dos pupilos e curatelados, que mais tarde

não terão meios de conseguir reparação do dano sofrido, por parte de sucessores dos

responsáveis, ainda que faleçam em condições favoráveis de fortuna: as

responsabilidades só podem ser bem apuradas se estiverem bem determinadas e

expressadas em cifras que não possam ser iludidas em sua clareza e precisão.

O juiz, tendo em vista a avaliação e as alegações das partes, pode homologar

ou corrigir o arbitramento, e na primeira hipótese, se achar que os bens oferecidos e

avaliados são suficientes para cobrir a responsabilidade do devedor julga a

especialização por sentença e determina que se faça inscrição da hipoteca, que designará

com o valor da responsabilidade, sobre o imóvel do devedor, designando-o bem com os

seus característicos e distintivos, isto é, denominação, situação e outros que o façam

bem conhecido e estabeleçam, em qualquer tempo a sua identidade (arts. 153 e 154, do

Dec. 370, de 1890).

Se ao juiz parecer que os bens oferecidos à especialização não são suficientes

para cobrir o valor da responsabilidade, ou sendo-o; não estão livres e desembaraçados,

pode abrir-se ensejo a uma destas deliberações:

a) mandar proceder a avaliação de mais imóveis até ser coberta a

responsabilidade, se o devedor os possuir;

b) não possuindo o devedor mais imóveis, se se tratar de especialização de


hipotecas legais, que não sejam de menores, interditos ou mulheres casadas, o juiz,

homologando o arbitramento e a avaliação, julgará por sentença a especialização e

reduzirá a hipoteca ao valor do imóvel, ou dos imóveis avaliados (arts. 155 e 159 do

Decreto citado);

c) se a especialização for da hipoteca legal dos menores, interditos ou da

mulher casada, o juiz julgará improcedente a especialização (art. 159 do Decreto

citado).

Estas disposições têm sido objeto de reparos que indicam não ter havido na

confecção do ato regulamentar de 02.05.1890 a precisa cautela em manter a observância

dos princípios fundamentais da hipoteca e guardar coerência com o mecanismo

estabelecido no Dec. 169-A, de 19.01.1890; que aboliu as hipotecas gerais.

A disposição que manda reduzir a hipoteca legal ao valor dos bens

insuficientes para garantir a responsabilidade arbitrada do devedor não se recente a

nosso ver, do vício que lhe increpa Lafayette (Dir. das Cousas, nota 11 ao § 233); no

domínio da legislação de 1864 só as hipotecas da mulher casada e dos menores e

interditos podiam ser gerais, compreensíveis de bens futuros; as outras restringiam-se

aos bens atuais, a da fazenda pública e a do herdeiro pela torna forçosamente haviam de

reduzir-se ao valor do imóvel hipotecado, desde que não havia hipótese de

compreenderem os imóveis, que de novo adquirisse o devedor, salvo se fossem

anexados aos já hipotecados, no caso do § 3.º do art. 142, do Dec. 3.453, de 26.04.1865,

do contrário para serem afetos à garantia da mesma responsabilidade precisavam de

novo processo de especialização.

A disposição não merece, pois, a censura que lhe faz na obra citada; na nota 35

do livro de Furtado de Mendonça expõe-se o verdadeiro fundamento do art. 178 do


Decreto de 1865 transportado para o art. 160 do Decreto de 1890.

Se a lei não declarasse a hipoteca reduzida ao valor dos bens sujeitos à

especialização, deixaria de atestar um fato real; a – hipoteca não compreendendo os

imóveis posteriormente adquiridos ficaria de fato reduzida ao imóvel oferecido à

especialização; o preceito limitou-se a consagrar um fato real.

A mesma razão de procedência não milita, porém, em favor da disposição do

art. 159 do Decreto de 02.05.1890.

Ela foi transportada, sem a devida crítica, do Decreto de abril de 1865 para o

atual regulamento hipotecário, sem refletir-se que a razão da disposição do art. 177 do

primeiro destes atos não milita em favor da do segundo.

Sendo julgada improcedente a especialização da hipoteca legal da mulher

casada, dos menores e dos interditos, ela continuaria no regime de 1864 a vigorar como

geral, valendo, para todos os efeitos, da data da sua constituição e independentemente

de inscrição; conseguintemente se o juiz em vez de julgar improcedente a especialização

em bens insuficientes, reduzisse a hipoteca ao valor destes bens, prejudicaria sobremodo

os menores e interditos e as mulheres casadas, pois privá- los- ia da hipoteca sobre os

imóveis que o tutor, o curador ou o marido viessem a adquirir de futuro; no regime

hipotecário de 1890 em que não existem hipotecas gerais, compreensivos de imóveis

futuros o julgamento de improcedência da especialização despoja os menores e as

mulheres casadas de toda e qualquer garantia hipotecária; o expediente do art. 160 do

Decreto de 02.05.1890 é o único a aplicar no caso do art. 159 (Furtado de Mendonça,

Direito Hypothecario do Brazil, art. 34; Lafayette, Dir. das Cousas, nota 12 ao § 233).

Do despacho do juiz que julga livres e suficientes ou não os imóveis oferecidos

à especialização, assim como do que homologa ou corrige o arbitramento e a avaliação


cabe agravo de instrumento e de petição, o qual, ainda neste caso, não tem efeito

suspensivo para impedir que se proceda à avaliação dos novos bens oferecidos (arts. 156

e 157, do Dec. 370; Dir. das Cousas, § 233, n. 4; Furtado de Mendonça, p. 114).

Da sentença que julga a especialização cabe apelação, o instrumento da

sentença, que só deve conter as decisões finais proferidas pelo juiz e o julgado sobre o

agravo, é o documento que serve para a inscrição da hipoteca (arts. 162 e 163, do Dec.

370, de 1890).

247. No processo da especialização poderia ocorrer incidentes que o retardem e

outros que importem redução de formalidades.

O devedor pode oferecer à especialização imóveis situados fora do lugar onde

corre o processo, em tal caso a avaliação depende de precatório em que se solicita do

juiz da situação dos bens a avaliação destes; e o processo suspende-se até que seja

devolvida a deprecada com as avaliações; destes terão vista os interessados em termos

dos arts. 152 e seguintes do Decreto citado.

Os contratos antenupciais devem conter a estimação do dote, sob pena de

nulidade (art. 132, do Dec. 340); podem, porém, designar o imóvel, ou os imóveis que o

marido ofereça para segurança do dote; nesta hipótese a especialização só deverá recair

nos imóveis indicados na escritura, e o juiz julga-la-á mandando fazer a inscrição da

hipoteca sobre tais imóveis sem investigar se são ou não suficientes, porque a

especialização opera-se independentemente da avaliação dos bens e do arbitramento da

responsabilidade (arts. 164 e 165, do Decreto citado).

O Sr. Lafayette parece considerar uma superfluidade, no caso figurado; a

especialização da hipoteca sobre os bens indicados; a menção dos imóveis, na escritura


antenupcial do dote, para garantia hipotecária deste importa a transformação da hipoteca

legal em convencional e citando a autoridade de Cujacio opina que seria mais regular a

imediata inscrição da hipoteca, sem prévia especialização, que se torna desnecessária.

(Dir. das Cousas, § 234, n. 1).

Parece-nos que a lei andou bem mantendo a necessidade da especialização; a

indicação dos bens no contrato não importa a constituição de uma hipoteca

convencional; o fato de ser a indicação aceita pela outra parte, que figura na convenção

dotal, só pode importar a aceitação dos bens para o efeito de dispensar a apresentação

dos mesmos em a relação exigida, no art. 145, do Dec. 370; a avaliação destes e a

audiência subseqüente das partes interessadas, formalidade elementar da especialização,

sem todavia, dispensar esta que é o único meio de converter em hipoteca especial a

hipoteca legal, para o efeito da inscrição (Dir. das Cousas, § 231).

Se os imóveis designados pelo marido na escritura dotal forem insuficientes

para cobrir o valor do dote, não impedirá esse fato o julgamento da especialização nos

termos do art. 165, isto é, sem avaliação dos bens: o mesmo, porém, não sucederá se os

imóveis forem de valor superior à responsabilidade do marido, em tal caso, a

responsabilidade será arbitrada, a despeito da estimação do dote feita na escritura

antenupcial, e os imóveis indicados serão avaliados, seguindo-se o processo da

especialização estabelecido nos arts. 146 e seguintes do Decreto citado, se o marido ou

os credores deste se opuserem, à especialização da hipoteca sobre tais imóveis (art. 166

do Decreto citado).

É uma disposição muito eqüitativa esta.

A levar-se a efeito a especialização em bens de valor muito superior ao da

responsabilidade sofreria o marido privação do seu crédito na parte correspondente ao


excesso da hipoteca e os credores experimentariam redução na garantia que lhes

proporciona o patrimônio do devedor, que ficaria gozando do direito real, arredando os

créditos quirografários, pela prelação do hipotecário, da co-participação no produto da

venda dos imóveis designados.

A lei concede ao marido e aos credores a faculdade de embaraçarem a

especialização porque depois desta realizada e de inscrita a hipoteca a redução dos

imóveis hipotecados só pode ter lugar, como se pratica nas hipotecas convencionais,

cujas regras dominam os legados especializados (art. 167 do Decreto citado), mediante

acordo expresso do credor (art. 217, § 1.º, do Decreto citado), e a mulher casada não

pode dar consentimento para isso, porque segundo os princípios do nosso direito civil

não pode a mulher casada renunciar a sua hipoteca legal (Dir. das Cousas, § 191).

Sendo a hipoteca legal, depois de especializada, equiparada às especiais, isto é,

às convencionais, têm elas os efeitos ligados a estas e delas decorrentes.

Assim podem ser reforçadas, quando os bens gravados, tornarem-se

insuficientes para garantir a dívida; o reforço da hipoteca, tem lugar pelo processo de

especialização estabelecido nos arts. 146 e seguintes do Dec. 370 (arts. 168 e 169 do

Decreto citado).

Os imóveis especializados ficam sendo os únicos gravados e são remíveis, pelo

processo de remissão estabelecido para as hipotecas especiais nos arts. 257 e seguintes

do Dec. 370, pelos terceiros adquirentes que não quiserem sujeitar-se à excursão dos

imóveis inscritos.

Tal é o mecanismo da especialização das hipotecas legais no direito vigente; a

especialização prepara a inscrição; esta, só podendo ter por objeto imóveis

designadamente indicados, não é levada a efeito, quando a hipoteca, existindo


subjetivamente como fundada exclusivamente na lei, carece de objeto, por isso que no

direito escrito atual ela não compreende todos os imóveis que o devedor possua

atualmente; a sua ação começa a exercitar-se depois da inscrição, que depende da

designação especificada dos imóveis, a qual só por meio da especialização se obtém.

248. Nas legislações que somente admitiram as hipotecas convencionais não

havia como cogitar da especialização; todas as hipotecas convencionais são especiais.

Representa esta situação o estado perfeito do direito hipotecário.

Somente a convenção das partes pode produzir como efeito a consignação de

um imóvel do devedor especial e exclusivamente ao pagamento de certa e determinada

dívida, e o que mais é, torná- lo, em relação aos terceiros; isento de qualquer

responsabilidade por dívidas posteriores à afirmação legal do direito real da hipoteca,

pelo registro desta.

As hipotecas legais, diz-se em contrário, fundam-se em que toda a hipoteca tem

apoio e assento na lei; só esta podia excepcionar o princípio que torna todo o patrimônio

do devedor sujeito à solução das dívidas por ele contraídas; nada afeta o direito real da

hipoteca o conferi- lo a lei; independentemente de contrato, as pessoas que não podem

defender nem garantir os próprios interesses; assim como declarou que a convenção

podia consagrar bens do devedor exclusivamente ao pagamento de um credor, nada

impedia o legislador de fazer decorrer esse regime de exceção de fatos que interessam à

situação jurídica dos incapazes e dos que a estes são equiparados.

Existem, como já o fazemos ver, códigos que não reconhecem a hipoteca legal;

é esta, a tendência moderna revelada ainda recentemente no Código Civil alemão; a

outros pareceu preferível a consagração da tradição jurídica sobre a matéria: a


especialização faz-se precisa sempre que as hipotecas legais, ainda quando não gerais,

incidem sobre bens indeterminados.

249. O Código Civil italiano que concede à hipoteca da mulher casada uma

compreensão que a torna geral, pois, fá-la abranger todos os bens que o marido possua

na época da constituição do dote (art. 1964, n. 4), exige, no ato da inscrição da

hipoteca, que o tabelião obrigue o marido a declarar a situação dos bens por ele

possuídos e todos os requisitos exigidos no art. 1.979 para especificá- los, o que importa

verdadeira especialização. De fato o mecanismo hipotecário da Itália assenta sobre a

especialidade e não sobre a generalidade de hipoteca, consistindo a primeira condição

na determinação da importância do crédito e na designação do imóvel sobre o qual deve

incidir a hipoteca que garante aquela (Chironi, § 216; Pacifici Mazzoni, vol. 3.º, n. 342).

A especialidade tem no direito italiano a mais íntima relação com a publicidade, da qual

é considerada complemento necessário (Pacifici Mazzoni, loc. cit.) e a avaliação da

responsabilidade completa, a notícia exata e plena da situação hipotecária dos imóveis, a

qual não se pode ter como satisfatória quando se sabe apenas que tais bens são gravados

de hipoteca. “Ma lá especialitá dell‟ipotèca non impedisce che anco per un solo credito

siano sottoposti al vinculo ipotècario tutti e singole i biene del debitore che ne siano

capaci.” (Mazzoni, loc. cit.)

250. A Lei belga de 1851, abandonando o regime do Código Civil francês,

exigiu a especialização das hipotecas legais, que eram gerais no direito francês e valiam

independentemente de inscrição; em vez, porém, de fazer depender essa especialização

de um processo, estabeleceu-a de modo que tais hipotecas são verdadeiras hipotecas


especiais.

No caso da tutela dos menores antes do tutor entrar em exercício o conselho da

família fixa o valor da responsabilidade, isto é, a soma pela qual deve ser feita a

inscrição e os imóveis do tutor sobre os quais deve ela recair, e que são designados

segundo a fortuna dos menores e dos interditos, a natureza dos valores de que a mesma

fortuna se compõe e as eventualidades da responsabilidade do tutor (art. 49 da Lei de

1851; Martou, ns. 764 e 765; Laurent, vol. 30, ns. 297 a 302; Thiry, vol. 4.º, ns. 461 a

465; Arntz, vol. 4.º, ns. 1.742 a 1.747).

A hipoteca legal da mulher casada pelo dote é igualmente especializada no

próprio contrato dotal, antes do casamento, ou na duração deste pelos bens que lhe

advém na constância da vida conjugal; ela deve compreender as reposições que o

marido seja obrigado a fazer (arts. 64, 65 a 67, do Decreto de 1851; Martou, ns. 882,

883, 906 e 909, 910 e 919; Thiry, vol. 4.º, ns. 474 e seguintes; Arntz, vol. 4.º, ns. 1.764

e seguintes).

Thiry (n. 474) e Arntz (n. 1.764) consideram a hipo teca estabelecida no art. 64

da Lei de 16.12.1851, convencional e não legal e tiram o fundamento de sua opinião nas

expressões usadas na citada disposição:

“Elle pourra également stipuiler, dans son contrat de mariage, une hypothéque

speciale.” No sentir destes escritores a hipoteca legal da mulher casada só é concedida

na duração do casamento, por autorização do presidente do Tribunal do domicílio da

mulher nas hipóteses estabelecidas no art. 67 da Lei belga.

Laurent (vol. 30, n. 376) sustenta opinião contrária; a hipoteca da mulher

casada é legal, por forca do art. 47 da Lei de 1851; o art. 64 regula a especialização

dessa hipoteca, o art. 66 provê o caso em que ela é insuficiente e o art. 67 o caso de não
ter sido especializada no contrato antenupcial.

“On suppose d‟abord que le contrat de mariage garde le silence sur

1‟hypothéque legale de la femme; cela n‟empêche pas cette hypothéque d‟exister, puis

qu‟elle existe en vertu de la loi devait donc donner à la femme un moyen de la rendre

efficace en la spécialisant et en 1‟inscrivant pendant le mariage; ce que se fait, avec

1‟autorisation du président du tribunal. L‟hypothéque stipulée par le contrat peut aussi

être insuffisante. Dans ce cas, la loi permet à la femme, toujours autorisée par le

président, de prendre une inscription supplementaires.” (Laurent, loc. cit.)

251. O Código Civil português, segundo a inteligência dada pelos seus

comentadores às disposições dos arts. 911 e 936, admite as hipotecas gerais; não

somente podem sê-lo as legais, mas ainda as denominadas voluntárias, nas quais se

compreendem as constituídas por testamento.

As conseqüências deste mecanismo hipotecário, aliás organizado com o

objetivo de facilitar o crédito territorial (Dias Ferreira, vol. 2.º, p. 352), seriam a

completa inutilização da garantia legal que se pretendeu criar, se os atos administrativos

e judiciários, na aplicação dos preceitos que autorizam a indeterminação da hipoteca

não chegassem à afirmação de que a generalidade da hipoteca só é permissível na

constituição da mesma; ela deve, porém, desaparecer perante o registro, que exige a

especialização dos bens sobre os quais deve ela incidir (Dias Ferreira, vol. 2.º, p. 353).

Em 1870 (27 de abril) o governo expediu portaria, fundando-se no parecer do

procurador geral da fazenda e coroa, declarando que no regime do Código Civil

português não era possível a constituição de hipotecas sem designação de bens, e,

exemplificando o caso com a hipoteca legal da fazenda pública, afirmava de modo


peremptório, que tal hipoteca só podia recair sobre bens presentes, devidamente

especificados, e não sobre bens futuros, que não podiam autorizar a inscrição da

hipoteca, o que está de acordo com o art. 911 do Código Civil e art. 77 do Regulamento

de 28.04.1870, que declaram que as hipotecas legais e as convencionais só podem recair

em bens certos e determinados.

Esta solução foi repelida com fundamento nos arts. 917 e 935 do Código Civil

que estabelecem o primeiro em relação aos responsáveis à fazenda pública o registro de

hipoteca compreensiva de quaisquer bens não determinadamente designados e o

segundo permite a constituição de hipotecas voluntárias e o registro das mesmas em

relação aos bens que os títulos (contrato e testamento) especificadamente designarem,

ou a quaisquer bens do devedor ou do testador na falta de designação, salvo o direito

ele redução, conforme o art. 909.

Este direito de redução exercita-o o devedor, exigindo que o registro se limite

aos bens necessários para o cumprimento da obrigação, e designando os bens que

deverão ficar gravados, o que importa a especialização da hipoteca.

A solução proposta por Dias Ferreira, acima citada, de necessitarem as

hipotecas legais e voluntárias de especialização para serem inscritas, não encontra apoio

nas disposições do Código Civil português, que permite o registro das hipotecas gerais,

sobre bens indeterminados (art. 936), e torna a especialização, ainda das hipotecas

voluntárias, dependente do arbítrio do devedor, do do testador e o herdeiro (art. 909).

Com razão sustenta Dias Ferreira que a Portaria de 1870 constitui direito novo,

e como tal não pode ser obedecida (vol. 2.º, p. 351); faz votos para que o direito

português se conformasse com o espanhol que proíbe as hipotecas gerais (vol. 2.º, p.

352); enquanto isso não sucede, diz ele que os tabeliães deverão prestar-se a redigir atos
de constituição de hipoteca sem designação de bens apesar do art. 911, em face do art.

936.

A especialização, no direito português, não depende de sentença do juiz, e sim

unicamente de ato do devedor designando os bens que devem ser inseridos no registro

(art. 909 do Código Civil).

A jurisprudência já consagrou em Portugal a possibilidade e legalidade do

registro sem especificação de bens, o que está de acordo com os preceitos dos artigos do

Código Civil acima citados e em divergência com o alvitre que Dias Ferreira sugere,

como o meio de salvar contradições que se possa enxergar entre os arts. 911 e 936, de

admitir um contrato hipotecário em que o devedor obrigue todo o patrimônio sem

designação de bens e não permitir o registro do contrato sem documento autêntico que

especialize os bens, sobre os quais há de recair a inscrição hipotecária e que complete

assim, para o efeito do registro, o documento da constituição da hipoteca (vol. 2.º p.

353).

252. O fato de reconhecer o Código Civil francês vantagem nas hipotecas

gerais dos menores e das mulheres casadas, não importa a exclusão da especialidade do

mecanismo hipotecário francês; basta assentar ele no princípio que dá como fundamento

da hipoteca a conveniência de garantir o mútuo com o valor dos bens imóveis, para o

efeito de favorecer a valorização e a expressão do crédito imobiliário, para se convencer

de que a proporcionalidade entre a garantia e a responsabilidade é o assento daquele

regime hipotecário.

A especialidade é a expressão dessa proporcionalidade, que o regime da

generalidade afeta de modo fundamental.


A especialidade é, portanto, considerada pelos escritores como um dos

fundamentos do mecanismo hipotecário francês e somente motivos julgados de grande

relevância levaram os codificadores de 1804 a favorecer as mulheres casadas e aos

menores e interditos com uma limitação ao princípio da especialidade e ao da

publicidade, permitindo que as hipotecas legais de tais pessoas fossem compreensivas

de todos os bens dos responsáveis e valessem contra os terceiros independentemente da

inscrição (Troplong, vol. 2.º, n. 635; Pont, n. 674; Mourlon, vol. 3.º, n. 1.532).

Concedendo o grande favor das hipotecas gerais, não quis o legislador francês,

porém, violar o princípio fundamental da proporcionalidade da garantia à

responsabilidade do devedor e permitiu que as hipotecas gerais dos menores e interditos

e das mulheres casadas pudessem ser reduzidas quando os imóveis fossem de valor

muito superior ao da responsabilidade.

A redução estabelecida e regulada nos arts. 2.140, 2.141 e 2.144, outra coisa

não é senão a especialização das hipotecas gerais concedida como voluntária na

legislação brasileira de 1864 e como formalidade prévia obrigatória para a inscrição das

hipotecas no mecanismo hipotecário de 1890.

“A especialidade visa objecto differente do interesse dos terceiros: ella toma

em mãos o credito do devedor que ella acautela, obrigando o credor a contentar-se com

um penhor restricto, porém sufficiente; ella tem em vista em segundo lugar a segurança

do credor, porque substituindo-se á generalidade, fal-a ganhar em certeza o que perde

em extensão: tal é precisamente o seu objecto.” (Pont, Priv. et Hypoth., n. 674)

“A lei deve proteger a mulher e o menor sem arruinar o credito do marido e do

tutor. Este fim não seria alcançado, se a mulher cujo dote fôr insignificante, se o pupillo

cujo patrimonio é de pequena importancia conservassem uma hypotheca geral sobre


grande numero de immoveis de valor muito superior á fortuna actual e futura do menor.

Dar-se-hia então garantia exagerada, offensa ao credito publico.” (Mourlon, vol. 3.º, n.

1.532)

A especialização é sujeita, não a um processo demorado como o estabelecido

entre nós, mas depende de formalidades consideradas substanciais.

Assim a dos menores especializa-se sobre os imóveis que o conselho de família

indica e sobre tais imóveis tem exclusivamente, lugar a inscrição (arts. 2.141 e 2.142 do

Código Civil francês): o conselho de família representa o menor, para o efeito de dar o

consentimento deste à especialização, o qual importando redução na quantia

hipotecária, depende de consentimento expresso (Pont, n. 552).

A especialização da hipoteca legal da mulher, como a do menor (art. 2.153),

tem lugar ou por ocasião da celebração do contrato dotal, isto é, antes do casamento

(Código Civil francês, art. 2.140) ou no decurso do casamento – manente matrimonio

(art. 2.144 do Código citado); no primeiro caso basta o consentimento da mulher maior

no ato do contrato; no segundo, além desse consentimento, faz-se preciso o assenso dos

quatro parentes mais próximos e uma ação proposta pelo tutor ou pelo marido; as

sentenças só serão proferidas depois de ouvido o procurador da República, que

contestará a ação e figurará como parte no processo (Pont, ns. 554 e seguintes; Mourlon,

3.º vol., ns. 1.533, 1.536 a 1.542, 1.543, 1.545 e 1.546; Troplong, Priv. et Hypoth., ns.

635 e seguintes, 638 e 639).

Foram pontos de dúvida resolvidos pela jurisprudência em Fra nça:

a) se o marido pode obter – manente matrimonio – a redução ou a

especialização da hipoteca geral, sem o consentimento da mulher, e mesmo opondo esta

recusa formal?;
b) se após a especialização e verificado o fato da insuficiência dos bens

especificados; podem a mulher ou o menor e o interdito voltar ao regime da hipoteca

geral?

A primeira questão foi a princípio resolvida no sentido negativo por entender-

se que o consentimento da mulher era substancial tanto que se exigia que ela fosse

maior.

Esta solução foi contrariada pelas cortes de Paris e de Nancy, que pretenderam

firmar na jurisprudência a doutrina que a autoridade do juiz supria o consentimento da

mulher e que o marido podia requerer a especialização da hipoteca sem o consentimento

da mulher; esta doutrina não prevaleceu; quer a disposição expressa da lei, quer o

elemento histórico da formação desta, quer a inteligência dada pela, doutrina

repudiaram- na e afirmaram que o consentimento da mulher é substancial (Troplong,

vol. 2.º, ns. 641 e 642).

A segunda dúvida encerra, no direito francês, uma questão mais complexa,

conquanto de fácil solução no nosso.

O fundamento da especialização e sua condição substancial são que a hipoteca

legal, quer da mulher, quer do menor, exceda notoriamente as seguranças suficientes

para garantirem a gestão do marido ou do tutor; se o excesso de garantia for

insignificante a redução não tem lugar; ora, desde que a especialização houver sido

julgada por sentença, a extensão da hipoteca a novos bens violaria o caso julgado.

A Corte de Paris revogou semelhante decisão em grau de apelação e

estabeleceu uma doutrina viciosa reconhecendo que a, situação criada pela sentença da

especialização é definitiva em relação aos terceiros, mas simplesmente provisória,

quanto às partes contratantes; que o fato imprevisto que reduz o valor dos imóveis não
pode prejudicar a hipoteca do credor.

Pont (n. 557) entende que a ampliação da hipoteca a todos os bens do marido e

do tutor pode dar-se porque a garantia sobre todos os imóveis destes responsáveis é um

direito da mulher, mas que esta deve respeitar os direitos adquiridos por terceiros por

força da especialização; assim se a hipoteca tornar-se insuficiente, por haver se dado a

evicção de um dos imóveis especializados a mulher não terá rec urso contra os terceiros

detentores dos imóveis não especializados, ainda que os tivessem adquirido antes da

redução da hipoteca.

No nosso direito é caso para reforço de hipoteca; esta depois de especializada é

equiparada à especial; é esta também a solução que oferece Duranton fundado na

disposição do art. 2.131 do Código Civil francês, porquanto a hipoteca especializada

toma o caráter de hipoteca convencional. A hipoteca suplementar, como ele denomina,

só terá validade, a respeito dos terceiros, da data da inscrição (vol. 20, n. 59).(r)

(r)
Os escritores e tribunais franceses, procurando desenvolver o pensamento do art.
2.140 do Código Civil, deram-lhe uma aplicação, que a letra da disposição exclui, e que os
intuitos do legislador não parecem justificar.
É assim que entendem que a redução da hipoteca da mulher, estabelecida no art. 2.140,
pode ter lugar ou por meio da especificação dos bons que deverão ficar sujeitos à hipoteca, ou
por meio de declaração que isente determinados bens de tal ônus.
No primeiro caso dá-se uma especialização da hipoteca legal que passa a tornar-se
verdadeira hipoteca convencional. (Pont., ns. 545 e 546; Aubry e Rau, vol. 3.º, § 264, p. 232);
no segundo a hipoteca continuaria em seu caráter de geral a abranger todos os imóveis do
marido, com exceção dos determinadamente isentos no contrato antenupcial.
O efeito da hipoteca variaria segundo a hipótese figurada, a sua compreensão sobre os
bens que o marido viesse a adquirir na constância do matrimônio, seria indiscutível no segundo
caso, em que a exclusão de certos imóveis só importava a limitação da hipoteca geral em
referência aos bens especificados.
Como se vê a redução da hipoteca no segundo caso deixa de operar-se pelo modo
estabelecido no art. 2.140 – a especialização da hipoteca sobre certos bens.
O que mais estranho se nos afigura é ver escritores da ordem de Aubry e Rau
escreverem notas extensas e desenvolvidas, como a 46.ª ao § 264 ter para fundamentarem a
solução, aliás patrocinada pela Corte de Montepellier, desta questão: É lícito aos cônjuges no
contrato dotal reservarem-se a faculdade de mudar para outros bens suficientes a hipoteca
especializada sobre bens determinados e especificados nos termos do art. 2.140 do Código?
“Une pareille réserve, qui imprimerait a 1‟hypothéque légale de la femme un caractére
ambulatoire, et an livrerait le sort à la discrétion des époux pendant le mariage constituerait de
leur part une véritable usurpation de pouvoirs vis-á-vis de la loi. Elle serait d‟ailleurs pleine de
dangers pour la femme, qui pourrait, hors de la surveillance de sa famille, et sans les formalités
protectrices qui prescrit l‟art 2144, compromettre ses droits et reprises; à ce point de vue encore,
elle est repoussée, sinon par le texte même de cet article, du moins par sou esprit.” (Aubry e
Rau, nota citada). – Porque não julgar a dúvida sem fundamento – desde que o art. 2.144 do
Código Civil francês só permite a mudança dos bens, na constância do matrimônio quando não
forem suficientes?
SEÇÃO 2.ª

DA INSCRIPÇÃO

Art. 9.º Todas as hipotecas legais, convencionais ou judiciais, somente valem

contra terceiros desde a data da inscrição.

§ 1.º Só subsistem, entre os contraentes, quaisquer hipotecas não inscritas.

253. A inscrição, como meio sistematizado da publicidade da hipoteca, prende-

se, segundo o direito moderno, à vida real da hipoteca.

Se esta, como instituição jurídica, só se justifica pela alta conveniência de

excepcionar o princípio geral que consagra todos os bens do devedor ao pagamento do

credor, conveniência gerada pela necessidade de fundamentar solidamente o crédito

real, e se a inscrição faz mais do que publicar a hipoteca – imprime-lhe a vida e o

poder, e arranca-a à inércia (Martou, vol. 3.º, n. 1.027), a hipoteca só existe de fato

depois de inscrita; – a inscrição é, segundo a noção jurídica moderna, o elemento

extrínseco a que a hipoteca deve a sua dupla ação poderosa – em referência aos demais

créditos – a prelação, em relação ao poder real sobre a causa – a seqüela (Lafayette, Dir.

das Cousas, vol. 2.º, § 225; Código holandês, art. 1.224; Código Civil italiano, art.

1.965; Código Civil argentino, art. 3.135; Código Civil português, art. 951).

A doutrina é uniforme, não há necessidade de invocar a autoridade dos seus

propugnadores, o acordo é completo.

Se só a inscrição imprime à hipoteca a força jurídica inerente à sua essência,

como dizê- la subsistente entre as partes contratantes, quando os seus efeitos não

entendem com elas e sim quoad tertios?


A disposição do § 1.º, do art. 9.º supra, não é inútil e sem objeto.

Martou figura um caso em que a aplicação desse preceito, generalizado em

todas as legislações, tem lugar em sua maior intensidade.

Dubroca havia constituído uma hipoteca em favor de Sorbé: vendeu em

seguida o imóvel hipotecado a seu irmão; este constituiu mais tarde, em favor do

próprio Dubroca, vendedor, uma hipoteca que foi inscrita antes da de Sorbé; em um

concurso de preferências um cessionário de Dubroca pretendeu ser pago ante s de Sorbé.

A Corte de Agen repeliu a pretensão do cessionário e a Corte Suprema

confirmou esta decisão, fundando-se em que a hipoteca subsistindo entre as partes

contratantes independentemente de inscrição Dubroca não podia: alegar contra o seu

credor por escritura da hipoteca, a falta da inscrição desta; e como ao cessionário de

Dubroca não assistiam mais direitos do que ao mesmo, não podia alegar aquilo que ao

seu cedente não era permissível fazer.

Martou critica esta solução, por excesso na aplicação do princípio.

Se os tribunais houvessem decidido que Dubroca não podia contestar a Sorbé o

direito preferencial que tinha em referência a ele Dubroca, que contratara com Sorbé a

hipoteca, teriam dado uma decisão inatacável, como, porém. aplicar o rigor do pr incípio

ao cessionário?

“Dubroca tinha incontestavelmente um direito de hypotheca valido.

Transferindo-o, elle dispoz de um direito que estava plenamente em seu domínio. Este

direito existia em toda a sua plenitude, em referencia ao proprio Sorbé, sómente este

tinha a faculdade de paralysar o exercicio dado na pessoa de Dubroca, em razão do laço

de obrigação que existia entre elles. Porém, o cessionário, simples sucessor na

hypotheca e de todo o ponto estranho ás obrigações pessoaes do cedente, não podia ser
repellido pelo mesmo fundamento.”

Parece-nos que a crítica de Martou tem procedência.

O cessionário não estipulou, não contratou a hipoteca e conseguintemente, no

direito belga, sendo pessoal a restrição da alegação da falta de registro às partes

contratantes, o cessionário não está adstrito à limitação; naquelas legislações, porém, em

que, como o Código Civil português (art. 961) a falta de registro não pode ser alegada

pelos herdeiros e representantes do devedor, a crítica de Martou carece de fundamento.

O que resulta, porém, quer da crítica, quer da decisão dos tribunais é que o

contrato hipotecário, não inscrito prevalece entre as partes contratantes, para todos os

seus efeitos, só decorrentes, para com os terceiros, da inscrição da hipoteca.

254. A sanção da disposição do art. 9.º, do Dec. 169-A, de 19.01.1890, foi dada

pela jurisprudência de modo enérgico quando firmou, como o fizeram a sentença, e o

acórdão publicados no Direito (vol. 35, p. 54 a 56 e 65), a doutrina de não poder a

hipoteca ser alegada em concurso de preferências, quando for nula a inscrição, por isso

que da data desta é que decorrem da hipoteca efeitos para com terceiros, e sendo nula a

inscrição ela nenhum efeito produz.

A solução dada pelo poder administrativo no Aviso de 04.12.1890 ao caso de

não possuir o tutor bens a especializar para a hipoteca dos tutelados, importa a

confirmação da inteligência geralmente dada a publicidade hipotecária, como condição

substancial à vitalidade da mesma em referência aos terceiros.

Enquanto não se dá a especialização, condição necessária da inscrição, diz o

citado Aviso, fica paralisada a hipoteca, até que adquirindo o tutor bens suficientes

possam ser eles especializados à garantia da responsabilidade e dar-se então a inscrição


– da qual dimanam os efeitos hipotecários.

O julgado proferido pelo Tribunal Superior do Estado de Alagoas em

01.10.1897 concretiza de modo feliz a aplicação do princípio estabelecido no § 1.º do

art. 9.º, supra.

Doutrinou aquele julgado que antes da especialização de qualquer das

hipotecas legais estabelecidas no art. 3.º do Dec. 169-A, de janeiro de 1890, tais

hipotecas valem entre as partes interessadas em relação a todos os imóveis dos

responsáveis, porque as disposições do citado art. 3.º assim o determinam, em referência

a todas as hipotecas que a lei faz dimanar dos próprios fatos da tutela, do casamento, da

paternidade etc., quando dispõe que a hipoteca legal, nos casos ali especificados, tem

assento nos imóveis do marido, nos imóveis do tutor ou curador, nos imóveis do pai etc.

Como primeiro consectário do fato jurídico menciona o julgado a necessidade

da declaração do § 6.º, do art. 4.º, do citado Decreto, sempre que qualquer pessoa,

colocada nas situações especificadas no art. 3.º, quiser convencionar hipoteca sobre

imóveis de sua propriedade; eis precisado, de modo patente, o caso regido pelo § 1.º, do

art. 9.º, o da validade da hipoteca, entre os interessados; se o tutor, o pai, ou o marido

deixar de declarar, na escritura de hipoteca convencional, que seus imóveis estão

obrigados por hipoteca legal, antes da especialização e inscrição desta, o pupilo, a

mulher, ou o filho podem promover a decretação da nulidade da hipoteca convencional,

por falta de condição substancial para que válida seja, qual a declaração exigida.

Depois de especializada, já tal direito não assiste aos referidos credores por

hipoteca legal; a especialização produz, entre os interessados, logo que é completada

pelo julgado que a homologa, como primeiro efeito, a limitação da extensão da hipoteca

legal e a sua compreensão exclusivamente aos bens especializados: cessa o direito de


hipoteca sobre todos os imóveis do devedor; e somente os indicados na especialização

respondem pela execução da obrigação legal.

A inscrição imprime à hipoteca legal especializada a força precisa para conferir

ao titular da mesma o direito de ser pago, pelo produto dos bens especializados e

inscritos, com preferência sobre os demais credores, e o poder de executar os bens

hipotecados em poder dos terceiros, ainda que adquirentes por título regular; sem a

inscrição estes direitos esvaem-se; como diz Duranton (vol. 2.º, n. 4).

São estes os princípios concretizados nas disposições supra e modernamente

aceitas pela doutrina corrente (Aubry et Rau, vol. 3.º, § 267; Martou, vol. 3.º, n. 1.027;

Laurent, Princ. de Droit Civil, vol. 30, ns. 303, 400 e 546; Arntz, vol. 4.º, ns. 1.733,

1.817 e 1.818; Thiry, vol. 4.º, n. 521; Duranton, vol. 20, ns. 2, 3 e 4; Paul Pont, Hyp.,

vol. 2.º, ns. 728 e 729; Kent‟s, Commentaries on american law, vol. 4.º, n. 168; Pacifici-

Mazzoni, Inst. de Diritto Civile, vol. 3.º, n. 363).

O conhecimento da hipoteca por outro qualquer meio que não a inscrição no

registro respectivo não impede o credor quirografário de fazer valer sua ação e execução

sobre os imóveis do devedor; esta solução indica que a inscrição não é em substância

um simples veículo de publicidade: o mecanismo do registro hipotecário moderno, com

a sua ação acentuada e essencial na validade e procedência da hipoteca participa do

sistema do cadastro dos países denominados em França de nantissement, de que a Lei

de 11 brumário, ano 7.º, derrogatória do edito de 1673, é uma repercussão no

mecanismo hipotecário francês, repercussão que a doutrina sustentada por Tarrib le

(Merlin, verb. Inscription Hypothecaire) sofrem de modo tão pronunciado.

Só a inscrição transfere aos terceiros a notificação, a ciência da hipoteca; o

conhecimento obtido por qualquer outro meio é de nenhum alcance para os efeitos da
hipoteca (Mazzoni, vol. 8.º, n. 363; P. Pont., Hyp., vol. 2.º, n. 728).

Esta noção de Pont, no lugar citado, fundamenta nos seguintes termos: “Rien

ne peut suppléer l‟inscription considérée comme moyen de manifester aux yeux des

tiers l‟éxistence d‟une hypothéque; et c‟est méconnaître la pensée même de la loi,

detruire son economie, et aller manisfestement contre la supposition de notre article

2134, qu‟opposer à un créancier que excipe du défaut d‟inscription la connaissance qu‟il

aurait eue personnellement de la constitution d‟hypothéque. Quand l‟inscription n‟a pas

été prise, l‟hypothéque manque de son élément essentiel, qui est la publicité; et même,

pour ceux qu‟en connaissent l‟éxistence, elle est sans valeur parce qu‟elle est

légalement igonorée”.

Laurent combate este modo de ver (Principes , vol. 30, n. 552) em face do art.

1.º da Lei belga, de 16.12.1851, que dispõe que até a transcrição os atos traslativos de

domínio não poderão ser opostos aos terceiros que houverem contratado sem fraude;

desde porém, que os terceiros contratassem com fraude, isto é, sabendo da transferência

esta produziria efeito independente do registro; ora, diz Laurent, o princípio que no caso

domina a transcrição da transferência de domínio, deve regular a inscrição da hipoteca;

conseguintemente o credor hipotecário, que souber da existência da hipoteca anterior

sobre o mesmo imóvel, não tem prelação sobre esta pelo fato de não estar ela inscrita e

de haver ele feito inscrever a sua, porque contratou com má-fé.

Essa opinião foi repelida pela jurisprudência belga; no entanto, ela é sustentada

como corrente na Inglaterra e nos Estados Unidos:

“A more reasonable doctrine prevails in the English and american law; and it is

a settled rule, that if a subsequent purchaser or mortgagee, whose deed is registered,

had notice, ate the time of making his contract, of the prior unregistered deed, he shall
not avail himself of the prority of his registry to defeat it; and the prior unregistry deed

is the same to him as if had been registered. His purchase is justly considered, in cases

where the conduct of the first mortgagee has been fair, as made in bad faith; and it

would ill comport with the honour of the law, and the wisdom of the administration of

justice, that courts should blind their eyes to such fraudulent dealing, and suffer it to

remise triumphant.” (Kent‟s, Commentaries on american law, vol. 4.º, ns. 169 e 170).

255. O regime de publicidade das hipotecas adotado entre nós desde a Lei de

24.09.1864 não reconhece, para quaisquer efeitos, a notificação, a ciência da hipoteca, a

não ser a que é transmitida pelo registro; fora permitir que a publicidade se pudesse

levar a efeito por modo diverso, por processo diferente daquele que a lei reputa

garantidor da comunicação do fato hipotecário a todos quantos, alheios ao contrato,

possam ter interesse no conhecimento da existência do mesmo.

A inscrição é o único ato que imprime à hipoteca força e vitalidade, quanto aos

terceiros e porque assim é, senão pelo fato de ser ela o único veículo de publicidade que

o nosso direito escrito reconhece para todos os efeitos à mesma publicidade ligados?

A seqüela é inerente à hipoteca, como atributo essencial do direito real, é,

como diz o Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, nota 6.º ao § 174) o próprio direito real em

atividade; no entanto, sem a inscrição, tal efeito não decorre da hipoteca para com os

terceiros.

A jurisprudência é uniforme; sem a inscrição a hipoteca judicial não produz o

seu único efeito – a seqüela (Direito, vol. 7.º, p. 95, 98 e 99; vol. 16, p. 782; vol. 29, p.

236 a 241; vol. 39, p. 215); a hipoteca convencional inscrita produz efeitos contra

terceiros enquanto não cancelada (art. 11, § 6.º, do Dec. 169-A, de 1890, arts. 103 e 227
do Dec. 370, de 02.05.1890) embora eivada de nulidade substancial, desde que esta não

seja declarada em sentença judicial, e feito cancelamento por força desta (art. 214 do

Dec. 370, de 02.05.1890; Acórdão da Relação de Porto Alegre, de 28.02.1885); a

doutrina em contrário estabelecida nos acórdãos do mesmo Tribunal de 3 de junho e de

2 de setembro do mesmo ano carecem de fundamento jurídico.

Assim como a inscrição só produz efeito quoad tertios, como veículo de

publicidade, assim a rescisão da mesma pelo cancelamento só produz efeito em relação

aos terceiros e nenhum em referência às partes contratantes (Direito, vol. 40, p. 393).

Se a nulidade da inscrição pode ser discutida no concurso de preferências é

ponto duvidoso.

Os julgados mencionados no Direito (vol. 35, p. 54) o permitirão em face do

disposto no art. 235 do Decreto de 26.04.1865; a mesma solução parece-nos dever ser

dada em face dos arts. 212 e 214 do Dec. 370 de 1890, que reproduziu os dispositivos

dos arts. 235 e 237 daquele Decreto.

§ 2.º A inscripção, salva a disposição do art. 11, valerá por trinta anos, e só

depende de renovação, findo esse prazo.

Nestas disposições não se compreende a inscrição da hipoteca da mulher

casada e do interdito, a qual subsistirá por todo o tempo do casamento ou interdição, e

das sociedades de crédito real, que durará por todo o tempo da sua existência legal.

256. Não é motivo para louvar o legislador hipotecário de 1890 o fato de haver

ele conservado a perempção do registro, quando ligou a este não somente efeitos de

publicidade, mas tornou-o a expressão material da duração do direito real, fazendo este
subsistir, a despeito da anulação da dívida principal, enquanto perdurar a inscrição,

autorizando as mais injustificáveis chicanas e os mais reprovados expedientes de

exploração, sem vantagem para a eficiência do crédito real, e em exclusivo detrimento

da noção jurídica da hipoteca.

Mantida a severidade do preceito do art. 227, do Dec. 370, de 02.05.1890, a

perempção do registro, por tempo menor de trinta anos, pode parecer uma medida

aceitável, ainda assim, afigura-se-nos preferível fazer carregar o interessado com os

efeitos de sua desídia em levantar a inscrição promovendo o seu cancelamento, do que

afetar a validade da inscrição e com ela a vida da própria hipoteca em referência aos

terceiros suprimindo a inscrição já feita por meio de uma prescrição extintiva de seus

efeitos.

A perempção da inscrição foi inserida em França no art. 23, da Lei de 11

brumário do ano 7.º; as razões que serviram para fundamentar a medida foram expostas

perante o Conselho dos Quinhentos por Crossous, e todas reduzem-se a uma única,

reproduzida sempre por aqueles que posteriormente, na própria França, por ocasião de

organizar-se o Código Civil e de discutir-se a reforma hipotecária proposta em 1850,

ocuparam-se do assunto: a inscrição com duração igual a da hipoteca traria no fim de

certo número de anos grande dificuldade para a verificação das hipotecas que tivessem

ou não força contra terceiros; ao fim de muitos anos tal verificação tornar-se- ia tão

difícil que ofereceria pouca segurança a pesquisa que fizesse o oficial do registro para a

apuração de um registro tão remoto.

Transportada para o art. 2.154 do Código Civil francês a perempção mereceu

de Troplong (Hypoth., vol. 1.º, Introdução, p. 50) a mais severa crítica, como sendo

causa da multiplicidade de processos, tendo aberto ensejo a muitas perdas por parte de
credores que confiavam nas primeiras inscrições que haviam feito. Enfim, diz Troplong

– “des difficultés sans nombre se sont elévees sur la question de savoir à quele époque

les inscriptions ont atteint leur effet, de maniére que leur renouvellement soit devem

inutile” (Priv. et Hypoth., Introd., p. 51).

Por ocasião da reforma hipotecária de 1850 o projeto proposto pelo governo

inseriu a perduração da inscrição por tanto tempo quanto a da hipoteca; esta sendo

acessória deve ter a mesma vida que a obrigação principal e ela depende para tal efeito

da inscrição; o Conselho de Estado adotando a idéia formulou a sua realização nos

seguintes termos: “As inscrições não precisam de ser renovadas; elas conservam todo o

seu efeito emquanto durar o direito ao privilégio ou à hipoteca”.

A comissão legislativa, porém, julgou haver neste sistema uma exageração

perigosa; acabaria por chegar uma época em que tornar-se- ia dificílimo achar as

inscrições, acrescendo que o lapso de tempo podia mesmo de per si trazer a perda dos

registros; por isso ela concluía propondo a duração do registro pelo tempo de trinta

anos.

Persil defendia a necessidade da renovação da inscrição, por ver nela um

expediente profícuo ao oficial do registro, à propriedade, ao devedor e ao crédito

territorial. “Sem esta prudente medida, dizia elle, os certificados dos conservadores do

registro perderiam toda a autoridade; á proporção que se afastassem da data das

inscripções, os traços destas apagar-se-hiam, e, as buscas tornando-se mais difficeis,

viria um momento em que a responsabilidade do conservador (oficial do registro)

tornar-se-hia uma injustiça... a propriedade e o devedor ganham igualmente com a

obrigação da renovação. É um modo economico de purgar, por omissão voluntaria, um

grande numero de inscripções cujas causas não existem mais e cuja avaliação era
necessario obter, quer por meio de atos notariados, quer por meio de acções judicia is.

O credito territorial alargando suas bases enriquece-se de todos os encargos

immobiliarios cuja suppressão o tempo traz.”

Vatimesmil propunha o prazo de trinta anos para a perempção por considerar

que será muito raro que dentro de tal prazo não se tenha dada o pagamento das

hipotecas, por outro lado, não se deve recear a omissão do credor em renovar a

inscrição, desde que ele só por meio de nova inscrição pode obter novo título.

É fácil de ver que os fundamentos em que se apoiou a perempção da inscrição

das hipotecas não assentam em razões jurídicas; estas militam em favor do princípio que

favorece a equiparação da duração da inscrição à da ação real da hipoteca, a qual

assenta exclusivamente no registro, sem o qual a hipoteca carece de efeitos para com os

terceiros.

No entanto, legislações adiantadas, como a belga, depois de consagrarem o

regime da perpetuidade da inscrição (Lei de 22.12.1828) voltaram ao da perempção, de

modo limitado (Lei de 22.08.1842) e afinal de modo definitivo (art. 90 da Lei de

16.12.1851).

A Lei de 1842 teve unta elaboração demorada; o projeto oferecido em 1838,

pelo governo, só teve parecer em 16.03.1842, dado por Behr, relator da seção central da

Câmara dos Deputados, que fundamentou detalhadamente a medida, apresentando os

inconvenientes que resultariam da perpetuidade das inscrições, as quais supõem todas a

omissão dos interessados no cancelamento das inscrições; e consistem principalmente

no grande mal de não poderem muitos proprietários dispor de seus bens imobiliários,

conquanto efetivamente nada devam, vindo a achar-se privados dos recursos os mais

indispensáveis a seus negócios.


Martou defende a medida da perempção por julgá- la necessária para não se

embaraçar a circulação da propriedade territorial e gravar muitos imóveis com a

indisponibilidade; à proporção que o público se familiariza com a renovação das

inscrições, diminuem as caducidades dos registros das hipotecas, as perempções das

inscrições vão se tornando mais raras, e por isso julga ele de bom conselho que as

renovações se façam por prazo bem curto; o art. 90, da Lei belga de 16.12.1851, exige a

renovação no fim de 15 anos.

O Código Civil italiano determina a renovação da inscrição no fim de trinta

anos, cessando os efeitos do registro se a inscrição não for restaurada antes da

incidência do termo (art. 2.001).

Esta disposição final resolve um ponto que era objeto de discussão entre os

comentadores do Código Civil francês (art. 2.154) apesar dos termos precisos deste

artigo – avant l’expiration de ce delai.

Tratava-se de apurar se sendo feriado o último dia do prazo, o dies ad quem, a

renovação da inscrição podia ter lugar no seguinte; a prevalecer a jurisprudência de um

antigo julgado da Corte de Paris de 21.05.1814, não devendo contar-se nos dez anos do

art. 2.154 do Código Civil francês nem o dies a quo nem o dies ad quem, a renovação

podia dar-se no dia seguinte ao da finalização do prazo; a jurisprudência não firmou

doutrina, e esta acentuou-se no sentido de caducar a inscrição se não houver sido

renovada no nono dia do prazo, quando o décimo for feriado (Vazeille, ns. 334 e 335;

Troplong, vol. 3, n. 714; Duranton, vol. 20, n. 161; Arntz, vol 4.º, n. 1.846; Laurent, vol.

31, n. 111); a opinião contrária professada por Aubry et Rau (Hypoth., vol. 3.º, 280, p.

381), Pont (Hypoth., vol. 2.º, n. 1.040) funda-se em que o dies ad quem computatur in

termino; sendo essa a regra, a renovação deve dar-se no último dia ainda que feriado
seja; não no dia seguinte porque o prazo está findo, não no anterior porque o credor não

é obrigado a isso por preceito da lei. É a opinião de Pacifici Mazzoni (vol. 3.º, n. 373).

A questão da permissibilidade da renovação no dia seguinte ao em que finda o

prazo é de suma importância; a inscrição renovada dentro do prazo continua – a

renovação fora do prazo importa nova inscrição, faz desaparecer o laço de continuidade

e conseguintemente só da nova inscrição recomeça a hipoteca a valer contra os terceiros

(Pacifici-Mazzoni, vol. 3.º, n. 373; Pont, vol. 2.º, n. 1.042; Aubry et Rau, vol. 3.º, § 280,

n. 5; Troplong, vol 3.º, das Hypoth., n. 715; Laurent, vol. 31, ns. 120 e 121; Duranton,

vol. 20, n. 172): esta solução é a dominante no nosso direito hipotecário (Lafayette, Dir.

das Cousas, vol. 2.º, § 249) e o seu alcance é nada menos do que o da perduração ou da

perempção do primeiro registro em referência aos terceiros que houvessem inscrito

hipoteca no intervalo entre a primeira e a segunda inscrição, em relação aos credores

hipotecários inscritos.

257. A renovação da inscrição não precisa ter lugar:

a) Quando se tratar de hipotecas da mulher casada, do interdito e das

sociedades de crédito real (art. 215, parágrafo único, do Dec. 370, de 1890);

b) Quando a inscrição houver produzido todos os efeitos dentro do prazo dos

trinta anos.

O art. 2.154 do Código Civil francês exigia a renovação do registro de tod as as

hipotecas ainda as legais, sem excetuar a da fazenda pública que a Lei de 11 brumário

do ano 7.º fazia vigorar independentemente de renovação até os primeiros seis meses

que se seguissem à apuração das contas dos responsáveis (Troplong, Priv. et Hyp., vol.

3.º, n. 715; Duranton, vol. 20, n. 175; Aubry et Rau, vol. 3.º, § 280, p. 373); a lei
francesa para garantir os menores e interditos e as mulheres casadas, quando as

hipotecas legais fossem inscritas, em referência à renovação da inscrição cominava ao

marido e aos tutores a pena do crime de estelionato no caso de omissão da renovação da

inscrição. (P. Pont, vol. 2.º, n. 1.043).

A Lei francesa de 23.03.1855 dispôs, em referência à inscrição das hipotecas

legais da mulher casada, dos menores e dos interditos, que no caso da mulher enviuvar,

do menor tornar-se maior e o interdito for libertado da interdição, deverão fazer a

renovação da inscrição no prazo da lei comum sob pena de ficar a inscrição valendo

somente a datar da renovação e não da primitiva inscrição.

A inteligência do art. 2.154 foi fixada no sentido acima exposto por um aviso

do Conselho de Estudo de 15.12.1807, aprovado por Ato de 22.01.1808; tal inteligência

foi dada consultando-se; como elemento de formação do dispositivo do Código Civil, o

art. 23, da Lei de 11 brumário do ano 7.º.

A Lei belga de 1851 só exige a renovação da inscrição das hipotecas legais dos

menores, interditos e das mulheres casadas depois de decorrido um ano da cessação da

tutela e curatela e da dissolução do casamento.

Esta disposição foi calcada sobre a do art. 23, da Lei de 11 brumário do ano 7.º

(Martou, vol. 3.º, n. 1.138; Laurent, vol. 31, ns. 108 e 109; Thiry, vol, 4.º, n. 539).

O Código Civil italiano só exige a renovação da inscrição da hipoteca legal da

mulher casada depois de decorrido um ano da dissolução do matrimônio (art. 2.004);

quanto à inscrição da hipoteca legal dos menores e interditos deve ser renovada no

prazo estabelecido de 30 anos, sob pena de, dada a omissão por parte do tutor ou

curador, ficar este sujeito à indenização do dano que resultar da omissão, a uma multa

de mil liras e a serem removidos da tutela e da curatela (art. 2.002).


A razão da disposição em favor da mulher casada foi evitar que esta se visse

colocada na alternativa ou de praticar um ato aparentemente hostil ao marido ou perder

a garantia de seu dote: a disposição regula o caso de durar o casamento mais de trinta

anos e sua dissolução tenha lugar por parte do marido ou da mulher, ou por anulação do

casamento (Pacifici-Mazzoni, vol. 3.º, n. 373; Cattaneo e Borda, vol 2.º, nota 9 ao art.

2.004, Chironi, vol. 1.º, § 227).

O Código Civil holandês havia estabelecido no art. 1.236 a perpetuidade da

inscrição; uma Lei de 05.06.1878 exigiu que todas as hipotecas então existentes fossem

novamente inscritas a contar de 01.01.1879, e sempre daí em diante, todos os anos.

Os tutores sub-rogados e os subcuradores devem fazer com que os tutores e

curadores renovem as suas inscrições sob pena de perdas e danos; a mulher casada pode

requerer a renovação da inscrição sem autorização do marido.

O moderno Código Civil alemão, imprimindo à inscrição da hipoteca um

cunho de estabilidade necessária ao mecanismo do registro e cadastro territorial,

desperta a necessidade da renovação.

A garantia que oferece o imóvel hipotecado a cada um dos credores inscritos

depende principalmente de sua ordem de classificação; de sorte que no caso de extinção

de uma hipoteca anterior, quer por pagamento da dívida, quer por qualquer outro modo,

a hipoteca imediata não toma o lugar da anterior; esta passa a ser favorável ao

proprietário, que pode, na graduação vacante, colocar um novo credor hipotecário; é

este o objeto da denominada hipoteca do proprietário (art. 1.163, 1.ª alínea, do Código

Civil alemão; Meulenaere, nota ao mesmo artigo).

No regime da legislação de 1864 a inscrição das hipotecas legais gerais

perdurava durante todo o tempo do casamento, da tutela, curatela ou administração dos


pais, e por mais um ano (art. 216, do Dec. 3.453, de 26.04.1865; Lafayette, Dir. das

Cousas, § 249, n. 6): salvo o caso de existirem ações em juízo, em que a inscrição

subsista até a decisão das ações.

A prescrição das hipotecas gerais coincidia com o prazo da perempção da

inscrição; as referidas hipotecas, segundo o disposto no § 3.º, do art. 9.º, da Lei 1.237,

de 24.09.1864, cessavam um ano depois da separação dos cônjuges.

A prescrição da garantia, isto é, da obrigação acessória, dando-se a subsistência

da obrigação principal, era uma situação, que em princípio, se devia considerar

anômala, conquanto perfeitamente conforme com o direito escrito (Lafayette, § 249 e

nota 18) dado o objetivo da hipoteca; foi por isso que o Dec. 169-A, de 1890, suprimiu-

a e o Dec. 570 do mesmo ano restabeleceu-a (art. 226, § 10.)

O art. 215 do Dec. 370, de 02.05.1890, não relevou da renovação da inscrição

senão as hipotecas das sociedades de crédito territorial que subsistem por todo o tempo

de sua duração legal, independentemente da renovação.

A redação não é clara.

Não se pretenda que as expressões duração legal refiram-se a inscrições, o que

não teria razão de ser; elas são referentes a hipotecas e como estas subsistem enquanto

durarem as obrigações principais, as inscrições das hipotecas das sociedades de crédito

real têm igual duração, sendo o Decreto de 02.05.1890 ato posterior ao Dec. 169-A, de

19 de janeiro do mesmo ano, e de força igualmente legislativa, dever-se-á julgar

revogada a isenção de renovação concedida no § 2.º, do art. 9.º, deste último Decreto as

hipotecas legais da mulher casada e do interdito?

Que não está dispensada a renovação da inscrição da hipoteca dos menores é

fato inconcusso; quer o preceito do § 2.º, do art. 9.º, do Dec. 169-A, de 19 de janeiro,
quer o do art. 215, do Dec. 370, de 02.05.1890, não concederam a inscrição de

renovação neste caso, e não há como suprir a omissão, sem legislar.

Parece-nos, porém, que a disposição do Dec. 169-A (art. 90, § 2.º, supra) deve

prevalecer, na parte em que isenta da renovação a inscrição das hipotecas legais da

mulher casada e dos interditos, porque o preceito do art. 215, do Decreto de 2 de maio, é

puramente regulamentar, como o indica a epígrafe do referido ato, que foi expedido

para regular a execução do Dec. 169-A, o que o força a não alterar as disposições

daquele, fato que importaria excesso da função executiva de regulamentar as leis, que se

deve compreender de todo o ponto diferençada da legislativa, apesar de se terem

encontrado ambos reunidos na junta revolucionária que constituiu o governo provisório

da República antes da promulgação e da execução da Constituição de 24.02.1891.

Convém não abandonar este assunto sem tornar saliente que a perempção da

inscrição, por não haver sido renovada em tempo, afeta unicamente a publicidade da

hipoteca, e efeitos dela decorrentes e de nenhum modo a substância da mesma; esta

prescreve com a obrigação principal; pode, pois, subsistir o direito hipotecário a

despeito da perempção da inscrição.

258. A dispensa da renovação tem também lugar, dissemos nós, quando a

inscrição houver produzido todos os efeitos que a lei faz decorrer da publicidade da

hipoteca.

Se o prazo de duração da inscrição vencer-se quando já se houver dado a

excussão do imóvel hipotecário, tiver tido lugar a praça e o produto da arrematação

houver sido depositado, nenhuma dúvida existe entre os doutrinadores e na

jurisprudência de que a renovação da inscrição é desnecessária para que o credor


hipotecário faça valer o seu direito preferencial ou prelatício.

A razão fundamental desta solução, que é correta, está no objeto da hipoteca e

na situação jurídica criada aos credores pelo fato da arrematação, isto é; da conversão;

em dinheiro, dos bens sobre os quais se opera a execução e a venda em hasta pública.

A hipoteca tem por fim garantir o pagamento do credor pelo produto ou preço

do imóvel hipotecado, a arrematação importa a transferência do direito do credor

hipotecário do imóvel para o preço deste, havido em hasta pública: desde, pois, que o

credor hipotecário estiver aparelhado com a hipoteca regularmente inscrita no momento

em que, operada pela hasta pública a substituição do preço ao imóvel, tiver lugar o

depósito do preço, o que importa a consignação do mesmo ao pagamento, dar-se-á a

mutação no objeto do direito dos credores; deixará ele de ser um direito sobre o imóvel

para ser um direito sobre o preço, e como a inscrição só se faz precisa enquanto o direito

real existe, com assento sobre o imóvel, desaparecendo este não há mais coisa sujeita à

hipoteca, e o direito do credor acentua-se pelo fato da existência da inscrição no

momento da substituição do imóvel pelo preço e acentua-se de modo irrevogável,

porque desde que estiver firmado o direito ao preço o fim da hipoteca está atingido,

como diz Laurent (vol. 31, n. 128).

Tais são os princípios sobre a matéria que se pode ver desenvolvidos com

grande clareza, em Troplong (Hyp., vol. 3.º, ns. 717 e seguintes); Martou (Hypoth., vol.

3.º, n. 1.155 e seguintes); Laurent (vol. 31, ns. 128 e seguintes); Thiry (vol. 4.º, n. 540);

P. Pont (Hypoyh., vol. 2.º, n. 1.055); Aubry et Rau (vol. 3.º, § 280, p. 375); Mourlon

(Repet Ecrits, vol. 3.º, ns. 1.590 e 1.591); Duranton (Droit Civil, vol. 20, n. 163).

Não há, pois, segundo a melhor doutrina, necessidade de renovar a inscrição

enquanto o concurso das preferência não se dá, como opina Merlin; ou ainda menos, só
quando o concurso estiver ultimado pela classificação, ou o pagamento feito, como

opinam Dalloz e outros.

Esta solução, dados os princípios que dominam os efeitos da hasta pública, não

oferece grandes dificuldades; se, porém, a venda tiver tido lugar por ato do devedor,

como os credores não adquirem direito ao preço pago pelo comprador, continua o

direito hipotecário com os seus dois efeitos, que devem convergir, na hipótese, para a

apuração do direito do credor: a seqüela para ir assentar a execução, promovendo a

excussão do imóvel onde estiver, a preferência para ir liquidar o direito prelatício em

tempo oportuno, quando se abrir a face do concurso dos créditos: a renovação da

inscrição é substancial no caso, e as longas considerações feitas pelos escritores não

parecem ter aplicação a uma hipótese que somente se resolve perdurando em mãos do

credor o direito hipotecário com os seus efeitos naturais, os quais prendem-se por

dependência ao fato da inscrição.

São fundadas, no nosso direito, as ilações que o Sr. Lafayette tira da doutrina:

que a necessidade de renovação não existe se o depósito do preço da arrematação do

imóvel tiver tido lugar no prazo dos trinta anos; ao contrário, a renovação da inscrição

faz-se precisa, se o depósito do preço se realizar quando já estiverem decorridos os

trinta anos (Dir. das Cousas, vol. 2.º, § 249, n. 5).

Estes princípios não sofrem modificação no caso de falência do devedor.

As preferências dos credores da falência são atualmente regidas pelas

disposições do art. 70, do Dec. 917, de 24.10.1890, que manda regular os direitos dos

credores que tiverem hipoteca legal ou convencional inscrita pelos Decs. n. 169-A, de

19.01.1890, e 370, de 2 de maio do mesmo ano.

Laurent acentua, com a costumada clareza, a situação dos credores hipotecários


nas falências:

“A sentença que declara a fallencia tira a posse do fallido e fixa a situação dos

credores. A partir deste momento, nenhum credor póde adquirir direito de preferencia

sobre os bens da massa; a lei não permitte aos credores hypothecarios que não tivessem

feito inscripção, fazel-a sobre os bens do fallido.

Isto, porém, nada tem de commum com a conservação do direito hypothecario

dos credores inscriptos antes da declaração da fallencia... o credor deve renovar a

inscripção emquanto sua hypotheca não realizar-se pelo direito que elle adquira sobre o

preço. Por ventura, o facto da fallencia confere aos credores hypothecarios um direito

sobre o preço?

A questão não tem sentido; não póode haver direito sobre o preço emquanto

não houver venda; conseguintemente apezar da fallencia, os credores deveria renovar

suas inscripções até que se dê a venda do immovel hypothecado e a fixação definitiva

do preço. Não ha necessidade de insistir, a doutrina e a jurisprudencia pronunciaram-se

neste sentido.” (Princ., vol. 31, n. 145.). Confere Martou, vol. 3.º, n. 1.170.

259. A renovação da inscrição deve ser feita por todos aqueles que têm

obrigação de levar as hipotecas ao registro; a falta da renovação pode ser alegada por

todos quantos tiverem nisso interesse, sem que possa servir de limitação a esse direito o

fato de conhecer previamente que a inscrição devia ser renovada; ela tem lugar com as

mesmas formalidades com que se realiza a inscrição (art. 215 do Dec. 370, de

02.05.1890; Lafayette, Dir. das Cousas, vol. 2.º, § 249, n. 6; Pacifici-Mazzoni, vol. 3.º,

n. 374; Troplong, Hypoth., vol. 3.º, ns. 716 e 716 bis; Laurent, vol. 31, ns. 113 e

seguintes; Martou, vol. 3.º, ns. 1.142, 1.144 e 1.148; Código Civil argentino, arts. 3.151
e 3.935).

260. O caso de remissão da hipoteca não oferece dificuldades em face dos

princípios estabelecidos.

Desde que a remissão é julgada por sentença o preço substitui o imóvel, que

fica livre e desembaraçado (art. 270, do Dec. 370, de 1890), e como a remissão se opera

com o concurso dos credores, ou à revelia destes, que devem ser citados para dizerem

sobre o preço proposto pelo adquirente (arts. 260 e 261 do Decreto citado), a renovação

da inscrição só se faz precisa se o prazo de trinta anos houver expirado antes de aceito

pelos credores o preço da renovação.

Iniciado o processo da remissão, pela notificação do credor, para dizer sobre o

preço proposto para remissão, trata-se de sub-rogar o imóvel pelo preço; não é, pois,

mais o imóvel, que está em causa, é o seu valor, tanto que somente da fixação deste

depende a procedência da remissão; se esta não tiver lugar subsiste o estado de coisas

anterior; o credor hipotecário precisa ter válida a sua inscrição para usar da seqüela e

excutir o imóvel em poder do adquirente.

Se os credores aceitarem o preço proposto pelo remitente, firma-se um contrato

entre este, como terceiro detentor do imóvel, e aqueles; na hipótese de fiarem do julgado

a fixação do quantum da remissão, mediante o processo dos arts. 257 a 270, do Dec.

370, de 1890, forma-se um quase-contrato cujo objeto é a aceitação do preço que o

julgado fixar depois das licitações e mais formalidades processuais; fixado o preço e

posto à disposição dos credores a sub-rogação está completa.

É este o ponto de partida da dispensa da renovação; a doutrina que o faz

remontar à iniciação do processo pela notificação dos credores para aceitarem o preço
proposto é justamente combatida por Troplong (Hypoth., vol. 3.º, n. 724; Martou, vol.

3.º, n. 1.165; Thiry, vol, 4.º, n. 540).

Esta solução está conforme com os princípios estabelecidos.

Acresce que julgada a remissão e à vista da sentença dela, da qual deve constar

o pagamento do preço pelo adquirente, o imóvel é declarado livre da hipoteca e a

inscrição remida e cancelada (art. 270 do Dec. 370, de 02.05.1890).

É o caso de perguntar com Troplong (Hypoth., vol. 3.º, n. 724):

“Comment donc serait- il possible d‟exiger des renouvellements d‟inscriptio n,

alors que les inscripitons elles- mêmes sont ou vont êtres radiées?”

Este cancelamento é consectário necessário da sub-rogação operada.

261. A. legislação hipotecária da Polônia modelou-se quase que

exclusivamente pelo Código Napoleão: todavia ela separou-se deste em pontos de

grande relevância..

Assim a validade de todas as hipotecas legais para com terceiros é dependente,

segundo a Lei de 1818, da inscrição (art. 51) e a perempção da hipoteca não foi

consagrada.

A inscrição conserva-se válida enquanto perdura a hipoteca.

Comentando as disposições dos arts. 123 e 124 da Lei polaca de 1818, diz um

notável escritor

“A Lei de 1818 julgou dever abandonar o principio francez em virtude do qual

a inscripção, para conservar sua efficacia, deve ser renovada dentro de dez annos de sua

data. Esta regra, tão perigosa para os credores, que deixa á mercê de um simples

esquecimento, não foi adoptada e mantida em França sinão porque em razão do modo
da organisação dos registros hypothecarios, as buscas tornar-se-hiam quasi impossiveis,

se se houvesse concedido á inscrição uma efficacia illimitada ou sómente mais longa.

