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Do fordismo à acumulação flexível: uma análise

sobre as mudanças nos papéis dos atores


sociais relevantes

Elaine Linhares de Assis Guerra1

Este artigo pretende enfatizar as mudanças nos papéis dos atores sociais relevantes, ou seja, do
Estado, do capital e dos trabalhadores, ocorridas no bojo dos modelos de acumulação, entre o período
conhecido como fordismo e a atual fase denominada “ acumulação flexível”.

PAL AVRAS-CHAVE: FORDISMO;


ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL;
ESTADO;
CAPITAL;
CLASSE DOS TRABALHADORES.

1 INTRODUÇÃO enquanto ainda eram alinhavadas as relações entre o capi-


tal e o Estado que funcionaram tão bem posteriormente.
Executando um trabalho prescrito e totalmente segmenta-
do, o trabalhador era levado apenas a realizar as tarefas que
Adotando a nomenclatura da Escola Regulacionista, lhe eram pré-determinadas. As inovações introduzidas pelo
que compreende o modo de produção capitalista a partir taylorismo tornaram-se o ponto de partida para o fordismo.
de modelos de acumulação - a saber, o taylorismo, o
fordismo e a acumulação flexível - buscou-se, neste arti-
go, enfatizar o fordismo e a acumulação flexível, desta-
cando o papel do Estado, do capital e dos trabalhadores 2 O FORDISMO
como atores sociais relevantes no processo de construção
e reconstrução do modo de produção capitalista, desde a
Revolução Industrial até os dias atuais.
BRAVERMAN (1980) destacou que o estudo sobre a
O termo Fordismo é usado pela Escola Regulacio-
organização do trabalho começou com os economistas
nista para identificar um conjunto de conceitos gerais que
clássicos. Mas, apenas meio século depois – já nos
primórdios do século XX – surgiu uma completa teoria da servem para analisar as sociedades num dado contexto
gerência através de TAYLOR (1990), que procurou aplicar histórico. Dentro da Escola Regulacionista, o termo tem
métodos científicos aos processos de controle do traba- dois significados. Cândido FERREIRA et al. (1991) salien-
lho. A grande mudança proposta por TAYLOR foi a separa- ta que existe uma visão mais global do Fordismo, ou seja,
ção entre “pensar” e “fazer”, a visão individualista e com- um modo de acumulação que marca uma determinada
petitiva do trabalhador, estimulada pelos processos de fase do desenvolvimento do capitalismo nos países cen-
remuneração do trabalho associado aos incentivos para trais – a “era do ouro”. Outro significado do termo For-
melhoria da produtividade. dismo (de caráter menos global) é também apresentado
Embora não seja objeto de estudo deste artigo, sabe- por esse autor como um conjunto de princípios gerais de
se que o taylorismo conseguiu atender aos interesses do organização da produção (paradigma tecnológico, orga-
capital – obter ganhos com a intensidade do trabalho – nização do trabalho e modelo de gestão).
1
Mestre em Tecnologia/ Educação Tecnológica/ CEFET-MG e professora de Sociologia das Organizações e Diretora da Faculdade de Administração do Centro Universitário de Ciências
Gerencias/UNA –MG. Este artigo é fruto das pesquisas, estudos e debates feitos na disciplina “Tópicos Avançados em Educação Tecnológica: Modelos de Organização do Trabalho: a formação
do trabalhador e sua qualificação profissional”, ministrada no Mestrado em 1999 pelo Prof. Dr. João Bosco Laudares.
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Considera-se que, embora a Escola Regulacionista e subordinado ao capital. CARVALHO & SCHMITZ (1990)
registre a existência de discussões sobre as possibilidades nos fornecem um bom relato deste processo:
do Fordismo ter se generalizado como padrão de organi-
“A esteira ( conveyor belt) oferece uma solução
zação industrial e ainda apresente concepções distintas do tecnológica para o problema central da organização
termo Fordismo, essas podem ser articuladas no plano ana- do trabalho, ‘levando o trabalho aos homens, ao in-
lítico. Independente dessas distinções, pode-se afirmar que vés de os homens ao trabalho’ . Ela proporciona ori-
entação inequívoca sobre que operação cada traba-
“ A data inicial simbólica do fordismo deve por certo lhador deve realizar e impõe o ritmo no qual o traba-
ser 1914, quando Henry Ford introduziu seu dia de lho deve ser executado. O resultado líquido é a redu-
oito horas e cinco dólares como recompensa para os ção da necessidade de pensamento por parte do tra-
trabalhadores da linha automática de montagem de balhador e a redução de seu movimento a um míni-
carros que ele estabelecera no ano anterior em Dear- mo.“ (CARVALHO & SCHMITZ, 1990: 148).
bon, Michigan. [...] O que havia de especial em Ford
(e que, em última análise, distingue o fordismo do Historicamente, a socialização do assalariado às exi-
taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento ex- gências da produção em massa foi um processo demorado
plícito de que a produção de massa significava con-
sumo de massa, um novo sistema de reprodução da
e não envolveu sua “preparação” apenas no local de traba-
força de trabalho, uma nova política de controle e lho, mas também na sociedade como um todo. Além da
gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova educação ética e profissional para o trabalho (familiaridade
psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade de- com o trabalho prescrito e rotinizado, sem exigência de
mocrática, racionalizada, modernista e populista.”
habilidades e de conhecimentos técnicos), exigiu-se do
(HARVEY, 1994: 121).
trabalhador hábitos de consumo, pois era preciso que o
Uma das principais características do Fordismo é assalariado soubesse gastar seu dinheiro adequadamente .
de fato a racionalização do trabalho, tanto no sentido Tais fatores deram sustentação ao modelo fordista.
horizontal (parcelamento de tarefas) como no sentido Logo após a Segunda Guerra Mundial, os trabalha-
vertical (separação entre concepção e execução), confor- dores que antes se organizavam em sindicatos com livres
me já preconizava Taylor. Outra característica é a mecani- poderes de negociação no mercado garantidos por lei, se
zação da produção através de equipamentos altamente viram submetidos a novas bases para as relações estabele-
especializados. Porém, é particularmente peculiar ao cidas entre as classes sociais. Estas novas relações por cer-
Fordismo a produção em massa. Essa produção atendeu a to atendiam aos interesses do capital, embora variassem
uma demanda crescente do mercado consumidor. A com- muito de país para país, ou até de região para região.
preensão da produção em massa vai muito além da idéia
“Nos Estados Unidos, por exemplo, os sindicatos ga-
de linha contínua, da esteira rolante, da produção padro- nharam considerável poder na esfera da negociação
nizada e em larga escala, pois envolve uma coletiva nas indústrias de produção de massa do Meio
intercambialidade de partes, uma simplicidade e Oeste e do Nordeste, preservaram algum controle den-
racionalidade na montagem dos produtos, de forma a re- tro das fábricas sobre as especificações de tarefas, so-
bre segurança e as promoções, e conquistaram im-
duzir o esforço humano, aumentar a produtividade e di- portante poder político (embora nunca determinan-
minuir custos em função do volume produzido. O funci- te) sobre questões como benefícios da seguridade so-
onamento da produção em massa depende da existência cial, salário mínimo e outras facetas da política soci-
de uma estrutura de controle de caráter vertical e alta- al. Mas adquiriram e mantiveram esses direitos em
troca da adoção de uma atitude cooperativa no to-
mente burocratizada. O sistema de produção implantado cante às técnicas fordistas de produção e às estratégi-
por Ford cuidava desde da produção da matéria-prima as corporativas cognatas para aumentar a produti-
inicial até o produto final, envolvendo inclusive a sua vidade.” (HARVEY, 1994: 128)
distribuição comercial por meios de agências próprias.
Nasceu, assim, o enlace entre o grande capital cor-
Somente após a Segunda Guerra Mundial, o
Fordismo conseguiu se impor de forma mais universal, porativo, o Estado-nação, e os grandes sindicatos. Se hou-
tornando-se dominante nos países centrais da economia vesse aumento de produtividade e crescimento dos lucros,
capitalista. A acumulação capitalista foi espantosa nesse o padrão de vida dos trabalhadores se elevaria. Essa era a
período. A uniformidade pregada pelo Fordismo ultra- base deste pacto fordista. Tal pacto garantiu aos sindicatos
passou os muros da fábrica e atingiu a sociedade marcan- um poder de controle sobre a classe trabalhadora no perí-
do o modo de viver das pessoas. O fordismo, enquanto odo pós-guerra. Combinando a nova relação entre capital
modo de regulação, só alcançou seus méritos em função e trabalho com as políticas de bem-estar social implementa-
da visão macro-social preconizada pelo próprio Ford, onde das pelo Estado, surgiu a democracia de massas nas nações
o Estado, a classe trabalhadora e o capital se interagiram capitalistas centrais.
para criar e manter a estrutura fordista que alcançou a Durante todo período fordista, o capital cuidou de
glória por um período de no mínimo trinta anos. garantir um ambiente favorável à sua acumulação: um Esta-
Inicialmente, o fordismo investiu na formação de do de caráter intervencionista (que tinha como propósito
um trabalhador familiarizado com o sistema de produção regular o mercado e compensar suas falhas) e trabalhado-

