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CRIATIVIDADE E EDUCAÇAO
Fundamentos ontológicos e epistemológicos
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PAPIRUS
TRANSDISCIPLINARIDADE,
CRIATIVIDADE E EDUCAÇÃO
Fundamentos ontológicos e epistemológicos
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Capa Fernando Cornacchia
Foto de capa Rennato Testa
Coordenação Ana Carolina Freitas
Copidesque Julio Cesar Camillo Dias Filho
Diagramação
Revisão
DPG Editora
Ana Carolina Freitas, Cristiane Rufeisen Scanavini SUMÁRIO
e Isabel Petronilha Costa
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Transdisciplinaridade, criatividade e educação 21
mas que também promovam o autoconhecimento, o reconhecimento
viabilizar propostas pedagógicas inovadoras e criativas, fundamentadas
do outro, o desenvolvimento da sensibilidade, da escuta-sensível e da
nos noVOS paradigmas da ciência atual. Pesquisando e refletindo sobre
autoestima. Uma educação fundada, portanto, em uma racionalidade
os conhecimentos construídos, fomos percebendo o potencial criativo
aberta iluminada pelas emoções e sentimentos, nutrida pelo amor, pela
e transformador inerente aos pressupostos e fundamentos relacionados
ética e pela estética do pensamento, pelo princípio da não separatividade
, aos conceitos da complexidade e transdisciplinaridade. Tais processos
que traz consigo a responsabilidade e a solidariedade como elementos
transformadores foram sendo observados tanto em sala de aula dos
fundantes de uma nova pedagogia da condição humana, tão urgente e
necessária. cursos de pós-graduação em educação, ministrados na Universidade
Católica de Brasília, quanto em pesquisas que foram sendo realizadas
Essa nova visão educacional, para ser materializada, requer, por pelos membros do grupo de Ecotransd/LlCfl/Cbll'q? a partir do Projeto
outro lado, uma nova política civilizacional baseada não apenas na Docência Transdisciplinar.
racional idade técnica e no aparato tecnológico, mas também no ''pathas'',
O fato de se desenvolver uma ação docente congruente com os
ou seja, na sensibilidade, na estética do pensamento e na responsabilidade
fundamentos professados, como certamente não poderia deixar de ser,
social. Uma política capaz de complexificar o pensamento político e
pautada na criação de cenários transdisciplinares e em vivências aliadas
pedagógico mas aprisionado pelas jaulas epistemológicas da escola
à reflexão e ao diálogo como estratégias integradoras, iluminadas pelos
tradicional, pelas rotinas pedagógicas e burocracias institucionais.
operadores cognitivos para um pensar complexo em educação, aos
Burocracias que impedem o desenvolvimento de novas propostas
poucos, foi catalisando algumas mudanças significativas nos alunos,
comprometidas com a responsabilidade social da educação e com sua
tanto em sua maneira de pensar e de ser como em seu fazer/promover
missão transcendental voltada para a ampliação do nível de consciência
as atividades pedagógicas relatadas.
do sujeito aprendente em relação à dinâmica operacional de sua própria
vida. Tínhamos como preocupação inicial o aprender como operar
a passagem de uma educação baseada no paradigma tradicional da
ciência, pautada na disjunção do saber e da vida, para uma formação
Desvelando o caminho trilhado baseada na interdependência complexa entre o sujeito cognoscente e
os diversos saberes teóricos, práticos e existenciais. Essa preocupação
guiava nossas práticas pedagógicas em sala de aula, iluminando todo o
Para Basarab Nicolescu, em palestra realizada em San José de
Costa Rica, em fevereiro de 20 10, o ceme da transdisciplinaridade está, processo educacional desenvolvido.
de fato, na relação sujeit%bjeto, denotando, assim, que, na sua essência, Aos poucos, fomos percebendo que ao se propugnar e praticar
estão as relações epistemológicas e metodológicas, com suas implicações, uma docência pautada em uma ciência da inteireza se estava igualmente
suas derivações, seus desdobramentos e suas consequências, em função lançando as bases de uma educação que facilitava o encontro com a
do paradigma científico professado.
