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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE METODOLOGIA DO ENSINO

CADERNOS DO II SEMINÁRIO SOBRE ESTÁGIOS CURRICULARES


SUPERVISIONADOS : “ENFRENTANDO DESAFIOS FORMATIVOS”

2005

TEXTOS

Santa Maria, junho 2005


LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Presidente da República

TARSO GENRO
Ministro da Educação

PAULO JORGE SARKIS


Reitor da UFSM

JORGE LUIZ DA CUNHA


Diretor do Centro de Educação
Organizadores:
Deisi Sangoi Freitas; Estela Maris Giordani; Guilherme Carlos Corrêa e Marta Barichello

TEXTOS DO II SEMINÁRIO SOBRE ESTÁGIOS CURRICULARES


SUPERVISIONADOS “ENFRENTANDO DESAFIOS” DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DE SANTA MARIA

Santa Maria
2005
Capa:

Gilce Maria Fenner de Souza


baseada em obra de Juliane Fugarti

Editoração:

Gilce Maria Fenner de Souza

APOIO:

Universidade Federal de Santa Maria


Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE

PROMOÇÃO:

Departamento de Metodologia do Ensino - MEN / CE / UFSM


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................................ 7

ESTÁGIOS CURRICULARES SUPERVISIONADOS NOS CURSOS DE LICENCIATU-


RA: UMA REFLEXÃO .....................................................................................................11
Deisi Sangoi Freitas¹; Estela Maris Giordani²; Guilherme Carlos Corrêa³ e Marta Barichello

ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO: CONCEPÇÕES DE SUPERVISÃO ... 17


Hamilton de Godoy Wielewicki
Contextualização ...................................................................................................... 17
Aparato legal e Prática de Ensino ............................................................................ 18
Estágio Curricular Supervisionado ......................................................................... 19
Algumas concepções sobre supervisão ................................................................ 20
Pensando uma agenda aglutinadora ...................................................................... 22

A QUESTÃO CURRICULAR: DESAFIOS E INTERMEDIAÇÕES................................. 25


Roberto Luiz Machado1 ............................................................................................................................... 25
Introdução ................................................................................................................. 25
A questão curricular: tecendo os fios teóricos de referência ............................... 25

ENCONTROS, CURRÍCULO E ITINERÁRIOS DE FORMAÇÃO-DESFIGURAÇÃO .... 36


Prof. Antonio Carlos Rodrigues de Amorim1 ................................................................................................. 36
Currículos e Singularidades..................................................................................... 37
Princípios? ................................................................................................................ 38

QUANDO O CURRÍCULO NÃO EXISTE... ..................................................................... 42


APRESENTAÇÃO

Com o intuito de socializar o trabalho dos supervisores/orientadores de estágio do Departamento de


Metodologia de Ensino(MEN) da UFSM e de perceber nossas afinidades e nossas diferenças, realizamos em
dezembro de 2004, o “I Seminário de Estágios Curriculares Supervisionados das Licenciaturas do MEN”. Nesse
primeiro seminário estávamos iniciando um longo percurso de trabalho dentro da Instituição no sentido de
enfrentarmos os desafios emergentes sobre a formação de educadores uma vez que, nossas concepções e
práticas a respeito dos estágios se mostraram polissêmicas, indicando múltiplas possibilidades de trabalho nos
cursos de licenciatura existentes. Questões como a concepção de supervisor/orientador, tutoria, práticas
educativas, relação escola-universidade, entre outras, necessitam ainda de maiores aprofundamentos, visto que
afetam diretamente nossas ações na formação de professores.
Instituiu-se então, por meio da Portaria nº 11/2005-CE, de 24 de março de 2005, a “Comissão de
Estudos Sobre Estágios Curriculares Supervisionados do MEN”. Esta comissão vem sistematizando informações
sobre as diferentes práticas de estágios nos cursos de licenciatura, realizando sessões de estudo e coordenando
a organização de eventos e publicações a fim de subsidiar ações educativas dos supervisores/orientadores do
departamento e dos cursos de licenciatura. Nesta mesma perspectiva foi proposto o “II Seminário sobre
Estágios Curriculares Supervisionados dos cursos de licenciatura Enfrentando Desafios Formativos”.
Este seminário acontece num período em que vivenciamos a definição e a implementação de novas
políticas de formação de professores no País, por meio das reestruturações curriculares dos cursos de Licenciatura
e da reelaboração de seus projetos políticos pedagógicos, nos quais se fez necessário contemplar a
obrigatoriedade das quatrocentas horas de estágio em instituições escolares, segundo as determinações das
Resoluções 1 e 2 do Conselho Nacional de Educação aprovadas em 18 de fevereiro de 2002.
Qualquer movimento em torno dessas reestruturações e reelaborações permite perceber, em seu
conjunto, a intrincada rede de relações que toma lugar em um curso de licenciatura. No caso dos estágios,
curriculares supervisionados, o ingresso dos estagiários nas instituições campos de estágios, em sua grande
maioria escolas públicas, mobiliza professores das licenciaturas na universidade, professores tutores,

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coordenadores de estágios das escolas e o corpo discente. Além disso, são envolvidas as instâncias burocráticas
dessas instituições bem como das secretarias estadual e municipal de educação e, finalmente, as comunidades
que abrigam as escolas. Esta rede local afeta e é afetada ainda pelos grupos de assessoria do Ministério da
Educação com suas contribuições para a formulação de leis, e pelas pesquisas em educação provenientes dos
cursos de pós-graduação e seus grupos de pesquisa.
Todo esse campo de relações envolvendo a educação escolar no Brasil está condicionado a hábitos
educacionais historicamente firmados, lembremos, entre tantas outras coisas, dos vinte anos de regime ditatorial
no País e das forças geradas pelos interesses do capitalismo mundial, bem como, das perspectivas sociais
desse início de século, marcadas pelo poder pedagógico da televisão e pela virada tecnológica representada
pelos computadores e pela rede eletrônica de informações.
A partir desse quadro podemos ter uma idéia do campo de forças em que se dá qualquer intervenção
nos atuais cursos de formação de professores. A universidade como locus desses cursos e também das pesquisas
em educação, tem o compromisso social de promover tanto o debate público dessas questões quanto de propor
espaços para a experimentação constante no sentido de ampliar as possibilidades e as perspectivas da formação
de educadores. Isso implica um cultivo, atento e interessado, da maior diversidade possível de estratégias
educacionais e de modos de perceber e fazer a formação dos novos profissionais professores.
O “II Seminário de Estágios Curriculares Supervisionados das Licenciaturas” procura refletir sobre
antigas questões a partir de novas problematizações, entendendo que as temáticas propostas são de interesse
do Centro de Educação como um todo, bem como das escolas e da sociedade em geral.
Neste contexto, o seminário busca ampliar o debate acerca: 1) dos Estágios Curriculares Supervisionados
nas Licenciaturas a fim de enfrentarmos os desafios formativos que encontramos no cotidiano de sua realização;
2) da compreensão do currículo nas licenciaturas em suas diferentes perspectivas e abordagens (currículo da
Formação Inicial, currículo escolar, currículo na concepção dos Professores e dos Formadores de Professores);
3)das articulações realizadas pelo grupo interministerial (Min. da Previdência e Assis. Social – MPS; Min. do
Trab. e Emprego – TEM; Min. da Educação - MEC; Instituto Nacional do Seguro Social – INSS) sobre o
pagamento de seguro obrigatório para os alunos estagiários e a concessão de bolsas aos mesmos.

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Seguindo essas linhas, os textos reunidos neste caderno compõem um quadro de distintas perspectivas
sobre os estágios curriculares supervisionados nos cursos de licenciatura. É um passo inicial, mas decisivo, no
sentido de tornar públicos resultados de pesquisas e de enriquecer o debate no campo da formação de professores.

Comissão de Estudos sobre Estágios Curriculares Supervisionados do MEN


Junho de 2005

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ESTÁGIOS CURRICULARES SUPERVISIONADOS NOS CURSOS
DE LICENCIATURA: UMA REFLEXÃO

Deisi Sangoi Freitas¹; Estela Maris Giordani²; Guilherme Carlos Corrêa³ e Marta Barichello

Acompanhamos nestes anos subseqüentes à promulgação da LDB (Lei 9394 de dezembro de 1996)
uma redefinição das diretrizes nacionais relativas ao campo de formação de professores e, em especial, dos
tempos de permanência dos alunos estagiários na escola, durante seu período de estágio curricular supervisionado
(ECS). As Resoluções que instituíram as 400 horas de estágio supervisionado para os cursos de licenciatura
nos colocaram frente a questões que há tempos vínhamos protelando enfrentar. Entre elas, a questão crucial
presente em nossos discursos, enquanto formadores de professores, da necessidade da vivência prática desde
o início dos cursos, propiciando a articulação entre teoria e prática e rompendo com a estrutura curricular na
qual se aprende primeiro a teoria e no final do curso se realiza uma vivência prática de umas poucas horas na
escola que, em tese, formariam o profissional da educação. O que fazer agora num contexto que, a princípio,
coloca na prática uma ênfase tão grande? Como administrar o trânsito de alunos nas escolas durante esse
tempo sem que isso signifique uma “invasão” das salas de aula? Ou ainda, que se transforme em uma justificativa
para a não contratação de professores já formados?
Buscando responder algumas dessas questões, realizamos um mapeamento inicial dos diferentes
cursos de licenciatura da UFSM, investigando o modo como estão procurando resolver as exigências legais que
se colocam em pauta para que, a partir do conhecimento da nossa realidade, possamos buscar alternativas de
ações coletivas interdisciplinares. Os dados aos quais nos reportaremos foram obtidos a partir de questionários
entregues aos professores supervisores de estágio dos diferentes cursos de licenciatura da UFSM e por meio
dos projetos político-pedagógicos (PPPs) arquivados na Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD).
Foi possível perceber a existência de diferentes interpretações relativas às 400 horas de práticas de
ensino e às 400 horas de Estágio Curricular Supervisionado a serem cumpridas junto às instituições escolares
e que precisam estar incluídas na matriz curricular dos cursos de formação de professores como componentes