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res concentrados, autodisciplinados, socializados e adapta- Adotando para fins analíticos a visão dos
dos às máquinas e instrumentos da produção estandardizada. regulacionistas, pode-se dizer que o novo modo de acu-
Políticas de controle de salários, divulgação de ideologias mulação, chamado de “acumulação flexível” (não negando
que incentivavam o individualismo e o consumismo e a ado- a existência de algumas continuidades), se caracteriza pela:
ção de um estilo de vida favorável ao capitalismo, associa-
das, de um lado, à negociação com os grandes sindicatos “...crescente capacidade de manufatura de uma va-
riedade de bens e preços baixos em pequenos lotes.
existentes nas economias centrais e, de outro lado, às estra- [...] Estes sistemas de produção flexível permitiram
tégias da produção racional da economia de larga escala, uma aceleração do ritmo da inovação do produto,
garantiram ao capital o segredo para o crescimento. ao lado da exploração de nichos de mercado alta-
mente especializados e de pequena escala. [...] O tem-
Porém, em torno dos anos 60, o regime de acumu-
po de giro - que sempre é a chave da lucratividade
lação fordista pareceu dar sinais de fadiga. Com a recupe- capitalista - foi reduzido de modo dramático pelo
ração da Europa e do Japão, a lucratividade do capital uso de novas tecnologias produtivas (automação,
americano se viu ameaçada. Apesar da Guerra do Vietnã e robôs) e de novas formas organizacionais. Mas a ace-
leração do tempo de giro na produção teria sido
das ações internas de combate à pobreza, o dólar perdeu
inútil sem a redução do tempo de giro no consumo.“
sua estabilidade e a economia interna estadunidense de- (HARVEY, 1994: 148)
parou-se com a inflação. Uma onda de industrialização
fordista em novos ambientes (América Latina e Ásia) co- Partindo das proposições de LEITE (1994), torna-
mandada pelas multinacionais foi apontada como saída se importante destacar que todo este leque de mudanças
para o capitalismo, embora o esforço do capital corporativo assumiu não um caráter paradigmático e totalizante, mas
não tenha conseguido conter a crise do modelo de eco- uma série de situações diferenciadas em cada país ou em
nomia de escala implementado pelo fordismo. cada região, ou seja, uma diversidade de experimenta-
Segundo HARVEY (1994), diante da instabilidade do ções e trajetórias, como por exemplo, o modelo japonês,
capitalismo, o terceiro mundo começou a questionar a o sueco e o italiano.
centralidade dos Estados Unidos e a desigualdade capita- HIRATA (1994) destaca que o caso japonês (Toyotis-
lista, provocando o aparecimento de movimentos de liber- mo, segundo STEPHEN WOOD, ou OHNISMO, segundo
tação nacional nas nações periféricas. Apesar desses peque- CORIAT ) parece ter assumido a condição de representan-
nos abalos, o Estado-nação conseguiu se manter forte até te do modelo de acumulação flexível na visão de CORIAT,
meados dos anos 70. Nessa fase, outras turbulências amea- BOYER e PIORE & SABEL. Sobre o modelo japonês de
çaram a hegemonia do Estado americano, que enfrentou o organização do trabalho e da empresa pode-se afirmar que
desequilíbrio dos mercados internacionais, o fim do acor-
“...trata-se, em primeiro lugar, de uma determinada
do de Bretton Wood, a restrição de sua base fiscal e a neces- modalidade de divisão social do trabalho na empre-
sidade de emitir moedas para estabilizar a economia. Daí sa: não-alocação do trabalhador a um posto de traba-
surgiu uma crise de superacumulação e o modelo de acu- lho específico, o que significa um funcionamento ba-
seado na polivalência e rotação de tarefas [...] predo-
mulação fordista-keynesiano foi colocado em xeque.
mínio do grupo de trabalho sobre os indivíduos; di-
visão do trabalho menos nítida entre operários da
manutenção e fabricação, entre as diferentes catego-
rias hierárquicas (contramestres, engenheiros, chefes
3 A ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL de fábrica, trabalhadores).”. (HIRATA,, 1993: 13).

