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mas a ética agostiniana destaca-se por outro dade.

isso ocorre porque, em seu pensamento, o


conceito. Ao tentar explicar como pode existir o indivíduo que obedece a uma norma moral atende
mal se tudo vem de deus – e deus é bondade à liberdade da razão, ou seja, àquilo que a razão,
infinita –, santo Agostinho introduziu a ideia de no uso de sua liberdade, determinou como correto.
liberdade como livre-arbítrio, isto é, a noção de dessa forma, a sujeição à norma moral é o reco-
que cada indivíduo tem a possibilidade de escolher nhecimento de sua legalidade, conferida pelos
como agir, de acordo com sua própria vontade. próprios indivíduos racionais.
Portanto, pode optar livremente por aproximar-se kant reforça essa ideia ao dizer que um ato só
de deus ou por afastar-se dele. o afastamento de pode ser considerado moral quando praticado de
deus seria o mal, de acordo com o filósofo (reveja forma autônoma, consciente e por dever. Com isso,
a esse respeito o capítulo 13). acentua o reconhecimento do dever como uma
isso significa que, com a noção de livre-arbítrio, expressão da racionalidade humana, única fonte
de escolha individual, Agostinho acentuou o papel legítima da moralidade. A clareza dessa ideia é
da subjetividade humana nas coisas do mundo. o assim expressa pelo filósofo:
livre-arbítrio seria o meio pelo qual o ser humano Age apenas segundo uma máxima [um princípio]
exerce sua liberdade, que consiste em escolher en- tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se
tre o bem e o mal. de outro lado, esse conceito esva- torne lei universal. (Fundamentação da metafísica
ziou a noção grega de liberdade como possibilidade dos costumes, p. 59.)
de realização plena dos indivíduos em seu meio so-
essa exigência é denominada por kant de impe-
cial. em outras palavras, diminuiu a importância da
rativo categórico, ou seja, é uma determinação im-
dimensão social da liberdade, e esta passou a ter
perativa, que deve ser observada sempre, em toda e
um caráter mais pessoal, subjetivo, individualista.
qualquer decisão ou ato moral que venhamos a pra-
ticar. em outras palavras, o filósofo quer dizer que
idade Moderna: ética nossa ação deve ser tal que possa ser universaliza-
antropocêntrica da, ou seja, realizada por todos os outros indivíduos
Com o final da idade média, marcado pelo Re- sem prejuízo para a humanidade. se não puder
nascimento, o ser humano torna-se novamente ser universalizada, não será moralmente correta
o centro de interesse por meio do humanismo, e só acontecerá como exceção, nunca como regra.
conforme vimos no capítulo 14. no terreno da refle- Vejamos como kant se expressa a esse respeito:
xão ética, esse fato orientou uma nova concepção Se prestarmos atenção ao que se passa em nós mes-
moral, centrada na autonomia humana. mos sempre que transgredimos qualquer dever, des-
no Iluminismo, essa orientação fica mais evi- cobriremos que na realidade não queremos que a
dente, pois os filósofos passam a defender a ideia nossa máxima se torne lei universal, porque isso nos
de que a moral deve ser fundamentada não mais é impossível; o contrário dela é que deve univer-
salmente continuar a ser lei; nós tomamos apenas
em valores religiosos, e sim naqueles oriundos da
a liberdade de abrir nela uma exceção para nós.
compreensão do que é a natureza humana.
(Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 63.)
A concepção mais expressiva do período mo-
derno a respeito da natureza humana é a de uma e por que realizamos atos contrários ao dever
natureza racional, que encontra em kant sua for- e, portanto, contrários à razão? kant dirá que é
mulação mais bem-acabada. porque nossa vontade é também afetada pelas
inclinações – que são os desejos, as paixões, os
Ética do dever medos –, e não apenas pela razão. Por isso ele
em seus textos Crítica da razão prática e Funda- afirma que devemos educar a vontade para al-
mentação da metafísica dos costumes, o filósofo cançar a boa vontade, que seria aquela guiada
alemão immanuel kant (1724-1804) aponta a ra- unicamente pela razão.
zão humana como uma razão legisladora, capaz em resumo, a ética kantiana é uma ética formal
de elaborar normas universais, uma vez que cons- ou formalista, pois postula o dever como norma
titui um predicado universal dos seres humanos, universal, sem se preocupar com a condição indivi-
isto é, uma capacidade comum a todos. As normas dual, em que cada um se encontra diante desse de-
morais teriam, portanto, sua origem na razão. ver. em outras palavras, kant nos dá a forma geral
embora, em kant, as normas morais devam ser da ação moralmente correta (o imperativo categóri-
obedecidas como deveres, a noção kantiana de co), mas não diz nada acerca de seu conteúdo, não
dever confunde-se com a própria noção de liber- diz o que devemos fazer em cada situação concreta.
Capítulo 18 A Žtica 337
AnGeli - FolHA de s.PAulo 11/12/2008
apreende os conflitos reais existentes nas decisões
morais. kant teria considerado a moral apenas
como uma questão pessoal, íntima e subjetiva,
na qual o sujeito deve se decidir entre suas incli-
nações (desejos, medos etc.) e sua razão.
de acordo com Hegel, portanto, a moralidade
assume conteúdos diferenciados ao longo da
história das sociedades, e a vontade individual
seria apenas um dos elementos da vida ética de
uma sociedade em seu conjunto. A moral seria o
resultado da relação entre o indivíduo e o conjunto
social. e em cada momento histórico a moral se
manifestaria tanto nos códigos normativos como,
implicitamente, na cultura e nas instituições
sociais. desse modo, Hegel vinculou a ética à
história e à sociedade.

