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O nascimento da filosofia

Reflexões
Filosofia 10º ano

Isabel Bernardo
Catarina Vale
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Reflexões Catarina Vale
Filosofia 10.º ano

Módulo Inicial – Iniciação à


atividade filosófica

O nascimento da filosofia

Quem foram os primeiros


filósofos?

Quais foram os seus


contributos para uma atitude
e questionamento
filosóficos?

A grande aventura de René Magritte (1930) (pormenor)


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O nascimento da Filosofia
Qual a origem histórica da filosofia?

Quem foram os primeiros filósofos?

De que modo pensamento filosófico se diferencia do


pensamento mítico anterior?

O que caracteriza a atividade filosófica dos primeiros


filósofos?

De que forma os primeiros filósofos encarnam a atitude


filosófica que caracteriza hoje a filosofia?
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Martin Heidegger diz que “a filosofia fala grego”.


Porquê? Porque a filosofia nasceu na Grécia Clássica,
aproximadamente nos começos do século VI a. C..

O nascimento da filosofia consistiu na passagem


progressiva do mito à razão. A emergência do
pensamento racional inaugurou um estilo de pensar e
uma atitude perante a realidade que perduraram no
Ocidente, e são ainda hoje uma das matrizes que dão
forma ao nosso modo de pensar.
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O nascimento da filosofia
Do mito ao pensamento racional
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O mito é uma história tradicional, aceite como


verdadeira, que incorpora as crenças tradicionais
relativamente à criação do universo, aos deuses, aos
homens, à vida e à morte.

Aos deuses e às divindades míticas são atribuídos


sentimentos, emoções e ambições humanas, como a
imortalidade e a omnipotência.

O pensamento mítico assenta na explicação


sobrenatural do mundo como forma de dar resposta aos
problemas e às questões que o universo coloca. Por isso
constitui-se também como uma atitude intelectual.
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“Mas Zeus acrescenta ou diminui o valor dos


homens, conforme lhe apraz, pois ele é o
mais poderoso de todos”
(Homero, Ilíada)

Tal como todas as culturas antigas, também a

Homero
cultura grega assentava no mito, transmitido e
ensinado pelos poetas educadores do povo.

Homero e Hesíodo, os representantes máximos


da poesia grega, registaram por escrito os mitos
da antiga Grécia.

Hesíodo
Homero (Ilíada) e Hesíodo (Teogonia), são os
últimos representantes do pensamento mítico.
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O começo do Mundo

Primeiro que tudo houve o Caos, e depois a Terra de peito


ingente, suporte inabalável de tudo quanto existe, e Eros, o mais
belo entre os deuses imortais, que amolece os membros e, no
peito de todos os homens e deuses, domina o espírito e a
vontade esclarecida.
Do caos nasceram o Erébo e a negra Noite e da noite, por sua
vez, o Éter e o Dia.
(…) Gerou ainda as altas montanhas, morada aprazível
das deusas Ninfas, que habitam os montes cercados de vales.

Hesíodo, Teogonia, 116-130


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O mito das cinco idades


De ouro foi a primeira raça de homens dotados de voz, que os imortais
criaram, eles, que são habitantes do Olimpo. Eram como deuses, com
espírito despreocupado, vivendo à margem de penas e de misérias (…)
A segunda raça a vir, a de prata, bem pior que a anterior, fizeram-na os
deuses que habitam o Olimpo. Não era igual à de ouro, nem de corpo
nem de espírito.
(…) Depois que a terra encobriu esta raça, Zeus Crónida modelou ainda
uma quarta sobre a terra fecunda, mais justa e melhor, raça divina de
heróis, chamados de semi-deuses, a geração anterior à nossa na terra
sem limites.
(…) Quem dera que eu não vivesse no meio dos homens da quinta
raça, que morresse antes, ou vivesse depois! Agora é a raça de ferro.

Hesíodo, Trabalho e os Dias, 109-201


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O primeiro nascimento da filosofia

O período cosmológico e
os filósofos pré-socráticos
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A emergência da filosofia no espaço da cultura grega é um


acontecimento difícil de datar com precisão absoluta.

Nos alvores do século VI a. C., em consonância com


profundas alterações de carácter social e cultural, as
inteligências mais despertas, espalhadas pelas inúmeras
colónias gregas, sentiram a necessidade de substituir as
explicações míticas por outro tipo de explicações, de carácter
racional.

O nascimento da filosofia costuma interpretar-se como um


processo de progressiva libertação da consciência racional
relativamente às explicações mitológicas.
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A escola de Mileto

A escola de Mileto (ou jónica) é representada por Tales,


Anaximandro e Anaxímenes (séculos VI e V a. C). São
considerados os primeiros filósofos.

