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MORALIDADE E ETICIDADE (KANT E HEGEL) Família- É a primeira unidade de união social, dá-se o

Desde a antiguidade a Ética e moral são assuntos que estão reconhecimento do casamento como uma união moral: é o
presentes nas discussões de grandes filósofos. Esse é um assunto reconhecimento do outro, e sua construção exterior está no
bastante comentado no âmbito da filosofia e bastante popular sentimento.
também entre os menos doutos, pois trata de questões que A família tem sua realização no casamento, e seu desfecho são
estão presentes no dia a dia das pessoas. Todo indivíduo que os filhos, a perpetuação da família.
vive em sociedade lida com questões referentes à Ética, ela é Podemos também dizer que a família se realiza nos seguintes
algo que está intrinsecamente ligada à vida dos sujeitos momentos, casamento, propriedade e educação dos filhos e
conscientes. Grandes pensadores, não só da antiguidade, mas da dissolução.
história da Filosofia como um todo, se tornaram conhecidos por
Sociedade Civil- Acontece como agrupamento de seres privados,
se debruçarem sobre a Ética nas suas obras, a exemplo de
preocupados com a realização de suas pretensões pessoais.
Aristóteles, Nietzsche, Jeremy Bentham, Kant, Hegel, entre
Realizam então suas carências por meio das coisas no seu
outros.
exterior, a propriedade, riqueza, através atividade sociais e pelo
Já no período conhecido como modernidade, mais precisamente trabalho. - Carências - tomamos as carências em sentido amplo.
nos sécs. XVIII – XIV, Kant (filósofo alemão, 1724 – 1804), Na proporção que o indivíduo sai do estado de solidão natural se
desenvolveu várias discussões acerca da Ética, as quais podemos depara com novas necessidades inerentes ao convívio com seus
ter acesso em algumas de suas obras como a Crítica da razão semelhantes: São as chamadas carências sociais. São parte do
prática. Do mesmo modo, Hegel (também filósofo alemão, 1770 universal, comum a todos antes da associação.
-1831) desenvolve uma vasta reflexão acerca deste tema. Ambos
O trabalho “media” a satisfação das carências no seio da
viveram praticamente no mesmo período histórico – apesar de
sociedade. Neste momento só acontece uma universalidade que
Hegel ter nascido posteriormente – mas a postura de cada um
é o Direito a todos da propriedade - reconhecido e mantido pelo
destes filósofos frente a este tema é bem diversa. Mais que isso,
Estado. Para o cumprimento da lei, é necessário o
ambas são quase que opostas, é possível perceber isso através
reconhecimento coletivo. A violação de um preceito legal não é
da crítica que Hegel faz ao tratamento que Kant dá a Ética.
apenas particular, mas uma transgressão pública, tornando-se
Kant é responsável por formular uma Ética ou uma moral perigo para a sociedade, como um todo. Daqui em diante
baseada no dever. Kant historicamente é conhecido por ser um transcende-se a o particular, e constrói-se uma unidade com a
sujeito que primava, sobretudo pela razão em suas obras e universalidade. O poder de polícia tem por fim coibir a injustiça,
acaba que o tratamento que ele dá a Ética também tendo esta proteger os negócios coletivos e instituições voltadas para o
característica. Kant coloca a razão como o elemento que deve interesse de todos.
reger toda ação humana. Ele elabora um conceito chave, o
A sociedade civil faz surgir uma instituição de estrutura similar à
imperativo categórico, que é o reflexo desta razão absoluta, o
família, dentro do contexto coletivo: a corporação. Sua finalidade
princípio que todo indivíduo deve seguir como base para as suas
primordial é velar e realizar o que há de universal no particular
ações. Este tal imperativo categórico preconiza que os indivíduos
da sociedade civil. Quanto aos membros como partes da
devem tomar suas atitudes de uma maneira que o princípio da
sociedade civil, não têm interesses exclusivamente particulares,
sua ação possa ser tomado como um princípio de ação universal,
tem o dever de conduzir a vontade humana à esfera do
ou seja, que aquilo que o indivíduo faça seja algo que possa
universal, ao Estado.
necessariamente servir para todas as pessoas no mundo. E mais,
que essa atitude seja também necessariamente considerada boa Estado - É no Estado que se dá a realização efetiva da eticidade.
