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LUÍZA OLIVEIRA
Rio de Janeiro
2020
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Sumário
1. Apresentação ................................................................................................................... 3
2. Objetivos.......................................................................................................................... 4
2.1 Objetivo primário...................................................................................................... 4
2.2 Objetivos específicos ................................................................................................ 4
3. Pergunta de pesquisa ....................................................................................................... 5
4. Marco teórico de referência ............................................................................................. 5
5. Considerações Metodológicas ......................................................................................... 8
6. Resultados........................................................................................................................ 8
6.1. A multiplicidade e os díspares intraislâmicos. ........................................................ 8
6.1.1 A fragmentação do Islã ....................................................................................... 9
6.1.2 A especificidade do Islã saudita-wahabita ........................................................ 10
6.1.3 A disseminação da vertente wahabita na década de 1970 ................................ 11
6.2 O regimento interno da Arábia Saudita e as participações internacionais. ............. 12
6.2.1 Norteamento doméstico estatal ......................................................................... 12
6.2.2 As participações em âmbito internacional e os contrastes ................................ 14
6.3 As relações sauditas com Irã, Iraque, Iêmen e os Estados Unidos. ........................ 17
6.3.1 Arábia Saudita e a Aliança Norte-Americana................................................... 17
6.3.2 A Revolução Islâmica e as relações com o Irã ................................................. 18
6.3.3 As Guerras do Golfo e as relações com o Iraque .............................................. 20
6.3.5 As guerras por procuração no Iêmen ................................................................ 23
6.4 As transformações da Dinastia Saudita nas políticas interna e externa .................. 24
6.4.1 Faisal Al-Saud (1964–1975) ............................................................................. 25
6.4.2 Khalid Al-Saud (1975–1982)............................................................................ 25
6.4.3 Fahd Al-Saud (1982–2005) .............................................................................. 26
6.4.4 Abdullah Al-Saud (2005–2015)........................................................................ 27
6.4.5 Salman Al-Saud (2015 – vigente) e Mohammed Bin Salman .......................... 28
7. Discussão e Análise ....................................................................................................... 30
8. Considerações Finais ..................................................................................................... 33
9. Referências bibliográficas ............................................................................................. 35
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Religião e Política: Uma Análise das Relações e Contradições na Arábia Saudita
Júlia Baptista¹
Luíza Oliveira²
1. Apresentação
No presente trabalho, será analisada a religião como fator de grande importância para a
estratégia na política internacional e nas ações internas estatais, bem como para episódios
internacionais históricos. Nas Relações Internacionais, pouco é estudada a questão dos sistemas
religiosos e seus desencadeamentos em rede global, e a isso muito se deve ao contexto da Paz
de Westphalia (1648), que deu fim às guerras religiosas da época e inseriu uma nova ordem
mundial e nova lógica interna, em que foi anulado o envolvimento da igreja e da fé em assuntos
político-estratégicos em âmbito externo, já que pela primeira vez, uma negociação entre nações
foi feita a partir de Estados somente, sem envolvimentos religiosos.
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O objeto de estudo deste artigo é a Arábia Saudita, país localizado na Península Arábica,
banhado pelo Mar Vermelho e conhecido como o local de nascimento do Islã. É um Estado de
extrema riqueza, derivada das enormes reservas de petróleo que se encontram em seu território,
e que detém uma posição chave na economia internacional como maior exportador do recurso
do Oriente Médio. A cultura neste país está intrinsecamente ligada ao wahabismo, uma vertente
da religião Islã, que norteia de forma assertiva os costumes e as ações individuais da sociedade.
Na atualidade, o Islã encabeça o ranking da religião que mais se expande no mundo, e de acordo
com uma pesquisa conduzida pelo Pew Research Center (2015), ao considerar a previsão até o
final do século, ultrapassará o número de cristãos existentes no planeta. Esses dados justificam
o estudo e entendimento dessa doutrina religiosa, já que estamos falando da crença e das
respectivas individualidades, comportamentos e consciências de parte significativa da
população mundial.
2. Objetivos
Compreender como o vetor religioso é projetado nas políticas externas e internas da Arábia
Saudita, a partir da década de 1970.
3. Pergunta de pesquisa
Como se verifica a relação entre o vetor religioso e as políticas externa e interna da Arábia
Saudita, a partir da década de 1970?
A teoria usada para guiar o estudo é a Construtivista, esta que apresenta ênfase na realidade
intrínseca dos Estados, e de cada uma de suas naturezas e contextos particulares e individuais,
nas implicações intersubjetivas, estruturais e epistemológicas do Sistema Internacional. “O
Construtivismo é a perspectiva segundo a qual o modo pelo qual o mundo material forma a, e
é formado pela, ação e interação humana depende de interpretações normativas e epistêmicas
dinâmicas do mundo material” (Adler, 1999, on-line).
Para melhor esclarecimento, a teoria construtivista alega que o que rege as relações entre os
Estados não são elementos pré-estabelecidos ou previsíveis, mas sim elementos mutáveis e
alternantes, construídos historicamente ao longo do tempo. Por que, por exemplo, a Arábia
Saudita apresenta uma postura hostil frente ao programa nuclear iraniano, enxergando-o como
grave ameaça, porém não assumem a mesma colocação no que concerne ao programa
paquistanês? Por que governos como o da Venezuela e de Cuba são constantemente apontados
como ditatoriais e violadores de direitos humanos por parte de potências hegemônicas e outros
Estados do sistema internacional, e analogamente, o regime saudita, sendo extremamente
repressor e sanguinário em âmbitos internos e externos, é apoiado e incluído nas boas relações
diplomáticas desses mesmos atores críticos?
