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Do Fordismo À Acumulação Flexível
Do Fordismo À Acumulação Flexível
Este artigo pretende enfatizar as mudanças nos papéis dos atores sociais relevantes, ou seja, do
Estado, do capital e dos trabalhadores, ocorridas no bojo dos modelos de acumulação, entre o período
conhecido como fordismo e a atual fase denominada “ acumulação flexível”.
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res concentrados, autodisciplinados, socializados e adapta- Adotando para fins analíticos a visão dos
dos às máquinas e instrumentos da produção estandardizada. regulacionistas, pode-se dizer que o novo modo de acu-
Políticas de controle de salários, divulgação de ideologias mulação, chamado de “acumulação flexível” (não negando
que incentivavam o individualismo e o consumismo e a ado- a existência de algumas continuidades), se caracteriza pela:
ção de um estilo de vida favorável ao capitalismo, associa-
das, de um lado, à negociação com os grandes sindicatos “...crescente capacidade de manufatura de uma va-
riedade de bens e preços baixos em pequenos lotes.
existentes nas economias centrais e, de outro lado, às estra- [...] Estes sistemas de produção flexível permitiram
tégias da produção racional da economia de larga escala, uma aceleração do ritmo da inovação do produto,
garantiram ao capital o segredo para o crescimento. ao lado da exploração de nichos de mercado alta-
mente especializados e de pequena escala. [...] O tem-
Porém, em torno dos anos 60, o regime de acumu-
po de giro - que sempre é a chave da lucratividade
lação fordista pareceu dar sinais de fadiga. Com a recupe- capitalista - foi reduzido de modo dramático pelo
ração da Europa e do Japão, a lucratividade do capital uso de novas tecnologias produtivas (automação,
americano se viu ameaçada. Apesar da Guerra do Vietnã e robôs) e de novas formas organizacionais. Mas a ace-
leração do tempo de giro na produção teria sido
das ações internas de combate à pobreza, o dólar perdeu
inútil sem a redução do tempo de giro no consumo.“
sua estabilidade e a economia interna estadunidense de- (HARVEY, 1994: 148)
parou-se com a inflação. Uma onda de industrialização
fordista em novos ambientes (América Latina e Ásia) co- Partindo das proposições de LEITE (1994), torna-
mandada pelas multinacionais foi apontada como saída se importante destacar que todo este leque de mudanças
para o capitalismo, embora o esforço do capital corporativo assumiu não um caráter paradigmático e totalizante, mas
não tenha conseguido conter a crise do modelo de eco- uma série de situações diferenciadas em cada país ou em
nomia de escala implementado pelo fordismo. cada região, ou seja, uma diversidade de experimenta-
Segundo HARVEY (1994), diante da instabilidade do ções e trajetórias, como por exemplo, o modelo japonês,
capitalismo, o terceiro mundo começou a questionar a o sueco e o italiano.
centralidade dos Estados Unidos e a desigualdade capita- HIRATA (1994) destaca que o caso japonês (Toyotis-
lista, provocando o aparecimento de movimentos de liber- mo, segundo STEPHEN WOOD, ou OHNISMO, segundo
tação nacional nas nações periféricas. Apesar desses peque- CORIAT ) parece ter assumido a condição de representan-
nos abalos, o Estado-nação conseguiu se manter forte até te do modelo de acumulação flexível na visão de CORIAT,
meados dos anos 70. Nessa fase, outras turbulências amea- BOYER e PIORE & SABEL. Sobre o modelo japonês de
çaram a hegemonia do Estado americano, que enfrentou o organização do trabalho e da empresa pode-se afirmar que
desequilíbrio dos mercados internacionais, o fim do acor-
“...trata-se, em primeiro lugar, de uma determinada
do de Bretton Wood, a restrição de sua base fiscal e a neces- modalidade de divisão social do trabalho na empre-
sidade de emitir moedas para estabilizar a economia. Daí sa: não-alocação do trabalhador a um posto de traba-
surgiu uma crise de superacumulação e o modelo de acu- lho específico, o que significa um funcionamento ba-
seado na polivalência e rotação de tarefas [...] predo-
mulação fordista-keynesiano foi colocado em xeque.
mínio do grupo de trabalho sobre os indivíduos; di-
visão do trabalho menos nítida entre operários da
manutenção e fabricação, entre as diferentes catego-
rias hierárquicas (contramestres, engenheiros, chefes
3 A ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL de fábrica, trabalhadores).”. (HIRATA,, 1993: 13).
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tadas por LEITE (1991) as plantas de Kalmar e Uddevala trabalho vivo e no solapamento do trabalho organizado.