em qualquer contexto histórico, em qualquer tempo. A liberdade realiza-se plenamente, vindo a tornar-se clara para si
Hegel, por sua vez, é defensor de uma ética, também de cunho e consciente em si. Hegel afirma então ser o Estado o fim último
racional (o que já era de se esperar de um filósofo), mas de da razão, detentor de um direito elevado ao relacionado com o
princípios diferentes da Ética defendida por Kant. direito individual. Os componentes do Estado têm nele o mais
alto dever. No momento em que as pretensões particulares
A eticidade em Hegel
colidem com o universal temos a superposição da liberdade
Caracteriza-se pela efetivação da liberdade no real. É a pessoal e da propriedade privada como o fim último,
moralidade concreta, não mais opinião e boa vontade, substituindo os interesses universais. Ao contrário, segundo a
fundamentando as leis e as instituições. É o conjunto da visão de Hegel é a vida coletiva e os indivíduos ali dentro que
moralidade da família, da sociedade civil e do Estado, passam a ter realidade, moralidade e objetividade.
acontecendo entre seus membros. Dessa forma fica evidenciado
Assim, a Ética de Hegel pode ser chamada de uma Ética
no individuo a honestidade, honradez, inteireza e integridade. É
contextualista, pois preconiza que o critério para avaliar uma
adotado como substância moral, não sou eu como pessoa, como
ação como eticamente correta está no contexto da situação que
no direito abstrato, nem muito menos o direito da consciência,
o individuo está agindo, ou seja, é preciso avaliar outros
mas sim o direito enquanto Espírito real de um povo.
elementos que estão dentro da situação e não somente a
A eticidade, a fim de realizar a liberdade, percorre três diferentes intenção do sujeito, como defende Kant. Além disso, na Ética de
tempos: Hegel é importante verificar as consequências de tal ação para
1 - Família – Como moralidade objetiva, imediata e natural; julgá-la, diferentemente da Ética de Kant que, estando somente
2 - Sociedade Civil – Associação com o fim de atender carências, no âmbito da intenção já se poderia julgar a ação do indivíduo.
necessidades e dar fiança à propriedade privada; As críticas de Hegel a Ética kantiana são inúmeras, a exemplo de
3 - Estado – consagração universal da vida pública. algumas que já foram supracitadas. Enumerando estas críticas de
Hegel à Ética kantiana teremos:
1 – Hegel afirma que considerar a intenção do indivíduo para Extraído de:
um julgamento de ético não é suficiente. Se o individuo agir Hegel dá uma importância muito grande a esta parte objetiva,
sempre de acordo com uma boa intenção, ainda assim pode pois ela é responsável por moldar a natureza do homem,
haver más consequências e estas proporcionando uma espécie de segunda natureza que ao
também devem ser consideradas para este julgamento homem é necessária para que ele tenha uma boa vivência em
ético. Uma boa intenção e más conseqüências torna a sociedade. Isto é as leis e normas da sociedade cumprem um
situação de modo geral eticamente incorreta; papel de preparar os indivíduos para a vida em sociedade. O
2 – Da mesma maneira, determinar termo “preparar” não seria exatamente o mais adequado, mas é
regras universais quase que o efeito que se tem. Este processo de preparação se
(imperativo categórico) para reger as ações dos indivíduos traz dá da seguinte maneira, as leis e normas funcionam como um
este mesmo problema. Imagine o caso do princípio universal de meio de barrar as inclinações pessoais provindas da natureza
não poder matar; se eu sigo este princípio de maneira absoluta, primeira dos indivíduos. Nesta primeira natureza os indivíduos se
no caso de alguém tentar me matar eu não vou poder revidar, comportam puramente por instintos, bem como quando
meso portando uma arma e a minha vida estando em risco. Ou nascem. Através do freio destes instintos o indivíduo irá adquirir
seja, eu não poderia me defender diante de um perigo eminente uma segunda natureza que é mais voltada para o social, para o
de morte para mim. Esta questão recai mais uma vez na bem comum. Agindo de acordo com o que é determinado pelo
problemática das consequências, estas devem ser consideradas. estado (instituições sociais) o indivíduo é considerado ético.