Ella poude ser tratada, com pouco appreço nos paizes, como a Allemanha ou a Polonia,

em que os registros têm uma base essencialmente territorial, em que cada movel tem seu

folio ou seu registro distincto, e onde todos os actos concernentes ao mesmo immovel

são seguidamente agrupados uns após outros.

Com este systema, as buscas tornam-se faceis qualquer que seja a data das

inscripções. Portanto a lei poude dispôr sem inconveniente que a inscripção não é

sujeita á renovação e conserva o direito emquanto e por tanto tempo que não se der o

cancellamento; nenhuma perempção póde mesmo começar.” (Lehr, Direito Civil russo,

n. 404).

§ 3.º As inscrições serão feitas pela ordem em que forem requeridas.

Esta ordem é designada por números.

O número determina a prioridade.

§ 4.º Quando duas ou mais pessoas concorrerem ao mesmo tempo, as

inscrições serão feitas sob o mesmo número.

O mesmo tempo quer dizer, de manhã, das 6 horas até às 12, ou de tarde, das

12 até às 6 horas.

§ 5.º Não se dá prioridade entre as inscrições do mesmo número.

262. O número é a expressão material da ordem, ou classificação do credor na

escala preferencial: não pode, conseguintemente, tratar-se, de prelação entre credores

inscrições no registro hipotecário sob o mesmo número, porquanto estão eles sob a
mesma escala de classificação.

É líquido isto e, não carece de maiores desenvolvimentos além dos que estão

dados por ocasião de estudarmos os efeitos do registro.

No nosso regime de publicidade se o número não é a expressão da ordem,

segundo o momento da inscrição, o é, todavia segundo a divisão do dia útil em dois

tempos.

O mecanismo francês, o belga e o italiano só admitem um tempo de inscrição

que coincide com o dia útil.

“Todos os credores inscriptos no mesmo dia exercem, no concurso, uma

hypotheca da mesma data, sem distincção entre a inscripção da manhã ou da tarde; se o

conservador fizer menção desta differença” (art. 2.147, do Código Civil francês; Lei

belga de 16.12.1851, art. 81, 2.ª alínea; Código Civil holandês, art. 1.226).

Este sistema, que era consagrado pelo uso sob o regime da Lei francesa de 11

brumário do ano 7.º, a assembléia legislativa tentou modificar estabelecendo a

classificação dos credores hipotecários, pelos números da inscrição; a idéia não passou:

“O exame do assumpto fez conhecer que importava isso abandonar a questão

de preferencia a numerosas eventualidades de erros, e talvez mesmo fazel-a depender da

complacencia do conservador, ou até mesmo da dos agentes destes; e por isso voltou-se

ao systema do art. 2.147 do Código Civil francês, sistema eminentemente equitativo e

menos do que qualquer outro, susceptivel de inconvenientes. Assim quando muitas

inscripções tendo sido feitas no mesmo dia tiverem a mesma data, os credores que

houverem requerido estas inscrições tem direito igual entre si; concorrem ao preço do

immovel hypothecado na mesma ordem em pro rata de seu credito.” (P. Pont., Hypoth.,

vol. 2.º, n. 734).


Abundam no mesmo sentido (Troplong, Priv. e hyp., vol. 3.º, n. 664; Duranton,

vol. 20, n. 86; Mourlon, vol. 3.º, n. 1.559).

Os escritores legais preconizam igualmente este mecanismo.

“Haveria os maiores inconvenientes em ligar a ordem de preferencia á

prioridade da hora. Se aquela se tivesse regulado pela prioridade da escriptura ou pelo

instante mathematico em que o facto fosse apresentado, ter-se-hia que receiar essas

fraudes e funestas contestações. Teria dependido do conservador, até mesmo dos

caixeiros de seus escriptorios favorecer um credor em detrimento de outro.” (Martou,

vol. 3.º, 1.032). O fim da disposição da lei belga é impedir que o conservador, quando

muitos credores houverem pedido a inscrição no mesmo dia, conceda uma preferência

imposta a um deles, fazendo sua inscrição antes da dos outros (Thiry, vol. 4.º, n. 520).

Laurent, com o seu grande critério jurídico, e intuição prática condenou o

preceito da Lei belga, que reputa tanto mais injustificável, quanto em referência à

transcrição, o art. 123 da mesma lei manda regular a preferência dos títulos transcritos

segundo os números de ordem que os títulos houverem obtido na transcrição.

Porque não aplicar este princípio à inscrição das hipotecas? pergunta o grande

jurisconsulto. O motivo que se tem dado não explica a situação diferente que a lei

estabeleceu para a transcrição e para a inscrição.

“Se é impossivel, como se diz, que dois adquirentes sejam cada um proprietario

de todo o immovel, igualmente impossivel que dois credores tenham cada um

hypotheca sobre todo o immovel, pois a hypotheca é uma alienação parcial:

conseguintemente, no fundo, ha identidade entre a alienação e a hypotheca. Na

realidade a lei decidindo que os dois credores inscriptos no mesmo dia devem concorrer

ao preço, altera o direito do primeiro, porquanto este só obterá uma parte do preço,
emquanto que elle teria tido todo o preço se se lhe tivesse conservado a ordem a que

tens direito.” (vol. 30, n. 550).

263. O regime do Código Civil italiano representa um progresso digno de ser

imitado e mais de acordo com o objetivo da gradação na classificação dos créditos

hipotecários.

A numeração como a expressão da ordem é mais expressiva do que a data da

inscrição; esta demandaria especificação de minudências de tempo; para poder

estabelecer um rigoroso critério de preleção fora preciso que a data indicasse as

menores subdivisões do tempo em que houvesse tido lugar a inscrição.

O nosso regime de dividir o dia em duas partes é um pouco mais eqüitativo do

que o francês; está, porém, longe de consultar o princípio que deve predominar no caso,

o de deferir a prelação ao primeiro concorrente ao registro; a precedência só é

respeitada, quando o número é lançado no título e a inscrição adota-o de modo

definitivo: se no nosso mecanismo o número é a expressão da precedência e por isso da

ordem ou da classificação a divisão do dia em dois tempos fora de todo o ponto inútil,

desde que só o concurso no mesmo momento fosse o critério para a fixação do mesmo

número; a crítica de Laurent tem toda a aplicação ao nosso regime como ao francês; o

direito do credor hipotecário que houver procurado a inscrição às 6 horas da manhã é

fundamentalmente afetado desde que se lhe dê o mesmo número que ao que se houver

apresentado ao meio-dia, ou 12 horas.

A prioridade é determinada no regime italiano pelo número e este é sempre

conferido ao que tem efetiva e realmente a precedência ainda que de momentos: é esta a

inteligência a dar à expressão – contemporaneamente – empregada no art. 2.008 do


Código Civil italiano.

“Esta regra applica-se ainda que as inscripções se dêem no mesmo dia, contra a

mesma pessoa e sobre os mesmos immoveis; mesmo no caso de fazer-se indicação da

hora em que houver tido lugar a inscripção e provar-se que o numero de ordem não

corresponde á data; salva a prova de fraude e a acção de damno contra o conservador”

(Pacifici-Mazzoni, vol. 3.º, n. 382).

“Noi non vediamo che una presentazione di note per inscrizioni possa essere

contemporanea se un delicato e probo conservatore voglia, interpellare la persona che si

presenta la prima, fosse d‟un sólo minuto, nel suo ufficio se intenda iscrivere o che altro

voglia.” (Cattaneo e Borda, Comment. aos arts. 2.008 e 2.009 do Código Civil italiano).

É a aplicação do princípio – qui prior est tempore, potior est jure – como a

dava o direito romano; isto é – qualquer momento de tempo sensível era suficiente para

conferir a prelação ao credor cuja hipoteca fosse anterior, na constituição (Voet, Liv. 20,

Tít. 4.º, n. 29).

O Código Civil do Cantão dos Grisões consagrou este princípio quando dispôs

no art. 297:

“Quando mais de uma hypotheca sobre o mesmo objecto apresentar-se à

inscripção no mesmo dia, porém não no mesmo momento, a inscripção dever-se-ha

fazer na ordem das apresentações, e a precedente reputar-se-ha sempre mais antiga do

que as seguintes.

Não se observará esta ordem consecutiva para os credores que forem colocados

na mesma ordem na própria obrigação; são, porém, considerados como tendo todos o

mesmo direito sobre a importância do crédito garantido. Tem do me smo modo direito

igual as hipotecas que houverem sido apresentadas ao mesmo tempo à inscrição.”


O Código Civil português dispõe no art. 956:

“A prioridade das inscripções é determinada pela data do dia em que são feitas,

e consideram-se, como feitas na mesma data todas as que são requeridas no mesmo dia.

§ 1.º Concorrendo diversas inscripções da mesma especie, e da mesma data, a

prioridade dellas será regulada pela ordem do numero que tiverem; sendo as inscripções

da mesma data, mas de differentes especies, a prioridade dellas será regulada pela

ordem da sua apresentação a registro, conforme o que constar do „diário‟.

§ 2.º Exceptuam-se das disposições do paragrapho antecedente as inscripões

hypothecarias concorrendo entre si, ás quaes, sendo registradas na mesma data, é

applicavel a disposição do art. 1.017”.

Comentando este artigo critica Dias Ferreira a diferença de regime estabelecido

pelo Código Civil português, à imitação do Código Civil francês, quanto aos efeitos da

inscrição das hipotecas e da transcrição das translações da propriedade dos imóveis no

referente à prioridade, segundo a data da inscrição ou número de ordem.

“Marca o artigo a prioridade das inscripções pela data do dia em que são feitas,

e considera-as feitas na mesma data pelo simples facto de serem requeridas no mesmo

dia.

“Para as inscripções feitas no mesmo dia determina o Código que, se ellas

forem da mesma especie, como dois censos ou duas emphyiteuses, regula o numero de

ordem, e que se forem de differentes especies, como uma transmissão e um censo,

regula a ordem da apresentação a registro. É, porém, de advertir que, em vista dos

Regulamentos de 14.05.1868 e de 28.04.1870, não varia o meio regulador da prioridade

para as inscripções serem da mesma ou de differente especie, visto que o numero é

determinado pela ordem da apresentação a registro.”


Cada inscrição tem um número de ordem, que é escrito pela ordem da

apresentação dos documentos, e que regula depois a precedência no registro

(Regulamentos de 14.05.1868, arts. 79, 90 e 93, e 28.04.1870, arts. 56, 63 e 85). Se for

apresentado simultaneamente mais de um título a registro por diversos requerentes, terá

primeiramente número de ordem o que for mais antigo em data.

“Conseguintemente, o meio de determinar a preferencia para os registros feitos

no mesmo dia é o mesmo, ou os direitos inscritos sejam da mesma ou de differente

especie, porque tanto vale regular a prioridade pelo numero de ordem, como pela

apresentação a registro.

“As regras de prioridade, que regulam as inscripções prediaes feitas no mesmo

dia, não abrangem as inscripções hypothecarias. Os registros de hypothecas requeridos

no mesmo dia são todos feitos debaixo de um só número de ordem commum designado

para esse dia, comquanto tenham outro numero privativo, seguido e continuado de uns

para outros. Porém este numero privativo é uma questão de methodo e não causa de

preferencia.

“Por esta fórma, as hypothecas registradas no mesmo dia, como são

consideradas debaixo de um mesmo numero de ordem generico, não têm entre si

preferencia, e dão lugar a rateio no caso de não poderem ser satisfeitos integralmente

todos os credores.

“Não achamos razão plausível que justifique esta excepção relativamente às

inscripções hypothecarias.” (Cod. Civ. portuguez annotado, vol. 2.º, p. 437, coment. ao

art. 956).

§ 6.º A inscrição da hipoteca convencional compete aos interessados.


§ 7.º A inscrição da hipoteca legal compete aos interessados e incumbe aos

empregados designados nos § § 8.º e seguintes.

264. Quais são os interessados a que se refere a disposição supra?

Unicamente aqueles a quem aproveita que a hipoteca vigore e saia da inércia

em que permanece quando não levada a registro, e todos aqueles que possam, por ato

regular e válido, para os efeitos traslativos de direitos, ter interesses a resguardar por

meio da seqüela e da prelação que a hipoteca confere e que somente do registro

dimanam.

Ao credor compete, em primeiro lugar, o direito de promover o registro e o

dever de fazê- lo em resguardo de seus direitos – quoad tertios, por isso que só pela

inscrição tem a hipoteca força prelatícia (Martou, n. 1.048; Laurent, vol. 31, n. 3;

Duranton, vol. 20, n. 88; P. Pont, vol. 2.º, n. 929; Troplong, vol. 3.º, n. 672).

O credor pode pedir a inscrição pessoalmente ou por meio de terceiro; nesta

hipótese há necessidade de procuração com poderes especiais? O gestor negotiorum

pode promover a inscrição?

A doutrina geral é no sentido afirmativo; somente opina-se que quem requerer

a inscrição ofereça os documentos que a lei exige para que o encarregado do registro

possa fazer a inscrição (Troplong, Hypoth., vol. 3.º, n. 673; P. Pont, Hypoth., vol. 2.º,

ns. 934 e 937; Laurent, vol. 31, n. 5; Duranton, vol, 20, n, 88; Martou, vol. 3.º, n. 1.050;

Lafayette, Dir. das Cousas, § 239).

Como aquele que faz a inscrição da hipoteca não contrata, não manifesta

consentimento e apenas pratica atos de conservação de direitos – pode a inscrição ser

promovida pela mulher casada, independentemente de autorização do marido ou de


assistência deste, pelos menores em iguais circunstâncias em referência aos tutores; é

também por este fundamento que os credores do credor hipotecário podem promover a

inscrição e que ao usufrutuário corre o dever de promovê-la também; o reconhecimento

em qualquer terceiro da faculdade de fazer a inscrição, desde que ofereça os

documentos exigidos pela lei para tal fim, não assenta tão pouco em outro fundamento

jurídico (Laurent, ns. 5 e 6; Martou, vol. 3.º, n. 1.049).

Os herdeiros do credor podem promover a inscrição; é um consectário natural

da situação jurídica dos mesmos em relação ao de cujus; se a sucessão se conserva pro

indiviso a inscrição promovida por um herdeiro aproveita a todos; conseguintemente

aquele a quem couber em partilha o crédito hipotecário, tem a hipoteca validamente

inscrita apesar de não haver pessoalmente promovido a inscrição.

Achando-se a partilha consumada a melhor doutrina parece estar com os que

entendem que a inscrição deve ser promovida por aquele a quem coube o crédito

hipotecário; como, porém, julgar inválida a inscrição feita por um herdeiro, que não o

que teve por quinhão o crédito hipotecário, quando é procedente como ato conservatório

de direitos a inscrição promovida por terceiro sem mandato e agindo apenas como

gestor de negócios? (Laurent, vol. 31, n. 4; P. Pont, loc. cit., n. 931; Lafayette, Dir. das

Cousas, § 239, letra b).

O usufrutuário pode promover a inscrição no interesse do nu-proprietário?

Laurent (vol. 31, n. 5), referindo-se à opinião de Proudhon, responde

afirmativamente e a nosso ver com fundamento.

“O usufructuario deve fazer a inscripção em seu proprio nome e em sua propria

qualidade, porque é credor dos proventos civis e juros aos quaes tem direito dia por dia

e mesmo do capital, si este fôr exequivel, ou vier a sel-o, na duração do usofructo.


Cabe-lhe igualmente fazer a inscripção em nome do nu-proprietário do credito

hypothecario porque ella é guarda dos direitos deste e sendo- lhe entregues os titulos do

credito hypothecario, elle é obrigado a praticar todos os actos conservatorios.” Troplong

(vol. 3.º, n. 675) chega ao mesmo resultado considerando o usufrutuário mandatário

natural do proprietário. Martou refere jurisprudência diversa (vol. 3.º, n. 1.055).

O cessionário pode promover a inscrição da hipoteca; quando a cessão tem

como objeto o crédito garantido pelo privilégio ou pela hipoteca; a cessão do crédito

importa a dos acessórios (Laurent, vol. 31, n. 8); o que se deve decidir, porém, quando

feita a inscrição pelo cessionário, a cessão for anulada, sobre os efeitos da inscrição?

Foi objeto de grande controvérsia em França, onde a jurisprudência da Corte de

Cassação consagrou a princípio doutrina pouco aceitável, procurando estabelecer que a

inscrição aproveitava, em sua qualidade de ato de pura conservação de direitos, ao

cedente, porquanto a inscrição como ato da natureza indicada, afeta mais diretamente ao

próprio crédito do que à pessoa do escrevente.

A doutrina expendida no julgado proferida pela corte de Agen de ser nula e

sem efeito a inscrição, desde que nulo era o ato da cessão do crédito hipotecário, que lhe

servia de assento (Duranton, vol. 20, n. 96) prevaleceu sobre a da Corte de Cassação.

O § 7.º supra refere-se aos casos era que a lei obriga certas e determinadas

pessoas a promover a inscrição da hipoteca por haver necessidade de resguardar os

interesses de indivíduos a quem o Estado deve proteção, pela impossibilidade em que se

acham de exercerem por si os seus direitos (Lafayette, Dir. das Cousas, § 236).

§ 8.º A inscrição da hipoteca legal da mulher, deve ser requerida :

Pelo marido;
Pelo pai.

§ 9.º Pode ser requerida, não só pela mulher e pelo devedor, como por qualquer

parente dela..

§ 10. Incumbe:

Ao tabelião;

Ao testamenteiro;

Ao juiz da provedoria;

Ao juiz de direito em correição.

265. Constituindo-se a hipoteca legal da mulher casada sobre os imóveis do

marido para garantia do dote, pela escritura antenupcial e desde o casamento (Dec. 370,

de 02.05.1890, art. 131, § 5.º) é muito natural que a lei obrigue o próprio marido a

inscrevê- la, fixando prazo para isso, que é o de oito dias a datar do casamento (art. 172

do Decreto citado).

A mesma razão fundamental existe para impor ao marido igual obrigação

quando tratar-se de garantir à mulher os bens que lhe houverem sido deixados, sob a

cláusula de não se comunicarem com o marido (art. 131, § 6.º, do Decreto citado).

A hipoteca, tendo por fim garantir à mulher, a propriedade de tais bens contra

as dissipações, ou má gestão do marido sob cuja administração incidem, de ve ser

inscrita pelo próprio marido, primeiro obrigado pela restituição dos bens dotais re

integra, devendo a inscrição ter lugar dentro de oito dias a contar da data do título de

aquisição ou da época em que esta se torna exeqüível (§ 6.º, do art. 131, e art. 172 do

Dec. 370, de 1890).

Para que o marido não possa alegar ignorância da aquisição de imóveis em tais
condições, por parte da mulher, a lei obriga o tabelião que houver lavrado a escritura de

doação em favor da mulher com cláusula de não comunhão, e o escrivão da provedoria

que registrar o testamento em que a mulher seja instituída herdeira ou legatária com a

cláusula de não comunicar a herança ou o legado com o marido, a notificarem este para

fazer a inscrição da hipoteca legal da mulher (art. 173, do Dec. 370, de 02.05.1890).

Apesar de assinar o marido a escritura antenupcial a lei exige igual notificação

por parte do tabelião que houver lavrado a escritura (art. 173 citado); em um e outro

caso o tabelião e o escrivão devem certificar a notificação à margem da nota ou do

registro (Lafayette, Dir. das Cousas, § 237).

Para assegurar o fato da inscrição da hipoteca do qual decorrem a garantia e a

firmeza do direito da mulher, a lei confere o direito de requerer a inscrição ao doador e a

qualquer parente da mulher, se findos os oito dias, depois da constituição da hipoteca o

marido não a tiver feito (art. 172, do Dec. 370 citado, Lafayette, Dir. das Cousas, § 237,

n. 2).

Para tornar efetiva a inscrição da hipoteca legal da mulher casada a lei, como já

vimos, exige que o tabelião e o escrivão da provedoria notifiquem o marido da

existência da doação, da herança e do legado feitos à mulher, com cláusula exclusiva da

comunhão, para que ele faça a inscrição; procurando garantir ainda a mulher contra a

omissão possível, não já somente do marido, mas do doador e do parente, a lei impôs ao

testamenteiro a obrigação de inscrever a hipoteca legal da mulher casada; instituída em

testamento de que seja executor, se dentro de três meses, contados do registro do

testamento, a hipoteca não estiver inscrita pelo marido, pelo pai, ou por algum parente

da mulher (art. 174, do Dec. 370, de 1890; Lafayette, Dir. das Cousas, § 237, n. 3).

A lei revela o maior empenho em que a garantia hipotecária criada em favor da


mulher casada tenha inteira efetividade e para isso sujeitou os funcionários a quem

impôs o dever da notificação ao marido da existência dos atos que conferem à mulher

direitos sobre imóveis e dos quais dimana a hipoteca legal à fiscalização dos juízes e

deu diversas sanções às obrigações impostas.

É assim que o juiz da provedoria deve verificar se a notificação, que devia

fazer o escrivão do seu juízo, não está efetuada, mandar fazê- la e punir o escrivão pela

omissão (art. 175, do Dec. 370 citado; Lafayette, Dir. das Cousas, § 237, n. 4, letra a).

O juiz de direito, em correição, verificará, se os tabeliães e escrivães da

provedoria levaram a efeito as notificações a eles impostas pela lei, e no caso de

omissão e de, em conseqüência desta, não estar feita a inscrição – constrangerá o

marido a fazê-la e punirá os tabeliães e escrivães remissos em fazerem a notificação

(arts. 176 e 177 do Dec. 370, de 02.05.1890).

A punição dos tabeliães e escrivães consistirá em pena disciplinar ou em

processo criminal, para imposição das penas do arts. 207, n. 4, e 210 do Código Penal,

segundo o caso.

O constrangimento ao marido far-se-á por meio da cominação da pena do art.

135 do Código Penal.

A sanção das obrigações impostas é de ordem penal e de ordem civil.

A pena está expressa no art. 180 do Dec. 370 de 1890 quando sujeita os juízes,

tabeliães e escrivães omissos à responsabilidade criminal; e quando impõe ao marido a

pena de estelionato pela omissão da inscrição (art. 181 da Decreto citado).

Presume-se a existência da fraude, necessária para caracterizar o crime do

estelionato a que a Lei sujeita o marido, sempre que este alienar qualquer dos seus

imóveis, sem declarar que ele é responsável por hipoteca legal, por dote ou doação feita
à mulher, com exclusão da comunhão (art. 181).

A disposição deste artigo deve ser entendida em seus termos restritos: a lei

declarando que o marido incorre em estelionato pela omissão fraudulenta da inscrição,

decorre conto consectário obrigado que desde que se tenha dado a inscrição o marido

não incorre em penas de estelionato, porque estas lhes foram cominadas justamente para

garantir a inscrição; ainda mais, não estando feita a inscrição não se supõe a omissão

fraudulenta se o marido, alienando qualquer de seus imóveis, declarar, que é ele

responsável por hipoteca legal da mulher por dote ou por doação exclusiva da

comunhão (Lafayette, Dir. das Cousas, vol. 2.º, § 237, p. 235).

A sanção civil está consagrada:

a) No preceito que impõe ao testamenteiro omisso em promover a inscrição a

perda da vintena em favor da mulher casada prejudicada pela falta da inscrição da

hipoteca legal (art. 178 do Dec. 370);

b) Na disposição que obriga os juízes, os tabeliães e escrivães omissos no

cumprimento dos deveres que a lei lhes impõe em relação à inscrição, a responderem

civilmente pelo dano que da omissão resultar;

c) Na determinação do art. 181 que sujeita à responsabilidade civil o marido

omisso em levar a efeito à inscrição.

O Sr. Lafayette na nota 10.ª ao § 237, do Direito das Cousas, faz sentir que no

regime da Lei de 24 de setembro, não havia hipótese de sofrer a mulher dano por falta

da inscrição da hipoteca legal, porque esta valia contra terceiros, independentemente de

inscrição; “o damno, accrescenta o ilustre escriptor, só póde occorrer em relação a

terceiros que, ignorando a existencia da hypotheca por não haver sido inscripta,

comprassem immoveis do marido ou aceitassem hypotheca sobre elles”.


Não produzindo as hipotecas legais, no regime da legislação de 1894, efeitos

contra terceiros sem a inscrição, a mulher casada, pode ser altamente prejudicada em

seus direitos de seqüela e de prelação, pelo fato da omissão do marido em inscrever a

hipoteca legal.

No concurso de hipotecas legais e convencionais a prioridade estabelecendo-se

pela inscrição expressada no número de ordem, a omissão do marido pode ser de efeito

decisivo contra os interesses da mulher.

No caso de alienar imóveis, previsto pelo art. 181, do Dec. 370, de 02.05.1890,

o marido só se exime da pena de estelionato se fizer declaração expressa de se achar ele

responsável por hipoteca legal da mulher; não basta que ele declare ser casado por

contrato antenupcial exclusivo da comunhão de bens. Esta solução dada pelo Sr.

Lafayette (nota 13.ª ao § 237 do Dir. das Cousas) é de todo o ponto procedente; assim

como o é a doutrina por ele estabelecida que a presunção de fraude a que se refere o art.

181, do Dec. 370, de 1890, admite prova em contrário, quando fundar-se em fato

dirimente da responsabilidade do marido.

Se o marido não alienar mas hipotecar os imóveis, sem declarar que

respondem pela hipoteca legal da mulher pelo dote e pela doação exclusiva da

comunhão, incorre na presunção da fraude estabelecida no art. 181, do Dec. 370, de

1890?

O Sr. Lafayette resolve pela afirmativa (nota 14 ao § 237 do Dir. das Cousas)

nos seguintes termos:

“O Decreto diz: „no caso de alienação‟. Nestas palavras estará também

compreendida a hipoteca constituída pelo marido? certamente que sim:

1.º) porque a hipoteca é uma espécie de alienação;


2.º) porque milita maior razão, quanto à hipoteca. Certamente no caso de

alienação o adquirente tem meio de resguardar-se da fraude, recorrendo à remissão; mas

no caso da hipoteca o prejuízo é inevitável.”

Este modo de ver tem procedência, dado o regime da legislação hipotecária de

1864, sob o qual escrevia o Sr. Lafayette; carece de fundamento sob o domínio das leis

de 1890, que assentaram a hipoteca sobre a especialidade e a publicidade, não isentando

das duas condições fundamentais as hipotecas legais da mulher casada e dos menores e

interditos.

A razão pela qual o art. 98, do Dec. 3.453, de 26.04.1865, cominava ao marido

a pena de estelionato, no caso de alienar imóveis de sua propriedade, sem declarar que

eles se achavam responsáveis pelo dote ou pela doação feita à mulher com exclusão da

comunhão, era, que a hipoteca legal da mulher não dependendo de inscrição, isto é, de

publicidade, podia o terceiro adquirente ser induzido em erro e ter a sua boa-fé

ilaqueada comprando um imóvel, que reputava livre e desembaraçado e que, no entanto,

estivesse gravado da hipoteca.

Esta, razão predominava, com justa aplicação, no caso da hipoteca, não tanto

pelo fundamento de ser esta uma espécie de alienação, como diz o Sr. Lafayette, mas

porque o conhecimento da situação do imóvel onerado, com a consignação real à

solução de uma obrigação, talvez levasse o credor a não aceitá-lo em hipoteca para

garantir a nova obrigação contraída.

No regime da legislação hipotecária de 1890 a hipoteca legal da mulher casada

deve ser inscrita e só vale contra terceiros da data da inscrição; a publicidade sendo

obrigatória não há como reputar em fraude o marido quando aliena ou hipoteca imóveis

próprios sem declarar que estão hipotecados pelo dote da mulher, ou por doação feita a
esta com exclusão da comunhão; porque tal hipoteca legal só valendo entre as partes

antes da inscrição, e nenhum valor tendo para com os terceiros antes de inscrita, o

marido, que a não inscreveu, não tem seus imóveis por ela onerados – a doutrina, em

contrário, aliás sustentada até em julgados, é de todo o ponto insubsistente porque

importaria a consagração das hipotecas legais com o cunho da generalidade, que são

expressamente incompatíveis com o mecanismo hipotecário da legislação de 1890 (§

10.º, do art 3.º do Dec. 169-A, de 19.01.1890; art. 114, do Dec. 370, de 2 de maio do

mesmo ano).

Porque razão o art. 2.136 do Código Civil francês considera os maridos e

tutores estelionatários quando consentirem na constituição de hipotecas sobre seus

imóveis, sem declararem expressamente que eles estão sujeitos às hipotecas legais para

garantia de suas responsabilidades?

Senão porque não dependendo tais hipotecas de inscrição, isto é, de

publicidade para valerem contra terceiros, estes podiam ser induzido em erro pelos

maridos e tutores? Desde, porém, que estes publicassem as hipotecas por meio da

inscrição a presunção de fraude cessava e a cominação do estelionato não podia ter

lugar.

É o que estatui o art. 2.136 do Código Civil e o que, do modo mais terminante,

ensinam os comentadores.

“Si les tuteurs et maris ont omis de prendre ces inscriptions, et qu‟ils

consentent ensuite des hypothéques sur leurs biens, sans déclarer expressement la clarge

dont‟ils sont grevés, ils sont reputés stellionataires.” (Troplong, Hypoth., vol. 2.º, n. 632

bis).

“Mais remarquez que cette déclaration expresse n‟est nécesserie qu’autant que
l’hypothéque de la femme ou du mineur n’a pás eté rendue publique par l’inscription.

(Troplong, Hypoth., vol. 2.º, n. 633).

“Ces solutions, quoique rigoureuses, sont conformes au texte de notre article,

qu‟a voulu s‟armer de sévérité contre les maris ou les tuteurs qui n’ont pas pris

d’inscription pour leurs épouses ou leurs pipilles, et que ne suppléent pas à ce defaut

d‟inscription par des déclarations expresses.” (Troplong, Hypoth., vol. 2.º, n. 633).

Conforme: Duranton (vol. 20, ns. 41, 42 e 45; P. Pont (Hypoth., vol. 2.º, ns. 848 e

seguintes); Mourlon (Repét Ecrites, vol. 3.º, 1.526); Aubry et Rau (vol. 3.º, § 269, p.

313).

A disposição do art. 181, do Dec. 370, de 02.05.1890, não tem, portanto, razão

de ser no regime hipotecário moderno, que assenta todo sobre a especialidade e a

publicidade: a sua inserção no número das disposições do Decreto citado só se explica

pela transcrição sem crítica do art. 198, do Dec. 3.453, de 26.04.1865.

O marido não é obrigado a declarar a responsabilidade que seus imóveis têm

por hipoteca legal pelo dote ou doação feita à mulher: ou esta hipoteca: está inscrita e a

presunção de fraude não pode existir, porque, como se dá no direito francês (art. 2.156

do Código Civil), a publicação da hipoteca torna impossível a, ilaqueação da boa-fé do

terceiro; ou a inscrição não existe e a hipoteca, não produzindo efeito algum contra

terceiros, não afeta o adquirente por título transcrito, nem o credor hipotecário por

hipoteca inscrita.

Pode o art. 181 ter aplicação no caso de declarar o marido, que não inscreveu a

hipoteca, que ele não é casado sob o regime exclusivo da comunhão, e que sua mulher

não foi dotada, nem teve doação alguma exclusiva da comunhão?

A cominação do estelionato terá lugar, porque a fraude assenta na declaração


contrária à verdade dos fatos e foi unicamente feita para induzir em erro e viciar o

consentimento da outra parte contratante, levando-a a anuir a uma venda ou a uma

hipoteca que lhe pode ser mais tarde prejudicial?

A afirmativa é a única solução aceitável em face do art. 338, n. 3, do Código

Penal: é, porém, elemento substancial da fraude o fato de assegurar o marido a isenção,

dos ônus reais, existentes sobre os imóveis pelo fato da hipoteca conferida pela lei à

mulher.

O Código Civil italiano preferiu sujeitar o marido a uma pena pecuniária, no

caso de omissão em fazer o registro, e obrigá- lo à reparação do dano pela prestação civil

das perdas e danos (art. 1.984), podendo os tutores ser removidos da tutela (Pacifici-

Mazzoni, vol, 3.º, n. 364; Cattaneo e Borda, annot. art. 1.984, n. 2; Chironi, Diritto

civile italiano, vol. 1.º, § 222).

As legislações como os Códigos holandês e o moderno alemão que não

consagram as hipotecas legais e só reconhecem as convencionais, não necessitam de

prover a estas dificuldades. As minúcias de dispositivo inerentes a regimes hipotecários

moldados sob o princípio socialista que obriga o Estado a tutelar certos interesses do

modo o mais defeituoso, levam ao estabelecimento de um regime jurídico, exceção tão

inexplicável como odiosa.

A suposta proteção decorrente das hipotecas legais é ilusória no regime da

especialidade e da publicidade; o mecanismo da generalidade e da clandestinidade é o

único logicamente adequado a tais instituições.

Ou a lei não cria hipotecas em favor de quem quer que seja e impõe à

autoridade pública o dever de acautelar os interesses das mulheres casadas, dos menores

e dos interditos e entidades iguais, obrigando-a a forçar os tutores e os maridos a


celebrarem hipotecas convencionais com os pupilos e as mulheres, devidamente

representados; ou, se entende resguardados os interesses patrimoniais e os direitos

destas entidades por meio da hipoteca, há de estabelecer que a vitalidade e a força desta

independem da inscrição, ato de iniciativa de pessoa, senão estranha aos interesses da

mulher casada e dos menores, em todo o caso possível de omissão ou de eventualidade

de força maior.

O direito civil alemão quer anterior (Lehr, Droit Civil germanique, ns. 106 e

109), quer firmado no Código Civil que deve ser executado em 1900, não reconhece as

hipotecas legais.

É o regime do Código Civil argentino (arts. 3.108, 3.118 e 3.128) e do Código

Civil espanhol.

Este Código concede ou reconhece as hipotecas conferidas a determinadas

pessoas pela Lei hipotecária; mas segundo o art. 1.875 tais pessoas só têm o direito de

exigir um ato concedendo a hipoteca e a inscrição desta.

Quanto aos menores o art. 260 isenta de caucionar os pais, os tutores e

testamenteiros em caso de despesa expressa e os nomeados por estrangeiros.

§ 11. A inscrição da tutela e curatela deve ser requerida:

Pelo tutor ou curador antes do exercício;

Pelo testamenteiro.

§ 12. Pode ser requerida:

Por qualquer parente do orfão ou interdito.

§ 13. Incumbe:

Ao tabelião;
Ao escrivão dos orfãos ou da provedoria;

Ao juiz de direito em correição.

266. A obrigação imposta ao tutor e ao curador de fazer a inscrição da hipoteca

legal do pupilo e do curatelado funda-se na situação jurídica dos mesmos para com os

menores e incapazes, cujos interesses lhes incumbe salvaguardar, ainda contra seus

próprios atos, promovendo a efetividade dos direitos dos mesmos, acentuadamente na

hipótese de tais direitos deverem ser exercitados contra os próprios tutores e curadores.

Os menores e incapazes que não podem constituir pessoalmente a hipoteca, em

proteção dos seus direitos patrimoniais, não podem igualmente efetuar ou promover a

inscrição da mesma; o legislador deu provimento ao caso indicando as pessoas que

devem fazê- lo.

Desde que os efeitos da hipoteca decorrem da inscrição a Lei devia fazer

acompanhar de sanção a obrigação criada ou antes imposta às pessoas incumbidas de

promover a inscrição.

No regime da legislação belga a omissão fraudulenta do tutor em inscrever a

hipoteca, antes de entrar no exercício do cargo, é punida com a destituição que lhe pode

ser infligida pelo conselho de família; este tem inteiro arbítrio para avaliar a

responsabilidade do tutor e impor- lhe ou não a destituição: a opinião em contrário de

Beckers (Hypoth. leg. n. 55) não prevaleceu, como contraposta ao texto do art. 52 da Lei

de 16.12.1857 (Martou, ns. 819 a 822; Laurent, vol. 30, n. 304; Thiry, vol. 4.º, n. 466).

O tutor e o curador que deixarem de fazer a inscrição, provada a fraude, ficam

sujeitos à pena de estelionato (§ 21 do art. 9.º do Dec. 169-A, de 19.01.1890; Dec. 370,

de 02.05.1890, art. 195).


O nosso direito escrito fixa o prazo de oito dias, depois de assinado o termo de

tutela ou de curatela, para ser requerida a inscrição e em todo caso faz depender o

exercício de um e outro cargo da inscrição (art. 182, § 1.º, do Dec. 370, de 02.05.1890).

Se findos os oito dias não estiver inscrita a hipoteca qualquer parente do órfão

ou do interdito pode requerê- la (art. 183 do Decreto citado).

O testamenteiro deve também requerer a inscrição da hipoteca legal para

garantia da herança ou legado que compete a menor ou interdito em virtude de

instituição ou legado feitos no testamento de que ele houver sido nomeado executor, se

tal inscrição não for efetuada pelo tutor e curador ou parente do interdito ou do menor

dentro de três meses, contados da data do registro do testamento (art. 187 do Dec. 370

de 1890).

A Lei, desejando que ao responsável pela inscrição seja sempre lembrada a

execução da obrigação de inscrever a hipoteca, impõe ao escrivão de órfãos que lavrar

termo de tutela ou de curatela o dever de notificar o tutor e o curador para fazer a

inscrição, e a fim de que os juízes de órfãos possam verificar se tal dever foi cumprido

exige que o escrivão certifique à margem do termo de tutela e curatela haver feito a

notificação determinada (art. 184 do Dec. 370, de 1890).

Vão ainda além as providências tomadas pela Lei no sentido de despertar a

atividade do tutor e do curador, ou de habilitar as autoridades e funcionários, que devem

tomar a iniciativa de obrigar os responsáveis ao cumprimento desse dever; o tabelião em

cujas notas se lavrar escritura de doação a menor ou interdito e o escrivão da provedor ia

que fizer registrar testamento contendo legado ou herança a favor de menor ou interdito,

são obrigados a remeter ao escrivão de órfãos um certificado em que faça menção do

nome e domicílio do doador ou testador, dos do menor e do interdito declarando


igualmente a filiação destes, o objeto da doação ou do legado e a data da escritura da

doação e da abertura do testamento registrado.

O tabelião e o escrivão são obrigados a certificar a remessa da certidão à

margem da nota ou do registro que fizerem (art. 185 do Dec. 370, de 1890).

Ao escrivão de órfãos, assim aparelhado com os documentos necessários para

desempenhar-se do dever de notificação que a Lei lhe impõe, esta lhe indica ainda,

detalhadamente, o que deve praticar para pôr em proveito as informações que lhe forem

ministradas.

Assim deverá o escrivão de órfãos apresentar o certificado ao respectivo juiz

para que se proceda à nomeação do tutor se esta não estiver feita, e caso já esteja feita,

ou logo que o seja; realizará ele a notificação de que já anteriormente se tratou, e fará os

autos conclusos ao juiz, depois de juntar o certificado, para que o juiz providencie sobre

a arrecadação da doação, da herança ou do legado (art. 186 do Dec. 370, de 1890).

O juiz tomando conhecimento dos autos, constrangerá o tutor e o curador a

fazerem a inscrição da hipoteca legal e não julgará as partilhas sem que conste dos autos

do inventário a certidão que prove estar efetuada a inscrição da hipoteca; igual

procedimento terá em referência às contas da tutela (art. 189 do Dec. 370, de 1890).

Estas atribuições, que o Regulamento de 1890 ainda supõe existirem ligadas

aos juízes da antiga organização judiciária, estão hoje afetas, no Distrito Federal, aos

pretores (art. 5.º, § 1.º, n. 8, letra b, do Dec. 2.579, de 16.08.1897) e ao conselho do

Tribunal Civil e Criminal (art. 17, § 2.º, letra a, n. 3, do citado Dec. 2.579, de 1897), e

nos Estados aos juízes segundo as organizações judiciárias privativas a cada um deles.

As contas de testamento não podem ser julgadas cumpridas não constando dos

autos a certidão da inscrição da hipoteca legal dos menores e interditos (art. 193 do Dec.
370, de 1890).

Nos lugares em que as correições jurídicas estiverem em vigor os juízes

corregedores não somente deverão verificar se foram cump ridos os deveres impostos

aos escrivães e mais oficiais públicos e juízes sujeitos a correição e no caso de omissão

fará promover a responsabilidade criminal dos mesmos, como ainda constrangerá os

responsáveis a fazerem a inscrição da hipoteca e tomará as providências para que, pelos

meios regulares seja promovida a responsabilidade civil dos tutores e curadores, dos

escrivães e tabeliães omissos a fim de que possa ter lugar a reparação do dano causado

(arts. 190, 191, e 194 do Dec. 370, de 02.05.1890).

Como funcionário auxiliar de ação dos escrivães, tabeliães e juízes, e com

atribuições supletivas das dos tutores e curadores existem os curadores gerais de órfão

que o mecanismo da organização judiciária local do Distrito Federal conservou, como

elemento funcional do Ministério Público (art. 11, do Dec. 2.464, de 17.02.1897), com

atribuições discriminadamente especificadas, entre as quais a de promover o registro das

hipotecas legais, que cabia aos curadores gerais de órfãos da anterior organização (art.

191, do Dec. 370, de 02.05.1890; art. 48, § 1.º, n. 1, do Dec. 2.579, de 16.08.1897).

Ao testamenteiro omisso em promover a inscrição a Lei impõe a perda da

vintena em favor dos órfãos e interditos, como pena cominada em reparação do dano.

No direito belga (art. 52 da Lei de 1851) pena cominada, ao tutor que entra em

exercício sem inscrever à hipoteca é, como vimos, a destituição do cargo imposta pelo

conselho de família, convocado para tal fim à requisição dos parentes do menor, de

quaisquer interessados ou ex officio pelo juiz de paz.

Não está, porém, nesta sanção da obrigação imposta ao tutor a garantia única

do menor; o sub-rogado-tutor, que a lei coloca ao 1ado do tutor para defender contra os
deste os interesses do menor, nas ocorrentes colisões de direito, tem como dever

promover a inscrição da hipoteca dos bens do tutor, e mesmo levá-la a efeito, sob sua

responsabilidade.

Esta responsabilidade é civil e para com o menor; este na falta da inscrição da

hipoteca fica sem ação real contra o tutor e a ação pessoal que contra o mesmo conserva

pode ser de todo ponto ilusória; é em referência à reparação do dano, que pode advir

deste fato, que se entende estabelecida a responsabilidade do sub-rogado-tutor.

Este não pode, porém, ser acionado pelo menor senão após a execução do tutor,

já porque só no caso de insolvabilidade do tutor é que o prejuízo do menor se torna real,

já porque a responsabilidade do sub-rogado-tutor é subsidiária (Laurent, vol. 30, n. 305;

Martou, vol. 2.º, ns. 825 a 826; Thiry, vol. 4.º, n. 466).

A inscrição da hipoteca do menor pode ainda ser promovida no decreto belga,

por um membro do conselho de família, ou outra pessoa estranha, comissionada pelo

mesmo conselho.

Esta pessoa responde pelo dano resultante da omissão levar a efeito a inscrição ;

a razão está em ser ela considerada investida de um mandato, porquanto, ainda o próprio

membro do conselho de família não deve fazer a inscrição em virtude da obrigação que

assiste ao conselho de promovê- la, mas sim por força da comissão que lhe é dada para

tal efeito (Laurent, vol. 30, n. 306; Martou, vol. 2.º, ns. 828 e 829).

O Código Civil italiano (art. 1.983) impõe a obrigação de inscrever a hipoteca

no prazo de vinte dias, a datar da deliberação do conselho de família, ao tutor, ao

protutor e ao secretário que houver assistido à referida deliberação; a lei italiana permite

que o menor e o interdito requeiram a inscrição sem necessidade de serem assistidos ou

autorizados.
No caso de omissão o tutor e o protutor ficam sujeitos a uma multa de mil liras,

à remoção, e a indenizar o dano causado.

A aplicação destas penas é promovida pelo procurador do rei, o qual pode, por

sua vez, requerer a inscrição da hipoteca legal do menor e do interdito (art. 1.984 do

Código Civil, Cattaneo e Borda, anotações aos dois artigos; Pacifici-Mazzoni, vol. 3.º,

n. 364),

O regime francês era o das hipotecas ocultas desde que se tratava das legais da

mulher casada e dos menores (art. 2.135 do Código Civil francês); elas podiam ser

opostas aos terceiros independentemente da pub licidade pela inscrição (Troplong, vol.

2.º, ns. 571 e 572; P. Pont., Priv. et Hypoth., vol. 2.º, ns. 737 e 738; Duranton, vol. 2.º,

n. 9; Aubry et Rau, vol. 3.º, § 269, n. 2; Mourlon, Repét. Ecrit., vol. 3.º, ns. 1.514 e

1.515); a disposição do art. 2.136 não teve por fim imprimir a força à hipoteca legal dos

menores mas sim publicar a situação dos bens imóveis do tutor ou do marido, para

segurança dos terceiros; tanto que a sanção dada à disposição é toda referente aos

terceiros e tem como objetivo acautelá- las em relação às hipotecas convencionais sobre

os imóveis já gravados pelas hipotecas legais (Troplong, Hypoth., vol. 2.º, ns. 632 e 632

bis, e os autores citados supra).

A tendência atual em França é para a supressão da hipoteca legal dos menores,

desde que se reduza o poder do tutor sobre os bens do menor, e porque a situação do

tutor caixa estabelece colisão com o crédito imobiliário do mesmo, situação que é

insuportável em face da nova orientação do crédito e dos encargos reais atualmente

aceitos na moderna legislação alemã e em todas as que consagraram a Lei Torrens do

tipo australiano (Raoul de la Grasserie, de la Reforme Hypothécaire, p. 23).


§ 14. A inscrição da hipoteca do criminoso pode ser requerida pelo ofendido, e,

incumbe:

Ao promotor;

Ao escrivão;

Ao juiz do processo em execução;

Ao juiz de direito em correição.

267. Trata-se aqui do registro de uma; hipoteca especializada; o Dec. 370, de

02.05.1890, não reproduziu a disposição que incumbe a inscrição ao promotor, ao

escrivão, ao juiz do processo e ao juiz de direito em correição; sem dúvida o

regulamentador da disposição supra do Dec. 169-A, de janeiro 1890, foi levado à

omissão proposital, pela mesma razão que induzira o regulamentador da Lei de

24.09.1864 a não incumbir, como o fizera o § 15 do art. 9.º desta Lei, a inscrição da

hipoteca sobre os bens do delinqüente a autoridades que a promovessem oficialmente:

trata-se, como faz sentir o Sr. Lafayette (nota 4.ª ao § 234, do Dir. das Cousas), de mero

interesse privado com o qual nada tem que ver a justiça pública – nem ocorre a

conveniência de tutelar interesses, que não podem defender pessoas incapazes às quais

eles afetam, de modo essencial, e que um declarado socialismo de Estado confia à ação

do poder público amparar e proteger.

O art. 143, do Dec. 370, de 1890, dispõe que a especialização da hipoteca dos

ofendidos deve ser requerida por estes ou pelos responsáveis; é a consagração do

mesmo pensamento das disposições do Decreto de 26.04.1865; o valor da

responsabilidade é estimado segundo as regras do Código Penal; reportamo-nos ao que

escrevemos quando tratamos da especialização das hipotecas legais.


As regras que presidem à inscrição desta hipoteca são as que regulam o registro

das hipotecas especializadas e das especiais.

A Lei belga de 1851, como em tempo oportuno fizemos ver, excluiu do

número das hipotecas legais a do ofendido sobre os bens do delinqüente (art. 47;

Martou, n. 760); a qual a lei civil italiana não só para garantia da reparação do dano

causado ao ofendido e conseguintemente a este, como a nossa lei; mas em compensação

das despesas de justiça em matéria criminal, correcional e policial, compreendendo-se

neles os direitos devidos aos funcionários e oficiais judiciários (art. 1.969, n. 5, do

Código Civil) e por isso também a confere ao Estado; não obriga, porém, especialmente

alguém a fazer a inscrição, limitando-se a declarar que esta pode ser feita antes da

condenação em seguida ao mandado de prisão (art. 1.969 citado, n. 5, segunda alínea).

O Código Civil francês repeliu a hipoteca do ofendido do mecanismo de suas

hipotecas legais (art. 2.121).

§ 15. A inscrição da hipoteca das corporações de mão morta deve ser requerida

por aqueles que as administram, e incumbe:

Ao escrivão da provedoria;

Ao promotor de capelas;

Ao juiz de capelas;

Ao juiz de direito em correição.

268. O art. 142 do Dec. 370, de 02.05.1890, declara que a especialização dessa

hipoteca legal deve ser requerida pelos responsáveis ou pelo procurador que as mesmas

corporações nomearem para tal fim; mas não designando outras pessoas para
promoverem a inscrição a estes mencionados para especializar, deixou o encargo de

registrar.

Não existindo, porém, as corporações de mão- morta sob o domínio das leis

denominadas da amortização, que lhes criava situação de direito singular, antes

regendo-se na atualidade pelos preceitos do direito comum (art. 72, § 3.º, da

Constituição e Aviso 35, de 11.12.1891), não têm mais hipoteca legal sobre os bens de

tesoureiros, prepostos, procuradores e síndicos, como já tivemos ensejo de declarar e

conseguintemente a inscrição da hipoteca só pode ser feita, no caso de hipoteca

convencional.

As expressões – sob os limites postos pelas leis concernentes à propriedade de

mão-morta – do art. 5.º do Dec. 119 A, de 07.01.1890, não se podem considerar

encerrando preceito em vigor depois do que se acha no § 3.º do art. 72, da Constituição

de 24.02.1891, que sujeitou ao regime do direito comum as confissões religiosas – até

então sujeitas às leis de amortização no que era atinente à aquisição de bens.

Não sendo as antigas corporações de mão-morta mais equiparadas aos

menores e incapazes, por isso que a lei retirou- lhes o benefício de restituição (art. 14 da

Lei 173, de 10.09.1893) e imprimiu- lhes a investidura da personalidade jurídica desde

que as sociedades acudissem ao registro (arts. 1.º e 5.º, da Lei citada de 1893) não têm

mais hipoteca legal, e qualquer que constituam sobre os bens dos seus administradores e

responsáveis só serão convencionais e como tais registráveis.

Desapareceram da organização judiciária do Distrito Federal o promotor e o

juiz de capelas e da provedoria. (Dec. 1.030, de 14.11.1890; Dec. 2.464, de 17 de

fevereiro, e Dec. 2.579, de 16.08.1897).


§ 16. A inscrição da hipoteca do pai deve ser requerida pelo pai.

§ 17. Pode ser requerida por qualquer parente do pai.

§ 18. Incumbe:

Ao escrivão do inventário ou da provedoria;

Ao tabelião;

Ao juiz de órfãos ou da provedoria;

Ao juiz de direito em correição.

269. O escrivão de órfãos é obrigado a notificar o pai, quando assinar o termo

de inventariante, como cabeça-de-casal, para fazer a inscrição da hipoteca legal e

certificará à margem do termo, que fez a notificação recomendada pela lei: igual

notificação deve ele fazer quando receber de qualquer tabelião escritura de doação a

menor que tenha pai vivo, ou certidão de verba testamentária, contendo instituição de

menor em idênticas condições.

Se não houver inventário o escrivão de órfãos fará autuação do certificado que

lhe tiver sido enviado e notificará o pai, fazendo conclusos os papéis ao juiz para

deliberar, como for de justiça no caso (arts. 184, 185 e 186, do Dec. 370, de

02.05.1890).

O que o Regulamento de 2 de maio dispõe, em referência ao pai, tem inteira

aplicação às mães, que no direito vigente têm pátrio poder, não tornando a casar-se (art.

94, do Dec. 181, de 24.01.1890).

Assim a mãe, como o pai omisso, pode ser constrangida pelo juiz a fazer a

inscrição da hipoteca legal do filho menor, e aquele não julgará as partilhas se a

inscrição não tiver tido lugar; os juízes corregedores deverão prover, nas correições, os
casos de omissão; os curadores gerais dos órfãos promoverão a inscrição se o pai ou

mãe forem omissos em efetuá-la e o pai e mãe deverão indenizar o dano resultante ao

filho menor da falta de inscrição, e incorrem na cominação das penas do estelionato se

alienarem, antes da inscrição, imóveis seus sem declarar que eles têm responsabilidade

por garantia de bens pertencentes a filhos menores, que se achem sob sua administração

(arts. 189, 190, 191 e 195, do Dec. 370, de maio de 1890).

§ 19. A inscrição das hipotecas dos responsáveis da Fazenda Pública incumbe

aos empregados, que forem designados pelo Ministério da Fazenda, e deve também ser

requerida pelos mesmos responsáveis.

270. Devendo a inscrição das hipotecas especializadas ser requerida pelas

pessoa competentes para requerer a especialização (art. 210 do Dec. 320, de

02.05.1890), a da hipoteca da Fazenda Pública deve ser requerida: pelos responsáveis e

seus fiadores, pelo empregado que o Ministério da Fazenda designar, quando tratar-se

da hipoteca da Fazenda Federal; pelo empregado que o governador do Estado designar,

quando se tratar da hipoteca deste e pelo empregado que o Prefeito, que é quem exercita

o poder executivo municipal (art. 17 da Lei 85, de 20.09.1892), indicar ou designar.

A inscrição da hipoteca legal da Fazenda dependendo da especialização e esta

assentando no valor da fiança prestada pelos responsáveis, que é o valor da

responsabilidade (art. 148 do Dec. 370, de 1890), é erro supor-se que o regime da

garantia real criado pela adoção da hipoteca legal da Fazenda Pública, no moderno

mecanismo hipotecário, colide com a caução fidejussória anteriormente em vigor.

A legislação em vigor entre nós (§ 7.º do art. 131 do Dec. 370, de 02.05.1890)
faz dimanar a hipoteca legal da Fazenda Pública do título do nomeação ou do termo de

fiança do responsável; não se pode deixar de considerar o termo de fiança o assento de

todo o processo de especialização e de inscrição da hipoteca da Fazenda Pública, desde

que a lei o considera o ato gerador da mesma hipoteca, um dos fatos de que ela

promana.

No regime hipotecário belga esta hipoteca oferece certos característicos que a

singularizam naquele sistema tão bem arquitetado sobre os dois sólidos fundamentos da

publicidade e da especialidade.

A hipoteca da Fazenda Pública é compreensiva de todos os imóveis do

responsável, presentes e futuros, e abrange em sua ação os imóveis que a mulher do

responsável adquirir, salvo se o fizer com dinheiro seu próprio (art. 48 da Lei de

16.12.1851).

Laurent estudando, com o habitual critério jurídico, a situação dos responsáveis

(comptables), quanto ao ônus real estabelecido pela Lei sobre todo o seu patrimônio

imobiliário, faz sentir:

a) Que a despeito da compreensão da hipoteca da Fazenda Pública abranger

todos os imóveis do responsável, ela não é geral, o que repugnaria ao mecanismo

hipotecário belga; deve, porém, ser cada imóvel singular e especialmente registrado,

inscrito no quadro do registro hipotecário; esta inscrição deve compreender todos os

imóveis e ainda que o valor destes exceda em muito o valor da responsabilidade, não

pode a hipoteca reduzir-se, segundo o preceito geral do art. 2.161 do Código Civil (art.

89 da Lei belga de 1851; Laurent, vol. 30, ns. 258, 416 e 417).

A razão desta diferença entre a hipoteca da Fazenda Pública e as outras

hipotecas legais Laurent a dá nos seguintes termos:


“A especialisação da hypotheca póde comprometter o interesse do credor no

caso em que a inscripção, sufficiente no momento em que é feita, tornar-se insufficiente

quando occorrer a venda do immovel, em consequencia da diminuição do valor dos

bens. E a insuficiencia da garantia hypothecaria comprometteria o interesse do fisco,

que é um interesse de ordem geral e o mais legitimo dos interesses, porquanto, em um

Estado fundado sobre a soberania do povo, o direito do Estado é o direito de todos os

cidadãos, de sorte que si o fisco perde, todos perdem. É preferivel que a inscripção do

Estado seja excessiva do que insufficiente”.

“Ce que nous disons de 1‟Etat”, acrescenta Laurent, “s‟applique aux provinces

aux communes et aux établissements publics. Dans tous ces cas il s‟agit d‟interêts

generaux à sauvegarder: inscription pourra être prise sur tous ces biens de comptables,

sans que ceux-ci aient le droit d‟en demander la réduction.” (n. 258, do vol. 30 citado).

O Código Civil francês apesar de consagrar a generalidade como um atributo

das hipotecas legais dos menores, da mulher casada e do Estado (art. 2.122), estabeleceu

e regulou no art. 2.153 o registro, a inscrição dessas hipotecas, dando- lhe forma especial

que torna essa inscrição singular e não modelada pela geralmente estabelecida para as

demais hipotecas (arts. 2.118 e 2.150); a sua realização era garantida pela obrigação

imposta aos oficiais do registro das hipotecas (conservateur des hypothéques) de levá- la

a efeito, ou pelo menos de promovê- la, remetendo ao procurador da República os

extratos para o registro (Troplong, Hypoth., vol. 3.º, n. 711).

O Código Civil francês, porém, em contrário ao disposto na Lei belga, permite

a redução da hipoteca do Estado, quando os imóveis hipotecados excederem em valor a

responsabilidade do exator (art. 2.161), disposição que compreende todas as hipotecas

legais, mas não as convencionais; porquanto nestas sendo a ampliação dada à hipoteca,
até a compreensão dos bens futuros, resultado do contrato celebrado pelo devedor, não

podia ser permissível a este modificar o contrato por ele celebrado (Troplong, Hypoth.,

vol. 3.º, n. 749; Pont, Hypoth., vol. 1.º, n. 600; Duranton, vol. 20, ns. 207 e 208;

Mourlon, Repetit, vol. 3.º, n. 1.605; Aubry et Rau, vol. 3.º, § 282).

O nosso regime é mais simplificado, quanto à inscrição da hipoteca do Estado,

ou da Fazenda Pública, e mais coerente com o sistema hipotecário que não admite a

generalidade e antes assenta exclusivamente na especialidade.

Nem colhe em prol do direito escrito belga, e em reparo ao nosso, a

consideração feita por Laurent (vol. 30, n. 417) em referência ao destino, de utilidade

geral para a nação, que tem os dinheiros confiados, em sua arrecadação e guarda, aos

exatores, para justificar a severidade do preceito que não considera excessiva a garantia

mesmo quando exceda a importância dos créditos que o Estado pode ter contra os

devedores; porque essa reflexão levaria a Fazenda Pública a garantir-se com hipoteca

suficiente para cobrir a responsabilidade do exator; nunca, porém, autorizaria, em um

regime que admite, em contrário ao nosso, a redução da hipoteca, manter-se uma

garantia excessiva, que destoa do princípio da especialidade, tal como é aceita no

mecanismo hipotecário belga.

O art. 909 do Código Civil português permite o registro da hipoteca legal da

Fazenda Pública sobre todos os bens dos responsáveis; o devedor pode, porém, evitar o

fato ou especificando os imóveis que deverão ser inscritos, ou reduzir a inscrição aos

bens que forem suficientes para o cumprimento da obrigação, designando

especificadamente os que para isso quiser.

Esta disposição inspirou-se visivelmente nos arts. 2.122 e 2.153 do Código

Civil francês; ela supõe, portanto, para sua efetividade a ação intentada pelo devedor e
que não pode ser de modo algum utilizada pelos credores e ntre si, os quais não podem

pretender a compreensão das hipotecas dos outros para garantirem-se com hipotecas

sobre bens que fiquem livres por efeito da redução da inscrição a certos e determinados

bens do devedor.

A redução é, pois, como diz Troplong (vol. 3.º, n. 748), uma consagração ao

princípio da especialidade hipotecária.

A escrituração do registro das hipotecas dos responsáveis, como o das outras

hipotecas legais, deve ser feita nos termos do Dec. 544, de 05.07.1890 e quadro com

modelo do Livro Auxiliar n. 2.

As delegacias do Tesouro nos Estados verificam se as hipotecas dos tesoureiros

e mais responsáveis sob sua jurisdição, foram regularmente inscritas, e se na

especialização se não tiver observado o quantitativo da fiança como o assento da mesma

(art. 148, do Dec. 370, de 02.05.1890), por ser o valor legal da responsabilidade,

promoverá a rescisão da homologação da especialização pelos meios regulares, fazendo

propor a necessária, ação em juízo competente; ou não dando exercício ao responsável

enquanto pelo mesmo não for apresentada certidão de inscrição em virtude de

especialização regularmente julgada ou homologada (art. 18, n. 3, do Dec. 2.807, de

31.01.1898).

A sentença proferida pelo Tribunal de Contas julgando extinta a fiança e

expedindo quitação e ordenando o levantamento das cauções é o documento que deve

instruir a petição solicitando o cancelamento da inscrição da hipoteca legal da Fazenda

Pública, porque só tal sentença produz o efeito de declarar exonerados os responsáveis

para com a Fazenda Pública, isto é, resolve o laço da obrigação principal da qual a

hipoteca é simples acessória.


A competência conferida ao referido Tribunal no n. 8, do art. 3.º, do Dec.

Legislativo 392, de 08.10.1896 e no § 8.º, do art. 71, do Dec. 2.409, de 23 de dezembro

do mesmo ano torna-o em julgador definitivo da garantia real oferecida pelos

responsáveis.

§ 20. Todos os empregados aos quais incumbem as referidas inscrições ficam

sujeitos, pela omissão, à responsabilidade civil e criminal.

§ 21. O testamenteiro perderá, a benefício das pessoas lesadas, a vintena que

poderá receber; e o marido (§ 8.º), o tutor e curador (§ 11), aqueles que administram as

corporações de mão- morta (§ 15), o pai (§ 16) e o, responsáveis da Fazenda Publica (§

19), ficam sujeitos às penas de estelionato pela omissão da inscripção, verificada a

fraude.

271. Como já fizemos sentir estas disposições envolvem a sanção das

obrigações impostas àqueles que devem, por encargo da lei, promover o registro das

hipotecas legais.

A sanção penal supõe a fraude para a sua aplicação; a lei dispensa a prova da

fraude, presumindo-a em o caso de alienar o responsável qualquer dos imóveis que

possuir, sem declarar que eles têm responsabilidade por hipoteca legal, na qualidade de

tutores, curadores ou pais; como, porém, só produz efeito para com os terceiros a

hipoteca legal depois da inscrição, pode-se juridicamente reputar incurso nas penas de

estelionato o tutor, curador, pai, mãe, ou marido que alienar imóveis de modo a não

conservar garantia suficiente aos menores, e na hipótese de dispors destes, não declarar

que estão sujeitos à hipoteca legal, conquanto não esteja esta inscrita.
Qual a inteligência do art. 195, do Dec. 370, de 02.05.1890, na parte que

estabelece a presunção da fraude?

Já o fizemos notar que esta disposição não nos parece de acordo com o regime

da especialidade sob o qual se constituem todas as hipotecas, segundo a legislação de

1890, e não guardar coerência com os princípios gerais, quando comina as penas de

estelionato, por fraude presumida.

De fato – se as hipotecas, quer legais quer convencionais, só valem contra os

terceiros, isto é, só produzem seus efeitos regulares após a inscrição, como supor

ofendido ou lesado o direito do terceiro adquirente de imóveis do tutor, do pai e do

marido antes de haverem estes inscrito as hipotecas – quando o terceiro adquire tais

imóveis livres de qualquer ônus, sem que sobre os mesmos possa quem quer que seja

exercer seqüela e excuti- los, para sobre o preço dos mesmos pagar-se, exercitando

direitos prelatícios?

Se pode exercitar estes direitos reais a inscrição deixa de ser a condição

fundamental e o preceito do art. 116, do Dec. 370, de 02.05.1890, e com ele toda a

estrutura da hipoteca, tal como a engendrou a nova lei rui por terra; se tais direitos só

promanam da inscrição, como não há negar, em que o ato da alienação dos imóveis,

antes da inscrição da hipoteca legal, importa a presunção de fraude, para constituiu-se a

entidade criminal do estelionato, se no caso falta o elemento substancial do cr ime, em

referência aos terceiros adquirentes, a hipoteca com efeitos relativamente a estes, isto é,

que possa sujeitá- lo à seqüela e à excussão do imóvel vendido, e conseguintemente, ao

dano resultante da posição dos bens adquiridos?

A disposição do art. 195 do Dec. 370, de 1890, foi copiada, sem crítica, da do

art. 212, do Dec. 3.453, de 26.04.1865; esta continha um preceito de todo o ponto
justificável, em um mecanismo hipotecário, em que à constituição das hipotecas legais

da mulher, do filho, do tutelado e do curatelado ligavam-se todos os efeitos que hoje

dependem, de modo absoluto; do registro da inscrição.

O terceiro adquirente dos imóveis do tutor, do curador, do pai e do marido

podiam sofrer a excussão de tais bens; basta esta consideração para just ificar a

presunção de fraude, quando o alienante não denunciasse o ônus real que sobre os

mesmos pesasse; no regime atual a inscrição da hipoteca posterior à alienação não

produz nenhum efeito, porque ela não pode recair sobre bens que não pertencem mais

ao devedor; não há como aplicar-se ao caso da hipoteca legal doutrina diversa da que

regula as hipotecas convencionais; se o devedor alienar o imóvel antes da inscrição não

pode incorrer em estelionato – porque o adquirente não é fraudado, visto como só da

inscrição dimanando os efeitos da hipoteca, para com terceiros, a hipoteca constituída,

mas não inscrita, só produzindo efeitos entre as partes – o direito do credor resolve-se,

na espécie, na prestação de perdas e danos, porquanto ele não tem meios de fazer valer o

seu direito real contra o alienante.

O art. 116 só excepcionou da necessidade da inscrição o caso do parágrafo

único do art. 195, isto é, quando o tutelado, o curatelado, o filho ou a mulher não

possuírem bens; se o pensamento do legislador fosse estabelecer a, sanção do art. 193,

com a amplificação que se lhe pretende dar nada mais curial do que a ela reportar-se no

art. 116 como garantia à situação privilegiada dos credores.

A doutrina que pretende enxergar no art. 159, do Dec. 370, de 02.05.1890,

disposição que autoriza, no regime da legislação de 1890, hipotecas gerais tácitas dos

órfãos sobre os bens dos tutores estabelecendo somente laços jurídicos entre o tutor e o

tutelado, até à data em que inscrita, depois de especializada, possa produzir efeitos
contra terceiros (Direito, vol. 55, p. 340) não afeta, de modo algum, ainda quando seja

tido como procedente, os conceitos que expendemos.

Não é correta essa inteligência porque funda-se na existência de hipotecas

gerais, de todo o ponto excluídas do regime de legislação da 1890; desde que se exige

nesta legislação a especialização da hipoteca legal, esta só existe de fato sobre os bens

especializados; supõe-se a hipoteca, desde seu fato constitutivo (art. 131 do Dec. 370,

de 02.05.1890), haver existido somente sobre os imóveis especializados, a

especialização retrai-se à constituição para com ela confundir-se e imprimir à hipoteca

os seus efeitos quoad tertios que são os essenciais da hipoteca.

A disposição do § 21, do Dec. 169-A, de 19.01.1890, é mais cautelosa não

estabelecendo a presunção de fraude no caso da alienação de imóveis não especial, nem

geralmente obrigadas.

Se o ponto de vista em que colocou-se o legislador, como entendem os que

defendem o dispositivo do art. 195, foi justamente a situação do credor e,

conseguintemente, as relações criadas entre as partes interessadas, as quais não são

afetadas pela inscrição, ao que vem a exigência da declaração dos encargos da tutela, da

curatela e da administração do pai?

Suponha-se que vendendo tais imóveis eles declaram que são tutores,

curadores e pais e que os menores têm, segundo nossa legislação, hipoteca legal sobre

tais bens?

Em que tal declaração afeta aos menores?

O adquirente ao saber que o vendedor tem essas responsabilidades – é

igualmente sabedor de que não havendo inscrição pode adquirir brevemente tais bens e

não deixará de fazê- lo; quanto aos menores (credores) como impedir a alienação?
A presunção da fraude foi, pois, estabelecida em defesa dos terceiros; o ponto

de vista dos que entendem tal presunção instituída em favor dos menores é

absolutamente falsa; os menores não têm meios de impedir a alienação no regime da

especialidade das hipotecas legais; tais hipotecas se constituem antes da inscrição, só

vivem depois desta; antes dormem na inércia de direitos sem ação que lhes imprima a

efetividade.

§ 22. A inscrição de todas as hipotecas convencionais, legais e judiciais será

feita, em livros próprios, e deve conter:

Quanto às convencionais;

O nome, domicílio e profissão do credor;

O nome, domicílio e profissão do devedor;

A data e natureza do título;

O valor do crédito ou a sua estimação ajustada pelas partes;

A época do vencimento;

Os juros estipulados;

A situação, denominação e caracteristicos do imóvel hipotecado;

O credor, além do domicílio próprio, poderá, designar outro onde seja

notificado.

Quanto às legais e judiciais;

O nome e domicílio do orfão, do filho, da mulher e do criminoso;

O emprego, título ou razão da responsabilidade e a data respectiva.

272. O § 22 supra trata dos requisitos da inscrição.


Nem todos eles são exigidos com a mesma insistência pela lei; porquanto nem

todos afetam igualmente a publicidade dos contratos hipotecários e a das hipotecas que

a lei faz decorrer de certos atos que promanam das sentenças do poder judiciário.

Os livros próprios a que faz referência a disposição supra são os mesmos que

já tivemos ensejo de mencionar e que os arts. 11 e 12 do Dec. 370, de 02.05.1890,

enumeram.