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curriculares obrigatórios. Isto representou na Universidade Federal de Santa Maria, e certamente nas outras
instituições também, um movimento de retomada dos projetos político pedagógicos (PPPs) destes cursos de
forma a acomodar, incluir, e/ou criar espaços disciplinares nos quais estas 800 horas para a formação específica
do professor, pudessem ser contempladas.
Modificar um PPP pode ser um momento muito rico de reflexões, discussões e mesmo de embates
entre os interessados/envolvidos com as licenciaturas; leia-se: docentes, discentes, funcionários e comunidade.
Isto é, o envolvimento com a elaboração/modificação do PPP pode ser um processo formativo de grande
importância dessa interação. A criação desses momentos de interação/reflexão para uma construção mais
coletiva do PPP dos cursos e da própria Universidade, seria um grande investimento pedagógico, no qual todos
sairíamos certamente ganhando. Acreditamos que as dificuldades de encaminhamento e de experiências em
processos desta natureza não podem mais ser a justificativa para que as ações sejam realizadas apenas por
alguns, em detrimento de decisões mais coletivas. Precisamos nos comprometer, todos, para operar as mudanças
desejadas.
Um conjunto diverso de fatores, dentre os quais os prazos a cumprir e os diferentes níveis de
comprometimento com que, em geral, vivemos esta oportunidade, não ajudaram a promover os debates
necessários nas diferentes licenciaturas, muito menos entre esses cursos e o restante da sociedade para
tomada de decisões mais comprometidas com o processo de formação de professores.
Salvo raras exceções, quem trabalha com as licenciaturas , não se sente um formador de professores,
não se envolveu nas discussões, e o movimento que se vê ao analisarmos os novos PPPs dos cursos, é de uma
“incorporação” das práticas de ensino nas disciplinas das áreas específicas como parte de sua carga horária.
Raramente, nesses PPPs das licenciaturas da UFSM, encontramos novas disciplinas para dar conta dessa
formação específica. Como isto será realizado, não está discriminado e muito menos de que forma estas horas
destinadas à formação do profissional professor dialogam e/ou estam articuladas com as demais disciplinas, de
forma que não ocorram superposições desnecessárias e ausências importantes. Como contribuir, como prevê a
lei, com a formação de um professor melhor preparado para enfrentar os desafios que encontrará nas instituições
escolares? Como pensar a docência para realizar essa tarefa?

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Importante registrar que esta percepção da complexidade do que ocorre em aula e das demandas de
habilidades e competências necessárias para que o professor dê conta da tarefa de criar um ambiente de
aprendizagem para os estudantes é recente na própria área educacional, necessitando de investimento em
pesquisas.
Voltando à questão do ECS nos cursos de licenciatura, a impressão que tínhamos, durante a análise
dos documentos reunidos pela comissão, era de que os processos, dificuldades e estratégias no fazer do
supervisor/orientador eram considerados por todos os envolvidos, como estando perfeitamente conhecidos e
dominados. Quando alguma coisa saía errada, isto seria creditado à incompetência ou falta de algum dos
envolvidos. Essa impressão se revelou, no mínimo, equivocada quando começamos a investigar esse campo
imenso que constitui o campo de estágio nos cursos da Universidade Federal de Santa Maria.
A orientação e a supervisão de estágios curriculares obrigatórios, nos cursos de formação inicial de
professores, apresenta muitas possibilidades de abordagens, com ênfases distintas nos aspectos orientação e
supervisão. No imaginário social dos brasileiros, ainda é muito forte a idéia de supervisão/orientação como
“inspeção/fiscalização”, talvez como resquício dos governos autoritários da ditadura militar, que se distancia
das concepções de estágio como construção coletiva e de campo investigativo das práticas escolares e da
própria prática do profissional professor.
Por outro lado, percebemos a necessidade de refletir sobre a especificidade do trabalho dos docentes
responsáveis pela supervisão/orientação de estágios no que diz respeito a: orientação individual e/ou coletiva
dos alunos; visitas às escolas; número de escolas envolvidas com o estágio; número de alunos em estágio;
expectativa das escolas com relação à supervisão de estágios; envolvimento da supervisão com a estrutura
pedagógica e administrativa das escolas em que os estagiários atuam e o papel dos professores-tutores.
Os dados obtidos com os questionários permitiram ainda listar um conjunto de aspectos a serem
considerados na estruturação dos estágios supervisionados dos cursos de licenciatura: (a) inserção do estagiário
na comunidade escolar; (b) observações na escola; (c) elaboração de planejamento didático e produção de
materiais didáticos; (d) reuniões pedagógicas na escola; (e) reuniões de orientação coletivas e/ou individuais
com o professor orientador/supervisor de estágio; (f) regência de classe; (g) atividades extraclasse relacionadas

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à vida escolar; (h) produção do relatório e (i) avaliação das atividades de estágio. Esse conjunto de aspectos
sugere a complexidade da ação do professor supervisor e do aluno em estágio e sinaliza a ausência de uma
perspectiva educacional possível fora dos ambientes escolares e acadêmicos nos reportam à pouca flexiblidade
quanto aos contextos (ou talvez formas) para o estágio ocorrer.
Muito são os desafios que emergem da situação atual, em função da complexidade desse trabalho
que envolve entre outros fatores: número excessivo de estagiários por professor orientador; a ampliação da
carga horária de estágio; o aumento do número de estagiários em função da maior procura pelos cursos de
licenciatura a redução de oportunidades de estágio em função das regras recentemente estabelecidas pelos
sistemas de ensino municipal e estadual o que determina um grande aumento no número de escolas com as
quais o orientador/supervisor precisa interagir e em diferentes turnos; dificuldade de deslocamento para as
visitas em virtude do grande número de alunos (para exemplificar, cada professor do MEN tem em média 21
alunos em estágio, número que, no processo de incorporação das 400h de estágio, irá duplicar nos próximos
semestres); das distâncias percorridas e dos horários; o não recebimento de auxílio-deslocamento para as
visitas aos locais de estágio; e a falta de verbas específicas para a produção de materiais para a prática
pedagógica dos estágios.
Como se pode ver, esse é um campo que tende a ser caracterizado pelo confronto, já que coexistem
aí as diferentes representações e expectativas dos professores em formação, das escolas (professores tutores,
supervisão e coordenação, direção, paise alunos), do curso (coordenação e outros professores dos cursos de
licenciatura) e dos professores supervisores/orientadores.
Quais seriam os objetivos da supervisão/orientação para nós professores das IES, responsáveis pela
supervisão/orientação de estágio dos acadêmicos dos cursos de Licenciatura da UFSM? Dentre alguns objetivos
possíveis, cabe elencar, por exemplo: Propiciar reflexões sobre a prática docente; compartilhar com os acadêmicos
nossas experiências; problematizar, discutir e buscar soluções conjuntas para as dificuldades encontradas no
estágio, durante os períodos de observação, monitoria e regência; avaliar o acadêmico em estágio ajudando-o a
perceber-se como professor e testemunhar a corporificação do processo de formação inicial desse profissional.
Como buscamos realizar esta tarefa? Através de diferentes tipos de ações: (1) acompanhamento

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individual, no qual são utilizadas diferentes estratégias como, por exemplo, a adoção de diários da prática
pedagógica onde são registradas as reflexões, questões, problemas e planejamentos das atividades a serem
desenvolvidas em aula e que são analisados conjuntamente pelo acadêmico e pelo supervisor/orientador. Estes
planejamentos posteriormente devem ser apresentados ao professor tutor, para possíveis adequações à realidade
da escola; (2) atendimentos coletivos, quando é possível realizar trocas de experiências entre os acadêmicos;
(3) visitas à escola e trocas de correspondência com os professores tutores entre outras.
É certo que não esgotamos o assunto com estas considerações, bem como vislumbramos outros
questionamentos que precisam ser aprofundados: como os demais colegas de outras IES compreendem e
realizam essa tarefa de orientação/supervisão? Como os colegas professores das escolas entendem essa
função? Quais os movimentos institucionais que visam dar suporte aos Estágios Curriculares Supervisionados?
Por fim, é importante destacar a diversidade de concepções sobre orientação/supervisão entre os
professores da UFSM, o que ao invés de ter como marca a falta de certos consensos sobre essas concepções,
expressa as muitas abordagens e olhares sobre os estágios que têm, como premissa, atender as especificidades
de cada curso de licenciatura.

¹ ² ³ Professores Doutores do Departamento de Metodologia do Ensino - UFSM e integrantes da Comissão de Estudos sobre Estágios
Curriculares Supervisionados do MEN.