Neste quesito Hegel defende que existe um direito a vida e que O principal ponto desta crítica a Kant é que, segundo Hegel, Kant
eu poderia sim me defender. Deste modo, mesmo que eu mate a fica somente no âmbito da subjetividade pessoal e não considera
outra pessoa a minha atitude estaria justificada, pois no contexto a subjetividade social. Com isso, Kant leva a sua Ética a inúmeros
da situação eu decidi agir em prol do meu direito a vida, um problemas, os quais já foram citados acima. Hegel pressupõe
direito a defesa para garantir a minha sobrevivência. que considerando a Ética do ponto de vista histórico e contextual
No sentido destas primeiras considerações, Hegel defende uma estes problemas podem ser resolvidos, tornando assim a Ética
Ética mais de caráter subjetivo, mais de caráter contextual, possível. Hegel usa termos específicos nesta sua crítica, diz que
voltada para o indivíduo dentro de uma determinada situação e Kant fica somente no âmbito da moralidade, do dever, da
não de um indivíduo em um mundo como se fosse algo vontade subjetiva e que o mais viável é determinar que os
homogêneo. indivíduos ajam de acordo com a eticidade, ou seja, fazer realizar
o bem de acordo com a sua realidade histórica e de acordo com
3 – Hegel determina que é preciso considerar também a
o que determina as instituições sociais.
heterogeneidade do mundo e do tempo. Ou seja, é preciso
que se leve em consideração que há lugares e lugares no Comentários
mundo, lugares constituídos de uma determinada cultura, o - Hegel rejeita o apriorismo kantiano, a ideia de que o
que envolve hábitos e crenças. Do mesmo modo, o tempo homem nasce com a estrutura da razão, e que é ela que fornece
leva estes costumes e crenças a mudarem, então a Ética não ao sujeito os princípios éticos que controlam sua vontade. Para
pode ser estática diante de um mundo que muda na medida Hegel, a moralidade é a consciência individual, a reflexão sobre
do tempo. Há costumes atuais que são considerados corretos nossas ações - esfera moral, esfera individual. Já a eticidade
e que podem ter sido considerados incorretos, então como surge das relações interpessoais - esfera ética - esfera de
estabelecer o que é correto considerando toda a extensão do coletividade. Amoralidade hegeliana é uma forma de incluir a
tempo? Hegel aponta uma solução para este problema: As consciência moral subjetiva, não sendo subjetiva a ela. Uma vez
ações em sua totalidade devem ser avaliadas de um ponto de que não há lugar para a consciência moral subjetiva, não há
vista que considere o local e o tempo em que elas são lugar para moralidade. É fácil notar que a teoria ética de Hegel
praticadas. não adere ao apriorismo de Kant como acontece com a
4 – Hegel também critica Kant no que diz respeito a postura de moralidade.
Kant com a sua Ética frente ao estado. Para Hegel, Kant não - No que se refere à questão da perfectibilidade do
considera a existência do estado em sua Ética, e este seria o gênero humano, o idealismo kantiano da ideia reguladora da
seu maior erro. A partir desta problemática nós chegaremos humanidade como modelo para o educador se traduz na
ao principal ponto desta crítica. filosofia hegeliana como possibilidade histórica objetiva. A
Para Hegel a Ética envolve a relação dos indivíduos com o Estado. inteligibilidade racional daquilo que está presente na história
Ela apresenta dois caracteres, o primeiro é subjetivo e diz permite realizá-la como realidade efetiva (Wirklichkeit), e não
respeito à Ética pessoal manifestada através de cada indivíduo mais como modelo, em função do qual a ação educativa deve se
(subjetiva) e a segunda é objetiva e diz respeito à Ética do ajustar. A partir desse ponto de vista, o realismo da Ideia
Estado, que diz respeito às normas do Estado, leis e costumes. hegeliana torna-se crítico face às filosofias do entendimento que
Pode-se comparar a primeira como algo mais voltado para o alçam o ideal a um princípio abstrato e o entendem como algo
indivíduo e a segunda mais voltada para o social, o conjunto dos dissociado da realidade.
indivíduos. A soma de “a+b”, ou seja, a Ética objetiva mais a
subjetiva formam a totalidade da Ética.
OLIVEIRA, Silvério da Costa. Ética e Kant. In: OLIVEIRA, Silvério da Costa. Reflexões filosóficas: uma pequena introdução à filosofia. 4.
ed. rev. Rio de Janeiro: [s.n.], 2006.
HEGEL, G. W. F. Princípios da filosofia do direito. Trad. Orlando Vitorino. São Paulo: Martins Fontes, 1997. (Clássicos) PARA
COMPREENSÃO E SÍNTESE
1- Retomar/relembrar a ética kantiana (razão, dever, imperativos hipotético e categórico, boa vontade, liberdade).
2- O que Hegel entende por eticidade e por moralidade? (responder explicitando subjetividade e objetividade).
3- Como se constitui ou forma a eticidade, segundo Hegel? 4- Sintetize as principais críticas de Hegel a Kant

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