Emanuel Adler (1999 apud Waldrop 1992), elucida esses questionamentos diante de uma
metáfora simples, mas esclarecedora:
Suponha que você arremesse uma pedra ao ar. Ela pode ter apenas uma resposta às
forças físicas externas que agem sobre ela. Porém, se você arremessar um pássaro ao
ar, ele pode voar para uma árvore. Embora as mesmas forças físicas ajam sobre o
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pássaro e a pedra, uma quantidade massiva de processamento interno de informação
afeta o comportamento do pássaro.
O mesmo pensamento pode ser alocado à lógica das relações entre os Estados, uma vez que
ações tomadas por parte de um ator podem gerar diferentes consequências e reações de acordo
com quem está lidando com ele ou o analisando. O modo como cada player é recebido pelo
outro, é constantemente fruto de imagens e de cenários construídos ao longo de desdobramentos
coletivos ou individuais, além de interesses próprios dos Estados que regem o sistema
internacional em todos os âmbitos.
Sobre construção de identidades, a religião pode ser vista como mais um vetor, uma vez
que pode influenciar nas políticas Estatais, como citado por Jesus (2009, p. 220):
Nesse mesmo sentido, Nicholas Onuf é um dos principais teóricos construtivistas, tendo
sido o primeiro a apresentar um estudo formulado através da perspectiva desta corrente de
pensamento nas relações internacionais. Ele buscou estabelecer uma teoria social que desse
conta e abordasse o cunho político do sistema internacional, baseando-se na ideia de construção
e co-constituição de pessoas e sociedade, finalmente apontando que o fator da construção em
si é o que monta toda a conjuntura das relações internacionais. Ainda, Onuf (1989) utiliza
recursos de lei e jurisprudência internacional para mostrar o impacto das relações internacionais
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nos modos de raciocínio e persuasão, e no comportamento guiado por regras. Essa perspectiva
muda “explicitamente o foco para uma epistemologia não-positivista, enfatizando o ponto de
que 'mudanças históricas de longo curso não podem ser explicadas em termos de um ou mesmo
vários fatores causais, mas através de análises de conjunturas'". (ADLER, 1999, on-line apud
LYNCK e KLOTZ, 1996, p.6).
Esta pesquisa terá um foco mais direto nas identidades hobbesiana e lockeana, esta
última que visualiza a soberania como elemento transformador de um sistema hobbesiano –
onde o homem é o lobo do homem, todos são inimigos e não há muita possibilidade de
cooperação. A soberania reduziria o medo que os Estados possuem de ter o que é de propriedade
deles confiscada por terceiros, bem como abre espaço para ambientes de mais propícias
cooperações, mesmo havendo rivalidade e falta de compatibilidade ideológica entre as partes.
Como pontuado por Lehmann (2003), Wendt argumenta que as dinâmicas das relações
internacionais são determinadas pelas crenças e expectativas que os Estados possuem uns sobre
os outros, e estas seriam constituídas por estruturas sociais majoritariamente, não por estruturas
materiais. Essa afirmação não significa que o poder material e os interesses variantes são
irrelevantes, mas que estes dependem da estrutura social vigente no sistema e da “cultura da
anarquia” dominante. Ainda como interpreta Lehmann (2003), as culturas que interessam são
do sistema de Estados; portanto, vai de encontro ao que afirma Wendt (1999, p. 257) “[...]
mesmo que as culturas domésticas tenham pouco em comum, como no 'choque de civilizações'
de Huntington, o sistema de estados ainda pode ter uma só cultura que afeta o comportamento
de seus elementos”.
No que concerne ao presente estudo, a teoria construtivista será usada para demonstrar de
que maneira se dão as relações da Arábia Saudita com outros Estados, tendo em vista o elemento
religioso que está imerso nessas relações; e quais são as contradições encontradas nos mesmos
ambientes, fazendo uma correlação entre imagens construídas no sistema internacional, interno
e comportamentos históricos.
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5. Considerações Metodológicas
Vale ressaltar que no método do presente trabalho, as informações estão sendo coletadas a
partir de pesquisas em livros, artigos científicos, jornais e periódicos que englobam os temas
do sistema religioso do Islã, políticas externa e interna sauditas e conflitos globais. Isto é, serão
analisados fatos concretos discorridos durante a história, o comportamento dos Estados em
relação a esses acontecimentos e o desembaraço dessas ocasiões no Sistema Internacional, com
o objetivo de que ao final da pesquisa, seja possível explorar e interpretar como se dá a relação
entre a religião e a política no Reino da Arábia Saudita.
6. Resultados
Para compreensão das relações sauditas com outros Estados, principalmente com os do
Oriente Médio, é necessário apontar de antemão que não é em juízo de os países declarem sua
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fé à mesma religião, que automaticamente estão alinhados às mesmas pretensões e convicções,
política e ideologicamente. Apesar do Islã ser fundamentado e originado nas revelações de
Maomé, uma vez que é passivo de interpretações, existem díspares e hostilidades dentro da
própria doutrina que perduram durante séculos, alguns dos quais serão objetos de estudo deste
artigo, como as recentes relações entre Arábia Saudita – predominantemente sunita –, com Irã,
Iêmen e Iraque. Tais diferenciações justificam-se nas suas origens, características e interesses
que se deram a partir de distintos processos de formação e identificação de comunidades.