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ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO: CONCEPÇÕES DE
SUPERVISÃO

Hamilton de Godoy Wielewicki 1


Contextualização

A promulgação da nova Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional2 (LDB) gerou (e continua
gerando) uma série de mudanças e realinhamentos legais, institucionais e talvez até conceituais, que têm
causado impacto na formação de professores, em geral e sobre o entendimento que se tem acerca da prática de
ensino e do estágio curricular, em particular.
O modelo de formação docente a partir do qual a grande maioria dos cursos de licenciatura historicamente
se organizou tinha como premissa a idéia de que às áreas disciplinares objeto da formação recebida competia
ensinar ao futuro professor o máximo possível a respeito dos assuntos relativos ao seu exercício profissional
(por exemplo, matemática, língua estrangeira, ou biologia), enquanto às áreas assim ditas pedagógicas, caberia
se encarregar de desenvolver os conteúdos e saberes pedagógicos que, somados ao apreendido durante o
período inicial de formação, teriam o potencial de converter esse saber disciplinar especializado em um saber
pedagógico especializado a respeito de uma determinada disciplina. Este modelo, popularmente chamado de
“três mais um”, ou seja, três anos de estudo na área de formação, mais um ano de formação pedagógica, não
fazia mais do que replicar um modelo formativo no qual se caminha unidirecionalmente da teoria para a prática
e que, além disso, também parece dar base para “espaços desiguais de poder na estrutura curricular, atribuindo-
se menor importância à carga horária denominada “prática” ”, conforme postulado por Pimenta & Lima (Pimenta
& Lima, 2004: 34).
Nesse particular, a própria LDB e o aparato legal produzido a partir dela, incorporam explicitamente
críticas à formação docente no Brasil e tratam de dar provimento a algumas mudanças significativas nesse
cenário. Sinteticamente, as diretrizes curriculares produzidas a partir do Edital 04/97 do MEC, sejam elas para
as áreas específicas ou aquelas válidas para a formação de professores, de uma forma geral apontam para um
perfil formativo cuja relação entre teoria e prática não é mais de preponderância daquela sobre esta, mas de

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simbiose entre ambas. Na medida em que ambas são vistas como indissociáveis, uma conseqüência imediata
no processo de reformulação curricular que se espalha pelo país é o incremento dos tempos para as práticas de
ensino, em geral, e no tocante à carga horária de estágio curricular supervisionado (ECS), mais especificamente.
Isto implica que a formação docente, inclusive (e talvez principalmente) no que tem de prática, passa a estender
durante todo o período do curso e não mais de forma concentrada ao final do curso3 .
A mudança de postura em relação à prática de ensino e o incremento nos tempos destinados ao
estágio curricular supervisionado, por sua vez, acabam funcionando como elementos que acentuam a falta de
consenso, e que ajudam a acrescentar complexidade a uma questão cujo trato está longe de ser simples e que
é, por muitas razões, repleto de pontos controversos.
Uma das razões para o surgimento de pontos controversos pode ser, em primeiro lugar, a grande
diversidade de contextos e entendimentos das licenciaturas a respeito das próprias licenciaturas e sobre o que
se entende por formação de professores o que, por sua vez, permite supor a existência de uma multiplicidade de
interpretações a respeito do papel e da forma das práticas de ensino e do estágio supervisionado nos diferentes
currículos e talvez até mesmo um questionamento quanto a quem efetivamente competiria planejar, implementar
ou até mesmo supervisionar as práticas de ensino e o estágio.
Assim sendo, o principal objetivo deste artigo é tentar construir, a partir desta trama altamente complexa
de fatores envolvidos nas diferentes licenciaturas, um caminho de aproximação e entendimento que possa
apontar para a constituição de uma agenda mínima que possa ajudar a definir alguns parâmetros sobre o estágio
curricular supervisionado (ECS), especialmente em relação ao trabalho de acompanhamento a que todo professor
em formação precisa ter acesso, ou seja, a supervisão.

Aparato legal e Prática de Ensino

Em relação ao entendimento que se tem do Estágio Curricular Supervisionado (ECS), talvez seja
sensato iniciar esta discussão invocando o conceito de prática, partindo da premissa de que as práticas de
ensino servem, de acordo com Xavier e Gil (2004: 155), “como instrumento de integração do aluno com a
realidade social, econômica e o trabalho na sua área/curso”, “como instrumento de iniciação à pesquisa

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educacional e ao ensino” e “como instrumento de iniciação profissional”. Isso significa, portanto, que, nos
termos da legislação, inclusive, a prática não possa, na matriz curricular, “ficar reduzida a um espaço isolado,
que a restrinja ao estágio”, devendo “estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do
professor” e tendo como locus o interior das áreas ou das disciplinas que constituírem os componentes curriculares
de formação, e não apenas nas disciplinas pedagógicas. Isso implica, portanto, que o exercício de diálogo e de
construção de referenciais entre as instituições formadoras – universidade e escola – é responsabilidade de
todos os sujeitos envolvidos com o projeto formativo e deve ser marca singular e constitutiva de todo e qualquer
curso de licenciatura. A distância entre tal postulado e o que de fato se desenvolve no interior das licenciaturas,
no entanto, é uma questão que está, pelo menos nesse momento, para além do escopo deste artigo, mas que
também merece uma análise meticulosa.
Por enquanto vou me ater à análise do componente curricular denominado estágio, buscando explicitar
possíveis sentidos para o termo ‘supervisionado’ e verificando em que medida as variações semânticas sobre o
termo podem impactar a compreensão que se tem sobre a tarefa de supervisão.

Estágio Curricular Supervisionado

Uma das premissas concernentes ao estágio curricular supervisionado é que ele pode ser visto como
um movimento formativo, um continuum ou caminhada que vai do contato inicial com os contextos educativos
até o exercício reflexivo da docência. Ao longo desta caminhada é natural se esperar um movimento em direção
a uma crescente autonomia do professor em formação, um movimento que é sensível, por exemplo, à forma de
interação entre os sujeitos envolvidos – geralmente, o professor orientador da universidade, o professor tutor da
escola e o professor em formação – e também às crenças que estes sujeitos têm sobre ensinar e aprender.
Uma outra característica do estágio é que, enquanto movimento formativo, ele aponta para um perfil e
para um contexto que, de muitas formas, é distinto da universidade, ou seja, o professor em formação é, em
última análise, um aluno que está se ‘formando’ professor e as competências que ela espera reunir se formam,
em grande parte, neste processo de interação entre a universidade e a escola, mas precisam ser
operacionalizáveis para que ele seja capaz de continuar se movimentando e se formando continuamente na

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escola. Dito de outra forma, o ‘modelo’ ou ‘objetivo’ formativo tende a ser aquele que se constrói a partir da
relação com a escola, na escola e pela escola. Assim, parece ser razoável postular que o papel do orientador
ou supervisor de estágio não é ‘controlar’, mas sim co-orientar, juntamente com o professor da escola, o projeto
de estágio do professor em formação.
Se isso for verdadeiro, o modelo de acompanhamento do aluno precisa ser pautado nas situações, nos
potenciais e nos desafios da escola e, exatamente por essa razão, não pode prescindir do olhar que vem da
escola. É nessa interação que a relação entre teoria e prática se fortalece pelo esforço deliberado de reflexão a
partir do contexto efetivo de atuação e é nessa perspectiva que se pode argumentar que, segundo Pimenta &
Lima, “a pesquisa no estágio é uma estratégia, um método, uma possibilidade de formação do estagiário como
futuro professor” (op. cit.: 46). Mais do que isso, entretanto, “ela pode ser também uma possibilidade de formação
e de desenvolvimento dos professores da escola na relação com os estagiários”, permitindo pensar, de um modo
mais harmonioso, os processos de formação inicial e de formação continuada.
Para que essa relação se construa de forma mais harmônica, no entanto, é preciso distanciar-se, na
linha proposta por Pimenta e Lima (op. cit.: 115), da “forte conotação negativa de que se reveste o termo
supervisão, herdado da pedagogia tecnicista, que reforçou, inclusive, o estágio como componente “prático” e
isolado das disciplinas “teóricas” dos currículos” e apostar numa ressignificação não só do termo, mas das
possibilidades formativas dadas a partir do estágio curricular.

Algumas concepções sobre supervisão

Assim, quando tratamos de supervisão, portanto, podemos estar, na verdade, lidando com uma variedade
de perspectivas que estão relacionadas tanto a questões da práxis pedagógica do profissional que orienta e
supervisiona, quanto à própria visão do que se constitui em supervisão. Uma discussão interessante a respeito
de supervisão é feita por Gebhard (1990), que caracteriza a atividade de supervisão4 a partir de seis modelos: a
diretiva, mais tradicional e cinco outras, alternativa, colaborativa, não-diretiva, criativa e explorativa de auto-
ajuda, que representam alternativas para “a descrição de formas que podemos usar para definir o papel do
supervisor e da supervisão”5 .

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No primeiro modelo caracterizado por Gebhard, o papel do supervisor é dirigir e informar o professor,
modelar comportamentos de ensino e avaliar o desempenho do professor em relação aos comportamentos
definidos como modelares ou representativos de um bom ensino. Exatamente por ser uma abordagem mais
tradicional e, porque não dizer, autoritária, ela sofre de pelo menos três problemas. Em primeiro lugar: como
definir o que configura “bom” ensino. Em segundo lugar, esta perspectiva gera uma defensividade e uma auto-
estima abalada por parte dos orientandos, uma vez que este modelo não tem a autonomia como um pressuposto,
delegando ao professor em formação a responsabilidade de ‘cumprir’ o que ‘deve’ ser feito. Por fim, o terceiro
grande problema é definir responsabilidades por aquilo que acontece na sala de aula, uma vez que as ações do
professor em formação podem ser vistas como cumprimento das instruções do supervisor.
Fica evidenciado que tipo de supervisão colide com um movimento em direção à autonomia do professor
(seja ele em formação inicial ou continuada) e coloca o supervisor numa posição de fiscal, de alguém que impõe
modelos a serem seguidos. Pode ser, portanto, não apenas tradicional, mas também retrógrado e autoritário.
A segunda forma de supervisão, chamada por Gebhard de alternativa, reserva ao supervisor o papel de
sugerir uma variedade de alternativas em relação àquilo que se faz na sala de aula. Parte-se do princípio que o
propósito é ampliar o leque de opções para o professor e de que a supervisão não deve ser (pré)conceituosa.
Pode ser entendida, portanto, como bem intencionada, mas carente também de um movimento em direção à
autonomia e a uma prática reflexiva.
Para a supervisão colaborativa, o terceiro modelo descrito por Gebhard, o papel do supervisor é trabalhar
com os professores, mas não dirigi-los, participando ativamente em quais decisões podem ser tomadas e
tentando estabelecer uma relação de compartilhamento. Um problema que se coloca aí é aprender a lidar com
a assimetria na relação entre professor e aluno.
Para a abordagem não-diretiva, o papel do supervisor é ajudar ao professor a chegar a um entendimento
daquilo que faz, especialmente através de seu (re)conhecimento daquilo que faz, ou seja, o papel do supervisor
seria ajudar o professor em formação a se enxergar como professor e a entender a natureza e o alcance de suas
ações.
O quinto modelo de supervisão, a criativa, o papel do supervisor é ajudar ao professor a entender que