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Além disso, essa mesma doutoranda ainda observou: Outro aluno, Fabricio de Oliveira Ribeiro, em seu trabalho final
da disciplina de docência disciplinar, realizada no segundo semestre de
Mais importante do que técnicas, materiais, métodos para uma aula 2011, assim se expressou:
ser dinâmica, quer presencial, quer virtual, percebi que o essencial é
a percepção de que uma formação deve estar a serviço da curiosidade Saí desta disciplina com esperanças e sonhos renovados' Sobretudo
do ser humano e de sua transformação e evolução. É essa curiosidade porque as técnicas e o fazer pedagógico/andragógico foram
e esse desejo que nos fazem perguntar, conhecer, atuar. (Machado demonstrados, operacionalizados e vividos nas aulas ministradas,
2014, p. 26) revelando a docência transdisciplinar na prática. Em outras palavras,
posso afirmar, categoricamente, que um docente pode efetivamente
praticar os princípios, conceitos, pressupostos e fundamentos teóricos
Outro depoimento importante relatado por uma aluna de mestrado da docência transdisciplinar. Sem intenção de traduzir, inferir ou
ratifica nossas observações anteriores. Olzeni L.c. Ribeiro (2011, pp. reduzir o perfil docente que presenciei, minha experiência discente
40-43), em sua dissertação de mestrado, destaca: permite afirmar que uma das suas principais características seja
a legítima coerência em relação aos seus ideais e ao paradigma
educacional que defende em suas obras e falas. Esse é apenas um dos
A vivência na disciplina ministrada pela professora Maria Cândida muitos outros exemplos que vi e senti "ao vivo e em cores" na conduta
Moraes ( ... ) me possibilitou, pela primeira vez, na condição de revelada em sua prática docente, cujo colorido fica mais bonito porque
estudante, ser elemento vivo de materialização de uma teoria. Refiro- a teoria é vista na realidade prática, mostrando que é possível aplicar
me à Teoria do Fluxo de Mihaly Csikszentmihalyi, em 1975, definida a "didática da coerência" pregada pela docência transdisciplinar, pelo
como uma sensação holística, onde há um envolvirnento tão intenso exemplo coerente e profundo comprometimento com o processo de
com a tarefa que a sua realização promove grande satisfação. ( ...) O ensino e aprendizagem. (F. de O. Ribeiro 2011, s.p.)
que [Mihaly] chama de 'experiência ótima' ou 'fluxo' assemelha-se
ao que vivenciei a partir do momento em que me percebi totalmente
reprimida diante de um desafio que, em princípio, foi apreendido Em sua reflexão, esse mesmo aluno continuou afirmando:
como superior à minha capacidade de compreensão dos conceitos
envolvidos. No entanto, o efeito positivo da mediação transdisciplinar
Inúmeras outras competências poderiam ser descritas a respeito de
da profa. Maria Cândida Moraes ( ...) me permitiu amenizar a aflição
minha percepção discente quanto à conduta de um educador sob a
e refinar minha visão para perceber que, sim, era possível superar
aquela sensação de pânico inicial. ótica transdiscipl inar presenciada: (1) sua capacidade de realizar uma
escuta sensível, revelada no acolhimento e na aceitação do outro
( ...)
no seu legítimo outro; (2) sua abertura para aceitação de sugestões;
Aponto a habilidade docente e a mediação transdisciplinar da
(3) sua flexibilidade diante do desconhecido, das incertezas do
professora Maria Cândida Moraes ( ...) como fatores que agiram na
conhecimento e da realidade; (4) sua habilidade de comunicação pelo
articulação de três aspectos: o grau de ansiedade diante da tarefa; o
diálogo, pela promoção da conexão, interação e integração com/entre
desafio de lançar um olhar investigativo sobre a criatividade à luz
os alunos; (5) sua constante preocupação e responsabilidade pelo
dos operadores da complexidade, vertente pouco explorada, e, em
resgate da "alma docente" de seus alunos, revelando um profundo
fazer com que a aflição inicial se tornasse um desafio o qual desaguou
e sincero compromisso com o paradigma educacional emergente.
nesta pesquisa de mestrado. ( ...) Deparar-me com a possibilidade
de investigar, anos depois, uma questão que nasceu nos primeiros (Ibidem)
momentos de minha trajetória profissional foi o real encontro com a
felicidade acadêmica e a autorrealização.