O modo de escriturar os sete livros estabelecidos no decreto supra, fo i regulado

no art. 7.º, do Dec. 544, de 05.07.1890, que estabeleceu modelos especiais; eles vão,

como anexos publicados no fim deste livro.

Desde que a publicidade das hipotecas tem principalmente como objetivo fazer

conhecer a situação do patrimônio do devedor e os recursos destes aos que possam

pretender contratar com ele (Troplong, Priv. e Hyp., vol. 3.º, n. 665; Laurent, vol. 31, n.

54) compreende-se que os requisitos exigidos na inscrição não têm todos a mesma

importância; uns constituem verdadeiras solenidades fundamentais, outros são

elementos de informação, que tendem a tornar mais claro e preciso o conhecimento da

posição do devedor do imóvel hipotecado, e da importância da dívida hipotecária

(Troplong, obra cit., vol. 3.º, n. 665; Lafayette, Dir. das Cousas, § 244; Laurent, vol. 31,

ns. 54, 62 e 85; Martou, vol. 3.º, n. 1.072).

Os requisitos, segundo o § 22 supra, variam conforme se trata da inscrição das

hipotecas convencionais e das legais e judiciárias: o Dec. 370, de 02.05.1890, não

reproduziu essa distinção e exigiu os mesmos requisitos para as hipotecas especiais e

para as especializadas (art. 196) mas tornou substanciais a menção do nome e domicílio

do credor e do devedor, do título, sua data e nome do tabelião que o fez, do valor ou

estimação do crédito da época do vencimento, dos juros estipulados, da freguesia da


situação do imóvel, da denominação deste, sendo rural e da indicação da rua e do

número, se for urbano, e da menção das averbações (art. 212 do Dec. 370, de

02.05.1890).

As outras declarações do registro são elucidativas e instrutivas, mas não

substanciais.

O Código Civil italiano (art. 1.998) só considera substanciais as declarações

referentes às pessoas do credor e do devedor, sobre o possuidor do imóvel hipotecado, a

importância da dívida e a identidade dos bens gravados e permite a ratificação nos casos

de omissão ou de inexatidão.

O pensamento que domina esta disposição é favorecer a eficácia da inscrição

contra o princípio severo da observância restrita da forma (Pacifici-Mazzoni, vol. 3.º,

370).

273. A menção do número de ordem de que trata o art. 196 supra não é

considerada substancial (art. 212 do Dec. 370), porque não se trata do número de ordem

do protocolo, a que se referem os arts. 43, 49 e 66, e outras disposições do Dec. 370 de

1890, e ao qual se prende o importantíssimo efeito da prioridade do título hipotecário;

trata-se do número de ordem da inscrição, que, como a data, não tem efeitos práticos; a

lei considera tais requisitos meramente instrutivos (art. 212 do Dec. 370; Lafayette, Dir.

das Cousas, §§ 244; Pacifici-Mazzoni., vol. 3.º, 370, p. 669).

274. A lei estabelece que a inscrição deve conter o nome, domicílio e a

profissão do credor: é a reprodução do art. 87, da Lei belga de 1851; o art. 2.148 do

Código Civi1 francês exige a menção de um domicílio de eleição, no que foi imitado
pelo Código Civil italiano (art. 1.987, n. 2) este considera indispensável também a

indicação, do nome do pai do credor (artigo citado n. 1); o Código Civil português (art.

960, § 2.º, n. 1) exige que se mencione o nome, o estado, a profissão e o domicílio das

pessoas a favor de quem são constituídas as hipotecas; o Código Civil holandês

contenta-se com a menção do nome do credor do domicílio eleito por ele (art. 1.231); o

Código Civil argentino (art. 3.138) manda fazer a inscrição à vista do traslado da

escritura da hipoteca e nesta devem ser mencionados, o nome, apelido domicílio do

credor (art. 3.131).

275. As indicações relativas ao credor têm sua importância, não em referência

aos terceiros, quanto aos efeitos da hipoteca, mas em relação à situação criada pelo fato

da hipoteca quer quanto a circulação da propriedade imobiliária, quer quanto à própria

estabilidade e duração do registro.

É assim que no caso de aquisição do imóvel hipotecado por terceiro este,

desejando realizar a remissão, tem necessidade de conhecer o credor, e as indicações

feitas no registro não têm outro intuito mais do que proporcionar esse conhecimento aos

interessados na remissão. Para esta faz-se precisa a citação ou notificação dos credores

(art. 257, do Dec. 370, de 02.05.1890) notificação que tem lugar no domicílio inscrito

(art. 261, do Decreto citado) , que no direito belga, no francês e no italiano é duplo,

pois, é o domicílio real e o de eleição, devendo ser neste feitas as notificações para a

remissão (Laurent, vol. 31, n. 48; Martou, vol. 3.º, n. 1.069; Thiry, n. 526; Troplong,

Hypoth., vol. 3.º, n. 679; Pont, Hypoth., vol. 2.º, n. 966; Mourlon, Repet., vol. 3.º, n.

1.562; Duranton, vol. 20, n. 101).

Se as indicações que a inscrição deve conter, em referência ao credor, tem por


fim deixar acentuada a personalidade deste para os efeitos que a lei prende ao agente do

direito hipotecário, parece que nenhuma das menções exigidas devia ser dispensada; no

entanto, a nossa lei declara substancial a indicação do nome e do domicílio do orador,

acarretando a sua omissão a nulidade da inscrição ao passo que não considera de igual

relevância a menção da profissão (art. 212, do Dec. 370, do 1890).

Se a hipoteca, antes de inscrita, tiver sido objeto de cessão a inscrição pode ser

feita em nome do cedente e do cessionário, assim como no caso de sucessão a inscrição

pode ser feita em nome do defunto, apesar de transferir-se o crédito hipotecário aos

herdeiros pelo simples fato da abertura da sucessão.

Estes pontos, líquidos no direito belga e no francês, segundo o comum acordo

dos escritores (Laurent, vol. 31, n. 46; Martou, n. 1.067; Duranton, vol. 20, n. 95; Pont,

vol. 2.º, ns. 931 e 963); não devem ser contestados no nosso direito; quando o

cessionário inscrever o cedente como credor, age na qualidade de procurador in rem

suam de cedente (Duranton, vol. 20, n. 95) e é por isso que se a cessão for anulada a

inscrição subsiste feita em nome do cedente e caduca se feita na do cessionário, apesar

da decisão em contrário proferida pela Corte de Cassação francesa em 15.06.1813,

analisada por Duranton, e por este combatida em seus fundamentos (vol. 20, n. 96).

Se o credor for uma sociedade comercial basta declara o nome da firma social;

não se faz precisa a menção dos nomes dos sócios, mesmo porque é a entidade jurídica

constituída pela firma, que tem personalidade civil, que é a credora (Martou, n. 1.068;

Laurent, vol. 31, n. 47; Pont, vol. 2.º, n. 963; Lafayette, Direito das Cousas, § 244).

A menção do credor é ainda exigida, porque na caso de cancelamento da

inscrição promovida por terceiro interessado em anular o registro, é precisa a citação do

credor para obter-se o julgado a que se refere o § 1.º, do art. 102, do Dec. 370, de 1890,
que é um dos meios de decretar-se o cancelamento; ainda, mesmo no caso de incidir o

registro em vício radical, por estar afetado de nulidade de pleno direito, caso único em

que ele caduca ainda quando não cancelado (parágrafo único, do art. 103, do Dec. 370,

de 1890); porquanto a nulidade de pleno direito deve ser declarada por ato judicial,

podendo ser alegada e pronunciada por meio de ação ou de defesa (art. 686, § 4.º, do

Dec. 737, de 1850), o que supõe, no caso de ação, conhecimento do nome e domicílio

do credor que o registro deve proporcionar.

276. A menção do nome, do domicílio e da profissão do devedor tem outro

alcance que à dos mesmos requisitos em referência ao credor.

Antes de tudo a indicação do nome do devedor oferece aos terceiros

interessados elementos de apreciação sobre a validade da hipoteca, quanto ao

hipotecante. Só podendo hipotecar, quem pode alienar, e esta faculdade sofrendo

limitações, ainda no caso do domínio incontestavelmente firmado, fundada s na situação

civil do devedor, é de grande alcance o conhecimento do nome do devedor, para que os

terceiros interessados possam ajuizar do primeiro elemento fundamental da hipoteca – o

poder de hipotecar por parte do devedor (Arntz, vol. 4.º, n. 1.830); acresce que a

indicação do nome do devedor oferece meios de ajuizar do crédito deste e da sua

situação econômica (Mourlon, vol. 3.º, n. 1.563); o que é de grande alcance para as

pessoas que querem contratar com ele; por esta razão, a menção do nome do devedor é

considerado sempre essencial (Duranton, vol. 20, n. 108; Troplong, Hypoth., vol. 3.º, n.

680; Lafayette, Dir. das Cousas, § 244, n. 4).

No direito francês e no belga permite-se a designação do devedor por sinais

eqüipolentes ao nome, domicílio e profissão, desde que por meio de tais sinais possa ser
designada de modo claro a pessoa do devedor; esta medida funda-se na impossibilidade

de poder o próprio credor mencionar o nome do devedor (Pont, vol. 2.º, n. 972; Martou,

n. 1.073; Thiry, vol. 4.º, n. 526).

No nosso direito escrito não é isto permissível; a menção dos nomes do credor

e devedor e dos domicílios dos mesmos é substancial (art. 212, do Decreto de

02.05.1890); acresce que não é de possível ocorrência a hipótese de ignorar o credor o

nome do devedor, com quem contratou hipoteca, e desconhecer a circunstância do

domicílio desde que ela é essencial do registro e este deve ser feito à vista do título

(escritura de hipoteca) e de dois extratos do mesmo título que contenham todos os

requisitos exigidos pelo regulamento para a inscrição; conseguintemente a indicação do

nome e do domicílio do devedor, sendo unicamente dispensável a da profissão, cuja

omissão não afeta a validade da inscrição (art. 50, do Dec. 370, de 02.05.1890).

No caso de ser a hipoteca constituída, não pelo devedor, mas por terceiro em

garantia da obrigação daquele (art. 2.º, § 7.º, do Dec. 169-A, de 19.01.1890, art. 122 do

Dec. 370, de 2 de maio do mesmo ano), a inscrição deve mencionar os nomes do

devedor e do hipotecante, porque as inscrições fazem-se, no nosso direito como no

belga, sobre o proprietário e não sobre os bens, como no regime hipotecário alemão. A

opinião de Martou (n. 1.074) não tem procedência em face do elemento histórico da

formação do art. 83 da Lei belga (Lafayette, Dir. das Cousas, § 244, n. 4; Arntz, vol.

4.º, n. 1.830; Thiry, vol. 4.º, n. 526). O Código Civ alemão (art. 1.715) exige também na

inscrição da hipoteca a menção do nome do credor, mas não a do devedor; no direito

anterior a inscrição não tinha lugar sem que o encarregado dos livros do registro

verificasse a capacidade jurídica do devedor que constituía hipoteca (Lehr, Droit Civil

germanique, n. 110). A distinção modernamente acentuada, entre a pubicidade e a


legalidade para efeito de fazer depender a eficiência da primeira da pureza e

indiscutibilidade da segunda, e conseguintemente, não reconhecendo validade de direito

real quoad tertios, pelo fato de publicidade, quando ele não é válido inter partes por

efeito da legalidade (Raoul de la Grasserie, de la Refórme Hipotecarie, p. 89) acusa a

mais pronunciada tendência para um sistema restrito de publicidade no sentido alemão,

no qual os registros não poderão ser substituídos, de modo algum, por eqüipolência.

Se o devedor falecer depois de constituída a hipoteca e antes desta a inscrita,

como poderá o credor hipotecário fazer a inscrição?

Qual será o devedor inscrito?

No direito francês a questão tem solução em preceito expresso de lei (art. 2.149

do Código Civil francês), fato que se dá igualmente no direito belga (art. 86 da Lei de

16.12.1851), no italiano (art. 1.996 do Código Civil) e no holandês (art. 1.231, n. 1, do

Código Civil) – a permissão de inscrever a hipoteca, em nome do defunto se consagra o

fato da inscrição em nome de quem já não é nem devedo r, nem proprietário, e que em

qualquer destas situações e figuras jurídicas, tem sucessor, cuja investidura de direitos e

deveres, supõe a extinção destes na pessoa do falecido, porque a dualidade não é

permitida fundada na mesma causa e fonte de direitos e obrigações, solve muitas

dúvidas e impede a ocorrência de dificuldades (Troplong, Hypoth., vol. 3.º, n. 681;

Pont., vol. 2.º, n. 973; Martou, n. 1.111; Laurent, vol. 31, n. 12).

Entre nós a inscrição só pode ser feita em nome de todos os herdeiros, o que

aliás é o direito comum em França e na Bélgica, porquanto a inscrição em nome do

defunto é facultativa e excepcional (Laurent, vol. 31, n. 12; Martou, n. 1.114; Pont,

Hypoth., vol. 2.º, n. 973).

A opinião sustentada pelo Sr. Lafayette no sentido de poder ser o registro da


hipoteca feito em nome do defunto não se coaduna com o mecanismo do nosso direito

de sucessão, segundo o qual a posse e o domínio dos bens passam para os herdeiros pelo

fato do falecimento do de cujus (Alvará de 09.11.1764); e porque a máxima le mort

saisit le vif produz idêntico efeito no direito francês é que fez-se preciso a disposição do

art. 2.149 do Código Civil, para que a inscrição da hipoteca possa ter lugar em nome do

defunto.

Se o devedor após a constituição da hipoteca houver a lienado o imóvel

hipotecado qual o nome que deve figurar na inscrição – o do devedor ou do adquirente

do imóvel?

O do devedor; se o adquirente houver transcrito o título de aquisição do imóvel

antes da inscrição da hipoteca esta torna-se de todo o ponto sem efeito contra o

adquirente, porque a hipoteca só produz e efeito da seqüela por força da inscrição; no

caso figurado só assiste ao credor hipotecário um direito pessoal contra o devedor

hipotecário que alienou o imóvel; contra o adquirente o seu direito real de hipoteca é de

todo ponto inócuo, porque não produz os efeitos que a lei faz depender da inscrição.

(Lafayette, Dir. das Cousas, nota 13 ao § 244).

O devedor falido não pode ser inscrito; a disposição da letra f do art. 29 do

Dec. 917, de 24.10.1890, é precisa sobre o caso.

Não tem, portanto, interesse entre nós o ponto longamente discutido por

Troplong (Hypoth., vol. 3.º, ns. 656 e seguintes) sobre a possibilidade da inscrição da

hipoteca anteriormente ao período de dez dias da abertura da falência.

Não se pode aplicar, depois do citado Decreto de 24.10.1890, o que doutrina o

Sr. Lafayette no § 244 do seu Direito das Cousas no sentido de inscrever-se o nome do

falido no registro das hipotecas, fazendo-se a nota devida entre as averbações da coluna
respectiva.

277. Exige-se a menção do título porque este é o assento do contrato

hipotecário, é o elemento substancial de sua formação, visto como a escritura pública, a

sentença ou o decreto judicial, e a sentença da especialização das hipotecas legais são da

essência da hipoteca (Dec. 169-A, de 19.01.1890, art. 4.º, § 6.º; arts. 114, 115 e 116, do

Dec. 370, de 02.05.1890; Laurent, vol. 31, n. 58). A Lei belga exige nos casos de cessão

que a inscrição mencione o título constitutivo da hipoteca, não o de ce ssão (art. 83, n. 2,

da Lei de 16.12.1851; Laurent, vol. 31, n. 60; Martou, n. 1.075).

A data da hipoteca é o ponto de partida para o tempo de prescrição e regula

entre as partes a constituição da mesma, para os efeitos dos direitos pessoais dela

decorrentes: o nome do tabelião serve para facilitar as buscas (Lafayette, Dir. das

Cousas, vol. 2.º, § 244, n. 5; Pont, vol. 2.º, n. 982; Laurent, vol. 31, n. 59; Martou, n.

1.075).

O nosso legislador mencionando entre os requisitos da inscrição o nome do

tabelião que houver lavrado a escritura da hipoteca, o que não exige o n. 3 do art. 83 da

Lei belga, inspira-se no conselho de Martou:

“É por meio da enunciação da qualificação, jurídica do ato, ligada à menção do

nome, da qualidade e da residência do funcionário público de quem ela emana, que se

pode dar a indicação especial que o artigo pretende...” (n. 1.075).

Se o ato constitutivo da hipoteca tiver qualquer vício e for retificado por outro

entende Laurent (vol. 31, n. 61) que o título a mencionar na inscrição é o retificado, isto

é, o primitivo, que é o assento da hipoteca e não o retificador. Não é o ato confirmativo,

diz ele, o que confere a hipoteca; é o primitivo que é a fonte única do direito
hipotecário; a indicação deste título é, pois, suficiente. (Laure nt, loc. cit.)

Troplong (Hypoth., vol. 3.º, n. 682) opina no sentido de não serem substanciais

no direito francês a menção da natureza do título e da data deste. A jurisprudência

variou muito em França, parecendo fixar-se no sentido da opinião de Troplong, a

despeito da opinião contrária de Dalloz e de Merlin.

Entre nós a menção do título, com indicação da data e do tabelião que lavrou é

substancial; a sua falta acarreta a nulidade radical da inscrição (art. 212, do Dec. 370, de

02.05.1890).

278. A importância do ônus ou encargo hipotecário revela-se na enunciação do

valor do crédito fixado no contrato e na sentença da especialização, segundo tratar-se de

hipoteca convencional ou de hipoteca legal; não se dá o caso de estimação do valor do

crédito ajustado pelas partes a que se refere o § 6.º, do art. 190, do Dec. 370, de

02.05.1890.

Não sendo admissível inscrição de hipoteca que não seja especializada, e

devendo a sentença que julga a especialização mencionar o valor da hipoteca e do

crédito (art. 158, do Dec. 370, de 02.05.1890), não pode figurar na inscrição, qualquer

estimação do crédito feita pelas partes; este valor é sempre fixado na sentença da

especialização.

A disposição do § 6.º, do art. 196, do Dec. 370, de 1890, foi copiada da do § 6.º

do art. 218, do Dec. 3.453, de 26.04.1865.

“Quando a hipoteca garante um crédito por sua natureza indeterminado, as

partes devem estimar a sua importância: a inscrição não é, em tal caso e sob tal ponto de

vista, senão a reprodução do ato que deu origem ao privilégio ou à hipoteca.” (Laurent,
vol. 31, n. 62).

Pode ocorrer esta hipoteca no nosso regime hipotecário?

É certo que o crédito pode ser estimado no caso do dote cujo valor fixar-se por

estimação; mas tal estimação não pode figurar na inscrição; esta é feita te ndo como

título a sentença da especialização (art. 198, do Dec. 370, de 02.05.1890) e nesta

sentença deve ser fixado pelo juiz o valor do crédito (arts. 153, 158 e 165, do Dec. 370

citado) e esse valor é que serve de assento à inscrição e não a estimativa das partes que

serve apenas de assento à fixação feita na sentença que julga a especialização.

279. A época do vencimento da hipoteca.

Era considerada de grande importância em França no domínio da Lei de 11

brumário do ano 7.º, a menção da época do vencimento da dívida na inscrição, porque o

terceiro adquirente do imóvel gravado de hipoteca tinha o direito de gozar dos mesmos

prazos concedidos aos proprietários anteriores do imóvel, para solução das dívidas

hipotecárias inscritas. Era, pois, de grande utilidade para o adquirente encontrar no

registro da hipoteca informação sobre o tempo em que ele devia pagar a dívida

hipotecária de que estava onerado a imóvel por ele adquirido.

No domínio do art. 2.184 do Código Napoleão o adquirente era obrigado a

pagar imediatamente as dívidas e encargos hipotecários, até a importância do preço, sem

distinção de dívidas exigíveis ou não.

Conseguintemente era uma indicarão sem alcance para com os terceiros, em

referência aos quais foi criada a inscrição da hipoteca, a menção da época do

vencimento desta (Troplong, vol. 3.º, n. 687; Pont, Hyp., vol. 2.º, n. 992). Depois da Lei

de 04.09.1807, que permitiu a retificação do registro, sem indicação do vencimento, aos


credores inscritos sob a Lei de 11 brumário do ano 7.º, entendeu a jurisprudência que a

indicação do vencimento era substancial, por força da disposição da referida lei que

ordenou a retificação das inscrições sem tal.

Pont demonstra, que este modo de ver da Corte de Cassação de França,

conquanto reproduzido em mais de um julgado daquele tribunal, era inaceitável e não

estava na letra, nem nos intuitos da Lei de 1807 (Hypoth., vol. 2.º, ns. 993 e 994); ou

pelo menos, que quando se o considere exigível, tal declaração pode ser substituída por

outra eqüipolente (n. 995).

No direito escrito belga (art. 83, n. 4, in .fine) a declaração do vencimento tem

para o terceiro adquirente do imóvel hipotecado uma importância bem semelhante à que

advinha da disposição da Lei de 11 brumário do ano 7.º (arts. 15 e 30); segundo o art.

113, da Lei de 16.12.1851, o novo proprietário é obrigado a observar os prazos

estipulados contra o devedor e tem o direito de aproveitar-se dos estabelecidos em favor

deste e contra o credor desde que não há estipulação em contrário. (Martou, ns. 1.083 e

1.431; Laurent, vol. 31, n. 82).

No nosso direito, sob este ponto de vista, a indicação do vencimento da dívida

é de todo o ponto inútil, porque o adquirente é obrigado a remir a dívida hipotecária,

não vencida, dentro do prazo de trinta dias da aquisição (arts. 259 e 267, do Dec. 370,

de 02.05.1890); tem, porém, uma ação de grande alcance em referência à situação do

credor hipotecário, para defender o seu crédito hipotecário, contra outros credores de

hipotecas posteriormente inscritas, mas de prazo mais curto, ou contra a ação dos

credores quirografários.

É a este efeito valiosíssimo que se refere o Sr. Lafayette no n. 7 do § 264 do

Dir. das Cousas e nota (19) respectiva.


O credor hipotecário pode, antes de vencida, a dívida, ver credores

quirografários, ou hipotecários, posteriormente inscritos, mas com dívida vencida,

executar os bens hipotecados, sem que ele possa fazer valer o seu direito prelatício, em

virtude da prioridade da inscrição, por não estar a sua dívida vencida.

O art. 16 do Dec. 169-A, de 19.01.1890, proporciona- lhe um meio de defender

a sua hipoteca, no primeiro caso: embargos à venda dos imóveis, objeto de sua hipoteca;

no segundo caso o Decreto citado n. 169-A e o de 370, de 02.05.1890, não reproduziram

o recurso de embargos de que tratava o art. 84 do Dec. 9.549, de 23.01.1896; deve-se,

porém, considerar derrogada a disposião deste artigo?

Pode parecer que o legislador não quis assentir que o credor hipotecário de

dívida vencida, e conseguintemente com o seu direito de ação líquido e apurado, fosse

afastado e prejudicado por outro, que, se estava aparelhado para a prelação com uma

inscrição anterior à do outro, não tinha meios de tornar efetivo o seu direito, que ainda

não era apurável por não estar em vigor.

Assim nem era sacrificado o princípio da prelação ligado à prioridade da

inscrição – porque esta só prevalece em referência a credores igualmente aparelhados de

direitos prontos a entrar em efetividade por meio de ação própria.

Diz-se que esta razão não oferece senão um fundamento aparente, e não de

procedência incontestável.

Antes de tudo a situação criada pelo art. 16 do Dec. 169-A ao credor

hipotecário em referência aos quirografários, perante aa regras que dominam a prelação,

tem inteira aplicação ao credor por hipoteca inscrita em primeiro lugar, aos de hipoteca

registrada posteriormente: se é certo que estes têm o direito real sobre os imóveis que os

quirografários não possuem, não é menos certo que o credor hipotecário primeiramente
inscrito tem, por este simples fato da inscrição, a sua prelação assegurada; o que a

medida do art. 84 do Decreto de 23.01.1886, lhe assegurava era o não ser iludido esse

direito preferencial, não lhe proporcionando meios de defendê- lo.

Se tal direito estava eivado de qualquer vício, isto apurar-se-ia no concurso.

Os embargos constituem, na hipoteca, não o meio de embaraçar o exercício do

direito dos segundos credores hipotecários; mas o de impedir que o do primeiro credor

que acudiu ao registro em tempo de ter garantida a sua prelação, veja esta naufragar e

sucumbir entre credores que não têm em seu favor o direito de pagar-se, com prioridade,

sobre o produto dos imóveis do devedor comum.

O Sr. Lafayette é desta opinião; no regime da legislação de 1864 não havia,

como não há no de 1890, disposição que regulasse o caso regido pelo art. 84 do Dec.

9.549, de 23.01.1886; o ilustre jurisconsulto entende aplicável ao caso, como subsidiário

o princípio do direito romano, que autorizava o credor, com prioridade de tempo (prior

in tempore), impedia que credores posteriores executassem, antes dele, a coisa

hipotecada.

É certo que no direito romano consagra-se, do modo o mais preciso, o princípio

da prioridade no concurso entre credores hipotecários; além do texto transcrito pelo Sr.

Lafayette (L. 8.ª Cód., qui potiores in pignore habeantur) que é de grande precisão,

muitos outros, ainda do Digesto, reproduzem insistentemente o princípio (L. 1.ª Dig. de

distractione pignorum et hypothecarum; Const. 8.ª Cód. de distractione pignorum; L.

12, princ. D. qui potiores in pignore etc.; L. 5 D. de distractione pignorum; L. 1.ª Cód.

si si antiquior créditor etc.); mas a necessidade do vencimento da dívida hipotecária

dominava esse regime preferencial romano fundado na prioridade da constituição do

penhor ou da hipoteca (Leis 4.ª D. de distract. Pignorum, 8.ª, § 3.º, D. de pignor. act. e
Const 5, 6, 7.ª, 8, 14 e 16.ª Cód. de distractione pignorum).

O direito belga e o francês só admitem esta ação comista dos credores de

segunda ordem com os da primeira; no caso de não ter o adquirente do imóvel feito a

remissão deste ou pago a dívida hipotecária; a razão pelo qual todos credores, seja qual

for a sua ordem podem, agir sobre o detentor do imóvel, é porque as dívidas

hipotecárias reputam-se vencidas, no caso da alienação para poderem os credores

receber o pagamento do adquirente remitente (Troplong, Hyp., vol. 3.º, n. 795 ter.;

Martou, vol. 3.º, n. 1.268 a 1.272): é o que ocorre no nosso direito em caso idêntico.

A hipótese do art. 84 é, porém, diversa; a meu ver os Decretos de 1890

excluíram propositalmente de suas disposições a do art. 84 do Decreto de 23.01.1886;

nem se compreende que no art. 16 do Dec. 169-A, de 19 de janeiro, tratasse o legislador

de defender o direito do credor hipotecário contra os credores quirografários, e se

esquecesse de fazê-lo contra os credores de hipotecas inscritas posteriormente mas

vencidas antes de outras inscritas anteriormente.

O legislador procedeu propositalmente e andou com correção.

A faculdade de impedir que credores quirografário executem imóveis gravados

de hipotecas e burlem o direito real dos credores hipotecários, compreende-se e é

decorrente do regime singular estabelecido em favor da hipoteca; mas não há por onde

equiparar a, hipótese, à de credores hipotecários, que têm suas hipotecas inscritas,

válidas contra terceiros, credores, ou não, do mesmo devedor, para o efeito de excluir os

credores com dívida vencida, acionável; quanto a prelação dos de inscrição anterior só

se pode tornar efetiva em concorrência regular, e esta só se pode abrir entre credores de

dívida acionável, isto é, vencida.

A disposição do art. 84 do Dec. 9.549, de 23.01.1886, acautela o direito do


credor inscrito em primeiro lugar em detrimento dos outros, que se acham, ao inverso

do primeiro, juridicamente aparelhados para executarem os imóveis hipotecados; o

direito do credor de hipoteca anteriormente inscrita deixa de estar defendido pelo direito

de seqüela; e é esta a razão de duvidar da omissão proposital dos Decs. 169-A e 370, de

1890.

De fato, não haveria necessidade de restringir ou limitar o direito dos credores

hipotecários inscritos, com dívida vencida, de excutir o imóvel hipotecado e pagar-se

pelo produto do mesmo, a fim de impedir que o credor hipotecário anteriormente

inscrito; deixasse de figurar na execução, e entrando em concurso fizesse valer a

prelação decorrente da prioridade da inscrição, se tal credor por força da seqüela,

pudesse ir, vencida a dívida, assentar a sua ação sobre o imóvel já excutido; mas desde

que se considera remido o imóvel do encargo hipotecário, pelo fato de haver sido a

venda realizada em hasta pública, em virtude da excussão operada pelos segurados

credores hipotecários, a seqüela extingue-se com a hipoteca e fica o primeiro credor

desamparado; por achar-se extinta a sua hipoteca.

Parecia que não havendo reproduzido a disposição do art. 84 do Dec. 9.549, de

23.01.1886, deveriam os Decretos de 1890 ter provido de remédio o caso do credor

armado de inscrição anterior e, conseguintemente, segundo o mecanismo da atual

legislação, com prioridade sobre os outros, ver-se prevenido na excussão do imóvel por

credores de inscrição posterior.

O art. 226, § 9.º, do Dec. 370, de 02.05.1890, menciona entre os modos de

extinção da hipoteca o da arrematação solene em hasta pública; conseguintemente o

credor hipotecário inscrito anteriormente não tem, no nosso regime hipotecário atual,

meio de impedir a excussão do imóvel por credores de hipotecas posteriores; o art. 395
do Dec. 370, de 02.05.1890, não cura desta hipoteca e sim de caso diverso; trata-se aí do

modo único de rescindir o poder da hipoteca que tem prioridade pela ordem da inscrição

e que, tendo sua dívida vencida, pode entrar em concorrência e fazer valer seu direito

prelatício.

A legislação de 1864 não autorizava o credor hipotecário a opor embargos de

terceiro à penhora feita por quirografários nos bens hipotecados; a despeito do disposto

no § 5.º do art. 240 que proibia assentar execução sobre imóveis hipotecados, outro

credor que não o hipotecário, pena de nulidade da execução, a jurisprudência entendeu

que o credor hipotecário não podia opor-se à penhora com embargos de terceiros

prejudicados (Acórdão da Relação da Corte de 29.10.1872. Direito, vol. 2.º, p. 209 a

211); nem de terceiro senhor e possuidor porque a hipoteca não transfere ao credor nem

domínio nem posse sobre os bens hipotecados (Direito, vol. 3.º, p. 275 e seguintes).

No entanto, por Acórdão de 22.10.1873, o Supremo Tribunal de Justiça negou

revista de um Acórdão do Tribunal do Comércio da Corte que confirmara sentença de

1.ª instância que reconhecera ao credor a faculdade de opor embargos a execução

movida por credor quirografário sobre bens que lhe estavam especialmente hipotecados

(Direito, vol. 1.º, p. 482).

280. Os juros estipulados, que devem ser mencionados na inscrição,

constituem elemento do valor da responsabilidade do devedor (Lafayette, Dir. das

Cousas, § 244, n. 8) e são os juros vencidos e a vencer; em contrário ao que estatui o

art. 2.151 do Código Civil francês, que só permite a inclusão dos juros de dois anos,

além dos do ano corrente; o intuito desta disposição é, segundo Troplong (Hypoth., vol.

3.º, n. 697), guardar conformidade com o regime da publicidade. “Si se houvesse


permittido ao credor o inscrever-se por todos os juros a vencer na mesma ordem da

hypotheca que o credito, dar-se-hia grande incerteza sobre o augmento do capital pela

agglomeração dos juros, e os terceiros viriam a ignorar a exacta importancia dos

encargos inscriptos, além disto teve-se por fim evitar que o demasiado crescimento dos

juros impedisse que os credores posteriores se pudessem pagar de seus capitaes”.

Esta disposição tentou-se reprimir, por mais de uma vez em França; a proposta

Pougeard visava a conservação pela inscrição dos juros e gastos ou despes as por todo o

tempo, conquanto tais juros e despesas não excedessem do décimo do capital; a

comissão criada pelo governo e o conselho de Estado registraram a proposta, que foi

acolhida pela Assembléia Legislativa; esta propôs um artigo redigido em termos que

colocavam os juros garantidos pela inscrição, desde que não excedessem a décima parte

do capital, nas mesmas condições da garantia do capital; atendendo-se, porém, que isto

importava, compreender a inscrição dois anos de juros somente, foi modificado o artigo

no sentido de abranger a inscrição a sexta parte do capital.

O mecanismo do Código Civil francês é, pois, este: os juros vencidos inscritos

com a hipoteca ficam garantidos do mesmo modo que o capital; os juros a vencer só,

ficam garantidos pela inscrição por dois anos e o ano corrente; os outros dependem das

inscrições particulares que dar- lhes-ão hipoteca a contar das datas em que forem feitas

(P. Pont, n. 1.014).

A Lei belga (art. 87) garante os juros a vencer, em relação aos termos, por meio

da inscrição da hipoteca do Capital pelo tempo de três anos, salvo se o credor inscrever

os juros, à proporção que se forem vencendo.

A nossa legislação fazendo compreender na inscrição da hipoteca da dívida

principal a dos juros estipulados só teve em vista o objetivo que sempre a preocupou,
ainda em detrimento da observância dos mais claros princípios que dominam o assunto,

garantir o credor e por este meio assegurar o crédito territorial; não se pode contestar

que a publicidade é afetada em seus efeitos.

Os terceiros deixam de ser informados pela registro da importância total da

dívida garantida pela hipoteca inscrita, se a ela forem acrescendo os juros à proporção

que se forem vencendo; acresce que a inscrição só podendo publicar aos terceiros,

encargos existentes, não há como ligar a ela esse efeito em referência a encargos que

não se podem expor em dívida atual, condição fundamental da especialidade da

hipoteca (Laurent, vol. 31, n. 68; Martou, 1.116).

Ha além disto a feição propriamente jurídica do caso; os juros enquanto não

vencidos não constituem um direito, concretizado; a estipulação de juro não tem outro

fim senão o de estabelecer esse direito dada a condição substancial do vencimento; a

inscrição é indispensável para que o credor possa fazer valer o seu direito preferencial

contra terceiros; segundo o direito comum só poderia ter lugar a inscrição dos juros

vencidos, por isso não se pode tornar público um direito que não existe (Laurent, loc.

cit.), a inscrição dos juros a vencer em três anos, é uma concessão, derroga o rigor dos

princípios (Laurent, n. 68), se assim é, se tal concessão funda-se na consideração de que

a obrigação de inscrever anualmente o credor os juros vencidos, coloca-lo- ia em má

situação em referência aos credores que houvessem no intervalo dos vencimentos dos

juros feito outras inscrições, o que dar- lhes- ia preferência sobre o credor anteriormente

inscrito, para o pagamento dos juros, que são acessórios da dívida já registrada, porque

não levar a derrogação aos princípios, ao ponto a que a levou o legislador de 1890?

Esta razão, com que se defende a disposição do art. 196, § 8.º, ao Dec. 370, de

1890, não põe esta ao abrigo do reparo fundado no regime de especialidade adotado no
citado Decreto, como um dos assentos fundamentais do mecanismo hipotecário em

vigor.

Os juros dos juros, ou os juros compostos compreendem-se entre os juros

estipulados? Sem dúvida alguma; a opinião em contrário dos doutrinadores franceses e

belgas não colhe entre nós.

O Código italiano (art. 1.987, n. 5) compreende na inscrição do capital da

dívida hipotecária os juros e as anuidades que o crédito produzir: é o princípio do

direito romano (L. 18 D. qui potiores in pignor etc.) que dava a prioridade nos

acessórios da dívida pignoratícia ou hipotecária – in omne quod ei debetur potiorem

esse, ou como dizia a glosa, intelligitur etiam prior in usura; princípio que a nossa

legislação consagrou a despeito de haver ela adotado o princípio da especialidade (art.

114, do Dec. 370, de 1890) e de esta depender de fixação do valor da responsabilidade e

dos bens compreendidos na hipoteca (arts. 144 e 152, do Dec. 370, de 1890); este

princípio do art. 1.987, n. 5, do Código italiano sofre porém restrição da 2.ª alínea do

art. 2.010; segundo esta disposição a inscrição só coloca sob a proteção hipotecária os

juros vencidos nos dois anos anteriores e os do ano corrente na época da inscrição; os

outros juros ainda que compreendidos na inscrição só constituem crédito quirografário

(Mattirolo, Dirittto giudiciario civile, vol. 6.º, ns. 759 e 760).

A necessidade de indicar distintamente o imóvel hipotecado, caracterizando-o

de modo a evitar qualquer confusão com outro, é que torna, imprescindível a

formalidade da menção da freguesia em que é situado o imóvel e a denominação deste

se for rural, da rua e número dele, se for urbano, e bem assim dos característicos do

mesmo (9.º, 10.º e 11.º, do art. 196 do Dec. 370, de 1890; Lafayette, Dir. das Cousas, §

244, ns. 9, 10 e 11).


As indicações exigidas nos §§ 9.º e 10.º são substanciais, sua falta, anula a

inscrição; o mesmo não sucede com a do § 11 que é dispensável (art. 212, do Dec. 370,

de 1890).

Nas averbações se mencionam, a requerimento da parte (art. 62 do Dec. 370,

de 1890), todos os fatos que, por interessarem à situação da inscrição, devem ser

conhecidos dos terceiros (art. 57, do Dec. 370, de 1890).

§ 23. Os livros da inscrição serão divididos em tantas colunas, quantos os

requisitos de cada uma das inscrições, tendo além disso uma margem em branco, tão

larga como a escrita, para nela se lançarem as cessões, remissões e quaisquer

ocorrências.

§ 24. Além dos livros das inscrições e daqueles que os regulamentos

determinarem, haverá dois grandes livros alfabéticos, que serão indicadores dos outros,

sendo um deles destinado para as pessoas e outro para os imóveis referidos nas

inscrições.

281. O modo de escriturar os livros foi regulado nos arts. 22 e seguintes até 39

do Dec. 370, de 02.05.1890, o Dec. 544, de 5 de julho do mesmo ano, estabeleceu o

modo de escrituração dos livros do registro nas novas comarcas e deu a inteligência de

disposições do Dec. 370 citado que oferecia dúvidas na aplicação.

Assim, como regra geral, em cada livro a página imediata à do termo de

abertura, assim como as que lhe seguem, serão cortados na parte superior por três linhas

horizontais, limitando entre si dois espaços, no primeiro dos quais lança-se o título do

livro e o ano em que se faz o serviço; no segundo espaço, escreve-se a inscrição de cada
uma das colunas formadas por linhas perpendiculares, que variarão segundo a forma

especial de cada livro (arts. 21 e 22 do Dec. 370, de 1890).

A escrituração do Livro 2.º, que é destinado à – inscrição especial – das

hipotecas especiais e especializadas, faz-se de modo que cada inscrição abranja o verso

de uma folha, e a face da seguinte, no caso de não poder caber neste espaço maior

número de inscrições; se couberem far-se-ão tantas inscrições quantas se possam conter

nesse espaço, tendo em atenção o número de imóveis e seus requisitos e os das

averbações que possa haver necessidade de fazer.

As inscrições lançar-se-ão no verso da folha, este espaço é riscado por linhas

perpendiculares formando o número de colunas preciso para nelas se conterem os

requisitos que o art. 196 do Decreto de 02.05.1890 exige que tenha a inscrição; a face da

folha seguinte fica destinada toda ela para as averbações; as inscrições são separadas

uma das outras por linha horizontal (art. 24 do Dec. 370, de 1890, e art. 2.º do Dec. 544,

de 5 de julho do mesmo ano).

Pode ocorrer o caso de não ser bastante o verso da folha para menção dos

requisitos da inscrição (art. 196); nesta hipótese continua a inscrição no verso da folha

seguinte, contanto que sejam observadas as indicações do modelo (§ 1.º do art. 2.º do

Dec. 544, de 05.07.1890).

Se no verso da folha seguinte somente continuar a menção de um dos

requisitos da inscrição, prosseguirão nela os lançamentos, ocupando toda a largura da

mesma folha até se completarem, ficando reservada a face da folha seguinte para as

averbações (§ 20 do art. 2.º do Dec. 544, de 05.07.1890).

O Livro Auxiliar do n. 2, que segundo o Regulamento de 02.05.1890, destina-

se às hipotecas especializadas e inscritas; é escriturado como o de n. 2; para observar-se


porém, o estatuído no § 22 do art. 9.º do Dec. 169-A, de 19 de janeiro e o art. 196 do

Dec. 370, de 2 de maio, deve-se fazer a indicação da 7.ª coluna com a epígrafe – Razão

da responsalidade e a da 8.ª, com esta – data da responsabilidade (art. 3.º do Dec. 544,

de 05.07.1890).

282. O Indicador real é, como denomina o Dec. 370, o repertório dos imóveis

que figuram nos outros livros; a sua escrituração faz-se repartindo as suas folha pelas

freguesias da comarca: cada indicação é feita no espaço formado por um quarto da

página do livro, este espaço é dividido em cinco colunas, formadas por linhas

perpendiculares e correspondendo a estes requisitos:

a) número de ordem;

b) denominação do imóvel rural;

c) indicação da rua e do número se for urbano o imóvel;

d) nome do proprietário;

e) referências aos números de ordem e páginas dos livros destinados às

inscrições, às transcrições das transmissões, às transcrições dos ônus reais e à

transcrição do penhor agrícola;

f) às averbações.

No espaço formado por linhas horizontais no alto da folha, em vez do título do

livro se escreverá o nome da freguesia.

283. O Indicador pessoal é dividido alfabeticamente e sob a letra que competir

escrevem-se por extenso o nome de todas as pessoas que figurarem nos livros do

registro, quer como credores ou como devedores, quer individual ou coletivamente.


As páginas do Indicador pessoal devem ser cortadas por tantas linhas quantas

forem necessárias para abrir espaços à inscrição dos requisitos seguintes:

a) número de ordem;

b) nomes das pessoas;

c) domicílio;

d) profissão;

e) referências aos números de ordem e páginas dos outros livros;

f) anotações.

Cada espaço abrange um oitavo da página.

Pode ocorrer a hipótese de já estar o imóvel mencionado no Indicador real ou a

pessoa no Indicador pessoal, neste caso no nosso registro não se repete o nome já

inscrito, mas faz-se referência ao Indicador real ou ao Indicador pessoal, segundo o

caso.

O fato de figurar mais de uma pessoa ativa ou passivamente na mesma

inscrição ou transcrição traz como conseqüência lançar-se o nome de cada uma no

Indicador pessoal, fazendo-se referência recíproca na coluna das anotações (arts. 31, 32

e 33, do Dec. 370, de 02.05.1890).

Cada indicação feita nos Indicadores tem número de ordem especial; o número

de ordem dos imóveis corresponde à freguesia onde estiverem situados, e o número de

ordem das pessoas à letra do alfabeto (art. 34, do Dec. 370, de 02.05.1890).

Se esgotarem-se as folhas destinadas a uma freguesia no Indicador real, ou

uma letra do alfabeto no Indicador pessoal, o registro continua no livro seguinte,

fazendo-se averbação do transporte no livro antecedente, e em tal hipótese deverá caber,

na distribuição das folhas do livro seguinte, maior número à freguesia, ou à letra do


alfabeto, cujas folhas se tiverem esgotado antes das distribuídas às outras letras, ou

freguesias (arts. 36 e 37, do Dec. 370, de 1890).

§ 25. O governo determinará as formalidades da inscripção, conforme a base

deste artigo.

284. O mecanismo do registro das hipotecas estabelecido no Dec. 370, de

02.05.1890, é idêntico ao do Dec. 3.453, de 26.04.1865, apenas com diferença da

inscrição das hipotecas legais, que assentam sempre sobre a sentença da, especialização.

A inscrição consta de dois atos:

a) o lançamento da data da apresentação do título no protocolo e a menção do

número de ordem que em virtude dessa apresentação lhe competir, segundo o tempo em

que for feita;

b) A inscrição no segundo livro da escrituração do registro.

O tempo de inscrição no protocolo é constituído por uma divisão igual do dia

utilizável, a qual tem por ponto de partida as 6 horas da manhã, por ponto terminal a s 6

da tarde e por hora divisionária o meio-dia ou as 12 horas do dia: a primeira parte

constitui o primeiro tempo, a segunda o segundo tempo, para regular a prioridade ou o

concurso das hipotecas.

Já tivemos ensejo de fazer apreciações sobre este processo de fixação de

prioridade estabelecida na legislação de 1890; não insistiremos nas considerações feitas;

limitar-nos-emos atualmente a descrever o mecanismo legal em vigor.

A anotação no protocolo é o assento da prelação – porque do número de ordem

nele dado à hipoteca é que dimana a prioridade; assim, se por haver o oficial
manifestado dúvida sobre a legalidade do título, não fizer a inscrição, mas tomar o

número de ordem do protocolo, este número conferirá a prelação, embora o título,

objeto da dúvida, só venha a ser inscrito muito depois de outros, que hajam acudido ao

registro, quando já o número de ordem havia sido dado no protocolo, ao primeiro título

(arts. 65, 66 e 67, do Dec. 370, de 1890).

A divisão do espaço diurno em dois tempos teve como conseqüência obrigada

a necessidade de conferir o mesmo número de ordem a títulos que acudiram ao registro

com diferença considerável de tempo; é um defeito; a adoção do momento da

apresentação do título como critério da prioridade é o único expediente eqüitativo; a

necessidade de arredar dúvidas e contestações, que facilmente ocorreriam na aplicação

de um regime de publicidade inteiramente novo levou o legislador de 1864 a estabelecer

esse mecanismo regulador da prioridade que a legislação de 1890 não alterou.

Desde que à anotação do protocolo está ligada a prioridade é ela um fato

capital no regime da publicidade atual.

Conseguintemente: a) não se pode dar prioridade entre títulos com o mesmo

número de ordem (art. 46, do Dec. 370, de 1890); b) não tem números de ordem

diferentes os diversos títulos que uma mesma pessoa apresentar, sobre idêntico objeto; a

lei manda conferir- lhes um só número com adição das letras alfabéticas (art. 48 do

Decreto citado); c) se porém, os diversos títulos forem referentes a hipotecas diferentes,

da mesma firma e por esta mesma oferecidos à inscrição, os números de ordem do

protocolo serão seguidos (art. 47 do Dec. 370).

O número de ordem do protocolo e a data da apresentação do título são

lançados no protocolo e no título apresentado; no protocolo faz-se menção do número

dado ao título da página do livro em que fica lançado e do tempo da apresentação, se das
6 ao meio-dia, ou se das 12 às 6 da tarde (art. 42 do Decreto de 02.05.1890).

Assegurando a prelação do título pelo lançamento do protocolo, passa-se ao

lançamento no livro n. 2 do registro, operação que constitui a segunda parte do processo

do registro, e que consta da inscrição no livro próprio, mas que não confere de per si só

à hipoteca a força prelatícia e sim o poder de seqüela.

O mecanismo desta inscrição é complicado, com a escusada exigência de dois

extratos, a qual o Sr. Lafayette censura com bons fundamentos (Dir. das Cousas, § 243,

nota 9).

De feito desde que a inscrição não se faz unicamente à vista dos extratos como

no regime francês, no belga e no italiano, nos quais – “a inscrição identifica-se com

extratos ao ponto de entender-se que as declarações exigidas nos extratos o são em vista

da inscrição e particularmente para serem nela reproduzidas” (Pont, Hypoth., vol. 2.º, n.

955) – de considerar-se o oficial do registro – “um agente passivo cuja função reduz-se

a reproduzir com fidelidade, sob sua responsabilidade pessoal, e a transcrever em seu

registro, as declarações dos extratos, sem dever preocupar-se com a questão de saber se

estas declarações satisfazem as prescrições da lei” (Pont, vol. 2.º, n. 1.007); e limitando-

se a inscrição à transportação do conteúdo dos extra tos para os registros (Martou, n.

l.061); ao contrário disto, no nosso direito, os extratos só servindo de, assento ao

registro, quando conformes com as condições exigidas para a inscrição, isto é, quando

suficientes, devendo o oficial, na hipótese da insuficiência dos extratos, suprir pelo

título a deficiência daqueles (art. 53, do Dec. 370, de 1890), para que exigir-se extratos

que nada valem, quando tudo deve ser suprido pelo título, afinal único assento da

inscrição?

Acresce que a nota da valorização da inscrição, que no direito francês e no


belga é lançado no extrato entregue à parte (Pont, vol. 2.º, n. 1.006; Martou, vol. 3.º, n.

1.061), no nosso é feita no próprio título (art. 55, do Dec. 370, de 1890); não sendo de

utilidade alguma para o interessado o exemplar do extrato, que a lei (art. 55, do Decreto

citado) obriga o oficial a entregar à parte.

A inscrição faz-se, pois, em face do título e de dois, extrato destes assinados

pela parte; nestes devem ser mencionados todos os requisitos, que a lei exige para a

inscrição e na ordem estabelecida no art. 196 do Dec. 370, de 1890 (art. 50, §§ 1.º e 2.º,

do Dec. 370).

Depois de realizada a inscrição o oficial deve deixá- la consagrada em sua

escrituração por diversos modos.

Assim lança no protocolo a nota de registrado no Livro 2, com menção da

página; faz no Indicador real menção dos imóveis inscritos, e no Indicador pessoal a

das pessoas que figuram na inscrição (art. 54, do Dec. 370, de 1890).

Um dos extratos, já o dissemos, é entregue à parte, o outro é arquivado pelo

oficial (arts. 56 e 76, do Dec. 370, de 1890).

Dada a hora de fechar o registro o oficial passa no protocolo, após o último

lançamento do dia, certidão do encerramento e nenhum ato mais se poderá praticar no

registro.

Não se encerra, porém, o trabalho do dia, quando chegada a hora do

encerramento, estiver por acabar um registro começado; em tal caso o oficial prorrogará

a hora até que se conclua o registro iniciado.

Na hora da prorrogação não lhe é dado receber título algum para ser inscrito,

por ser o adiamento do encerramento apenas destinado a completar o trabalho encetado

e não a prover a registros novos; é por isso que os títulos que tiverem sido apresentados
em tempo, isto é, antes da hora do encerramento, mas q uando já não houver tempo para

preceder a estes, ficarão reservados para o dia seguinte e serão neste registrados em

primeiro lugar (arts. 58 a 61, do Dec. 370, de 02.05.1890).

O Código Civil alemão, inspirando-se no mecanismo da Lei prussiana de

05.05.1872, imprime à inscrição da hipoteca uma força, essencial em referência à do

ônus real por ela criado, o que se coaduna, de todo o ponto, com o novo regime; que

isola e desagrega a hipoteca do crédito, despe-a do cunho de contrato acessório que lhe

imprimira o direito romano, para dar-lhe a investidura de um ato de estrutura própria e

de vida jurídica independente do nexo de ligação a que o sujeitará a noção romana

(Lehr, Droit Civil germanique, n. 109; Meulenaere, exposição preliminar ao Título 1.º

da Secção 8.ª do Liv. 3.º do Código Civil alemão; arts. 1.163, 1.ª alínea, 1.168, 1.172,

1.173 e 1.175 do Código Civil alemão).

A inscrição, como ato material é sujeita a certas condições que muito se

conformam com as estabelecidas nas modernas legislações.

A inscrição deve conter, segundo o Código Civil alemão (art. 1.115) o nome do

credor, a importância do crédito; quando a dívida produzir juros a taxa destes, e o valor

em dinheiro de quaisquer prestações acessórias que devam ser feitas; a designação ou

indicação do crédito pode ser feita por meio de referência ao ato de consentimento para

a inscrição, e quando esta tem lugar em relação a um empréstimo realizado por uma

instituição de crédito com estatutos publicados, basta na inscrição tratando-se das

prestações a pagar, não se tratando de juros, fazer referência aos estatutos desate que

nestes se regule o modo de pagamento de tais prestações.

Esta disposição é pouco diferente da do Projeto do Código Civil (art. 1.064) e

alterou em certos pontos o direito anterior que se aproximava muito do direito civil
francês: assim a hipoteca por um capital que produz juros garante este por dois a três

anos, variando este período segundo os Códigos (Lehr, Droit Civil germanique, n. 111).

A inscrição da hipoteca, no mecanismo complexo do registro russo, consiste na

menção do que a Lei polaca de 16.04.1818 denominava o sumário hipotecário e que era

destinado a receber a inserção dos atos ou contratos traslativos ou constitutivos de

direitos reais imobiliários

O sumário hipotecário, que é uma parte dos registros russos, oferece um

quadro resumido da vida do imóvel, com a exposição da situação jurídica do mesmo. A

inscrição faz-se por meio de resumos redigidos pelas partes ou por uma só delas,

quando a inscrição é promovida por uma só; os erros dos resumos (extratos) ou as

omissões que neles se derem não prejudicam, nem aproveitam às partes interessadas.

Em referência aos terceiros de boa- fé, só as declarações do sumário têm efeito,

tais como estiverem redigidas (Lehr, Droit Civil russo, ns. 400 a 401).

Art. 10. A hipoteca é indivisível; grava o imóvel ou imóveis respectivos

integralmente, em cada uma das suas partes, qualquer que seja a pessoa em cujo poder

se acharem.

Página: 472

NÃO TEM OS NÚMEROS 285 E 286

(ATENÇÃO AO RENUMERAR POIS TEM REMISSÃO NO TEXTO –

SUGIRO UMA NOTA DO EDITOR)


287. Já tivemos ensejo (n. 171) de apresentar os fundamentos da

indivisibilidade da hipoteca encarando-a sob o ponto de vista de seus lineamentos

essenciais não em seus efeitos naturais, conquanto nos referíssemos a muitos destes.

O assento jurídico da indivisibilidade da hipoteca está não na natureza desta,

mas no objetivo que dá a esta a convenção das partes; conseguintemente só a intenção

dos contratantes oferece fundamento à indivisibilidade.

Quando expressa, a intenção serve de assento à divisibilidade ou

indivisibilidade da hipoteca, que é regulada, segundo o pactuado; quando não expressa –

a lei presumindo a intenção de estabelecer a indivisibilidade – proporciona ao credor

situação mais garantidora de um dos direitos decorrentes da hipoteca, o jus distrahendi,

o qual constitui, em sua realização, a condição capital da efetividade da hipoteca:

apuração do valor do imóvel para por ele, depois de convertido em moeda corrente,

pagar-se o credor da importância do seu crédito.

288. O artigo supra do Dec. 169-A, reproduzido no art. 216 do Dec. 370, de

02.05.1890, consagra a noção da indivisibilidade dada, por Dumoulin (Part. 8.ª, n. 28) –

omnis hypotheca sive legis sive hominis est tota in toto, et tota in qualibet parte – noção

conforme com os textos romanos (Leis. 8.ª, § 2.º, 11 § 4.º de pignoratitia actione, 19,

D., de pignoribus et hypothecis, 65, D., de evictionibus, 6.ª e 16.ª Cód. de distractione

pignorum, 1.º Cód. de luitione pignoris), aceita pela doutrina moderna e pelos Códigos

(Troplong, Priv. et Hypoth., vol. 2.º, n. 388; Aubry et Rau, § 285; Duranton, vol. 19, n.

245; Mourlon, Repet., vol. 8.º, n. 1.429; Pont, vol. 1.º, n. 331; Arntz, vol. 4.º, n. 1.877;
Laurent, vol. 30, n. 176; Martou, Priv. et Hypoth., vol. 2.º, n. 692; Thiry, Droit civil,

vol. 4.º, n. 444; Mattirolo, Diritto giudiziario civili italiano, vol. 6.º, n. 591; Chironi,

Diritto Civile italiano, vol. 1.º, § 213, n. 4; Código Civil argentino, art. 3.112; Código

Civil francês, art. 2.114; Lei belga de 1851, art. 41; Código Civil italiano, art. 1.964, 2.ª

alínea; Código Civil holandês, art. 1.209; Código Civil do Cantão dos Grisões, art. 275;

Código Civil chileno, art. 2.407, Código Civil uruguaio, art. 2.302; Código Civil

alemão, art. 1.132).

289. Não oferece dificuldades a afirmação da indivisibilidade quer se a

considere sob o ponto de vista do crédito, quer sob o do objeto da hipoteca; a

classificação em indivisibilidade ativa e passiva acentua bem a verdadeira noção: a

desagregação do efeito do direito real da hipoteca da ação pessoal que amparava o

direito creditório – fazendo este prevalecer sobre aquele – noção que os romanos

possuíam de modo claro – intelligere debes vincula pignoris durare personali actione

submota (L. 2.ª Cód. de luitione pignoris) torna saliente que a indivisibilidade da

hipoteca não produz a da obrigação principal.

A grande dificuldade da aplicação do princípio da indivisibilidade não está na

discriminação das hipóteses variadas, geradas pelas relações jurídicas decorrentes da

divisão do crédito ou da do objeto da hipoteca e das translações dos mesmos in totum ou

parcialmente.

Só a imperfeita noção da indivisibilidade pode ser causa de falsas aplicações da

mesma a situações que se revelam, à luz dos princípios, definidas de modo claro e

preciso.

Se a indivisibilidade da hipoteca não afeta a da obrigação principal – pode-se


julgar decorrente deste fato a possibilidade da cessão daquela independentemente da

desta?

A questão, formulada em termos mais simples, consiste em saber se a

indivisibilidade compreende unicamente a hipoteca ou também o crédito por ela

garantido.

No direito francês a dúvida acha-se resolvida pela disposição do art. 9.º da Lei

de 23.05.1855, que permite a cessão da hipoteca legal da mulher casada, cessão que não

compreende a do crédito garantido pela hipoteca, porque o direito creditório, da

hipótese da hipoteca legal, só existe por força da disposição da lei da qual dimana a

mesma hipoteca: a permissibilidade da cessão, neste caso, resolve de modo completo o

ponto da dúvida, porque só afeta a própria hipoteca.

Não se chegou em França a este resultado sem porfiado debate.

Por duas vezes foi a solução proposta: em 1841, por ocasião da consulta feita

aos tribunais sobre as bases de uma reforma hipotecária, os tribunais de Rennes, Caen e

Estrasburgo foram os únicos que propuseram a questão e somente o primeiro propôs

uma solução afirmativa; os outros dois repeliram o alvitre de permitir a cessão da

hipoteca, sem a do crédito, por contrária aos princípios que dominam os contratos

acessórios, como é a hipoteca.

Como conceber a translação do acessório independentemente da do principal,

sem afetar as noções; fundamentais que presidem à estrutura jurídica das obrigações?

A esta dúvida respondiam os que defendiam a limtação da indivisibilidade à

hipoteca, que esta não era destacada da obrigação principal para constituir um contrato

separado, para deixá-la isolada e dar-lhe existência própria, mas antes para ligá-la a

outra obrigação principal (Pont, Hypoth., vol. 1.º, n. 334).


A resposta é peremptória e a disposição da Lei de 1855 consagrou a

procedência do seu fundamento dando- lhe a sanção do direito escrito.

Na antiga doutrina francesa, no regime do direito costumeiro era esta já a

solução atestada por Benech como sendo a de Olea e Bartholo.

O direito romano tinha no – pignus pignori datum, um caso muito semelhante

ao da cessão da hipoteca, isto é, do direito real por ele criado, independentemente da

cessão do direito creditório.

As duas constituições de Gordiano e Decleociano e Maximiano (Leis 1.ª e 2.ª,

011,1 Si Cód. Si pignus pignori datum sit) parecem não curar propriamente da

translação do título creditório, mas sim do próprio direito real do penhor (Maynz, § 165;

Serafini, § 97); este modo de ver, que está de acordo com a opinião de Schiling, é

combatida por Van Wetter (Droit romain, vol. 1.º, § 281), que, apoiado na autoridade de

Vangerow e de Windscheid, entende que no caso figurado a translação do direito real

decorria da translacão do direito creditório, que se operava sempre, opinião que Van

Wetter assenta no fragmento 2.º da Lei 13.ª do Dig. de pignoribus et hypothecis.

No nosso direito escrito a disposição do art. 13 do Dec. 169-A, de 19.01.1890,

liga os efeitos hipotecários à transferência do crédito e não parece permitir a cessão da

hipoteca sem a do crédito; será isto simples manifestação de respeito supersticioso pelo

princípio da acessoriedade do contrato hipotecário? ou deve-se antes entende que tal

disposição rege apenas o assento do crédito territorial, o que não impede que se

reconheça, a possibilidade da cessão do direito de hipoteca, sem a cessão do crédito;

antes para o efeito de garantir outro crédito?

Desde já podemos adiantar que, se impedir que o c redor hipotecário afete a

garantia da solução da dívida do mesmo devedor ao pagamento de outro credor é


estabelecer ao direito real uma restrição que o direito escrito não criou; supor admissível

a aplicação do direito de hipoteca sobre um imóvel à solução da dívida de outro credor

diferente do que contratou, com o devedor, é violar um princípio fundamental das

obrigações, falseando o consentimento do devedor que só pactuou a hipoteca para

garantir a dívida própria e não a alheia (Laurent, vol. 31, ns. 324 e 325).

Sob esta única restrição, não pode ser contestado o direito de cessão da

hipoteca sem a do crédito: não repugna tanto aos princípios como se afigura à primeira

vista limitação que Zacharias e Aubry et Rau impõem ao credor hipotecário no

exercício de seu direito não lhe ser dado ceder a um credor quirografário a situação

jurídica que lhe advém do direito real da hipoteca, de todo o ponto distinto do direito

créditório, e renunciar às vantagens dessa situação em favor de outrem, igualmente

credor do mesmo devedor.

A opinião de Zacharias e de Aubry et Rau é contestada pela maioria dos

escritores (Martou, vol. 1.º, n. 175; Valette, Priv. et hypoth, n. 128) mas é apoiada com

sólidos fundamentos por Laurent (vol. 31, n. 326).

É mais defensável no nosso direito, apesar do que fica exposto, a opinião que

condena a transmissão ou cessão da hipoteca, sem a do crédito principal, mormente em

face de disposição como a do art. 13, do Dec. 169-A, de 1890, que assentam o

mecanismo do crédito real sobre a cessão da hipoteca operada por meio da do título

creditório, que constitui o principal de que ela é simples acessório.

A justificação de sua opinião por meio da apreciação do caso da sub-rogação

afigura-se- me de toda a procedência.

Se na censura do direito e no preceituado do direito escrito belga (art. 5.º da Lei

de 16.12.1851) a sub-rogação foi o meio de que serviu-se o legislador para a


transferência das garantias afetas ao direito creditório – transferência que decorre do

pagamento da dívida, isto é, da aquisição do crédito – como opinar que a lei cogitou

igualmente da cessão do direito real da hipoteca – quando a esse processo direto ela

preferiu o indireto da sub-rogação?

290. A indivisibilidade da hipoteca deve ser entendida no sentido jurídico, isto

é, sem referência ao laço que prende a coisa hipotecada à obrigação principal.

Assim:

a) A hipoteca permanece, por forca da indivisibilidade, sobre todos os imóveis

hipotecados ainda que a dívida oriunda da obrigação principal se ache red uzida a

proporções diminutas, a ponto de poder ser garantida pela metade do valor de um só dos

imóveis hipotecados;

b) Ainda mais, o herdeiro a quem couber o imóvel hipotecado fica sujeito a

excussão deste, mesmo que pague a parte correspondente à dívida hipotecária, pela qual

houver ficado responsável por força da partilha; libera-se dessa responsabilidade

pagando a dívida toda;

c) É ainda por força da indivisibilidade que o terceiro adquirente fica obrigado

à remissão ou purga da hipoteca sob pena de excussão do imóvel hipotecário;

d) Na hipótese de mais de uma hipoteca sobre um mesmo imóvel só o

pagamento de todas libera o imóvel, que subsiste gravado até a definitiva e completa

solução da última dívida garantida (Dec. 370, de 02.05.1890, arts. 217 e 218; Lafayette,

Dir. das Cousas, § 176; Laurent, vol. 30, n. 176; Lei belga, art. 41; Código Civil

francês, art. 2.114; Segóvia nota 2.368 ao art. 3.176 do Código Civil argentino; Código

Civil holandês, art. 1.209).


§ 1.º Até a transcrição do título da transmissão todas as ações são competentes

e válidas contra o proprietário primitivo, e exeqüíveis contra quem quer que for o

detentor.

291. A razão jurídica desta disposição já a demos quando estudamos os efeitos

da transcrição: sendo esta a tradição solene do imóvel cujo domínio é transferido

(Lafayette, Dir. das Cousas, § 48; Teixeira de Freitas, Introdução à Consolidação das

Leis Civis, p. 210), só pelo fato da transcrição se desloca o domínio do proprietário

alienante para a pessoa do adquirente – porquanto no mecanismo do nosso direito civil a

translação não se opera nudis pactis, da translação como no direito francês (arts. 711 e

1.138 do Código Civil) mas sim traditionibus.

Antes, pois, da transcrição, que é a moderna expressão da tradição, o alienante

conserva o domínio do imóvel e com ele a investidura de todos os direitos do mesmo

decorrentes, inclusive o de percepção dos frutos, que só a transcrição transfere para o

adquirente (Martou, n. 84).

Se o adquirente antes da transcrição não é proprietário, não tem o domínio da

coisa, que lhe foi alienada, e do fato de ser o contrato válido entre os contratantes (art.

234, do Dec. 370, de 02.05.1890) não dimanam para o adquirente outros efeitos senão

um título de crédito, realizável por meio de uma ação pessoal e tendo como objetivo a

entrega do imóvel, a indenização das perdas e danos resultantes do ato do alienante, mas

nunca o direito de reivindicar o imóvel do poder de terceiros adquirentes ou possuidores

por qualquer título, só o alienante responde pelas ações que tiverem assento na situação

jurídica do imóvel – porque ele não é, como impropriamente diz o texto do § 1.º do art.
10 do Dec. 169-A, de 19.01.1890, proprietário primitivo, mas proprietário atual e como

tal é que responde pelas ações, que entendem com o domínio do imóvel.

A reivindicação só pode ser dirigida contra ele – a execução da sentença deve

recair sobre o imóvel, embora esteja este em poder do adquirente, portanto a entrega

material do imóvel não constitui a tradição legal, que somente por meio da transcrição

se opera na atualidade.

A disposição supra do § l .º do art. 10 do Dec. 169-A nada mais é do que uma

decorrência da disposição do art. 8.º do mesmo Decreto e das dos arts. 233, 234 e 235

do Dec. 370, de 2 de maio, que firmam o regime da publicidade da translação do

domínio com efeitos um pouco mais amplos do que os que ligam à simples publicação

do contrato, o que sé demonstra pela simples consideração de equiparar-se a transcrição

ou tradição solene, que não é ato de publicidade, mas sim fato substancial da

transferência do domínio no nosso direito civil, segundo o qual o domínio das coisas

não se transfere pelo ato da convenção, mas sim pela tradição.

292. Em seus efeitos legais a translação do domín io imobiliário, consistindo

nos dois atos substanciais o contrato e a transcrição, vai-se modelando insensivelmente

pelo mecanismo alemão apesar da afirmação de Martou – de ser a disposição do art. 711

do Código Civil francês a expressão do direito moderno (vol. I, n. 63).

É certo que a transcrição não purga o vício de origem do domínio; se, porém,

ela é condição essencial para que ao adquirente se transfira a propriedade, a ponto de

sua falta acarretar a não deslocação do domínio do alienante para o adquirente – ainda

que este tenha pago o preço e obtido imissão na posse do imóvel – força é convir que a

transcrição é mais alguma coisa do que a simples revelação da translação do domínio.


Segundo os preceitos dos arts. 8.º e 10, § 1.º, do Dec. 169-A, de 1890, sem a

transcrição o adquirente só obtém contra o alienante um direito pessoal, o direito real

aquele o conserva, só ele pode acionar e ser acionado com o fundamento de

reivindicação: em que difere esta situação jurídica, criada pelo contrato, da descrita no

art. 873 do recente Código Civil alemão?

“Para transferir a propriedade sobre um imóvel, para gravá- lo com um direito

real, igualmente para transferir ou gravar semelhante direito, é necessário acordo das

vontades do proprietário e da outra parte sobre a inovacão jurídica que se pretende, e a

inscrição desta no registro territorial, salvo se a lei dispuser por outro modo.”

Antes da inscrição, os interessados só ficarão ligados por seu acordo se as

declarações houverem sido reduzidas a ato em justiça ou por notário, feitos no cartório

do registro territorial ou levadas a este cartório, ou quando o proprietário fizer entrega à

outra parte de um consentimento para a inscrição respondendo às prescrições do

regulamento sobre o registro territorial (art. 873 do Código Civil alemão).

O nosso direito atual não tem, como expressão material, um preceito de lei

diferente; o nosso direito escrito não se revela, sob forma diversa, na estrutura do

denominado regime de publicidade.

O art. 873 do Código alemão nada tem que colida com os preceitos dos arts. 8.º

e 10, § 1.º, do Dec. 169-A, de 19.01.1890, tão claramente interpretado em seus efeitos

no § 1.º do art. 29, do Dec. 917, de 24.10.1890.

§ 2.º Ficam derrogadas:

A excepção da excussão;

A faculdade de largar a hipoteca.


293. O Dec. 370, de 02.05.1890, dispõe nos arts. 275 e 276.

“Não é licito ao adquirente oppôr ao sequestro ou execução de sentença contra

elle promovida a excepção de excussão oue beneficio de ordem.

“Esta disposição é apllicavel a terceiros que constituam hypotheca a favor do

devedor.

“Tambem não é licito ao adquirente largar, ou entregar o immove1; antes

responderá sempre pelo resultado da excussão judicial, como se determina na parte IV

deste regulamento.”