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aquilo que se faz é apenas uma das muitas maneiras de se fazer algo, encorajando a liberdade e a criatividade
de pelo menos três formas: promovendo uma combinação de modelos, transferindo responsabilidades de
supervisão a outras fontes, e buscando insights de outros campos que não são encontrados em quaisquer dos
modelos descritos por Gebhard.
O último modelo apresentado por Gebhart (op.cit.), a supervisão explorativa de auto-ajuda, é uma
espécie de extensão da supervisão criativa, em que o supervisor não é visto como um ‘ajudante’, mas como
apenas mais um professor, talvez mais experiente, interessado em aprender sobre seu próprio ensinar que
busca convencer os demais professores a fazerem o mesmo.
Ao tratar destas visões e formas de supervisão o objetivo é buscar mostrar a diversidade de entendimentos
possíveis (embora nem sempre desejáveis) sobre a tarefa de supervisão. O argumento, por extensão, é de que
exatamente por conta desta diversidade de concepções talvez seja necessário buscar construir referenciais
marcados pela pluralidade e, dentro desta pluralidade, problematizar aquilo que possa ajudar a constituir uma
agenda comum ou, ao menos, aglutinadora.

Pensando uma agenda aglutinadora

Para começar, talvez seja sensato reforçar que o acompanhamento do professor em formação é
dever de todos os parceiros, não para o mero exercício do controle sobre as atividades, mas pelo apoio que o
desenvolvimento de tais atividades possa exigir de todos os envolvidos. Trata-se, portanto, de uma visão solidária
(em contraposição a uma prática de cunho autoritário) de acompanhamento.
Além disso, cabe reiterar que o estágio deve ser um espaço de vivência e investigação e não de
experimentação e aplicação de modelos. Os movimentos recentes de pesquisa (por exemplo, Libâneo, Oliveira,
& Toschi, 2003; Pimenta & Lima, 2004; Telles, 2002, 2004) têm evidenciado que tanto os professores como as
comunidades escolares não precisam de alguém para pensar por elas, mas sim com elas o fazer pedagógico e
a ação docente.
Nessa perspectiva de vivência e investigação, é preciso pensar o estágio a partir dos projetos
formativos das instituições e contextos envolvidos, Isso implica um movimento de aproximação das áreas na

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escola, mas sobretudo na universidade. Se, por um lado, é óbvio que isso se faz por vontade e decisão dos
sujeitos, por outro lado, não custa lembrar que isso também se faz pela busca de elementos identitários entre
os projetos formativos. Assim, ao invés de apontar o que diferencia uma licenciatura das demais, talvez seja
mais sensato e proveitoso tentar ver o que as aproxima e permite distingui-las singularmente como projetos de
formação docente. Há que se ter presente, no entanto, que essa discussão tende a ser difícil e muito
freqüentemente marcada por conflitos de visão sobre o que significa formar professores.
Contribuindo para tornar o quadro mais complexo, é necessário ter em mente que o estágio é
desenvolvido marcantemente fora dos muros das universidades e, para tanto, é preciso que se busquem condições
adequadas para o acompanhamento e desenvolvimento de tais atividades. Isso compreende desde o provimento
da infra-estrutura básica (como, por exemplo, seguro, ajuda de custo, dentre outras) até a articulação dos
componentes curriculares para garantir, por exemplo, que o estágio não funcione (na prática) como um apêndice
ao currículo, mas sim como uma expressão inequívoca de seu compromisso com a formação docente. Isso
envolve tanto o nível de organização pedagógica do currículo, quanto o nível de organização administrativa
(contemplando, entre outras questões, a organização de matrículas e horários, a sensibilidade da organização
administrativa das universidades aos contornos da organização efetiva das escolas e uma consideração mais
efetiva dos profissionais envolvidos com estágio na formulação de normas e na construção de referenciais sobre
estágio).
Sobre a participação dos professores supervisores nos processos decisórios relativos aos estágios,
não são incomuns situações de embate e de desconsideração do estágio como nicho epistemológico componente
do currículo, um embate que muitas vezes se sustenta no terreno (freqüentemente caudaloso) da dicotomia
entre teoria e prática. Como se pode perceber, não se trata de tarefa simples nem tampouco prescindível do
compromisso e do comprometimento de todos na construção de projetos político-pedagógicos sintonizados
com as grandes questões da formação de professores.
Por fim, embora se possa pensar numa pauta extensa, acredito ser fundamental delimitar a discussão
neste momento às questões mais prementes e que, portanto, exigem de nós maior agilidade e empenho.
Também creio ser importante um engajamento não dogmático neste processo, buscando, conforme procurei

23
argumentar ao longo deste trabalho, construir entendimentos e aproximações. É isso que talvez se espera de
nós. É isso que talvez possamos e devemos fazer.

Referências Bibliográficas

GEBHARD, J. G. (1990). Models of supervision: choices. In D. Nunan (Ed.), Second Language Teacher Education
(pp. 156-166). Cambridge: Cambridge University Press.
LIBÂNEO, J. C., Oliveira, J. F., & Toschi, M. S. (2003). Educação Escolar: políticas, estrutura e organização.
São Paulo, SP: Cortez.
PIMENTA, S. G., & Lima, M. S. L. (2004). Estágio e Docência. São Paulo: Cortez.
TELLES, J. A. (2002). A trajetória narrativa: histórias sobre a prática pedagógica e a formação do professor de
línguas. In T. Gimenez(Ed.),Trajetórias na formação de professores de línguas (pp. 15-38).Londrina, Pr:Ed. UEL.
TELLES, J. A. (2004). Modos de representação: O espetáculo teatral como dispositivo de reflexão e representação
do desenvolvimento do professor. In M. H. V. Abrahão (Ed.), Prática de Ensino de Língua Estrangeira: experiências
e reflexões (pp. 61-105). Campinas, SP: Pontes Editores, ArteLíngua.
XAVIER, R. P., & Gil, G. (2004). As Práticas no curso de Licenciatura em Letras-Inglês da Universidade Federal
de Santa Catarina. In M. H. V. Abrahão (Ed.), Prática de Ensino de Língua Estrangeira: Reflexões e Experiências
(pp. 153-169). Campinas, SP: Pontes Editores, ArteLíngua.

1
Professor Assistente da área de Didática e Prática de Ensino de Língua Inglesa do Departamento de Metodologia do Ensino (MEN) do
Centro de Educação (CE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Endereço para contato: hgw@smail.ufsm.br.
2
Lei 9394/96, de 20 de dezembro de 1996.
3
Conforme preconizado, por exemplo, no artigo 12 da Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002.
4
Embora Gebhard refira-se centralmente à supervisão escolar, entendo que a discussão pode ser estendida para as situações de
estágio curricular.
5
Original em inglês. Todas as versões em português são de minha responsabilidade.

24
A QUESTÃO CURRICULAR: DESAFIOS E INTERMEDIAÇÕES

Roberto Luiz Machado1


Introdução

A educação, como um todo, está sendo questionada, avaliada, criticada e, sobretudo, induzida a
estabelecer uma política adequada aos novos imperativos sociais. Inúmeros debates vêm sendo realizados no
sentido de avaliar o modo como as instituições de ensino vêm efetivando suas práticas.
Discutir as razões políticas e econômicas dessa circunstância se constitui num razoável campo de
pesquisa, levando em conta o excesso discursivo existente nessa linha de pensamento. No entanto, minha
preocupação, nesse momento, é tentar estabelecer um diálogo com esses novos imperativos sociais, tomando
a questão curricular como via possível desse diálogo, para não cair nas malhas da razão indolente que segundo
Santos (2000:42) se caracteriza pelo desistir de pensar perante a necessidade.
Assim, nesse texto, pretendo abordar a questão curricular, trazendo para a discussão um entendimento
dessa questão, principalmente no que se refere sua interligação com a questão social.