Diante do exposto, foi formado o "Califado Rashidun", que se refere aos quatro primeiros
sucessores que eram demasiadamente próximos de Maomé, conhecidos como os “califas bem
guiados”, império árabe-islâmico que se expandiu e conquistou muitos territórios. Em ordem
de sucessão em liderança, Abu Bakr; Omar al-Khattab; Osman Affan; e por fim, Ali –
assassinado na cidade de Kufa em 661, fato que levou a fragmentação definitiva da comunidade
muçulmana entre os grupos sunitas e xiitas (Marques, 2015). É importante pontuar que durante
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a constituição e expansão do Califado, a minoria xiita sofreu diversas perseguições e
assassinatos por séculos, e até os dias atuais são oprimidos e marginalizados, além de
corresponderem a parcela mais pobre da comunidade árabe.
Os principais díspares entre as duas vertentes são nas esferas políticas e religiosas. Nesses
âmbitos, o sunismo foi construído na lógica da autoridade político-militar Estatal para garantir
a supremacia dos interesses religiosos baseados no Alcorão e na Sunnah. Como sublinha
Palazzo (2014, p. 165) “ao governante, então, não caberia a atividade de criar leis, mas sim
cuidar para que elas fossem aplicadas e, no caso do Islã, sempre de acordo com a lei divina, a
shari’a.” Ou seja, não há autoridade religiosa que substitua Maomé, mas sim autoridade para
sobrepor os ensinamentos do profeta jurídica e politicamente. Atualmente, para esse grupo, o
Estado e a religião deveriam ser uma única força. Já o xiismo desde seus primórdios, foi
afastado e reprimido do poder político por conta da influência do califado sunita. Em termos de
fé, passa a ser caracterizado por possuir um líder religioso supremo (Imã), altamente respeitado
nessa vertente, pois essa figura é responsável por repassar os ensinamentos da palavra divina;
bastante divergente do sunismo.
Com o passar dos séculos, diante de conflitos e guerras, as duas vertentes foram se afastando
cada vez mais e suas diferenças acentuadas. Atualmente, a maioria sunita representa entre 86%
a 90% de toda comunidade muçulmana no mundo e habitam em grande número de países como
Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Iêmen. Já os xiitas, em sua minoria entre 10% a
14%, possuem a maior parte de sua população, por exemplo, nos Estados Irã, Iraque, Bahrein
e Azerbaijão.
Al-Wahhab foi o fundador do wahabismo e seu objetivo era de atentar em prol de uma volta
aos “verdadeiros princípios do islã”, remontando à era inicial da religião islâmica – isto é,
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associada aos valores morais, culturais e religiosos do século VII de Maomé. Ele era totalmente
contra a bid’a (inovação na teologia), por acreditar que inovações na fé islâmica eram nocivas
e, portanto, um retorno aos princípios enunciados pelo Profeta traria novamente a original
grandeza intrínseca ao Islã. Para mais, as doutrinas wahhabi não permitem uma intermediação
entre fiel e Allah, bem como condenam práticas politeístas. A disseminação dessa vertente se
originou da aliança formada entre Abd al-Wahhab e o primeiro monarca saudita, Ibn Saud.
Estes dois iniciaram uma campanha de conquista mais tarde estendida a seus herdeiros, fazendo
com que o wahabismo fosse a força dominante na Arábia desde 1800 (Encyclopedia Britannica,
2020).
Em 1973, essa disseminação adquiriu novos episódios. Neste ano ocorreu o primeiro
choque do petróleo, episódio que afetou diretamente a economia de alguns Estados europeus,
dos Estados Unidos e de Israel. Os países árabes – muitos sendo integrantes da OPEP
(Organização dos Países Exportadores de Petróleo) que possuíam extrema importância no
tocante do controle de petróleo – resolveram punir aqueles que apoiaram Israel na Guerra do
Yom Kippur (1973). Como uma estratégia de retaliação, a produção de petróleo sofreu uma
drástica queda e o preço do barril se tornou consideravelmente mais caro entre 1973 do que era
anteriormente no mesmo ano, ao passar de U$ 3,00 para U$ 12,00, o que levou a primeira crise
mundial do setor. O recurso praticamente desapareceu dos postos de combustíveis dos Estados
Unidos e da Europa, o que levou a uma desestabilização econômica global.
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Após o choque do petróleo, a Arábia Saudita se tornou extremamente rica e conseguiu de
maneira exorbitante ampliar sua influência religiosa e intensificar o fundamentalismo islâmico
ao redor do mundo. Para alcançar apoio e poder no plano internacional, os sauditas começaram
a financiar centros de estudo e escolas (conhecidos como Madrasas) em diversas regiões do
Oriente Médio que careciam de estruturas, propagando ainda mais assim, a mais conservadora
vertente do Islã, o wahabismo.
Diante das questões levantadas, o Reino já foi acusado diversas vezes de possuir relações
com grupos ou atividades terroristas. Segundo Schossler (2017, on-line), “ao apoiar
financeiramente a disseminação do Wahabismo, a um custo estimado de cem bilhões de dólares
ao longo de décadas, o reino teria apoiado indiretamente também o terrorismo (...)”.
Para desenvolver uma análise assertiva em torno das políticas internas e externas do Reino da
Arábia Saudita sob a ótica do direito internacional, é preciso compreender o posicionamento
em suas duas esferas de atuação.