Estas disposições foram transportadas para a nova legislação dos arts. 10, § 2.º,

da Lei 1.237, de 24.09.de 1864, 313 e 314 do Decreto 3.453, de 26.04.1865,

representam uma agravação à situação do adquirente imóvel hipotecado estabelecido em

prol da eficiência da garantia que a lei busca oferecer na hipoteca como assento do

crédito.

A proibição da exceção de excussão e a consagração enérgica do direito

hipotecário, em sua efetividade, por meio da ação; ela é conforme com a intuição

hipotecária moderna, e pode, em apoio de sua procedência, invocar o próprio direito

romano, que só na última fase justinianea admitiu o benefício da excussão.

294. Na época clássica do direito romano o credor hipotecário podia livremente

acionar, para a efetividade do seu direito real, o detentor do imóvel hipotecado, o

terceiro adquirente, sem ser obrigado a liquidar a sua ação contra o devedor; a exceptio

ordinis ou excussionis personalis era, pois, nele desconhecida ou, pelo menos, não era

praticada.
Paulo deixa patente o princípio, atualmente aceito na L. 47 D. de jure fisci que

é confirmado pelas Constituições 14.ª de Deocleciano e Maximiano, Cód. de

obligationibus et actionibus, 14.ª e 24.ª dos mesmos Imperadores do Cód. de pignoribus

e hypothecis e 1.ª codicis de conveniendis fisci debitoribus do Imperador Gordiano.

A Novela 4.ª de Justiniano é que, no Capítulo 2.º, confere ao detentor do

imóvel hipotecado o benefício da excussão, consistente na faculdade de forçar o credor

hipotecário a cobrar o seu crédito primeiramente do devedor e fiadores, antes de

executar o seu direito contra o terceiro adquirente: veniat prius, antequam transeat viam

super personalibus, contra mandatores, et fideijussores, et sponsores.

Outra forma deste benefício, que oferecia uma modalidade na exceção de

excussão, forçava o credor por hipoteca geral e por hipoteca especial a excutir

primeiramente esta, e deixar aquela, que compreende bens deixados a terceiro, para ser

executada unicamente na hipótese de não bastar o imóvel especialmente hipotecado

para solução da dívida.

É o caso da exceptio excussionis realis regulada na Constituição 2.ª do Código

de pignoribus et hypothecis na Constituição 9.ª Cód. de distractione pignorum de que

dá igualmente notícia o fragmento 2.º de Papiniano do Dig., qui potiores in pignore etc.

295. No nosso direito escrito a exceção de excussão estava precisamente

consgrada no final do parágrafo inicial da Ord. do Liv. 4.º, Tít. 3.º.

Esse parágrafo admitia a exceção da ordem depois de em sua primeira parte

haver conferido ao credor hipotecário o direito de acionar o adquirente, que somente se

liberava por meio do abandono do imóvel hipotecado.

Apenas os doutrinadores entendiam que não se devia admitir o benefício da


excussão em dois casos:

a) quando a aquisição do imóvel hipotecado houvesse tido lugar com fraude

por parte do adquirente;

b) se os demais bens do devedor estivessem situados em diferentes jurisdições,

de modo a só ter lugar a execução com graves dificuldades (Moraes, Excuç., Liv. 6.º,

Cap. 12, n. 94; Coelho da Rocha, Dir. Civ., § 643).

296. A faculdade de abandonar a coisa hipotecada era reconhecida ao terceiro

detentor acionado pelo credor hipotecário para eximir-se ao pagamento da dívida

hipotecária e dos juros e para evitar a excussão do imóvel.

Os textos do direito romano são expressos neste sentido, compreendendo todos

os frutos na restituição ou abandono do imóvel (Leis 1.ª, § 2.º, e 29, § 1.º, D. de pignor.

et Hypoth.; Maynz, § 166, letra c), e as disposições dos códigos modernos não o são

menos (Código Civil francês, art. 2.168; Lei belga de 1851, art. 98; Código Civil

argentino, art. 3.163; Código Civil italiano, art. 2.013), nem os do nosso direito antigo

Ord. do Liv. 4.º, Tít. 3.º princ.; Coelho da Rocha, § 643).

A liberação da obrigação por meio do abandono do imóvel hipotecado é

corrente no direito moderno; a proibição estabelecida no § 2.º supra à faculdade de

largar a hipoteca é medida de grande severidade, que somente justifica a preocupação de

assentar a expansão do crédito real em um regime hipotecário, que não autorize desvios

não somente do imóveis gravados, mas das próprias responsabilidades pessoais presas

por ligação jurídica ao direito real da hipoteca.

A faculdade de largar a hipoteca, como impropriamente denomina a disposição

supra o direito que as leis conferem ao adquirente do imóvel hipotecado de evitar a


excussão do mesmo pelo abandono do imóvel, não se exercitava por meio de

transferência do domínio e sim da posse do imóvel, tanto q ue até a venda do mesmo em

hasta pública, o detentor, terceiro adquirente, podia resgatá-lo operando a remissão da

hipoteca (Troplong, Priv. et Hypoth., vol. 3.º, n. 785; P. Pont, Priv. et Hypoth., vol. 2.º,

n. 1.136; Martou, n. 1.253; Laurent, vol. 31, n. 275; Aubry et Rau, § 287).

Loyseau, citado em Laurent, em Martou e em Troplong, entendia que o

abandono do imóvel hipotecado pelo adquirente não afetava nem a posse, nem a simples

detenção; os fundamentos desta opinião são jurídicos: de fato o credor hipo tecário, em

favor do qual se fazia o abandono, não adquiria o domínio, nem a posse sobre o imóvel

hipotecado que o terceiro adquirente abandonava, mas unicamente o direito de vendê- lo,

para aplicar o produto ao seu pagamento.

Sendo o fim do abandono evitar a excussão e esta tendo como objetivo o

pagamento, a doutrina de Loyseau, perfilhada por Laurent, é de todo o ponto

precedente.

O adquirente, que quiser conservar o imóvel hipotecado, só tem um meio:

pagar a dívida hipotecária, com todos os juros e acréscimos e não somente o valor do

imóvel hipotecado, como opinavam alguns (Troplong, vol. 3.º, n. 788; P. Pont, vol. 2.º,

n. 1.130; Aubry et Rau, § 287, p. 447 do 3.º vol.; Martou, n. 1.256).

A disposição do § 2.º do art. 10 do Dec. 169-A, de 1890, proibindo a faculdade

de largar a hipoteca, se é de grande severidade em referência ao regime do direito

escrito dos povos adiantados, força é convir que se conforma melhor com a estrutura da

hipoteca é com o fundamento jurídico desta.

Desde que a transferência do domínio do imóvel hipotecado não libera este do

encargo, como sucede com a venda em hasta pública, a conseqüência irrecusável do ato
é passar ao adquirente, com o imóvel, o encargo real de que o mesmo está gravado; e

como tal encargo é a expressão da garantia da solução de uma dívida – a liberação do

imóvel desse ônus só se pode operar razoavelmente, por um modo regular: o pagamento

da dívida.

A faculdade de abandonar o imóvel hipotecado é, em último caso, um

expediente proporcionado a quem sucede ao devedor, no encargo real de garantir a

dívida, para liberar-se, por um processo de que o próprio devedor não se pode utilizar.

Acresce que não havia como permitir o abandono do imóvel ao credor

hipotecário em um sistema hipotecário em que não é admitida a adjudicação forçada do

imóvel na ação executiva hipotecária.

Persil em seu relatório por ocasião de apreciar o projeto de reforma hipotecária

em França, abundou nestes conceitos, fundamentando-os de modo a serem aceitos pelos

modernos comentadores do Código Civil francês (Pont, vol. 2.º, n. 1.134).

No nosso direito o adquirente do imóvel hipotecado responde pela excussão do

imóvel, e só se libera da desapropriação, por meio da ação hipotecária, da prestação das

perdas e danos das custas e das despesas judiciais, remindo a hipoteca ou pagando-a

integralmente.

Este pagamento compreende todos os acréscimos da hipoteca, todos os

encargos dela decorrentes.

§ 3.º Se, nos 30 dias depois da transcrição, o adquirente não notificar aos

credores hipotecários para a remissão da hipoteca, fica obrigado:

Às ações que contra ele propuzerem os credores hipotecários para indenização

de perdas e danos;
às custas e despesas judiciais;

à diferença do preço da avaliação e adjudicação, se esta houver lugar.

O imóvel será penhorado e vendido por conta do adquirente, ainda que ele

queira pagar ou depositar o preço da venda ou da avaliação. Salvo:

Se o credor consentir;

Se o preço da venda ou avaliação bastar para o pagamento da hipoteca;

Se o adquirente pagar a hipoteca.

A avaliação nunca será menor que o preço da venda.

297. As disposições supra não fazem senão consagrar, como diz Paul Pont (n.

1.141), o direito de seqüela em sua conclusão final e verdadeira – a desapropriação

forçada.

O nosso legislador hipotecário tinha, como já o temos feito sentir,

principalmente a preocupação de oferecer ao crédito territorial como assento seguro; um

mecanismo de hipoteca, que não abrisse largas a iludir o devedor o direito real, que

assentasse sobre a propriedade imobiliária.

A translação do domínio do bem hipotecado seria um meio de dificultar a ação

do credor, se o terceiro adquirente não ficasse, desde logo, isto é, pelo simples fato da

aquisição, preso entre dois alvitres, a tomar de pronto, e duas medidas judicia is de ação

enérgica.

Assim – sem que haja necessidade de estar a dívida vencida, como se exige no

direito francês (Pont, n. 1.142), – sem que se notifique o devedor principal para solver a

sua obrigação, como no Código Civil francês (art. 2.169) e na doutr ina corrente (Pont,

n. 1.144), sem mesmo assinar judicialmente prazo ao terceiro adquirente, como além do
direito escrito (artigo citado do Código Civil francês) reclama a eqüidade, além dela, os

mais elementares princípios de direito formal ou adjetivo, o adquirente é constituído

desde a aquisição em obrigação de pagar ou remir a hipoteca sob pena da excussão

desta e de desapropriação forçada do imóvel.

Não fica aí, porém, a situação de exceção criada ao adquirente.

A prestação do preço da aquisição ou do da avaliação não libera o imóvel; no

entanto, o devedor principal não é chamado a juízo para acudir à solução da sua

obrigação.

A liquidação da hipoteca se opera pela venda do imóvel pelo maior preço

encontrado em hasta pública (§ 1.º do art. 14 do Dec. 169-A, de 19.01.1890); mas no

caso de não haver lançador dá-se a adjudicação do imóvel ao adquirente pelo preço da

avaliação, ainda que seja superior ao da alienação (art. 274 do Dec. 370, de 02.05.1890).

O mais rigoroso dos consectários admitidos à aquisição do imóvel hipotecado é

o obrigar à remissão, ou sujeitar o adquirente à excussão, reputando-se a dívida vencida,

ainda que falte longo tempo para o lapso do prazo da obrigação.

A indenização das perdas e danos, a que se refere a disposição supra, é a que

importa na reparação da depreciação que sofrer o imóvel, devido ao fato do adquirente

operar durante a posse deste.

No antigo direito francês, antes do regime da publicidade hipotecária, podendo

dar-se o fato de ignorar o adquirente a existência do encargo sobre o imóvel, Loyseau e

Pothier opinavam no sentido da não responsabilidade do adquirente pelas danificações

operadas no imóvel durante a sua posse, por ser esta uma posse presuntiva a domino. Na

atualidade do direito a obrigação de reparar é imposta ao terceiro adquirente, mas só

pode ser tornada efectiva por meio de ação (Código Civil francês, art. 2.175; Código
Civil italiano, art. 2.020; Código Civil holandês, art. 1.251; Pont, n. 1.199) na qual se

deve provar, como condição substancial, para a responsabilidade do detentor, o ser a

depreciação ou a deterioração devida a ato seu e não a fato que não lhe possa ser

imputável (Pont, n. 1.201; Lafayette, Dir. das Cousas, § 259, n. 2, letra a) nem mesmo

se ela for originária do uso regular da coisa, feito de b0a-fé e conforme o seu destino

natural (Martou, n. 1.314).

Se o imóvel obtiver na arrematação, realizada nos termos do § 1.º do art. 14 do

Dec. 169-A, de 19.01.1890, preço inferior ao da dívida, o terceiro adquirente nenhuma

responsabilidade terá, porque não é ele obrigado pela dívida, visto não ter contraído

obrigação pessoal para com os credores (Lafayette, Dir. das Cousas, § 259, letra b).

Se em vez de danificações o imóvel houver sido beneficiado, durante o tempo

em que esteve sob o domínio do adquirente, este tem direito a haver o excesso ou

aumento de valor que o mesmo imóvel haja adquirido; não é lícito ao credor hipotecário

aproveitar-se do aumento dado ao imóvel pela benfeitorização feita; isto importaria

locupletar-se ele com a jactura alheia (Pont, ns. 1.205 e 1.206; Direito das Cousas, §

259, n. 4; Código Civil argentino, art. 3.170; Código Civil francês, art. 2.175 in fine;

Código Civil italiano, art. 2.020, 2.ª alínea; Lei belga de 1851, art. 103); por outro lado,

não é admissível que o terceiro adquirente pretenda indenização do valor das

benfeitorias que exceda o gasto, o despendido com as mesmas: si plus pretii accessit,

solum quod impensum est (Martou, n. 1.321).

Nem o Dec. 169-A, de 1890, nem o de 370, de 2 de maio do mesmo ano, fazem

referência ao direito de indenização pelas benfeitorias ao prédio; o adquirente tem

apesar disso, direito a ela; e a aplicação dos princípios gerais de direito que tal

legislação não pode excepcionar: nem se pretenda enxergar obstáculo na disposição do


§ 2.º art. 4.º do Dec. 169-A que manda compreender na hipoteca as benfeitorias; tal

disposição entende com o devedor e não com o terceiro adquirente (Martou, n. 1.320).

Como fazer valer esse direito. Por meio da retenção do imóvel?

Parece-nos que não, já porque a lei não o concede, já porque paralisaria o seu

exercício o da ação hipotecária (Pont, n. 1.208); não é tampouco um direito de

privilégio, que só por analogia poder-se- ia, pretender estabelecer; mas uma espécie de

ação in rem verso, por meio da, final ele obtém a parte do preço correspondente ao

aumento de valor que auferiu o prédio (Pont, n. 1.208; Martou, n. 1.322; Mourlon,

Répétit., vol. 3.º, n. 1.658; Duranton, vol. 20, n. 272).

A lei garante ao adquirente uma ação regressiva contra o vendedor principal

para indenizar-se da desapropriação do pagamento da hipoteca e do excesso da

adjudicação ou da licitação sobre o preço da aquisição, e pelo pagamento das custas o

despesas judiciais (art. 227 de Dec. 370, de 02.05.1890). A razão jurídica é que o

terceiro adquirente que paga, por qualquer modo, a hipoteca, fica sub-rogado aos

credores por eles pagos (Duranton, vol. 20. n. 234, Código Civil argentino, art. 3.185).

Em qualquer destes casos o seu prejuízo é patente.

Sofrendo a desapropriação perde ele o preço do imóvel, pagando a hipoteca

pode dar pelo imóvel o dobro ou mais do valor do mesmo, segundo for o preço da

aquisição.

Se pagar a hipoteca por preço maior que o da compra por causa da licitação, ou

recebê- la em adjudicação por preço também mais elevado – esse excesso representa o

seu prejuízo.

O pagamento das despesas judiciais e dos credores, se é devido pelo fato de

haver o adquirente aceito a situação criada pelo não pagamento da hipoteca, todavia
importa em desembolso pelos gastos do processo a que for arrastado para ter solução a

obrigação pessoal do devedor.

Qual a situação do adquirente em referência; aos frutos produzidos pelo imóvel

durante o tempo de sua posse?

No direito francês a notificação não tem por fim fazer correr os frutos à conta

dos credores; no nosso direito, a despeito da falta de notificação, o adquirente só perde o

direito aos frutos depois de contestada a ação que lhe for intentada, por não ter

procedido à remissão dentro do prazo de 30 dias.

“Il est propriétaire paisible de 1‟immeuble, et il est juste qu‟il fasse les fruits

siens aussi longtemps qu‟il n‟est pas troublé dans sa possession ni menacé dans son

droit de propriété. On doit tout au moins ne pas le traiter plus rigoureusement que le

possesseur de bonne foi qui, d‟après les articles 549 e 550 du Code Civil, s‟approprie

les fruits jusquà ce qu‟il ait connaissance des vices du titre en vertu duquel il possedait

la chose comme propriétaire.” (Martou, n. 1.323)

A solução que demos é a única aceitável no nosso direito.

O terceiro adquirente não é um detentor qualquer, como no direito francês, mas

sim um possuidor animo domini, e este faz seus os frutos até a contestação da ação.

Não se deve reputar na situação do adquirente o depositário, o arrendatário, o

colono e o administrador, qualquer detentor alieno nomine; em tais casos a ação corre

contra os verdadeiros possuidores, que são as pessoas representadas pelos detentores

(Lafayette, Dir. das Cousas, § 258, n. 13).

§ 4.º Se o adquirente quiser garantir-se contra o efeito da excussão da hipoteca,

notificará judicialmente, dentro de 30 dias, aos credores hipotecários o seu contrato,


declarando o preço da alienação, ou outro maior para ter lugar a remissão.

A notificação será feita no domicílio inscrito ou por editos, se o credor aí se

não achar.

§ 5.º O credor notificado pode requerer, no prazo assinado para a oposição, que

o imóvel seja licitado.

§ 6.º São admittidos a licitar:

Os credores hipotecários;

Os fiadores;

O mesmo adquirente.

§ 7.º Não sendo requerida a licitação, o preço da alienação, ou aquele que o

adquirente propuser, se haverá por definitivamente fixado para remissão do imóvel, que

ficará livre de hipotecas, pago, ou depositado o dito preço.

298. A efetividade do ônus real da hipoteca opera-se contra qualquer terceiro

adquirente do imóvel gravado; é a seqüela o meio de imprimir esta ação enérgica à

hipoteca: o adquirente sujeita-se a sofrer a expropriação do imóvel sem que possa:

impedir a penhora e a venda do imóvel por outro meio que não o pagamento da dívida.

A remissão é o expediente que a lei proporciona para poupar ao adquirente o

gravame de pagar a hipoteca, que pode exceder o preço da aquisição, ou ter de

submeter-se à excussão da hipoteca, o que lhe pode acarretar, além da perda do imóvel

comprado, o pagamento das despesas e custas judiciais.

O assento jurídico da remissão está em que, tendo a hipoteca por objetivo o

pagamento da dívida pelo preço que der o imóvel, quando vendido, desde que o

adquirente consigna aos credores o valor da alienação do imóvel, es tes não podem
exigir mais, porque foi essa a garantia que procuravam quando constituíram a hipoteca;

e, como dizia Persil em seu parecer de 1847, a remissão opera a substituição do imóvel

pela quantia que representa seu valor e esta substituição, que dá-se à sombra e sob a

garantia da lei, facilita, sem prejuízo dos credores, a circulação dos imóveis.

Como, porém, seria iludido o intuito dos credores se fossem obrigados a aceitar

sempre o preço da alienação, que podia ser propositalmente estipulado em cifra inferior

à do valor do imóvel, permitiu a lei que os credores acudissem a corrigir a deficiência

do preço da venda em relação ao valor do imóvel, elevando aquele preço, por meio da

licitação, até aproximá- lo do valor real (Pont, n. 1.266).

Se porventura, o preço for igual à importância da dívida, o processo da

remissão simplifica-se, a entrega deste libera o imóvel, se o contrato estiver, acabado;

se, porém, o instrumento não estiver lavrado a remissão se opera desde que o credor

figurar na escritura, outorgando-a com o comprador e assinando-a: não sendo bastante

que a assine sem outorgá- la (art. 269 do Dec. 370, de 02.05.1890).

299. A remissão, conquanto apoiada no mais justo fundamento, depende de

certas condições que tendem a assegurar o direito real da hipoteca e por outro lado a não

forçar o adquirente ao pagamento de mais do que garante o imóvel adquirido.

Antes de tudo convém acentuar o princípio geralmente aceito de que a

remissão não tem como efeito afetar a obrigação principal ou a acessória em se us

elementos fundamentais e jurídicos; a primeira conclusão a tirar é que nem o devedor da

obrigação principal, nem o que contratou a hipoteca podem curar de liberar o imóvel

hipotecado por meio da remissão; a situação dos herdeiros universais ou particula res é

idêntica à dos devedores a quem sucedem (Lafayette, Dir. das Cousas, § 263; Mourlon,
Répétit. Écrit., n. 1.685; Troplong, Priv. et Hypoth., vol. 4.º, n. 903 bis; Aubry et Rau, §

263 bis, n. 3; Pont, Hypoth., vol 4.º n. 1.270; Laurent, Princ., vol. 31, n. 421; Martou,

Priv. et Hypoth., vol. 4.º, n. 1.379; Arntz, vol. 4.º, n. 1.930; Thiry, Droit Civil, vol. 4.º,

n. 574; Código Civil italiano, art. 2.040).

Esta solução decorre dos princípios que dominam as obrigações e da própria

natureza e objetivo da remissão, e compreende o terceiro que hipoteca seus bens em

garantia do pagamento da dívida de outrem (Pont, n. 1.272). De acordo com esta última

asserção está Laurent (vol. 31, n. 424).

Os terceiros adquirentes dos imóveis hipotecados são as únicas pessoas que

podem usar do recurso da remissão desde que esta tem por fim proporcionar um

expediente de liberar o imóvel gravado de hipoteca, por meio da prestação do preço da

aquisição.

Esta, porém, pode provir de uma liberalidade, de um ato gratuito, ou de uma

troca ou permuta; em qualquer destes casos o adquirente pode remir o imóvel; somente,

como não houve preço de aquisição, a remissão se opera ou pelo preço que o adquirente

oferecer, ou pelo da licitação (§ 7.º supra, Dec. 370, de 02.05.1890, arts. 260, 262 e 264;

Código Civil francês, art. 2.184; Duranton, vol. 20, n. 378; Mourlon, n. 1.684; Pont, n.

1.270).

O adquirente de uma parte do imóvel diviso, que se acha gravado, pode remir

essa parte?

Se ele pagar a parte de sua dívida a conseqüência é perdurar a hipoteca em todo

o imóvel, por força do princípio da indivisibilidade; a remissão não pode operar efeito

mais enérgico e de maior alcance do que o pagamento. A hipótese figurada por

Duranton (n. 345) entende com o caso de diversos imóveis sujeitos a uma só hipoteca.
Aquele jurisconsulto é de opinião que não há como recusar ao adquirente de

um destes imóveis o direito de remi- lo.

Este modo de ver é correto e conforme como princípio da indivisibilidade da

hipoteca, que não é afetado.

Laurent combate esta doutrina, e, no sentido do parecer geral dos escritores,

opina que o herdeiro a quem coube parte do imóvel hipotecado, e que ficou responsável

por quota especificada da dívida hipotecária, se pagar esta pode remir a parte do imóvel

que lhe cabe. É uma doutrina que ataca por um lado a indivisibilidade da hipoteca e por

outro o princípio de que o devedor e seus representantes como sucessores, não pode

remir a hipoteca. São estes os fundamentos de Laurent:

“Nous n‟admettons pas cette théorie de 1‟indivisibilité. Elle confond

1‟indivisibilité de 1‟hypothéque avec 1‟obligation indivisible; si l‟hypothéque est

indivisible, c‟est uniquement dans 1‟intérét da crèancier; 1‟hypothéque par elle même

est divisible. On applique même à faux le principe de 1‟indivisibilité de 1‟hypothèque;

elle n‟empêche pas la dette de se diviser entre les hérètiers; et si un hérétier partiel paye

sa dette, son obligation est éteinte, il reste tenu hipotecairement, mais seulement comme

tout tiers détenteur; or, tout tiers detenteur peut purger en offrant le prix ou la valeur de

la chose aux crèanciers inscrits; dont 1‟héritier doit avoir le mème droit.” (Princ. de

Droit Civil, vol. 31; n. 422).

300. Ao adquirente, que fizer a transcrição do título de aquisição, é que o nosso

direito escrito permite a remissão do imóvel hipotecado; só a transcrição imprime ao

título de transferência de domínio efeitos, em referência a terceiros; o adquirente só é tal

para com os terceiros após o registro da transmissão do domínio; antes de tal registro o
proprietário, é o vendedor: da transcrição é que corre o prazo de trinta dias, dentro do

qual deve operar-se a remissão (art. 259 do Dec. 370, de 1890).

No domínio do Código Civil francês, em que a transmissão da propriedade se

opera pelo simples contrato, foi exigida a transcrição do título de aquisição para poder o

adquirente realizar a remissão (art. 2.181 do Código Civil francês), voltando-se assim ao

mecanismo do art. 26 da Lei de 11 brumário do ano 7.º, aliás, definitivamente

estabelecido na Lei de 25.03.1855.

A razão da exigência da transcrição do título do adquirente não foi outra senão

o reconhecimento da necessidade de tornar públicas, somente em referência aos

credores hipotecários inscritos, as transferências de domínio que ia experimentando o

imóvel hipotecado.

Os antigos processos de remissão – dos decretos voluntários – que se apoiavam

no edito de Henrique II de 1551 e das cartas de ratificação do edito de Luiz XV de

1771 – facultavam ao adquirente a liberação do imóvel gravado, que era transferido por

meio de venda particular, ou ato alienativo gratuito, desde que os atos translatícios do

domínio fossem trazidos ao conhecimento dos credores. Se o meio – nos decretos

voluntários era não a transcrição da venda – mas a simulação de uma venda em hasta

pública, era porque, não sendo os regimes hipotecários de então, assentes na publicidade

e sim no sigilo – a venda só era publicada quando feita em praça ou judicialmente ou

acabava em uma adjudicação forçada; e nas cartas de ratificação era uma verdadeira

publicação do ato traslativo do domínio, em um quadro exposto no cartório do bailiado

– publicação que tinha por fim o conhecimento da alienação do imóvel, para que os

credores privilegiados e hipotecários pudessem não somente vir licitar o imóvel

elevando o seu preço de alienação, que era o do resgate ou da remissão; mas fazer os
seus protestos, nas mãos do conservador das hipotecas, a fim de resguardar e conservar

os seus direitos reais; no caso da expedição de cartas de ratificação do domínio dos

adquirentes dos imóveis hipotecados (Troplong, vol. 2.º, n. 563; Pont, vol. 2.º, n. 1.264).

O adquirente por uma transferência de domínio condicional pode remir o

imóvel adquirido.

De conformidade com os princípios, a questão tem solução diversa segundo se

trata de condição resolutiva ou suspensiva.

No primeiro caso o adquirente pode remir porque ele adquiriu o domínio;

como, porém, este é resolúvel, ele só pode remir sob a mesma cláusula, que afeta o seu

direito dominical (Laurent, vol. 31, n. 427); em tal caso o que o adquirente purga ou

rime é o seu direito resolúvel; porquanto ele só pede remir o direito que tem e tal como

o possui (Martou, n. 1.383).

No segundo caso, como a condição suspensiva atua no sentido de suspender o

domínio, o que quer dizer impede que este exista de fato (Laurent, vol. 17, ns. 90 a

105), e como a faculdade de remir é inerente ao domínio e por isso à expressão

adquirente do nosso direito escrito é mais exata do que a detentor usada no art. 2.181 do

Código Civil francês, o adquirente sob condição suspensiva, não tendo o domínio antes

da incidência da condição, não pode usar da remissão (Laurent, vol. 31, n. 428 ; Aubry et

Rau, § 293 bis); em contrário à doutrina de Laurent estão Martou (n. 1.383); Pont (n.

1.285); Duranton (vol. 20, n. 383).

Conquanto repute a hipótese de remissão pelo adquirente sob condição

suspensiva pouco provável – por isso que este não desejaria expor-se a não poder repetir

a importância, da remissão se a condição suspensiva não se realizasse, acrescenta Pont:

“Si pourtant il y voulait pour prévénir les poursuites la nature du droit dont il est en
possession n‟y ferait par obstacle: ce droit quoique suspendu par une condition, est

susceptible d‟hypothèque il est donc susceptible aussi d‟ètre purgé”.

O que oferece de notável o estudo deste ponto é a tendência que revela a

jurisprudência belga durante certo tempo: na hipótese da remissão de um imóvel

adquirido, sob condição resolutiva, por exemplo sob a cláusula a retro, a jurisprudência

firmou doutrina no sentido de ser a remissão absoluta, isto é, não somente resgatar o

encargo hipotecário pelo tempo do domínio resolúvel, mas definitivamente, liberando o

imóvel, que com a incidência da condição passaria livre, expurgado da hipoteca ao

transferente, ainda que com seu domínio dependente de uma cláusula suspensiva.

Esta solução dada pelos tribunais tem sido objeto das mais sérias contestações

por parte dos doutrinadores: o que o adquirente purga é o direito de propriedade tal qual

existe em mãos do novo adquirente, isto é, o domínio com as modalidades e as

restrições que o afetam; a propriedade sob condição resolutiva, supõe a existência de

outro domínio sob condição suspensiva; ora, podendo cada um destes domínios ter sido

assento é objeto de hipoteca por parte dos titulares desses direitos reais, a doutrina dos

tribunais imprime à remissão feita por um deles, ação sobre o direito do credor

hipotecário do outro, o que é contrário aos princípios. Para que a remissão do imóvel

adquirido sob condição resolutiva seja completa é preciso que a condição não se torne

efetiva por qualquer razão (Pont, n. 1.286).

A condição do resgate (cláusula retro vendendo) retroage como qualquer outra

condição e retroagindo, anula os direitos do adquirente, desde que o vendedor faça uso

da sua cláusula de resgate; e se o adquirente não foi proprietário, todos os atos que ele

praticou como tais caem. Como, pois, a Corte de Cassação pode falar em remissão

definitiva, levada a efeito por quem não tem direito definitivo? (Laurent, vol. 31, n.
427).

Estes fundamentos da doutrina sustentada por dois dos mais autorizados

comentadores das leis hipotecárias francesa e belga parecem- nos aceitáveis em

princípio; afigura-se-nos, porém, de extrema severidade e muito absoluta a aplicação ao

caso da remissão da hipoteca, que lhe dá a doutrina dos escritores.

Recorrendo aos princípios que já estabelecemos anteriormente (ns. 70 e 71)

como sendo os que dominam, no nosso direito, a constituição da hipoteca sobre imóveis

de domínio condicional faremos a distinção entre a condição resolutiva ex-causa

voluntária e ex-causa necessária.

Na hipótese de domínio resolúvel por força da primeira condição, operada a

translação da propriedade ao anterior proprietário, por um efeito de reversão, a hipoteca

devendo subsistir, porque não fora justo que se deixasse ao arbítrio do devedor ficar a

coisa efetivamente obrigada ou não – conceito que está de acordo com o sentir dos

glosadores ao comentarem a Lei 3.ª. D. quibus modis pignus, vel hipoteca solvitur, – a

remissão faz desaparecer a hipoteca de modo definitivo.

No caso de domínio resolúvel ex-causa necessária, caducando a hipoteca

instituída pelo adquirente, o que indica a retroação da condição, a hipoteca instituída

pelo transferente não se anula pela remissão operada pelo adquirente sob cláusula

redimendi; porque os atos praticados, durante o domínio resolúvel, participam do

caráter transitório que reveste este domínio, desde que a cláusula resolutiva se faça

efectiva.

O domínio dependente de condição suspensiva não tem cunho de efetividade,

enquanto não se realiza a condição a coisa não é devida e permanece em poder do

vendedor, a remissão carece de objeto por falta de domínio onerado a remitir.


301. No caso de desapropriação por necessidade ou por utilidade pública geral

ou municipal; reguladas pelas Leis de 09.09.1826, e 353, de 12.07.1845, e do Distrito

Federal (Dec. 602, de 24.07.1890), compreendendo-se a desapropriação das águas (arts.

21 a 25 da Lei 3.396, de 24.11.1888), o imóvel hipotecado passa ao domínio do Estado

remido de qualquer hipoteca. (art. 31 do Decreto Legislativo 353, de 12.07.1845).

O princípio em que, em todas as legislações, se funda decisão semelhante é que

o fim para que é feita a desapropriação e o fato da incorporação dos bens

desapropriados entre os próprios nacionais, impede de serem postos à venda tais bens,

que ficam fora do comércio e passam a pertencer ao domínio do Estado, sobre o qual

não se torna efetiva execução de sentença (Laurent, vol. 31, n. 436; Pont, n. 1.279).

302. A licitação, que o credor hipotecário pode requerer, tem por fim elevar o

preço da aquisição, ou o proposto pelo remitente, que o credor julga insuficiente.

O pedido de licitação deve ser apresentado dentro das 24 horas marcadas aos

credores para dizerem sobre o preço da aquisição ou o proposto pelo adquirente, para,

por eles efetuar-se a remissão (art. 260, do Dec. 370, de 1890; Lafayette, Dir. das

Cousas, § 264, n. 5); o fim da licitação sendo apurar o preço do imóvel para a liberação

ou resgate do direito real que o credor tem sobre o imóvel hipotecado, é justo que

tomem parte nela aqueles que são os mais interessados – os credores e o adquirente;

aqueles por terem a receber o valor da garantia com que julgaram amparar o seu crédito,

quando imstituíram a hipoteca; este por ter o maior interesse na liberação do imóvel que

adquiriu pelo modo que a remissão lhes faculta, isto é, a entrega ou a prestação do

preço, da aquisição (Lafayette, Dir. das Cousas, § 264, n. 5).


A faculdade de licita só se justifica com o fundamento de evitar q ue o credor

seja iludido em sua esperança, juridicamente fundada, de haver o pagamento de seu

débito pelo valor venal do imóvel; não deve autorizar a exploração do adquirente pelo

credor, que armado do direito real de seqüela, poderia pretender impor a remissão

unicamente por preço tão alto que tornasse ilusório o direito do adquirente liberar-se

pela prestação do preço do imóvel, elevando por meio da licitação tal preço a uma cifra,

que obrigasse o adquirente ou a desistir da remissão ou a levá- la efeito por preço muito

gravoso.

Daí a fixação do máximo das licitações.

A primeira e mais importante condição da licitação é que ela só seja feita com

autoridade do juiz e no dia por ele fixado, o qual, será anunciado por três editais

afixados e publicados em dias consecutivo (art. 263, do Dec. 370, de 1890).

A afixação dos editais tem por fim levar o dia da licitação ao conhecimento de

todos quantos são nela interessados ou nela queiram figurar e convidá- los a comparecer

ao ato; se circunstância de força maior tornar impossível o conhecimento da abertura da

licitação a qualquer interessado, ou impedir o comparecimento ao ato, o juiz não deve

ser muito rigoroso em decretar a afixação ou publicação de novos editais em um caso, e

a concessão de adiamento da licitação em outro.

Nem se diga que a licitação afeta o direito reconhecido ao adquirente de fazer a

remissão do imóvel pelo preço da aquisição ou pelo proposto, e, conseguintemente, só

deve ser permitida nos restritos termos e formas marcadas; a força maior, isto é, o

obstáculo que a diligência humana não pode superar, justifica a concessão aos que têm a

faculdade legal de licitar; que é afinal, um direito tão respeitável como o do adquirente

remir o imóvel pelo preço da aquisição. Acresce que desde que o juiz admit iu a
licitação, o preço da remissão não é mais o da aquisição, nem o que se fixar na licitação,

e desde que ao impossível ninguém é obrigado, fora operar a remissão por um preço

indevido o dispensar a licitação, que só por força maior impeditiva do comparecimento

dos licitantes deixou de ter lugar.

A segunda condição da legislação é que nela só tomem parte:

Os credores hipotecários, os fiadores do devedor e o adquirente.

São os únicos interessados na operação do preço do resgate da imóvel

hipotecado.

A terceira condição é que a licitação não exceda o quinto da avaliação proposta

pelo adquirente.

Em ocasião oportuna, estudaremos mais detidamente esta condição.

A quarta condição é que os credores compareçam dentro das 24 horas.

Se os credores não comparecerem, ou se comparecerem nada requererem, ou,

apesar de haverem requerido a licitação, não licitarem, nem fizerem qualquer objeção ao

preço posto, o juiz julga a remissão por sentença, fixa o preço proposto pelo adquirente

e ordena que, pago ou depositado este preço, seja o imóvel liberado da hipoteca e feito o

cancelamento do registro desta (Código Civil francês, art. 2.186; Pont, Hypoth., vol. 2.º,

n. 1.328; Laurent, vol. 31, n. 485; Lei belga de 1851, art. 116; Martou, n. 1.523 e

seguintes).

Por este efeito vê-se que a remissão é um dos modos de extinção da hipoteca.

É o pagamento desta pela prestação do valor do imóvel.

Também as legislações dos diversos países proveram o caso da remissão dos

imóveis hipotecados com cautela, estabelecendo disposições cujo co nhecimento, ainda

que perfunctório, é de grande conveniência, mormente no que entende com o processo


da remissão.

303. Como ficou dito anteriormente só o adquirente do imóvel pode remi- lo;

mas no nosso mecanismo de translação da propriedade imobiliária a transcrição, sendo

condição substancial para que o título translativo produza efeitos em referência aos

terceiros, só o adquirente com título devidamente transcrito pode propor-se a fazer a

remissão do imóvel hipotecário, porque somente após o registro do título de aquisição é

ele proprietário quoad tertios.

O primeiro passo a dar pelo adquirente para promover a remissão da hipoteca é

a transcrição do título de aquisição.

É a doutrina do direito francês; a Lei de 23.05.1855, tendo restabelecido a

disposição do art. 26 da Lei de 11 brumário do ano 7.º, que considera a transcrição

condição substancial para a translação do domínio imobiliário, revogam os preceitos do

Código Civil (art. 1.583) que consagram a referida transferência por simples força dos

contratos, nudis pactis; antes, porém, da Lei de 1855, já a transcrição do título de

aquisição era o primeiro ato preliminar da remissão da hipoteca (art. 2.181 do Código

Civil francês) – não exercendo, porém, a menor influência sobre e a transferência do

domínio, a transcrição tinha, segundo o Código Civil francês, o efeito de assentar e

firmar o direito do adquirente em relação às hipotecas inscritas antes da venda ou

transferência transcrita (Pont, n. 1.288), e impedir que o vendedor fizesse ou inscrevesse

novas hipotecas sobre o mesmo imóvel (Martou, Repetit, vol. 3.º, n. 1.691).

No direito belga, que exige a transcrição dos atos translativos do domínio dos

imóveis como condição substancial para a transferência do mesmo domínio (art. 1.º da

Lei de 16.12.1851), não se podia deixar de estabelecer como primeira condição da


remissão, a existência do ato que torna o adquirente proprietário, em relação aos

credores hipotecários ou privilegiados, é como proprietário que ele faz a remissão, antes

de praticar os atos iniciais desta deve, portanto, apresentar-se com um título regular de

domínio, e no direito belga, como no nosso, só o título inscrito e regular (Laurent, vol.

31, n. 440; Martou, vol. 4.º, n. 1.388); por essa razão a Lei belga não reproduziu no art.

109 a exigência da transcrição e no art. 110, n. 2, supondo a transcrição já feita obrigou

o adquirente a fazer acompanhar a notificação dos credores da indicação da data, do

volume e do número da transcrição.

A necessidade da transcrição impõe-se ainda nos casos em que a lei não a exige

para a translação do domínio?

A solução interessa o nosso direito, como ao francês e ao belga.

Entenderam alguns doutrinadores que a transcrição para a remissão impõe-se

como medida especial para o efeito de tentar-se a expurgação do imóvel do encargo real

da hipoteca.

A prova do asserto está no fato de fazerem algumas leis, como o nosso Dec.

370, de 02.05.1890, correr da transcrição o prazo de 30 dias, para dentro dele iniciar o

adquirente o processo da remissão.

Se assim é devem ser transcritos os atos translativos do domínio inter vivos e

mortis causa?

Os doutrinadores franceses e belgas resolveram a questão pela afirmativa,

apesar de reconhecerem que o adquirente por ato mortis causa, torna-se proprietário

independentemente da transcrição (Laurent, vol. 31, n. 441; Martou, vol. 4.º, n. 1.389;

Thiry, vol. 4.º, n. 575; Pont, vol. 2.º, n. 1.291; Troplong, Priv. et Hypoth., vol. 4.º, n.

903): o fundamento desta solução é a que dá Pont: “La loi nouvelle, enfaisant de la
transcription un moyen de consolider la propriété au regard des tiers, ne 1‟a par

destituée du caractére et de 1‟effet qui elle a au point de vue de la purge hypothecaire

dont elle est l‟acte preliminaire”.

No nosso direito não são sujeitas à transcrição as transmissões causa mortis ou

por testamento, nem os atos judiciais (art. 237, do Dec. 370, de 02.05.1890). A

translação do domínio por qualquer destes meios opera-se independentemente da

transcrição. Se a fixação desta, como ponta de partida do prazo para a remissão, não tem

outro fundamento a não ser ela o ato que opera a transferência do domínio do imóvel

para a pessoa do adquirente, em relação aos terceiros; como não fazer correr o referido

prazo do ato causa mortis, que opera a translação referida, independentemente de

registro? Exigir este fundado em um preceito que regula os casos em que tal

formalidade é substancial para a transferência de imóveis; por ser a expressão material

da tradição, que aliás não é exigida sob forma concreta nas translações, por ato de

última vontade, antes é presuntivamente estabelecida, por expresso preceito da lei, qual

o alvará de 9 de novembro de 1754, é criar uma formalidade que não encontra apoio na

lei.

O Sr. Lafayette entende que o testamento deve ser transcrito para da data da

referida inscrição contar se o prazo de trinta dias dentro do qual deve o adquirente fazer

a remissão (Dir. das Cousas, nota 1.ª, § 264).

Em favor desta solução pode-se, é certo, invocar o sentir dos comentadores do

direito francês e do belga, que reconhecendo a posse presuntiva do herdeiro pelo fato da

abertura da sucessão, independentemente do ato concreto da adição da herança, preceito

jurídico que tem como expressão a máxima le mort saisit le vif, reconhecerão a

necessidade da transcrição do testamento, como preliminar do processo da remissão.


“On dira que si le légataire particulier n‟a pas besoin de la transcription pour

opposer à tous le droit de propriété resultant du testament et pour le feire prévaloir sur

tous actes que 1‟hérétier aurait pu faire avec des tiers à propos de la proprièté leguée, la

transcription lui sera necessaire, au contraire, dès qu‟ il voudra purger 1‟immeuble des

priviléges ou des hypothéques qui le grevent; et que nonobstant la loi nouvelle, qui

n‟exige ia transcription que pour ler actes entre-vifs, la procèdure de la purge devra,

pour lui comme pour tous autres, être précédée de la transcription de son titre”. (Pont,

vol. 2.º, n. 1.291).

A despeito da opinião dos tratadistas belgas e franceses, apesar do art. 259 do

Dec. 370, de 02.05.1890, só permitir a notificação dos credores para a remissão dentro

dos trinta dias posteriores à transcrição, não se deve entender que tal disposição

excepcione à do art. 237 do mesmo Decreto, que dispensa da transcr ição as

transferências de domínio por ato sucessório; mas sim que ela refere-se à transcrição

como ato necessário à translação do domínio inter vivos; e como ela, não é necessária na

sucessão, o prazo, nesta hipótese, corre da abertura da sucessão testamentária ou ab

intestato, porque é desse fato que promana o domínio do herdeiro.

304. A notificação dos credores por hipotecas inscritas, anteriormente à

aquisição transcrita, para virem dentro de 24 horas, declarar se aceitam a remissão da

hipoteca pelo preço proposto pelo adquirente, ou dizerem sobre o mesmo o que se lhes

oferecer, é a segunda formalidade ou condição para que se opere a remissão.

Esta notificação deve ser feita:

a) dentro dos trinta dias da transcrição, no caso da aquisição por ato inter vivos,

ou mortis causa;
b) no foro civil;

c) no domicílio inscrito pessoalmente, ou por edito, se o credor nele não se

achar;

d) acompanhada de declarações que tornem conhecida a natureza do título de

aquisição, o preço, desta ou a estimação do valor no caso de não ter havido preço de

aquisição;

e) e concluir pela oferta de pagar aos credores hipotecários pelo preço da

aquisição ou pelo estimado (arts. 258, 259, 260 e 261 do Dec. 370, de 1890; Lafayette,

Dir. das Cousas, § 264).

O andamento do processo simplifica-se os credores aceitarem o preço

oferecido; em tal caso o juiz julga a remissão por sentença e manda que, pago o preço,

se dê baixa na hipoteca cancelando o registro ou a inscrição (arts. 262 e 270, do Dec.

370, de 02.05.1890).

Se os credores comparecendo recusarem-se a receber o preço proposto, é- lhes

facultado pedir ao juiz que mande abrir a licitação nos termos já expostos.

§ 8.º A licitação não pode exceder o quinto da avaliação.

305. A disposição supra, em vez das do Código Civil francês (art. 2.185, , n. 2),

da Lei belga de 1851 (art. 115), do Código Civil italiano (art. 2.045, n. 2), não fixa o

mínimo da licitação, estabelece o máximo; não há divergências, porém, entre a

legislação de 1890 e a estrangeira citada sobre o funda mento da licitação: impedir, por

um lado, que o imóvel hipotecado seja resgatado pelo terceiro adquirente, com lesão dos

direito dos credores, pelo preço da aquisição ou pelo que propuser o adquirente, quando
não houver fixação daquele, ou quando ele entender fixar outro maior; por outro lado

evitar que se perturbe o adquirente em sua posse, para o fim de propor uma elevação no

preço de aquisição; lesivo aos credores, que não seja suficiente para proporcionar uma

indenização digna de apreço ao prejuízo que possa vir a sofrer o credor hipotecário, que

não receba, a importância da sua dívida e tenha de contentar-se com a importância,

representativa do valor do imóvel; arrancar ao adquirente o domínio sobre o imóvel –

“com a esperança mais ou menos fundada de alcançar preço superior à soma oferecida,

autorizando e animando os credores a lançarem-se à licitação, que afinal tem por

objetivo a resolução de convenções de convenções livre e legalmente formadas” (Pont,

n. 1.358) para ir além da proteção devida ao crédito hipotecário e atacar de frente

contratos celebrados, sob a melhor inspiração e com a mais segura esperança na garantia

do direito.

Ao credor hipotecário é lícito receber o imóvel até mais um quinto do preço da

aquisição ou do valor da declaração do adquirente; o que se compreende neste preço?

Tudo aquilo que sob qualquer denominação houver sido dado em pagamento pelo

comprador ao vendedor ou a credores deste (Pont, n. 1.363; Duranton, vol. 2.º, n. 396);

Os encargos, que façam propriamente parte do preço, salvo se o adquirente

mencionar tais encargos sem distinguir os que entram como elemento do preço dos que

são alheios à prestação deste (Pont, n. 1.364; Martou, n. 1.466; Laurent, vol. 31, ns. 510

e 511; Troplong, n. 935; Aubry et Rau, vol. 3, § 294, nota 76).

Os juros não são, porém, devidos pelo adquirente porque este, dentro do prazo

e enquanto não se opera a retirada do imóvel de seu poder, age como proprietário. A

conseqüência é importante: o credor não deve incluir a importância dos juros na do

preço para calcular a da licitação (Pont, n. 1.365; Martou, n. 1.467; Laurent, vol. 31, n.
512; Thiry, vol. 4.º, n. 576; em contrário: Troplong, Hypoth., vol. 4.º, n. 937).

Segundo o direito francês o credor que licitar é obrigado à dec ima parte do

preço da aquisição ou da proposta para a remissão (art. 2.185, n. 2), o mesmo dispõe o

Código Civil italiano (art. 2.045); a Lei belga de 1831, conformando-se com a Lei de 11

brumário do ano 7.º exigiu que o credor licitante aceitasse o imóvel cobrindo o lanço

com a importância correspondente à vigésima parte do valor (art. 115, n. 2).

No direito francês e no belga, é permissível ao terceiro licitar sob a

responsabilidade e garantia do credor tornando-se, porém, o adjudicatário do imóvel

desde que não se apresente credor que licite com maior lanço (Laurent, vol. 31, n. 509);

este lanço não pode ser inferior ao vigésimo do valor proposto para a remissão; ao passo

que no nosso direito não é lícito licitar o imóvel em mais do quinto do valor da

aquisição, ou do valor proposto pelo adquirente, assim se deve entender o valor da

avalição de que trata o § 9.º supra; no direito francês e no belga o lanço pode ser aceito

até à maior quantia aventada, não podendo ser inferior ao vigésimo do preço do contrato

ou do proposto pelo adquirente.

No nosso direito o quinto do preço oferecido é aceito na licitação, ainda

quando esse preço não seja o do contrato, nem superior a ele.

No direito francês o ponto era discutido: a jurisprudência inclinava-se no

começo a uma solução negativa (Sentença da Corte de Lyon de 07.01.1845); mas a

doutrina foi sempre no sentido afirmativo (Pont, n. 1.363).

§ 9.º O adquirente que sofrer a desapropriação do imóvel ou pela penhora, ou

pela licitação, que pagar a hipoteca, que paga- la por maior preço que o da alienação por

causa da adjudicação ou da licitação, que suportar custas e despesas judiciais, tem ação
regressiva contra o vendedor.

306. Esta disposição que o art. 277 do Dec. 370, de 02.05.1890, repete,

consagra o direito de repetição e o de evicção, reconhecidos, nos Códigos modernos,

com grande precisão, na hipótese figurada (Código Civil francês, arts. 2.178 e 2.191;

Lei belga de 1851, arts. 106 e 121; Código Civil italiano, art. 2.052; Código Civil

holandês, arts. 1.246 e 1.252; Código Civil argentino, art. 3.170).

O Código Civil francês e a Lei belga concedem o direito regressivo contra o

devedor no caso do abandono do imóvel hipotecado; como não é permissível entre nós a

faculdade de largar a hipoteca (Dec. 169-A, art. 10, § 2.º), não se pode compreender tal

caso entre os que fundamentam o direito regressivo do adquirente contra o vendedor.

O terceiro adquirente tem o direito de repetir o preço pago, as despesas com a

aquisição e os gastos feitos com o imóvel, as perdas e danos resultantes do fato da

desapropriação e as benfeitorias úteis e necessárias que houver feito no imóvel

(Troplong, n. 814; Pont, n. 1.397).

Na hipótese, mais comum, de ter tido lugar a aquisição por meio de compra, se

o adquirente pagar a dívida hipotecária do vendedor ele fica sub-rogado nos direitos do

credor e aciona o vendedor para haver o preço, salvo cláusula do contrato que o obrigue

além do preço a pagar nova dívida, caso em que a importância desta faria parte do

preço; se porém, o adquirente houver sofrido a excussão da hipoteca tem o seu direito

regressivo fundado na evicção, como no caso de ser o imóvel reivindicado: daí o ser o

vendedor obrigado a restituir não só o preço da venda, como os gastos e despesas com o

contrato (Duranton, vol. 20, n. 286).

Se a aquisição se tiver operado por meio de permuta, o adquirente age por


força de sub-rogação contra o outro permutante devedor; se este não for o devedor, o

adquirente age por força da evicção, quer pagasse a hipoteca, quer houvesse sofrido a

excussão (Duranton, vol. 20, n. 285).

A aquisição pode ter lugar a título gratuito; se se tratar de doação inter vivos, o

adquirente em qualquer dos casos figurados não age por evicção, mas sim pagando-se

os credores do devedor, com o preço da adjudicação, com o produto da venda do imóvel

em praça ou pela prestação deste por parte do adquirente; este, como diz Pont, a fait

l’affaire de son auteur; é justo, portanto, que possa repetir a importância paga para

liberação do devedor (Pont, vol. 2.º, n. 1.393), fá- lo por força da negatiorum gestio

(Duranton, vol. 20, n. 284; Mourlon, vol. 3.º, n. 1.702; Martou, n. 1.331; Lafayette, Dir.

das Cousas, § 265, n. 4).

Quando o adquirente preferir ter o imóvel por adjudicação, a remi- lo da

hipoteca, sendo o preço da adjudicação superior ao da aquisição tem ele ação regressiva

para haver do vendedor a diferença entre o preço da aquisição e o da adjudicação.

O § 4.º do art. 277 do Dec. 370, de 02.05.1890, e o § 8.º supra do art. 10 do

Dec. 169-A, resolvem, por meio de preceito expresso, aquilo que era opinativo no

direito francês, apesar da disposição do art. 2.191 do Código Civil francês (Pont, vol.

2.º, n. 1.391).

Este escritor figura a hipótese de exceder o preço da hasta pública o necessário

para o pagamento de todos os credores hipotecários; sendo o adquirente o adjudicatário

a ele pertence esse excesso:

“Os credores inscriptos não podem pretender ter direito a essa quantia,

porquanto elles estão inteiramente pagos; o antigo proprietário não tem melhor direito a

pretendel-o; elle é apenas credor do preço estipulado no contracto celebrado com o seu
adquirente, contracto que subsiste em relação a elle, com todas as suas clausulas;

finalmente os credores chirographarios do antigo proprietário não podiam pretender tão

pouco, porque esses não têm mais direitos que seu devedor; além de que elles não

podem prevalecer-se de uma licitação que lhes é absolutamente estranha e que faltava-

lhes qualidade para requerer” (Pont, n. 1.394).

O Sr. Lafayette dá solução contrária a este ponto e entende que as sobras

pertencem ao alienante.

Só é aceitável este modo de encarar a situação do adquirente adjudicatário no

caso da remissão; no da excussão da hipoteca está ele em oposição ao princípio

incontestável estabelecido pelo mesmo escritor no § 265 e por isso na nota 16 ao

referido parágrafo firma ele uma distinção necessária.

O adquirente adjudicatário do imóvel é confirmado pela adjudicação no

domínio que tinha, por força do contrato de que resultou ou dimanou a aquisição; esta

não tem como título a adjudicação, que apenas revigora o título anterior; como, pois,

ficar com direito ao excesso do preço da adjudicação, depois de pagas todas as dívidas o

alienante, que só tem, como diz Pont, direito ao preço do contrato da venda?

Acresce que o alienante é inteiramente estranho à adjudicação feita ao próprio

adquirente: aquele perdeu o domínio que este conservou durante todo o tempo da

expropriação e do qual só o despojou a hasta pública, ou a licitação.

307. A hipótese concretizada na disposição do § 3.º, do Dec. 370, de

02.05.1890, constitui, em muitos dos Códigos modernos, objeto de disposição expressa,

por entender com relações de direito que devera ser fixadas de modo claro e preciso.

“O adquirente que tornar-se adjudicatario terá o seu recurso, como de direito,


contra o vendedor, para pagamento do que exceder o preço estipulado em seu título, e

para os juros deste excesso, a contar do dia de cada pagamento.” (Código Civil francês,

art. 2.191; Lei belga de 16.12.1851, art. 121; Código Civil italiano, art. 2.052).

Comentando a disposição da Lei belga, Martou faz as seguintes reflexões, que

têm inteira aplicação ao 3.º do art. 277, do Dec. 370, de 1890.

“O proprietario anterior deve, em principio, garantir a execução de todas as

clausulas do contracto de alienação, especialmente aquella pela qual obriga-se a

transmittir a propriedade e garantir a posse tranquilla do immovel mediante o preço

convencionado. Si o adquirente só conseguio manter sua posse por meio de condições

mais onerosas, faz-se preciso que seja elle indemnisado dos sacrificios de que não

curava o seu contracto. Tal indemnisação não tem unicamente como objecto o principal

da differença adiantada pela adquirente, mas tambem os juros vencidos a datar de cada

pagamento, pois sem elles o adquirente não ficaria completamente indemnisado.

O proprietário anterior, se é devedor pessoal dos creditos inscriptos sobre o

immovel, tem tanto menos motivo de subtrahir-se á indemnisação, quanto o excedente

que elle é obrigado a reembolsar foi applicado á extincção da dívida hypothecaria e

concorreu assim para a sua liberação; sob este ponto de vista, o adquirente foi seu gestor

de negocios e o nosso artigo não é senão a applicação dos arts. 1.375 e 2.001 do Código

Civil.” (n. 1.560).

A adjudicação, sendo uma novação de contrato entre o adjudicatário e os

credores hipotecários, não afeta a situação jurídica do mesmo em relação ao antigo

proprietário; para com este é ele credor, armado do direito regressivo que lhe conferem

as disposições supra citadas dos Decs. 169-A e 370, de 1890: conseguiu temente ele

afasta os credores quirografários do anterior proprietário, que não tem seqüela sobre o
imóvel; para consegui- lo basta usar do direito regressivo que lhe confere a lei, quer

acionando, quer embargando como terceiro prejudicado.

Em referência aos credores hipotecários, como ele não usou do direito de

remir, no caso de excussão do imóvel e da desapropriação forçada – ele é obrigado à

prestação de todo o preço da arrematação se este for necessário para o pagamento

integral das hipotecas; se houver sobra ela pertence, como já o dissemos, ao adquirente

adjudicatário do imóvel por arrematação em praça.

No caso de licitar o adquirente e lhe ser o imóvel adjudicado, por força da

licitação aberta no processo da remissão, passando ele a adquirir definitivamente o

imóvel pelo preço da licitação, mais gravoso que o do contrato, tem direito regressivo

contra o transferente, que deverá, indenizá- lo do excesso de preço pago sobre o

estipulado no contrato.

A solução dada por Martou no final do n. 1.561 sobre a menção por parte do

adquirente adjudicatário do excesso do preço da licitação sobre o do pagamento dos

credores hipotecários, é a confirmação do que deixamos exposto e do estabelecido no §

3.º do art. 277, do Dec. 370, de 1890; tanto assim que Martou autoriza a retenção desse

excesso por parte do adquirente como dedução das indenizações que a lei lhe concede.

Quando a adjudicação é feita a um terceiro o adquirente age pela evicção

(Martou, 1.562).

§ 10. A remissão da hipoteca tem lugar ainda não sendo vencida a divida.

A hipoteca 1ega1 especializada é remível na forma deste título, figurando pelas

pessoas a que ela pertence, aquelas que pela legislação em vigor forem competentes.
308. Na legislação francesa e na belga não existe disposição expressa em

referência à possibilidade da remissão independentemente do vencimento da dívida, ou

antes, considerando a dívida vencida para o efeito da remissão.

Tal disposição não é necessária, dados os fundamentos da remissão, segundo o

direito moderno.

Se o assento fundamental da remissão etá na necessidade de acudir com

remédio eficaz ao embaraço à circlação e exploração dos imóveis, que adviria do fato da

sobrecarga de ônus reais, que os gravassem além do se u valor real, dando-se a

imposibilidade de encontrarem adquirente os imóveis que se achassem hipotecados por

quantias superiores ao seu valor, forçosamente devia ser permitido àquele que

adquirisse um imóvel nessa situação liberá- lo, desde logo, do encargo que o gravasse,

sem precisar aguardar o vencimento da dívida. Por outro lado se ficasse impedido o

credor de executar a hipoteca estaria ele colocado em posição de ter de recorrer a

processos mais dispendiosos para ir desapropriar por meio da ação hipotecária, o

imóvel, que já houvesse corrido para muitas mãos, antes de dar-se o vencimento da

dívida.

Desde, porém, que pelo simples fato da aquisição do imóvel hipotecado,

devidamente transcrita, reputa-se a mutação conhecida dos credores hipotecários, e

podem estes acionar o terceiro adquirente (soit avant les pour suites – art. 2.183 do

Código Civil francês; desde que o remédio que a lei proporciona a este para evitar a

excussão, que é o objetivo da ação dos credores, consiste em dar a conhecer dentro do

mês a contar da primeira notificação, a seus credores por intimação judicial todos os

atos relativos à translação do domínio operado, à transcrição realizada, e aos encargos

hipotecários que gravam o imóvel adquirido, para os credores deliberarem sobre a


proposta de pagar o adquirente a dívida hipotecária, até o preço do imóvel, é porque a

lei francesa (arts. 2.183 e 2.184 do Código Civil) presume a dívida vencida, para esse

efeito.

O direito belga não faz referência ao vencimento da dívida, mas exige, para a

liberação do imóvel adquirido, que o adquirente dentro de trinta dias – a datar da

primeira notificação que lhe for feita – notifique ao credor os mesmos fatos exigidos no

art. 2.183 do Código Civil francês (art. 110 da Lei de 15.12.1851). O fato, porém, de

poder adquirente começar o processo da remissão espontaneamente e

independentemente dos procedimentos judiciais dos credores hipotecário, indica que a

referida lei reputa, para tal efeito a dívida hipotecária vencida.

Esta disposição do § 10 do art. 10 supra e reprodução da do § 10 do art. 10 da

Lei 1.237, de 24.09.1864, e da do art. 303, do Dec. 3.453, de 26.04.1865, não é preceito

novo na nossa legislação hipotecária.

A medida da remissão nenhum valor prático teria, se para ser empregada

tivesse o adquirente de aguardar o vencimento da dívida ou a ação dos credores.

Em referência ao adquirente o mal resultante e imediato seria o prolongamento

do estado de incerteza do domínio, que a remissão é destinada a cortar (Dir. das

Cousas, § 262); em relação ao credor, se o adquirente não devesse dentro de muito

curto prazo de tempo, após a aquisição, isto é muito proximamente a esta, oferecer-se a

liberar o imóvel pelo preço que deu por ele, poderia suceder que na época remota do

vencimento do longo prazo da dívida o imóvel tenha sofrido depreciação e, na hipótese

de ser baixo o preço da aquisição, ficarem os credores privados do recurso da licitação,

que devido à depreciação do imóvel ou da propriedade imobiliária em geral, não

produziria o efeito corretivo que a lei procurou imprimir- lhe (Laurent, vol. 31, n. 416).
309. A 2.ª alínea do § 10 supra estabelece o princípio decorrente da situação

criada na legislação de 1890 às hipotecas legais.

Todas são especializadas, e como as hipotecas especializadas equiparam-se às

especiais por natureza, isto é, às convencionais (art. 167 do Dec. 370, de 1890) não pode

deixar de entender com as primeiras o processo da remissão aplicável às segundas.

O art. 268 do Dec. 370, de 02.05.1890, especificou mais a disposição da 2.ª

alínea do § 10, do art. 10, do Dec. 169-A.

As hipotecas legais especializadas são resgatáveis como as hipotecas especiais,

figurando, pela Fazenda Pública, o empregado competente; pela mulher casada e pelo

menor ou interdito, o promotor público, como curador geral; e, pelas corporações de

mão-morta, o promotor de capelas.

Esta disposição e a do § 10 do art. 10 supra não precisam de grandes

desenvolvimentos; aos casos das hipotecas legais nelas figurados aplica-se toda a

doutrina expendida em referência à remissão, nos casos de hipotecas convencionais.

No regime da legislação hipotecária de 1864, em que as hipotecas legais

podiam deixar de ser inscritas quando garantissem os bens dotais nas mulheres casadas

e os bens dos menores e dos interditos, a remissão não dependia do processo

complicado dos arts. 2.193 a 2.195 do Código Civil francês, que de tão porfiadas

discussões foi causa e cuja solução deveu-se muitas vezes não à jurisprudência dos

tribunais mas a atos legislativos, como a que a Lei de 21.05.1858 deu à dúvida

formulada quanto à sobrevivência do direito de prelação da mulher casada e dos

menores sobre o preço da aquisição, quando o direito de seqüela desaparecia por falta

da inscrição da hipoteca (Pont, vol. 2.º, n. 1.422; Troplong, Hypoth., vol. 4.º, n. 984;
Duranton, vol. 20, n. 421 bis). A remissão operava-se por meio da fiança (§ 11 do art.

10, da Lei de 24.09.1864; arts. 305 e 306, do Decreto de 26.04.1865), exigia-se a prova

da idoneidade dos fiadores, o promotor público tinha vista do processo como curador

geral, e a aceitação da fiança pelo juiz competente e a sua definitiva prestação tornava

liberado o imóvel remido e o registro da hipoteca referente ao mesmo era cancelado

(Lafayette, Dir. das Cousas, § 266).

Dada, porém, a remissão das hipotecas legais nos termos do alínea do § 10 do

art. 10, do Dec. 169-A, de 1890, e do art. 268, do Dec. 370, de 2 de maio, que destino

tem o preço da remissão?

Nas remissões das hipotecas convencionais ele é pago ao credor hipotecário,

cuja dívida se reputa vencida; no caso figurado das hipotecas legais o direito do credor

hipotecário, só se devendo tornar efetivo se o marido não puder restituir o dote e o tutor

ou curador os bens do pupilo ou do interdito; o alcance apurado na liquid ação das

contas da gestão é o assento da ação hipotecária; no termo da tutela ou curadoria, e no

caso de dissolução da sociedade conjugal, apura-se este alcance; no processo da

remissão a última fase desta não deve consistir na entrega do preço ao credor

hipotecário, este tem o direito de excussão dependente de fato, que só muito mais tarde

pode ocorrer.

Se o preço fosse pago aos credores quirografários ou aos credores por

hipotecas posteriormente inscritas, as mulheres, os menores e os interditos ficariam

lesados em seu direito real.

Este ponto de difícil solução no direito civil francês, atenta a redação do art.

2.175 do Código Civil, que autorizou a maior divergência entre os doutrinadores e as

maiores vacilações na jurisprudência (Troplong, Hypoth., vol. 4.º, n. 984; Pont, Hypoth.,
vol. 2.º, n. 1.422; Duranton; vol. 20, n. 421 bis; Aubry et Rau, vol. 3.º, § 295, n. 2, nota

10), terá como solução, no nosso direito, a que é proposta pelo Sr. Lafayette (Dir. das

Cousas, § 266) isto é, o preço do imóvel, pago pelo remitente, deve ser depositado, para

ser em tempo oportuno levantado pelo credor hipotecário (menor, interdito ou mulher

casada), se ocorrer o alcance nas contas dos tutores e credores, ou ficar o marido com

responsabilidade verificada pelo dote; se qualquer destas hipóteses não ocorrer, pelo

devedor porque a ele pertence o preço da remissão, que representa o valor do imóvel, ao

qual ficou sub-rogado.

A aplicação da doutrina consagrada em França na Lei de 21.05.1858 já citada,

que faz perdurar o direito prelatício sobre o de seqüela, quando a hipoteca extinguir-se

pela remissão, tem lugar entre nós?

A remissão da hipoteca é perfeita, quer em referência ao credores por hipotecas

legais, quer por hipotecas convencionais.

Se nestas o preço da remissão cabe, antes de tudo, aos credores hipotecários;

porque é para liberar-se do encargo hipotecário que o adquirente socorre-se da remissão,

o preço pertence aos menores, interditos e à mulher casada, cuja situação deve liquidar-

se, em referência aqueles, no momento, havendo o alcance das contas, cuja tomada é

periódica e não somente no fim da gestão da tutela e da curatela; e como a hipoteca

desapareceu com a remissão, deverá ser o devedor obrigado a oferecer nova garantia,

solução que se aplica à mulher casada, a qual, se tem o direito de pedir reforço da

hipoteca insuficiente; tem o de exigir nova hipoteca quando primeira se tiver extinguido

por um modo legal, qual a remissão (art. 11, § 4.º, do Dec. 169-A, de 19.01.1890).
TITULO V

Da extinção das hipotecas e cancelamento das transcrições e inscrições

Art. 11. A hipoteca extingue-se:

§ 1.º Pela extinção da obrigação principal.

§ 2.º Pela destruição da coisa hipotecada salvo a disposição do art. 2.º, § 3.º.

§ 3.º Pela renúncia do credor.

§ 4.º Pela remissão.

§ 5.º Pela sentença passada em julgado.

§ 7.º 2.ª alinea: a prescripção da hipoteca não pode ser independente e diversa

da prescrição da obrigação principal.

310. A hipoteca, sendo uma obrigação acessória cujo objetivo é confirmar e

garantir a execução da obrigação principal contraída pelo devedor, quando esta

desaparecer, deve ter igual sorte e desaparecer com ela; a extinção da obrigação é, pois,

não uma causa primordial mas secundária da extinção da hipoteca; não tem o mesmo

cunho das outras indicadas no art. 11 supra. Neste caso a hipoteca desaparece por ficar

sem objeto (Pont, n. 1.226).

O mecanismo de publicidade do regime hipotecário moderno, para assegurar a

eficiência da notificação proporcionada pelo registro das hipoteca, devia ser a expressão

da situação da propriedade imobiliária, quanto aos ônus reais que a possam gravar; não

poderia sê- lo se contra as declarações da inscrição pudessem prevalecer os atos de

extinção do contrato principal, não publicados devidamente.

É a razão da disposição do § 6.º que faz depender da averbação da extinção da


hipoteca no respectivo registro a resolução do ônus real.

Sem a averbação, não podendo a hipoteca ser declarada extinta e liberado o

imóvel hipotecário, segue-se que de per si só o ato extintivo da hipoteca não impede o

prosseguimento da ação hipotecária, fundada, em título de obrigação paga, anulada ou

por qualquer meio invalidada; só a certidão do cancelamento do registro produz esse

efeito, a extinção da obrigação principal anula a hipoteca entre as partes contratantes;

assim como somente entre estas subsiste a hipoteca não inscrita, do mesmo modo entre

elas não prevalece a hipoteca, quando a obrigação principal estiver resolvida, ainda que

não se ache realizado o cancelamento da inscrição, isto por uma ra zão peremptória – o

registro só tem efeito para os terceiros e não para os contratantes.

A extinção da obrigação principal quer dizer a resolução desta por qualquer

dos meios de direito; somente exige-se que a extinção seja total e definitiva (Laurent,

vol. 31, n. 358; Dir. das Cousas, § 276, n. 1).

