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In: A verdade da
poesia: tensões na poesia modernista desde Baudelaire. Cosac Naify: São Paulo, 2007.
PARTE 1
● “Outra bem diversa [do que afirmar, como Marinetti e outros futuristas, que “um carro
com um motor que ronca é mais bonito do que a Vitória de Samotrácia”, ou certificar-
se de que nossas paisagens apresentem o pilone obrigatório] é sintonizar a mente, a
sensibilidade e a imaginação com uma ordem urbana e tecnológica a que elas
obstinadamente resistem – devido ao próprio antagonismo quanto à especialização,
o qual motivou as declarações de Baudelaire contra a especialização da arte.” (p.
373)
● “Diz-se, com frequência, que Baudelaire deu início à poesia da cidade moderna. Se
assim fez, ele também iniciou uma reação a ela – uma reação ambivalente, na
melhor das hipóteses, porém mais amiúde semelhante à careta com que os poetas
do Grupo Antologia são representados ao beber “meio pint de cerveja morna,
flocosa e amarga””. (p. 373)
● “[...] porque só esse recurso perverso facultava ao poeta extrair o ouro estético do
lodo moral que foi sua matéria-prima.” (p. 374)
● “Apesar de seu louvor da boca para fora no que concerne ao culto do artifício, o
imaginário de Baudelaire, pois, tendeu a lançar mão da natureza em busca de
símbolos da condição de decadência, depravação e neurose que ele chamou de
“spleen”.”
● “[...] a natureza é a norma a que a poesia voltou repetidas vezes.” (p. 375)
● “Muitos poetas fizeram o possível para se tornar mais científicos; mas muitos
técnicos e tecnocratas ora desempenham funções tão incompatíveis com os fins
humanos da ciência quanto com os da poesia.” (p. 379)
PARTE DOIS
● “De todos os valores que a imaginação dos poetas do século XX conservou – quer o
literalismo de Enzensberger quer a intrincada alusividade dos primeiros modernistas
– nenhum foi tão coerente e tão apoiado unanimemente quanto a causa da
natureza, aparentemente perdida.” (p. 381)
● “Num poema de Hoddis, ”Morgens” [De manhã], as moças indo trabalhar nas
fábricas, “na máquina e no labor fatigante”, são justapostas à “luz suave” da manhã
e ao “verde suave das árvores”; os “gritos” dos pardais urbanos ao “canto das
cotovias” “lá, nos campos silvestres”.” (p. 381-382)
● “Todo poeta moderno digno de ser lido contém um antipoeta, assim como todo
antipoeta moderno digno de ser lido contém um poeta romântico-simbolista. Quanto
mais amplo e carregado for o campo de tensão entre eles, maiores serão as
potencialidade de realização e progresso de um poeta.” (p. 387)
PARTE TRÊS
● “Os poetas em cuja visão predominam os arquétipos da natureza, por outro lado,
foram capazes de aceitar e até mesmo celebrar as cidades, talvez porque o
julgamento moral lhes pese menos na imaginação.” (p. 388)
● “A mesma poeta [Kathleen Raine] atualmente está quase só, pelo menos entre os
seus contemporâneos ingleses e americanos, na escrita e na defesa de uma poesia
de tipos puros, os arquétipos da natureza, o mito, a religião e a metafísica.” (p. 390)
● “[...] mas, na prática, e isso se aplica a alguns dos poemas da coletânea The Hollow
Hill, livro de Kathleen Raine, os símbolos derivados da filosofia esotérica podem ser
tão inacessíveis aos leitores não familiarizados com ela quanto as ambiguidades
engenhosas e complexidades dos poemas de William Empson; e há também o
perigo de se perder a tensão se as particularidades da experiência forem excluídas
de maneira muito rígida ou identificadas muito diretamente com os arquétipos.” (p.
390)
● “Se a “poesia da natureza” tornou-se uma categoria dispensável, isso não é porque
a sensibilidade e a visão dos poetas tornaram-se predominantemente urbanas.” (p.
392)
● (Na poesia de Hughes, havia, portanto, dois movimentos: um de dar traços humanos
aos animais e o contrário, de animalizar os homens. No entanto, a crítica da
antropomorfia, que apontava a humanização como uma forma de dominação da
natureza, não se aplica a poesia do autor, que demonstrava a superioridade do
comportamento animal em relação ao do homem.)
● (Quando Stephen Spender diz que o inconsciente crê em tudo aquilo que é por ele
animado, explora a ideia de que tudo que se imagina propõe uma crença posterior,
ou seja, uma adesão ao que se cria. Já Hamburger, ao fazer a inversão do que diz
Spender e sugerir que a mente anima tudo aquilo com que tem relação, coloca em
evidência uma relação anterior entre o imaginário – e a poesia – e o que se diz.