oliVeR moRin/AFP
os chamados direitos humanos sintetizam os valores
considerados fundamentais pelas sociedades ocidentais
contemporâneas – pelo menos em teoria, como parece
querer dizer a charge acima.

Conexões

3. A declaração dos direitos Humanos, do sé-


culo XViii, expressa que “todos os homens
são iguais perante a lei”. declara também
que devem ser garantidas ao ser humano
as liberdades de expressão, de reunião e de
pensamento. Com base nisso, o que causa o
efeito cômico na imagem acima? Relacione
sua resposta à filosofia moral de kant.

Vestindo véu, a atleta Woroud sawalha correu, pela


Palestina, os 800 metros nos jogos olímpicos de 2012, em
idade Contemporânea: londres. será que existem “formas corretas” de vestir-se
ética do indivíduo concreto em cada situação? ela não deveria ter usado o véu?

A reflexão ética na idade Contemporânea (sé- fundamentação ideológica


culos XiX e XX) desdobrou-se em uma série de
o filósofo alemão karl marx (1818-1883) en-
concepções distintas acerca do que seja a moral e
tendia a moral como uma produção social que
sua fundamentação. seu ponto comum é a recusa
atende a determinada demanda da sociedade. e
de uma fundamentação exterior, transcendental
essa demanda deve contribuir para a regulação
para a moralidade, centrando no indivíduo con-
das relações sociais.
creto a origem dos valores e das normas morais.
Como as relações sociais se transformam ao
um dos primeiros passos na formulação de uma
longo da história, transformam-se também os
ética do indivíduo concreto foi dado por Hegel, em
indivíduos e as moralidades que regulam essas
sua crítica ao formalismo de kant.
relações. isso quer dizer que marx compreende
a moral como uma forma de consciência própria
fundamentação histórico-social
a cada momento do desenvolvimento da exis-
Como diversos autores contemporâneos, o filó- tência social.
sofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831) questio- Assim, os valores que fundamentam as normas
nou o formalismo da ética kantiana. Para ele, ao morais derivam da existência social e, portanto,
não levar em consideração a história e a relação não são absolutos, não valem de forma universal
do indivíduo com a sociedade, a ética de kant não para todos os indivíduos e para todos os tempos.
338 Unidade 4 Grandes áreas do filosofar

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