O Reino da Arábia Saudita pauta seu sistema de governo em uma monarquia, onde o rei é
o chefe de Estado e chefe de governo. Além disso, funciona como uma propriedade privada dos
membros da Dinastia Saud, que detém abundante riqueza dos recursos sauditas e também os
usam para servir aos seus interesses individuais. O regimento interno legal é dominado pela Lei
Sharia, esta que se evidencia nas doutrinas, crenças, costumes e padrões de comportamentos
interpretados no Alcorão, livro sagrado do Islã, considerado por muitos uma espécie de guia
12
para a vida dos muçulmanos; e na Sunnah, que por sua vez, é um livro que retrata os
ensinamentos do Profeta fundador e mais respeitado da religião, Maomé. Diante de tais
características, se verifica a existência de uma monarquia absolutista teocrática; isto é, há poder
político absoluto exercido a partir da figura do monarca, e difundido em temas religiosos, uma
vez que sua estrutura está fundamentada nas interpretadas doutrinas e pensamentos do Islã.
Na década de 1990, Fahd Al-Saud, à época rei da Arábia Saudita, deu origem a uma espécie
de Carta Magna, chamada “Lei Básica de Governança de 1992”1, que simplesmente ratifica o
que os costumes e tradições já reconheciam há muito tempo. Logo em seu artigo primeiro,
declara que a constituição do país é o Alcorão e a Sunnah, o primeiro descrito como “Livro de
Deus Todo-Poderoso” e o segundo como “Livro de seu Mensageiro”, que se refere a Maomé.
Ainda, no artigo sétimo, alega que as leis governantes do sistema do Reino derivam sua
autoridade desses dois livros sagrados. Isto é, foi uma validação da Sharia e das interpretações
sauditas dos registros sagrados como instrumento de governo. A mesma Lei Básica de
Governança, deu origem a um “sistema básico consultor”, ou seja, algo semelhante a um
“ministério” e que tem como função somente a consultoria ao monarca, sem, contudo, exercer
ou criar leis (LUZ, 2019).
1
Website Oficial Governo da Arábia Saudita. Disponível em:
<https://www.my.gov.sa/wps/portal/snp/aboutksa/rulesandRegulations> Acesso em: 01 de abr 2020.
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na esfera política quanto na religiosa. Segundo al-Atawneh (2009), o cientista político Ayman
al-Yassini afirma que os ulemás nunca agiram como centro autônomo de poder, e que os
mesmos perderam muitas de suas tradicionais funções, se tornando apenas um grupo de pressão
limitado a exercer influência sob políticas e atividades governamentais. Por outro lado, o autor
polonês Aharon Layish argumenta que os ulemás sauditas modernos deixaram de ser um dos
focos de poder ao lado dos governantes, embora ainda pertençam à elite política e possuam um
papel importante, especialmente em épocas de crise.
Apesar de ser bastante influente, o clero wahhabi possui um papel secundário na política
e governança dentro do Estado saudita; isso se verifica em uma lógica de que sempre dividiram
o exercício de poder e possuíram o papel de interpretar a sharia para assim aconselhar os
governantes. De qualquer forma, é errôneo descrever as exatas influências dos ulemás, uma vez
que tanto na política quanto no ambiente social religioso as dinâmicas são passíveis de
mudanças conforme os detentores de poder.
Para dar início, é viável introduzir a partir da questão dos direitos humanos e fundamentais.
De maneira simplificada, ao elucidar a diferença entre os dois conceitos, se pode dizer que o
primeiro está ligado a um princípio comum inerente a todos os povos, ou seja, é ligado ao plano
internacional; ao passo que, o segundo, está intrinsicamente ligado ao regimento interno de cada
país. Ambos os conceitos têm ligação com os direitos básicos de todos os seres humanos.
No ano de 1945, o Estado Saudita foi um dos membros fundadores que assinou e ratificou
internamente a Carta das Nações Unidas em 1945, esta que constitui a Organização das Nações
Unidas (ONU) uma facilitadora da cooperação do Direito Internacional. A Carta em seu artigo
primeiro, descreve deliberadamente as funções e objetivos da organização, em especial, ao
aludir a questão dos direitos fundamentais inerentes a dignidade humana em promover a paz
universal, que baseia-se no, segundo o Tratado (1945)2, “[...] respeito ao princípio de igualdade
de direitos e de autodeterminação dos povos [...]”, com o objetivo de “[...] promover e estimular
o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça,
2
Website Oficial Nações Unidas Brasil. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/carta/cap1/> Acesso em: 01
de abr 2020
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sexo, língua ou religião.” Neste primeiro momento, o instrumento estabelece a normatização
dos Direitos Humanos para a organização.
Três anos depois, a Declaração Universal de Diretos Humanos (DUDH) de 19483, elaborada
por representantes de todas as partes do mundo, delimitou 30 princípios sobre o que são os
Direitos Humanos para a organização, e segundo o seu próprio preâmbulo, considera que os
Estados membros se comprometem a promover e a cooperar com a Declaração.
O termo “Constituição” pode ser entendido, a princípio, como “o modo de ser de uma
comunidade, sociedade ou Estado”. Isso porque a Carta Magna de um país é, entre
vários elementos, formada por três basilares: a) identidade: noção de pertencimento
de um povo a um Estado, gerando o status de cidadão; b) organização social: a forma
de organização do poder estatal; c) valores subjacentes: valores ou noções pré-
existentes na sociedade que permitiram um acordo e, por conseguinte, a formação da
própria identidade e Constituição. (LEAL, 2019, pág. 4)
33
Website Oficial Nações Unidas Brasil. Disponível em:
<https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/> Acesso em: 01 de abr 2020.
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liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em
público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.