Tudo que se cria, portanto, integra uma relação que é anterior à própria constituição
do pensamento ou da arte literária.)
● (A natureza seria, nessa ótica, algo tão profundamente enraizado no inconsciente
humano que, mesmo em contextos de tecnologia e propostas pouco ligadas ao
ambiente natural, a natureza sempre se mostra na expressão humana, mais
especificamente, na expressão poética, ainda que de formas variadas. Tentar
reprimir esse impulso natural seria aumentar a tensão que dá vida à poesia;
impulsioná-la, portanto.)
● “[...] sua poesia tende a se restringir a certas secções delimitadas da psique. [...] Não
resgatamos ainda, na poesia norte-americana, esse rápido movimento através da
psique, do consciente para o inconsciente, das boas maneiras aos desejos íntimos e
ensandecidos, que os antigos poetas possuíam, ou que Lorca e outros recuperaram
para a poesia na Espanha. Por que não? Toda vez que começamos, nos perdemos
na técnica.” (BLY apud HAMBURGER, p. 399)
● “A pessoa gramatical faz pouca diferença. O que importa, em poesia, é o uso que se
faz dela; e o ponto de vista de Yevtuchenko é que a poesia exige “nada menos que
a verdade”.” (p. 400)
PARTE QUATRO
● “Seu poema [de Paul Celan] da primeira fase “Todesfuge” [Fuga da morte], talvez a
única prova decisiva de que poemas poderiam ser escritos não só depois de
Auschwitz mas também sobre os frios horrores perpetrados ali, não contém a
palavra “eu”, embora Celan o tenha escrito a partir de experiência pessoal direta, e
não muito tempo depois dos acontecimentos. A intrincada estrutura musical, assim
como as imagens arquetípicas, em parte surrealistas, serve para distanciar o poema
dos acontecimentos históricos. Pela mesma razão, o poema é mais instrumentado
do que vocalizado. Semelhante tema só pode ser tratado com uma reserva que
deixa o inexprimível inexpresso.” (p. 404)
PARTE CINCO
● (White argumenta que o homem moderno não vive o mundo, que, ao contrário, não
possui experiências e não constitui uma relação pacífica com o ambiente em que
vive, visto que ambos estabelecem uma relação de hostilidade. Isso significa dizer
que não há significados maiores a serem retirados do mundo moderno, segundo a
visão do poeta, visto que ele se esgota a partir do momento em que o homem não o
acessa, não o habita.)
● “quase todos os poetas modernistas insistem em que a poesia, entre outras coisas,
é uma “forma de conhecimento”, que ela representa verdades de algum tipo, embora
essas possam ser subjetivas, paradoxais, esotéricas ou fantásticas. O poeta
húngaro Gyula Illyes disse a respeito da “suposta obscuridade” da poesia moderna:
“A linguagem que rege o destino do mundo é mais abstrata que a dos poetas.” E
Saint-John perse não está só em sua crença de que a ciência e a poesia “põem a
mesma questão no mesmo abismo”.” (p. 422)
● “”A ciência e a poesia são semelhantes”, May Swenson também afirmou; ou aliados,
me parece, em seu objetivo maior e principal – investigar todos os fenômenos da
existência além da superfície plana das aparências [...]. O material do poeta sempre
foi a natureza – humana ou não – todos os objetos e aspectos de nosso ambiente
exterior, bem como a “atmosfera da alma” e o “teatro das emoções”. O poeta é o
grande anti-especialista.” (p. 422)
● “O que acho que posso dizer é que o processo imaginativo do modo como ocorre na
ciência é muito parecido com qualquer outro processo intuitivo ou de inspiração, da
maneira como se dá talvez na criação de uma obra de arte. A hipótese que se
concebe para explicar o que seriam, de uma outra forma, fenômenos totalmente
misteriosos é apenas o esboço de uma solução de qualquer problema que se
proponha esclarecer.” (MEDAWAR apud HAMBURGER, p. 423)
PARTE SEIS
PARTE SETE
● “Em outro sentido, a poesia versa sempre sobre a mesma coisa; eis por que
retornou aos arquétipos de toda sorte de envolvimento com o mundo fenomenal,
depois de todos os modos de apreendê-lo e representá-lo em palavras. Enquanto a
poesia for escrita – escrita, não ajuntada por máquinas nem tirada da cartola de um
mágico para deleitar a platéia – ela continuará a apresentar essa verdade da
maneira com que puder ou tiver de apresentar.” (p. 438)