Procuram o primeiro princípio de todas as coisas, a


origem do universo, aquilo de que o mundo é feito, a arquê:
a matéria primordial e o elemento permanente, estrutural
que tudo explica para lá da mudança e do movimento.
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“A água é o princípio de todas as


coisas”

Para Tales a água é o princípio


(arché) de todas as coisas.

Porquê?

Porque a água é vida e princípio de


vida, é a substância de que provêm
todas as coisas e a ela retornam.
Tales de Mileto
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“O ilimitado é a origem dos seres”

Para Anaximandro o primeiro princípio


deve estar para além de toda a
realidade, recusando-se a reconhecê-lo
num elemento observável. Denomina-o
por ápeiron – enorme massa, infinita,
indeterminada e inacabada.

Anaximenes defende que o princípio


de tudo é o ar, elemento invisível,
imponderável e infinito.
Anaximandro
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“Tudo é número”

O pitagorismo foi uma escola de


sábios e filósofos que acreditava que
os princípios matemáticos explicavam
o universo.

O número é o modelo originário das


coisas e tudo é constituído por
proporções matemáticas.

Esta concepção matemática do


universo influenciou o pensamento
Pitágoras de Samos
moderno.
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“A ordem do mundo foi sempre, é e


será fogo eternamente vivo”

O problema do movimento e da
transformação constitui uma das
preocupações dos primeiros filósofos
gregos.

Heráclito considera que tudo está em


movimento, tudo flui e tudo advém, nada
permanece.

O fogo é o símbolo da natureza porque é


a expressão de que tudo nasce da luta e
tudo está em constante devir. Heráclito de Éfeso
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“Porque pensar é o mesmo que


existir”

Parménides tem opinião contrária a


Heráclito. Para ele, o movimento é
impossível e toda a realidade consiste
numa substância única e imóvel – o
ser. Para Parménides mudar significa
transformar-se no que não é.

O movimento é, assim, uma ilusão dos


sentidos e o conhecimento apenas se
pode alcançar por via racional.
Parménides de Élea
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“Na realidade o que existe são átomos e


vácuo”

Demócrito de Abdera
Os atomistas são precursores da ciência
moderna. O atomismo representa uma tentativa
prematura, ainda que coerente, para explicar os
fenómenos físicos por causas puramente
mecânicas.

Os fundadores deste movimento são Leucipo e


Demócrito. O seu sistema pode sintetizar-se da

Leucipo de Mileto
seguinte maneira: a realidade é composta por
átomos indivisíveis que se movem no vazio.
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A importância dos filósofos pré-socráticos


Os filósofos pré-socráticos formularam problemas e forneceram
respostas que ninguém antes havia encontrado – interpelação
da natureza e formulação de propostas diversificadas de
explicação; caráter inovador e plural do questionamento
filosófico; afastamento de visões dogmática.

Substituíram as explicações míticas por explicações racionais e


assumiram uma posição crítica e polémica sobre as diferentes
opiniões – procura racional do conhecimento; surgimento
duma nova atitude intelectual.

Procuraram as explicações na própria realidade e não nos deuses


– nova visão da realidade: crítica ao mito.
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A importância dos filósofos pré-socráticos


Forjaram conceitos e elaboraram uma linguagem específica
que traduzia com rigor o que pensavam da realidade –
nascimento de uma atividade conceptual.

Adotaram novas atitudes de reflexão: rigor, objetividade,


procura da verdade com espírito crítico e autónomo.

Abriram caminho ao pensamento abstrato e distinguiram


claramente a opinião, ilusória e falsa muitas vezes, do
pensamento racional, que nos permite aproximar da verdade
– surgimento da distinção entre o conhecimento racional
(razão) e o conhecimento sensível (sentidos).
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O segundo nascimento da filosofia

O período antropológico
Os sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles
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O período antropológico da filosofia grega compreende


os sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles.

Corresponde a uma deslocação clara dos problemas


cosmológicos para os problemas políticos e, através
destes, para os problemas antropológicos, éticos e
educativos. O homem torna-se o centro de toda a
problemática filosófica – «mudança antropológica».

Esta transformação da filosofia decorre das próprias


mudanças sociais e políticas das cidades gregas, em
particular da cidade estado de Atenas.
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A democracia ateniense é instaurada


com Péricles no século V a. C., e
assenta na igualdade dos cidadãos
perante a lei.

Péricles foi a personalidade política


mais marcante do século V a. C. e a
ele se deve um grande
desenvolvimento da economia, das
letras e das artes – enquadramento
cultural favorável ao desenvolvimento
da filosofia.