A questão curricular: tecendo os fios teóricos de referência

Buscar um entendimento teórico para a questão curricular, em primeiro lugar, requer de nossa postura
uma atitude de rejeição ao consenso em que tal questão normalmente se estabelece. A representação que se
tem dessa questão, em circunstâncias mais práticas, é que sua discussão não ultrapassa os limites de sua
estrutura técnica, priorizando um discurso hegemônico de que currículo se estabelece a partir de um movimento
apenas estrutural, priorizando tão somente a questão disciplinar que o constitui.
Quando me proponho a refletir sobre a questão curricular, estou optando em primeiro lugar, por uma
postura mais crítica de análise que leva em consideração dois pontos importantes: o primeiro é que para adquirir
um discernimento e uma compreensão de uma atividade desenvolvida por seres humanos é preciso que se parta
do questionamento daquilo que nos é inquestionável. No caso da questão curricular, questiono a maneira hermética

25
de sua construção e, sobretudo, a concepção fechada de currículo que centraliza suas preocupações somente
em sua dimensão racional.
O segundo ponto diz respeito à ausência de uma visão relacional no contexto educacional para o
tratamento de seus dilemas. Em Apple (1982:22) a idéia de “análise relacional” implica na não satisfação em ver
a atividade em suas qualidades imediatas evidentes, mas considerá-la por meio de seus vínculos e ligações
mais complexas com outras categorias e outros espaços. Nesse mesmo ponto de vista, Sacristán (1998:21) ao
se referir ao currículo afirma que “o currículo modela-se dentro de um sistema escolar concreto, dirige-se a
determinados professores e alunos, serve-se de determinados meios, cristaliza-se, enfim, num contexto, que é
o que acaba por lhe dar o significado real. Daí que a única teoria possível que possa dar conta desses processos
tenha de ser do tipo crítico, pondo em evidência as realidades que o condicionam”.
Nessa perspectiva, estou considerando a não neutralidade da ação educativa com vistas a outras
realidades condicionantes, e mais enfaticamente, reafirmando a idéia de que o currículo se constrói a partir do
conflito entre interesses de uma sociedade e os valores dominantes que regem os processos formativos. Desse
modo, entender e/ou apontar caminhos para uma reorientação curricular, depende de uma postura que não se
estabelece no senso comum ou na “naturalização” do estipulado, mas no desvelamento das tensões e dos
conflitos que perpassam tal temática.
Para tanto, estou alinhado de forma muito direta a uma concepção curricular afastada da concepção
tradicional de educação que vê os locais de escolaridade como simples locais de instrução. Estou optando, sim,
por uma concepção crítica de educação que aponta para a escolaridade como locais culturais e políticos e como
tal representada por uma arena de contestação e de lutas entre grupos culturais e econômicos e, sobretudo,
constituída de diferentes graus de poder.
Nesse sentido, percebo o local da escolaridade longe de ser um local harmonioso, em que as intenções
educativas são praticadas na neutralidade. Numa postura crítica, a educação implica num ato político consciente
ou não, que se relaciona estreitamente com a estrutura mais ampla da sociedade, com a ação dos próprios
sujeitos que dela participam, bem como do tipo de organização que a alicerça.
Com isso estou querendo dizer que para entendermos o currículo de forma mais abrangente, ampliando

26
a noção racionalizada e tecnocrata que o constitui, é preciso entendê-lo numa perspectiva menos naturalizante,
recorrendo aos fatos menos visíveis para o esclarecimento de certas questões que o alicerçam.
Até os anos 60, a discussão sobre a questão curricular não ultrapassava os estudos de seus
componentes técnicos, caracterizando tais análises como sendo não-críticas, pois estas não levavam em conta
o contexto social onde os currículos se inseriam. No entanto, um movimento iniciado na Grã-Bretanha a partir
dessa década dá início a uma reflexão sobre essa questão levando em conta a sua estreita ligação com o
contexto social.
Passa-se, então, a considerar o currículo como sendo um artefato social e histórico que carrega em si
expressões de crenças, de ideologias, de conflitos simbólicos, de ocultamentos, segundo os interesses e os
jogos de força daqueles que nele estão envolvidos. Ou seja, subjacente a tão “inocente estrutura curricular”,
sobretudo, no que se refere aos conteúdos e a sua configuração, o currículo, segundo Berticelli (1998:168), é um
dos lugares em que se concede ou se toma a palavra, no jogo das forças políticas, sociais e econômicas. No
currículo pode-se ler a estrutura social, as estratificações, o pensamento dominante, os interesses explícitos e
implícitos do poder difuso e, ainda, muitas vozes eqüidistantes de seu contexto. Sendo assim, através de uma
análise mais aprofundada do currículo se pode supor o tipo de ser humano que se quer formar e o tipo de
sociedade que se quer efetivar.
A grande maioria das propostas curriculares é regida por princípios que sinalizam claramente a sua
interligação a um tipo de sujeito que se quer formar e a um tipo de sociedade que se pretende efetivar, tais como:
1 - Princípio da padronização: esse princípio significa a existência de uma proposta única curricular
para todo o público em formação, não levando em conta a singularidade dos sujeitos formandos.

2 - Princípio da sincronização: esse princípio regula a questão de tempo e de espaço, ou seja, todos os
formandos se inserem num mesmo momento, lugar e tempo de aprendizagem.

3 - Princípio da especialização: esse princípio representa a subdivisão do currículo em parcelas


(disciplinas) as quais ficam sob a responsabilidade de especialistas (professores) no sentido de aprofundar as
operações parceladas.

27
4 - Princípio da fragmentação: esse princípio representa a ausência de diálogo entre as parcelas
(disciplinas) que compõem o currículo, ficando a metodologia e a avaliação sob a responsabilidade de cada
especialista-professor.

5 - Princípio da legitimidade disciplinar: esse princípio aponta para a desigualdade temporal e espacial
das parcelas que constituem o currículo, ou seja, há um estatuto diferenciado entre as parcelas. Maiores
tempos às parcelas que se revestem de maior cientificidade e racionalidade.

Poderia elencar uma série de outros princípios norteadores da maioria das propostas existentes nos
cursos de formação e também das escolas do ensino básico. No entanto, os princípios citados já são suficientes
para se refletir a que tipo de sociedade tais propostas prestam serviços. Sem aprofundar a questão nesse
momento, eu diria que as propostas curriculares embasadas por tais princípios, ratificam uma sociedade que
ainda privilegia em seus alicerces a racionalidade técnica, considerando o ser humano como seres fragmentados
e o trabalho ainda inspirado por linha de montagem.
Em outras palavras, dirige-se a uma sociedade que ainda se alinha à conjuntura baseada no processo
de industrialização, ou ainda, segundo Moraes (1997:44), num projeto de sociedade que crê no progresso
material ilimitado, num controle cada vez maior do homem sobre a natureza, no domínio da técnica e de seus
efeitos sobre a industrialização de bens e serviços, visando sempre o aumento da produtividade e a riqueza, na
busca do conhecimento científico com base em uma visão predominantemente utilitária voltada para a previsão,
o controle e a manipulação do ambiente físico.
No entanto, hoje vivemos a efetivação de um projeto diferenciado de sociedade que vem se afirmando
cada vez mais pela negação da separatividade dos saberes e pela afirmação de que as realidades e os problemas
sociais tornam-se mais polidisciplinares e, transversais. Isso vem comprovar que um novo diálogo entre a questão
curricular e o arranjo social deve ser instaurado, sob pena de estarmos formando sujeitos profissionais aptos
para interargir em uma sociedade cujos vestígios de sua existência cada vez mais vem desaparecendo.
Portanto, atualmente, a discussão da questão curricular só poderá ser efetivada, no entre estar de uma
ruptura de paradigma, que significa aceitar a existência de um conjunto de problemas, cujas soluções já não se
encontram no horizonte de determinado campo teórico, dando origem a anomalias ameaçadoras da construção

28
científica. (Moraes,1997:55)
Nesse sentido, uma análise crítica da questão curricular é necessária, todavia, essa atitude é insuficiente
para que possamos delinear alguns encaminhamentos, ainda que provisoriamente, para a superação dos princípios
que na prática ainda o alicerçam.
Em uma atitude dialógica com o atual pensamento científico, podemos ressaltar suas implicações na
área educacional, baseando-se no diálogo do indivíduo consigo mesmo, com a sociedade e a natureza. Destaco,
dentre muitas implicações a serem consideradas no campo educacional, aquelas que considero de maior
importância para uma efetiva mudança na representação que temos de currículo, tais como explicitados por
Moraes (1997):
1 - O aprendiz deverá ser considerado como um ser que aprende, que age em seu contexto, que constrói
o conhecimento não somente utilizando seu lado racional, mas aquele que também lança mão de seu potencial
criativo, seu talento, sua intuição, o seu sentimento, suas sensações e suas emoções.

2 - Reconhecer a interdependência de todos os fenômenos e o entrosamento dos sujeitos e das sociedades


nos processos cíclicos da natureza, enfatizando a consciência do estado de inter-relação entre todos os fenômenos
físicos, biológicos, psicológicos sociais, culturais e também, educacionais, ultrapassando as fronteiras
disciplinares e conceituais.

3 -Estabelecimento de um novo diálogo entre o corpo e a mente, interior e exterior, sujeito e objeto,
consciente e inconsciente, indivíduo e seu contexto, ser humano e a natureza.

4 - Entender que o indivíduo é constituído de combinações de inteligências, apresentando uma assimetria


no desenvolvimento de cada uma delas, ou seja, existem diferentes tipos de mentes, e conseqüentemente,
diferentes formas de aprender, lembrar, compreender e desempenhar algo.

Assim como tais implicações deverão refletir em nossa maneira de pensar a Educação para os anos
vindouros, da mesma forma elas deverão ressignificar a representação que temos da questão curricular,
principalmente quando concordamos que o currículo é um artefato social produtor de identidades e subjetividades,
pois qualquer currículo traz a marca da cultura na qual foi produzido. Por tal razão é que se pode entender que

29
no currículo estão contidos mais que conteúdos que constituem as disciplinas. O currículo é “uma estrutura que
abriga uma concepção de vida social e as relações sociais que animam a cultura”. (Pedra,1997:45).
Assim, no intuito de nos afastarmos da concepção racional e fragmentada de currículo, aponto algumas
perspectivas que trarão à tona a discussão de alguns padrões estruturais implicados na questão curricular. A
reflexão de tais estruturas envolve a identificação de pressuposições e regras que não são reconhecidas nem
mencionadas na vida diária, mas mesmo assim, dão forma às atitudes, ou seja a estrutura que se tem do
currículo é parte do conjunto de suposições ocultas que transcendem seus limites.

1-Perspectiva Libertadora

A perspectiva libertadora consiste no estabelecimento de uma discussão crítica, capaz de liberar os


atores envolvidos na discussão curricular dos condicionamentos deterministas, com vistas à sua transformação.
Considero tal perspectiva como ponto de partida do processo de reorientação que poderá englobar os seguintes
aspectos:
1.1. Adoção de um aporte teórico atualizado sobre a questão para que se estabeleça um nível razoável
de seu conhecimento sobre a questão entre os atores envolvidos, promovendo uma visão mais integrada de tal
conhecimento.