Se a dívida perdurar em parte, por mínima que seja, a hipoteca subsiste, por

força do princípio da indivisibilidade, para garantir a parte da dívida não extinta (Pont,

n. 1.229; Mourlon, Répét. Écrites, n. 1.665, vol. 3.º; Martou, n. 1.336; Thiry, vol. 4.º, n.

572; Laurent, vol. 31, ns. 359 e 361).

Ainda faz-se preciso que a extinção seja definitiva, isto é, que não ressuscite a

dívida, após a sua extinção; em tal caso a hipoteca, quase sempre, revive com a dívida

(Laurent, vol. 31, n. 360; Martou, n. 1.336; Mourlon, vol. 3.º, n. 1.666).

311. O pagamento é a modalidade mais comum da solução das obrigações, que

se resolvem em prestação de preço: a sua ação resolutiva é precisa e definitiva. Sob a

forma, porém, da dação em soluto ela pode oferecer dificuldades, quando a dação for
fundamentalmente afetada pela evicção da coisa oferecida e aceita em pagamento.

O devedor hipotecário, não estando habilitado a solver a dívida por meio do

pagamento em espécie, pode fazê- lo dando em solução um prédio, um imóvel ou um

móvel de valor correspondente; se, aceito o modo de pagamento pelo credor, sofre este

posteriormente a evicção do imóvel dado em pagamento, como a solução da dívida

deixa de dar-se a hipoteca não pode deixar de subsistir; se o cancelamento da inscrição

tiver tido lugar, o credor evicto tem o direito de renová-la (Pont, n. 1.230; Troplong,

Hypoth., vol. 4.º, n. 864); no caso contrário a hipoteca conserva o número de ordem da

primitiva inscrição, que subsistirá (Dir. das Cousas, § 276, n. 1).

A opinião, que repele a revivência da hipoteca por julgar definitivamente

extinta a obrigação com a dação in solutum, que operou a dissolução do nexo, e faz

depender de novo contrato o aparecimento de hipoteca afetando a obrigação resultante

de um novo fato jurídico, qual o direito resultante da evicção, ressente-se de um vício de

apreciação deste fato, que Domat torna saliente, quando faz sentir que a datio in

solutum, como modo de extinção da obrigação, só prevalece quando perdura em sua

existência e em sua ação jurídica, isto é, tem, como condição substancial, a

permanência; se for anulada a dação, como meio de pagamento, a sua força resolutiva

da obrigação desaparece, esta não sendo dissolvida subsiste e com ela deve subsist ir a

hipoteca, que, estando ligada à existência da obrigação, acompanha as vicissitudes

desta, não podendo deixar de reviver, quando a mesma revive.

Se em virtude da solução da obrigação por meio da dação, anulada

posteriormente pela evicção, a inscrição houver sido cancelada, a hipoteca, apesar de

reviver com a obrigação, só produz efeitos entre as partes contratantes enquanto não for

novamente registrada. Os efeitos, na hipótese, decorrem do novo registro e não do


anterior, que desapareceu.

O direito francês resolve, por disposição expressa do Código Civil, a questão,

de modo a dar ganho de causa às opiniões dos que entendem, como Laurent (vol. 31, n.

363) e Aubry et Rau (§ 292, nota 4), que a dação in solutum faz desaparecer a hipoteca,

ainda no caso de ser o credor evicto. O art. 2.038 dispõe: a aceitação voluntária por

parte do credor de um móvel ou de um efeito qualquer em pagamento da dívida

principal, libera o fiador ainda que o credor venha a ser evicto.

No nosso direito deve prevalecer a opinião de Martou (n. 1.336) e de Troplong

(vol. 4.º, n. 864) – por não termos disposição idêntica à do art. 2.038 do Código Civil

francês.

Em primeiro lugar – em face dos princípios – o caráter acessório da hipoteca

prende-a à sorte da obrigação principal; se esta se extingue definitivamente aquela

desaparece; se, porém, a extinção completa não se dá aquela subsiste: no caso de

evicção o efeito desta é tornar nulo o meio de solução da obrigação, que foi empregado,

e que em absoluto depende da validade da transferência do domínio da coisa dada em

pagamento: a disposição do art. 2.038 do Código Civil francês demonstra a necessidade

de preceito expresso e preciso para firmar a opinião contrária.

A opinião de Laurent (vol. 31, n. 363) assenta em uma apreciação inexata dos

efeitos da evicção: desta, diz ele, somente resulta uma ação do credor contra o devedor

mas esta ação é diferente da que ele tinha em virtude da dívida originária – ela decorre

da evicção. Em que se funda ela porém? No fato de não estar paga a primitiva obrigação

por haver sido anulado o efeito da dação em pagamento. Em segundo lugar a ação

proposta é conforme ao direito romano, cujos princípios devem prevalecer em matéria

de resolução do nexo das obrigações, desde que a legislação de 1890 não estabeleceu
princípio diferente no regime hipotecário em vigor.

A Lei 46 D. de solut (frag. de Marciano) reconhece de modo preciso, a

subsistência, não a revivência da obrigação, no caso de evicção da coisa dada em

pagamento: “Si quis aliam rem pro alia volenti solverit, et evicta fuerit res, manet

pristina obligatio etc.”.

As leis citadas em contraposição a esta, e especialmente a Lei 4.ª Cód. de

evictione, não afetam de morte o direito do credor hipotecário pelo fato da evicção;

antes supõem o direito subsistente na garantia estabelecida: causa pignoris mutata non

est.

O fato de conceder esta lei uma ação útil de evictione ao credor, não importa o

privá- lo da ação fundada na obrigação primitiva, a qual, no sentir dos melhores

intérpretes, subsiste sempre.

Convém, por isso, esses intérpretes em que, no direito romano a datio in

solutum extingue a obrigação, sendo definitiva; dando-se a evicção, a obrigação subsiste

com o seu acessório – a hipoteca (Voêt, ad. Pand., liv. 46, Tít. 2, n. 13).

312. Entre os modos de extinção da obrigação principal, que atuam sobre a da

hipoteca, figura a novação.

Esta, segundo a verdadeira noção, importa a extinção da obrigação anterior,

como decorrência da obrigação nova, e não supõe a referida extinção como procedência

necessária da segunda obrigação; as expressões: hoc est, cum ex precedenti causa ita

nova constitutur, ut prior perimatur da L. 1.ª D. de novat. confirmam esta noção que é

aliás, a que melhor se conforma com a natureza da novação – a qual importa o

aniquilamento da obrigação anterior (Van Wetter; Droit romain, § 518; Dr. Lacerda de
Almeida, Obrigações, § 85; Demolombe, vol. 28, n. 332; Laurent, vol. 31, n. 364 e vol.

18, n. 328).

A extinção dos acessórios da dívida principal, entre os quais figura a hipoteca,

é uma decorrência desta noção: – “Novatione legitime facta, liberantur hypothecæ et

pignus etc.” (L. 18 D., De novatione et delegat; Van Wetter, § 518; Dr. Lacerda de

Almeida, Obrig., § 87; Dr. Clovis Bevilaqua, Obrigações, § 46; Laurent, vo1. 18, n.

328): como, porém, o fundamento único da novação é a vontade das partes, e deve-se

condenar por injurídica, a denominada novação necessária, que não tem razão de ser,

menos ainda quando presuntivamente dimanada da litis contestatio, podem as partes,

contratantes limitar a ação extintiva da novação dando subsistência à hipoteca

constituída em garantia, da obrigação inovada; neste caso a hipoteca deve ter, segundo o

direito romano, a data da nova obrigação: “Creditor accepitis pignoribus, quæ secunda

conventione secundus creditor accepit, novatione postea facta pignora prioribus addidit:

superioris temporis ordinem manere primo creditori placuit, tanquam in suum locum

succedenti”, tal é o sentir de Papiniano (L. 3.ª D., qui potiores in pignore etc.).

O direito moderno (art. 1.278 do Código Civil francês; art. 1.274 do Código

Civil italiano; Código Civil holandês, art. 1.457; Código Civil argentino, arts. 803 e

804; Código Civil português, art. 807) aceitou a disposição romana e, estabelecendo

como regra a extinção da hipoteca, no caso de novação da obrigação principal, permite

que ela subsista, se as partes assim o estipularem.

Estas disposições dos Códigos dão causa a diversas questões que não oferecem

todas interesse prático no nosso direito; como, po rém, a algumas delas prende-se a

solução de dúvidas, que se podem originar, no regime do nosso direito escrito, convém

deixá-las elucidadas.
Antes de tudo, a novação subjetiva é equiparável, quanto a seus efeitos, à

objetiva?

O direito escrito francês (art. 1.279 de Código Civil) proíbe que a hipoteca

acessória da obrigação inovada passe para a obrigação contraída pelo novo devedor,

ainda que tal coisa se estipule no contrato. Esta inteligência dada por Laurent (vol. 18,

n. 831) ao art. 1.279 supra é combatida por Demolombe (vol. 28, n. 353), que somente

julga irrealizável a reserva da hipoteca, sem o consenso do novo devedor, mas de todo o

ponto regular, quando este assentir.

No nosso regime hipotecário esta solução é inaceitável; a obrigação do novo

devedor só pode ser garantida por hipoteca sobre os bens deste por escritura pública, em

que os bens sejam especificados com todos os requisitos exigidos no art. 4.º, § 1.º, do

Dec. 169-A, de 19.01.1890.

Os bens do novo devedor não podem ser hipotecados senão de conformidade

com a lei; fazem-se precisos um ato e uma inscrição, e a hipoteca não tem número de

ordem senão a partir do dia em que for inscrita. Estes princípios elementares opõem-se a

que uma hipoteca seja constituída sobre os bens de um novo devedor co m retroação

(Laurent, vol. 18, n. 331).

Na novação objetiva e na subjetiva, com a substituição do credor, não existe

dúvida na solução: desde que se fizer compreensiva da novação a hipoteca

anteriormente celebrada esta subsistirá (Dr. Clovis Bevilaqua, Obrigacões, § 46), dentro

da cifra da anterior (Dr. Lacerda de Almeida, Obrigaçõe, § 87); para ampliá-la a toda

dívida nova, se esta for maior que a anterior, faz-se preciso novo contrato hipotecário.

“Mais l‟hypothéque n‟est réservée que telle qu‟elle exista it. Si donc la nonvelle

dette était plus considérable, 1‟hypothéque réservée ne la garantirait que dans les limites
de la dette ancienne. C‟est une conséquence dos principes qui regissent notre systême

hypotecaire. L‟hypothèque est spéciale, elle n‟est valable que si l‟acte qui la constitue et

1‟inscription qui la conserve font connaître le montant de la créance hypothequée”

(Laurent, vol. 18, n. 329).

Esta era a solução do direito romano, o que indica que ela não tem como

assento a especialidade hipotecária e sim a própria natureza da hipoteca.

“A razão pratica é o interesse de outros credores, que poderiam ser

prejudicados, se á sombra da novação pudesse o devedor contrahir maiores dividas com

a garantia hypothecaria existente.” (Dr. Lacerda de Almeida, Obrigações, nota 6.ª ao §

87)

313. No direito moderno a noção que prevaleceu sobre a confusão é que ela

não extingue, apenas paralisa, a ação do credor; a obrigação não desaparece, não tem

resolução, apenas fica sem efeito, quanto à realização: a confusão consistindo assim na

impossibilidade de exercitar um direito, porque o devedor é ao mesmo tempo credor

(Laurent, vol. 31, n. 368) e este não pode acionar a si próprio (Demolombe, vol. 28, n.

716) – quando ocorrer a modificação desta situação pela cessação da confusão – os

efeitos desta desaparecem com ela (Laurent, vol. 18, n. 506; Aubry et Rau, § 292;

Duranton, vol. 20, n. 294); salvo quando afetarem direitos adquiridos por terceiro: daí a

distinção entre anulação da confusão ex causa antiqua et necessaria, isto é, por

circunstância ou fato anterior à mesma, independente da vontade do credor, e a operada

ex causa nova et voluntaria, ou devida a fato posterior à confusão e a movimento

volitivo do credor (Martou, n. 1.336).

Na primeira hipótese a cessação da confusão retroage para anular os efeitos da


mesma desde a sua ocorrência; na segunda tais efeitos subsistem.

A hipoteca no primeiro caso extinta, de modo definitivo, não reaparece; no

segundo caso não se tendo anulado porque a obrigação principal não o foi, subsiste para

todos os efeitos (Demolombe, vol. 28, n. 17; Laurent, vol. 18, ns. 506 e 507; Lafayette,

Dir. das Cousas, § 277; Aubry et Rau, § 292; Duranton, vol. 20, ns. 293 e 294).

A distinção feita por Martou (n. 1.336) entre hipoteca revigorada para a partes

contratantes e não para os terceiros, é arbitrária e ataca de frente o fundamento da noção

da hipoteca modernamente aceita: se no caso em que a extinção pela confusão ocorrer;

ex causa nova et voluntaria, a hipoteca revive; entre as partes contratantes, desde que

não haja sido cancelada a inscrição, ela vigora para com os terceiros, com o mesmo

número de ordem que tinha; na hipótese de haver sido cancelada a inscrição sua

renovação dá-lhe inteiro valor quoad tertios: não há como, inquinar de ineficiente a

hipoteca perante os terceiros, desde que ela seja válida entra as partes contratantes e que

o registro, do qual decorre este efeito não tenha vício pelo qual deva ser considerado

nulo pleno jure.

O que fica exposto não era o que prescrevia o direito romano; segundo os

textos e os comentadores a confusão extinguia a obrigação e, como decorrência, a

hipoteca.

“At si idem alium; fidejussorem deserit, atque ita heredem te instituerit, rectius

existimari ait sublata obligatione ejus, pro quo fidejussum sit; eum quoque, qui

fidejusserit, liberari” (§ 5.º da L. 38, D. de solution et liberat):

“Sicut acceptilatio in eum diem præcedentes peremit actiones, ita et confusio:

nam si debitor heres créditori extiterit, confusio hæreditatis peremit petitionis

actionem...” (L. 75 D. de solution et liberat).


“Negue enfim potest pignus perseverare, domino constituto creditore”, diz

Paulo no § 1.º da L. 30 D. de exceptione rei judicatæ.

“Non intelligitur quis suæ rei contrahere” (Juliano, § 5.º da L. 33 D. de

usurpat).

“Interdum et si soluta sit pecunia tamen pignoratitia actio inhibenda est, veluti

si creditor pignus suum emerit debitore” (L. 20, § 3.º D. de pignoratitia actione).

“Si rem alienam bona lide emeris, et mihi pignori dederis ac precario rogaveris

deinde me dominus heredem instituerit, desinit pignus esse: et sola precarii rogatio

supererit idcirco usucapio tua interpellabitur” (Juliano, L. 29 D. de pignoratitia

actione).

Tais são, dentre muitos; os .principais textos dos quais deduziram sua doutrina

Maynz (Direito romano, § 168), e Accarias (§ 288): é este o direito em vigor, entre nós.

O § 7.º do art. 226, do Dec. 370, de 02.05.1890, separou da extinção da hipoteca, pela

da obrigação principal a confusão; para considerá- la, em vez de modo indireto, um

modo direto de extinção – pela confusão do domínio e da hipoteca na mesma pessoa.

314. A compensação, sendo um modo de extinção da obrigação principal de

todo o ponto equiparável, quanto aos efeitos, ao pagamento, opera igualmente a

extinção da hipoteca.

É de toda a conveniência fixar-se o tempo em que se faz sentir a ação da

compensação; no nosso; direito a compensação é legal mas deve ser reconhecida por

decreto judicial, que a aplique aos casos concretos; a sua legalidade tem efeitos

próprios: e diferenciais da compensação unicamente voluntária, sendo o mais

importante e de resultados especiais para o caso que estudamos, o de retroagir à época


em que a outra dívida começou a existir, para desde ela reputar-se a primeira dívida

extinta: desde o momento em que a compensação assim atua, como força dissolvente da

obrigação, as hipotecas que garantiam as obrigações extintas pela compensação deixam

de existir, os juros cessam de correr e a prescrição igualmente. (Ord. do Liv. 4.º, Tít. 78,

princ.; Código do Comércio, art. 439; Consolidação das leis civis, nota 2 ao art. 841;

Demolombe, vol. 28, ns. 648 e 649; Duranton, vol. 20, n. 292; Laurent, vol. 18, n. 459).

O Código Federal suíço de obrigações só reconhece a compensação voluntária:

o art. 138 apenas a admite quando alegada, como oposição, pelo devedor acionado.

O efeito é o mesmo que o conferido no nosso direito; retroage até a época em

que as duas dívidas se tornam susceptíveis de compensar: difere assim do regime

francês, em que ela só opera ipso jure, dando os comentadores a estas expressões

sentido e efeito diversos dos que, com justo fundamento, dava Teixeira de Freitas, ao

nosso direito.

Os efeitos da compensação datam, segundo o direito federal suíço, da época em

que é formulada, com tal fundamento, a oposição do devedor; o que está coerente com o

regime exclusivo da compensação voluntária: desde esse momento reputam-se extintos

os acessórios das obrigações principais (Virgile Rossel, Manual do direito federal das

obrigações, n. 159).

A doutrina do Código Civil alemão é idêntica, em matéria de compensação, à

do Código Federal suíço das obrigações.

A compensação é sempre voluntária e opera-se por meio de declaração dirigida

à outra parte; tal declaração não pode ser condicional sob pena de não ter valor algum

(art. 388 do Código Civil alemão).

Como os direitos creditórios e as dívidas se reputam extintas, desde que se


compensam, a partir do momento em que são compensáveis e em que possam ser

opostas uma à outra, deverão ser reputados extintos os acessórios da obrigação

principal.

Este princípio é no direito civil alemão sujeito às modalidades do mecanismo

hipotecário do Código Civil, que de acordo com o que consagrava a Lei de 05.05.1872,

permite a desagregação da hipoteca da obrigação principal, para imprimir- lhe o cunho

de um título de crédito territorial (art. 1.177 do Código Civil alemão; Lehr, Droit civil

germanique, n. 117).

No direito civil português a compensação é legal, mas deve ser declarada por

decreto judicial; retrotrai os efeitos à época em que se deu de fato a compensação e tais

efeitos são a cessação dos juros, ainda que uma dívida seja gratuita e a outra vença

juros.

A compensação produz todos os efeitos de verdadeiro pagamento e extingue as

duas dívidas com todas as obrigações correlativas, desde o momento em que se realizar.

(art. 768 do Código Civil português; Dias Ferreira, vol. II, comentário ao art. 765).

O Código Civil argentino declara a hipoteca extinta pela extinção total da

obrigação principal ocorrida por algum dos modos designados para a extinção das

obrigações (art. 3.187) e entre estes menciona a compensação (art. 188).

A compensação depende de decreto judicial que a declare, pois, deve ser

oposta pela parte interessada, o que se deduz dos arts. 820, 821 e 822, do Código Civil.

No direito civil italiano (art. 1.286 do Código) e no espanhol (art. 1.202) a

compensação não depende do decreto judicial; ela produz os seus efeitos extintivos

ainda que os credores e devedores ignorem a existência das duas dívidas e só pelo fato

do concurso dos mesmos.


315. A prescrição da obrigação principal é um modo de extinção desta;

conseguintemente, no caso, a hipoteca acompanha a sorte da obrigação, como acessório

que é (Laurent, vol. 31, ns. 369 e 370; Arntz, Droit civil, ns. 1.914 e 1.918; Direito das

Cousas, § 278).

Se de fato a prescrição não pode ser equiparada aos demais modos de extinção

das obrigações, porque o nexo, o vínculo obrigacional não são propriamente

dissolvidos, mas apenas a ação do credor pode ser inutilizada pela alegação da

prescrição, por parte do devedor, o que autoriza, sem dúvida, o conceito dos que

entendem que a prescrição só tem por efeito afetar o exercício do direito imprimindo-

lhe um cunho de passividade em vez da atividade, que lhe era inerente (Dr. Lacerda de

Almeida, Obrigações, § 92, nota 6.ª); todavia, como este influxo da prescrição sobre a

obrigação principal faz-se sentir de modo a obstar a promanação efetiva das

decorrências jurídicas desta e entre estas a vida e a atividade da hipoteca, menciona-se

como um dos meios de extinção da obrigação principal, que afetam a hipoteca. Esta é,

porém, diretamente afetada pela prescrição em sua própria essência, independentemente

da ação reflexa que advém da força da prescrição sobre a obrigação principal.

316. A destruição da coisa hipotecada, salvo o caso da sub-rogação da mesma

pelo preço do seguro, ou pelo da desapropriação, por utilidade ou necessidade pública;

ou pelo da indenização, é uma causa de extinção da hipoteca, fundada, como já tivemos

ensejo de dizê-lo (n. 44) em uma razão capital – o desaparecimento do objeto do direito

real; este extingue-se, segundo os principais, pela perda da coisa gravada.

Se no caso da destruição civil da coisa a extinção do privilégio tem lugar, no da


destruição material a extinção da hipoteca não pode ser objeto de dúvidas.

Assim é que os privilégios pelas despesas de conservação, pelo pagamento do

preço da venda extinguem-se, desde que as coisas móveis, sobre as quais caírem,

tornarem imóveis por destino ou por incorporação (Laurent, vol. 31, n. 406), o que

importa a destruição civil da coisa; no caso da destruição material o desaparecimento da

coisa, sobre a qual incide a hipoteca; deve a fortiori acarretar a extinção desta.

Se o valor da mesma representado, por qualquer forma, subsiste, a s ub-rogação

da hipoteca por seu valor deve dar-se como conseqüência dos princípios econômicos

que dominam a estrutura da hipoteca – a consignação do preço do imóvel hipotecado ao

pagamento da dívida hipotecária (n. 44 supra), e a hipoteca prevalece sobre o referido

preço. Este ponto, longamente debatido no direito francês, no domínio do Código Civil,

foi resolvido na disposição do art. 10, da Lei belga de 16.12.1851, e na do art. 2.º, § 3.º,

da Lei 1.237, de 24.09.1864, e §§ 5.º e 6.º, do art. 142, do Dec. 3.453, de 26.04.1865: as

disposições, que ressalvam da extinção da hipoteca os casos de sub-rogação

exemplificados, confirmam as anteriores que mantinham sobre o preço do imóvel a

hipoteca que tinha neste o seu assento.

A dúvida que, ainda perante as disposições citadas, pode ser objeto de

apreciação e estudo, é se na hipótese de venda de um prédio hipotecado para ser

desmanchado, subsiste a hipoteca, ou esta extingue-se pelo fato da demolição.

O que constitui o fundamento da questão é tratar-se de prédio levantado sobre

o solo em que o edificante tinha apenas o direito de construir.

Segundo os princípios que expendemos o edifício pertenceria, na hipótese

figurada, ao proprietário do solo, ainda que o edificante tivesse sobre o mesmo solo um

direito de superfície: superficies œdes appellamus, quæ in conducto solo posito sint
quorum proprietas, et civili, et naturali jure ejus, est, cujus et solum (L. 2 D. de

superficiebus): no caso de enfiteuse o mesmo se deve decidir; por força do princípio

omne quod inedificatur, solo cedit – ao senhor do domino direto compete a propriedade

do edifício construído sobre o solo de domínio útil do edificante.

Parece, pois, que a dúvida não tem objeto.

Laurent, porém, insiste nela e a expõe nos seguintes termos:

“Pour qu‟il y ait lieu à difficulté, il faut supposer que la vente n‟a pour objet

que la surface batie pour être démolie. Cette vente est mobilière; est-ce à dire que, dès

l‟instant de la vente et avant la démolition, l‟hypothéque sera éteinte sur le batiment

comme tel? Non; la vente est mobilière entre les parties contractantes, parce que

l‟acheteur achête la maison pour la demolir, c‟est-à-dire des matériaux; mais, à 1‟égard

des tiers, la maison reste ce qu‟elle est, immeuble par incorporation, le code dit même

par nature (art. 518). Il suit de là que le créancier hypothécaire conserve sou

hypothéque, il peut exercer son droit de suite sur 1‟immeuble contre le tiers acquereur;

vainement celui-ci dirait-il qu‟il n‟est pas tiers détenteur d‟un immeuble, qu‟il est

acheteur des matériaux qui composent l‟édifice. Cela est vrai à 1‟ègard da vendeur,

mais la vente ne peut être opposée au tiers detenteur qui n‟y a point figuré” (Laurent,

vol. 31, n. 407).

Mencionamos esta questão, porque a espécie foi objeto de um julgado

favorável à opinião de Laurent, proferido pela Corte de Bruxelas.

No nosso direito, em primeiro lugar, o edifício no caso figurado, não podia ser

objeto de hipoteca, porque como acessório do solo não pode, sem este, ser objeto de

hipoteca; em segundo lugar desde que fosse demolido, na hipótese de ser hipotecado

regularmente pelo dono do solo, a hipoteca continuaria sobre este.


Não temos necessidade de insistir sobre o que e já expendemos (ns. 24, nota c,

e 44 e seguintes).

No caso figurado por Laurent a hipoteca sobre o edifício demolido desaparece,

porque os materiais em que ele se decompõe são coisas móveis, que não podem servir

de assento à hipoteca.

A solução tem grande alcance em referência ao direito hipotecário sobre o

preço dos materiais do prédio: se a hipoteca subsistisse, como opina Laurent, porque em

referência ao credor o comprador é terceiro detentor do prédio hipotecado e como tal

pode ser acionado, o credor teria direito ao preço dos materiais, como sub-rogado nele o

do imóvel consignado ao pagamento da hipoteca, assentada tal sub-rogação em

fundamento igual ao reconhecido nos casos do seguro e da desapropriação forçada:

repelida, porém, a solução por assentar em princípio que não é jurídico, qual o que

admite a hipoteca, em prédio independentemente da do solo em que está edificado, a

solução única é a oferecida pelo Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, § 276, n. 2): a ruína do

edifício não opera a extinção da hipoteca no solo; mas a destruição da coisa hipotecada

arrasta a perda da hipoteca no todo ou em, parte, segundo a perda da coisa é total ou

parcial.

Somente nesta última parte a solução precisa de um reparo.

A hipoteca não pode dar-se parcialmente; ela subsiste in totum sobre a parte do

prédio existente; é a aplicação do princípio da indivisibilidade.

Convém, para ultimar com o caso, tornar saliente que o julgado da Corte de

Bruxelas de 03.05.1862, assentou principalmente na seguinte consideração, de todo o

ponto sem aplicação no nosso direito, “o direito do credor ao preço do edificio não póde

ser contestado porque tal preço representa uma parte da garantia do credor, e o objecto
desta garantia conservou-se immovel até o momento em que foi oferecido o preço”.

317. A renúncia do credor é um dos modos da extinção da hipoteca.

Apurado o poder de alienar um direito real – a renúncia expressa da hipoteca

não oferece dificuldades.

É um ato unilateral, não depende do assentimento do devedor, para sua

exeqüibilidade.

É, porém, permissível a renúncia, sem ser por ato expresso? O nosso direito

reconhece efeitos de renúncia a atos dos quais ela possa decorrer por presunção de

movimento volitivo, por parte, do credor, de liberar o devedor do encargo hipotecário?

O Sr. Lafayette entende que sim e resolve a dúvida afirmativamente nestes

casos:

a) consentimento do credor na venda do imóvel que lhe está hipotecado;

b) assinatura da escritura de venda do imóvel hipotecado pelo credor;

e) consentimento do credor que o devedor hipoteque a outrem o imóvel já a si

hipotecado.

Os escritores franceses e belgas, apoiados nos textos romanos e na inteligência

a eles dada por alguns de seus mais autorizados intérpretes, como Voet, e fundados na

opinião de Pothier resolvem que nos três casos figurados a hipoteca deve reputar-se

extinta.

Porque?

Não se fazendo precisos o consentimento e a assinatura do credor para a venda

do imóvel hipotecado, o que inferir de tais fatos, senão o pensamento de liberar o

devedor do encargo hipotecário?


É a razão de Pothier (Coutume d’Orléans, Tít. 20, Seç. 4.ª, n. 62); com ela está

Voet, desde que o ato tenha execução definitiva, isto é, que a venda não se rescinda por

qualquer fundamento:

“Non aliter creditoris in alienataonem consensu perimitur pignoris jus, quam si

ea vare subsecuta fuerit, eo modo, ac tempore, cæterisque qualitatibus ac circums tantiis

servatis, quibus creditor suum in alienationem consensum circumscripsit. Nam si non

venierit res in cujus venditionem creditor consenserat, vel vendito quidem sit, sed a

venditione recessum fuerit, vel venditio ex aliqua causa inutilis sit, persecutio pignoris

etiamnum salva est” (Ad Pandect. Liv. 20, Tít. 6.º, n. 7).

Os textos romanos parecem consagrar a presunção, com a restrição dada por

Voet. “Creditor que permittit rem veniri, pignoris demitit”, diz Gaio (L. 158 D. de

Regul. Juris).

“Si in venditione pignoris consenserit creditor, vel, ut debitor hanc, rem

permutet, vel donet, vel in dotem det, dicendum erit, pignus liberari: nisi salva causa

pignoris sui consensit (vel venditione, vel cæteris): nam solent multi salva causa

pignoris sui consentire” (L. 4.ª, § 1.º D. quibus modis pignus vel hypotheca solvitur).

“Non videtur autem consensisse creditor, si sciente eo debitor rem vendiderit,

cum ideo passus est venire, quod siebat ubiqui pignus sibi durare; sed si subscripserit

forte in tabulis emptionis, consensisse videtur: nisi manifeste appareat deceptum esse.

Quod observari opportet et sine transcriptio consenserit” (§ 15 da L. 8 D. quib modis).

“Voluntate creditoris pignus debitor vendidit: et postes placuit inter eum et

emptorem, ut a venditione discederent Jus pignorum salvum erit creditori: nam sicut

debitori, ita et creditori prestimum jus restituitur: neque omnimodo creditor pignus

remittit, sed ita demum, si emptorem retineat, nec reddat venditori: et ideo si judicio
quoque accepto venditor absolutus sit, vel, quia non tradebat, in id quod interest

condemnatus, salvum fore pignus creditori dicendum est; hœc enim accidere potius sint,

etiamsi non voluntate creditoris vendidisset”. (L. 10 D. quibus modis pignus).

A presunção da renúncia, quando a alienação perdura e torna-se definitiva está,

não a negá- lo, nos textos citados: há, porém, uma condição: – que não exista expressa a

cláusula de conservar o credor a hipoteca.

Se a restrição existir, não expressa – mas indutivamente compreendida no

próprio fato de consentir o credor na venda, ou de assistir a ela?

Se no caso de segunda hipoteca autorizada pelo credor a conservação ou a

perda da primeira hipoteca, ou ainda a simples renúncia do direito de prelação, – se

podem fundar em intenção presuntiva; como não se dar o mesmo nos casos de

interferência na venda ou de autorização para a mesma? Leia-se com atenção os textos

citados e faça-se o confronto dos mesmos com as Leis 9.ª e 12 D. quibus modis e com o

§ 4.º da L. 12 D. qui potiores.

Justiniano dá grande predomínio ao elemento intencional da renúncia, sobre a

própria expressão literal desta, e ainda sobre os princípios que dominavam no direito

romano a compreensão das hipotecas gerais, na L. 11.ª Cód. de remissione pignoris, em

que faz prevalecer o cunho definitivo, que à renúncia da hipoteca imprimiu a intenção

do renunciante, ao fato jurídico de compreender a hipoteca geral que alcançava os bens

futuros, o imóvel liberado pela renúncia e novamente adquirido pelo devedor.

É saliente o predomínio do elemento subjetivo da intuição, como o faz sentir

Maynz (Droit romain, § 168, nota 26).

Os tratadistas franceses estudam extensamente a renúncia tácita nas três formas

figuradas, em face do direito costumeiro francês e do Código Civil:


Se o credor autoriza nova hipoteca sobre o imóvel deve-se supor que ele

renunciou não a hipoteca, mas o direito de prelação (Pothier, Coutume d’Orleans, Tít.

20, Seç. 4.ª, n. 62; Aubry et Rau, § 292; Laurent, vol. 31, n. 378; Martou, n. 1.340;

Troplong, n. 871; Pont, Hypoth.,vol. 2.º, n. 1.238).

318. Apesar de entender Pothier mais difícil a solução desta do que a das

hipóteses de venda do imóvel hipotecado, todavia é em referência a estes que surgem

dúvidas no, direito francês; elas afetam principalmente dois pontos, um dos quais tem

relação de íntima afinidade com a doutrina do nosso direito.

A assinatura do credor hipotecário, na qualidade de testemunha, em a escritura

da venda do imóvel hipotecado que encerra cláusula de passar esta ao adquirente

liberado de quaisquer encargos e ônus reais, importa a renúncia da hipoteca por parte do

credor?

Pothier, fundando-se na L. 9 § 1.º D. quib mod., pign. solv., resolve

afirmativamente, não propriamente porque se deva julgar estabelecida a presunção da

intentio liberationis por parte do credor, mas porque “s‟il n‟a pas voulu remettre son

hypothéque, il ne peut se disculper d‟avoir, par sa dissimulation, concouru avec le

débiteur à tromper cet aquèreur ou ce nouveau créanciér”.

A solução dada por Modestino na L. 9.ª, § 1.º, D. quib modi pign. etc., parece

ser clara no sentido da opinião de Pothier: “Modestinus respondit, pignus, cui is de quo

quæritur consensit, minime eum retinens posse”.

Parece-nos que a verdadeira solução está nas seguintes palavras de Laurent

(vol. 31, n. 377): “Cela est trop absolu; le créancier ne declare pas que le bien est libre,

il constate seulement par sa signature que la declaration a été faite. Ce qu‟on peut lui
reprocher, c‟est d‟avoir, par sa signature aidé à tromper les tiers, le fait qu‟il a posé est

un fait dommageable; par suite, les tiers ont contre lui une action en dommages

interêts...”

Duranton (vol. 20, n. 301) encontra a solução da dúvida levantada pela

doutrina, quanto á eficiência da renúncia tácita como modo de extinção da hipoteca, no

confronto do n. 2 do art. 2.180 do Código Civil com a disposição do art. 621 que exige a

renúncia do confronto por modo expresso.

Os demais tratadistas e o próprio Duranton oferecem, porém, o critério para

julgar do valor do ato do credor como renunciador da hipoteca, conseqüentemente como

envolvendo a renúncia tácita... “il faut une déclaration de de sa part qu‟il renonce à une

hypothéque, ou du moins qu‟il y ait dans, le contrat quelque clause de laquelle il resulte

évidemment que son intention a eté d‟y renoncer” (vol. 20. n. 301).

“La renociation tacite s‟induit d‟un fait posé par le créancier. Ce fait doit être

de telle nature QU‟IL IMPLIQUE NECESSAIREMENT la volonté de renoncer à l’hypothéque.

C‟est le principe général qui régit toute renonciation tacite. Si l‟on peut donner au fait

allégué contre le créancier une autre interprétation que celle qui implique la

renonciation, le juge ne pourra pas admettre qu’il a renoncé à l’hypothéque.” (Laurent,

vol. 31, 375).

Tais são os princípios que devem ser tidos como dominantes no nosso direito.

Se a escritura pública é exigida como substancial do contrato hipotecário (art.

4.º, § 6.º, do Dec. 169-A, de 19.01.1890, art. 130, do Dec. 370, de 02.05.1890); se a

extinção da hipoteca só começa a ter efeito depois de averbad a no registro e só é

atendida em juízo à vista da certidão da averbação (art. 227 do citado Dec. 370, da

1890); se esta averbação constitui o cancelamento da inscrição (art. 99 do Dec. 70, de


1890); se o cancelamento só pode ter lugar à vista do ato expresso (art. 102 do Dec. 370,

de 1890); como decidir que é possível a renúncia tácita da hipoteca com efeitos práticos

de extinção regular e completa da hipoteca?

Parece-nos que, ao contrário do que doutrinou o Sr. Lafayette no Dir. das

Cousas (§ 276), no sentido de dar-se a extinção da hipoteca, sempre que o credor

autorizar a venda do imóvel hipotecado, ou assinar a respectiva escritura, ou ainda,

consentir que o devedor hipoteque a outrem o imóvel já hipotecado, deve-se entender

que o nosso direito exige a renúncia expressa para que a hipoteca se extinga por força da

desistência do direito real por parte do credor.

A opinião dos que entendem, com Pothier, que o texto do § 1.º da L. 9.ª D.

quibus modis pignus, vel hypoth. solvitur, deve prevalecer entre nós, no caso de ser o

credor testemunha do contrato de venda do imóvel, que lhe era hipotecado, no qual este

se transfere como livre, ataca de frente as disposições dos Dec retos 169-A e 370, de

1890. A solução de Modestino é, como diz Laurent, muito absoluta e só pode servir de

assento a uma ação de perdas e danos.

319. A remissão como modo de extinção da hipoteca não carece de

explanações após o que dissemos sobre ela.

O seu principal efeito sendo resgatar o imóvel hipotecado do ônus real, que o

grava, pagando o adquirente pela sua liberação o preço da aquisição ou o da licitação,

forçosamente deve ela ser contemplada no número dos modos de resolver o nexo da

obrigação hipotecária.

320. A sentença passada em julgado a que se refere o § 5.º do art. 11 do Dec.


169-A é a que anula ou rescinde a hipoteca (Dec. 370, de 02.05.1890, art. 226, § 5.º).

A sentença que mandar reduzir ou cancelar a inscrição, isto é, o registro não

extingue a hipoteca; o julgado em tal hipótese não afeta senão a publicidade da

hipoteca.

É certo que ao cancelamento desta prendem-se, segundo a disposição do art.

227 do Dec. 370, de 02.05.1890, os efeitos da anulação da hipoteca, ainda decretada em

sentença passada em julgado, de modo que a nulidade provada nos embargos opostos à

ação executiva de que trata o art. 15 do Dec. 169-A, de 19.01.1890, pela carta de

sentença que a fulminara, não produzirá o efeito de impedir a condenação se não for

instruída a prova com a certidão da averbação da extinção da hipoteca, isto é, do

cancelamento da inscrição: em todo o caso o que produz a nulidade da hipoteca é o

decreto judicial que a reconhece, de modo algum a que anula o registro.

A disposição do art. 227 do Dec. 370, de 02.05.1890 confundiu os dois fatos

jurídicos e fê- lo propositalmente em benefício do elemento econômico da hipoteca e em

detrimento do elemento jurídico desta.

Dias Ferreira comentando o n. 2 do art. 1.027 do Código Civil português disse:

Em conseqüência da sentença passada em julgado, pode reduzir-se ou cancelar-se uma

inscrição, libertando em todo ou em parte o imóvel obrigado.

É atribuir ao cancelamento da inscrição um efeito que a disposição do Código

só atribui, muito judiciosamente, à anulação da hipoteca; a inscrição cancelada no todo

ou em parte pode ser renovada, e não importa, de modo algum, a anulação da hipoteca:

o preceito do § 5.º do art. 226 do Dec. 370, de 02.05.1890, dispõe de modo preciso,

desde que só declara extinta a hipoteca por força da sentença que a anule ou rescinda,

conquanto no art. 227 faça depender a efetividade do julgado do cancelamento da


inscrição, no que reproduz o preceito do § 6.º do art. 11 do Dec. 169, de 19.01.1890.

Laurent, com fundamento igual ao que deixamos expendido, criticava a

disposição do § 3.º do art. 108 da Lei belga de 16.12.1851, que incluía entre os modos

de extinção parcial da hipoteca, a sentença que restringia a inscrição da hipoteca legal

dos menores, quando feita com excesso sobre a efetiva responsabilidade do tutor.

“La loi s‟exprime mal en disant que 1‟hypothèque est restreinte, c‟est

1‟inscription qui est réduite. Il n‟y a donc pas d‟extinction de 1‟hypothèque légale” (vol.

31, n. 351).

O conceito, em contrário, expresso por Martou (n. 1.342) carece de

fundamento jurídico.

“Lors qu‟en exécution de ces décisions les inscriptions sont rayées ou reduites,

l‟immeuble est libéré soit complétement, soit en proportion de la réduction accordée”.

Thiry responde a este modo de ver de Martou nos seguintes termos:

“L‟hypothèque légale est elle éteinte dans ces cas?

Non, c‟es 1‟inscription qui est radiée pour partie ou même pour le tout; mais le

principe de 1‟hypothèque subsiste” (n. 572 do vol. 4.º).

O Código Civil holandês contempla entre os modos de extinção da hipoteca a

ordem judicial (art. 1.253, n. 3).

O Código Civil chileno preceitua no art. 2.434 que a hipoteca se extingue –

“por la cancellation que el acreedor otorgare por escritura publica, de que se tome razon

al margen de la inscripcion respectiva”.

A hipótese é de verdadeira extinção da hipoteca, produzindo como efeito o

cancelamento do registro, é não esta atuando sobre aquela, com inversão das princípios

de direito.
Disposição idêntica a do Código Civil chileno contém o Código do Uruguai no

art. 2.310.

O Código civil argentino consagra o verdadeiro princípio estabelecendo que a

hipoteca se extingue pela arrematação do imóvel em hasta pública, ainda que não

carecendo do registro.

Desde que o efeito da inscrição é tornar a hipoteca alegável e realizável quanto

aos terceiros, a anulação só depende do cancelamento da inscrição para o mesmo efeito.

O moderno Código Civil alemão estabelece como princípio dominante da

extinção da hipoteca a satisfação do credor pelo imóvel (art. 1.181).

A renúncia do credor acompanhada do levantamento do registro (arts. 1.165 e

1.183) libera o devedor, por extinção da hipoteca, e, em tal caso é conferida ao devedor

pessoal, que tem qualquer direito de indenização contra o credor a quem paga, o

encabeçamento da hipoteca nos termos do art. 1.164. Em tempo oportuno a estudaremos

a desagregação da hipoteca da obrigação principal, que está sancionada no Código Civil

alemão.

321. Além das causas mencionadas no § 5.º do art. 11 do Dec. 169-A, de 1890,

devem ser contempladas entre as que extinguem a hipoteca as que são referidas nos §§

6.º a 10, do Dec. 370, de 02.05.1890. Assim a desapropriação do imóvel por utilidade

pública extingue a hipoteca, porque o imóvel expropriado só passa ao domínio nacional

por ato público, qual o processo utilizado para tal expropriação pelo Decreto legislativo

353, de 12.07.1845.

Na hipótese da desapropriação por necessidade pública regida pela Lei de

09.09.1826 e pelo Dec. 3.084, de 05.11.1898, dever-se-á julgar o imóvel liberado da


hipoteca e esta extinta.

322. A reunião do domínio e do direito real da hipoteca na mesma pessoa é um

caso de consolidação ou confusão no qual não se pode deixar de julgar extinta a

hipoteca, porque o credor, tornando-se proprietário, não pode mais ter sobre o imóvel,

de que ele tem a propriedade completa, um direito real, que se considera, em geral, um

desmembramento do domínio (Laurent, vol. 31, n. 404). É o regime do direito comum

(Martou, n. 1.368).

A confusão deve ter lugar de modo definitivo, como já o fizemos sentir,

quando tratamos dela como modo da extinção da obrigação principal.

Se a consolidação resultante da confusão não for permanente, por cessar esta

em virtude da rescisão da aquisição do imóvel hipotecado, julga-se, por força de

retroação do ato de anulação; nunca se ter dado a confusão.

A distinção entre a anulação da aquisição do domínio em virtude de causa que

retroage ou que não retroage, em que os escritores franceses assentam a solução do caso

com perduração ou extinção da hipoteca, tem efeito prático, entre nós.

O § 7.º do art. 226 declara que a confusão extingue a hipoteca, mas se a

confusão for originária e fundamentalmente nula, por sê- lo a aquisição do domínio por

parte do, credor, não pode dela promanar o efeito da nulidade da hipoteca.

Quod nullum est, nullun producit effectum.

Declarar nula a hipoteca por um fato qne não subsiste, eivado de vício

originário, fora declarar a nulidade sem causa.

323. Quando estudamos a constituição da hipoteca em seu elemento


fundamental dissemos que aquele que tem o domínio resolúvel pode hipotecar o imóvel

objeto desse domínio sob as mesmas limitações deste.

Quando ocorre a efetividade da causa resolutiva, desaparecendo o domínio,

desaparece com ele a hipoteca; esta reputa-se não ter existido, dizem os doutrinadores,

porque a cláusula rescisória tem efeito de retroação (Laurent, vol. 31, n. 403); há, pois,

impropriedade em dizer-se que a hipoteca extingue-se; não se extingue aquilo que nunca

existiu.

Nos casos de resolução do domínio em virtude de revogação deste, o mesmo se

deve decidir, salvo se a revogação da doação tiver lugar por motivo de ingratidão; a

disposição do art. 958 do Código Civil francês está de acordo com o nosso direito (Ord.

do Liv. 4.º, Tít. 63, §§ 9.º e 10.º; Consolidação das Leis Civis, arts. 390, § 3.º, e 423).

Nesta última hipótese a hipoteca feita pelo donatário subsiste, enquanto não for

revogada a doação (Laurent, vol. 31, n. 403; Duranton, vol. 20, n. 341).

O credor do legatário, sob cláusula resolúvel, que houver hipotecado o imóvel,

enquanto condição rescisória do domínio não se tenha, realizado, perde o direito à

hipoteca, que desaparece por ser, de então em diante, à non dominio; a retroação só se

opera em caso de especificação – do contrário a restituição dos rendimentos e dos frutos

colhidos impor-se- ia, por que a resolução do domínio ex tunc produz este efeito.

Do preceito do direito comum, que considera a partilha das heranças ato

meramente declaratório do direito de propriedade (art. 883 do Código Civil francês),

deduzem os escritores que a hipoteca feita por um herdeiro anula-se, extingue-se se o

móvel for, na partilha, lançado ao quinhão de outro herdeiro.

O primeiro julga-se como nunca tendo sido proprietário do imóvel;

conseqüentemente, os direitos por ele consentidos sobre o mesmo imóvel caducam


(Laurent, vol. 31, n. 403).

A hipótese figurada é pouco praticável no nosso direito, salvo no caso de

antecipação de legítima, em que pela colação pode o imóvel, entrado novamente para o

monte partível, ser lançado ao quinhão de outro herdeiro,

A arrematação em praça faz com que o imóvel arrematado passe ao adquirente

livre dos ônus que o gravaram.

A hipoteca existente sobre o mesmo extingue-se.

Assim se um credor por hipoteca não vencida, ainda que anteriormente

inscrito, não pode embaraçar a excussão do imóvel, por credores hipotecários

posteriormente inscritos, porque a lei não lhe proporciona meios impeditivos da

excussão, perde a hipoteca, porque esta extingue-se; dependendo, porém, a prova da sua

extinção da certidão do cancelamento nos termos do art. 227, do Dec. 370, de 1890.

324. Nas causas de extinção da hipoteca não compreendeu o art. 11 supra a

prescrição; a disposição da segunda alínea desse artigo, em que se declara que a

prescrição da hipoteca é sempre a da obrigação, dá a razão ao silêncio do legislador

quanto à prescrição da hipoteca separadamente da da obrigação principal: condenou-a –

fazendo decorrer a prescrição da obrigação acessória da hipoteca da da obrigação

principal.

O § 10 do art. 226 do Dec. 370, de 02.05.1890, inclui entre os modos de

extinção das hipotecas a prescrição extintiva ou aquisitiva.

Parece que ao confeccionar o Ato de 2 de maio, destinado a regulamentar o de

19 de janeiro, o governo pretendeu, julgando obedecer a melhor orientação, alterar

aquele admitindo a possibilidade de prescrever a hipoteca; independentemente da


obrigação principal, e sancionar a doutrina, que reconhece na prescrição da hipoteca

pelo terceiro adquirente e detentor do imóvel hipotecado, a conjunção dos dois fatos

prescritivos – o que atua com força de extinção da obrigação e o que opera por meio da

aquisição do domínio: se em favor do adquirente prescreve a hipoteca pelo decurso de

dez anos entre presentes e vinte entre ausentes, o fenômeno dá-se porque o terceiro

detentor adquire por prescrição o desmembramento do domínio que constitui a hipoteca

e que representa o fracionamento do seu direito de propriedade; quando libera-se o

imóvel pela posse no lapso de tempo de trinta anos – o detentor frui os efeitos da ação

extintiva da prescrição sobre o direito real que gravava o imóvel.

Será isso a combinação do regime do usucapião do Código Civil francês (art.

2.180) com o da prescrição extintiva da Lei belga de 16.12.1851 (art. 108)? ou dever-se-

á entender que a prescrição extintiva refere-se à obrigação principal, e

conseguintemente entende com o devedor, e a aquisitiva ao desenvolvimento do

domínio e só tem aplicação ao terceiro adquirente?

As disposições dos arts. 231 e 232, do citado Dec. 370, respondem à

interrogação de modo cabal.

A prescrição da hipoteca é a mesma da obrigação principal, ela só pode provar-

se por sentença judicial, que a declare; a averbação da extinção da hipoteca, por achar-

se extinta a obrigação principal, só terá lugar em face da sentença; e como, enquanto

não se der tal averbação, que constitui o cancelamento do registro (art. 99 do Dec. 370),

a hipoteca produz seus efeitos contra terceiros (§ 6.º do art. 11 do Dec. 169-A, e art. 103

do Dec. 370), a efetividade da extinção só tem lugar quando a prescrição constar do

registro por meio da averbação da sentença, que reconhecendo a sua ocorrência,

declará- la de modo terminante: dada, porém, a averbação a hipoteca fica de todo o


ponto sem efeito e anula-se, como conseqüência da invalidação da obrigação principal.

Isto quanto ao art. 231.

A disposição do art. 232 faz referência à aquisição do domínio do imóvel

hipotecado, pelo detentor, por força da prescrição aquisitiva de dez anos, entre

presentes, ou de vinte entre ausentes.

Desde que isto ocorra a hipoteca, não podendo continuar a existir, porque o

possuidor de boa- fé adquire livre de qualquer encargo o imóvel, e a prescrição

aquisitiva compreende o desmembramento do domínio, a hipoteca extingue-se.

A disposição é a consagração, sem crítica, do regime do art. 2.180 do Código

Civil francês que os reformadores de 1850 pretenderam revogar e que os legisladores

belgas alteraram, com o fim de estabelecer a prescrição extintiva da hipoteca ligada à

prescrição da obrigação principal, para o devedor, e de trinta anos para o terceiro (art.

108 da Lei belga de 1851; Martou ns. 1.345 e 1.350; Laurent, vol. 31, ns. 385, 387 e

388; Thiry, vol. 4.º, n. 572).

325. Desde que o direito escrito em vigor (art. 11, § 7.º, 2.ª alínea, do Dec. 169-

A, e art. 231, do Dec. 370) só admite a prescrição da hipoteca, como conseqüência da

prescrição da obrigação principal, não pode ter aplicação o que doutrina Lafayette no

Direito das Cousas (§ 278, letra b) sobre a extinção da hipoteca por efeito de uma

espécie de prescrição aquisitiva (libertatis usucapio), conforme a doutrina do direito

francês, fundada no regime da clandestinidade das hipotecas.

Assentando a prescrição aquisitiva de dez ou vinte anos na boa-fé, consistente

na ignorância da existência da hipoteca, a inscrição obrigatória destrói esse fundamento;

as reflexões em contrário, produzidas por Pont, só colhem no caso em que a inscrição


subsista apesar de estar paga a dívida hipotecária (Pont, n. 1.250); mas como a inscrição

faz prevalecer a hipoteca quoad tertios enquanto não cancelada, o terceiro adquirente

não pode estar de boa-fé sobre a liberação do imóvel, quando a inscrição perdura.

As disposições citadas do nosso direito escrito em vigor representam a situação

mais adiantada da doutrina em referência à prescrição da hipoteca: a tendência, porém,

revelada na legislação alemã (Lei de 05.05.1872, Código Civil de 18.08.1896) de

separar a hipoteca da obrigação principal levará naturalmente a um regime prescritivo

da dualidade idêntico ao anteriormente em vigor no direito romano e do direito francês

costumeiro, que a lei belga repeliu.

Sem uma rápida vista lançada sobre a marcha evolutiva da prescrição da

hipoteca, não é facilmente compreensível a disposição do nosso direito escrito,

preferível, como revelação de melhor intuição jurídica, ao do direito português antigo

(Ord. do Liv. 4.º, Tít. 3.º) inspirado no mecanismo hipotecário do direito romano.

326. A ação hipotecária não se extinguiu no antigo direito romano pela

prescrição, esta não tinha, como efeito, extinguir nem sequer a própria ação pessoal

proveniente da obrigação principal; a longi temporis præcripto, alegada como exceção

na ação serviana, tirava a eficácia da hipoteca por um meio indireto (L. 44, § 5.º, D. de

ususpation. et usucapion; LL. 5.ª § 1.º e 12 D. de diversis temporalibus præscription).

A prescrição trintenária das ações pessoais foi estabelecida pelos imperadores

Honório e Teodósio (na L. 3.ª, Cod. de præscription 30, vel 40 annorum): “Sicut in rem

specialis, ita de universitate, ac personales actiones ultra triginta annorum apatium

minime prætendantur: sed si qua res, ver jus aliquod postulatur, vel persona qualicum

que actione, ver persecutione pulsatur, nihil omnis erit agenti triginta annorum
præscriptio metuendo.”

A ação hipotecária foi declarada extinta, mais tarde, pelo imperador Justino,

por prescrição de quarenta anos.

“Quamobrem jubemus hypotecarum persecutionem quæ rerum movetur gratia,

vel apud debitores consistentium, vel apud debitorum heredes, non ultra quadraginta

anos ex quo competere cæpit, prorogari, nisi conventio, aut ætas intercesserit &” (L. 7.ª,

§ 1.º, Cod. de pæscript. XXX, vel XL annorum).

Esta diferença de lapso de tempo entre a prescrição da obrigação principal e a

da ação hipotecária era devida à necessidade de garantir esta a obrigação natural, que

subsistia, segundo o direito romano, após a extinção da obrigação

“Ratio esse, diz Perezius (citado em Martou), videtur quia præscriptione civilis

quidem obligatio tollitur, at naturalis manet, que pignoris vinculum sustinetur.”

Era uma anomalia o concurso destas duas prescrições e Martou (n. 1.344)

transcreve o justo reparo de D‟Argentré a tão singular fato, que e o direito moderno

condena in limine por não ligar efeito semelhante à denominada obrigação natural, de

que trata o art. 1.235 do Código Civil francês, a qual, como diz Laurent, só é

reconhecida pela lei, no momento em que se extingue pelo pagamento (n. 385).

Na fase do direito justinianeo a constância da posse do imóvel do tempo de dez

ou de vinte anos conferia a propriedade livre, desde que o possuidor por justo título

ignorasse a existência da hipoteca a que estivesse sujeito o imóvel (L. 8.ª pr. Cod. de

præcr. XXX vel XL annorum).

Justiniano assim se exprime na Constit. supra:

“Si quis emptionis, vel donationis, vel alterius cujus cumque contractus titulo

rem aliquam bona fide per decem vel viginta annos possiderit et longi temporis
exceptionem contra dominos ejus, vel creditores hypothecare ejus pretendentes sibi

adquisierit, posteaque fortuito casu possessionem ejus vi perdiderit: posse eum etiam

actionem ad vendicandam rem eandem habere sancimus &.”

Aquele imperador diz ser esta a doutrina consagrada nas antigas leis: – “hoc

enim et veteres leges (si quis eos recte inspexerit) sanciebant”.

O § 1.º desta mesma constituição consagrava a prescrição na falta do justo

título por parte do possuidor, desde que, em boa-fé, possuísse pelo tempo de quarenta

anos: “nisi ipse injustus possessor triginta, vel quadraginta annorum, ex eo tempore

computandorum, ex quo prior possessor, qui evincit, possessione cecidit, excepcione

munitus est”.

O terceiro possuidor, que sabia que a coisa estava hipotecada, não adquiria por

prescrição a liberdade do imóvel; no entanto, a lei permitia opor à ação hipotecária a

prescriptio temporalis, ainda aos possuidores de má-fé (Maynz, Direito romano, vol. 1.º

§ 168, p. 922; Van Wetter, Droit romain, § 282; Serafini, Direito romano, § 99).

327. No direito francês sempre que o imóvel se acha em poder do devedor a

prescrição da hipoteca opera-se justamente com a prescrição da obrigação principal: a

ação hipotecária e a pessoal fundem-se e vivem uma vida comum; de modo que se a

ação principal tem a sua prescrição interrompida, a prescrição da ação hipotecária é

igualmente interrompida, sem que haja necessidade de praticar o credor qualquer dos

atos a que a lei liga o efeito de interromper a hipoteca; conservar o direito creditório

contra o devedor, importa conservar o direito à hipoteca, que é o acessório e a garantia

(P. Pont, Hypoth., vol. 2.º, n. 1.212 a 1.244; Troplong, Hypoth., vol. 4.º, n. 877;

Duranton, vol. 2.º n. 306).


Os escritores tornam saliente que assim compreendida a prescrição não é um

modo especial de extinção da hipoteca; mas que esta se extingue pela prescrição da

obrigação principal e que a referência do art. 2.180 do Código Civil francês à prescrição

é uma duplicação escusada.

Estão, porém, de acordo em ver na referência à prescrição, como modo de

extinguir a hipoteca, o intuito de acabar com a disparidade do direito romano entre a

prescrição da obrigação e a da hipoteca, revogar o direito anterior que naquela se

apoiava (Duranton, vol. 20, n. 308; Pont, n. 1.242; Troplong, vol. 4.º, n. 877; Laurent,

vol. 31, n. 385; Martou, n. 1.345; Thiry, vol. 4.º, n. 572) e deixar estabelecido que a

prescrição da ação hipotecária não deve ser diferente da da obrigação principal, quanto

ao lapso do tempo.

328. Além da prescrição da hipoteca, ligada à prescrição da obrigação

principal, o art. 2.180 do Código Civil francês admite que o terceiro possuidor de um

imóvel hipotecado possa adquirir por prescrição a liberação do imóvel; para tal fim a lei

exige que o possuidor tenha a sua posse revestida dos elementos e das condições

precisas para dar-se a prescrição aquisitiva do imóvel.

Assim, se ele tiver título e boa-fé prescreverá em dez anos entre presentes e em

vinte entre ausentes; no caso de falta destes elementos a prescrição exige o lapso de

tempo de trinta anos; ainda mais, se a prescrição for, por força de disposição de lei,

sujeita a menor lapso de tempo para aquisição do imóvel, a mesma condição vigorará na

prescrição do terceiro possuidor (Pont, vol. 2.º, ns. 1.246 e 1.247; Troplong, Hypoth.,

vol. 4.º, n. 878; Duranton, vol. 20, ns. 211 e 312).

O direito belga trouxe uma modificação a esta disposição da lei francesa.


O n. 5 do art. 108 da Lei de 16.12.1851 só permite que o terceiro possuidor

prescreva contra a hipoteca pelo lapso de tempo de 30 anos.

Rejeitou esta lei a prescrição pelo lapso de dez ou de vinte anos, porque, graças

ao regime de publicidade estabelecido, o terceiro, devendo estar sempre no

conhecimento da existência da hipoteca, não pode ser considerado em boa- fé (Thiry,

vol. 4.º, n. 572).

Laurent critica este fundamento, como não podendo ter sido o da lei, apesar de

estar de acordo com o que expendeu Lelièvre em seu relatório perante a câmara belga.

Seria estabelecer uma presunção de má- fé, quando o legislador presume

sempre a boa-fé; basta que esta seja, como na hipótese, uma questão de fato, para que a

lei não possa presumir a má- fé. Acresce que o terceiro possuidor pode ser legatário ou

donatário e como tal ignorar os encargos hipotecários do imóvel (Laurent, vol. 31, n.

388).

A razão da disposição da lei está, segundo Laurent (loco citato), em que a

usucapião, como modo de extinção da hipoteca, exporia a um grave perigo o credor

hipotecário.

Se o terceiro adquirente prescrevesse a hipoteca por dez anos, o credor deveria

estar em contínua vigilância para interromper a prescrição; no entanto, ele pode ignorar

a venda, a doação e o legado que transferirão o domínio do imóvel para o poder do

adquirente, terceiro detentor. É por esta razão que a lei exige que esta só possa invocar a

prescrição de longo tempo (Laurent, vol. 31, n. 388).

Este escritor torna saliente a diferença entre os casos de, prescrição da hipoteca

pelo devedor e pelo terceiro detentor.

“No primeiro só ha a prescripção extinctiva actuando para o desapparecimento


da obrigação principal; no segundo, destacando-se a acção hypothecaria da pessoal, que

se achavam reunidas emquanto o immovel estava na posse do devedor, o credor tem

dois direitos: um contra o devedor, uma acção pessoal nascida do nexo da obrigação –

este direito extingue-se pela prescripção da obrigação; outro contra o terceiro possuidor;

é uma acção real – o direito do credor só prescreve com o lapso de trinta annos”

(Laurent, loc. cit.).

Esta duplicação de prescrição, uma em favor do devedor ligada à obrigação

principal, outra, para o terceiro detentor do imóvel hipotecado, ligada à prescrição da

obrigação principal e por outro lado, agindo com força aquisitiva, levando à

consolidação do direito real in re aliena com a propriedade adquirida sobre o imóvel, é

um defeito capital no mecanismo da extinção das hipotecas.

“Mantendo uma prescripção especial em proveito do terceiro detentor, a lei

moderna cedeu erradamente á influencia das tradições. O que fez admittir, no antigo

direito, esta prescripção, foi a clandestinidade das hypothecas; a circulação dos bens

teria sido embaraçada de modo funesto, si se deixasse os adquirentes indefinidamente

sob o peso de encargos desconhecidos. Mas sob o imperio dos costumes que

consagravam, como a nossa recente legislação, o principio da publicidade de todos os

direitos reaes, a existência desta prescripção especial não era considerada justificada”

(Martou, n. 1.350).

329. “Figure-se que o possuidor adquiriu o immovel do verdadeiro dono (a

domino) e por titulo legal, mas que o immovel lhe veiu onerado de hypotheca. Neste

caso o possuidor o prescreve, não para adquirir o dominio, que lhe foi transferido por

titulo que dispensa a prescripção, mas tão sómente para libertal-o da hypotheca.
Eis, pois, a prescripção acquisitiva da liberdade do predio a funccionar, sem o

concurso da prescripção aquisitiva do domínio.” (Lafayette, Dir. das Cousas, § 278).

É o processo prescritivo da hipoteca estabelecido no direito francês e no belga

em favor do terceiro possuidor, profligado por Martou, no trecho que transcrevemos, e

que a legislação de 1890 aboliu de modo peremptório estatuindo que a prescrição da

hipoteca não pode ser independente e diversa da prescrição da obrigação principal.

A Lei 1.237, de 24.09.1864, já continha disposição idêntica (art. 11, § 7.º, 2.ª

alínea), reproduzida no art. 254 pelo Dec. 3.453, de 26.04.1865; quando se admitia no

Direito das Cousas a prescrição da hipoteca sem ser pela forma extintiva da obrigação

principal, e sim pela modalidade aquisitiva do desmembramento do domínio

constitutivo da hipoteca, já a lei condenava essa forma de prescrição, que parece haver

se mencionado naquele excelente livro, como elemento instrutivo da história da

evolução da vida da hipoteca entre nós.

Teixeira de Freitas na terceira edição da Consolidação das Leis Civis dava

como prejudicada a disposição do § 1.º da Ord. do Liv. 4.º, Tít. 3.º pela do art. 254 do

Regulamento promulgado pelo Decreto de 26.04.1865 (nota 8.ª ao art. 1.326).

330. Comentando o art. 1.026 do Código Civil português diz Dias Ferreira:

“Mas quanto ás hypothecas, durará a acção hypothecaria tanto tempo como a

acção principal? De certo. E por isso o Código deveria em o n. 3.º do art. 1.027 referir-

se unicamente aos ns. 1.º e 2.º do art. 1.026, visto que, com relação ás hypothecas, a

prescripção não é meio de as extinguir, isto é, nas hypothecas extinctas pela

prescripção, a extincção dellas é consequencia immediata, não da prescripção da

hypotheca, mas da extincção da obrigação principal.”


Por isso no projeto primitivo vinha a seguinte disposição, contida no art. 1.040,

que a comissão revisora eliminou: “A obrigação hypothecaria inscripta, só póde ser

prescripta, tanto em favor do devedor, com do terceiro possuidor; por effeito da

prescripção da obrigação principal”.

A supressão teve como fundamento, segundo se depreende do que fica dito, o

ser reputada desnecessária.

§ 6.º A extinção das hipotecas só começa a ter efeito depois de averbada no

competente registro e só poderá ser atendida em juizo á vista da certidão do

averbamento.

331. O art. 227 do Dec. 370, de 02.05.1890, reproduz a disposição supra.

Não há senão coerência, com o mecanismo de publicidade adotado pela

legislação de 1890, na disposição do § 6.º do art. 11 do Dec. 169-A, de 19.01.1890.

Se a inscrição da hipoteca é o único fato que imprime à mesma validade contra

terceiros; se para estes é de todo o ponto desprovido de efeitos o contrato hipotecário,

que se conserva em estado de clandestinidade, e se os objetivos da hipoteca – a

preferência e a seqüela – se exercitam erga tertios, forçosamente a lei devia tornar a

anulação da hipoteca, para com estes, dependente da eliminação do desaparecimento do

registro – ao qual prende-se a vida da hipoteca para a efetividade da prelação e da

seqüela.

Se a lei abrisse ensejo à hipoteca de alegar o devedor em juízo a extinção da

hipoteca pelo pagamento e o credor não pudesse, opor a tal alegação a certidão do

registro atestando a publicidade da hipoteca por meio da inscrição, despojar-se- ia este


meio de publicidade da força, sem a qual a sua ação anular-se-á; melhor fora voltar ao

regime da clandestinidade do direito romano, do antigo direito francês e do nosso

próprio, no tempo em que os contratos hipotecários regulavam-se pela Lei de

20.06.1774.

Não é licito alegar a extinção da hipoteca, por qualquer das causas

mencionadas no art. 11 do Dec. 169-A, de 1890, sem juntar como documento

comprobatório essencial, a certidão do cancelamento da hipoteca: quer se trate de

nulidade da hipoteca de pleno direito, quer daquelas que dependem de declaração por

sentença proferida pelo poder judiciário.

Enquanto não for cancelado, o registro produz todos os seus efeitos, ainda que

o contrato esteja invalidado por qualquer fundamento (art. 103 do Dec. 370, de

02.05.1890).

Se o registro tiver eiva de nulidade de pleno direito, provada a existência de tal

vício substancial, a inscrição reputa-se anulada, ainda que não tenha sido cancelada.

Esta disposição do parágrafo único do art. 103 afeta o registro e não a relação

deste com a obrigação hipotecária.

Esta reputa-se em inteiro vigor, quanto aos terceiros, – enquanto não só

demonstrar documentalmente:

a) que o registro foi cancelado;

b) que foi provada contra o mesmo nulidade de pleno direito.

Como o efeito desta prova é a invalidade da inscrição, como esta invalidade

deve constar do registro e o meio de consegui- lo é mencioná- la na coluna das

averbações da folha em que são lançados os registros, e como nessa averbação é que

consiste o cancelamento (art. 99 do Dec. 370, de 1890), segue-se que as inscrições


afetadas de nulidade de pleno direito se provam por modo idêntico ao por que se prova

o cancelamento do registro.

Assim deve ser entendida na prática a disposição do parágrafo único do art.

103 do Dec. 370, que se deve conciliar com as disposições do § 6.º do art. 11 supra, do

Dec. 169-A e com o art. 227 do Dec. 370.

Estas disposições não permitem que se conforme a nossa doutrina com a

expandida por Paul Pont (n. 1.105).

O efeito do cancelamento não depende, segundo este escritor, de que se opere

materialmente a radiação da inscrição; esse efeito liga-se ao ato da anulação e do

levantamento da hipoteca por extinção.

“Dès que cet act est consenti, il a toute so n efficacité, et avant même que le

conservateur ait rayé matériellement 1‟inscription hipotecaire, l‟immeuble s‟en trouve

dègrevé‟‟ (Pont, loc. cit.).

Nada menos exato no nosso direito: desde que se reconheça na inscrição da

hipoteca o critério da sua perduração para com os terceiros, é forçoso concluir que à

eliminação da inscrição prende-se a liberação do imóvel, quoad tertios.

É por isto que, com grande coerência, o art. 227 do Dec. 370 só permite que se

reconheça, em juízo, a extinção da hipoteca, em face da certidão do cancelamento da

inscrição.

O próprio escritor citado é levado à conclusão idêntica desde que estuda em

todos os efeitos a radiação da inscrição.

“Ainsi, un créancier revoquerait la main- levée qu‟il aurait consentie avant que

1‟inscription eût eté rayée par le conservateur, la main- levée n‟en serait pas pour cela

anéantie; elle resterait apposable au créancier non seulement par le débiteur, mais
encore par les tiers qui auraient traité aves le débiteur, et AURAIENT PRIS INSCRIPTION

AVANT QUE LA RADIATION EUT ETE MATERIELLEMENT EFFECTUEE.” (N. 105 citado.)

No final do n. 1.106 acrescenta:

“(...) vis-à-vis de ceux qui ne se seraient inscrits que postérieusement à la

revocation, l’inscription non rayée effectivement quoique la main-levée en ait èté

consentie conserve ses ffectes et son rang: c‟est jurisprudence de la Cour de Cassation”.

Laurent justifica, com a costumada precisão e clareza de conceitos, a doutrina

da nossa legislação de 1890, que é a que domina a belga nos seguintes termos:

“Quando produz seus effeitos o levantamento da inscripção?

Os escriptores ensinam em sua maioria que o cancellamento perderá seu effeito

desde que é consentido pelas partes e antes mesmo que o official haja cancellado a

inscripção. Fundam-se em que o levantamento é um acto unilateral e como tal não exige

o concurso das partes interessadas.