da Volvo que utilizavam trabalho em equipes semi-autô- Para ele, direitos e conquistas dos trabalhadores foram
nomas e conseguiam aliar um bem-estar para os trabalha- eliminados no mundo da produção, em função dos mo-
dores com elevados índices de aproveitamento da capaci- destos salários reais, do retrocesso sindical, da redução
dade intelectual dos mesmos. dos empregos regulares, do surgimento do trabalho par-
Em suma, tanto o modelo japonês, quanto o sueco cial, temporário e subcontratado. Os trabalhadores per-
e o italiano caracterizaram-se por grandes inovações deram benefícios anteriormente garantidos como seguro,
tecnológicas na produção, pela presença do capital flexí- garantias de níveis salariais , além de terem que enfrentar
vel e principalmente por novas relações entre o capital e o desemprego e a retração do mercado de trabalho com
a força de trabalho e por fusões de empresas para inter- características cada vez mais competitivas.
câmbio de tecnologias, produtos e recursos humanos. Acima destas polêmicas, destaca-se o fim do traba-
A lucratividade do capital passou então a depender lho prescrito. O trabalho moderno, sem dúvida, é coleti-
das novas tecnologias e das novas formas de organização vo e variável. Na especialização flexível, o trabalho vivo
da produção e do trabalho (just-in-time, por exemplo). passou a ser incorporado ao próprio modelo de produ-
As informações, precisas e atualizadas, passaram a ser uma ção. Se no fordismo a eficiência era garantida individual-
mercadoria muito valorizada. Ao invés da simples mente, na produção flexibilizada, exige-se uma interação
automação, surgiu uma sistematização da produção. Tudo entre os trabalhadores, uma cooperação dinâmica que
isso valorizou o empreendimento dinâmico e inovador. não pode ser simplesmente prevista.
Porém, isso não significou, como afirma HARVEY (1994), Em suma, se as organizações, os processos, os pro-
que o capitalismo tenha se desorganizado, mas pelo con- dutos foram e são constantemente renovados no regime
trário, que ele se tornou cada vez mais organizado e ca- flexível, as relações de trabalho também se modificaram. A
paz de dar respostas flexíveis a um mercado que exigia qualidade, a produtividade e a flexibilidade do trabalho e
constantes mutações. Nas organizações, os interesses co- a qualificação dos trabalhadores tornaram-se os elementos-
merciais, industriais e financeiros se mesclam. O capital chave para a competitividade e sobrevivência capitalista.
financeiro age como um coordenador dos interesses cu-
mulativos e tem como espaço um mercado sem nenhum
controle dos governos nacionais.
Assim, partindo das proposições de HARVEY (1994),
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
pode-se considerar que, se o fordismo se caracterizava pelo
equilíbrio de força entre o capital e o Estado-nação de ca-
ráter keynesiano, a acumulação flexível deixou claramente
assegurado o domínio do capital sobre o Estado. Este últi-
mo tornou-se, em tese, minimalista, embora muitas vezes Visto como a fase moderna do capitalismo, como
ainda faça intervenções se for do desejo do capital. Todas período de consolidação do modelo de acumulação capi-
as nações-estado passaram a depender do ordenamento fi- talista, o Fordismo estabeleceu mecanismos de acumula-
nanceiro dado pelo capital volátil e transnacional. ção capitalista e de controle sobre o trabalhador que extra-
Com relação aos impactos da produção flexível sobre a polaram os muros das fábricas . Assim, a análise do papel
classe trabalhadora, pode-se dizer que surgiram novas formas de cada um dos atores sociais relevantes proposta neste
de gestão da força de trabalho, nas quais a gestão participativa, trabalho, ou seja, do Estado, do capital e dos trabalhadores
o trabalho em equipe, a polivalência, a competência e a quali- e de suas ações inter-relacionadas, tornou-se fundamental
dade total tornaram-se expressões muito comuns. para a compreensão da natureza paradigmática assumida
Recorrendo à análise dos experimentos suecos, ja- pelo Fordismo. O Estado assumiu novas funções (keynesi-
poneses ou italianos de produção flexível, pode-se ob- anas) e construiu novos poderes institucionais; o capital
servar que todos se caracterizavam por elevada participa- corporativo se ajustou para obter lucratividade segura; e o
ção do trabalhador e pelas negociações sindicais, embora trabalhador organizado incorporou novos papéis relativos
com caraterísticas bem distintas do período fordista. ao mercado de trabalho e aos processos de produção.