1.2. Integração entre as questões teóricas curriculares e as questões educativas atuais, incorporando
às discussões do setor educacional as análises realizadas em outras esferas sociais, bem como o manejo de
uma leitura interdisciplinar sobre a questão curricular, a qual poderá oferecer importantes subsídios para a
referida questão, ou ainda, cooperar na criação de lugares socialmente diferenciados que poderão englobar uma
composição curricular diversificada.

1.3. Efetivação de uma articulação entre o aporte teórico e o currículo vigente a fim de que, a partir de
uma avaliação, possa-se estabelecer as convergências e as divergências, as possibilidades e os entraves de
uma possível mudança.

1.4. Participação coletiva dos atores envolvidos, propiciando espaços para que os mesmos possam

30
expor seus medos, suas angústias e, principalmente, suas experiências realizadas em ações paralelas ao
currículo formal adotado, a fim de que essas possam ser valorizadas junto ao grupo, gerando, dessa maneira,
um ambiente de integração e de respeito, fazendo com que, pouco a pouco, um compromisso coletivo seja
firmado a partir das alternativas de ações individuais.

2- Perspectiva da discussão sobre as representações

Essa perspectiva consiste em promover uma reflexão no intuito de pôr a descoberto as representações
que se configuram na realidade em que o currículo será inserido. Em outras palavras, essa perspectiva se
responsabiliza em desestruturar o conhecimento socialmente elaborado e compartilhado que forma a realidade
comum a esse conjunto social.
2.1. Questionar a configuração do currículo em forma de grade como sendo a única possibilidade de
elaboração de uma proposta curricular, eliminando a oportunidade de efetivar outras configurações, menos
rígidas e menos compartimentadas.

2.2. Questionar a concepção de cultura como sendo um acúmulo de conhecimentos factuais, fazendo
com que se deixe de percebê-la em seu sentido mais amplo, principalmente, no que diz respeito ao modo como
os indivíduos representam tais conhecimentos.

2.3. Questionar a identificação do recorte do conhecimento com a identidade do professor, pois tal
relação oportuniza que o medo de abandonar certos conteúdos se confunda com o medo de perder o sentido do
saber-fazer, dificultando o encontro de um novo sentido para nossas ações.

2.4. Questionar a arbitrariedade no recorte do conhecimento, pois, na maioria das vezes, isso impede
que se perceba o distanciamento entre o que se propõe como ação de uma determinada área do conhecimento
com a totalidade da formação proposta, oportunizando que o currículo se transforme numa “colcha de retalhos”
sem comunicação nem com os objetivos propostos nem entre as atividades.

3- Perspectiva Humanizadora

Essa perspectiva consiste em resgatar a matriz humana dos envolvidos na questão curricular que foi

31
sendo desfigurada ao longo dos tempos. Tal desfiguração, herdada do modelo racionalista, foi fundamental para
dicotomizar o eu pessoal e o eu profissional, fazendo com que no âmbito da formação apenas este último fosse
tomado como preocupação. No entanto, a nova mudança ideológica, cultural social e profissional vem primando
pelo desenvolvimento das relações pessoais e interpessoais como garantia de sua efetivação. Sendo a questão
curricular eminentemente uma questão humana, tanto na elaboração quanto na destinação, é preciso que uma
nova racionalidade se estabeleça entre as relações, a qual poderá trilhar a crítica e, acima de tudo, a emancipação
apoderando-se de uma nova forma de estar na profissão. Isso envolve uma construção de si próprio e de seu
saber, ou seja, um processo que centraliza a pessoa em sua globalidade levando em conta tanto sua competência
quanto seus conflitos, medos e temores. A discussão dos temas abaixo poderá concorrer para tal construção.

3.1 O contexto do trabalho não se desenvolve no consenso e na harmonia. Uma das ações em busca
de uma racionalidade diferenciada é a tomada de consciência de que todo o contexto que envolve ações humanas
é entrecruzado por grandes conflitos, seja na relação interpessoal seja na relação que se tem perante os
inúmeros componentes que envolvem tais ações, como já foi analisado neste trabalho. Uma racionalidade
centrada na totalidade do sujeito não pode mais tratar o conflito como uma abstração, ou ainda como um
elemento da responsabilidade individual do sujeito, ao contrário, ele deve ser considerado como um elemento de
suma importância no processo de mudança curricular e, sobretudo, ser trabalhado de um modo completo e
coletivo em lugares socialmente legítimos destinados a tais discussões.

3.2. Estabelecimento de um contexto de mediação na resolução de problemas, constitui-se em uma


ferramenta importante na demonstração de novos padrões de comportamento e, sobretudo, a possibilidade de
gerar uma interação respeitosa entre as pessoas, principalmente, na busca de ganhos mútuos invalidando,
dessa forma, a competitividade destrutiva. No caso da questão curricular, essa prática pode minimizar as
cristalizações de certas correntes de pensamento, sem com isso colocar em xeque a representatividade dos
sujeitos.

3.3. Valorização das vozes dos participantes, acolhendo no grande grupo as experiências individuais
e, sobretudo, criando espaços para que os atores envolvidos possam expressar suas aspirações e suas

32
potencialidades, tanto de seu conhecimento de mundo quanto da especificidade de sua área de conhecimento.

4. Perspectiva organizacional

A perspectiva organizacional sobre o recorte da questão curricular propõe-se a discutir a arquitetura


organizativa em que a instituição se alicerça, refletindo se tal estrutura poderá acolher as ações emitidas pela
nova proposta curricular. Uma mudança no sub-solo do currículo, automaticamente, acarretará uma mudança na
superfície organizacional. Nesse sentido, alguns temas deverão pautar tal discussão para a descoberta de
outros modos de gerenciamento estrutural.

4.1. A estrutura organizacional como um organismo vivo, capaz de interagir e se fazer interagir com
sua exterioridade, possibilitando locais de diálogo tanto no seu interior quanto com a dinâmica social.

4.2. Estrutura flexível e descentralizada, permitindo que ações possam ser inseridas sem que a
burocracia se sobreponha à sua realização.

4.3. A estrutura organizacional não é apenas um lugar concreto, mas um tempo e um contexto, um
contexto de trabalho tranqüilo, em que o silêncio possa ser quebrado pela crítica franca e construtiva; um tempo
de realização de atividades e iniciativas, um tempo de preparação para a vida.

A perspectiva organizacional também engloba uma discussão sobre a imagem que o profissional tem
da organização em que o profissional atua. A auto-suficiência e a responsabilidade partilhada são alguns exemplos
de imagens que se pode ter em relação à dinâmica da organização. A adoção dessas imagens pelos sujeitos
envolvidos na construção de uma proposta curricular poderá dar origem a um tipo de relação que o currículo
estabelece com o contexto circundante. O debate dos temas abaixo poderá concorrer para uma relação mais
integrada do currículo.
A organização não é um mundo à parte das realizações sociais: adotar tal imagem é optar pela
minimização do distanciamento entre a organização e a sua realidade circundante, para isso é necessário
abandonar a atitude de arrogância, permitindo, dessa forma, o rompimento da assimetria que sustenta suas
inter-relações, bem como incorporação de diferentes sujeitos e setores no seu interior, considerando-os como

33
colaboradores ativos e pensantes.
A organização não pode ser considerada a única instância formadora, garantindo-lhe o papel de ser a
única capaz de formar um profissional adequado às necessidades sociais. Nos dias atuais, essa idéia é equivocada
e somente concorre para colocar em xeque sua legitimidade e hegemonia. Ao invés disso, um olhar mais
apurado em seu entorno, focalizando locais formativos, poderá favorecer a realização de trabalhos em parcerias,
oportunizando, dessa forma, responsabilidades compartilhadas na formação de seus profissionais.
A organização não pode ser considerada somente um espaço de produção, efetivando apenas um
movimento de dentro para fora. Tal atitude reforça a idéia da impermeabilidade em relação aos processos sociais
mais atuais, uma vez que o movimento se efetiva somente numa direção. Ao contrário, seria considerar a
instituição como um espaço de acolhimento das novas informações presentes no contexto mais amplo, com o
propósito de apreciá-las ou depreciá-las, fazendo desse acolhimento um componente de discussão.
A organização não é formada apenas por seus integrantes, descartando a idéia de atores no sentido
mais amplo. Atores não significa apenas integrantes socialmente legitimados na organização. Também são
atores os agentes interiores que, de forma direta ou indireta, influenciam nos processos decisórios da organização.
O profissional não pode ser considerado dono de sua área de conhecimento. Essa responsabilidade
exacerbada coopera para reforçar a idéia de prioridade, favorecendo para que o profissional apenas olhe para o
que acontece dentro de sua área, deixando de perceber sua ação na totalidade.

5. Perspectiva de (re)criação

A perspectiva de (re)criação significa o inventário de uma proposta curricular, que internalizará as


discussões realizadas nas diferentes perspectivas. O resultado se constituirá num paradigma curricular local
subsidiário da referida proposta, não tomando a idéia de paradigma como um consenso fechado e excludente,
mas como um tipo de relação muito forte perante os compromissos assumidos, sem fazer desaparecer os
pontos de vista diferentes, os quais deverão ser considerados sempre a partir de um enfoque relacional, pois a
flexibilidade e o antidogmatismo do currículo é um ponto crucial para à sua não-deteriorização.
Posicionar a perspectiva de (re)criação ao término do desenvolvimento das demais perspectivas, justifica-

34
se por duas razões: a primeira, para transgredir a forma como se efetiva a prática de alteração curricular que,
freqüentemente, tem como ponto inicial a alteração dos componentes da grade curricular, substituindo conteúdos
e metodologias tradicionais por propostas mais contemporâneas. A segunda razão é por acreditar que uma
mudança curricular significativa somente poderá ocorrer se a imagem social da instituição for alterada e, para tal
tarefa, é preciso ter ousadia de duvidar das crenças, dos valores, das legitimações, das naturalizações
cristalizadas, acompanhada de atitudes de desconstrução e construção, pois o momento político/social que
vivemos clama por processos de reorganização, mesmo que ainda em construção.
Finalizo minhas reflexões sobre a questão curricular, afirmando que quando se pensa o currículo com
vistas à mudança, a alteração de sua superfície não basta, pois o importante para a mudança é a reflexão do
sub-solo de suas práticas, mesmo que esta ainda se realize na semi-escuridão da nova racionalidade.