O principio é verdadeiro; não se tira, porém, della uma conclusão falsa? Dizer

que a, renuncia é acto unilateral, é, porém, dizer igualmente que o credor póde mudar de

vontade emquanto não existir facto consummado, isto é, emquanto não fôr adquirido

direito por terceiro; ora, os terceiros não se podem prevalecer do levantamento

emquanto a inscripção não fôr cancellada, porquanto a inscripção nos registros

conserva seu effeito emquanto subsiste”.

“(...) Parece-nos que um acto que interessa a terceiros só tem effeito quando os

terceiros podem conhecel-o; isto é, principalmente verdadeiro em referencia ás

inscripções hypothecarias que não têm outro fim senão o interesse dos terceiros; ellas

devem, pois, subsistir emquanto não são cancelladas, e, por conseguinte, o

cancellamento não póde ter effeito emquanto não se effectua nos registros” (vol. 31, n.
225).

A extinção das hipotecas só começa, a ter efeito, depois de ser averbada no

competente registro, e só pode ser atendida em juízo, quando é apresentada a certidão

do averbamento (art. 1.028 do Código Civil português).

O Código Civil argentino, dispensando o cancelamento para a extinção

definitiva da hipoteca, no caso de venda do imóvel em hasta pública, ordenada por

autoridade judiciária, com citação dos credores hipotecários, estabelece a necessidade

do cancelamento da inscrição em outros casos da extinção da hipoteca (art. 3.196).

§ 7.º Se na época do pagamento o credor se não apresentar, para receber a

dívida hipotecária, o devedor liberta-se pelo depósito judicial da importância da mesma

dívida e juros vencidos, sendo por conta do credor as despesas do depósito, que se fará

com a cláusula de ser levantado pela pessoa a quem de d ireito pertencer (art. 228 do

Dec. 370).

Art. 229 do Dec. 370:

Efetuado o depósito, será notificado por editais ao credor, ou às pessoas a

quem pertencer.

Art. 230. À vista da certidão autentica do depósito, o oficial do registro lavrará

a competente averbação.

332. As disposições supra consagram o princípio de direito comum, que

reconhece ao devedor o direito de pagar a dívida no vencimento, como meio de liberar-

se, o que pode ainda tornar-se da maior importância prática, se com a prestação do

pagamento ele desonerar imóveis gravados de hipotecas (Demolombe, vol. 28, n. 63).
Na censura de direito a faculdade de pagar por consignação ou depósito do

preço supõe a existência de qualquer obstáculo proveniente do credor, do litígio da

dívida, de embargo desta em poder do devedor, ou de ônus que grave a coisa comprada,

ou de obrigação a cuja solução esta esteja adstrita (Dec. 737, de 25.11.1850, art. 393;

Código Civil francês, art. 1.257; Código Civil holandês, art. 1.440; Código Civil

italiano, art. 1.259; Código suíço das Obrigrações, art. 107; Código Civil argentino, art.

757; Código Civil espanhol, art. 1.176; Código Civil alemão, arts. 293 e seguintes;

Código Civil português, art. 759).

Tendo por fim evitar que os imóveis perdurem gravados de hipoteca e o crédito

do devedor afetado, quando este proponha-se a pagar a dívida no vencimento, o

legislador de 1890, reproduzindo disposição da Lei de 24.09.1864, permitiu que o

devedor hipotecário pague por depósito da importância da dívida, desde que no dia do

vencimento o credor não comparecer a receber, ainda que não oponha qualquer dos

obstáculos que segundo o direito romano, o nosso direito escrito, a doutrina geralmente

consagrada e as disposições dos códigos estrangeiros, legitimam o recurso ao modo de

pagamento por depósito. A consignação do valor da obrigação opera a extinção da

dívida, sem a translação da propriedade da coisa, dada em solução, ao credor; para tal

efeito exige-se que o depósito seja efetivo e real; porquanto à recusa do credor remedeia

a decisão judicial declarando efetivo o pagamento por consignação: além de que um

fato de grande alcance promana da recusa, ou da mora da aceitação por parte do credor

– os juros cessam de correr e a quantia ou a coisa depositada não fica a risco do devedor

e sim do credor (Laurent, n. 203; Aubry et Rau, vol. 40, § 322, notas 12 a 15); salvo se a

recusa do credor fundar-se em não concorrerem na consignação os requisitos sem os

quais o pagamento não pode ser tido como válido, caso em que só a decisão judicial,
julgando regular a consignação, libera o devedor, in totum, isto é, quanto aos fins

estipulados e a quantia que constitui o valor da dívida (Dr. Clovis Bevilaqua,

Obrigações, § 38; Dr. Lacerda de Almeida, Obrigações, § 74; Coelho da Rocha, Inst. de

Direito Civil, § 151; Corrêa Telles, Dig. Port., Liv. 1.º, Tít. 10, arts. 1.120 e 1.121). É

esta a doutrina corrente no nosso direito.

Na hipótese do § 7.º do art. 11. do Dec. 169-A, de 1890, porém, o simples fato

de não comparecer o credor hipotecário a receber a dívida hipotecária, autoriza o

devedor a fazer a consignação da importância da mesma dívida e dos juros vencidos, e,

feito o depósito, liberta-se do encargo da obrigação: é a consagração do princípio do

direito moderno em referência a liberação do devedor pela consignação (Laurent; Aubry

et Rau, loc. supra cit.; Demolombe, vol. 28, n. 141; Duranton, vol. 2.º, n. 225).

Assim simplesmente o fato do depósito, regularmente feito, libera o devedor

hipotecário; a prova de sua realização autoriza o cancelamento da hipoteca; esta deve

ser efetuada pelo oficial do registro logo que lhe for apresentada a certidão do depósito

(art. 230, do Dec. 370, de 02.05.1890).

Conseguintemente no regime do direito hipotecário em vigor a consignação da

importância da dívida, libera o imóvel ou imóveis hipotecados, porque ela não pode, em

desacordo com os princípios gerais, que dominam o pagamento por consignação, ser

retratada; apenas feito o depósito é ele notificado, por editos, ao credor, aos fiadores ou

a quaisquer interessados, para fazerem as reclamações, que se lhe oferecerem, ou virem

levantar o depósito: em todo o caso o devedor fica liberado pelo simples fato da

consignação.

A recusa de levantar o depósito, por parte do credor hipotecário, não afeta a

situação do devedor a consignação libera-o de modo definitivo.


Era o que dispunham as Leis 9, Cód. de solutionibus et stipulationibus e 19,

Cód. de usuris.

No primeiro destes textos os imperadores Deocleciano e Maximiniano

estabeleceram o princípio peremptória e decisivamente.

“Obsignatione totius debitæ pecuniæ solemniter facta, liberationem contingere

manifestum est.”

No segundo o imperador Filipe desenvolve, com maiores fundamentos, o

mesmo princípio.

“Acceptam mutuo sortem cum usuris licitis créditoribus post contestationem

offeras, at si non suscipiant, consignatam in publico depone, ut cursus legitimarum

usurarum inhibeatur: in hoc autem casu publicam intelligi opportet, vel sacratissimos

ædes, vel ubi competens judex super ea re aditus deponi eos disposuerit, quo subsecuto,

etiam periculo debitor liberabitur, et jus pignorum tollitur, etc.”

No direito inglês a oferta do pagamento por parte do devedor libera-o, ainda

que o credor a recuse (Ernest Glasson, Droit et Instit. De l’Anglaterre, vol. 6.º, p. 379).

No direito suíço a consignação da importância da dívida libera ipso facto o

devedor, desde que houver notificação do credor: “On ne voit pas comment le débiteur

serait libéré à l‟ègard du créancier par un simple dépôt, qui n‟a pas été porte à la

connaissance de la, partie directement interessée et dont celle ci n‟a pu tirer parti. Et, en

vèrité, que serait une mise à disposition qu‟on laisserait ignorer à celui envers lequel

elle doit avoir eu lieu” (Virgile Rossel, Manuel du droit fédéral des obligations).

“Le regule relative alla forma attuale delle offerte reali ed alla consegnazione o

depósito variano a seconda della natura dell‟oggetto della prestazione. Cosi, quando il

creditore di una somma di danaro rifiuta il pagamento di essa, il debitore od il terzo che
intende fare il pagamento, giusta gli articoli 1.238, 1.260, é autorizzato a liberarsi col

mezzo d‟una consegnazione o depósito preceduto da offerte reali. Si chiamiano offerte

reali, in opposizione alle offerte puramente verbali o labiali per indicare che devono

essere accompagnate dalla presentazione effettiva dalla somma dovuta.” (Cattaneo e

Borda, Comment. ao art. 1.259 do Código Civil italiano.) Veja-se Mattirolo, Diritto

giudiziario civile italiano, vol. 6.º, n. 932.

333. Das disposições dos Decretos 169-A e 370, de 1890, supratranscritas

decorre que ao devedor não é lícito, depois de feita a consignação, retirá- la.

Conquanto em face da disposição do art. 1.261 do Código Civil francês ao

devedor assista o direito de retirar a consignação, antes de haver esta sido aceita pelo

credor, o que, no entender dos comentadores e tratadistas, torna patente que a lei

considera o devedor proprietário da coisa consignada em pagamento, até que o credor

aceitando-a torna o pagamento definitivo (Laurent, vol. 18, ns. 204 e 210); todavia a

doutrina consagrada no § 7.º do art. 11 do Dec. 169-A, de 1890, é a mais consentânea

com o fim da consignação e evita as dúvidas a que abrem espaço as disposições dos

arts. 1.257, 1.258 e 1.261 do Código Civil francês.

O nosso legislador ateve-se ao princípio romano exarado na Lei 9.ª, Codicis de

solutionibus et stipulationibus.

A consignação da importância da dívida libera o devedor; no direito francês o

preceito do art. 1.257 do Código Civil supõe feita a consignação após ofertas reais ao

credor e por isso os doutrinadores, interpretando as expressões, aliás formais do citado

artigo do Código, estatuem, como ponto líquido: “Que les offres reélle libèrent le

débiteur, pour vu qu‟elles soient suivies de consignation; de sorte que si le débiteur


consigne, il est libéré à partir de la consignation” (Laurent, vol. 18. n. 200); sendo assim

não há coerência em tornar possível a retratação do devedor antes da aceitação da

consignação pelo credor, que já conhece as ofertas de pagamento, cuja últimação opera-

se pela consignação.

Acresce que no nosso direito comum um dos fins do pagamento por

consignação é liberar o devedor, quando o credor recusa aceitar o pagamento (Clovis

Bevilaqua, Obrig., § 38; Lacerda de Almeida. Obrig., § 74; C. da Rocha; Not. de

Direito Civil, § 150; Corrêa Telles, Dig. Port., Parte 1.ª; art. 1.120; Dec. 737, art. 393, §

1.º); como, pois, tornar incerto o efeito da consignação, enquanto não se dá a aceitação

do credor?

As conseqüências do direito reconhecido ao devedor de retirar a consignação,

são graves.

A dívida renasce, os acessórios desta revivem com ela, o que prova, como diz

Laurent (n. 206), que a liberação não foi definitiva, a despeito do que dispõe o art. 1.257

do Código Civil francês e do que o próprio Laurent doutrina no n. 200 do vol. 31 dos

seus Princípios de Direito Civil: se a dívida tivesse sido extinta pelo fato da

consignação a renúncia do devedor à consignação teria com resultante a renúncia à

liberação desta decorrente, no que afeta juridicamente à sua pessoa; não teria, porém,

força de fazer reviver uma dívida extinta com prejuízo dos direitos adquiridos de

terceiros. A dívida não estava extinta, conseguintemente tais direitos adquiridos não

existiam! No entanto, a consignação da oferta real do pagamento libera o devedor!

O que se exige no nosso direito para que o pagamento da dívida hipotecária,

por consignação, libere o devedor?

Que o credor não se apresente a receber no vencimento, que o depósito seja


realizado e que, à vista da certidão autêntica do mesmo, o oficial do registro cancele a

inscrição.

No direito francês o julgamento da consignação importa aceitação forçada por

parte do credor; o pagamento torna-se definitivo, o devedor não pode retirar a

consignação, o que é bem de ver, desde que foi o próprio devedor quem provocou a

ação judicial.

É lícito ao credor, no nosso direito, provocar a decretação judicial da nulidade

da consignação?

Não há como contestá- lo.

A nulidade pode afetar a substância do pagamento como se o depósito não

corresponder ao valor da dívida, ou a modalidade do mesmo, como se não tiver sido

realizada nos cofres públicos, por ordem de juiz competente.

A sentença que julgar nulo o depósito invalida o pagamento, a liberação do

devedor hipotecário não pode ter lugar – quod nullum est producit effectum – da

consignação nula não pode decorrer efeito regular.

Se a sentença julgar válida e regular a consignação, atacada pelo credor, o

pagamento torna-se definitivo e deve-se dar cumprimento aos arts. 229 e 230 do Dec.

370, de 02.05.1890.

A doutrina consagrada no art. 1.262 do Código Civil francês é que, em tal

hipótese, o devedor não pode arrepender-se e retirar a consignação: aplica-se entre nós,

o que dissemos supra; sendo definitivo o pagamento, pela subsistência da consignação,

não pode o devedor retratá-lo depois de feito.

O que doutrina Coelho da Rocha no § 151 das suas instituições do direito civil

português não tem aplicação entre nós.


Art. 12. O cancelamento tem lugar por convenção das partes e sentença dos

juízes e dos tribunais.

334. Desde que é à inscrição que se prende a eficácia da hipoteca, desde que

esta, enquanto não registrada, constitui para o credor uma garantia nominal e sem efeito

prático da execução da obrigação, porque não assegura à solução da dívida oriunda do

contrato a consignação do valor dos bens a isso destinados pelo devedor, compreende-se

que ao ato que importa a supressão da inscrição liga-se a sorte dos mais elevados

interesses, que o direito abriga sob a proteção de um regime de exceç ão, em o qual

separa-se do patrimônio do devedor certos e determinados imóveis para consagrar o seu

valor à solução de um credor, com preferência sobre os outros, e torna efetivo e real este

direito singular, por meio da faculdade de subtraí- los ao poder de terceiro possuidor,

titulado e de boa- fé, para apurando-lhes o preço solver por este o crédito prelaticiamente

colocado em relação aos demais.

Porque enxergam na inscrição a manifestação da hipoteca (Laurent, vol. 31, n.

148; Troplong, Hypoth., vol. 3.º, n. 737) e o ato de que depende a sorte desta (Martou,

n. 1.179), alguns escritores vêem no desaparecimento da inscrição o sinal material da

extinção da hipoteca, de modo a estabelecer-se a presunção deste fato, como

decorrência daquele (Duranton, vol. 20, n. 184).

Se a presunção carece de assento científico, por não haver por onde considerar

o fato da publicidade do direito real elemento componente da estrutura deste, de modo a

afetar o desaparecimento do registro a vitalidade da hipoteca; todavia, segundo a noção

moderna, que apóia na publicidade os dois efeitos, que justificam a existência da


hipoteca – a prelação e a seqüela – por meio dos quais faz ela sentir a sua ação jurídica

quoad tertios, a ligação da vida da hipoteca à perduração da inscrição é um fenômeno

que a doutrina tem consagrado, como consectário natural do princípio que domina o

regime atual da publicidade.

Se é inconcebível a hipoteca, com seus elementos substanciais de prelação e

seqüela, em atividade, sem a inscrição; se esta é para os terceiros a única revelação da

vitalidade daquela, é preciso, para não ser violada a boa- fé destes, estabelecer que eles

têm no registro o critério para julgar da existência da hipoteca.

Os regimes radicais, como o alemão, o russo e o polaco fazem depender a

existência da hipoteca da perduração do registro; os atenuados chegam a idêntico

resultado, que lhes é imposto pela coerência a guardar mantendo a decorrência dos

princípios aceitos: enquanto não for cancelado, o registro produz todos os seus efeitos

legais, ainda quando se prove por outra maneira que o contrato hipotecário está desfeito,

extinto, anulado ou rescindido (art. 103 do Dec. 370, de 02.05.1890).

335. O cancelamento é necessário para que a hipoteca deixe de produzir os

efeitos quanto aos terceiros; é o meio que a lei proporciona para anular a inscrição,

fazendo-a invalidar; o que se consegue por averbação feita no livro do registro da

hipoteca.

Esta averbação consiste em uma certidão escrita pelo oficial do registro na

coluna das averbações do livro referido, nessa certidão o funcionário declara que a

inscrição é cancelada, por motivo que deve indicar, e em virtude do título que der causa

ao cancelamento.

Não se apaga, nem se risca ou traça a inscrição feita – já por asseio e


regularidade da escrituração, já porque o cancelamento pode ser, por sua vez anulado, e

a inscrição terá de ser revalidada, e nada impede que se faça averbação na primitiva

inscrição, declarando que ela fica revalidada, subsistindo, porém, unicamente da data da

revalidação: evita-se assim maior dispêndio à parte interessada do que se renovar-se a

inscrição, quando subsistem a obrigação principal e o contrato hipotecário (Laurent, vol.

31, n. 147; Martou, n. 1.178; Mourlon, vol. 3.º, n. 1.593; Thiry, vol. 4.º, n. 542; Chironi,

Diritto Civile, § 238; Dec. 370, de 02.05.1890, art. 99; Lafayette, Dir. das Causas, §

250, n. 6).

336. No exame do cancelamento deve-se ter em vista principalmente que trata-

se de eliminar uma inscrição que não deve mais perdurar, por já não ser a expressão

material de um fato jurídico existente.

Não se pode, conseguintemente, dizer que o cancelamento opera-se sempre por

já não ter causa jurídica a inscrição, ou não haver motivo para, sua permanência.

Não se cancela a inscrição unicamente por estar extinta a hipoteca,

diretamente, ou de modo indireto, pelo fato da extinção da obrigação principal; o credor

pode ser levado a propor o cancelamento por sentimento favorável ao devedor, ou a

outro credor: aquele pode interessar que não produza a hipoteca efeito s contra terceiros

– porque assim poderá operar sobre os imóveis gravados de hipoteca de modo mais

vantajoso do que consegui- lo-ia se a inscrição existisse. A inscrição pode estar viciada,

ter sido feita com alguma das nulidades substanciais de que trata o art. 212 do Dec. 370,

de 02.05.1890; em tal hipótese o cancelamento será a conseqüência da sentença que

julgar nula a inscrição (arts. 213 e 214 do Dec. 370 citado).

O credor com prelação por precedência de inscrição, pode desistir deste direito
em favor de credor inscrito posteriormente; o meio prático de tornar efetiva a cessação

da precedência é o cancelamento da inscrição.

Em qualquer dos casos figurados a hipoteca subsistindo, a inscrição tem causa

jurídica, não deixa de ter razão de ser, como diz Pont (n. 1.069) e, no entanto, tem lugar

o cancelamento fundado em causa que afeta à própria inscrição.

337. Apurando com precisão esta noção os doutrinadores franceses e os

Códigos, que neles se inspiraram, firmaram o princípio que o cancelamento da inscrição

não afeta a hipoteca; esta pode subsistir e aquela desaparecer pelo cancelamento –

distinção que Tarrible acentua fazendo sentir que a extinção da hipoteca e o

cancelamento são duas coisas muito diferentes (Troplong, Hypoth., vol. 3.º, n. 737;

Pont, Hypoth., n. 1.072; Martou, n. 1.178; Laurent, vol. 31, n. 149; Mourlon, vol. 3.º, n.

1.664; Duranton, vol. 20, n. 184, Thiry, vol. 4.º, ns. 542 e 543).

O regime calcado sobre a noção de que o registro da hipoteca, como o da

propriedade imobiliária, constitui a exteriorização de uma e outra, e que estas são

afetada por aquele, prevalece na Alemanha e tende a ampliar-se.

O mecanismo da desagregação do título territorial (bon foncier) da hipoteca,

constituindo aquele a expressão de uma hipoteca abstrata, que sobrevive à hipoteca

concreta, ligada à sorte da obrigação principal e perecendo com esta, assenta todo ele na

força de resistência do registro: a inscrição conserva o bon foncier; este só é destruído

pelo cancelamento daquela: a conseqüência é que, extinta a hipoteca concreta, pelo

pagamento da obrigação principal, o imóvel hipotecado não fica liberado, o título real

(bon foncier) subsiste, pode ainda ser cedido pelo credor; tal cessão é valida em relação

aos terceiros, como se a obrigação principal perdurasse.


“Ceci est la conséquence rigoureuse d‟un système de publicité complet. Ce qui

prend naissance par la publicité ne peut se transmettre que par une publicité diverse, ne

peut s‟éteindre que par une publicité contraire. Autreme nt les tiers sont trompés, et ils le

sont aussi bien en cas d‟extinction qu‟en cas de création ou de transmission. Tant que je

trouve un droit hypothécaire, je dois pouvoir me le faire céder en toute confiance. Ici

encore nous avons une grave lacune dans le système français.” (Raoul de la Grasserie,

de Reforme Hypothécaire, p. 45.)

No domínio da Lei prussiana de 05.05.1872 a Pfandbrief é, por assim dizer,

uma certidão, ou extrato da inscrição da hipoteca, regularmente feita: tal era a força

desses títulos que contra os mesmos o devedor não podia provar, contra o terceiro

portador, salvo demonstração de má- fé, que a dívida era fictícia ou simulada, ou alegar

a exceção nom numeratæ pecuniæ ou de qualquer modo provar que não recebeu

integralmente a soma que constitui a importância do empréstimo.

“L‟hypothéque résultant de 1‟inscription et non de l‟obligation qui en formait

le titre juridique, elle continue à subsister, nonobstant le payement, tant que l‟extinction

de la dette n‟a pas été formellement constatée et sur le registre foncier et sur la lettre de

gage.” (Lehr, Droit Civil germanique, n. 112.)

O cancelamento da inscrição, o resgate ou a anulação do Pfandbrief e a

excussão do imóvel hipotecado eram os meios principais da extinção da hipoteca no

direito alemão, segundo a legislação de 1872 (Lehr, obra citada, n. 117).

O art. 1.117 do Código Civil alemão, promulgado em 1896, declara não

adquirido pelo credor o direito à hipoteca, enquanto não lhe é entregue pelo proprietário

do imóvel a letra hipotecária; só um fato supre a entrega real da letra, a estipulação no

contrato de que o credor fica autorizado a fazer-se entrega a letra pela administração de
registro territorial: unicamente o resgate ou a anulação dessa letra opera a liberação do

imóvel, porque a posse da letra supre a inscrição e esta, enquanto perdura, imprime

força ao contrato hipotecário (art. 1.155 do Código Civil alemão).

No direito polaco (Lei de 26.04.1818) o pagamento da dívida hipotecária

extingue o direito real do credor; enquanto, pórem, não se dá o cancelamento do registro

hipotecário, o devedor não pode opor exceção alguma ao terceiro possuidor do título,

que o houvesses adquirido de boa-fé (Lehr, Droit Civil russe, n. 403).

Dissemos que este regime tende a ampliar-se.

Comprovam esta asserção as disposições dos códigos, que influenciados pela

noção do direito germânico, incluem entre os modos de extinção da hipoteca o

cancelamento do registro (Código Civil da Rep ública do Uruguai, art. 2.310; Código

chileno, art. 2.434) e os que revelam ter-se modelado por aquele direito, obedecendo à

mesma orientação científica.

“Logo que um direito de hypotheca extinguir-se e devedor poderá exigir não

sómente a restituição do titulo hypothecario, mas ainda o cancellamento no registro

publico das hypothecas. Este cancellamento sómente terá lugar á vista de provas

sufficientes, como por exemplo, a quitação da obrigação, ou autorisação da parte do

credor hypothecario ou de seu mandatario.

Até que se effectue o cancellamento presume-se que a obrigação hypothecaria

subsiste.” (art. 299 do Código Civil do Cantão dos Grisões, Trad. de Raoul de la

Grasserie, edição de 1893.)

A orientação, que domina o direito inglês, está, de modo preciso, revelada na

recente Lei de 06.08.1897 (Land transfer act), que modificou a Lei de 1875, a que já

nos temos, por diversas vezes, referido neste trabalho, no que entende com o registro
das transmissões dos imóveis.

Não nos sendo dado entrar em grandes detalhes de análise, contentar-nos-emos

com rápidas reflexões sobre o mecanismo geral da lei.

O registro dos ônus reais constitui parte importante da lei, assim como o

cadastro da propriedade imobiliária.

Como se sabe e já tivemos ensejo de dizê-lo, os jurisconsultos e os práticos

ingleses opuseram-se sempre com tenacidade à publicação dos atos translativos de

imóveis ou constitutivos de ônus reais o encargos territoriais, por meio de sua inserção

em livros públicos, o que estava nos costumes de alguns condados entre os quais os de

York e Middlesex. A promulgação das leis de 1863, a que já nos referimos, foi um

primeiro passo dado no regime de publicidade análogo ao sistema hipotecário francês e

belga; estas leis, por serem facultativas as suas providências, ficaram sem execução; a

Lei de 1875 teve aplicação, e a aprova de que os benéficos resultados por ela produzidos

venceram a resistência dos obstinados em repelir a publicidade é que por meio da Lei de

1897 tratou-se de melhorar as suas disposições e torná- las extensivas a todos os

condados da Inglaterra.

Os freeholds e os leaseholds registrados podem ser objetos de hipoteca

(mortgage).

Em tal caso o contrato hipotecário deve ser registrado, fazendo-se na inscrição

menção do nome do credor, e da natureza dos ônus reais; o credor pode obter um

certificado deste registro, e a data deste serve de assento ao direito preferencial do

credor inscrito, o que é fato de grande relevância por indicar a aclimação do regime

moderno de publicidade na Inglaterra, onde o sigilo e a clandestinidade da hipoteca

pareciam ser um mal irremediável, tanto se coadunara ele ao regime da propriedade


territorial daquele país, que em sua suscetibilidade exagerada, não tolerava, a publicação

dos atos da vida e da situação do seu domínio imobiliário.

338. O cancelamento da inscrição diz o art. 12 supra tem lugar por convenção

das partes e sentença dos juízes e tribunais.

Os doutrinadores costumam classificar o cancelamento em voluntário e

forçado ou obrigatório (Laurent, vol. 31, n. 149; Martou, n. 1.179; Pont, n. 1.072;

Troplong, vol. 3.º, n. 736); estas expressões exprimem melhor a verdade do que a noção

que dá o art. 12 supra.

Não a convenção das partes – mas antes o consentimento dos interessados,

como dizem os arts. 2.157 do Código Civil francês e 92 da Lei belga de 1851,

caracterizam o cancelamento voluntário; este sendo um ato liberatório e uma renúncia

exclusiva da inscrição feita em detrimento do credor, a quem priva dos efeitos que à

hipoteca dá a inscrição, é um ato puramente unilateral; o devedor, o credor hipotecário

posteriormente inscrito e o terceiro adquirente do imóvel hipotecado nada podem

convencionar, quanto ao cancelamento da hipoteca – este tem lugar por vontade do

credor – o consentimento deste é, pois, o único indispensável para que o cancelamento

se opere (Martou, n. 1.180; Pont; n. 1.073; Thiry, vol. 4.º, n. 543; Laurent, vol. 31, n.

153; Duranton, vol. 20, n. 184; Troplong, vol. 4.º, n. 738).

As expressões convenção das partes do art. 12 do Dec. 169-A, de 19.01.1890,

devem ser entendidas no sentido de consentimento dos interessados, isto é, de consenso

do credor e seus herdeiros, procuradores e representantes; é o que se deduz do § 2.º do

art. 102 do Dec. 370, de 1890, que só permite o cancelamento mediante documento de

que conste o consentimento dos interessados e o que se deduz da natureza do próprio


fato.

O cancelamento não exige, para sua validade, que exista convenção entre o

devedor e o credor; é um ato unilateral; do mesmo modo que a inscrição se realiza

unicamente pela vontade do credor, igualmente só com o seu consentimento se efetua o

cancelamento (Laurent, vol. 31, n. 173).

Não muda em nada a situação jurídica do cancelamento o fato de ser ele levado

a efeito antes de vencida a dívida; ainda que o consentimento do credor seja obtido em

virtude de acordo ou convenção em que se estipule indenização pelo dano, que lhe

provier da perda das vantagens oriundas da inscrição só o consentimento do credor, é o

assento de radiação do registro; a convenção, o contrato em que o cancelamento ficasse

resolvido, não tem por fim, solicitar o concurso das vontades do devedor, que só tem

interesse na radiação e do credor, que é o único apenas a perder com a medida, mas sem

obter o consentimento deste e para conseguir tal fim é que se propõe o devedor a

compensar o credor do dano sofrido.

Esta convenção, como diz Laurent, não interessa aos terceiros, para estes é

suficiente o ato unilateral pelo qual o credor declara consentir no cancelamento (vol. 37,

n. 153).

Como o Dec. 370, de 02.05.1890, exige no § 2.º do art. 102 o consentimento

expresso dos interessados, convém precisar o que indica esta expressão.

São interessados aqueles a quem a inscrição traz interesse: o credor, os

cessionários, herdeiros e representantes deste devem, porém, provar a sua qualidade

perante o oficial do registro, e se este tiver dúvida pode recusar-se a fazer o

cancelamento; este ato importa anulação dos direitos de prelação e seqüela; se o oficial

praticá-lo sem exigir a prova da capacidade dos que nele consentem, para dar
consentimento legal, incorre em responsabilidade pelo dano que causar (Laurent, vol.

31, n. 154).

A prova do consentimento dos interessados deve sempre ser precedida da da

capacidade que estes tenham de consentir.

Dependendo o cancelamento voluntário, ou realizado por convenção das

partes, segundo a expressão do art. 12 supra, da apresentação ao oficial do registro das

hipotecas de documento autêntico de onde coaste o expresso consentimento dos

interessados, é indispensável apurar:

a) que capacidade deve ser exigida naqueles que dão consentimento expresso

para o cancelamento;

b) que instrumento constitui o documento autêntico exigido como prova de

consentimento.

339. Para precisar a capacidade exigida nos que autorizam o cancelamento da

inscrição costuma a doutrina distinguir o caso em que o cancelamento deve ter lugar,

por estar paga a dívida, e, conseguintemente, extinta a hipoteca, do em que o

cancelamento é autorizado antes da extinção da obrigação principal.

Na primeira hipótese a extinção da hipoteca, como consectário da da obrigação

principal, torna obrigatório o cancelamento; a inscrição deixa de ter causa legal, visto

como não há fundamento jurídico para assegurar a prelação e a seqüela a uma hipoteca

extinta.

O cancelamento não demanda da parte de quem autoriza uma capacidade

determinada, apenas deve ter e provar interesse no ato; para requerê- lo basta a prova de

que a inscrição lhe é prejudicial (art. 101, do Dec. 370, de 02.05.1890).


Pode-se, como faz sentir Laurent (vol. 31, n. 155), apurar a capacidade para

aceitar o pagamento; ultimado e consumado este, extinta a hipoteca, o cancelamento

pode ser autorizado por quem teve capacidade para aceitar a solução da dívida principal.

Quem consente no cancelamento não pratica ato de disposição, não precisa ter

a capacidade de alienar; não contrai obrigação consentindo no cancelamento, não carece

de capacidade para obrigar-se; o seu consentimento importa o concurso a um ato

conseqüência forçada do pagamento, que está validamente consumado (Laurent, vol. 31,

n. 155; Pont, Hypoth., vol. 2.º, n. 1.077 in fine; Duranton, vol. 20, n. 185; Martou, n.

1.185; Aubry et Rau, § 281, n. 1).

Assim o menor púbere não podendo solver nem contrair obrigações sem

assistência de seu tutor e sem que este esteja devidamente autorizado por juiz

competente, pode autorizar o cancelamento da inscrição da hipoteca que tiver sobre o

imóvel de seu devedor, se houver dado quitação da dívida, estando seu tutor

devidamente autorizado (Lafayette, Dir. de Familia, § 153; Trigo de Loureiro, Instit. de

Direito Civil, § 203; Clovis Bevilaqua, Direito de Familia, § 84).

O mesmo não se deve decidir em referência aos interditos por demência

(Clovis Bevilaqua, Direito de Familia, §§ 90 e 92) porque nesta hipótese a

representação do curador do demente é igual à do turor do impúbere (Lafayette, Direito

de Familia, § 164); tem, porém, aplicação à curatela do pródigo; a representação deste

por seu curador é equiparada à do menor púbere pelo tutor (Lafayette, Direito de

Familia, § 167).

A mulher casada, em referência aos parafernais, pode exercitar atos de

administração e de alienação; o cancelamento da inscrição, que não importa dispor de

direito imobiliário, está, pois na capacidade da mulher casada em relação aos


parafernais e a todos aqueles que pelo contrato antenupcial escapam à administração do

marido (Clovis Bevilaqua, Direito de Familia, §§ 27 e 28; Lafayette, Direito de

Familia, § 46).

Sob o regime da comunhão a incapacidade da mulher para contratar, para

solver obrigações e dar quitações, impede-a de autorizar o cancelamento da inscrição

(Lafayette, Dir. de Familia, § 42; Bevilaqua, Dir. de Familia, § 28); a autorização só

pode ser dada pelo marido, o cancelamento por ele requerido (Laurent, vol. 31, n. 162,

Lafayette e Bevilaqua nos lugares citados).

No caso de não estar paga a dívida hipotecária o cancelamento da hipoteca

pode ser conseqüência da cessão, remissão ou extinção da hipoteca; em tal hipótese a

capacidade para o cancelamento regula-se pela capacidade para os atos extintivos da

hipoteca; a mulher casada não os pode praticar sem autorização do marido, os menores

púberes sem assistência dos tutores, os impúberes são representados pelos tutores; em

um e outro caso os tutores devem ter autorização do juiz competente (Laurent, vol. 31,

n. 164; Trigo de Loureiro, Direito Civil, vol. 1.º, § 208; Clovis Bevilaqua, Dir. de

Família, § 84, p. 520; Lafaytte, Dir. de Família, §§ 42 e 153; Coelho da Rocha, Instit.

de Direito Civil, §§ 232 e 375; Borges Carneiro, Direito Civil, §§ 121 a 239, ns. 10 a

15).

Quando as hipóteses forem constituídas para garantia de atos de pura

administração, como de arrendamentos, de locações de prédios, os tutores e curadores

podem, sem autorização judicial requerer ou autorizar o cancelamento (Martou, n.

1.188).

A dúvida que oferece maior interesse em sua solução consiste em saber se o

menor emacipado pode autorizar o cancelamento do registro da hipoteca do tutor, antes


que estejam tomadas as contas e recolhido o alcance: a solução no nosso direito não

está, como no direito francês, ligada a situação criada pelo art. 472 do Código Civil ao

menor emancipado, cuja capacidade é restrita, em relação a celebrar contratos com o

tutor antes da apuração e definitiva liquidação das contas da tutela; a jurisprudência

francesa e belga proíbem ao menor emancipado cancelar a inscrição da hipoteca legal

sobre os imóveis do tutor; ela autoriza mesmo o oficial do registro a recusar o

cancelamento enquanto não for provado o fato da prestação das contas da tutela e sua

definitiva liquidação (Martou, n. 1.187; Laurent, vol. 31, n. 163; Pont, vol. 2.º, n.

1.077).

O menor se emancipa no nosso direito: a) com carta de suplemento de idade; b)

casando. Por qualquer destes fatos entra no estado que os jurisconsultos portugueses

denominavam – quase-maioridade.

Os menores suplementados ou casados adquiriam todas as faculdades de

administração; a restrição apreciável que, como maiores, sofriam consistia em não

poderem alienar ou dispor, por qualquer modo, de bens imóveis (Ord. do Liv. 1.º, Tít.

88, § 28, e do Liv. 3.º, Tít. 42, § 2.º; Silva, coment. a esta última Ord. ns. 1 e 6; Borges

Carneiro, Direito Civil, vol. 3.º, § 257, n. 13, e § 258, n. 5).

Abre-se agora a oportunidade de ventilar a tão debatida questão – se o

cancelamento da inscrição da hipoteca importa a renúncia ou alienação de um direito

real.

No caso afirmativo o menor emancipado, por qualquer dos modos

mencionados, não pode autorizar o cancelamento; no negativo não se lhe pode contestar

tal faculdade.

Alguns escritores franceses, como Martou (vol. 3.º, n. 1.188), conquanto


convenham em que o cancelamento da inscrição não importa de per si a renúncia da

hipoteca, e, conseguintemente, a alienação de um direito quando esta tem lugar por

qualquer meio regular, como o pagamento; todavia, considerando, que ele pode

acarretar a alienação de um direito imobiliário, quando tiver lugar, por exemplo, no caso

da hipoteca não estar paga, ou extinta por qualquer modo regular, opinam que o menor

emancipado não pode autorizar o cancelamento, por não tratar-se de ato de pura

administração.

Outros julgando esta proibição muito absoluta entendem que sempre que o

cancelamento não for praticado com o intuito de resignar ou renunciar o direito real da

hipoteca, é um ato que tem como objeto um direito imobiliário e pode, como tal, ser

praticado pelo menor emancipado; a capacidade deste, na hipótese, depende portanto,

das circunstâncias (Aubry et Rau, vol. 3.º, § 281).

Finalmente Laurent (vol. 31, n. 161) opina pela restrição da faculdade do

menor emancipado, quando tratar-se de autorizar o cancelamento de hipoteca, que não

estiver extinta, porque tal ato não seria de pura administração, e somente os atos desta

natureza podem os menores emancipados praticar (art. 484 do Código Civil francês).

No nosso direito é esta a opinião que deve prevalecer.

O menor emancipado por carta de suplemento de idade não pode alienar

imóveis, contratar hipotecas, se na carta não se lhe conceder faculdade para tais atos

(Borges Carneiro, vol. 3.º, § 257, ns. 13 e 14); o casado não pode, em caso algum,

praticar esses atos; a incapacidade compreende os maiores sui juris, casados com

mulheres menores, as quais, não podendo praticar atos dessa espécie, não podem dar

outorga aos maridos para efetuá- los (Borges Carneiro, vol. 3.º, § 258, ns. 13 e 15).

O cancelamento da inscrição não importa, no nosso direito, a extinção da


hipoteca; esta não pode desaparecer a não ser por qualquer dos modos mencionados na

lei, e que já, estudamos detidamente. A inscrição cancelada pode ser renovada, valendo,

porém, da data da renovação; é preceito expresso da lei (art. 104 do Dec. 3.711, de

02.05.1890).

O desaparecimento da inscrição faz, porém, com que a hipoteca perca toda a

força; desde que ela não dê a seqüela, nem a prelação deixa de preencher os intuitos

jurídico e econômico que presidiram e aconselharam a sua criação.

Acresce que a permanência da inscrição tem como grande resultado paralisar

os efeitos decorrentes dos atos extintivos da hipoteca (art. 103 do Dec. 370, de

02.05.1890); o cancelamento faz vigorá- los, dá- lhes ação e força para operarem a

extinção da hipoteca.

Não podendo os menores emancipados por carta de suplementação da idade ou

por casamento praticar atos que importem alienação de imóveis e de direito que lhes

correspondam, não se lhes pode reconhecer a faculdade de operar por qualquer modo a

remissão de direitos reais, que a teoria considera desmembramentos de domínio, o que

importa alienação de propriedade imobiliária, na qual se compreendem todos os direitos

reais: não é por outra razão que a doutrina, e o direito escrito proíbem aos menores

emancipados ou casados hipotecar.

Autorizar o cancelamento da inscrição da hipoteca dos tutores ou outros

quaisquer só entra nas faculdades dos menores emancipados e casados, quando a

hipoteca estiver extinta pelo pagamento, ou por outro qualquer modo.

338. O cancelamento da inscrição pode ter lugar à vista de sentença passada em

julgado.[Página: 582
deveria ser 340 (renumerar?, há remissões... acho melhor colocar uma nota do editor)]

O que deve constituir o objeto deste julgado?

A anulação da hipoteca por ser nulo ou inválido o título; ou a nulidade da

própria inscrição?

O direito francês (art. 2.160 do Código Civil) e o belga (art. 95 da Lei de

16.12.1851) dispõem que os julgados dos tribunais devem ordenar o cancelamento por

não ter a inscrição fundamento na lei ou em um título, ou quando esta for irregular,

estiver extinto ou saldado, ou no caso de achar-se a hipoteca extinta por modo legal.

Na primeira hipótese a inscrição não tem causa legal (Laurent, vol. 31, n. 174;

Martou, vol. 3.º, n. 1.239; Pont, vol. 2.º, n. 1.082); na segunda o título não produzindo a

hipoteca, ou não servindo mais de assento a ela por indicar uma obrigação extinta, a

hipoteca nela fundada é nula ou insubsistente e conseguintemente nula a inscrição.

(Laurent, vol. 31, n. 175).

A própria inscrição pode, porém, ser eivada de vício radical ( Troplong,

Hypoth., vol. 3.º, n. 746).

Assina pode ela ter qualquer dos defeitos a que se refere o art. 212 do Dec.

370, de 02.05.1890, ou ser feita sem preceder a especialização da hipoteca legal

(Laurent, vol. 31, n. 177), casos em que a sentença do juízo competente, e somente esta,

pode servir de assento ao cancelamento (art. 102, § 1.º, do Dec. 370, de 02.05.1890).

A sentença deve ter passado em julgado; se ela for apelável ou recorrível não

pode servir de assento ao cancelamento.

Enquanto está exposta, a ser modificada por tribunal de instância superior, que

a pode rever, a sentença não tem a sua força estabelecida de modo definitivo.
339. quais são as pessoas que podem requerer o cancelamento judicial?

O art. 101 do Dec. 370, de 02.05.1890, declara que todas as pessoas a quem o

registro prejudicar podem requerer o cancelamento.

Esta disposição supre uma lacuna do Código Civil francês, da Lei belga de

1851 e dos Códigos que neles se inspiraram.

Os doutrinadores reconhecendo que, no silêncio da lei, dever-se-á recorrer ao

direito comum estabeleceram que todos os interessados no cancelamento podem

requerê- lo.

O art. 101 do Dec. 370, de 1890, parece-nos mais preciso e claro.

Os credores, com hipoteca posteriormente inscrita, podem requerer o

cancelamento de uma inscrição, que os afasta da ordem da classificação; o mesmo se

deve dizer dos credores quirografários (Laurent, vol. 31, n. 179).

O devedor, a quem a inscrição não prejudica, pode requerer o cancelamento?

A doutrina parece-nos ter sido desviada, por um erro de apreciação, dos

verdadeiros princípios quando contesta, em absoluto, ao devedor hipotecário o direito

de pedir o cancelamento.

É certo que a inscrição não afeta ao devedor e sim aos terceiros; aquele só é

prejudicado pelo contrato hipotecário, que subsiste completo e perfeito entre as partes

contratantes, ainda que não inscrito; mas se o contrato for nulo, ou formal ou

substancialmente, e tal nulidade tiver assento no vício do consentimento, como recusar

ao devedor direito de pedir o cancelamento da inscrição, quando o documento de tal

cancelamento é indispensável para fazer parar a ação judicial contra o mesmo int entada?

(arts. 103 e 227, do Dec. 370, de 1890).

Acresce que toda a inscrição, como diz Laurent (vol. 31, n. 180) embaraça o
exercício do direito de propriedade, embaraço que não provém, segundo se diz,

somente, da hipoteca, porque não estando esta inscrita o terceiro adquirente não está

sujeito, pela seqüela que tem o credor, a ver excutido o imóvel que adquiriu.

O terceiro adquirente é prejudicado pela inscrição, assiste-lhe, portanto, o

direito de pedir o cancelamento da hipoteca; toda a hipoteca inscrita ameaça-o do direito

de seqüela (Laurent, vol. 31, n. 181), como dissemos; apesar da seqüela ser inerente à

hipoteca como direito real, todavia as leis fazem depender da inscrição a sua ação contra

os terceiros, do mesmo modo que faz depender a força da p relação.

O julgado em contrário a estes princípios proferido pela Corte de Aix e que

Laurent combate em seus fundamentos, partia do fato de ver no domínio do terceiro que

adquiria o imóvel hipotecado uma condição resolutiva realizada desde que o adquirente

não fizesse a remissão no prazo legal.

O direito do adquirente, diz com razão Laurent (n. 181), é puro e simples; se

ele pode ser evicto, a evicção não é uma resolução do domínio.

A eventualidade do interesse do adquirente, outro argumento a que socorreu-se

o julgado da Corte de Aix, não tem procedência porque funda-se também no suposto

domínio resolúvel, que tem o adquirente antes da remissão.

Este domínio é definitivo, a evicção e a ação que tende à excussão não se funda

na precariedade ou resolubilidade do domínio, e sim no direito de seqüela inerente à

hipoteca e praticável contra o adquirente do imóvel pelo credor hipotecário inscrito.


TITULO VI

Das cessões e subrogações

Art. 13. O cessionário do crédito hipotecário ou a pessoa validamente

subrogada no dito crédito, excederá sobre o imóvel os mesmos direitos que competem

ao cedente ou subrogante, e tem o direito de fazer inscrever à margem da inscripção

principal a cessão ou subrogação.

As cessões só se podem fazer por escritura pública, ou termo judicial.

340. A translação dos direitos e dos encargos oriundos dos laços obrigacionais

era, no antigo direito, repelida como um ato violador da religião dos contratos.

A situação decorrente destes devia perdurar entre as partes que a haviam

pactuado, até a resolução definitiva da mesma, por um dos modos pelos quais as

convenções se dissolviam.

Transferir a terceiro a situação criada no contrato ao devedor pareceu aos

antigos jurisconsultos uma quebra da fé das convenções fundada na troca solene de

compromissos e no acordo das vontades e unificação dos consentimentos, por meio do

concurso dos mesmos à criação de um fato que constituía o assento de direitos e

deveres, cuja promanação nãopodia ser afetada por ato de um só dos colaboradores do

contrato.

Obligationes quoquo modo contractæ nihil eorum recipiunt. Nam quod mihi ab

aliquo debetur, id si velim tibi deberi, nullo eorum modo, quibus res corporales ad

alium transferuntur, id efficere possum etc (Gaio, Comm. 2.º, n. 38).

Ulpiano empregava expressões não menos precisas e claras: quamvis non


soleat stipulatio semel cui quæsita ad alium transire, nisi ad heredem vel adrogatorem

(L. 25 § 2.º, D. de usufruct).

Destoava do rigor dos preceitos, que asseguravam, no direito romano, a

firmeza dos contratos, a faculdade de poder o credor substituir o devedor ou vice- versa

(Maynz, Droit romain, § 187; Mackeldey, Droit Romain, § 369; Troplong, Hypoth., vol.

1.º, n. 340).

Os direitos originados dos contratos constituíam, porém, parte do patrimônio

dos estipulantes; importavam em bens susceptíveis de valorização como os direitos

reais, que, aliás, podiam ser objeto de toda a espécie de translações e transferências; a

paralisação na circulação de tais bens afetava com a desvalorização dos mesmos os

patrimônios, que não se compunham unicamente de coisas materiais, mas de direitos e

ações.

O primeiro modo de remediar o caso, conservando o rigor dos princípios que

dominavam as relações obrigacionais, foi a novação, por meio da substituição do credor

ou do devedor: interventu novæ presonæ nova nascitur obligatio, et prima tollitur

translata in posteriorem, dizia Gaio (Comment. 3.º, n. 176).

Esta substituição a que se refere o final do texto de Gaio não correspondia,

porém, à situação imposta, muitas vezes, pelo próprio interesse das partes, que não era

de modo algum satisfeito, pois não ficava provido com o remédio adotado.

Sem que o credor transferisse a outrem a situação que lhe criava o contrato, ou

operasse a translação dos diretos que promonavam da mesma situação acudiu aos

jurisconsultos fazer com que terceiro usasse, em nome do credor, dos direitos que a este

advinham da convenção; o meio era levar o terceiro a agir, investido de mandato do

credor, promovendo em juízo a execução da obrigação usando da ação competente: é o


que se denominava na tecnologia de então mandare actionem. Como, porém, nesse

mandato encobria-se, na realidade das coisas, uma verdadeira cessão de direitos, que

era o objetivo intencional do credor, este conferia ao seu mandatário poderes de agir

como investido dos direitos de credor, em seu próprio nome e não em nome deste.

O procurator in rem suam foi assim de fato um cessionário do direito do

credor, sem ciência, sem interferência do devedor; para este o cessionário não passava

de simples procurador do credor (Maynz, Droit romain, vol. 2.º, § 187; Mackeldey,

Direito romano, § 366); como, porém, entre o mandante e o mandatário o mandato era

simulado, porque a realidade jurídica era a cessão, – o mandatário era considerado

procurator in rem suam, para poder reter o que ganhasse na coisa; o procurator

ordinarius era obrigado a restituir esse lucro.

Como é geralmente sabido, e procurator tornava-se dominus litis por efeito da

litis contestatio; só esta operava a transferência do direito e da ação de modo definitivo

para o procurator; na fórmula da ação a intentio continha o nome do cedente e a

condemnatio o do cessionário (Savigny, Direito das Obrigações, vol. 1.º § 23; Maynz,

Direito romano, § 187); pela condenação conferia-se assim ao procurator o resultado

pecuniário da ação, o valor do direito, sem o consentimento do devedor e sem se operar

a transferência do direito de obrigação para outra pessoa.

Este processo oferecia graves inconvenientes, não sendo o menor o que

provinha da formalidade complicada, que podia necessitar de longo tempo para realizar-

se, pois, que o adversário do cessionário podia protraí- la até definitiva execução do

julgado, se entre a constituição do mandato e a litis contestatio o cedente morria sem

deixar herdeiros, porque a ação não podia intentar-se em nome do cedente, o que se

depreende do texto da Lei 1.ª Codicis, de obligationibus et actionibus.


Estas dificuldades, que oferecia o processo da cessão pelo meio desviado e

indireto da procuração in rem suam, levarão à pesquisa de modo mais expedito para

operar a translação do direito creditório.

O meio encontrado, pela argúcia dos práticos jurisconsultos romanos, foi a

utilis actio, que se concedeu ao cessionário.

Por força de tal expediente o cessionário agia não mais em nome do cede nte,

mas em seu próprio nome; na fórmula da ação não figurava, na intentio, o nome do

cedente, mas do cessionário.

Este processo, que mereceu, em sua aplicação primitiva e originária, a sanção

da lei (L. 5 Cód. de hered vend.), produziu na hipótese figurada em Savigny (Direito

das Obrigações, vol. 1.º, § 25) a substituição de mais de uma actio emti por uma só

utilis actio, cuja utilização acarretou ao comprador de uma herança a faculdade de

exercer os direitos creditórios do defunto, independentemente de cessão real, em vez de

obrigá- lo a usar contra um vendedor resistente e pertinaz, tantas vezes a actio emti

quantas fossem as ações pessoais, os direitos creditórios do defunto cuja cedência se

procurasse operar; utiles actiones emptori hereditatis dandas, diz Ulpiano (L. 16 D. de

Pactis) solução que se vê reproduzida na lei 7.ª Cód. de horeditate, vel actione vendita e

especificadamente na Lei 8.ª do mesmo título do Código, ibi: “Ex nominis emptione

dominum rerum obligatorum ad emptorem non transit; sed vel in rem suam, procuratore

facto, vel utilis, secundum ea quæ pridem constituta sunt, exemplo creditoris persecutio

tribuitur”.

O uso da utilis actio generalizou-se, e compreendeu o caso da venda de um

direito creditório; isoladamente, e os em que o mesmo direito era objeto de legado, de

datio in solutum e de dote (Leis citadas 7.ª, 8.ª e 9.ª Cód. de hereditate, vel actione
vendita; Lei. 18 Cód. de legatis; L. 5.ª Cód. quando fiscus, vel privatus debitoris etc.).

Na Lei 2.ª do Código de obligationibus et actionibus os Imperadores Valeriano

e Galiano estabeleceram a ampliação da utilis actio, empregada, no caso figurado por

Savigny, em que é destinada a evitar a actio emti ao da aquisição do dote constituído

por um direito creditório, referindo-se até à cessão que se operava como efeito da litis

contestatio, quando a ação era intentada pelo procurator do cedente.

“Nominibus in dotem datis, quamvis nec delegatio præcesserit, nec litis

contestatio subsecuta sit: utilem tamen marito actionem ad similittidinem ejus, qui

nomen emerit, dari opportere, sœpe rescriptum est.”

(Savigny, Direito das Obrigações, vol. 1.º, § 23; Mackeldey, Direito romano, §

369; Maynz, Direito romano, vol. 2.º, § 188).

A utilis actio de que foi armado o cessionário para prover à realização da

cessão, vencendo a resistência da pessoa obrigada a fazer cessão quando esta opunha

obstáculos ao fato (Maynz, vol. 2.º, § 188) tinha efeitos tão eficazes como a ação direta:

“Nec refert directa quis, an utili actione agat, vel conveniatur: quia in extraordinariis

judiciis, ubi conceptio formularum non observatur, hæc subtilitas supervacua est;

maxime cum utroque actio ejusdem potestatis est, eundemque habet effectum” (Paulo,

L. 47, § 1.º, D. de negotiis gestis).

Esta utilis actio introduzida, ou pelo menos sancionada com a generalizada

aplicação a casos não compreendidos sob a eficácia da actio emti por Antonino Pio, foi

tornada extensiva; por Sétimo Severo a todos os casos de mandato, permitindo-se o seu

uso contra o mandante, a todos quantos houvessem tratado com os mandatários, para

obterem a cessão dos direitos creditórios.

Papiniano ampliou o uso dessas ações; é, assim que, ainda nos casos de não
haver cessão expressa, o adquirente de um direito creditório podia intentar todas as

ações que dele decorressem, mesmo as que se prendiam ou promanassem de direitos

acessórios do direito creditório; como as ações hipotecárias.

A Lei 5.ª, § 2.º, Dig. quibus modis pignus, vel hypotheca solvitur, exemplifica

um verdadeiro caso de cessão do direito hipotecário e estabelece implicitamente a

diferenciação da cessão e da sub-rogação, repelindo esta, por, considerar o fato de ,

prestar dinheiro solutionis nomine causa extintiva da hipoteca.

“Si convenerit, ut pro hypotheca fidejussor daretur, et datus sit, satis factum

videbitur, ut hypotheca liberetur. Aliud est, si jus obligationis vendiderit creditor et

pecuniam, acceperit : tunc enim manent omnes obligationes integræ, quia pretii loco id

accipitur, non solutionis nomine.”

Eis bem caracterizada a cessão do direito hipotecária como conseqüência da

cedência da obrigação principal; o fato de ser a cessão levada a efeito por compra não

confunde o caso figurado, que é o de pura cessão, com o de uma sub-rogação, porque a

quantia foi dada para comprar o direito creditório e não para pagar a obrigação.

341. O estudo desta marcha evolutiva da cessão no direito romano não oferece

interesse unicamente como elemento histórico, ele proporciona subsídio para a solução

de graves dúvidas que no direito moderno, especialmente no direito francês, suscita o

fato da confusão, que fazem os doutrinadores, da cessão com a sub-rogação, o que

acentuadamente se observa quando instituem exame sobre a teoria da cessão do direito

hipotecário que a lei confere às mulheres casadas, no interesse dos maridos.

342. Foi a noção da cessão do direito da hipoteca, como conseqüência da


cessão da obrigação principal, com tão grande lucidez precisada no texto de Paulo, que

deixamos transcrito, a que consagraram os velhos doutrinadores, que, com Bártolo,

classificaram a cessão em principal e acessória: não envolvia a classificação uma

divisão ou separação do fenômeno jurídico que importasse o reconhecimento da

possibilidade de operar-se a cessão acessória, sem a principal.

Renusson, que aceitava a classificação de Bartholo (Comment. à L. 76 D. de

solutionibus et liberationibus) afirmava o princípio da translação dos privilégios,

ligados ao direito creditório, para o cessionário, de pleno direito e tacitamente,

operando-se assim uma cessão acessória das prerrogativas ligadas ao crédito, com este,

para as mãos do cessionário, tais quais existissem nas do cedente (Sub-rog. Cap. 2, n.

5).

Este princípio preconizado por Pothier passou para o Código Civil francês (art.

1.692) e para os Códigos dos países adiantados, como a expressão correta da noção

moderna (Código Civil italiano, art. 1.541; Código Civil holandês, art. 1.569; Código

Civil espanhol, art. 1.528; Código Civil português, art. 793; Código Civil chileno, art.

1.906; Código Civil alemão, art. 401).

A cessão da obrigação principal, importando a da hipoteca, que a garante,

exerce no direito francês, e segundo muitos Códigos, influência em referência aos

terceiros, unicamente quando é notificada ao devedor, ou quando este aceita a translação

da obrigação para outrem em ato autêntico.

É a disposição do art. 1.690 do Código Civil francês e dos que nele se

inspiraram (Código Civil italiano, art. 1.539; Código Civil português, art. 789; Código

Civil chileno, art. 1.902); no que não foi imitado pelo Código Civil alemão; este não

exige a notificação da cedência ao credor para que ela possa valer contra os terceiros,
apenas se o credor comunicar ao devedor que ele cedeu o direito creditório, a cessão

pode-lhe ser oposta, no que se refere às relações entre ele e o devedor, ainda quando a

cessão não se tenha realizado, nem esteja completa (art. 409 do Código Civil alemão).

A hipoteca transfere-se, segundo o direito moderno alemão, ao novo credor,

com a obrigação principal (art. 1.153 do Código Civil alemão); a translação opera-se ou

por ato autêntico passado pelo credor anterior, o cedente, ou por meio da inscrição da

cessão no registro territorial (art. 1.154 do Código Civil alemão).

A notificação do devedor como condição da validade da translação da

obrigação principal ou do direito creditório, segundo o ponto de vista sob que se encara

o ato jurídico, é exigida, no direito francês, porque sem tal notificação, ou sem aceitação

autêntica do devedor, não sendo este obrigado a saber se o direito do credor foi

transferido a outrem, o cedente não perde a sua situação em relação àquele.

Esta razão dada por Troplong não é jurídica; desde que se repudie a noção do

antigo direito romano que condenava a translação dos direitos e deveres oriundos do

contrato e a mutação da situação criada pelo fato, não há como justificar-se a

necessidade da notificação no devedor da transferência do direito creditório, para que tal

transferência produza efeito em relação aos terceiros.

Cessio fit invito debitore, diz Cujacio: o prolóquio significa que não depende

do concurso do devedor a translação de um direito exclusivo do credor.

A averbação no registro da hipoteca da cessão da obrigação hipotecária é o

meio único da publicação da nova situação criada pela cedência.

O Dec. 370, de 02.05.1890, tornando no art. 225 obrigatória a averbação da

transferência do crédito hipotecário e não a deixando ao movimento voluntário do

cessionário (art. 13 do Dec. 169-A, de 1890) guardou a devida, coerência com o


mecanismo de publicidade que estabeleceu.

343. A cessão do direito hipotecário só se efetua regularmente no nosso direito

só torna realizável a translação do crédito hipotecário ao cessionário, só pode servir de

assento às operações de crédito real, que não se apóiam em hipoteca originariamente

constituída em favor das sociedades organizadas com o fito de operar sob a garantia do

crédito hipotecário, promovendo, por meio da emissão das letras hipotecárias a

circulação dos valores concretizados na propriedade imobiliária, mediante a observância

das seguintes condições substanciais:

a) Cessão do crédito hipotecário (art. 13 do Dec. 169-A, de 1890) por pessoa

apta para fazê- la:

b) Realizada formal da cessão por meio da escritura pública ou termo judicial

(art. 13, 2.ª alínea, do Dec. 169-A, de 1890, art. 222 do Dec. 370, de 2 de maio do

mesmo ano);

c) Averbação da cessão na inscrição da hipoteca feita no registro geral.

1) A cessão do crédito hipotecário supõe, como condição para a translação do

direito real, capacidade por parte da pessoa do cedente.

2) Não e admissível a cessão da hipoteca sem a da obrigação principal que ela

garante.

344. Liquidemos o primeiro ponto controvertido que se nos oferece:

Pode a mulher casada fazer cessão da hipoteca legal, especializada e inscrita

sobre os imóveis do marido, quando a cessão for unicamente em proveito deste ou, mais

ainda, quando tiver por fim levar a efeito operação necessária ao bem-estar da família
comum, constituída por ambos?

A questão foi diferentemente resolvida no direito francês e no belga; no nosso

direito hipotecário que filia-se à escola belga, antes do que à francesa, a solução prende-

se igualmente à noção tradicional da hipoteca e ao regime da sociedade conjugal

regulado no Ato de 24.01.1890.

No direito francês o expediente que os práticos sugeriram para que o crédito do

marido não sofresse a restrição, senão a paralisação, que lhe advinham do gravame que

uma hipoteca legal compreensiva de todos os imóveis, a qual em sua generalidade

abrangia os presentes e os futuros, lhe acarretaria, foi a co-participação da mulher na

operação realizada pelo marido e o seu concurso, manifestada por meio da assinatura do

contrato, o que acarretava, não propriamente a cessão da hipoteca, mas sim a renúncia

expressa feita em favor dos credores do marido do seu direito real, fato que importava

sub-rogação dos credores do marido na hipoteca que ela assim renunciava.

“C‟est à la convention désignée aujourd‟hui sous la dénomination de

subrogation à l’hypothéque légale que les praticiens ont demandé ce moyen. La femme

intervient, et céde à celui qui traite avec son mari les suretés hypothécaires qu‟elle tient

de la loi, ou elle les abdique em y renonçant en faveur de ce tiers. Les conventions de

l‟espece ont donc pour objet de favoriser le crédit du mari, ou plutôt de rétablir ce crédit

qu‟une application rigoureuse des principes sur l‟hypothéque légale aurait compromis

ou même anéanti” (Pont, Hypoth., vol. 1.º, n. 450).

Quando a Lei de 23.03.1855 restabeleceu, em França, o regime da Lei de 11

brumário do ano 7.º, quanto ao registro da hipoteca da mulher casada, uma disposição

expressa do art. 9.º da referida lei permitiu a cessão ou a renúncia da hipoteca legal da

mulher casada, nos casos em que ela possa fazer, com a cláusula de serem a cessão e a
renúncia realizados por ato autêntico, aquela inscrita e esta averbada na inscrição já

feita.

Os casos em que era vedado à mulher a cessão ou a renúncia da hipoteca, em

favor dos credores do marido, eram o de casamento sob o regime total, exclusivo da

comunhão em que a hipoteca garantia o dote, ou de regime da comunhão combinado

com o dotal, em o qual alguns dos bens houvessem sido conservados pela mulher, como

dote (Pont, Hypoth., vol. 1, ns. 451 e 452; Laurent, vol. 31, n. 333; Martou, vol. 3.º, n.

931).

Fora destes casos era lícito à mulher sub-rogar os credores do marido em seu

crédito hipotecário, ou unicamente no direito preferencial, ou na hipoteca desagregada

do direito creditório, ou, finalmente nas faculdades decorrentes da inscrição, por meio

da renúncia desta (Martou, Hypoth., vol. 3.º, n. 932).

O direito belga salvou-se da incoerência, senão do erro jurídico, de reconhecer

uma sub-rogação, em caso singular, que não obedecesse à condição substancial da

existência do pagamento, do qual somente ela pode decorrer (Laurent, vol. 31, n. 350.)

O art. 71 da Lei de 16.12.1851 veda à mulher casada renunciar diretamente, em

favor do marido, a inscrição da hipoteca legal.

A doutrina e a jurisprudência dos tribunais têm firmado, na inteligência deste

texto de lei, consectários que, se bem denunciem uma interpretação ampliativa, todavia,

força é convir, não afetam nem a letra, nem o espírito da lei.

É assim que a mulher casada pode, segundo a lei belga, no sentir dos

comentadores da mesma,e conforme a jurisprudência dos tribunais, renunciar em favor

de credores do marido, ainda que este aufira do pacto um proveito qualquer, a inscrição

da hipoteca legal; esta renúncia não afeta, porém, nem o crédito hipotecário, que se
conserva integralmente, nem mesmo os direitos de prelação e de seqüela, decorrentes da

inscrição, a não ser em relação aos credores em favor dos quais houver ela feito a

renúncia (Laurent, vol. 31, n. 329; Thiry, Droit Civil, vol. 4.º, n. 488). Martou (vol. 3.º,

n. 934) faz confusão entre a cessão da hipoteca e a da inscrição que Laurent (vol. 31, n.

331), com a justeza de vistas que geralmente revela, ressalva, ou antes corrige,

reduzindo aos devidos termos os efeitos resultantes da cessão da inscrição, isto é, do

direito de prioridade e do de seqüela.

Os credores, dada a cessão nos termos que a comporta o texto do art. 71 da Lei

de 1851, segundo a inteligência fundada em o seu elemento de formação e

principalmente no relatório de Lelièvre, assumem, como opina Martou (vol. 3.º, n. 934),

o lugar da mulher para o efeito de exercitarem o direito de que ela se despoja; mas não

exercem o direito hipotecário, que não lhes é cedido, nem transferido por qualquer

meio; tanto assim, que quando se cogita da cessão do direito de prioridade, ou da

hipoteca isolada ou destacada do direito creditório (hipótese admitida por Martou) este

recusa ao cessionário o uso da ação hipotecária, que compete à mulher, como se a

cessão não houvesse tido lugar (Martou, vol. 3.º, n. 934.)

O que, no direito belga, obtém o credor do marido pela renúncia da mulher à

prioridade é, como se exprimia a Corte de Cassação em 25.01.1853, suceder- lhe na

ordem que obteria o crédito do cedente; o fim que se alcança com a renúncia da mulher

à inscrição é impedir que o credor, em favor de quem é feita a renúncia, seja preferido

pela mulher (Laurent, vol. 31, n. 330).

A renúncia da inscrição só tem este alcance, de modo algum importa a

anulação, ou o desaparecimento da inscrição, a qual não pode ser cancelada (Laurent,

vol. 31, n. 329).


345. Se à mulher casada é vedado constituir hipoteca, na constância do

matrimônio; se tal proibição assenta na sua incapacidade legal, como admitir que ela

possa ceder ou renunciar a hipoteca que a lei lhe concede? Seria contradição

inexplicável multiplicar garantias em favor da mulher e permitir que ela as renuncie,

somente pelo fato do marido nisso consentir, ele o interessado em que seus bens

onerado com as inscrições sejam liberados; ninguém pode supor tal contradição na lei

(Laurent, vol. 31, n. 338).

Estes conceitos de elevado cunho jurídico tem aplicação, entre nós, para,

resolver a questão sobre a cessão da hipoteca legal da mulher casada.

No mecanismo do nosso sistema hipotecário nada se encontra que possa apoiar

a solução do direito francês e do belga, que assenta qualquer deles, em preceito expresso

de lei.

O art. 9.º dia Lei francesa de 23.03.1855 permite a cessão e a sub-rogação da

hipoteca da mulher casada, desde que se faça por ato autêntico e seja levada ao registro

para inscrição ou para a averbação; a Lei belga de 16.12.1851, no art. 71, consente que a

mulher renuncie indiretamente em favor do marido à inscrição da hipoteca.

No nosso direito atual nenhuma disposição semelhante existe e o sistema sob o

qual se formam os pactos do regime convencional do matrimônio supõe, entre nós, a

inalterabilidade deste na duração do casamento.

A hipoteca legal da mulher casada tem, entre nós, a razão fundamental

apresentada por Laurent nas proposições acima transcritas: daí tendo a hipoteca a

consagração da inviolabilidade que o nosso direito impõe aos pactos antenupciais cuja

execução ela propõe-se garantir, não há como permitir que a mulher ataque de frente a
estabilidade da situação criada pelo casamento, e por este tornada no nosso direito

definitivo e irrevogável (Valasco, consulta 103, n. 29; Lobão, Notas a Mello, vol. 2.º,

Tít. 10, § 4.º, Secção 1.ª, n. 1; Consolidação das Leis Civis, nota 17 ao art. 88)

resignando a hipoteca instituída tanto em favor dela, como em segurança da própria

economia da sociedade conjugal, que a limitação decorrente dos pactos restritivos da

comunhão de bens tem como fito, pôr a salvo das eventualidades da administração do

marido.

A renúncia, em favor deste, feita direta ou indiretamente pela mulher na

constância do matrimônio, é nula; o mesmo se deve decidir em referência à cessão feita

em favor de um credor do marido, quer se trate da cessão do direito creditório, por força

da qual se operaria a da hipoteca, quer da inscrição feita, quer dos direitos de prioridade

ou prelação e de seqüela separadamente.

Estes princípios expendidos pelo Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, §§ 191 e

notas, e 251, n. 6) não sofrem alteração pelo fato de não ter mais existência a hipoteca

geral da mulher casada e dever ela ser especializada e inscrita; a especificação dos bens

sujeitos à hipoteca, não importa rigor nos preceitos, que regem, entre nós, a situação da

vida conjugal, em relação a inalterabilidade dos fatos antenupciais (Lafayette, Dir. das

Cousas, § 191, n. 4); apenas torna mais precisa a situação a que se adapta a aplicação

dos mesmos.

A hipoteca, como acessório, segue a condição, acompanha as modalidades da

obrigação principal; a hipoteca legal da mulher, sobre bens especializados do marido,

amolda-se à situação jurídica do dote; sendo este inalienável, por qualquer modo, fora

preciso, para justificar a cessibilidade da hipoteca, que no nosso direito escrito houvesse

preceito que autorizasse a desagregação da hipoteca da obrigação principal, para que


aquela fosse cessível sem esta, o que não existe.

Ainda quando tal preceito existisse; fora duvidosa a sua aplicação ao caso do

dote; o sistema dotal, com suas regras restritivas da faculdade de alienar e de

administrar, não constitui um regime de exceção à incapacidade da mulher casada; ora,

os preceitos que regulam a capacidade das pessoas, a fetando o estado destas, são

considerados de ordem pública e como tais as convenções e os contratos não os podem

modificar (Laurent, vol. 31, n. 338).