Quanto ao modelo italiano, FERREIRA et al. (1991)


salienta que esse se baseou nas inovações implantadas na
chamada “Terceira Itália”, localizada na região centro-nor-
Diante do esgotamento do modelo de acumulação
fordista, surgiu então um novo modelo cuja principal ca- te-oriental denominada Emília Romana, que possui ele-
racterística é a flexibilidade do capital, dos produtos, dos vado número de pequenas e médias empresas no ramo
mercados e do processo de trabalho. É interessante res- metal-mecânico, têxtil, couro e mobiliário. O modelo ita-
saltar que muitos estudiosos da área acreditam que, na liano foi fruto de um processo histórico de formação de
verdade, não existe um novo modo de acumulação oriun- movimentos cooperativos , de políticas de apoio às pe-
do da crise dos anos 70, e sim novos arranjos que deveri- quenas empresas implantadas pelos comunistas e da pre-
am ser chamados de neo-fordismo. LEITE (1994), ao dis- sença de uma classe trabalhadora altamente especializada
cutir o caráter paradigmático ou não da acumulação flexí- e fortemente organizada em sindicatos ativos.
vel, aponta que WOOD, HUMPHERY e HIRATA são auto- Por fim, o modelo sueco (Volvismo) ganhou noto-
res que não aceitam a idéia de um novo paradigma. Já os riedade pelas plantas da Volvo e da Scania que adotavam
teóricos regulacionistas, como BOYER, DOSI, FREEMAN, um modelo de produção industrial caracterizado pelo
KAPLINSKY, PIORE & SABEL e RATTNER, segundo LEITE, abandono da linha de montagem. São principalmente ci-
associam a crise do capitalismo ao esgotamento do
paradigma fordista-taylorista.

