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História da vida
privada: da revolução Francesa à primeira guerra). São Paulo: Companhia das Letras, 1992,
pp. 413-465.
O SEGREDO DO INDIVÍDUO
Nesse capítulo, o autor começa a discorrer acerca de uma dicotomia da vida privada: a
alma e o corpo, as quais geraram as atitudes dessa vida íntima. O autor as diferencia conforme
a extração social, o nível cultural e o grau de influência religiosa. Porém, segundo o autor, há
certa dispersão de crenças em cada indivíduo e influências comportamentais em cada
substrato social que confundem as análises possíveis.
O autor cita etnólogos que discorreram a respeito do corpo na sociedade tradicional, a
qual esquece da dicotomia proposta por Corbin. O autor cita uma espécie de ética de respeito
a natureza e aos elementos naturais, uma ética que nasce do campesinato laborioso, que
entende uma aproximação entre o corpo próprio e a ordem cósmica. Para ele, são crenças
arcaicas que “admitem o bom desempenho das funções orgânicas”, como o arroto, o peido,
etc.
No outro lado, há a moral cristã que põe a separação de corpo e alma em evidência,
isto é, o corpo compromete a alma com os instintos e os desejos propriamente humanos. Com
isso, surgem sacrifícios cotidianos com o corpo e com a renúncia a si mesmo, criando uma
mentalidade ascética Até mesmo, segundo Corbin, os discursos acadêmicos atestaram para a
supremacia da alma sobre o corpo, de modo a reprimir o corpo e suas vontades para o bem da
alma, dirigindo-se às mulheres e ao corpo feminino, como se tal corpo fosse modelado pela
alma a um espírito feminino, o qual prepara a maternidade, como vocação metafísica, à
colaboração com a natureza. Entretanto, no século XIX, essa noção de alma como soberana ao
corpo cairá em desuso, fazendo com que haja maior atenção à vida orgânica, à vida social e à
atividade mental. Desse modo, o termo cenestesia é retomado para designar o uma certa
percepção interior do corpo, ou ainda o conjunto das sensações orgânicas que traduz em
instintos. a inconsciência, por sua vez, também será de grande importância para os teóricos do
século XIX, com demasiada importância dos estudos de Freud, o qual centrou a inconsciência
humana dentro da psique humana, e não exterior ao indivíduo. Ainda assim, diz Corbin, havia
a relutância em atribuir situações corporais e emocionais do seres humanos a elementos
exteriores a ele. No século XX, tais preocupações humanos agora se voltam a à vida cotidiana
dos indivíduos, de modo que os problemas de saúde são, neste momento, reflexos de uma
agitada pelo trabalho, pela poluição, por diversos elementos da vida urbana.
A INDIVIDUALIDADE NA HIGIENE (pp. 440-446).
Os anseios do corpo são figurados, agora, e o sujeito, por sua vez, se encontra com o
corpo, de modo a desprezar os elementos orgânicos e instintivos. Nesse mesmo processo, a
individualidade apresenta-se cada vez mais requerida, como em leitos individuais, conforme
exemplificação do autor, que fazem nascer desejos individuais e introspecções com o
indivíduo dentro de si mesmo.
Segue-se o autor com a individualidade típica de finais do século XIX e começo do
século XX, em que a higiene íntima se faz presente na vida privada. Através das novas teorias
de higiene e infecção por diversos meios do corpo, os mecanismo de limpeza e purificação
são intensificados cada vez mais, valorizados pela ideia de influência do físico sobre a moral.
Com isso, os dejetos do corpo são vistos gradualmente como objetos que remetem à morte, ao
pecado, “impulsionando as práticas higiênicas” (CORBIN, 1992, p. 442). Por outro lado,
surgem normas de banho e de limpeza, relacionados à idade, ao sexo, à profissão, etc., de
forma a evitar o prazer consigo mesmo, como a masturbação.
Essas noção de higiene e de limpeza, diz o autor, são aprofundadas de forma lenta em
cada classe social, iniciando-se pela alta burguesia e transpondo-se para as camadas mais
pobres e simples. Nas classes mais pobres, os banhos de rio são, aos poucos, transformados
em banhos por baldes, por torneiras e por “tinas”, formas essas de higiene que são conhecidas
pela população marginal somente após a Primeira Guerra Mundial. Na classe operária, é
motivo de greve a troca de roupa e a luta por uma higiene ampla, de modo que a aplicação de
uma lei de higiene tem obstáculos para a sua concretização. Com isso, a noção de higiene da
burguesia, diz o autor, transformar-se-á numa noção de aparência, em que o tintureiro era
conhecido como “tira-manchas” das roupas já manchadas, desembocando, inclusive, na
atitude de se perfumar com água de colônia.
Segundo o autor, é no século XX que uma certa mudança ameaça a tradição da
higiene, a nova administração pública com a higiene, as duchas nos esportes, a utilização de
hotéis turísticos e de bordéis de luxo fazem difundir a bacia e o jarro d’água. Nos anos 50, no
entanto, a banalização das duchas e dos banheiros ocorre, de modo a aprofundar a “revolução
higiênica”.