Na doutrina do direito romano, apesar da inteligência que a Glosa dava ao texto

da L. 21 Cod: ad senatus consultum velleianum, e a despeito do que se lê nas Leis 11 e

12 D. quib. mod. pign. solvit. e no § 4.º da L. 12 D. qui potior. a renúncia da hipoteca,

feita pela mulher casada, só prevalecia quando do fato não advinha prejuízo, ficando a

mulher com o direito de tornar efetiva a hipoteca sobre o imóvel, só aparentemente

liberado, se soluto matrimonio o marido não deixasse bens suficientes para resguardar o

dote da mulher; isto equivalia a ser de todo o ponto ilusória tal renúncia.

É certo que as disposições das Leis 4.ª, § 1.º, D, quib. modis. pign, 158 D. de

regulis juris e 2.ª Cód. de remissione pignoris e as supracitadas – dos títs. quibus modis

pign. solvit. e qui potior. são invocadas como favorecendo o caso de renúncia expressa e

tácita da hipoteca da mulher casada: mas os três primeiros textos não se referem de

modo algum a esta hipoteca e sim a renúncia tácita do penhor ou da hipoteca por

qualquer credor pignoratício ou hipotecário e às hipóteses figuradas nas Leis 11 e 12 do

Dig. quib mod. pign. solvitur e no § 4.º da Lei 12 Dig. qui potior, se autorizam a

conclusão de ser permitida à renúncia da hipoteca quando a mulher, que assinava o

contrato ou escritura constituía em dote à filha o imóvel do marido, a ela hipotecado

pelo dote, estabelecido no contrato antenupcial, essa renúncia era sujeita ao preceito
geral da Lei 21 Cód. ad senatus consultum velleianum, a que acima nos referimos.

Acresce que o efeito da renúncia era restrita ao credor, em favor de quem era

feita e não tinha o alcance da cessão, hipótese em que o cessionário excluía todos os

credores, apesar de Troplong qualificar de sutileza a distinção, prevalecerão a opinião

de Deluca e a expendida por Huberus, ao comentar a L. 16 D. qui potior: a mulher

renunciante conservava o seu direito em referência aos credores, em favor dos quais não

havia renunciado; a cedente não conservava direito algum, transferia-os todos ao

cessionário.

Esta diferença tão facilmente apreciável, os comentadores acentuavam quando

classificavam a renúncia em abdicativa ou extintiva e em translativa ou in favorem.

Seja, porém, qual for a verdadeira: noção romana, o fato é que ela não tem

aplicação à situação criada à hipoteca da mulher casada pelo nosso direito escrito, que

assenta o sistema de tal hipoteca na especialidade e na publidade e liga-o de modo

indissolúvel, à relação de dependência do acessório ao principal em que mantém a

hipoteca para com a obrigação que ela tem por fim garantir: per cessionem crediti et

juris principalis, censetur cessum jus pignoris et hipoteca (Altimari, de nullitatibus,

Rubr. 1.ª, quest: 5.ª, n. 58) esta referência torna patente que entre os próprios inclinados

a interpretar os textos romanos, sob a ação atenuadora do direito canônico, o princípio

de acessoriedade dominava, de modo absoluto, as relações da hipoteca e da obrigação

principal, o que não é demasiado lembrar; quando temos de apurar a possibilidade da

desagregação das duas.

2) “Não é permitido desligar a hipoteca da dívida e cedê- la em separado”.

(Lafayette, Dir. das Cousas, § 251, n. 7). [não encotrei o item 1)]

Esta afirmação pode ser aceita, no nosso direito, do modo absoluto, porque está
formulada?

A afirmativa não nos parece contestável.

Os textos são precisos: o art. 13 do Dec. 169-A, de 1890, refere-se -ao

cessionário do crédito hipotecário, o que exprime a noção do direito creditório

garantido por hipoteca; o § 1.º deste artigo contrapõe a cessão – à constituição da

hipoteca nos termos do art. 4.º, § 6.º, do mesmo Decreto; ora, nesta disposição exige-se

a escritura pública como substancial do contrato hipotecário e este é esboçado como um

acessório do contrato de mútuo, que se presume garantido por aquele (2.ª alínea do

citado § 6.º).

Se o art. 222, do Dec. 370, de 02.05.1890 – usa da expressão cessão da

hipoteca inscrita, a do art. 225 torna precisamente claro – que a hipoteca é o crédito

hipotecário, isto é, o direito creditório garantido pela hipoteca, devendo ser contratados

em a mesma escritura a obrigação principal e a acessória.

Mas na hipoteca de ser aquela constituída ou apresentada por letras, caso em

que a escritura da hipoteca refere-se aos títulos, o fato da circulação destes não importar

a da hipoteca, apesar de ser esta obrigação acessória daquela, e antes o endosso das

letras operar a transferência das mesmas, enquanto a da hipoteca só se levar a efeito

pelos meios estabelecidos no art. 13, do Dec. 169-A, de 1890, isto é, escritura pública

ou termo judicial, deixa patente, diz- se, que a hipoteca pode conceber-se no nosso

direito desagregada da obrigação principal, tanto que é permissível transferi- lo em ato

diferente daquele, o que se vê estatuído, como regra, no art. 223, do Dec. 370, de

02.05.1890.

A inteligência dada ao art. 223 é forçada.

A transferência da hipoteca, no caso figurado, guarda coerência com o modo de


constituição da mesma (art. 130 do Dec. 370, de 1890); se a lei permitisse que a

translação das letras, títulos de circulação rápida, transferíveis por endosso, importasse a

da hipoteca que as garante, desnaturaria esta, que não pode, como ato substancialmente

consistente em escritura de livro de notas, ser considerado título transmissível por

endosso.

Acresce que a transferência da hipoteca só produz efeito depois de averbada na

inscrição feita no registro; isto impossibilita, por completo, a transferência por endosso.

Este modo de ver é adotado por Laurent (vol. 31, n. 347, 2.ª alínea) em

contraposição à doutrina, em contrário, sustentada no direito francês (Aubry et Rau,

nota 15 ao § 288) e confirmada pela jurisprudência dos tribunais.

A hipoteca que se transfere pelos meios regulares, segundo o art. 223 do Dec.

370, de 02.05.1890, é sempre acessória da obrigação principal representada pelas letras,

e não pode ser deles destacada, pelo credor, para ir garantir outra dívida.

É esta a verdadeira exemplificação do ponto da dúvida.

No caso da hipoteca convencional estabelecida por contrato entre credor e

devedor para garantir certa e determinada dívida, como transferi- la para garantir dívida,

ou obrigação diversa, sem novo concurso de vontades, sem conve nção nova entre o

credor e o devedor

Se se trata de hipoteca legal concedida pelo legislador, de pleno direito, aos

incapazes, como, retirar- lhe este cunho de direito substancialmente pessoal, para ligá- lo

a pessoas capazes, privando dele pessoas incapazes? (Laurent, vol. 31, n. 324).

O direito francês consagrou a desagregação da hipoteca da obrigação principal,

para o efeito de operar-se sua transferência independentemente da desta.

Isto teve lugar, porém, por uma ficção – de algum modo – como diz Valette, –
com a natureza de um paliativo – à situação gravosa criada aos maridos pela hipoteca

geral das mulheres casadas, segundo Pont (vol. 2.º, n. 450); de modo algum, como um

fato praticável perante os princípios de direito comum, que dominam a hipoteca.

Essa translação de urra direito acessório sem a do principal é, como faz sentir

Laurent (n. 324), juridicamente impossível.

“L‟esprit de notre législation s‟y oppose. Pourquoi la loi a-t-elle creé la fiction

de la subrogation? Pour faire passer au subrogé les garanties affectées à la créance qu‟il

a payée. Le moyen le plus simple d‟atteindre ce but était certainement de transmettre les

priviléges, hypothéques, cautionnement à l‟action que le subrogé a en vertu du

payement qu‟il fait, soit comme mandataire, soit comme gérant d‟affaires. Au lieu de

prendre cette voie si simple, la loi recourt à une fiction plus compliquée; elle suppose ou

elle feint que l‟obligation principale est cedée au subrogé, ce qui lui donne droit aux

garanties accessoires. Pourquoi la loi prend–elle cette voie detournée? Ne serait–ce

point parce que les accessoires ne se transmettent pas sans le principal? Voulant

transporter les priviléges et les hypothéques au subrogé, la loi n‟a trouvé d‟autre moyen

que de le subroger à la créance principale. Elle 1‟a fait pour les droits réels aussi bien

que pour le cautionnement. Nous en concluons que, dans 1‟esprit de la loi, l‟accessoire

ne peu pas être cédé sans le principal” (Laurent, Princ., vol. 31, n. 324).

A despeito destes fundamentos de uma justeza incontestável, e apesar de haver

sido a idéia combatida intransigentemente, por ocasião de discutir-se em França a

reforma hipotecária de 1849, pelo conselho de Estado e pelo relator do parecer da

comissão na Câmara, Vatismenil, Pont entende que a tradição, a prática, o silêncio da

lei, quanto à proibição de desagregar-se a hipoteca, e a liberdade das convenções, que

autoriza todas as estipulações e contratos não proibidos, levam à afirmação de que é


possível destacar-se a hipoteca da obrigação principal, para fazer dela, que afinal é um

direito real, um direito, que pode ser avaliado e apreciado pecuniariamente, objeto de

uma cessão; nem se diga que a desagregação é impossível por não se compreender o

acessório subsistindo sem o principal: não é isso que se pretende de modo algum – mas

sim que o acessório se destaque de uma obrigação principal, para ir ligar-se a outra, e

nunca supor o fato de existir ela isolada e com vida própria (Pont, Hypoth., vol. 1.º, n.

334).

Este modo de ver tem em seu favor a opinião de Martou (Hypoth., vol. 1.º, n.

175) que assenta principalmente o seu parecer no fato de poderem os credores

hipotecários ceder entre si o direito de prelação e de ser renunciável o de seqüela.

Não há paridade nas hipóteses figuradas: a cessão da prioridade não importa a

da hipoteca, desagregada da obrigação principal; significa apenas uma troca de posição

entre credores, na escala da graduação, o que, ao contrário do que afirma Martou, supõe

prevalecendo a situação jurídica criada pela existência da obrigação principal, com a da

acessória garantidora e à mesma ligada: Aubry et Rau tornam muito salientes estes

pontos de diferenciação (nota 3.ª ao § 288), o que se pode ver confirmado pelo próprio

Pont (vol. 1.º, n. 459). Se é certo que o art. 9.º da Lei francêsa de 23.03.1855 permite à

mulher a cessão da hipoteca em favor do credor do marido, não o é menos que ela não

quis consagrar a desagregação da hipoteca da obrigação principal, mas antes pôs termo

às dúvidas que suscitavam-se freqüentemente a propósito da sub-rogação da mulher em

favor dos credores do marido e que a prática geral e a jurisprudência dos tribunais tinha

admitido.

O fato é que o direito na feição mais adiantada de regime hipotecário,

modelada sob o pensamento de facilitar a circulação da hipoteca, sob a forma alemã das
letras; hipotecárias, não reconhece a transferência da hipoteca, sem a da obrigação

principal (art. 1.153, 2.ª alínea, do Código Civil alemão de 1896).

346. O direito francês admitia a cessão da hipoteca por escrito particular, salvo

quando o cessionário desejava mudar o domicílio eleito pelo cedente; ao passo que

exigia a escritura pública para a constituição da hipoteca, e um instrumento público de

mandato para se operar o cancelamento (arts. 2.127 a 2.152 do Código Civil francês)

A Lei belga de 1851 (art. 2) corrigiu o que havia de ilógico nestas disposições,

adotando as reflexões de Lelièvre, sobre a conveniência da aceitação da disposição

consagrada no art. 2.

Em face das disposições tão precisas do art. 13 do Dec. 169-A e 222 do Dec.

370, de 2 de maio, não se pode pôr em dúvida a improcedência das cessões levadas a

efeito, por outro qualquer modo; o fato de assinar o credor a escritura de venda do

imóvel hipotecado feita pelo devedor, não importa renúncia da hipoteca, nem liberação

do devedor; o de assinar o credor a escritura do adquirente do imóvel hipotecado não

tem como conseqüência ceder a este o seu direito creditório e hipotecário, nem liberá- lo

da remissão.

Só há dois meios de operar-se a cessão: a escritura pública e o termo judicial; o

oficial do registro não pode aceitar quaisquer outros títulos, para sobre eles fazer a

inscrição ou a averbação.

347. A cessão só depois de averbada no registro das hipotecas, na coluna

própria da inscrição da hipoteca cedida, produz efeitos contra terceiros; desde: que à

publicidade da hipoteca é que a lei liga os efeitos da mesma, erga tertios, e que a
inscrição deve conter o nome do credor, sob pena da nulidade (art. 112 do Dec. 370, de

02.05.1889), não se poderia compreender que a cessão da hipoteca produzisse efeitos,

quando não se houvesse declarado na inscrição a substituição do credor nela

mencionada, o que afetaria de nulidade a inscrição feita; porque fora o mesmo que não

contemplar na inscrição o nome de quem já não é credor e não mencionar o do que

sucedeu ao inscrito (Martou, Hypoth., vol. 1.º, n. 183).

Lafayette (Dir. das Cousas, § 251, n. 5) opina pela desnecessidade da

averbação da cedência porque a “cessão não acrescenta nem diminui os ônus do imóvel

hipotecado; o conhecimento desta portanto, não interessa a terceiros. A lei, pois, deixa a

averbação da cedência à vontade do cessionário”.

Pela razão que expendemos não é desnecessária a menção do nome do

cessionário na inscrição; quanto a ser a inscrição ou a averbação da cedência facultativa,

a disposição do art. 15 do Dec. 169-A responde em contrário.

A censura feita ao art. 248 do Decreto de 26.04.1865, que corrigiu o art. 13 da

Lei de 24.09.1864, tem procedência, conquanto se nos afigure ter sido boa e necessária

a correção; o mesmo reparo não pode ter lugar em referência ao art. 225 do Decreto de

02.05.1890, que não consagra excesso das atribuições executivas, quando corrige o art.

13 do Dec. 169-A; ambos, tendo sido expedidos pelo Governo Provisório da República,

têm igualmente força legislativa; em tal hipótese a segunda disposição deve-se reputar

derrogatória da primeira.

A averbação, tendo por fim, como o fizemos ver, tornar pública a mutação da

pessoa do antigo credor inscrito, para a do novo credor cessionário, deve consistir em

uma certidão em que se declare o fato da cessão, a data em que se operou, a menção do

nome, o domicílio e a profissão do novo credor; se este em vez de averbar a cessão fizer
nova inscrição como credor hipotecário, não preenche o fim, que teve a lei exigindo a

averbação, e isto pela razão de não publicar a cessão da hipoteca, mas sim a

constituição da nova hipoteca sobre o imóvel (Martou, n. 185).

Por occasião da discussão da Lei belga de 1854, o governo propusera que o

cessionário fosse obrigado, além de promover a menção do ato da cessão à margem da

inscrição, a fazer nova inscrição do crédito cedido, apresentando cópia ou segunda via

do ato autêntico da cessão.

A Câmara, à vista do relatório de Leliévre, entendeu que era excessiva a

exigência e que bastava a averbação para ressalvar os interesses dos terceiros (Martou,

vol. 1.º, n. 184).

348. A sub-rogação é o segundo meio de translação do direito hipotecário.

O nosso legislador houve-se com critério, atendo-se à noção da sub-rogação

assentada na doutrina e consagrada nos textos da legislação portuguesa (Ord. do Liv.

3.º, Tít. 92 in fine), e abandonando a noção decorrente da prática e da jurisprudência

francesa, em referência à sub-rogação da hipoteca da mulher casada, noção que a

interpretação variada dos doutrinadores só conseguiu tornar obscura ou falseada em

confronto com os verdadeiros princípios, e que a disposição do art. 9.º da Lei de

23.03.1855 não conseguiu firmar de modo preciso, a porto de pôr cobro às divergências

da doutrina, antes as aumentou pelos subsídios que esta foi procurar nos elementos de

formação da mesma lei fora da verdadeira inteligência do art. 9.º referido. Troplong,

apoiado na autoridade de Renusson, estabelece a verdadeira noção da sub-rogação e o

critério de diferenciação da mesma e da cessão.

Esta é uma translação do direito creditório, ou onerosa, com fim de lucrar, ou


gratuita, com o fim de beneficiar; quando o credor hipotecário transfere o seu direito

creditório e com ele o seu direito hipotecário por preço estipulado, realiza uma venda –

o comprador, muito naturalmente, adquire o objeto vendido, por força dos princípios

que dominam as relações do contrato da compra e venda.

Na sub-rogação a translação do direito do credor hipotecário não se opera na

pessoa que paga, senão por uma ficção de direito, que, excepcionando os princípios, faz

com que transfira o credor pago o direito creditório, que já pão possui, porque o

pagamento o extinguiu, para a pessoa do pagador que não podia ter por fim adquirir,

mas sim, solver a obrigação do devedor, em lugar do qual interferiu no contrato

operando a solução da obrigação.

Com muita procedência dizia Renusson que a sub-rogação tivera como causa

originária não operar uma cessão de direitos, mas, ao contrário, uma dissolução de nexo

obrigacional: potius distractus quam contractus. No intuito de não criar obstáculos à

solução das obrigações, antes com o pensamento de favorecer o pagamento delas por

terceiros, a lei faz, por uma ficção, a translação do direito do credor pago, para a pessoa

do terceiro não obrigado, que a paga. Preferindo à noção verdadeira que faz dimanar do

pagamento a extinção da obrigação – a de não considerar o pagador como agindo na

qualidade de gestor de negócios do devedor, mas antes conferir-lhe em vez do direito

regressivo contra aquele, direito que visaria unicamente a restituição da quantia paga e

dos juros legais, fá- lo suceder na situação jurídica do credor, considerando não

resolvida, a obrigação do devedor, mas renovada e revivida para com o pagador, que

aparece investido do direito creditório e do hipotecário que lhe é acessório, sob a figura

jurídica de um sub-rogado. Como se vê, só à lei deve a sub-rogação a sua existência; a

classificação da sub-rogação em legal e convencional é uma sutileza que no fundo


jurídico da instituição não encontra apoio.

À convenção das partes não fora lícito conferir ao credor um direito subsistente

após o ato resolutivo do mesmo, como é o pagamento – e muito menos a translação de

tal direito para a pessoa do pagador: ao devedor não se podia impor a novação pela

substituição do credor, sem o seu consenso; esta violência à situação do devedor foi

remediada concedendo-se- lhe também a faculdade de promover e operar, de per si, a

sub-rogação invito creditore.

O direito romano consagrou em textos expressos, sob o nome de beneficium

cedendorum actionum, a translação do direito creditório da pessoa do credor pago para a

do que o pagara; quer se tratasse de credor que tivesse apenas em vista melhorar de

classificação; quer de terceiro que procurasse a situação do credor: a ficção origina-se,

portanto, dos textos do direito romano.

Quando a translação se opera pelo credor os laços de afinidade desta operação

com a cessão levaram os jurisconsultos romanos a não considerarem o pagamento como

tendo por objetivo a extinção da obrigação, mas antes a aquisição dos direitos do credor;

daí a denominação de cessio actionum a lege.

Paulo, em geral escrupulosamente severo em sua tecnologia jurídica, diz na L.

36 D. de fidejussor:

“Cum is, qui et reum et fidejussores habens, ab uno ex. fidejussoribus accepta

pecunia præstat actiones: poterit quidem dici nullas jam esse, cum suum perceperit, et

perceptione omnes liberati sunt; sed non ita est; NON ENIN IN SOLUTUM ACCIPIT, SED

QUOAMMODO NOMEM DEBITORIS VENDIDIT, et ideo habet actiones, quia tenetur ad

idipsum, ut prætet actiones.”

Esta noção e a de Modestino na Lei 76 do Dig. de solutionibus et


liberationibus foram o assento da prática e da jurisprudência francesa, que equipararam

a renúncia do direito hipotecário da mulher casada à sub-rogação, e esta à cessão, em

todos os seus efeitos.

Não assentam no momento grandes desenvolvimentos sobre a sub-rogação,

pertenceria tal estudo ao da solução das obrigações, se ao exame deste ponto de direito

nos consagrássemos; como, porém, a sub-rogação é um dos modos da translação do

crédito hipotecário, convinha acentuar a noção da sub-rogação para tornar saliente que o

legislador seguiu a verdadeira doutrina quando fez decorrer a sub-rogação unicamente

do pagamento da dívida hipotecária, e ficarem assim preventos de suspeição, no nosso

direito, as opiniões de Pont que a fazem decorrer de renúncia expressa e tácita da

mulher casada, de Aubry et Rau que faz consistir a sub-rogação em uma caução ou

fiança sui generis a qual não investe o sub-rogado nem do crédito do sub-rogante nem

da hipoteca que a garante, opiniões que Laurent refuta de modo completo juntamente

com a de Benech, que tem igual fundamento (vol. 31, n. 343).

349. O direito belga desconhece a sub-rogação como a estabeleceram a

jurisprudência e a doutrina francesa, e a consagrou a Lei de 23.03.1855, isto é, como

resultante da renúncia da hipoteca legal da mulher casada (Laurent, vol. 31 n. 343).

O art. 71 da Lei de 1851 só permite; em referência à hipoteca da mulher

casada, a renúncia da inscrição.

Da sub-rogação do crédito hipotecário trata o art. 5.º da referida lei, e

conquanto as suas expressões sejam precisas em referência à sub-rogação d’une créance

privilegiée et hypothecaire, todavia comentadores de grande autoridade, como Martou

(vol. 1.º, n. 175), entendem que a sub-rogação da hipoteca se pode dar


independentemente da da obrigação principal.

A refutação desta opinião, no que entende com a cessão, tem inteira aplicação à

da sub-rogação.

Martou consagra, porém, em referência a esta a verdadeira noção (n. 174),

quando a considera sempre acessória do pagamento, que libera o devedor e extingue a

dívida o que imprime à sub-rogação o cunho de criação do princípio da eqüidade, o

característico de ficção, que se opera pela transportação da obrigação extinta, para a

nova, resultante do pagamento da dívida primitiva por terceiro, ou pelo fiador.

O que paga dívida alheia, já o dissemos, só tem no rigor do direito civil, que

haver, por ação regressiva, contra o devedor principal a importância paga e os juros

devidos.

É o que Justiniano declara com precisão no § 6.º do título de fidejussoribus da

Instituta: si quid autem fidejussor pro reo solverit, ejus recuperanda causa habet cum

eo mandati judicium; a dívida paga ficaria extinta – Nec tamen interest quis solvat,

utrum ipse qui debet, an alius pro eo; liberatur enim et alio solvente (Inst. quibus mod.

obligat. tollit princ.).

Reconhecido este cunho original na sub-rogação, o que é de suma importância

para se estabelecer que em seus efeitos ela depende, de modo absoluto, das condições

exigidas pela lei, o primeiro princípio a firmar, em face do nosso direito escrito, é que a

sub-rogação só decorre do pagamento da dívida.

É a noção tradicional do nosso direito.

A Ordenação do Liv. 3.º, Tít. 92 admitiu a sub-rogação do devedor pelo fiador

que pagava a dívida afiançada. É a adoção e consagração do preceito do direito romano

concretizado na Lei 17 do Digesto de fidejussoribus.


O segundo caso de sub-rogação aceito no nosso direito escrito ainda era

oriundo do direito romano: a Lei de 20.06.1774, no § 37, considerava sub-rogado na

dívida aquele a quem o devedor pedira por empréstimo o dinheiro para pagá- la e

efetuara definitivamente o pagamento, ou aquele que pagou pessoalmente a dívida (L.

3.ª, Dig. Quæ res pign., e L. 12.ª, §§ 8.º e 9.º, Dig. Qui potior in pign. vel hypoth. etc.)

Como, sob o domínio do direito romano, se ampliava a sub-rogação a outros

casos, o direito português reconheceu-a existente no caso de pagar o adquirente do

imóvel hipotecado a dívida hipotecária e no em que o credor hipotecário pagasse a

dívida de outro credor hipotecário com prelação sobre aquele por prioridade de ordem

(LL. 16 e 17 Dig. qui potior in pign. vel hypoth. e L. 7 Cód. qui potior in pign.

habeantur). Sob o pensamento de tornar em muitos destes casos a sub-rogação

dependente de declaração por sentença e em outros de contrato classificaram- na em

legal e convencional. Esta classificação aceita no direito moderno (Código Civil

italiano, art. 1.251; Código Civil holandês, arts. 1.457 e 1.458; Código Civil do Chile,

art. 1.609, Código Civil do uruguai, art. 1.455; Código Civil argentino, art. 767);

principalmente com o intuito de regular o caso da intervenção do credor e do devedor

na sub-rogação, carece, como já fizemos sentir, de valor prático entre nós.

Quando os arts. 13 do Dec. 169-A e 224 do Dec. 370 exigem a prova da sub-

rogação, isto é, do pagamento da dívida de onde ela resulta, por meio de escritura

pública ou termo judicial, não supõem de modo algum uma sub-rogação fundada em

contrato e outra em disposição de lei, e que somente neste caso ela se opere ipso jure

pelo pagamento; mas sim que o pagamento, feito em virtude da cláusula contratual, de

per si só opera a sub-rogação e tem como prova a cláusula referida; que é levada a efeito

por meio de ação judicial, só por termo judicial se prova, e só depois de tal termo e da
averbação do pagamento se realiza a sub-rogação da hipoteca: em qualquer das duas

hipóteses a sub-rogação se opera por força da lei que excepciona, no caso, os preceitos

dos arts. 11, § 1.º, do Dec. 169-A e 226, § 1.º, do Dec. 370, de 1890, que dão a hipoteca

como extinta pelo pagamento da dívida, um dos modos da extinção da obrigação

principal.

No Código Federal suíço das obrigações não se admitiu a classificação da sub-

rogação em legal e convencional; segundo o art. 176 a sub-rogação é sempre legal, isto

é, só tem seu fundamento na lei e na especificação dos casos de sub-rogação

compreende os que geralmente são classificados como de sub-rogação convencional.

Rossel oferece a verdadeira noção originária da sub-rogação; dada a extinção

da dívida pelo pagamento a transportação do direito creditório para a pessoa do pagador,

que adquiriu um duelo fundado em título novo, que não é o que se fundava a dívida

paga, não se opera senão por meio de uma combinação da cessão com o pagamento,

atuando em sua ação conjunta para efeitos acordes (V. Rossel, Man. du Droit federal

des obligations, n. 138). Não se pode considerar a sub-rogação unicamente uma

cessãofeita porque desde que ela pode promanar do ato do devedor não teria causa lega1

porquanto o devedor não pode ceder o direito do credor; na hipótese figurada a sub-

rogação decorre do pagamento.

Esta combinação da cessão com o pagamento ressalta clara e precisa da

luminosa exposição feita por Demolombe (vol. 27, ns. 312 a 315) do mecanismo da

função da sub-rogação o direito civil romano e no moderno.

Não se trata no nosso, direito de saber se a sub-rogação é legal ou

convencional, para os efeitos da translação do direito hipotecário; mas unicamente de

verificar se consta ela de pagamento provado por escritura pública ou por termo
judicial; quando o caso houver sido levado a juízo.

Esta é a segunda condição da sub-rogação.

A terceira consiste na averbação na inscrição da hipoteca feita no registro

geral.

Só depois de averbada, nos mesmos termos, e nas condições em que é feita a

cessão, a sub-rogação produz efeitos em relação ao sub-rogante e ao sub-rogado.

Como somente a datar da averbação da sub-rogação é que esta produz efeitos

para com terceiros não pode pretender-se sub-rogado o que pagou a dívida hipotecária

antes do outro que fez averbar o pagamento; ainda mais, como a sub-rogação se opera

na escala prelatícia o credor hipotecário, que averbou o pagamento do preço estipulado

no contrato em que se pactuou a cessão da ordem de classificação, tem preferência

sobre o que anteriormente houver convencionado a preferê ncia, mas não houver

averbado a sub-rogação no número de ordem do credor sub-rogante: nenhuma

influência tem para resolução do caso o fato de ter o segundo contratante conhecimento

do primeiro contrato (Martou, vol. 1.º, ns. 191 e 193; Chironi, Diritto Civile Italiano,

vol. 1.º, n. 226).

350. A sub-rogação da hipoteca constituída em garantia de letras de câmbio

está sujeita aos princípios estabelecidos; ela só pode dimanar do pagamento das letras.

O art. 223 não afeta esta solução.

Este entende apenas com a relação entre a transferência da hipoteca e a

circulação dos títulos da dívida garantida; neste ponto ele consagra a verdadeira

doutrina (Martou, vol. 1.º, n. 208; Laurent, vol. 31, n. 347).

A opinião de Aubry et Rau e outros, prendendo a translação da hipoteca à


circulação das letras por endosso, foi repelida pelo art. 223 e com razão.

Como julgar feita a translação da hipoteca inscrita, sem averbação da inscrição,

sem escritura em que se faça efetiva a transferência, somente porque títulos ao portador

foram entregues ou à ordem endossados.

351. O Sr. Lafayette enumera entre os casos de sub-rogação convencional a do

adquirente que paga a dívida hipotecária para evitar a excussão do imóvel ( Dir. das

Cousas, § 252, n. 4).

Em tal circunstância o que a lei confere é uma ação regressiva contra o

vendedor do imóvel hipotecado (art. 10, § 8.º, do Dec. 169-A e art. 227, § 2.º, do Dec.

370, de 02.05.1890) a qual tem por fim obrigar o vendedor a restituir o preço pago, e as

despesas feitas para assegurar a posse da coisa.

Tal ação é a evicção – como é que resulta dela sub-rogação?

Esta não seria sem objeto? Sendo a hipoteca um jus in re aliena, ninguém

podendo ter direito hipotecário sobre seus próprios imóveis como pode ser sub-rogado

em tal direito, em idênticas condições?

Este caso de sub-rogação era reconhecido no direito romano (Leis 12, § 1.º, e

17 D. qui potiores in pign.) os textos citados decidem que o adquirente que paga o preço

pelo qual adquiriu o imóvel dos credores por hipoteca sobre o mesmo, sucede-lhes no

direito hipotecário que tinham.

A dúvida suscitada pelos comentadores era que tal sub-rogação só tinha lugar

quando no contrato translatício do imóvel se estipulara que o preço da aquisição devia

ser empregado em pagar os credores.

Esta opinião, que se deduz da L. 3.ª, Cód. de his qui in loc., etc.; era sustentada
por Pothier e justifica a asserção emitida pelo Sr. Lafayette de ser tal sub-rogação

convencional; não foi, porém, a que prevaleceu, no direito moderno, e sim a de Cujacio,

adotada nos escritos de Renusson e consagrada no art. 1.251, n. 2, do Código Civil

francês.

Tem aplicação no nosso direito este caso de sub-rogação?

Parece-nos que sim.

A hipótese em que a sub-rogação revela o seu valor prático é a que, no sentir

dos comentadores do Código Civil francês, tratou de prover o dispositivo do § 2.º do art.

1.251.

O adquirente paga a primeira, em ordem prelatícia, das diversas hipotecas de

que o imóvel se acha gravado; não fora a sub-rogação que a lei lhe confere nos direitos

do credor pago, a situação do adquirente seria de todo o ponto precária: ele teria perdido

o dinheiro pago ao credor hipotecário preferente, pois, veria o imóvel adquirido

excutido pelos credores hipotecários de classificação inferior.

A sub-rogação nos direitos do credor pago põe remédio à situação; o

adquirente pode alegar contra os demais credores hipotecários a sua situação

preferencial e assim ressalvará o imóvel, até o valor do crédito hipotecário sub-rogado

em sua pessoa.

Se a aquisição do imóvel for nulificada por meio de reivindicação deste, por

vício substancial do contrato, ou por qualquer outro modo anulada, se o adquirente não

ficasse sub-rogado na pessoa do credor hipotecário por ele pago, o dano resultante da

transação por ele celebrada seria de todo o ponto irremediável.

Sob a forma e o revestimento da sub-rogação a situação do adquirente é outra:

a dívida por ele paga não é própria, é a do transmitente, o modo de garantir e assegurar
o êxito da ação regressiva é a sub-rogação: o imóvel hipotecada e adquirido, desde que é

objeto de reivindicação, não mais pode ser tido como de propriedade do adquirente, mas

sim do reivindicante (Demolombe, vol. 27, n. 501).

Assim esboçada, esta sub-rogação não pode ser, no nosso direito, admitida

senão quando pactuada nos contratos de translação de imóveis hipotecados: os únicos

casos de sub-rogação legal são os estabelecidos, de modo preciso, na Ord. do Liv. 3.º,

Tít. 92 e o que se deduz da disposição do § 37 da Lei de 20.06.1774; nos demais casos a

sub-rogação é dependente de convenção.

Não se tem assim entendido e casos de sub-rogação pleno jure, segundo o

direito romano, têm sido contemplados entre nós como legais e considerado

convencional a que se deduz da disposição da Lei de 1774.

O Sr. Coelho Rodrigues no seu projeto de Código Civil (arts. 530 e 531)

classificou a sub-rogação, segundo os arts. 1.250 e 1.251 do Código Civil francês:

tratando-se de constituir o direito sobre o assunto a classificação justifica-se; perante o

direito constituído a classificação é a que deixamos mencionada.

O Sr. Lafayette classificou a sub-rogação segundo o direito francês e não

segundo o nosso direito escrito (Dir. das Cousas, § 252).

Carece de interesse uma elucidação mais detida da matéria que só afeta a sub-

rogação da hipoteca doutrinal e teoricamente; segundo o nosso direito escrito só

podendo a sub-rogação ter efeito prático quando levada a efeito por escritura pública, ou

por termo judicial, ligada ela a qualquer destes modos de prova de pagamento, carece,

de interesse real a apuração do modo pelo qual a sub-rogação opera a investidura dos

direitos do sub-rogante no sub-rogado.


352. A cessão e a sub-rogação da hipoteca colocando o cessionário e o sub-

rogado em situação idêntica, quoad tertios, à do credor em favor do qual foi constituída

a hipoteca, nos termos do § 6.º do art. 4.º do Dec. 169-A, sobre elas assentou a

legislação de 1890 o regime de crédito real, utilizado por sociedades organizadas sob a

vigilância do poder público, de cuja autorização necessitam para funcionar.

Essas associações provêem às grandes agremiações de capital que a exploração

do crédito real torna necessárias, atenta principalmente à lenta liquidação de suas

operações, que só terão seguros resultados se assentarem sobre contra tos de longo

prazo.

Não seria dado estimar o volume das grandes massas de capitais a empregar

por tais associações, desde que se estabelecesse a previsão de larga expansão no círculo

de suas operações; a congregação de tais capitais tornaria impossível o funcionamento

das associações, se não fora o uso do verdadeiro assento do crédito agrícola, o título que

constitui em sua substância o instrumento de circulação da riqueza imobiliária,

valorizada pela garantia hipotecária, que imprime ao título representativo do mesmo

grande cunho de segurança, conseguindo captar a confiança do capital desde que à sua

engrenagem de emissão, de circulação e de resgate presidam preceitos garantidores da

retribuição e restituição fáceis do capital, neles empregados; para o que concorre de

modo eficiente a preferência que lhes é concedido sob quaisquer títulos quirografários.

As letras hipotecárias são esses títulos;constituem elas na atualidade

econômica, a expressão mais nítida do instrumento de movimentação do crédito real –

assentado na riqueza imobiliária.

O crédito real constitui uma modalidade de aplicação do mecanismo

hipotecário; como tal é estranho ao nosso objetivo.


Estudamos a estrutura científica da hipoteca exclusivamente em sua face

jurídica; a sua face econômica não constitui assunto de nossas preocupações.

Na apreciação do fundamento, da evolução e da irradiação do direito

hipotecário brasileiro só acidentalmente nos cabe estudar a letra hipotecária tal como a

criou o nosso direito escrito, isto é, um instrumento e conômico ligado ao aparelho

hipotecário unicamente pelos laços que prendem este à mais segura e eficaz circulação

da riqueza imobiliária.

Na atualidade do direito escrito a letra hipotecária está tomando a investidura

de um título jurídico, desde que começa a constituir de per si só o instrumento do

contrato hipotecário (Código Civil alemão de 1896, art. 1.117); não é esta, porém, a

feição que ela tem no nosso direito; em todo o caso esboçamos em traços rápidos a

natureza da letra hipotecária, o seu modo de emissão, o seu mecanismo circulatório e o

seu regime de resgate.

353. A emissão das letras hipotecárias outorgadas ao credor singular, ainda

mais ao proprietário de bens imóveis, como meio de promover a circulação da riqueza

imobiliária, é a expressão mais adiantada e moderna da aplicação e adaptação da força

da hipoteca, como fator econômico da expansão da riqueza imobiliária, expressão ligada

à elasticidade que lhe empresta a hipoteca, permitindo que as letras hipotecárias, que

não podem aliás exceder o valor não amortizado dos empréstimos, ofereçam assento a

operações que importam a circulação de letras não colocadas por já representarem

dívidas liquidadas, desde que, recebidas em pagamento antecipado, podem ser

reemitidas, apenas assinaladas com selo especial.

As letras hipotecárias representam os empréstimos de longo prazo: por isso não


podem exceder o valor desses empréstimos; estes só podem alcançar a metade do valor

dos imóveis rurais e três quartos dos valores dos urbanos (§§ 5.º e 6.º do art. 13 do Dec.

169-A, de 1890, e arts. 291 e 310 do Dec. 370 do mesmo ano).

Elas só podem ser emitidas por associações de crédito real sobre primeira

hipoteca constituída, ou cedida e sub-rogada; como títulos nominativos, à ordem ou ao

portador, que podem ser, transferem-se por endosso ou por tradição (§§ 2.º e 3.º, do art.

13, do Dec. 169-A, e arts. 311, 312 e 314, do Dec. 370; Inglez de Souza, Titulos ao

Portador, n. 345).

A transferência das letras nominativas por endosso não impede o uso de outro

meio de transferência e opera apenas o efeito da cessão civil, isto é, o endossante não

fica responsável para, como portador, como no endosso comercial (arts. 312 e 313 do

Dec. 370, de 1890; Inglez de Souza, Titulos ao Portador, n. 349).

A lei fixa o mínimo do valor das letras em cem mil réis (arts. 13, § 4.º, do Dec.

169-A, e 315, do Dec. 370) e estabelece como sinais de sua autenticidade o número de

ordem, segundo o ano de sua emissão (art. 317, do Dec. 370).

As letras emitidas pelas sociedades de crédito real ou são negociadas por estas

que entregam a importância da cotação ao mutuário ou são entregues ao mutuário para

ele próprio colocá- las: nesta hipótese acentua-se o seu cunho de título de crédito e de

fator e instrumento da circulação do valor imobiliário, que ela na realidade mobiliza

(Inglez de Souza, Titulos ao Portador, n. 346).

Quando as letras estão valorizadas e bem cotadas é preferível às sociedades

operarem sobre elas, porque ficando com as letras podem empregá-las em novas

operações.

O caráter singular das letras ressalta da possibilidade de tais modalidades de


operações que se tornam praticáveis principalmente porque as letras não assentam sobre

a hipoteca que recaia em bens do emissor, mas sobre o direito hipotecário deste,

constituído por contrato orgânico, ou por força de cessão ou sub-rogação, sobre bens do

mutuário, que oferecerem, na realidade do fato, a garantia ao portador da letra.

No entanto, não tem este ação contra aquele e sim contra a sociedade emissora;

a principal razão está não só no fato de ser a letra a expressão titular do crédito real,

representado; em sua feição concreta, pela hipoteca que garante a realização da letra;

como ainda porque os imóveis do mutuário garantem diretamente a solução da dívida

hipotecária; isto é, são destinados a assegurar a realização do direito real do credor

hipotecário, e sendo este a sociedade emissora, as letras por ela emitidas sendo apenas

representação do seu direito ou crédito hipotecário em circulação, os imóveis

hipotecários vem a garantir de fato esses títulos circulatórios. Deixam de ser

consignados à garantia de certas e determinadas letras; mas estabelecem fundo de

garantia por meio do qual a sociedade emissora fica habilitada a responder pelo resgate

das letras emitidas (Inglez de Souza, obra citada, n. 347; Dec. 370, de 1890, art. 329)

para o qual cooperam o fundo social e o de reserva das mesmas (Dec. 370, de

02.05.1890, art. 327; e art. 58 do Dec. 3.471, de 03.06.1865).

Com a natureza de títulos de circulação, que lhes dá a estrutura atual, as letras

hipotecárias, muito naturalmente, não têm época certa de pagamento; são sujeitas a:

resgate por via de sorteio, para o qual constituem um fundo especial a anuidade de

amortização e a importância dos pagamentos antecipados (Dec. 370, de 1890, arts. 318

e 319; Dec. 3.471, de 1865, art. 49 e 50; Inglez de Souza, obra citada, ns. 346, 365 e

366).

O portador da letra hipotecária não tem ação contra o mutuário, porque


nenhum contrato celebrou com o mesmo e sim com a sociedade emissora; esta é que

contratou com o proprietário dos imóveis hipotecados.

A ação contra a sociedade, já fizemos ver; tem por fim pagar-se o portador pelo

fundo de reserva, pelo capital disponível e pelos créditos hipotecários (Dec. 3.471, de

03.06.1865, art. 64; Dec. 169-A cit., de 19.01.1890, art. 18, § 13; Dec. 370, de

02.05.1890, art. 334; Inglez de Souza, obra cit., n. 372 e seguintes).

Assim esboçado o mecanismo das letras hipotecárias e o aparelho circulatório

que elas proporcionam ao crédito real, comp reende-se que a eficiência de tal

instrumento de crédito depende, em absoluto; da valorização das letras.

Se se depreciarem, a sua colocação tornar-se-á difícil e mesmo impossível e

todo o mecanismo se ressentirá de tal emperramento de função que as socied ades cairão

na liquidação forçada.

Onde está o verdadeiro segredo da valorização das letras?

Única e exclusivamente na segurança da avaliação dos imóveis hipotecados, na

fixação do quantitativo dos empréstimos, de modo a deixar-se margem suficiente para

cobrir as eventualidades do pagamento, no cálculo o mais cauteloso sobre a estimação

da renda líquida dos imóveis, e na facilidade da realização da letra pelo sorteio.

Tudo o que for procurar em outras bases a valorização das letras hipotecárias é

recorrer a processos empíricos e de efeitos transitórios, que deixarão, afinal, as letras

mais desvalorizadas do que dantes.

Ministros da Fazenda solícitos pela expansão do crédito real no qual

enxergaram o auxílio exclusivo e eficaz à propriedade agrícola, têm sugerido a

valorização da letra, hipotecária por meio da garantia dos juros das letras concedida

pelos Estados, na qualidade de interessados imediatos no desenvolvimento de sua


produção agrícola, e a fiança de tal garantia pelo Tesouro da União.

Seria um expediente que apenas proporcionaria uma valorização fictícia às

letras hipotecárias, valorização que está na garantia proporcionada pela propriedade

imobiliária, devidamente estimada nos contratos hipotecários, sobre a qual assenta o

crédito real.

A valorização das letras hipotecárias, devida à garantia de juros dada pelos

cofres públicas, é transitória e como tal desaparece, desde que cesse a referida garantia,

e tantas são as circunstâncias que podem levar a esta cessação!

O processo seguido no Código Civil alemão de constituir a letra hipotecária

título da hipoteca, com ação direta do portador sobre o imóvel hipotecado, processo que

se não é novo, é o que foi empregado, mesmo em França, na lei reguladora do crédito

real em Argel sobre o mecanismo de letras hipotecárias emitidas pelo próprio oficial do

registro, até o valor do direito creditório de cada um dos credores por hipoteca, parece,

em absoluto, o mais seguro para a valorização dos contratos hipotecários; todavia os que

fazem depender da cadastração da propriedade imobiliária o êxito de qualquer medida

nesse sentido, não regatearão objeções a sua adoção.

A desvalorização das letras hipotecárias teve, entre nós como principal fator o

descrédito em que caíram as sociedades emissoras, pela má gestão que deram às

operações de crédito real.

O concurso do Tesouro dos Estados ou da União agravará o mal resultante da

negligência ou da incompetência das administrações das sociedades; os contratos

hipotecários serão levados a efeito com menor cautela do que na atualidade; a

fiscalização por parte do poder público é de todo o ponto impotente para trazer remédio

ao vício de que vêm eivadas, desde a origem, as operações realizadas.


Torne-se eficiente a realização da dívida hipotecária sobre os bens dados em

garantia, o que depende de medidas hoje ao alcance de todos, e a valorização das letras

seguir-se-á, como um corolário natural do pronto e efetivo pagamento da dívida

hipotecária, pelos bens dados em garantia.

A garantia dos portadores, como se acha na atualidade, é de todo o ponto

ilusória.

O fundo de reserva das sociedades não existe, o capital disponível como

encontrá- lo em associações que arrastam, com poucas exceções, uma vida tormentosa

de dificuldades diárias; restam os créditos hipotecários, única e real garantia dos

portadores das letras.

Se os contratos hipotecários forem celebrados sem uma rigorosa verificação

dos valores dos bens, sem a apuração, por meio de pesquisas regulares, da renda

decorrente da produtividade dos mesmos, com o possível cunho de estabilidade, se não

for deixada margem suficiente para cobrir as deficiências eventuais no valor ou na renda

dos bens, não há como descansar em base segura o crédito real.

O direito preferencial concedido às letras hipotecárias sob re as dívidas

quirografárias e privilegiadas, a isenção de penhora, na falta absoluta de outros bens, a

possibilidade de serem empregadas em fianças ou cauções de toda a espécie, e,

finalmente, a faculdade de nelas converterem ou aplicarem os juízes os bens dos

menores, órfãos e interditos (Dec. 169-A, de 19.01.1890, art. 17; Dec. 370, de 2 de maio

do mesmo ano, art. 233) são elementos para a valorização da mesma, desde que a

emissão não traga a eiva de depreciação na pouca confiança que inspiram as

administrações das sociedades de crédito real e os processos empregados para a

constituição e aquisição, por meio de cessão ou de sub-rogação, dos créditos


hipotecários.

A garantia de juros das letras é um ato de socialismo de Estado digno de

reparo, até mesmo pela sua improficuidade, quanto à organização e estabilidade do

crédito real, em qualquer de suas aplicações urbana e rural ou agrícola.

Os que reclamam essa medida puramente arbitrária, não visam outro fim mais

do que lançar na circulação, para operações talvez de grande eventualidade de êxito, as

grandes massas de letras desvalorizadas, que têm em caixa.


TITULO VII

Das acções e execuções hypothecarias

354. Ao estudo, de exclusivo interesse prático, da ação que a legislação atual

confere à hipoteca, para tornar efetivo o direito real, essência de sua força garantidora e

assento de sua função moderna movimentadora dos valores imobiliários, convém

preceder uma ligeira exposição da evolução que ela tem experimentado e, à noção

histórica da ação hipotecária, acrescentar uma rápida referência aos princípios que a tem

dominado nas diversas fases de sua vida evolutiva e os que modernamente lhe estão

traçando a sua marcha para a nova feição que vai tomar em tempo muito próximo. Ela

não será mais do que a resultante da mutação que vai experimentando a hipoteca em sua

lenta mas progressiva transformação de instrumento acessório de garantia dos contratos

assentados nos bens imóveis, em fator de expansão do crédito real, nas suas variadas

modalidades, com função econômica acentuada especialmente nas novas formas das

letras hipotecárias, que constituem títulos de crédito, atuando como fatores de

circulação dos valores concretizados na propriedade imobiliária.

355. No direito romano a ação hipotecária era puramente real; o seu objetivo

era dar ao credor por hipoteca a nuda possessio do imóvel hipotecado, que se

encontrasse em poder de terceiro detentor (L. 16, § 3.º pr. D. de pignor. et hypothec.;

Ortolan, comentário ao § 7.º da Instít. de actionibus ns. 2.091 e 2.099; Van Wetter,

Direito romano, § 276; Accarias, Direito romano, vol. 2.º, n. 821; Mackeldey, Direito

romano, § 360; Maynz, Direito romano, § 166): actio hæc in ren est, constitutæ

creditoribus pignoris persequendi causa, diz Vinnio (comentário ao § 7.º do Instít. de


actionibus, n. 2).; pignoris vel hypothecæ persecutio in rem est (L. 18, Cód. de pignor.

et hypothecæ); pignoris persecutio in rem parit actionem creditori, afirma Ulpiano (L.

17 D. de pignor. et hypothec.).

Se a entrega da coisa hipotecada, por parte do detentor tornava-ser impossível,

por haver ele perdido a posse, sem dolo, como se a coisa tivesse perecido por causa

fortuita, o detentor era absolvido da ação (L. 16, § 3.º, D. de pign. et hypoth.): Nam si

non possideat, nec dolo fecerirt, quo minus possideat, absolvi debet, diz Marciano.

Apesar deste preceito, que nada mais faz do que consagrar o princípio que

domina, no direito romano, as ações reais, a ação hipotecária podia levar o detentor da

coisa hipotecada a pagar a hipoteca; era mesmo o meio facultado para que ele se

liberasse da entrega da coisa; Paulo o declara, de modo preciso, no § 1.º da L. 12,

quibus modis pignus, vel hipoteca solvitur: ainda mais, o autor na ação hipotecária,

apesar de ser ela real, não age como proprietário, ele pede apenas a posse da coisa para

poder exercitar os direitos elementares da hipoteca – o de vender a coisa hipotecária (jus

vendendi seu distrahendi) e o de se pagar pelo preço da venda, com preferência sobre os

outros credores, em relação aos quais tenha prelação pro antecendencia da data da

hipoteca – potior in tempore, potior in jure.

356. A ação hipotecária, com esse cunho de realidade, era uma ação de origem

pretoriana e consistir na aplicação às hipotecas da actio quase-serviana. O pretor

Servius criara, para assegurar ao proprietário de um imóvel rural, que arrendava o

prédio ao colonus, o pagamento do preço do arrendamenbto, uma ação sobre os móveis

que o colonus trazia consigo e entregava ao proprietário; no caso de irem parar tais

móveis, sobre os quais o proprietário tinha um penhor legal, ao poder de terceiro, o


proprietário perdia, segundo o direito clássico, o pignus; com a perda da detenção do

mesmo fugia- lhe o jus in rem contra os terceiros detentores.

A actio serviana remediou esta situação dando ao proprietário o direito de

acionar os terceiros detentores para reaver a posse das coisas pertencentes ao colonus e

que este dera em garantia do pagamento do arrendamento; aplicava-se esta ação

extensivamente a todos os casos de contrato de penhor sob a denominação de quase-

serviana, vindicatio pignoris, pignoris persecutio; ela o foi tambem a proteger o credor

hipotecário, sob a denominação de hypothecaria actio, quando o pretor, admitindo que

por simples convenção se pudesse consignar uma coisa qualquer à garantia do

pagamento de uma dívida, independentemente da entrega da mesma ao credor, firmou

as bases da hipoteca, segundo a noção aceita, desde então até hoje, e que merece do

Justiniano ser cientificamente especificada, em seu critério de diferenciação do penhor;

especificação que acompanhou evolução da hipoteca e teve no direito moderno a mais

completa consagração, enquanto não se limitou a hipoteca aos imóveis.

“Nam pignoris appellatione eam proprie rem contineri dicimus, quæ simul

etiam traditur créditori, maxime si mobilis sit. At eam quæ sine traditione nuda

conventione tenetur, proprie hypothecæ appellatione contineri dicimus.” (Inst. de

action, § 7.º.)

Ação real, com objetivo único de investir o credor da nuda possessio dos bens

hipotecados, para o efeito de poder vendê- los e pagar-se com preferência aos demais

credores, pelo preço, a ação hipotecária era dirigida, no direito romano, contra o

detentor do imóvel, embora não fosse dela proprietário nem o devedor pessoalmente

obrigado pela dívida: a condição necessária para poder ser acionado era possuir a coisa

(L. 13, § 3.º, D. de pignor hypothecis).


Quando acionado assistia, como já o dissemos, ao detentor o direito de pagar a

dívida hipotecária, para livrar-se da entrega dos bens hipotecados: “Si vero possideat et

aut pecuniam solvat, aut rem restituat, æque absolvendus est. Si vero neutrum horum

faciat, condemnatio sequetur” (Marciano, L. 16, § 3.º D. de pignor et hypothec.)

Não se veja, porém, nesta solução uma infringência dos moldes restritos a que

prendia o direito romano a estrutura dos direitos e acções reais, – mas antes a

consagração de um efeito especialíssimo da hipoteca como contrato acessório de

garantia do pagamento da obrigação principal, efeito que se salientava de modo

irrecusável, no antigo contrato da fiducia, fonte originária da hipoteca, e único

expediente que na severidade do direito civil quiritário acudiu aos jurisconsultos para

prover à asseguração das convenções: a adjeção do contrato de fidúcia tinha como efeito

fiar do credor, que adquiria o domínio da coisa dada em garantia pelo devedor, a volta

ao domínio deste, depois de paga a dívida o que tinha lugar por meio de uma

reemancipação (sub lege remancipationis).

357. A ação hipotecária era no direito romano uma ação arbitral, se a entrega

da coisa hipotecada não se efetuava pela decisão arbitral o juiz do feito condenava o réu

(Instít. de action, § 31).

Esta forma de ações compreendia, em sua adaptação, todos os direitos reais, e

daí o serem arbitrais todas as ações in rem civis, ou pretorianas (Ortolan, comentário à

Inst., n. 2.143; Vinnio, comentário ao § 31 da Inst. de action, n. 7).

Em que consistia a condenação do réu?

Convém não perder de vista dois pontos capitais: o fim da ação hipotecária era

obter a entrega da coisa, mas como essa entrega – essa investidura do credor na nuda
possessio da coisa – tinha por fim habilitá- lo a realizar a hipoteca, isto é, pagar-se pelo

preço do objeto hipotecado, com prelação sobre os outros credores; desde que o credor

pagava a dívida, ou o terceiro detentor, acionado, resgatava a hipoteca, liberava-se o

bem hipotecado que ficava em poder do seu detentor.

Mas quando coagido pela decisão arbitral não fazia o detentor a entrega da

coisa hipotecada; dizia o § 31 da Instituta de actionibus – condemnari debeat.

A condenação previa o caso da não entrega da coisa – porque fosse impossível

ao detentor fazê- la ou porque se recusasse a realizá- la, em ambos os casos o direito

romano considerava-o de má- fé.

Se o réu deixava de fazer a entrega por havê- la tornado impossível, ou por não

querer fazê- la, era ele condenado a pagar o que o autor jurasse: tal era a solução dada

por Marciano.

“Sin vero dolo quidem desiit possidere, summa autem ope nisus non possit rem

ipsam restituere, tanti condemnabitur quanti actor in litem juraverit, sicut in cæteris in

rem actionibus etc. (L. 16, § 3.º, D. de pignorib et hypoth.).

Ulpiano, em um texto tornado célebre pelas contestações e dúvidas a que tem

dado lugar sua interpretação (L. 21, § 3.º, D. de pinor et hypothec.); distinguiu a

hipótese de ser a ação intentada contra o próprio devedor hipotecário da em que o fosse

contra qualquer terceiro detentor.

No primeiro caso a condenação não podia ir além da importância da dívida

garantida pela hipoteca – nam adversus debitorem non pluris, quam quanti debet, quia

non pluris interest; no segundo a condenação alcançava o valor da coisa adversus

cæteros possessores etiam pluris, et quod amplius debito consecutus creditor fuerit,

restituere debiti debitori pignoratitia actione.


Marciano oferecia solução idêntica no § 6.º da L. 16 do mesmo título do

Digesto.

A condenação no valor na coisa é de todo o ponto fundada na hipótese figurada

por Ulpiano, que é a de um penhor, desviado do poder do credor, e pelo valor do qual

devia ele responder perante o devedor, paga a dívida, quando não pudesse restituir a

própria coisa penhorada: ainda no caso de haver ele o seu pagamento pela venda do

penhor devia restituir o excesso do produto do mesmo sobre a dívida garantida; sendo

tal restituição decorrente do contrato de penhor não se podia deixar de dar à condenação

do terceiro detentor ampliação que compreendesse a restituição, ou o pagamento do

valor da coisa.

Figurado, porém, o caso da hipoteca e não o do penhor, ainda assim a solução

dada por Ulpiano era de incontestável procedência, porque a condenação do terceiro

detentor, na ação hipotecária, tendo como objeto a entrega da coisa, a prestação do

valor, no caso de desaparecimento daquela, é a única solução regular; e como entregue a

coisa ou o seu valor está cumprida a condenação, ao credor hipotecário nenhum direito

mais assiste contra o terceiro detentor – ainda que o valor da coisa seja insuficiente para

o pagamento da mesma dívida.

Esta teoria da ação hipotecária no direito romano assentava toda ela na

natureza real da mesma ação; quando na sua marcha evolutiva a ação hipotecária já não

visava unicamente a entrega da coisa, mas o pagamento da dívida contraída, o elemento

pessoal, que a penetrou, afetou- lhe até certo ponto a estrutura: a reação do elemento real

manifestou-se no fundamento da ação, quando ela, abandonando a forma da ação

decendiária, toda pessoal, passou a ter a forma executiva, que lhe dá a legislação em

vigor.
358. A distinção, que o direito romano fazia entre e ação intentada contra o

devedor hipotecário e a que o era, contra o terceiro detentor da coisa hipotecada, foi

perdurando sempre na marcha progressiva da hipoteca do regime da generalidade e

incerteza para o da especialidade e precisão, da do sigilo para o da mais completa

publicidade.

Tinha, segundo o direito português e ainda conforme os moldes inovadores da

legislação de 1864 e 1865, o caráter de ação pessoal, quando utilizada contra o devedor,

e o cunho de ação real quando empregada contra o terceiro adquirente do imóvel

hipotecado.

Nesta hipótese o objetivo da ação era deslocar o imóvel da posse do adquirente

para vendê- lo e aplicar o preço ao pagamento da dívida hipotecária: nisto consistia a

execução, da qual só se liberava o terceiro possuidor ou pagando a dívida hipotecária,

como no caso figurado no § 1.º da L. 12 do Dig. quibus modis pign., etc., ou remindo o

imóvel, por meio da prestação do valor do mesmo, segundo doutrinaram Ulpiano e

Marciano nas Leis 21, § 3.º, e 16, § 6.º, do Dig. de pignoribus et hypothec.

O regime inaugurado no § 1.º do art. 4.º da Lei 3.272, de 05.10.1885, alterou

este estado de coisas.

A ação dirigida contra o devedor passou a ser real, como a contra terceiros

detentores: o seu ato principal era a deslocação da posse material do imóvel hipotecado

por meio da penhora, desde que a dívida não era paga nas vinte e quatro horas.

A legislação de 1890 (Dec. 169-A, de 19 de janeiro, art. 14, § 6.º, e Dec. 370,

de 2 de maio, art. 382) manteve a forma adotada, e aplicou-a em favor do credor e do

cessionária
Segundo os moldes anteriores à legislação de 1864 a ação do credor

hipotecário só revestia o cunho de realidade quando tinha de fazer valer a seqüela, que

dimanava da hipoteca, em favor do credor investido do direito real sobre o imóvel; fora

de tal hipótese a ação denominada hipotecária tinha um caráter puramente pessoal, o

qual não era, modificado por circunstância alguma, porque gozando o terceiro possuidor

do benefício da excussão, não era contra ele exeqüível a sentença que condenava o

devedor; observava-se o preceito da Ord. do Liv. 4.º, Tít. 3.º que determinava que o

credor demandasse primeiro o seu devedor, antes de demandar o possuidor da coisa.

Desde que a Lei de 1864 declarou que a ação de dez dias, conquanto só

competente contra o devedor, era exeqüível contra o adquirente do imóvel hipotecado,

modificou, em referência a este detentor, a extensão do julgado provocado pela ação

movida contra o devedor: a Lei de 1885 e os Decretos de 1890 tornando real a ação

fundada na hipoteca, muito coerentemente tornaram- na aplicável contra o devedor e

contra os terceiros detentores.

No antigo direito francês consagrava-se na prática o uso de três ações:

a) a pessoal hipotecária, que visava principalmente o pagamento da dívida pelo

devedor ou pelo herdeiro deste, que tinha na posse o imóvel hipotecado;

b) a real hipotecária que também se denominava hipotecária propriamente dita,

dirigida contra o detentor não obrigado pela dívida; o fim desta ação era que o detentor

do bem hipotecado fosse condenado a entregá- lo para ser vendido judicialmente

(Troplong, Priv. e Hyp., vol. 3.º, ns. 779 e 779 bis).

A estas duas, o direito francês acrescentava uma terceira ação, que tinha por

fim impedir a liberação do imóvel por prescrição, pelo fato da posse, como livre,

durante certo lapso de tempo.


Esta ação, especial ao direito francês, denominava-se de interrupção, e

fundava-se no fato de não permitir a Novela 4.ª que o terceiro detentor fosse acionado

antes do devedor e, no entanto, reconhecer o direito romano como praticável a

prescrição do imóvel, contra a hipoteca, isto é, como livre, desde que em tal condição

fosse possuído por dez anos, entre presentes, e vinte entre ausentes (L. 7, Código de

prescription).

A ação era sustentada contra o terceiro detentor para o único efeito, de obter

contra a mesma sentença que declarasse estar o imóvel, por ele possuído, hipotecado em

garantia do pagamento da dívida; este julgado tinha como efeito interromper a

prescrição da hipoteca (Troplong, vol. 3, n. 780).

O lapso de tempo para a prescrição da hipoteca corria, não da propositura da

ação, mas do dia da posse do terceiro detentor.

A razão de não ser aceita a primeira época, como ponto de partida da

prescrição – estava em que se o terceiro detentor só era obrigado, no caso de

insolvabilidade do devedor, segundo a Novela 4.ª, não é menos exato que o fundamento

da prescrição é a posse titulada e de boa- fé.

Art. 14. Nas ações e execuções hipotecárias e pignoratícias por dívidas

contraídas antes e depois do presente decreto serão observadas, não só as disposições

contidas na 2.ª parte, Títulos 1.º, 2.º e 3.º, do Reg. 737, de 25.11.1850, guardado, quanto

às peças de que se devem compor as cartas de sentenças, o que se acha estabelecido no

Dec. 5.737, de 02.09.1874, mas também todas as disposições sobre matéria de nulidades

e recursos de agravo, apelação e revista, sua interposição e forma de processo, de que

trata a 3.ª parte do mencionado Reg. 737, com as seguintes alterações, extensivas
igualmente às execuções comerciais

§ 1.º Fica em todos os casos abolida a adjudicação judicial obrigatória. Se os

bens penhorados não encontrarem na primeira praça lanço superior à avaliação, irão a

segunda, guardado o intervalo de oito dias, dispensados os pregões com abatimento de

10%, e se nesta ainda não encontrarem lanço superior, ou igual, ao valor dos mesmos

bens, proveniente do referido abatimento de 10% irão a terceira, com igual abatimento

de 10%, e nela serão vendidos pelo maior preço, que for oferecido, ficando salvo ao

exequente, em qualquer das praças, o direito de lançar, independente de licença do juiz,

ou de requerer que os mesmos bens lhe sejam adjudicados.

§ 2.º Quando nas execuções houver mais de um licitante, será preferido aquele

que se propuser a arrematar englobadamente todos os bens levados à praça, contanto,

que ofereça na primeira praça preço, pelo menos, igual ao da avaliação, e, nas outras

duas, preço pelo menos, igual ao maior lanço oferecido.

3.º É licito, não só ao executado, sua mulher, ascendentes e descendentes, remir

ou dar lançador a todos ou a alguns dos bens penhorados até à assinatura do auto de

arrematação, sem que seja necessária a citação do executado.

§ 4.º Para que o executado, sua mulher, ascendentes ou descendentes possa

remir ou dar lançador a todos ou a alguns de seus bens é preciso que ofereça preço igual

ao da avaliação, na primeira praça, e, nas outras ao maior que neles for oferecido.

§ 5.º Nenhuma das pessoas acima indicadas poderá remir ou dar lançador a

alguém ou alguns bens, havendo licitante, que se proponha arrematar todos os bens,

oferecendo por eles os preços que na ocasião tiverem.

§ 6.º A assignação de 10 dias é substituída, pelo processo executivo,

estabelecido nos arts. 310 a 317 do Reg. 737, de 25.11.1850, efectuando-se a penhora
do imóvel ou imóveis hipotecados, podendo a intimação aos demais interessados ser

feita por editais, com o prazo de 30 dias.

§ 7.º Achando-se ausente ou ocultando-se o devedor de modo que não seja

possível a pronta intimação no mandado executivo, se procederá ao sequestro, como

medida assecuratória dos direitos do credor.

Contra o sequestro assim feito, não se admitirá nenhuma espécie de recurso.

§ 8.º A expedição do mandado executivo, ou do mandado de sequestro, em

casos em que este couber, não será concedida, sem que a petição, em que ta is

diligências forem requeridas, seja instruída com a escritura de dívida e hipoteca.

§ 9.º A jurisdição será sempre a comercial e o foro competente o do contrato,

ou da situação dos bens hipotecados, à escolha do mutuante.

§ 10. Servirá para base da hasta pública avaliação constante do contracto.

359. A disposição do art. 14, mandando observar na ação hipotecária, os arts.

476 a 570 do Dec. 737; em referência às nulidades o Tít. 2.º da 3.ª parte do mesmo

Decreto e quanto aos recursos o Tít. 1.º, teve como fim, proporcionar processo mais

rápido de apuração do direito hipotecário, ao qual concedeu o legislador de 1890 a ação

executiva (§ 6.º do art. 14), em lugar da de dez dias da lei de 1864, que tão justas

censuras mereceu do Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, § 271, nota 10).

Posteriormente aos Decretos 169-A e 370, de 1890, foram expedidos atos

legislativos e regulamentares que afetaram a aplicação dos preceitos daqueles atos do

governo provisório da República.

A jurisdição comercial, a que o § 10 do art. 14 supra, sujeitou a hipoteca,

derrogando a disposição do art. 14, da Lei 1.237, de 24.09.1864, que tornava a hipoteca
acionável no foro civil, supõe a aplicação da legislação comercial reguladora da

expedição processual da ação; tanto mais desnecessário, em absoluto, tornou-se o art. 14

do Dec. 169-A, quanto às fórmulas do direito adjetivo comercial mandou o Dec. 763, de

19.09.1890, adaptar o processo das causas cíveis em geral, com poucas exclusões, as

quais de sobra justificam as condições excepcionais dos feitos comerciais.

As peças de que se devem compor as cartas de sentença mandou o art. 14 que

fossem as exigidas no Dec. 5.737, de 02.09.1874; parece, conseguintemente, que devem

tais cartas conter unicamente a auto-ação a sentença exeqüenda, que é a proferida, nos

termos do art. 312 do Dec. 737, em julgamento da penhora feita, ou rejeitando os

embargos opostos a sentença primitiva (art. 316 do Decreto citado) ou que julgar, afinal,

os embargos recebidos e não havidos como provados (art. 315 do Decreto citado), a

penhora e a petição e despacho para que se prossiga nos ulteriores termos da execução

(art. 139 do Dec. 5.737, de 02.09.1874).

O recurso de revista, que o art. 14 presume subsistente, por haver sido a

organização da Justiça Federal e a do Distrito Federal promulgada posteriormente, não

existindo mais, por não ter o Supremo Tribunal Federal competência para rever senão os

processos criminais (Dec. 848, de 11.10.1890, art. 9.º, n. 3; Constituição de 24.02.1891,

arts. 59, ns. 3 e 81; Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal de 08.08.1891, art.

15, § 4.º; Lei 221, de 20.11.1894, arts. 22 e 74), deve-se considerar como não

mencionado no art. 14.

O Dec. 2.162, de 09.11.1895, estabeleceu o regimento de custas da Justiça

local do Distrito Federal; no art. 37, § 3.º, mencionou as peças de que devem constar as

cartas de sentença nas ações executivas: deve esta disposição ser observada, no Distrito

Federal, nas ações executivas hipotecárias, a despeito dos Decretos 169-A, no art. 14, e
370, no art. 381, disporem que as peças das cartas de sentenças nas ações executivas

serão as mencionadas no Decreto de 02.09.1874?

Incontestavelmente sim; as disposições citadas dos atos de 1890 referem-se à

legislação em vigor, sobre a forma das cartas de sentenças, na época em que forem

expedidas; alterada posteriormente, não pode prevalecer a anterior derrogada pela

subseqüente.

As cartas de sentença nas ações executivas devem, portanto, conter as peças

exigidas nas cartas de sentença das ações sumárias e mais o auto de penhora, ou

discriminadamente:

a) A auto-ação;

b) A petição inicial;

c) A fé de citação;

d) A contestação;

e) O auto de penhora;

f) A sentença e os documentos em que ela se fundar.

360. O que se preceitua no § 1.º do art. 14 supra não é novidade em nossa

legislação, antes foi transportado do art. 1.º, § 1.º, da Lei 3.272, de 05.10.1885, e do art.

24 do Dec. 9.549, de 23.01.1886.

Estas disposições consagram o princípio fundamental da hipoteca, por força do

qual, diz-se em geral constituir ela um desmembramento do domínio, a consignação do

imóvel ao pagamento da dívida hipotecária: esta consignação não se entende consistir

na translação do domínio pelo ato judicial e forçado da adjudicação, mas sim operando-

se pela aplicação do preço do imóvel, depois de vendido judicialmente, ao pagamento


da dívida garantida pela hipoteca.