A Arábia Saudita adotou a Sharia como um sistema de leis que rege todos os aspectos
da vida de seus cidadãos, inclusive as liberdades individuais. O país possui o Islã como religião
oficial e única, sendo quaisquer outras reprimidas severamente; em seu território, não existe a
liberdade de culto em outras crenças, principalmente em locais públicos. Como verifica Peter
Demands, (2004, p. 193), há algumas explicações para a expansão do islã e a obediência
rigorosa dos fiéis, entre elas, o fato de que “os muçulmanos são quase inacessíveis a conversão
para outras religiões. Abandonar o islã é considerado apostasia, um crime teoricamente passível
de morte.” Além disso, o país possui os dois santuários mais sagrados de sua crença, Meca e
Medina, – onde é proibida a entrada de não mulçumanos nas cidades. Fato esse considerado
pelo falecido monarca saudita Abdullah bin Abdul Aziz Al-Saud, o maior obstáculo de
mudanças relacionadas a intolerâncias religiosas.
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islamização seriam o mesmo processo. O terceiro e último grupo é caracterizado por acreditar
na possibilidade de democratização na sociedade islâmica.
6.3 A desenvoltura das relações sauditas com Irã, Iraque, Iêmen e os Estados Unidos.
Essa moeda de troca entre os dois países é vista até os dias atuais. Citando fatos
análogos, os Estados Unidos detêm significativa influência sobre assuntos no quesito petróleo
quando se trata dos recursos sauditas – a principal empresa petrolífera estatal da Arábia Saudita,
a Saudi Arabian Oil Company (ARAMCO), maior companhia do mundo em termos de reservas
de óleo e produção, tem boa parte dela controlada por empresas americanas. No mais, o país
norte-americano com sua aliança, continua fortalecendo a Riad no que se diz respeito a um forte
parceiro externo ocidental, além das vendas de armamentos militares, usadas para defesa
territorial e fomentar conflitos.
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6.3.2 A Revolução Islâmica e as relações com o Irã
O grande paradigma atual do que se diz respeito à geopolítica das tensões intraislâmicas
e políticas entre o Reino da Arábia Saudita e a República Islâmica do Irã e seus desembaraços
no Oriente Médio, teve início com a conquistada Revolução Iraniana de 1979. No período, o
país sofria de muitas desigualdades sociais e já apresentava insatisfação face ao governo do
então monarca autoritário xá Reza Pahlavi, que tinha o poder concentrado em seu círculo
interno de aliados, além de apresentar grande afinidade com o Ocidente – fato que gerava ainda
mais críticas dos opositores religiosos, uma associação impura diante da crença islã. Em
consequência, o maior opositor do governo à época, Ruhollah Khomeini, assumiu a posição de
líder supremo com o cargo chefe religioso e governante. Quando assumiu o poder em 1979,
Khomeini trouxe consigo para o poder um forte domínio na região Arábica, a vertente radical
xiita duodecimano – aquela que reivindicava que os sucessores de Maomé deveriam estar
ligados a linhagem sanguínea do maior profeta do Islã.
Nesse sentido, como verifica Marques (2015, p. 65), “O establishment sunita do Golfo
reconheceu no cunho revolucionário e teocrático dos clérigos xiitas iraquianos uma seriíssima
ameaça ao status quo regional e à organização política e interna dos seus países.”. De fato, o
novo modelo iraniano intencionava se impor ao mundo como uma nova alternativa ao
capitalismo e comunismo que à época – período de Guerra Fria, tanto se digladiavam e tentavam
expandir suas zonas de influência, inclusive sob o Oriente Médio. Complementar a isso, o
Estado Iraniano ainda ambicionou que, citado por Marques:
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Diante do explicitado, o Estado de origens persas e raízes xiitas, passou a ser visto como
uma forte ameaça tanto ao Ocidente – com posturas hostis e desenvolvimento de energia nuclear
–, tanto quanto para seus próprios vizinhos de regimes mais conservadores, que veem o
nascimento desse movimento como algo nocivo à hegemonia árabe/sunita na Península
Arábica. Ora, o ato revolucionário vinha de um povo que sofreu discriminações seculares,
muitas vezes obrigadas a esconder suas crenças em meio a regimes radicais, e agora tinha como
um dos objetivos a “união” dos povos mulçumanos através da vertente duodecimana. Até que
ponto essa revolução, em um Estado de peso considerável no Oriente Médio, poderia chegar no
que diz respeito a influências de crenças religiosas e atos políticos arábicos regionais?
Como um meio de contrapor essa ameaça local, a Arábia Saudita no momento sob
reinado de Khalid bin Abdulaziz Al-Saud, reagiu reforçando e disseminando ainda mais a
vertente religiosa de seu país, o ultraconservador islã wahabita. Segundo Kersten Knipp (2019,
on-line), durante anos foram promulgadas com intensa frequência novas leis religiosas,
intencionando “direcionar a atenção dos fiéis para a prática correta da fé, de forma que eles não
tivessem nem tempo nem energia para a política – muito menos para a política revolucionária.”.
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espaço como um novo globalplayer, garantiu a proteção de suas ideologias na região e esculpiu
a internacionalização de um modelo xiita revolucionário influenciador no Oriente Médio.