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tadas por LEITE (1991) as plantas de Kalmar e Uddevala trabalho vivo e no solapamento do trabalho organizado.
da Volvo que utilizavam trabalho em equipes semi-autô- Para ele, direitos e conquistas dos trabalhadores foram
nomas e conseguiam aliar um bem-estar para os trabalha- eliminados no mundo da produção, em função dos mo-
dores com elevados índices de aproveitamento da capaci- destos salários reais, do retrocesso sindical, da redução
dade intelectual dos mesmos. dos empregos regulares, do surgimento do trabalho par-
Em suma, tanto o modelo japonês, quanto o sueco cial, temporário e subcontratado. Os trabalhadores per-
e o italiano caracterizaram-se por grandes inovações deram benefícios anteriormente garantidos como seguro,
tecnológicas na produção, pela presença do capital flexí- garantias de níveis salariais , além de terem que enfrentar
vel e principalmente por novas relações entre o capital e o desemprego e a retração do mercado de trabalho com
a força de trabalho e por fusões de empresas para inter- características cada vez mais competitivas.
câmbio de tecnologias, produtos e recursos humanos. Acima destas polêmicas, destaca-se o fim do traba-
A lucratividade do capital passou então a depender lho prescrito. O trabalho moderno, sem dúvida, é coleti-
das novas tecnologias e das novas formas de organização vo e variável. Na especialização flexível, o trabalho vivo
da produção e do trabalho (just-in-time, por exemplo). passou a ser incorporado ao próprio modelo de produ-
As informações, precisas e atualizadas, passaram a ser uma ção. Se no fordismo a eficiência era garantida individual-
mercadoria muito valorizada. Ao invés da simples mente, na produção flexibilizada, exige-se uma interação
automação, surgiu uma sistematização da produção. Tudo entre os trabalhadores, uma cooperação dinâmica que
isso valorizou o empreendimento dinâmico e inovador. não pode ser simplesmente prevista.
Porém, isso não significou, como afirma HARVEY (1994), Em suma, se as organizações, os processos, os pro-
que o capitalismo tenha se desorganizado, mas pelo con- dutos foram e são constantemente renovados no regime
trário, que ele se tornou cada vez mais organizado e ca- flexível, as relações de trabalho também se modificaram. A
paz de dar respostas flexíveis a um mercado que exigia qualidade, a produtividade e a flexibilidade do trabalho e
constantes mutações. Nas organizações, os interesses co- a qualificação dos trabalhadores tornaram-se os elementos-
merciais, industriais e financeiros se mesclam. O capital chave para a competitividade e sobrevivência capitalista.
financeiro age como um coordenador dos interesses cu-
mulativos e tem como espaço um mercado sem nenhum
controle dos governos nacionais.
Assim, partindo das proposições de HARVEY (1994),
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
pode-se considerar que, se o fordismo se caracterizava pelo
equilíbrio de força entre o capital e o Estado-nação de ca-
ráter keynesiano, a acumulação flexível deixou claramente
assegurado o domínio do capital sobre o Estado. Este últi-
mo tornou-se, em tese, minimalista, embora muitas vezes Visto como a fase moderna do capitalismo, como
ainda faça intervenções se for do desejo do capital. Todas período de consolidação do modelo de acumulação capi-
as nações-estado passaram a depender do ordenamento fi- talista, o Fordismo estabeleceu mecanismos de acumula-
nanceiro dado pelo capital volátil e transnacional. ção capitalista e de controle sobre o trabalhador que extra-
Com relação aos impactos da produção flexível sobre a polaram os muros das fábricas . Assim, a análise do papel
classe trabalhadora, pode-se dizer que surgiram novas formas de cada um dos atores sociais relevantes proposta neste
de gestão da força de trabalho, nas quais a gestão participativa, trabalho, ou seja, do Estado, do capital e dos trabalhadores
o trabalho em equipe, a polivalência, a competência e a quali- e de suas ações inter-relacionadas, tornou-se fundamental
dade total tornaram-se expressões muito comuns. para a compreensão da natureza paradigmática assumida
Recorrendo à análise dos experimentos suecos, ja- pelo Fordismo. O Estado assumiu novas funções (keynesi-
poneses ou italianos de produção flexível, pode-se ob- anas) e construiu novos poderes institucionais; o capital
servar que todos se caracterizavam por elevada participa- corporativo se ajustou para obter lucratividade segura; e o
ção do trabalhador e pelas negociações sindicais, embora trabalhador organizado incorporou novos papéis relativos
com caraterísticas bem distintas do período fordista. ao mercado de trabalho e aos processos de produção.
O efeito da acumulação flexível sobre o trabalho Já na chamada fase pós-moderna do capitalismo, o
humano é bastante polêmico. ANTUNES (1995) destaca período da acumulação flexível, do capital transnacional,
que Piore e Sabel acreditam que a especialização flexível da divisão internacional do trabalho, o Estado deixou de
recupera a concepção de trabalho na medida em que rom- lado seu papel interventor e assumiu o de empreendedor,
pe com a alienação do trabalhador; e outros, como na medida em que as novas relações entre o capital volátil
CLARKE, por exemplo, já defendem que a especialização e o trabalho assim exigiam. Nessa fase, o capital estabele-
flexível acarretou a intensificação do trabalho, a sua ceu novas formas de controle sobre o trabalho, levando o
desqualificação e desorganização. trabalhador a enfrentrar as exigências das multitarefas, dos
HARVEY (1994) é ainda mais contundente ao afir- contínuos processos de qualificação profissional, das res-
mar que a acumulação flexível se apóia na exploração do ponsabilidades assumidas em função dos modelos de com-