A adjudicação, qual a regularam no foro civil a Ord. do Liv. 3, Tít. 86 e a Lei

de 20.06.1771 (§§ 20 e 27) e no comercial os arts. 560 e seguintes do Dec. 737, de

25.11.1850, aplicada às execuções das sentenças proferidas nas ações hipotecárias,

violentara o princípio capital que serve de assento à hipoteca e pagamento da dívida

principal pelo preço dos bens hipotecados.

Se em absoluto a adjudicação era uma violência, pois, obrigava o exeqüente,

que emprestara em espécie, a receber o pagamento em bens que podiam não

corresponder, de fato, em seu valor, à importância da dívida, como nos casos figurados

no § 27 da Lei de 20.06.1774 e nos §§ 1.º e 2.º do art. 562 do Dec. 737, de 1850; mais

se acentuava tal coação, segundo a expressão usada no § 20 da Lei de 1774, quando

iludia-se a garantia procurada pelo credor para pagamento pe lo preço do imóvel

consignado à solução da dívida, forçando-o a resolver por uma datio in solutum a

situação por ele aceita na persuasão de uma liberação por parte do devedor, na mesma

espécie em que fora realizado o contrato de mútuo.

A redução da décima parte no valor dos móveis de valor intrínseco, da quarta

parte nos móveis sem tal valor e da quinta parte nos bens de raiz, não tem outro intuito

senão compensar a coação que se fazia aos credores, obrigando-os a comprar

forçadamente tais bens (§ 20 da Lei de 20.06.1774), pois a tanto equiparara o legislador

o fato da dação in solutum operada pela adjudicação forçada.

No regime da legislação de 1885 e 1886, como no da de 1890 o credor

hipotecário só recebe os bens hipotecados, se o quiser, e o requerer ao juiz da execução:

independentemente da adjudicação, pode, lançando sobre os imóveis hipotecados em

quaisquer praças realizadas com dedução de 10% ou para serem eles vendidos ao maior
lanço, que se oferecer, vir o credor a havê- los por arrematação; em todo o caso o

pagamento por meio da transferência do domínio dos bens hipotecados, para a pessoa

do credor, opera-se por vontade do mesmo.

361. Orientado no verdadeiro sentido, o do pagamento do credor hipotecário

pelo preço dos bens hipotecados vendidos judicialmente, o legislador de 1890,

acompanhando o de 1885 e 1886, estabeleceu medidas tendentes a facilitar a venda dos

imóveis e poupar, ao mesmo tempo, ao devedor a tirada dos bens do seu domínio.

É assim que permitiu ao executado, à mulher deste, aos ascendentes e

descendentes do mesmo remir ou dar lançador a todos ou a alguns dos bens penhorados,

enquanto não for assinado o auto de arrematação, isto sem que seja ouvido o executado

e conseguintemente, sem necessidade do consentimento do mesmo.

A restrição estabelecida a essa faculdade no § 4.º do art. 14 do Dec. 169-A, de

1890, não importa em mais do que na observância dos preceitos que regulam a hasta

pública e aos quais se subordinam, forçosamente, todos quantos nela intervêm.

Se fora lícito ao executado e às pessoas a ele ligadas obterem a arrematação

sem cobrir a avaliação, na primeira praça, abrir-se-lhes-ia ensejo para adquirirem os

bens hipotecados em condições mais favoráveis, do que os outros licitantes, e do que o

credor exeqüente que são, na primeira praça, obrigados a oferecer lanço superior à

avaliação (§ 1.º do art. 14 supra).

Exige-se que nas outras praças o preço oferecido cubra o maior apresentado,

por uma razão de direito e outra de proteção ao executado.

Desde que o lanço do licitante for o maior oferecido a arrematação por tal

preço constitui um direito do licitante como uma decorrência natural da hasta pública;
em favor do executado, porém, permite-se – que ele, ainda nesta hipótese, possa impedir

que a arrematação se consuma e resgatar o imóvel, já vendido por força da proposta

contida no lanço mais elevado, contanto que ofereça preço superior a esse lanço, meio

único de estabelecer em seu favor preferência sobre o maior licitante, que, sem esta

concessão seria definitivamente o arrematante.

A disposição do § 5.º encerra uma medida exclusivamente econômica e que

tem por objetivo proteger as operações de crédito sobre hipotecas favorecendo o

arrematante da totalidade dos bens penhorados, ainda em detrimento da faculdade de

remissão, que concede ao executado e à família deste. Quando houver lanço sobre a

totalidade dos bens penhorados, e este lanço assentar nos outros propostos sobre os

referidos bens para a arrematação separadamente, o interesse ligado à conservação dos

bens no estado de reunião, anterior, e, por outro lado a conveniência em favorecer a

venda pronta dos bens da execução, para facilitar a apuração do direito do credor

hipotecário, o que é de grande vantagem para o crédito real, por importar a rápida

liquidaçao das suas operações, quando afetam aos processos judiciais, justificam a

medida, que em desfavor da remissão dos bens executados, por parte do devedor,

ampara mais do que o direito do credor a expansão do crédito real, que assenta

principalmente na segurança e prontidão da liquidação de suas operações.

362. O § 6.º do art. 14 supra manda substituir a ação de dez dias estabelecida

no art. 14 da Lei de 24.09.1864, pela ação executiva dos arts. 310 a 317 do Dec. 737, de

25.11.1850.

A inovação pertence à Lei 3.272, de 05.10.1885 (art. 4.º, § 1.º); o Dec. 169-A

limitou-se a aceitá- la e transportar para o seu corpo de preceitos a disposição referida.


Como já tivemos ensejo de refletir, foi de grande alcance a inovação.

A ação de dez dias era pessoal e só utilizável contra o devedor (art. 285 do

Dec. 3.453, de 26.04.1865); para que o terceiro detentor pudesse ser levado a realizar a

entrega do imóvel hipotecado, a fim de sobre ele efetuar-se a penhora e a venda judicial,

para o efeito de aplicar o preço ao pagamento da dívida hipotecária, tornou-se a ação

decendiária exeqüível contra os terceiros detentores, quando estes eram adquirentes, e

não promoviam a remissão do imóvel (§ 2.º do art. 285 e art. 309 do Dec. cit. 3.453, de

1865).

Estabelecendo o cunho de diferenciação dos dois procedimentos judiciais o

Decreto de 26 de abril tratara da ação de dez dias sob o título de ação contra o devedor

hipotecário e da aplicação da execução ao terceiro adquirente sob a epígrafe – ação do

credor hipotecário contra o adquirente.

Era esta efetivamente uma verdadeira ação que podia ter como preliminar o

seqüestro e que iniciava-se sempre pela apreensão da coisa, por meio da penhora,

quando aquela medida assecuratória não fosse utilizada.

O que acentua a noção da ação real era que o imóvel, retirado da posse do

adquirente pelo seqüestro ou pela penhora, na qual aquela acabava por se resolver, era

vendido por conta do adquirente; a venda judicial não deixava de ter lugar ainda que o

adquirente quisesse pagar o preço da aquisição ou o da avaliação, salvo se tal preço

fosse suficiente para solver a dívida hipotecária, se o credor consentisse em receber o

preço da aquisição (art. 310 do Dec. 3.453, de 26.04.1865).

Não tendo o adquirente a faculdade de lagar o imóvel (art. 314 do Decreto

citado); era, em último caso, coagido a recebê-lo em adjudicação pelo preço da

avaliação, ainda que este fosse superior ao da aquisição (art. 312 do Decreto citado).
A legislação de 1885 e a de 1890 abandonaram a ação pessoal e tornaram a

ação hipotecária real, amoldando-a assim à noção romana.

Como ação real tornou-se utilizável contra o devedor e os terceiro detentores,

expressão esta de mais larga compreensão do que a de adquirente usada no Decreto de

1865 e por isso mesmo mais correta.

Tornando-a aplicável ao devedor e aos terceiros detentores a legislação de

1890 conferiu o seu uso ao credor originário e ao cessionário (art. 382 do Dec. 370, de

02.05.1890).

A ação inicia-se pela expedição do mandado para que o réu pague incontinenti

e na falta do pagamento se proceda à penhora no imóvel ou imóveis hipotecados,

dispensando-se o seqüestro (art. 383) que só é utilizado no caso especial de

impossibilidade de intimação do mandado executivo por se ter ausentado ou ocultado o

devedor (art. 384 do Dec. 370).

A ação tem os trâmites estabelecidos no Dec. 737, de 1850.

A penhora é acusada em audiência e no mesmo ato assinam-se os seis dias para

os embargos: não sendo estes opostos dentro do referido prazo, julga-se a penhora por

sentença e prossegue-se nos termos da execução.

Da sentença que julga a penhora cabe apelação (art. 312 do Dec. 737, de 1850).

Se o réu alienar embargos terá seis dias para produzir testemunhas; decorridos

os quais serão os embargos, com a prova dada, sujeitos à apreciação do juiz que os

receberá ou rejeitará: no primeiro caso serão assinados ao autor cinco dias para

contestá- los, depois do que abrir-se-á uma dilação de dez dias para a prova, finda ela as

partes arrazoarão em cinco dias cada uma e conclusos os autos o juiz julgará a final

(arts. 313 a 315, do Dec. 737, de 1850).


Se os embargos forem rejeitados prossegue-se nos termos da execução como

quando não são opostos, dentro dos seis dias da penhora (art. 316 do Dec. 737, de

1850).

Os tribunais têm admitido a vista para embargos quando ela é pedida nos seis

dias, ainda quando a apresentação se der fora desse prazo: em tal caso os embargos não

podem ser rejeitados como opostos fora do prazo legal (Direito, vol. 66, p. 29).

O mandado executivo só pode ser concedido à vista da escritura da hipoteca

revestida das formalidades legais, a qual deve ser extraída pelo autor quando requerer a

iniciação da ação hipotecária (art. 386, do Dec. 370, de 1890).

363. O devedor hipotecário pode ter falecido, a ação executiva em tal hipótese

intenta-se contra os herdeiros e sucessores do finado que o representam. No intuito de

não dificultar a execução do mandado executivo, a lei permite que este seja intimado

pessoalmente àquele dos herdeiros ou sucessores que estiver na posse e cabeça-do-casal

ou na posse do imóvel ou dos imóveis hipotecados; os demais herdeiros ou sucessores

podem ser intimados por editais, com prazo de 30 dias, estando presentes no Estado e de

noventa, estando fora dele, ou da República (arts. 387 e 388, do Dec. 370, de

02.05.1890).

Na hipótese da intimação dos interessados, que não estiverem na posse dos

imóveis hipotecados, a notificação terá lugar depois da penhora, e esta só se acusará na

mesma audiência em que o for a intimação, depois de decorrido o prazo dos editais; na

ocasião da acusação da penhora ficam assinados os seis dias para opor embargo à

mesma (art. 389, do Dec. 370, de 1890).

O § 2.º do art. 4.º da Lei 3.272, de 05.10.1885, foi a fonte da disposição o § 7.º
do art. 14 supra e os arts. 70, 71 e 72 do Dec. 9.549, de 23.01.1886, foram reproduzidos

nos arts. 387, 388 e 389, do Dec. 370, de 02.05.1890.

364. Na legislação de 1864 o credor por hipoteca convencional podia usar do

seqüestro como medida assecuratória preliminar da ação, introduzida na lei unicamente

em proveito do próprio credor; nas hipotecas legais tal remédio não tinha aplicação (art.

14 da Lei de 24.09.1864, e arts. 282, 283 e 284, do Decreto de 26.04.1865; Lafayette,

Direito das Cousas, § 272).

O remédio de seqüestro, além de retirar a coisa do poder do devedor e passá-la

ao poder de outrem, com o fim especial de ser vendida para o pagamento da dívida,

produz efeitos de grande relevância para a garantia do credor hipotecário.

É assim que os frutos e rendimentos do imóveil hipotecado ficam sujeitos à

hipoteca, ao passo que, sem o seqüestro, serão percebidos e utilizados pelo devedor, por

efeito, da posse material que tem; os acessórios do imóvel não podem mais ser

mobilizados pelo devedor (Lafayette, Dir. das Cousas, § 272).

A legislação de 1890, concedendo ao credor a ação executiva que retira, por

meio da penhora, o imóvel ou imóveis hipotecados do poder do devedor, não teve

necessidade de prover este do remédio do seqüestro como preliminar da ação utilizável

à vontade do credor e só autoriza o emprego dessa medida quando o devedor procura

iludir à ação executiva evitando pela o ocultação a intimação do mandado executivo, ou

quando se ache ausente, e o caso justifique o emprego desse remédio assecuratório dos

direitos do credor.

O seqüestro resolve-se em penhora, desde que seja posta em juízo a ação

executiva pela intimação do mandado (art. 384 do Dec. 370, de 02.05.1890).


Contra o seqüestro acusado em audiência não se admite recurso algum (art. 385

de 02.05.1890 [do Dec. 370?]).

365. O procedimento executivo dado à ação hipotecária é uma medida de tal

violência, que só a orientação exclusivamente econômica que tinham os legisladores de

1885 e de 1890 pode explicar tão grande concessão ao crédito hipotecário.

O § 9.º do art. 14 supra e o art. 386 do Dec. 370, de 1890, não exigem que a

petição para a concessão do seqüestro ou para a expedição do mandado executivo seja

instruída com a escritura da dívida e a da hipoteca, revestidas ambas de todas as

formalidades legais, quando a dívida não tiver sido constituída juntamente com a

hipoteca.

O título da dívida e da hipoteca podem ser diferentes, como no caso em que

esta é estabelecida para garantia de uma letra; em tal hipótese a junção da escritura da

hipoteca sem a da letra é suficiente para fundamentar a concessão do seqüestro e a da

expedição do mandado executivo; sendo a ação executiva ligada à hipoteca e não aos

títulos denominados letras, o legislador não podia fazer depender a concessão do

remédio, conquanto violento, da prova da dívida principal, sob o fundamento de que

sem ela não existe a hipoteca no mecanismo das leis de 1890.

A decisão proferida pelo Tribunal Superior do Estado de Alagoas em

01.10.1897 de que dá noticia a Revista de Jurisprudência tem seu fascículo de julho de

1898 consagra a verdadeira doutrina. O acórdão referido não supõe necessária a prova

documental da dívida para a concessão do executivo e sim apenas a da hipoteca. A

certidão da inscrição da hipoteca, o fato de dever ela conter a indicação precisa do

título, com a menção de sua data e do nome do tabelião que a fez, sob pena de nulidade
da mesma inscrição (arts. 196, § 5.º, e 212 do Dec. 370, de 1890) não supre a

apresentação da própria escritura da hipoteca em original, para instruir a petição a fim

de expedir-se o mandado de seqüestro ou o executivo: a lei torna a apresentação da

escritura indispensável; sem ela não pode dar-se o remédio, porque tal título não pode

ser substituído ou suprido por outro. Convém deixar patente que o primeiro traslado é o

título original da hipoteca, assim o considerando, bem decidiu o Tribunal Civil e

Criminal do Distrito Federal em os acórdãos de 05.11.1897 e 08.03.1898.

Quando, como é mais comum, o mesmo título constitui o instrumento da dívida

e da hipoteca, nenhuma dificuldade pode ser oposta à concessão do seqüestro ou do

mandado executivo.

As expressões do § 9.º do art. 14 – escritura de dívida e hipoteca – não se

podem julgar modificadas pela – escritura da hipoteca – do art. 386 do Dec. 370, de

1890, para o efeito de não juntar-se a letra garantida por hipoteca, mas sim para ter

aplicação no caso em que a escritura da dívida e da hipoteca constarem do mesmo título

ou instrumento.

366. O § 10 contém duas disposições de grande alcance, das quais uma

constitui inovação na legislação de 1864 feita pela Lei de 1885 (§ 5.º do art. 4.º) e outra,

também consagrada, no dispositivo citado da Lei de 1885 em referência ao foro da

propositura da ação.

A jurisdição comercial substituiu a civil estabelecida na Lei de 24.09.1864,

como a competente para a ação hipotecária (art. 14), ainda quando a dívida fosse

comercial (Lafayette, Dir. das Cousas, § 271, n. 4); à jurisdição comercial pertence

unicamente a ação em favor do credor com processo executivo; as ações que tiverem
por fim a nulidade da hipoteca pertencem ao foro comum, porque a hipoteca é de

natureza civil (Acórdão do Conc. do Tribunal Civil e Criminal de 12.02.1898, Revista

de Jurisprudência, de março de 1898, p. 314 e 315). Ao foro do domicílio do devedor

admitido na legislação de 1864, de acordo com os princípios que a ele submetem todas

ações reais e pessoais, civis e comerciais (Assento de 23.11.1769, Ord. do Liv. 3.º, Tít.

11 pr. e 5.º, Regulamento 737, de 1850, art. 50); substituíra a Lei de 1885 (§ 5.º do art.

4.º) o foro do contrato ou o da situação dos bens hipotecados, consultando somente os

interesses do credor, e armando-o de uma medida que importa desaforar o réu do seu

foro natural, na preocupação de melhor e mais seguro assento oferecer às operações do

crédito real, para fácil e pronta apuração dos créditos hipotecários.

A vontade do credor, e somente ela, constitui o criterio de escolha de um ou

outro foro, salvo se no contrato se houver regulado de modo preciso o caso.

O Dec. 370, de 1890 (art. 391) corrigiu a disposição do § 10 do Dec. 169-A,

admitindo que o devedor possa ser acionado, à vontade do credor, também no foro do

domicílio.

367. A avaliação dos bens hipotecados é dispensável para abrir-se sobre os

mesmos a praça ou hasta pública; a avaliação dada no contrato hipotecário é a que

prevalece: como, porém, não é substancial que aos bens hipotecados se dê valor na

escritura; como o é em referência ao crédito, sendo nula a inscrição da hipoteca se dela

não constar esse valor (arts. 196 e 212 do Dec. 370, de 02.05.1890), a disposição do §

11 não exclui a necessidade da avaliação dos bens hipotecados, depois de penhorados,

quando a avaliação não houver sido feita na escritura do contrato, o que não é exigido

no art. 4.º do Dec. 169-A, de 19.01.1890.


Art. 15. Ao executado, além dos embargos autorizados nos arts. 577 e 578 do

Reg. 737, de 25.11.1850, não é permittido opor contra as escrituras de hipotecas outros,

que não os de nullidade de pleno direito, definidos no mencionado regulamento e dos

que são expressamente pronunciados pela legislação hipotecária; subsistindo em vigor,

quanto aos credores, as disposições dos arts. 617 e 686, §§ 4.º e 5.º, do art. 240, e do §

8.º do art. 222, do Reg. 3.453, de 26.04.1865, para os casos que não forem de

insolvabilidade ou de falência.

368. O Dec. 370, de 1890, precisou melhor os casos dos embargos, que é lícito

ao executado opor, são eles:

a) os de nulidade de pleno direito definidos no Reg. 737, de 25.11.1850;

b) os de constituição de hipoteca convencional por outro meio que não seja a

escritura pública;

c) os de hipoteca não especial ou especializada;

d) os de constituição de hipoteca para garantias de dívidas contraídas antes da

data da escritura nos 40 dias precedentes à época legal da quebra;

e) os de falta de designação da dívida garantida pela hipoteca;

f) os de cessão de hipoteca inscrita sem ser por escritura pública ou termo

judicial (art. 394).

O 5.º do art. 240 do Dec. 3.453, de 26.04.1865, veda a execução dos imóveis

hipotecados por outros credores que não os hipotecários salvo os casos de falência ou de

insolvabilidade do devedor.

Os credores hipotecários são credores da falência e a preferência dos mesmos é


regulada pelo atos de 1890 (art. 70, n. 3, do Dec. 917, de 24.10.1890).

A disposição supra do art. 15 está, pois, em vigor: só podem disputar

preferência com os credores hipotecários, os que apresentarem hipotecas inscritas sobre

o mesmo imóvel; os outros não podem impedir o pagamento do credor hipotecário, nem

contestar a hipoteca; têm apenas o direito de pagar-se pelas sobras do produto dos bens

depois de solvido o crédito hipotecário (art. 292, § 3.º, do Dec. 3.453, de 26.04.1865).

Os credores da falência, mencionados no art. 70 do Dec. 917, de 24.10.1890,

são todos preferidos pelo credor por hipoteca anterior devidamente inscrita.

Os embargos opostos à ação hipotecária, ainda que provados do ventre dos

autos, só podem ser recebidos com condenação (Direito, vol. 22, p. 343): os de nulidade

opostos à escritura da hipoteca devem ser recebidos com condenação, porquanto a

validade da escritura só pode ser contestada por ação ordinária (Direito; vol. 41, p. 231).

Os embargos fundados em simulação, oferecido nas ações e execuções

hipotecárias, não podem ser considerados de pleno direito (Direito, vol. 53, p. 210 e vol.

55, p. 249).

O adquirente do imóvel não transcrito no registro hipotecário pode embargar a

execução de sentença não inscrita, porque sem a inscrição e a especialização dos bens

da condenação não tem o exeqüente hipoteca judicial (Direito, vol. 37, p. 542).

Embargos de nulidade não podem ser opostos na execução, depois de

concluída a arrematação, nem atacar vícios anteriores à penhora (Direito, vol. 18, p. 82).

369. Em acórdão proferido a 02.06.1893 deu a Câmara Comercial do Tribunal

Civil e Criminal a seguinte inteligência ao art. 15 do Dec. 169-A, a qual não nos parece

impugnável com sólidos fundamentos:


O Dec. 169-A, de 1890, substituindo a Lei 1.237, de 1864, e a Lei 3.272, de

1885, e dispondo no art. 15 que subsistiam em vigor, quanto aos credores, as

disposições dos arts. 617 e 686, §§ 4.º e 5.º, do citado Regulamento 737, sem prejuízo

das prescrições do art. 240, § 5.º, e do art. 292, § 8.º, do citado Dec. 3.453, de 1865,

para os casos que não forem de falência ou de insolvabilidade nenhuma alteração ou

modificação fiz ao direito estabelecido por aquelas leis; e, por conseguinte não há razão

justificativa para ser inovada a jurisprudência firmada pelos tribunais em 1.ª e 2.ª

instâncias.

O citado Decreto de 1890, limitando no art. 15 a defesa do executado, devedor

hipotecário, não inibe, entretanto, o exeqüente de, independentemente da ação direta

rescisória, opor em defesa na execução, a nulidade do contrato simulado e fraudulento

para impedir os seus efeitos (Reg. 737, art. 686, § 5.º, n. 3), sem prejuízo das

disposições dos arts. 240, § 6.º, n. 5, e 292, § 3.º.

O citado art. 240, § 6.º, n. 5 dispondo que a hipoteca, devidamente celebrada e

inscrita, não pode ser objeto de contestação, mas produzirá todos os seus efeitos

enquanto não for anulada ou rescindida por ação ordinária, e o art. 292, § 3.º, que só

podem disputar preferência com o credor hipotecário outros credores que se apresentem

com hipotecas inscritas sobre o mesmo imóvel, sem que os demais credores; que

concorrerem à execução promovida pelo credor hipotecário possam impedir o seu

pagamento e contestar a hipoteca, essas disposições foram reproduzidas no art. 19, § 1.º,

do Dec. 169-A e no art. 395 do Dec. 370, que o regulamentou.

Conseguintemente, ex vi do art. 15 do Dec. 169-A subsistindo em vigor para os

credores as disposições do arts. 617 e 686, §§ 4.º e 5.º, do Reg. 737, de 1850, o

exeqüente pode, nos casos de insolvabilidade manifesta e provada, opor a nulidade do


contrato hipotecário, independente da ação direta rescisória, quando simulado,

fraudulento e celebrado era fraude da execução (Reg. 737, art. 686, § 5.º, n. 3); direito

esse que lhe é facultado, bem como a qualquer outro credor, quando o exeqüente não é o

credor hipotecário, caso em que a hipoteca não pode ser contestada (Decreto de 1865,

art. 392, § 3.º) nem rescindida (Dec. 169-A, art. 19, § 1.º); e, sim, quando quirografário

o exeqüente, e, penhorados os imóveis especialmente hipotecados, por insolvabilidade

do devedor (Decreto de 1865, art. 240, § 5.º). caso em que a dívida reputando-se

vencida, o credor é considerado habilitado para o concurso simplesmente, com o seu

título inscrito (art. 240, § 6.º) e o preço do imóvel é, precisamente, destinado ao

pagamento da hipoteca (art. 244).

E, se para os credores subsiste, ex vi do art. 15 do Dec. 169-A, a disposição do

art. 617 do Reg. 737, por força da qual, no concurso de preferência, os credores podem

disputar não somente a preferência, senão também a validade da dívida ou contrato, é

óbvio que a contestação oposta pelo exeqüente à simulação fraudulenta do contrato

hipotecário é legítima e legal para o fim de obstar os seus efeitos em prejuízo da

execução.

Esta última parte da decisão constante do acórdão citado é a consagração da

doutrina anterior a 1890, como se vê dos acórdãos proferidos em 20.07.1880 pela

Relação de Ouro Preto (Direito, vol. 23, p. 31) e em 01.09.1883 pela Relação do Recife

(Direito, vol. 35, p. 54).

O § 2.º do art. 19 do Dec. 169-A, de 1890, e o art. 396 do Dec. 370, de 9 de

maio do mesmo ano, estabeleceram uma restrição àquela doutrina.

A disposição do art. 517 do Dec. 737, de 1850, não prevalece quando um dos

credores tiver hipoteca inscrita em primeiro lugar e sem concorrência: em tal ca so a


disputa entre os credores não pode ter como objeto a nulidade do contrato hipotecário de

que resulta a prelação do credor, mas unicamente sobre a graduação ou escala

preferencial.

Art. 16. Em quaisquer execuções promovidas por credores quirografários

contra o devedor comum, poderá o credor hipotecário defender, por via de embargos, os

seus direitos e privilégios, para o fim de obstar a venda do imóvel ou imóveis

hipotecados.

370. A hipótese figurada no art. 16 supra não oferece dificuldades em sua

compreensão.

É a reprodução do caso previsto e provido de remédio no art. 85 do Dec. 9.549,

de 23.01.1886, de que o art. 16 é a reprodução o quase literal.

O alcance da disposição é grande em relação ao vigoramento do direito de

hipoteca, para o fim de imprimir- lhe os efeitos regulares, ainda quando não lhe seria

dado, observados os princípios, produzi- los, por faltar a condição substancial da

exigibilidade da dívida – o estar ela vencida.

A disposição do art. 16 tem como fim garantir o credor hipotecário, po r

hipoteca ainda não vencida, contra os efeitos da arrematação dos bens hipotecados em

execução promovida por credores quirografários.

Se estes, acionando o devedor hipotecário, assentarem a penhora sobre os

imóveis hipotecados por falta de outros bens e por não estar o credor hipotecário em

condições de penhorar e seqüestrar, por não ter vencida a dívida, e promovendo os

demais termos da execução, conseguissem a venda dos bens penhorados, tais bens
passariam aos que os adquirissem em hasta pública, livres da hipoteca, que ficaria

extinta pelo fato da arrematação (art. 226, § 9.º, do Dec. 370, de 02.05.1890).

A situação do credor hipotecário, tornar-se- ia precária se a lei não lhe desse

remédio que impedisse a anulação de fato da hipoteca, com a inteira anulação de seus

efeitos, durante a ação e a execução promovidas pelos credores quirografários do

devedor hipotecário, e o obrigasse a aguardar impassível a completa extinção da

hipoteca por meio da arrematação.

A disposição do art. 16 concede ao credor hipotecário inscrito, cuja dívida não

esteja vencida, o opor-se por meio de embargos de terceiro prejudicado (Lafayette, Dir.

das Cousas, § 273, n. 2, nota 8.ª), à arrematação dos imóveis hipotecados penhorados

em execução promovida pelos credores hipotecários, considerando a dívida vencida e o

credor hipotecário habilitado a fazer valer o seu título para único efeito de embargar a

arrematação, à semelhança do que ocorre na hipótese de falência do devedor figurada no

art. 240, § 6.º, n. 1, do Dec. 3.453, de 26.04.1865, que o art. 15 do Dec. 169-A, manda

guardar.

371. O art. 16 deixou, porém, de consagrar a medida ou antes o remédio, que o

art. 84 do Dec. 9.549, de 23.01.1886, adotara e que Lafayette (Dir. das Cousas, § 273),

apoiado na doutrina do direito romano e especialmente dos dispositivos da Lei 15.ª, §

5.º, Dig. de re judicada e da Const. 8.ª Cod. qui potiores in prignore, entende dever ser

admitida no nosso direito, a despeito de ter sido omitida a sua adoção no mecanismo da

legislação de 1864 e 1865, que ele comentava.

Trata-se de garantir o credor hipotecário inscrito em primeiro lugar, mas de

dívida não vencida, contra a excussão dos imóveis hipotecados, promovida por segundo
credor hipotecário de dívida posteriormente inscrita, de prazo menor, e já venc ida.

Os textos do direito romano, em que o Sr. Lafayette apóia a sua solução

contém, de fato, doutrina aplicável à espécie.

Diz Ulpiano no texto citado do Digesto:

“Quod si res sit pignorata, quæ pignori capta est, videndum est, an sic distrahi

possit, ut dimisso creditore, superfluum in causam judicati convertatur? et quamquam

non cogatur creditor rem, quam pignori accipet, distrahere, tamen in judicati

exsecutionem servatur, ut si emptorem, invenerit res, quæ capta est, qui dimisso priore

creditore superfluum solvere sit paratus, admittendo sit hujus quoque rei distractio; nec

videtur deterior conditio creditoris fieri suum consecutum, nec prius jus pignoris

dimissuri, quam si ei fuerit satis datum.”

Na citada constituição do Código os Imperadores Deocleciano e Maximiniano

estabeleceram:

“Diversis temporibus eadem re duobus jure pignoris obligata, eum, qui prior

data mutua pecunia pignus accepit, potioren habere, certe ac manifesta juris est: nec

alios secundum creditorem distrahendi potestatem hujus pignoris consegui nisi priore

credidtori debita fieri soluta quantitas.”

“No silencio da lei (patria), diz o Sr. Lafayette (loc. cit.) vigora como

subsidiario o direito romano, o qual sem embargo das differenças no que diz respeito á

distracção do immovel hypothecado, ministra todavia principio para resolver a

difficuldade. Mas o direito de impedir a execução aos credores, posteriores, accrescenta

elle, tem como razão fundamental a necessidade de acautelar o anniquilamento da

primeira hypotheca. Desde que, pois, cessa a dita necessidade, com ella cessa o direito

consequente. Estando, portanto, vencida a primeira hypotheca, podem os credores da


segunda executar o immovel, porque então nada impede o credor da primeira de fazer

valer a sua preferencia.” (p. 346.)

Se esta solução podia ser adotada no domínio da legislação de 1864, no que

não estamos eram divergência, no da de 1890, atualmente em vigor; não pode

prevalecer, por existir disposição que a repele, qual a que determinou claramente a

revogação do artigo do Decreto de 23.01.1856 que a consagrava:

De feito, o art. 84 deste Decreto dispunha:

“Dado o caso de duas ou mais hypothecas sobre o mesmo immovel, não podem

os credores por hypothecas posteriores e de prazos menos longos promover a execução

sobre o immovel hypothecado antes de vencidas as primeiras hypothecas, para que

possa haver a disputa sobre a preferencia de que trata o § 3.º do art. 292 do Reg. 3.453,

de 26.04.1865”.

O que fez a legislação posterior?

O Dec. 169-A, de 19.01.1890, omitiu a disposição referente ao caso da

execução promovida sobre imóveis, quando hipotecados a um tempo a dois credores –

um com inscrição de hipoteca anterior, sem dívida, vencida, outro com hipoteca,

posteriormente inscrita, mas com dívida vencida, e deixou prevalecer, no silêncio sobre

o caso, a execução deste segundo credor.

O Dec. 169-A ao passo que reproduziu no art. 16 literalmente – a disposição do

art. 85 do Dec. 9.549, de 23.01.1886, deixou de transportar para as suas disposições o

preceito concretizado no art. 84 daquele Decreto, e no art. 22 autorizou o governo a

regulamentar o citado Dec. 169-A consolidando e modificando segundo ele os Decretos,

regulamentares de 1865 (de 26 de abril e de 3 de junho) e o de 23.01.1886.

Ora, usando desta autorização, da qual, aliás, não tinha necessidade, desde que
o governo agia, ainda em 02.05.1890, época em que publicou o regulamento

hipotecário, com os poderes discricionários da junta revolucionária, que se denominou

Governo Provisório, o que fez o governo?

Não só não reproduziu disposição do art. 84 do Decreto de 23.01.1886, como

suprimiu a do art. 16 do Dec. 169-A e no art. 408 revogou de modo preciso, os capítulos

4.º e 5.º do Tít. 1.º do Decreto de 23.01.1886.

Ora, os art. 84 e 85 deste Decreto estão contemplados no Capítulo 5.º do Tít.

1.º do mesmo Decreto, um dos revogados por tão clara e precisa disposição do Decreto

de 02.05.1890.

Como deixar de concluir daí que o remédio consagrado do art. 84 do Decreto

de 23.01.1886 foi propositalmente suprimido pelos Decretos de 19 de janeiro e de

02.05.1890?

Fazemos referência unicamente ao art. 84 do Decreto de 1886 por não poder a

omissão na reprodução do art. 16 do Dec. 169-A e do Dec. 370 prejudicar aquela

disposição – já porque ela estava consagrada em ato de força legislativa e não foi

revogada no Dec. 370, já porque este, considerado como ato regulamentar e de

consolidação, deve guardar os limites traçados no art. 22 do Dec. 169-A e nas

faculdades concedidas ao regulamentador, dentro de tais limites, não se compreendia a

de revogar disposições do próprio Dec. 169-A.

O fato de não encontrar-se, entre as disposições do Dec. 370, de 02.05.1890,

consolidado o preceito do art. 16 do Dec. 169-A, de 1890, não importa a revogação

deste; mas da omissão do dispositivo do art. 84 do Decreto de 23.01.1886, nos Decretos

169-A e 370, deve-se forçosamente concluir a revogação de tal artigo, aliás diretamente

revogado com o Capítulo 5.º do Tít. 1.º do mesmo Decreto no art. 408 do Dec. 370, de
1890.

A legislação hipotecária de 1890 deixa, pois, o primeiro credor hipotecário,

com inscrição anterior, e a dívida, não vencida, sem o recurso de opor à execução do

credor hipotecário, com inscrição posterior e dívida vencida, embargos, impeditivos da

venda ou arrematação dos imóveis hipotecados e penhorados.

O caso só é remediado quando ocorrer a falência ou a insolvabilidade do

devedor; então a dívida hipotecária é reputada vencida; desde que, como fá- lo sentir o

Sr. Lafayette (Dir. das Cousas, § 273), o fato de estarem os imóveis de alguém sujeitos

a mais de uma hipoteca não importa estado de insolvência do proprietário, não se

reputando vencida a dívida do credor de hipoteca, inscrita com prioridade de ordem, não

é dado a este opor embargos à arrematação dos imóveis hipotecados excutidos por

credor hipotecário com graduação inferior, mas com dívida vencida.

Só de um recurso pode lançar mão o primeiro credor para evitar o prejuízo total

resultante da extinção de sua hipoteca, por meio de arrematação promovida pelo

segundo credor hipotecário: a preventiva estipulação no contrato hipotecário tornando

vencida a primeira hipoteca, quando for acionada a segunda.

O Sr. Lafayette opina pela possibilidade de uma ação ordinária intentada pelo

credor, assim arredado da execução por não ter efetiva a sua hipoteca, no intuito de

haver dos credores, que arremataram os bens sobre os quais havia incidido a sua

hipoteca, a parte precípua que lhe devia tocar como credor hipotecário.

Não nos parece admissível o alvitre.

Se a hipoteca extingue-se pela arrematação e os imóveis passam livres de

quaisquer encargos para o poder do arrematante; como supor possível uma ação

ordinária intentada com o fim de liquidar e tornar efetivo um direito que não pode ter
assento na hipoteca, porque esta extinguiu-se pela arrematação?

O silêncio dos Decretos 169-A e 370 em referência à hipótese consagrada no

art. 84 do Decreto de 23.01.1886, não pode ser, como temos visto algumas vezes opinar,

levado à conta de omissão acidental, se outra razão não existisse, para julgar-se

proposital o fato bastaria a que apresentamos – de haver o art. 408 do Dec. 370, de

02.05.1890, revogado de modo preciso o Cap. 5.º do Tít. 10 do Decreto de 1886, no

qual se acha incluído o art. 84, que não é excetuado da revogação.

O legislador de 1890 revogou, portanto, intencionalmente o art. 84 citado e

para assim proceder, teve um móvel conhecido: apartar-se do regime romano e filiar-se

ao regime moderno.

Como vimos, segundo o direito romano, somente o primeiro credor, potior

creditor, tinha o poder de provocar a venda dos imóveis para pagar-se por seu preço; o

credor posterior devia aguardar a liquidação do direito do primeiro credor para fazer

valer o seu: o meio que o processo romano lhe proporcionava para evitar esta situação

era o jus offerendi que conferia a este credor.

Consistia este jus offerendi na faculdade de propor o segundo credor ao

primeiro – ao potior creditor – pagar- lhe a dívida; por este pagamento ficava o segundo

credor sub-rogado nos direitos do primeiro e podia excutir os imóveis hipotecados

(Troplong, Priv. et Hypoth., vol. 1.º, n. 355 e vol. 3.º, n. 804).

Foi esta doutrina que o direito moderno abandonou estabelecendo o princípio

que o credor hipotecário, qualquer que fosse a sua ordem preferencial regulada pela

inscrição, pudesse, pelo simples fato de ter um direito real, possível de tornar-se efetivo

sobre o imóvel, isto é, hipoteca inscrita e vencida, excutir o imóvel sem preocupar-se

com o primeiro credor hipotecário, o da inscrição anterior, que neste simples fato tinha
o meio de fazer valer o seu direito preferencial na execução.

Se esse direito era irrealizável, por não estar a dívida vencida, fora atacar

fundamentalmente a estrutura jurídica da hipoteca impedir que o credor hipotecário,

com dívida vencida, fizesse valer o seu direito real sobre o imóvel, pelo fato de haver

um credor hipotecário com hipoteca anteriormente inscrita mas que não podia fazer

efetivo o seu direito real.

“La Cour de Cassation de Franca a-t-elle jugé, par un arrét du 10 de fevrier

1818, que le droit de faire vendre sur le tiers détenteur 1‟immeuble hypothéqué n‟est

pas subordonné à la question de savoir si, lors de la distribution du prix, le créancier

poursuivant cera colloqué en ordre utile. Le droit de saisie immobilière déféré à tout

créancier hypothécaire, quel que soit son rang, est absolu. Ce n‟est que par le résultat

de l‟ordre que l‟on peut s‟assurer de l‟utilité de l‟expropriation pour le poursuivant,

lequel, jusque- lá, justifie, par la seule éxistence de son inscription, d’un intérêt suffisant

pour que le droit d’exproprier ne puisse lui être dénié.

Il importerait peu que le créancier anterieur dont la créance semblerait devoir

absorber la totalité du prix à provenir de la vente de l‟immeuble fût le tiers détenteur lui-

même etc...” (Martou, vol. 3.º, n. 1.272).

Ressalta o que tem de conceituosa e jurídica esta doutrina; em um só caso

alterar-se-ia esta situação para chamar a atenção sobre a condição do credor inscrito

anteriormente e que podia ter sua hipoteca, sem efeito – o da insolvência do devedor; se

no rigor jurídico não estando a hipoteca vencida, não havia como pretender a realização

dos efeitos de um título que não tinha uma condição substancial, qual a de ser

exeqüível. Tendo em atenção o princípio econômico que representa a hipoteca como

fator do crédito real, convinha não retirar-lhe a sua ação garantidora das operações de
crédito, quando ocorresse o fato da insolvabilidade do devedor.

Esta hipótese está prevenida na legislação hipotecária em vigor.

A dívida hipotecária reputa-se vencida e o credor hipotecário vem no concurso

fazer valer o seu direito prelatício juntando apenas o seu título hipotecário (art. 15 do

Dec. 169-A), o qual não pode ser arredado senão sendo por ação competente (art. 19, §

1.º, do Dec. 169-A, e art. 395 do Dec. 370, de 1890).

Não se dando, porém, a insolvabilidade do devedor, antes sendo os bens

suficientes para o pagamento dos credores, como nenhum prejuízo resulta para o credor

por hipoteca, que pode pagar-se como quirografário, além do produto dos bens

hipotecados, sem aguardar o vencimento de sua hipoteca para fazer valer os seus

direitos, não há necessidade de dar como vencida a sua dívida, porque um credor

hipotecário de ordem de graduação inferior vem excutir os imóveis, usando do seu

direito real e aparelhado com um título de dívida cobrável.

É possível que o preceito do art. 84 do Decreto de 23.01.1886 seja mais

propício à valorização das hipotecas, neste caso convém incluí- lo na legislação;

pretender, porém, aplicá- lo no regime do Decreto de 02.05.1890, que o revogou, é o que

não pode ter lugar.

Em acórdão proferido em 10.11.1898, no Agravo Civil 671, julgou a Corte de

Apelação do Distrito Federal que os embargos especiais estabelecidos no art. 16 do Dec.

169-A, de 19.01.1890, em favor do credor hipotecário para obstar a venda do imóvel

hipotecado nas execuções movidas por credor quirografário contra o devedor comum,

devem ser recebidos em qualquer período da execução (Revista de Jurisprudência,

fevereiro de 1899, p. 185); mesmo fora dos seis dias seguintes à penhora (Rev. citada,

fascículo de maio de 1899, p. 85 a 87).


Art. 19. Ao executado não é permitido opor às escrituras de hipotecas

celebradas e inscritas conforme os arts. 132, 133 e 134, do Regulamento 3.453, de

26.04.1865, outros embargos que não os de nulidade de pleno direito, definidos no

Regulamento 737, de 25.11.1850, e dos que são expressamente pronunciados pela

legislação hipotecária.

372. Não há colisão entre esta disposição e a do art. 15, a aceitar-se como exata

a referência aos arts. 132, 133 e 134 do Dec. 3.453, de 26.04.1865. Nestes provê

legislador a três situações jurídicas do executado e define o direito que as regula; no art.

79 estatui sobre hipótese restritiva de uma das disposições gerais do art. 15.

Segundo este artigo:

a) O executado pode opor, nas execuções das ações hipotecárias, os embargos

de que fazem menção os arts. 577 e 578 do Dec. 737, de 25.11.1850.

São embargos que afetam propriamente a execução conquanto procurem anulá-

la em seu assento fundamental a sentença exeqüenda e o processo da ação (§§ 1.º e 8.º

do art. 577).

Constituindo matéria que interessa a execução, ou por afetar o fundamento da

sentença, ou por tornar esta sem objeto, porque o acordo das partes contendoras

modifica a situação criada pelo quase-contrato formado cone a aceitação do juízo (§§

3.º, 4.º e 7.º, do art. 577, e § 2.º, do art. 578, do Dec. 737), esses embargos não podiam

afetar as escrituras de hipotecas, e o legislador não tratou no art. 15 de serem eles

opostos nessa intenção, mas sim de visarem a execução.

b) O executado só pode opor às escrituras de hipotecas os embargos que se


fundarem em qualquer das nulidades de pleno direito definidos no art. 684 do Dec. 737.

c) O executado pode ainda opor as nulidades, que segundo a legislação

hipotecária, afetam substancialmente as hipotecas.

Tais nulidades são as que o art. 394 do Dec. 370, de 02.05.1890, menciona.

O que se preceitua no art. 19 não é a mesma coisa.

Proíbe-se ao executado opor embargos de nulidade: às escrituras das hipotecas

celebradas para garantia, de dívidas contraídas, anteriormente à data das escrituras das

hipotecas, nos quarenta dias precedentes á época legal da quebra, às escrituras

celebradas dentro dos quarenta dias para garantias de dívidas contraídas no mesmo ato,

e às inscrições feitas após a sentença da abertura da falência (arts. 132, 133 e 134 do

Dec. 3.453, de 26.04.1865).

A razão deste preceito, que, em vez de colidir com o do art. 15, o limita, é não

autorizar o executado a opor a tais escrituras embargos que se fundem em um vício que

o executado devia conhecer e que foi conivente em ocultar, com o intuito de defraudar

os demais credores, criando ao hipotecário situação mais favorável: em tais hipóteses só

lhe é lícito opor embargos fundados em nulidades de pleno dire ito, estas afetam de tal

modo as escrituras de hipotecas contraídas nos casos dos arts. 152, 155 e 154, que o

vício proveniente destas disposições é sobrepujado por aqueles decretados no art. 684

do Dec. 737, de 1850.

O art. 394 do Dec. 370, de 1890, reproduzindo a disposição, faz menção dos

casos de embargos admitidos na liquidação hipotecária que são:

a) Constituição da hipoteca convencional por outro meio que não seja a

escritura pública;

b) Hipoteca não especial ou especializada;


c) Constituição de hipoteca para garantia de dívidas contraídas antes da data da

escritura nos 40 dias precedentes à época legal da quebra:

d) Falta de designação da dívida garantida pela hipoteca;

e) Cessão de hipoteca inscrita sem ser por escritura pública ou termo judicial.

A disposição da letra e é uma inadvertência a admitir-se a exatidão da

referência dos arts. 132, 133 e 134, do Decreto de 26.04.1865, feita não somente no art.

19 do Dec. 169-A, de 19.01.1890, como no art. 394 do Dec. 370, de 2 de maio do

mesmo ano, referência que se explica pela maneira que o fizemos e que a justifica do

modo o mais aceitável.

A não se dar esta inteligência conforme opinião que já vimos expender e não

aceitando como exata a referência aos arts. 132, 133 e 134, do Dec. 3.453, de 1865, o

art. 19 do Dec. 169-A é uma repetição escusada do art. 15 na parte referente aos

embargos que ao executado é lícito opor às escrituras de hipotecas.

373. Não convindo em que se possa supor no legislador de 1865 um descuido,

de que o legislador de 1890 se teria tornado igualmente culpado, é que produzimos essa

inteligência do art. 19 e aceitamos como exata a referência aos arts. 132, 133 e 134, do

Dec. 3.453.

Não podemos, todavia, deixar de concordar em que se pode sustentar a opinião

que vê nos citados artigos dos Decretos de 1890, que são a reprodução textual do n. 5 do

§ 6.º do art. 240 do Decreto de 1865, uma referência errada: não é dos arts. 132, 133 e

134, do Decreto de 1865, que se trata e sim dos arts. 135, 136 e 137 do mesmo Decreto,

aos quais referia-se o art. 240 (n. 5, § 6.º) do Decreto de 1865 e não àqueles outros.

Explicar-se- ia, então, a referência errada – por qualquer alteração que tenha se
dado na numeração dos artigos, com a inclusão de novas disposições, por ocasião de

organizar-se o regulamento da Lei de 1864; o legislador quis referir-se às disposições

que entendiam com a constituição das hipotecas, e teve por fim reduzido o uso dos

embargos para anular as escrituras e exigindo o emprego da ação ordinária, dar

estabilidade à constituição da hipoteca quando ela houvesse tido lugar, com observância

das disposições reguladoras da forma a guardar.

A referência aos arts. 132, 133 e 134 não teria razão de ser; e a explicação

acima proposta, do pensamento do legislador seria a demonstração a mais cabal do erro

da referência. Porque proibir ao executado alegar as nulidades dos arts. 132 e 134

quando elas constituem vício substancial e radical da hipoteca?

No caso do art. 132 promana a nulidade da fraude e do, dolo que preside ao

contrato, no do art. 134, além de idêntica razão fundamental, convém acrescentar que a

inscrição radicalmente nula não imprime à hipoteca vigor contra terceiros, isto é, anula-

a em seus efeitos capitais: a seqüela e a prelação.

O fato de em todas as edições do Decreto de 26.04.1865, ainda a da coleção

oficial das leis, dar-se a mesma referência, não deve servir para provar a exatidão desta,

mas, sim, para precaver os legisladores contra os descuidos da redação dos artigos de

leis e regulamentos.

§ 1.º Os credores quirografários e os por hipoteca, não inscritos em primeiro

lugar e sem concorrência, só por via de ação ordinária de nulidade ou rescisão, poderão

invalidar os efeitos da primeira hipoteca, a que compete a prioridade pelo respectivo

registro.
374. Esta disposição e a do art. 395 do Dec. 370, de 02.05.1890, tiveram por

fim revogar o art. 80 do Dec. 9.549, de 13.01.1886, que permitia aos credores

quirografários e aos hipotecários posteriormente inscritos articular, no concurso de

preferência, contra as escrituras de hipoteca, quaisquer nulidades não só de pleno

direito, como as resultantes de simulação, dolo e falsidade das dívidas executadas para

impedirem o efeito de contratos celebrados em fraude de execução.

Segundo o art. 81 do citado Decreto de 1886 não podiam os credores

quirografários impedir que o credor hipotecário se pagasse, pelo produto dos bens

excutidos, na execução por ele promovida; salvo nos casos de falência e de

insolvabilidade do devedor; fora deles prevaleciam as disposições do n. 5, do § 6.º, do

art. 240, e do § 3.º, do art. 292, do Decreto de 26.04.1865: a primeira destas disposições

declarava a escritura da hipoteca subsistente, enquanto não fosse anulada por escritura

pública; a segunda só admitia a disputarem preferência com o credor hipotecário, outros

credores com hipoteca inscrita sobre o mesmo imóvel.

Em seguida vinha a disposição do art. 82 do Decreto em 1886 concebida nestes

tempos:

“A disposição do artigo precedente não exclue o direito, que assiste aos dema is

credores hypothecarios ou chirographarios, de demandarem por acção ordinaria a

annullação da escriptura de hypotheca contra elles opposta.”

Do confronto destas disposições, entre si, e com as dos arts. 15 e 19 de Dec.

169-A e 394 e 395 do Dec. 370 ressalta o pensamento que presidiu à redação do § 1.º do

art. 19 supra: pôr o direito prelatício do credor hipotecário inscrito em primeiro lugar e

com a preferência garantida pela prioridade do número de ordem, ao abrigo de uma

nova alegação de nulidade contra a sua escritura, no juízo da execução.


O uso da ação ordinária garante, por outro lado, os credores contra as hipotecas

afetadas de nulidades substancial; o legislador reputou essa garantia suficiente e a ela

restringiu, a proteção ao direito dos credores quirografários e dos por hipoteca inscrita

posteriormente ao do credor exeqüente.

Há antinomia entre estas disposições (do art. 19 e § 1.º) e a do art. 15?

A razão da dúvida está em que o art. 15 manda subsistir, em referência aos

credores, as disposições dos arts. 617 e 686, §§ 4.º e 5.º, do Dec. 737, para os casos que

não forem de insolvabilidade ou de falência; ora segundo o art. 617 do Dec. 737 a

disputa entre credores pode versar não somente sobre a preferência que cada um alega,

senão também sobre nulidade, simulação, fraude e falsidade das dívidas ou contratos e

segundo os §§ 4.º e 5.º, do art. 686 a nulidade de pleno direito pode ser pronunciada,

não somente por meio de ação, como de defesa (e conseguintemente por meio de

embargos), e pode ser alegada por todos aqueles que provarem interesse na sua

declaração, e, conseguintemente, pelos credores, os quais podem, ainda mais – opor por

meio de embargos, no concurso de preferências, a nulidade dependente de rescisão

desde que tratem de impedir o efeito de contratos simulados, fraudulentos e celebrados

em fraude da execução.

Parece-nos que do acórdão, já por nós citado, proferido pela Câmara Comercial

do Tribunal Civil da Capital Federal em 02.06.1893 se pode deduzir a solução da

dúvida.

A disposição do art. 15, na parte referente aos credores, só autoriza a estes os

meios especificados nos arts. 617 e 686, §§ 4.º e 5.º, do Dec. 737 quando:

a) O exeqüente não é o credor hipotecário com hipoteca inscrita em primeiro

lugar, porque em tal caso tem aplicação o § 1.º do art. 19;


b) Não é caso de falência e insolvabilidade do devedor porque em tais

hipóteses prevalecem as disposições do n. 5 do § 6.º, do art. 240, e do § 3.º, do art. 292,

do Dec. 3.453, de 26.04.1865.

A disposição do art. 15 não se aplicando ao exeqüente, credor hipotecário ou

não, não o inibe de opor, fora dos casos de falência e insolvabilidade do devedor, por

meio de embargos a nulidade do contrato hipotecário por simulado ou fraudulento.

Estes corolários do julgado da Câmara Comercial, acima referidos, são

impugnados em uma sentença de que dá noticia a Revista de Jurisprudência de janeiro

do corrente ano.

Nesta sentença parece contestar-se que o credor hipotecário, com prioridade no

número da ordem de inscrição possa alegar a nulidade de outra hipoteca inscrita, com o

mesmo número de ordem, por haverem concorrido ambos ao registro, no mesmo tempo

(§ 4.º, do art. 9.º,do Dec. 169-A, e art. 44, do Dec. 370, de 1890), por meio de

embargos, o que é inexato. A disposição do § 1.º, do art. 19, do Dec. 169-A é tendente a

garantir o credor hipotecário, que tem prioridade de ordem, contra o protraimento das

execuções, com demora do seu pagamento, o que se daria se fossem permitidos

embargos de nulidade da hipoteca, em tais condições de prioridade, opostos por

credores quirografários ou de hipotecas posteriores; estes, sem direito de prelação sobre

o produto da execução, embaraçariam a realização da hipoteca anterior, por meio de

chicana e com o efeito protelatório alcançado, ainda quando os embargos fossem afinal

julgados não provados.

De modo algum pretendeu-se impedir, entre credores da mesma classificação

de ordem prelatícia, a alegação por meio de embargos da nulidade das hipotecas dos

concorrentes.
Se somente por meio da ação ordinária pudesse o exeqüe nte, com hipoteca

inscrita ou prioridade de ordem, opor a nulidade de outra hipoteca inscrita sob o mesmo

número; estaria ele em situação mais desfavorável do que a criada no art. 15 ao

executado, que pode sempre opor embargos fundados em nulidade de pleno direito.

§ 2.º A disputa entre credores, dos quais algum tenha hipoteca inscrita em

primeiro lugar e sem concorrência, não pode versar senão sobre o ponto restrito da

preferência.

375. Se o credor por primeira hipoteca inscrita tiver concorrência fundada nas

disposições do art. 44, do Dec. 370, de 02.05.1890, ou do § 4.º, do art. 9.º, do Dec. 169-

A, do mesmo ano, não tem aplicação a disposição supra; em tal caso a disputa não

versará restritamente sobre a apuração do direito preferencial, mas também sobre o

próprio direito de concurso, isto é, sobre a validade da hipoteca da qual promana esse

direito.

Entendido nestes termos consagrou a verdadeira doutrina o quarto

considerando da sentença transcrita à p. 52 do número de janeiro de 1899, da Revista de

Jurisprudência.

Subsistindo a disposição do art. 15, do Dec. 169-A, de 1890, não revogado pelo

Decreto de 2 de maio do mesmo ano, que, conquanto expedido pelo Governo

Provisório, é ato regulamentar, os credores quirografários podem, ainda no concurso da

preferência, alegar as nulidades de pleno direito das escrituras da hipoteca?

Convém distinguir.

Se se tratar da primeira hipoteca com inscrição feita em número de ordem que


lhe confira prioridade absoluta, não há dúvida que o quirografário só pode atacar a

escritura por meio de ação ordinária (§ 1.º, do art. 19); conseguintemente no concurso

de preferência só pode arredar o credor juntando sentença, passada em julgado, que

anule a hipoteca: se se tratar, porém, de qualquer outro credor hipotecário, o credor

quirografário, que tiver interesse em arredá-lo do concurso; poderá atacar a escritura de

hipoteca por meio de embargos de nulidade de pleno direito.

A doutrina sustentada pelo Sr. Lafayette na nota 10 ao § 269, do Direito das

Cousas, deve ser assim entendida, depois dos arts. 15 e 19, §§ 1.º e 2.º, do Dec. 169-A,

de 1890, e dos arts. 394, 395 e 396, do Dec. 370, do mesmo ano.

É certo que a hipoteca que tem a sua escritura eivada dos vícios substanciais,

que a lei considera pleno jure irritantes, não tem, como diz o Sr. Lafayette, existência

legal, e seria de toda a justiça que, ainda no concurso de preferência, pudesse o credor

quirografário não somente argüir estas nulidades, mas as que afetassem a própria

inscrição.

O enxerto, porém, desses embargos no processo do concurso de preferência,

imprimia a este um curso de tal morosidade que não se podia coadunar com o fim da

disputa de preferência, alem de haver autorizado o abuso do emprego de embargos

exclusivamente protelatórios.

As disposições dos §§ 1.º e 2.º, do art. 19 supra, e os idênticos dos arts. 395 e

396, do Dec. 370, de 2 de maio, tiveram como objetivo dar remédio a tais abusos, que

encontraram apoio no art. 8.º do Dec. 9.549, de 23.01.1886, no qual se vê consagrada a

opinião sustentada na nota 10 ao § 269 do Direito das Cousas.

No concurso de preferência a situação dos credores concorrentes está

definitivamente estabelecida, segundo o § 2.º, do art. 19, do Dec. 169-A, de 1890, desde
que exista um credor hipotecário com prioridade de ordem estabelecida ; este não pode

ser arredado para ser modificada a classificação, salvo sentença passada em julgado

anulando tal hipoteca. Fora desta hipótese, eivada ou não de vício de pleno direito, a

hipoteca entra no concurso com o seu direito prelatício firmado e a única disputa

admissível é sobre a situação e eficiência desse direito preferencial.

§ 3.º Verificada a anticrese estabelecida pelo art. 71, § 2.º, do Regulamento

3.471, de 03.06.1865, não poderá o devedor antichretico ser executado por nenhum

outro credor, qualquer que seja a natureza do seu título.

§ 4.º Nenhum embargo, sequestro ou qualquer ação ou execução pendente

impedirá as sociedades de crédito real de imitir-se na posse de bens hipotecados por

meio da anticrese pelo tempo e para os efeitos previstos neste Decreto.

§ 5.º A anticrese devidamente julgada não póde ser invalidada senão por

sentença obtida em ação ordinária perlo devedor hipotecário.

§ 6.º Mesmo depois de inciada a ação ou execução, e a qualquer tempo, poderá

a socidedade de crédito real optar pela anticrese dos bens hipotecados.

376. A tradição do imóvel, sobre o qual se constitui a anticrese, ao credor

anticresista opera o nascimento do direito real da anticrese, que consiste em substância

na consignação obrigada do rendimento e quaisq uer proventos resultantes do imóvel ao

pagamento dos juros da dívida hipotecária e à amortização do capital da mesma. Esta é

a noção da anticrese segundo o direito moderno (Código Civil francês, art. 2.085;

Código Civil italiano, art. 1.891; Código Civil português, art. 873; Código Civil

argentino, arts. 3.239 e 3.240; Código Civil uruguaio, art. 2.312; Código Civil espanhol,
art. 1.881; Código Civil alemão, art. 1.213) e a que foi aceita no nosso (art. 6.º do Dec.

169-A, de 19.01.1890).

A disposição do § 3.º supra teve um objetivo especial, a proteção desse direito

real de anticrese, proteção que lhe advém do seu caráter de direito real e não do fundo

de sua natureza jurídica.

De feito, em substância, a anticrese não afeta a propriedade do imóvel, como a

hipoteca; a consignação dos frutos ao pagamento dos juros e à amortização da dívida

não importa um direito igual ao oriundo do penhor ou da hipoteca, que é o de promover

a venda da coisa para pagar-se, pelo preço, com preferência sobre os outros credores;

desde; porém, que a lei declara que a anticrese constitui um direito real o credor

hipotecário anticresista deve forçosamente ficar colocado em situação idêntica à de

qualquer sujeito de um direito real: conseguintemente nenhum outro credor deve poder

arrancar da sua posse o imóvel, dado em anticrese, para vendê-lo e pagar-se por seu

preço, seja qual for o título preferencial que faça valer, sem satisfazer ao anticresista

integralmente a dívida garantida pela anticrese.

Este consectário que a doutrina e a jurisprudência tem deduzido do art. 2.087

do Código Civil francês é a que consagra o § 3.º supra do art. 19 do Dec. 169-A, de

1890.

377. O disposto no § 4.º do art. 19 supra é um grande favor concedido às

sociedades de crédito real, que celebrarem anticrese:

De fato esta só constitui um direito real após a posse do credor e não pela

simples convenção; a tradição é condição substancial para que o credor anticresista

adquira o direito real da anticrese. Si antichresis pacta sit, in fundum aut in œdes aliquis
indicatur (L. 11 § 4.º D. de pignor. et hypoth).

As sociedades de crédito real, como qualquer credor, não poderiam, pois,

impedir que um credor hipotecário seqüestrasse ou arrestasse o imóvel dado em

anticrese, antes da tradição do mesmo à referida sociedade e da posse desta, condições

essenciais para que exista o direito real.

Em proteção ao crédito real a lei concede às sociedades, que se organizarem

para explorarem- no, a grande proteção que se concretiza no preceito do § 4.º supra e que

consiste no direito de impedir o seqüestro, o arresto, ou a penhora do imóvel dado em

anticrese, antes da imissão da posse das mesmas sociedades, e para o efeito de realizar-

se tal imissão; o que equivale a autorizá- las a fazer valer o direito real da anticrese,

quando este ainda não existe, ou não se acha regularmente constituído.

E como reconhece a existência da anticrese; na hipótese figurada, confere-lhe

todos os efeitos; assim é que enquanto dura, não pode ser o imóvel objeto de seqüestro,

embargo, ou penhora; o credor anticresista exercitará o seu direito real até final solução

da dívida, ou pelo espaço de tempo estabelecido no contrato para duração da hipoteca.

378. Só o devedor hipotecário tem competência para anular a anticrese e

unicamente por meio de ação ordinária pode consegui- lo.

A anticrese deve constituir um estado jurídico definitivo para que possa

preencher os fins de sua instituição.

O devedor pode alienar o imóvel, mas este passa ao adquirente com o encargo

real; se assim é, como permitir ao devedor atacar a anticrese com fundamento de

nulidade, senão provando cumpridamente o fato e dando lugar à discussão, de modo a

instruir de sólidos fundamentos o juiz que vai rescindir o ato judicial que sancionou a
anticrese, a qual em muitos dos casos figurados não é convencional, mas judicial.

“Après avoir remis, dit-on, un immeuble en nantissement, le dèbiteur ne peut ni

directement ni indirectement porter atteinte à l‟antichrèse; s‟il vend ou hypothèque

ensuite le même immeuble, il n‟en transfère ou n‟en affecte la proprieté que dans la

mesure des droits qui lui restent, c‟est-à-dire sous la condition de respecter 1‟antichrèse

préexistante. L‟aliénation de jouissance étant consommée au profit du créancier nanti,

elle doit rester dans le patrimoine de celui-ci jusqu‟à, ce qu‟elle soit rachetée par le

payment de la créance.” (Martou, Privileg. et Hypoth., n. 34).

379. Em vez de levar a termo a ação executiva a sociedade de crédito real pode

optar pela anticrese; em tal caso passa o imóvel para a posse da sociedade e é j ulgado

findo o juízo da ação hipotecária.

A situação criada às sociedades de crédito real, pela anticrese é de toda a

vantagem para a própria sociedade e para o devedor; a obrigação de prestar contas é

uma garantia para este; o direito de defender a posse do imóvel dado em anticrese, por

meio de embargos de terceiro possuidor, e os rendimentos do mesmo por embargos de

terceiro senhor, alegáveis contra penhora, seqüestro ou arresto, constitui uma garantia

da segura liquidação do direito hipotecário de tais sociedades e tranqüila apuração do

seu direito creditório garantido pela anticrese (Direito, vol. 42, p. 183, e vol. 47, p. 413).

O credor anticresista torna-se senhor dos rendimentos do imóvel (julgados no

Direito, vol. 8.º, p. 344 a 354), quer estes se imputem aos juros, quer à amortização do

capital, sendo conveniente que se estipule a taxa dos juros, mas não sendo isto

substancial, nem viciando a omissão de tal estipulação a anticrese em si (Direito, vol.

8.º, p. 306, 320 e 344; vol. 10, p. 577).


Os favores concedidos às sociedades de crédito real, no que entende com a

anticrese, só dependem, quando ela se acha realizada, da respectiva transcrição, para ser

oposta a terceiros (Direito, vol. 13, p. 154).

§ 7.º Consideram-se como feitos sobre primeira hipoteca, em todo e qualquer

caso, os empréstimos destinados ao pagamento de quaisquer dívidas do mutuário, uma

vez que a escritura do contrato seja incripta em primeiro lugar e sem concorrência,

ficando assim revogados o art. 19 e seus parágrafos do Regulamento de 03.06.1865.

380. Tem considerável alcance esta disposição.

Pelo art. 19 do Decreto de 1865 só ficavam consideradas primeiras hipotecas as

que sucediam por sub-rogação a outras hipotecas inscritas com prioridade de ordem.

Para que tal se desse fazia-se preciso que os empréstimos contraídos com as

sociedades de crédito real, para o pagamento de dívidas hipotecárias anteriormente

inscritas, fossem efetivamente aplicados a tal pagamento; assim sendo decorria do fato a

sub-rogação, segundo o § 1.º, do art. 19, do Dec. 3.471, de 1865; o que se dava quando

a parte do empréstimo destinada ao pagamento, de que devia resultar a sub-rogação,

ficava em poder da sociedade (§ 2.º do art. 19, do Decreto citado).

A este mecanismo de disposições que tornava possível a decorrência dos

efeitos da primeira hipoteca do fato do pagamento da mesma, fato de que resultava, de

per si só, a sub-rogação na prelação, o § 7.º opôs o do registro em primeiro lugar; é

coerente esta disposição com a do art. 13, que só considera a soc iedade de crédito real,

com primeira hipoteca, quando houver sido ela sub-rogada a uma hipoteca com

prioridade de ordem de inscrição e que leve à margem dessa inscrição a declaração da


sub-rogação.

A inscrição do contrato hipotecário, com prioridade de ordem, é o que constitui

primeira hipoteca, sob o domínio da disposição do art. 13 e do art. 19, do Dec. 169-A,

de 1890, para as sociedades de crédito real.

As disposições do art. 19 do Decreto de 03.06.1865, operavam a sub-rogação à

primeira hipoteca, pelo fato do pagamento desta e independentemente da inscrição no

registro ou de averbação à margem da inscrição da primeira hipoteca paga, o que ia de

encontro ao regime de publicidade aceito na Lei de 24.09.1864, e representava uma

exceção em favor das sociedades de crédito real.

O § 7.º do art. 19 do Dec. 169-A guardou coerência com o regime de

publicidade adotado e derrogou com o art. 39 do Decreto de 1865, uma exceção

desnecessária.

Art. 20. Ficam sujeitas à jurisdição comercial e à falência todos os signatários

de efeitos comerciais, compreendidos os que contraírem empréstimos mediante hipoteca

ou penhor agrícola, por soma superior a 5:000$.

381. Esta disposição foi alterada pelo art. 380 do Dec. 370, de 02.05.1890, que

dispõe:

“Ficam sujeitos á jurisdicção commercial e á fallencia todos os signatarios de

effeitos commerciaes, comprehendidos os que contrahirem emprestimos mediante

hypotheca ou penhor agricola, por qualquer somma, ou bilhetes de mercadorias.

Esta disposição, no que entende com a falência de todos os signatários de

efeitos comerciais e dos que contraírem empréstimos hipotecárias e de penhor agrícola,


está revogada pelas disposições dos arts. 1.º e 2.º, do Dec. 917, de 24.10.1890.

Só os signatários de bilhetes à ordem pagáveis em mercadorias, de que trata o

art. 379, do Dec. 370, de 02.05.1890, estão sujeitos à falência, porque tais bilhetes

consideram-se dívidas liquidas e certas (art. 2.º, letra c, do Decreto citado).

As dívidas civis não autorizam a abertura de falência (art. 1.º, § 2.º, do Dec.

917, de 24.10.1890), as dívidas por hipoteca são civis (art. 2.º, do Dec. 169-A, de 1890),

conquanto acionáveis perante a jurisdição comercial (art. 391, do Dec. 370, de

02.05.1890).

O processo adotado nas ações hipotecárias foi o executivo comercial, como já

vimos.

Em todos estes preceitos visou-se apenas a função econômica da hipoteca; a

sua estrutura jurídica foi deixada em segundo plano.


TITULO VIII

Disposições transitórias

Art. 21. Fica extinto o privilégio das fábricas de açúcar e mineração, do qual

trata a Lei de 30.08.1833.

382. Esta disposição era desnecessária.

Tal privilégio havia sido derrogado pela Lei 1.237, de 24.09.1864, (art. 14, §

2.º); não tendo sido restabelecido por lei posterior, não havia necessidade do preceito do

art. 21.

Foi mais uma das disposições insertas por inadvertência no corpo da nova

legislação hipotecária.

Art. 22. O Governo regulamentará o presente Decreto, consolidando e

modificando segundo ele os Decretos Regulamentares 3.453, de 26.04.1865, 3.471, de

03.06.1865, e Dec. 9.549, de 23.01.1886.

383. O regulamento expedido pelo Dec. 370, de 02.05.1890, não limitou-se à

regulamentação e consolidação nos termos ordenados, alterou disposições do Dec. 169-

A, de 1890; como, porém, foi expedido pelo Governo Provisório e tem originariamente

a mesma força do primeiro, deve representar o último estado da legislação hipotecária

entre nós em tudo o que não alterar o Dec. 169-A.

Art. 23. Ficam revogadas as Leis 1.237, de 24.09.1861, e art. 1.º, da Lei 2.687,
de 06.11.1876, e Lei 3.272, de 05.10.1885, e bem assim quaisquer disposições em

contrário.

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