Referências Bibliográficas

APPLE, Michael. Ideologia e Currículo. Trad. Carlos Eduardo F Carvalho. São Paulo,SP: Brasiliense, 1982.
BERTICELLI, Ireno Antonio. Currículo: tendências e filosofia. In: Marisa Worraber Costa (org.).O currículo: nos
limiares do contemporâneo. Rio de Janeiro,RJ: DP&A, 1998
MORAES, Maria Cândida. O paradigma Educacional Emergente. Campinas,SP: Papirus, 1997.
PEDRA, José Alberto. Currículo e suas representações. Campinas,SP:Papirus, 1997.
SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão Indolente: contra o desperdício da experiência. São
Paulo,SP:Cortez,2000.
SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. trad.Ernani da Fonseca Rosa.3.ed. Porto
Alegre,RS: Artmed,1998

1
Professor do Departamento de Metodologia do Ensino da Universidade Federal de Santa Maria, doutor em Currículo pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.

35
ENCONTROS, CURRÍCULO E ITINERÁRIOS DE FORMAÇÃO-
DESFIGURAÇÃO

Prof. Antonio Carlos Rodrigues de Amorim1

Neste texto, apresento algumas reflexões e esboços de idéias que suponho possam contribuir para a
discussão dos estágios supervisionados nos cursos de formação de professores, com vistas à organização de
propostas em fluxos heterogêneos e que são traçados de experiências e tradições que fabricamos e socializamos
na Unicamp, em particular no âmbito da Faculdade de Educação. Este texto carrega vários significados dos
processos de reformulação dos currículos de formação de professores na Unicamp e que têm suas expansões
nos sites http://lite.fae.unicamp.br/forumfor e http://www.prg.unicamp.br/ccg/subformprofessores.html .
Como nos demais textos que apresento ao final desta escrita, quero dimensionar as práticas de
formação de professores, e nela incluo os estágios supervisionados, como um conjunto de apresentações,
escritascicatrizes, e fluxos de identidades.
Parece-me que na produção de documentos oficiais e acadêmicos há a reposição de uma imagem de
ser professor com características totalizantes, homogeneizadoras, ofuscando as idiossincrasias constituídas
nas práticas e reflexões específicas e coletivas. Os contornos, os delineamentos, as marcas desta imagem que
aparece no “espelho” desafiam a continuidade do mergulhar, ou mesmo o de se deparar na “superfície dupla”.
Quando vivemos nossa própria existência ser professor, nós a vivemos com as palavras de uma língua
que pertence a milhões de pessoas; nós a vivemos com um sistema de trocas econômicas que pertence a todo
campo social; nós a vivemos com representações de modos de produção totalmente serializados. No entanto,
nós vamos viver e morrer numa relação totalmente singular com esse cruzamento. O que é verdadeiro para
qualquer processo de criação é verdadeiro para a vida. Um músico ou pintor está mergulhado em tudo que foi a
história da pintura, em tudo que a pintura é em torno dele e, no entanto, ele a retoma de um modo singular. Isso
é uma coisa. Outra coisa é a maneira como essa existência, esse processo criativo será depois identificado em
coordenadas sócio-históricas (Félix Guattari e Sueli Rolnik2, 1999, p. 69).
Sou capturado ao pensar as interações entre as diretrizes que configuram ser professor nas diferentes

36
práticas educacionais, incluídas as do estágio supervisionado, pelas análises de Félix Guattari (1999) dos
processos de territorialização e desterritorialização. Quando aborda o amor, o impossível e a suavidade, este
autor estimula nossa imaginação a recontextualizar suas afirmações:
Em um dos extremos, é ao medo da desterritorialização que sucumbimos: nos enclausuramos na
simbiose, nos intoxicamos de familialismo, nos anestesiamos a toda sensação de mundo/endurecemos. No
outro extremo / quando já conseguimos não resistir à desterritorialização e, mergulhados em seu movimento,
tornamo-nos pura intensidade, pura emoção de mundo / um outro perigo nos espreita. Fatal agora pode ser o
fascínio que a desterritorialização exerce sobre nós: ao invés de vivê-la como uma dimensão / imprescindível / da
criação de territórios, nós a tomamos como uma finalidade em si mesma. E, inteiramente desprovidos de
territórios, nos fragilizamos até desmanchar irremediavelmente (p. 2
Os estágios supervisionados de formação de professores são, curricularmente, campos de possibilidades
de expressão de (des)territorialização aluno, professor, estagiário, Universidade, Escola.

Currículos e Singularidades

Pensar o currículo de formação para futuros professores tendo como um plano imanentemente acentuado
pela experiência, pelas singularidades e pelas fugas possíveis que podem ser geradas em uma hidráulica que
quer eleger e gerar identidades a serem assumidas. Aventuro-me a colocar em circulação algumas idéias,
menos conceituais e mais desejantes...
Apostar que as singularidades podem ser mantidas é aquilo que mais podemos fluidificar e colocar em
relação dentro das redes de poder que insistem em gerar a unidade, reduzir a multiplicidade aos princípios
transcendentes, estabelecer passagens justas, iguais e comuns por entre as experiências e trabalhos de
formação e insistir em uma configuração/ desfiguração nos opostos, teorias e práticas, ensino e pesquisa,
forma e conteúdo, etc.
Essas singularidades, por vezes entendidas como subjetividades, têm no “mal estar da diferença” (aqui
derivo-me de Suely Rolnik) seu desassossego, suas desestabilizações, e também suas “resistências” à
aniquilação pelo freqüente controle via homogeneização.

37
Então que tenhamos, intensificadamente, currículos como espaços de encontros das diferenças, de
desdobramentos em um comum-múltiplo, divergente, desfigurante. Para tanto, um currículo cuja força e disposição
das disciplinas (formato, espaço-tempo, subjetivação) não seja a tônica. Que possam estar em constante
deambulação, arruinando-se para poder ser habitada pelos estudantes e por nós, professores.
Um currículo que tenha nas atividades “livres” dos estudantes uma linha de alisamento das estriações
da disciplina, das suas vontades de poder (ou de potência?), de suas apresentações de saberes fundamentais,
básicos, exteriores e interpretativos.
Um currículo em que as experiências possam ser experimentadas e que tenha nas possibilidades a
sua política.

Princípios?

Uma fotografia, uma escrita de alfabetização, um desenho de um futuro fora do que é enquadrado pela
visão de Douglas. Em sua busca pela identidade do povo brasileiro, Paulo Fridman recebe o que Douglas envia
e produz escritas sobre imagens, imagens sobrescritas. Com seu projeto, Paulo Fridman me impele a pensar
currículo e formação como sobreposições e a impossibilidade de arranjos organizadores por princípios e ordens
de formação. A identidade e a representação como impossibilidades.
O que deveria marcar o itinerário de formação? Desde o início do curso, a pluralidade das experiências
e as possibilidades de realizar trocas entre grupos de alunos de um mesmo curso e entre cursos diferentes.
O que seria a marca peculiar das Faculdades e Centros de Educação? Além da discussão do campo
educacional, a priorização das diferenças, o estabelecimento de relações com o campo educacional, como
pensamento-ação, que desestabilize, potencialize o diálogo, reconheça e expresse as diferenças nas relações
sociais, etc.

1º Desvio: Multiplicidade (ou multiplicação das diferenças) nos caminhos de formação,


assumindo que as identidades (inclusive profissionais) têm como característica uma estabilidade que
constantemente é posta em deslocamentos e em fuga. Se pensarmos no campo de estudos sobre a formação

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dos professores, em especial nas três últimas décadas, questões que são feitas aos processos de constituição
ou identificação de professores encontram respostas a partir de análises, por exemplo, sobre memória, gênero,
política, história de vida, saberes, experiência, reprodução/produção da escola etc.

2º Desvio: A escola como foco de heterogeneidades. A escolha da escola como local privilegiado
que congrega discursos dos campos da educação, e que seriam considerados importantes (talvez os mais
importantes) na formação de professores, ganharia intensidade se a escola não fosse considerada exclusivamente
como o local encerrado em si mesmo, ou como único e estável, privilegiando-se com essa decisão a expansão
de discussão da escola, seu interior e exterior (ou usando uma outra expressão o que a escola e seu entorno).
Com isso, traríamos abordagens sobre o cotidiano escolar; as relações de poder, de aprendizagem, de ensino,
de afetividade dos espaços e tempos escolares; o currículo – conhecimentos escolares, história das disciplinas
escolares, subjetividades, etc; as práticas de ensino e suas condições materiais e imaginárias de produção; a
instituição escolar e seus processos de constituição entre manutenções e reformas, dentre outras. Se pensarmos
que todos os ítens acima e outros que se acrescentem têm na escola o
foco para suas construções discursivas, mas se localizam também em
outros espaços (além dos referentes mais evidentemente às instituições
escolares, como Secretarias de Educação, MEC, Governos Municipal,
Estadual e Federal, Banco Mundial), incluindo os de educação não escolar,
a mídia, a literatura, ampliaríamos a discussão de como se apresenta a
escola, uma mesma palavra para significações ou construções de redes
de significados muito heterogêneos, ou com outra forma de ver, construída
em reuniões de heterogêneos.