O fim da Primeira Guerra do Golfo teve muitos efeitos, e apesar de que os Estados
Unidos da América se uniram em benefício também da fixação da Arábia Saudita como
principal ator regional do Oriente Médio, trouxe graves consequências internas para os
religiosos sauditas. Durante a guerra, a monarquia Saudita abriu as portas de seu território para
que tropas americanas atravessassem com o intuito de avançar para o conflito, o que gerou forte
ressentimento por parte da população conservadora que considerava o berço de Maomé um
território sagrado, já que havia uma potência ocidental tida como “impura e pecadora”
transpassando suas terras, algo imperdoável para radicais do wahabismo sunita.
O Irã viu nesses desenrolares, desde a destituição de Saddam em 2003, uma grande
oportunidade de expandir sua revolução islâmica, já que o ex-presidente era o principal
inconveniente para o seu objetivo e o responsável pela perseguição da maioria xiita existente
no seu território, que iniciou uma represaria de ataques violentos contra os sunitas (ALSAMH,
2017). O Estado iraniano apoiou todo o processo de desbaathificação, e como uma tentativa de
disseminar sua zona de influência no Oriente Médio, enviou conselheiros políticos e militares
para o Iraque, além da caça ao ditador junto aos norte-americanos, que foi capturado no ano de
22
2006, e no mesmo ano, julgado e executado por crimes contra a humanidade. Por anos, o Irã
vem aproveitando-se das instabilidades iranianas para exercer sua teia de influência
revolucionária e boa parte dela também se dá em ajudas financeiras para o país.
Um outro vizinho com o qual a Arábia Saudita possui contenciosos é o Iêmen, país
localizado na Península Arábica e que passa pela pior crise humanitária do mundo. Com as
desavenças da Primavera Árabe em 2011, o sunita Abd Rabbuh Mansur al-Hadi assumiu o
poder, fazendo com que emergisse uma convulsão violenta por parte dos Houthis (grupo xiita
Zaidita), que começaram uma série de protestos contra o novo governo.
23
Dentro do contexto em que a Arábia Saudita é a líder regional dos sunitas, ao passo que
o Irã exerce liderança sobre os xiitas, com a ascensão de al-Hadi, os rebeldes Houthis passaram
a obter auxílio dos iranianos para atingir o objetivo de alcançar uma preponderância dentro do
território iemenita. Essas movimentações no tabuleiro do Oriente Médio significaram uma
extrema ameaça aos sauditas, visto que uma provável crescente influência do xiita Irã estava se
instalando logo ao lado.
Para além da complexa questão religiosa, o elemento geopolítico também gira em torno
desses embates entre os players, uma vez que passa pelo Iêmen o cobiçadíssimo estreito e rota
petrolífera Bab al-Mandab. Portanto, é de extrema importância para os sauditas – além da
integridade de seu próprio território – manter o Iêmen longe de influências inimigas. Nesse
sentido, desde 2015 há uma guerra em curso na região, onde de um lado a coalizão internacional
liderada pela Arábia Saudita ataca terras iemenitas com o intuito de frustrar as ambições dos
Houthis, ao passo que o Irã vem armando e auxiliando seus irmãos xiitas para combater os
opositores.
Podemos observar que como aliados da Arábia Saudita na Guerra do Iêmen há a presença
não só de países próximos de maioria sunita, porém também de grandes potências ocidentais
como a Inglaterra e os Estados Unidos. Os EUA são responsáveis por enorme parte do material
militar fornecido aos sauditas, além da ajuda logística e também material oferecida pelos
ingleses, o que nos mostra mais uma vez que, apesar de radicais diferenças ideológicas e
religiosas no que concerne ao intensamente religioso Reino da Arábia Saudita, quando se trata
de segurança internacional e poder, questões geopolíticas também exercem um papel
fundamental.
6.4 As transformações da Dinastia Saudita nas políticas interna e externa desde 1973.
Para analisar de forma concisa o vetor religioso e as políticas interna e externa do Reino da
Arábia Saudita a partir do ano de 1973 até a conjuntura atual, é necessário antes observar as
sucessões dinásticas que a monarquia teve durante essas décadas e suas particularidades
específicas. Na monarquia saudita, o monarca representa o chefe de Estado e também o chefe
de governo. Além disso, é importante ressaltar que como tradição, todos os reis citados
desempenharam importantes papéis políticos na dinastia Al-Saud em outras funções políticas
antes mesmo de assumirem o trono.
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6.4.1 Faisal Al-Saud (1964–1975)
Durante o primeiro choque de petróleo na década de 1970, o monarca absoluto era o rei
Faisal bin Abdulaziz Al-Saud. Faisal criou um sistema judicial, permitiu que mulheres e
meninas tivessem acesso à educação, construiu universidades e foi responsável pela significante
abolição da escravatura. Teve seu foco na melhoria das finanças e economia do país, e foi
durante seu reinado que a Arábia Saudita se tornou um dos países mais ricos do mundo, graças
à sua decisão de supervalorização do petróleo.
25
particular atenção ao desenvolvimento da agricultura, educação e na infraestrutura física do
Estado.
Durante seu reinado foi quando as dinâmicas no Oriente Médio mudaram drasticamente,
a partir do ano de 1979. Pelo fato de querer defender os interesses próprios estatais e o
predomínio saudita em sua região, Khalid cortou laços com as que foram reconhecidas como
diversidades multiculturais ou religiosas por Faisal, afinal, não havia mais lugar para divisões
ou desarmonias enquanto uma revolução insurgia e poderia bater em sua porta. O país começou
as intensificações do islã wahabita, justamente para tentar combater a insurgência de ânimos
iranianos dentro de seu território, além de fazer uso incisivo do autoritarismo. De acordo com
Yamani (2008), o quarto monarca seguiu a doutrina ancestral de discriminação baseada em
seita, vertente do islã, tribo e região, que voltaram a ser fortes pautas governamentais, e tais
diferenças marcadas pela intolerância foram acentuadas por seus sucessores – não mais
toleráveis como no reinado anterior –, que começaram a organizar o domínio completo da
sociedade através da força de poder do Estado.