O efeito da acumulação flexível sobre o trabalho Já na chamada fase pós-moderna do capitalismo, o
humano é bastante polêmico. ANTUNES (1995) destaca período da acumulação flexível, do capital transnacional,
que Piore e Sabel acreditam que a especialização flexível da divisão internacional do trabalho, o Estado deixou de
recupera a concepção de trabalho na medida em que rom- lado seu papel interventor e assumiu o de empreendedor,
pe com a alienação do trabalhador; e outros, como na medida em que as novas relações entre o capital volátil
CLARKE, por exemplo, já defendem que a especialização e o trabalho assim exigiam. Nessa fase, o capital estabele-
flexível acarretou a intensificação do trabalho, a sua ceu novas formas de controle sobre o trabalho, levando o
desqualificação e desorganização. trabalhador a enfrentrar as exigências das multitarefas, dos
HARVEY (1994) é ainda mais contundente ao afir- contínuos processos de qualificação profissional, das res-
mar que a acumulação flexível se apóia na exploração do ponsabilidades assumidas em função dos modelos de com-
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petências e das constantes mutações existentes na econo- 3 CARVALHO, Ruy de Quadros e SCHMITZ, Hubert. O
mia capitalista flexível. Nas suas relações com o Estado, o fordismo está vivo no Brasil. Revista Novos
novo capital abriu mão da regulamentação, da centraliza- Estudos, São Paulo, n.27, p.148-156. Jun. 1990.
ção, da rigidez e das políticas paliativas existentes no for-
dismo e passou a defender não mais o Estado-nação, mas 4 FERREIRA, Cândido et al. Alternativas sueca, italiana
sim um novo Estado, que assumiu também novas funções: e japonesa ao paradigma fordista: elementos para
garantir o terreno ideal e a estabilidade econômica, social uma discussão sobre o caso brasileiro. Cadernos do
e política para o crescimento do capital . CESIT. Instituto de Economia. Universidade
Em suma, a compreensão da dinâmica do capitalis- Federal de Campinas. Campinas: CESIT/ UNICAMP,
mo em cada um dos modelos de organização do trabalho 1991. 33p.
conduz às análises que evidenciam o caráter revolucioná-
rio do capitalismo, a sua capacidade de mudança à medi- 5 HARVEY, David. Condição pós-moderna. 4.ed. São
da que estabelece relações com o Estado, com a classe Paulo: Loyola, 1994. 349p.
trabalhadora e com as outras instituições da sociedade.
Assim, considera-se que, se for do interesse do capital e 6 HIRATA, Helena (Org.). Sobre o modelo japonês:
se as relações entre este e os outros sujeitos históricos automatização, novas formas de organização e
(Estado e a classe dos trabalhadores, por exemplo) per- relações de trabalho. São Paulo: Editora da
mitirem, pode-se tanto falar do fim do fordismo, como Universidade de São Paulo, 1993. 312p.
da sua continuidade sob o nome de acumulação flexível,
onde as velhas estruturas taylorista-fordistas são em parte 7 ________ Da polarização das qualificações ao
“flexibilizadas”; mas, sobretudo, pode-se enfatizar a ver- modelo da competência. In: FERRETI, Celso; ZIBAS,
dadeira dinâmica do capitalismo e seu caráter mutante Dagmar. Novas tecnologias, trabalho e educação:
que aparentemente desaparece nas análises estruturalis- um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994.
tas que enclausuram a totalidade concreta e contraditória 220p.
em categorias analíticas estanques.
8 LEITE, Elenice Monteiro . O resgate da
qualificação. São Paulo: Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas.da USP, 1994. 143-155p.
(Tese, Doutorado em Sociologia).
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
9 LEITE, Márcia de Paula. O modelo sueco de
organização do trabalho. In: LEITE, Márcia de Paula;
SILVA, R.A. Modernização tecnológica, relações de
trabalho e práticas de resistência. São Paulo:
1 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho: ensaio sobre Iglu, 1991. 109p.
as metamorfoses e a centralidade do mundo do
trabalho. 3.ed. Campinas: Cortez, 1995. 155p.
E d u c . Te c n o l . , B e l o H o r i z o n t e , v. 5 , n . 2 , p . 7 1 - 7 5 , j u l . / d e z . 2 0 0 0