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petências e das constantes mutações existentes na econo- 3 CARVALHO, Ruy de Quadros e SCHMITZ, Hubert. O
mia capitalista flexível. Nas suas relações com o Estado, o fordismo está vivo no Brasil. Revista Novos
novo capital abriu mão da regulamentação, da centraliza- Estudos, São Paulo, n.27, p.148-156. Jun. 1990.
ção, da rigidez e das políticas paliativas existentes no for-
dismo e passou a defender não mais o Estado-nação, mas 4 FERREIRA, Cândido et al. Alternativas sueca, italiana
sim um novo Estado, que assumiu também novas funções: e japonesa ao paradigma fordista: elementos para
garantir o terreno ideal e a estabilidade econômica, social uma discussão sobre o caso brasileiro. Cadernos do
e política para o crescimento do capital . CESIT. Instituto de Economia. Universidade
Em suma, a compreensão da dinâmica do capitalis- Federal de Campinas. Campinas: CESIT/ UNICAMP,
mo em cada um dos modelos de organização do trabalho 1991. 33p.
conduz às análises que evidenciam o caráter revolucioná-
rio do capitalismo, a sua capacidade de mudança à medi- 5 HARVEY, David. Condição pós-moderna. 4.ed. São
da que estabelece relações com o Estado, com a classe Paulo: Loyola, 1994. 349p.
trabalhadora e com as outras instituições da sociedade.
Assim, considera-se que, se for do interesse do capital e 6 HIRATA, Helena (Org.). Sobre o modelo japonês:
se as relações entre este e os outros sujeitos históricos automatização, novas formas de organização e
(Estado e a classe dos trabalhadores, por exemplo) per- relações de trabalho. São Paulo: Editora da
mitirem, pode-se tanto falar do fim do fordismo, como Universidade de São Paulo, 1993. 312p.
da sua continuidade sob o nome de acumulação flexível,
onde as velhas estruturas taylorista-fordistas são em parte 7 ________ Da polarização das qualificações ao
“flexibilizadas”; mas, sobretudo, pode-se enfatizar a ver- modelo da competência. In: FERRETI, Celso; ZIBAS,
dadeira dinâmica do capitalismo e seu caráter mutante Dagmar. Novas tecnologias, trabalho e educação:
que aparentemente desaparece nas análises estruturalis- um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994.
tas que enclausuram a totalidade concreta e contraditória 220p.
em categorias analíticas estanques.
8 LEITE, Elenice Monteiro . O resgate da
qualificação. São Paulo: Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas.da USP, 1994. 143-155p.
(Tese, Doutorado em Sociologia).
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
9 LEITE, Márcia de Paula. O modelo sueco de
organização do trabalho. In: LEITE, Márcia de Paula;
SILVA, R.A. Modernização tecnológica, relações de
trabalho e práticas de resistência. São Paulo:
1 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho: ensaio sobre Iglu, 1991. 109p.
as metamorfoses e a centralidade do mundo do
trabalho. 3.ed. Campinas: Cortez, 1995. 155p.

2 BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital


monopolista: a degradação do trabalho no século
XX. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1980. 379p.

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