Ainda sobre relações transnacionais, o rei Khalid estreitou mais suas alianças com
Washington. No tocante a essas relações na região do Oriente Médio, em 1981 teve a iniciativa
da criação do Conselho de Cooperação do Golfo, em prol do pan-arabismo com Estados de
interesse, excluindo o Irã e Iraque.
O governo de Khalid foi relativamente curto, findado com seu falecimento em 1982,
apenas sete anos após sua coroação. Marcado por uma ânsia de reafirmação no Oriente Médio
com a reviravolta Iraniana, por um abundante crescimento econômico e desenvolvimento
infraestrutural e por uma estarrecedora ampliação na violação dos direitos humanos.
Fahd bin Abdul Aziz Al-Saud foi o quinto governante e que ficou mais tempo no trono
soberano saudita. Concedeu às mulheres a permissão para emitir documentos de identidade,
assim como deu continuidade ao desenvolvimento da infraestrutura do reino, dando origem a
gigantes metrópoles na paisagem desértica do país. Em termos de ideologia e política, foi sem
dúvidas, um dos governantes árabes mais pró-ocidentais, o que levantou inúmeras críticas por
parte de conservadores do islã e graves consequências posteriormente que ecoaram mundo a
fora diante dessa percepção. Ao mesmo tempo que durante seu reinado continuou a manter
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relações amistosas com Washington mesmo com as trocas de governo norte-americana, sempre
mantendo forte traço de simpatia ocidental, também era criticado pelos mesmos diante de
graves acusações de violação de direitos humanos. Foi no período de seu reinado também, que
a Arábia Saudita passou a fazer parte do G20.
O então vigente monarca foi o responsável pela decisão que despertou ira profunda de
grupos jihadistas, ao autorizar a entrada de tropas ocidentais em seu território durante a Guerra
do Golfo de 1991. A partir dessa decisão, a Arábia Saudita começou a ser alvo de atentados
terroristas. Um desses opositores radicais contra as ações do rei foi o Osama Bin Laden, que
fez incisivas declarações públicas contra o governo, e como consequência, teve sua
nacionalidade saudita cancelada. No que tange o assunto terrorismo, o governo afirmou que a
violenta campanha travada pós ataques 11 de Setembro contra o Reino na mídia ocidental era
direcionada ao ódio contra o Islã, e que esses assuntos não deveriam ser confundidos. Foi no
seu reinado também que a conhecida “Lei Básica de Governança de 1992” foi implantada, que
salientou os deveres e responsabilidades do Rei para com seu povo.
Em 1996, Fahd sofreu um derrame grave que o afastou das tomadas decisórias
governamentais, papel regente que começou a ser desempenhado no mesmo ano pelo príncipe
herdeiro Abdullah, até a morte do até então rei e também seu meio-irmão dez anos depois, em
2005.
O mais novo sucessor da dinastia, foi Abdullah bin Abdul Aziz Al-Saud. O
posicionamento do rei, no que diz respeito a políticas internacionais, continuou a tecer relações
estreitas com potências ocidentais, principalmente com os Estados Unidos, com quem manteve
vínculos próximos e frequentes visitas. Investiu pesadamente em questões securitárias de seu
território, na compra de armamentos de defesa do país norte-americano e do Reino Unido,
chegando à marca dos bilhões. Sobre atuações jihadistas, o rei Abdullah condenava com vigor
o terrorismo internacional, ao afirmar diversas vezes publicamente que era uma abominação, e
que o Islã condena tais condutas.
Por conta das pressões ocidentais, implementou uma série de reformas significativas na
Arábia Saudita, concedeu às mulheres o direito ao voto, assim como a candidatura, além de
também permitir que participassem de competições nas Olimpíadas.
Salman bin Abdulaziz Al-Saud é o vigente monarca da Arábia Saudita, que já ascendeu
ao trono com problemas de saúde. Em 2017, nomeou Mohammed Bin Salman como príncipe
herdeiro regente, após decidir de remover Mohammed bin Nayef da posição, gerando alguns
conflitos internos na família real.
Nos últimos anos, com a ascensão do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman – que
ocupava anteriormente o cargo de ministro da defesa –, a Arábia Saudita vem vivenciando
rápidas transformações, uma vez que bin Salman é um claro modernizador e visa afastar o Reino
de sua dependência do petróleo e dos wahhabis, e sendo grande aliado dos americanos. Ele
construiu sua reputação muito em torno de uma agenda de política externa agressiva com o
objetivo de frustrar influências iranianas na região e transformar a Arábia Saudita em uma
potência regional. MBS, no entanto, é visto como uma figura ambígua e é até mesmo chamado
de nomes como “revolucionário”, “linha-dura”, “maquiavélico” e “príncipe do caos”, entre
outros, devido a seu papel duvidoso na condução do Estado saudita e os seus desencadeamentos.
Os feitos do atual príncipe herdeiro abrangem elementos tais quais a abertura do país ao
turismo, suspensão do banimento de cinemas, criação de novas ferramentas de entretenimento
para a população, permissão para mulheres dirigirem e viajarem ao exterior sem necessidade
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de autorização masculina, e abertura para investimentos estrangeiros em território saudita.