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III
realidade e do contexto onde vive.lnstrumentalizá-Io para que seja capaz Em realidade, somos nós, educadores, que temos que plantar as
de questionar seus padrões de conduta destrutivos, suas intolerâncias e sementes férteis da esperança, dajustiça, da solidariedade, da sabedoria,
animosidades, levando-o, se possível, a compreender que o ser humano é da fé e do amor no coração de cada ser aprendente que conosco conviva.
presença e que a sua qualidade de energia é o amor. Amor como emoção Somo~ nós, educadores, que temos que saber despertar, cultivar e polinizar
central da história evolutiva humana, como fundamento biológico do as sementes da fé e da esperança nos novos ambientes educacionais,
fenômeno social (Maturana 2000), como modo de viver no respeito percebendo-os e concebendo-os como espaços de cruzamentos de
mútuo, najustiça e na solidariedade. diversos saberes, linguagens, culturas, metodologias e representações
Ao falar da sabedoria do amor, como energia e presença, é preciso voltadas para a expressão do conhecimento humano, da criatividade, da
relembrar as palavras de nosso querido Edgar Morin (2007b, p. 37), ao sustentabilidade e da responsabilidade social. Essa condição é necessária
observar que "é na ressurreição trinitária do amor, da missão e da fé que para que as novas gerações possam resgatar o sopro criativo gerador do
poderemos formar os cidadãos e as cidadãs do III Milênio". Isso porque sentido da mudança paradigmática requerida e a finalidade maior de
a ressurreição de nossa missão educadora inclui, certamente, o cultivo do sua existência.
amor e do cuidado, a ressurreição da fé e o resgate da esperança. Fé, não Entretanto, reconhecemos que os educadores não são apenas os
apenas nos atos curriculares e pedagógicos praticados em nosso trabalho docentes e profissionais do ensino, já que a educação é um problema
cotidiano, mas, sobretudo, no valor inquebrantável do ser humano e na da sociedade inteira e de todas as instituições nos mais diversos
sua capacidade intrínseca de auto-organização, de autotransformação de âmbitos, assim como de todos os cidadãos/cidadãs e, especialmente, de
sua consciência e de renovação da própria vida. Somente pautados pelo responsabilidade das famílias. Em nossa compreensão, todos também
amor e pela confiança em nossa profissão, renovados cotidianamente têm o dever e a responsabilidade social de educar de forma coerente com
pela fé e esperança no renascimento de uma nova civilização, é que as necessidades humanas e planetárias atuais.
poderemos colaborar para que a educação prepare melhor as novas gerações
vindouras, reconhecidas por Edgar Morin como a "geração da religação".
Religação consigo mesmo, com o outro e com a natureza, a partir do
desenvolvimento de uma consciência menos fragmentada, mais solidária,
fraterna, socialmente responsável e vitalmente mais comprometida.
A civilização da religação será aquela capaz de perceber, com
mais clareza e depurada sintonia, que a força da vida está nas relações,
nos enlaces, nos processos de interdependência, nos diálogos e nas
autênticas parcerias. Está também nos processos de cooperação e de
comunhão nutridos pelas relações éticas constitutivas da grande teia
da vida, operacionalmente teci da e renovada a cada instante. É uma
civilização sintonizada com a sinergia da complementaridade dos
processos, da solidariedade, da sustentabilidade e da revalorização da
vida, que reconhece a inseparabilidade entre ser humano e natureza,
espírito e matéria, pois energia e vida já não mais se separam.
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