Péricles
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O esplendor de cidades como Atenas, o sistema político


democrático (o primeiro da História, ainda que muito diferente do
atual), proporcionaram o terreno propício para o desenvolvimento de
novas correntes de pensamento.

A cidade, a organização política, as leis e os cidadãos, são os


principais motivos de reflexão.

Pártenon, Atenas
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Discóbolo, escultura
Ânfora, cerâmica

Comédia, teatro

A arte grega é uma elaboração intelectual em que predomina o equilíbrio e a harmonia, a busca
da perfeição e o amor à beleza. O homem está no centro da criação artística dos gregos.
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“A palavra é um poderoso tirano, capaz de


realizar as obras mais divinas, apesar de ser
o mais pequeno e invisível dos corpos”

A democracia favorece o espírito crítico e


as qualidades oratórias.

Os sofistas tornam-se mestres do saber,


profissionais da educação pagos, que
ensinavam a arte da retórica, a arte de bem
falar e bem persuadir, condição essencial
da carreira política.

Desenvolveram estudos sobre a


linguagem, as técnicas de discurso e a Górgias de Leontinos
educação.
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“O homem é a medida de todas as


coisas”

Se “o homem é a medida de todas as


coisas”, então, as leis, as regras, a
cultura, tudo deve ser definido pelo
conjunto de pessoas, e aquilo que vale
em determinado lugar não deve valer,
necessariamente, noutro. Os sofistas
foram, assim, os primeiros a
defender que o conhecimento é
relativo e que não há verdades
universais e absolutas.
Protágoras de Abdera (à direita).
Salvator Rosa, 1663-1664
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“Só sei que nada sei”

Apelidado de “o moscardo”, Sócrates


usou o diálogo como forma de busca
dos conceitos universais que
fundamentavam o conhecimento
verdadeiro.
Centrado nos problemas da cidade e
do homem, Sócrates procurar definir
conceitos universais, como o Bem ou a
Justiça. Só neste plano de
universalidade se poderia encontrar o
Sócrates verdadeiro saber, ultrapassando o
relativismo sofista.
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“Aos filósofos compete dedicarem-se


à filosofia e governarem a cidade”

Discípulo de Sócrates, Platão viveu no


período de decadência moral e política da
democracia ateniense.

Defendeu a existência de verdades


absolutas e universais, alcançáveis través
da razão.

Defendeu que apenas os filósofos


poderiam governar a cidade e torná-la
justa.

Foi autor de uma vasta obra filosófica, a


Platão
maioria sob a forma de diálogo.
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Platão fundou a Academia, a primeira escola de Filosofia.


A Filosofia passou, então, da ágora para um espaço específico.
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“O homem é um animal político”

Discípulo de Platão, Aristóteles é


considerado um dos maiores
pensadores de todos os tempos.

Escreveu sobre ética, política, física,


metafísica, lógica, psicologia, poesia,
retórica, zoologia, biologia, história
natural e outras áreas do conhecimento
humano.

Aos quarenta e nove anos fundou a sua


própria escola, o Liceu.
Aristóteles
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Aristóteles e Platão são os


principais fundadores do
pensamento ocidental.

Rafael, A Escola de Atenas, séc. XVI (pormenor)


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O contributo dos filósofos gregos


A filosofia grega equacionou e respondeu de forma decisiva para
o destino da filosofia ocidental aos problemas que se punham e
ainda se põem em três domínios fundamentais:
1.no domínio da natureza;
2.no domínio do conhecimento;
3.no domínio do homem enquanto cidadão e ser prático que age
com outros homens – abordagem globalizante: Ciência,
Técnica, Ética e Moral.

Os filósofos gregos enunciaram os problemas filosóficos


fundamentais que ocuparam a filosofia e a ciência até aos nossos
dias – caráter intemporal de muitas questões filosóficas.
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O contributo dos filósofos gregos

Os filósofos gregos legaram um vocabulário, a terminologia


e as categorias fundamentais com que trabalha o
pensamento filosófico e o pensamento ocidental –
construção de ferramentas que permitem a
fundamentação racional de posições e teorias.

A filosofia grega legou ainda um vasto leque de teorias e


conceções que viriam a ser sucessivamente retomadas e
reelaboradas pelos pensadores subsequentes – legado
duma razão como uma razão crítica, filosófica; a ousadia
ancestral de se ser capaz de ‘pensar por si’.
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Bibliografia
- Abbagnano, N. (1985).História da Filosofia, Vol. I.. Lisboa: Editorial Presença.

- Brun, J. (1968). Os pré-socráticos. Lisboa: Edições 70.

- Copleston, F. (1994). Historia de la filosofia 1: Grecia e Roma. Barcelona: Editorial Ariel.

- Pereira, M. H. da R. (1982). Helade. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, pp. 82-258.

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