Como mencionado anteriormente, bin Salman tem de certa forma afastado a influência dos
wahhabis no que concerne ao poder e governança e, seguindo esse caminho, como aponta
Simon Mabon, MBS corre riscos de gerar sérios cismas no “coração do contrato social saudita”
(MABON, 2018).
Dentro de um ano ocupando o cargo de príncipe herdeiro, MBS ordenou uma série de
prisões supostamente com o intuito de reprimir a corrupção presente no Reino. Para alguns,
essas prisões foram vistas como positivas para o Reino em si e para a economia, porém para
outros representou apenas uma demonstração desesperada para assegurar sua posição na
sucessão de poder. Apesar de ter demonstrado consciência nos problemas socioeconômicos que
assolam a Arábia Saudita – provenientes do limite do suprimento de petróleo, do crescente
boom de jovens, e de altos níveis de emprego no setor público – bin Salman é frequentemente
questionado por seus gastos exorbitantes e apontado como corrupto, em um reino extremamente
burocrático, no qual quem exerce poder constantemente recebe pesados recursos financeiros
como financiamento.
O príncipe herdeiro também tem sido muito criticado ao que se refere o aumento das
repressões no Reino. Em 2018, ocorreu um fato veiculado ao redor de todo o mundo: o jornalista
saudita do Washington Post, Jamal Khashoggi, que se manifestava abertamente contra as ações
repressivas da monarquia – um crítico do governo de MBS – e que desde 2017 se autoexilava
do país, foi morto dentro da embaixada da Arábia Saudita em Istambul, Turquia. Apesar de
negar, segundo investigações da Central Intelligence Agency (CIA) e da ONU, é provável que
o príncipe tenha sido o mandante do assassinato de Jamal (CORBIN, 2019). O foco de bin
Salman na manutenção do poder sem precedentes parece abranger inclusive a família real, da
qual ordenou a detenção de três membros que suspeitou estarem conspirando contra seu
governo, em março de 2020.
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população, uma vez que realizou corte de orçamentos, diminuiu salários e implementou
medidas de austeridade seguidas da queda do preço de petróleo.
7. Discussão e Análise
Portanto, ao analisar essa questão diante de uma ótica construtivista, se compreende duas
identidades distintas formadas a partir de diferentes estruturas de identidades e interesses. Ao
analisar a primeira em âmbito interno, se verifica um país fundamentado na vertente sunita
wahabita, que utiliza da religião como um instrumento de governo e da manutenção da ordem
social ao determinar as ações de seu povo até mesmo em sua individualidade; a segunda, foi
assumida uma identidade de globalplayer, uma estratégia para participar no processo de tomada
de decisões internacionais e para, de alguma forma, conseguir exercer seus próprios interesses
em escala global, e principalmente, regional – para isso, é preciso ter cooperações externas e
participações mais ativas em fóruns multilaterais e organizações internacionais para que essa
predominância aconteça, e ser um membro da ONU é claramente um facilitador desse objetivo,
desde que não exerça custos consideráveis internos. Logo, essas contrariedades se justificam
no construtivismo a partir da relatividade intrínseca das duas em esferas distintas de ações
políticas.
No que concerne às culturas da anarquia de Wendt (1999), estas vão sendo alteradas na
medida em que as identidades e as estruturas sistêmicas vão se delineando ao fluxo das relações
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e comportamentos moldados pelos players que compõem as dinâmicas internacionais. No caso
do Reino, as culturas anárquicas historicamente se alternaram em concordância com episódios
internacionais e mudanças de estratégias internas, como foi analisado no antes e depois das
relações externas sauditas-iranianas, que anterior a 1979 conviviam numa lógica de
coexistência mais amena e cooperativa (lockiana), e depois extremamente conflituosa
(hobbesiana).
Diante disso, fica fácil compreender que as relações entre os Estados vão mudando e se
moldando de acordo com acontecimentos históricos ao longo do tempo, ou seja, nenhuma
relação é imutável ou definida por ideologias, mas é sim passível de transformações frente a
novos cenários, como traumas coletivos ou até mesmo interpretações na agenda internacional,
e essas modificações podem causar impactos internos.
Analogamente em contexto interno, durante o reinado de Faisal Al-Saud que perdurou até
1975, existia um certo reconhecimento de pluralidades culturais e religiosas divergentes das
sauditas. No entanto, a Revolução Islâmica liderada pelo Irã no ano de 1979, obteve
reverberações internas dentro do Estado, que durante o reinado de Khalid Al-Saud, passou a ter
uma postura de repressões perante essas minorias, e intensificou a disseminação e reafirmação
da vertente wahabita como forma de controle estatal; houve uma mudança de interpretações de
governo. Essa mudança de postura veio por meio de um novo cenário, o que prova que o Estado
muda de posições de acordo com a realidade que está inserida, e também de seus interesses.
Dessa forma, é possível afirmar que conforme novas relações se constroem e outras se
deterioram, o comportamento e a visão dos Estados em relação aos outros podem se
transformar. Como ilustração para o enunciado, se pode mencionar a queda de Saddam Hussein
do poder em 2003. Mais uma vez, o acontecimento estremeceu a balança de poder vigente no
Oriente Médio, quando o Irã identificou na queda de um de seus maiores rivais na região – com
quem teve um passado sangrento de conflagrações, uma oportunidade para exercer sua zona de
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influência e disseminar suas ideologias religiosas e políticas no território iraquiano, em
detrimento não somente do Reino da Arábia Saudita, mas também os interesses de potência
ocidentais na região.
8. Considerações Finais
34
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