3º Desvio: O que “sobrenomeia” professor. É preciso analisar


o destaque, reforçado pelas Diretrizes do MEC para formação de
professores da Educação Básica, às atividades práticas, abarcando os
estágios supervisionados, e a aproximação que temos feito ao imaginar

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formatos para os cursos de formação. Se as atividades práticas são consideradas muito importantes na formação
de professores, que sejam articuladas a diferentes espaços e tempos curriculares, e que não continuem a
permanecer como práticas de ensino.

4º Desvio: Estágios não se configuram como disciplinas.


As atividades de estágio supervisionado devem contemplar uma gama variada de possibilidades ligadas
à pesquisa, à extensão e à educação formal e não formal. As horas de estágio supervisionado deverão ser
compostas de modo a contemplar pelo menos duas diferentes experiências dos alunos em um desses quatro
campos acima mencionados. Experiências de trabalho coletivo e multidisciplinar são uma opção a ser considerada.
Quanto à supervisão, caberia aos Departamentos das Faculdades de Educação a oferta, via coordenação de
estágios a ser criada, de algumas propostas semestrais.

1
Faculdade de Educação. Presidente da Subcomissão Permanente de Formação de Professores da Comissão Central de Graduação/
Unicamp. acamorim@ unicamp.br
2
GUATTARI, Félix, ROLNIK, Suely. Micropolítica - Cartografias do Desejo. Petrópolis/RJ: Vozes, 1999.

40
41
QUANDO O CURRÍCULO NÃO EXISTE...

Meu argumento principal, para discussão, é que a


organização das propostas de formação de professores não deve
partir da premissa de um esclarecimento e de um necessário
consenso a respeito de concepções de formação de professores, de
currículo, de política ou de qualquer outra coisa. Gostaria de pensar
sobre o que queremos com estes planos e propostas de formação
de professores considerando-os atravessados, e por muitas vezes,
condicionados às situações conflitantes, díspares, de relações de
poder, e de uma política que está mais localizada em princípios de
subjetividade do que os da racionalidade objetiva. É por isso que me
animo a escrever um texto, apresentar idéias e conversar.
A necessidade de que sejam previstas inserções dos alunos
em diferentes campos profissionais, tanto nas atividades práticas
quanto, preferencialmente, nos estágios supervisionados poderia ser
potencializada pela imagem acima e pelos indicadores:
A organização dos estágios supervisionados prevendo
parcerias e responsabilidades compartilhadas com as instâncias
educativas (escolas, parques, creches, museus, bibliotecas, ONGs,
movimentos sociais, parque públicos etc.)
A inserção dos alunos de forma intensiva nessas instâncias para desenvolvimento de trabalhos, vivências
e experiências com grande imersão prática, reflexiva, construtora de conhecimentos e de aprendizagem das
diferentes dimensões educativas de ‘ser professor’.
A consideração dessas possibilidades de experiências formativas produzirem “um olhar de fora para
dentro da Universidade” permitindo a construção de outras leituras interpretativas (reflexivas) sobre a formação

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acadêmica dos alunos.
Após a realização de grande parte da carga horária de estágio profissionalizante, poderiam ser oferecidas
várias disciplinas que serão escolhidas pelos alunos, a partir de significações que as experiências formativas
lhes impregnam e que eles reconhecem naquele momento.
Não existe, como na imagem que Dirceu Marins, artista plástico, produziu para imaginar, com um
texto que escrevi, as mãos múltiplas das marionetes: quem controla quem (eterno jogo e dúvida sobre as
relações entre sujeitos e objetos) e de que lugares partem as linhas com enquadramento mais forte.
É a busca de nos deixar contagiar pelos acontecimentos e pela multiplicidade e heterogeneidade dos
movimentos das linhas em várias direções, sentidos e espacializações que o campo eletrizante entrelinhas nos
indica na pintura. É possível um currículo acontecer assim?
Busquei, neste texto, imaginações ao associar tais percepções, que a imagem com que as marionetes
me afeta, às identidades profissionais; às dimensões do currículo como conhecimentos, práticas, experiências,
percurso e expressão da formação (comum e singular); à criação, dentro da Universidade, de espaços e tempos
que se associem às culturas de formação de professores; ao reconhecimento de que os cursos de formação de
professores têm nas atividades práticas e de estágio profissional amplas possibilidades de articulação do trabalho
conjunto entre a Universidade e as instituições educativas não universitárias, em especial as escolas públicas
da Educação Básica.

Várias das idéias aqui apresentadas foram exploradas com nuances diferentes nos seguintes artigos
e capítulos de livro

AMORIM, Antonio Carlos Rodrigues de. Tapete de grãos de areia ou as práticas escolares como percursos-
ruínas do currículo em Ciências acontecendo. Educação em Foco, Volume 8 (1&2) p. 79-100. mar/ago 2003,
set/fev 2004.
AMORIM, Antonio Carlos Rodrigues de. Roteiros em Ação: multiplicidades na produção de conhecimentos
escolares. In: LOPES, Alice, MACEDO, Elizabeth. Currículo de ciências em debate. Campinas: Papirus. p.

43
157-190. 2004.
AMORIM, Antonio Carlos Rodrigues de Quando as práticas de ensino são desfigurações da biologia. In:
ROMANOWSKI, Joana Paulin, MARTINS, Pura Lúcia O, JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo Conhecimento
Local e Conhecimento Universal: a aula e os campos de conhecimento Curitiba/PR, Champagnat, p. 175-188.
2004.
AMORIM, Antonio Carlos Rodrigues de . Imagens e narrativas entrecortando a produção de conhecimentos
escolares. Educação e Sociedade., vol.25 (86) p.37-56. 2004.
AMORIM, Antonio Carlos Rodrigues de. A prática como sobrenome professor. In: ROSA, Maria Inês Petrucci
dos Santos (org.). “FORMAR, encontros e trajetórias com professores de Ciências . São Paulo: Escrituras.
p.17-29. 2005.
AMORIM, Antonio Carlos Rodrigues de. Photo grafias, escritascotidiano e currículos deformação. FERRAÇO,
Carlos Eduardo (org.) Currículo, cotidiano e formação de professores/as. São Paulo: Cortez Editora, 2005 (no
prelo)
AMORIM, Antonio Carlos Rodrigues de. Silêncio, apagamento e hospitalidade: professor/a na casa vazia da
outra escola” CD do III Seminário Redes de Conhecimento, Imagens e Tecnologia. Rio de Janeiro: UERJ, 2005
(no prelo)

ANEXO 1

GESTÃO DA PRÁTICA E DO ESTÁGIO (Trecho do Documento DIRETRIZES PARA A FORMAÇÃO


DE PROFESSORES : CONCEPÇÕES E IMPLEMENTAÇÃO elaborado pelo Fórum de Pró-Reitores de Graduação
das Universidades Brasileiras
(JOÃO PESSOA/PB - 16 a 17 de setembro de 2002)
A gestão da prática e do estágio no âmbito da formação de professores far-se-á de acordo com as
características e potencialidades das IES, não se constituindo responsabilidade exclusiva dos Institutos ou

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Unidades de ensino de áreas específicas, nem de Faculdades ou Centros de Educação. Na implementação
dessas ações importa :
Exercer o princípio da autonomia da Universidade e de seus cursos, dos seus projetos político -
pedagógicos, resguardando também o princípio da autonomia da escola básica, como espaço formativo comum
e diversificado no processo de estágio.
Conceituação do estágio como componente curricular obrigatório, dentro da concepção de que as
atividades desenvolvidas durante o estágio estejam ligadas ao projeto político-pedagógico.
Desenvolvimento de um estágio com projetos para atender a especificidade de cada Escola/Espaço
Social/Campo de Estágio, projetos esses que promovam a discussão, reflexão e definição de ações, com a
participação ampla da comunidade.
Vinculação orgânica entre a Universidade, a Escola Básica e espaços educativos não escolares,
favorecendo:
Parcerias e diálogos entre essas Instituições e outras, tais como Secretarias de Educação do Estado
e Municípios, no sentido de se manterem sintonizadas com as suas demandas específicas e de construírem um
espaço político-formativo comum, com qualidade social, em contraposição à lógica exclusiva do mercado, que
tem concebido o aluno como mão-de-obra barata, reduzida a uma formação técnico-instrumental.
Desenvolvimento de uma política de Estágio Curricular como um espaço formativo, de debate e de
intervenção pedagógica contínua na realidade.
Institucionalização dos estágios a partir de princípios gerais (projeto político-pedagógico), com a
efetivação de convênios, resguardando-se a pluralidade de experiências no interior da Universidade, na relação
com a escola e as especificidades dos cursos de Bacharelados e Licenciaturas.
Desenvolvimento de práticas articuladas entre os Bacharelados e as Licenciaturas , ao longo do curso,
na perspectiva da relação entre a docência – pesquisa - extensão na ótica do ensino e das diversas áreas
específicas do conhecimento.
Materialização do princípio da docência articulado à pesquisa, como estruturador da formação do
professor, num processo de recontextualização de objetos/métodos (Bacharelados e Licenciaturas), no

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enfrentamento dos problemas/desafios de prática social educativa e docente, com base nos enfoques
multidimensional e multireferencial.
Valorização da prática do aluno-professor no processo de estágio, como ponto de partida para reflexão
e para o redirecionamento de sua própria prática – tornando-o um professor-pesquisador e com a consideração
de sua prática refletida/pesquisada.
Incentivo à formação do docente pesquisador ao longo do curso/estágio, na perspectiva da fusão dos
objetos/métodos (na ótica do ensino e das áreas de conhecimentos específicos), passando por sucessivas
transformações desses aspectos, visando à construção de conhecimentos escolares, como um texto inter /
transdisciplinar , no enfrentamento de questões reais concretas.

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