Você está na página 1de 5

Página 1 de 5

ESTUDO DE CASO WAL-MART

O Wal-Mart do Brasil até agora não derrubou nenhum concorrente. Mas basta olhar a tecnologia para
perceber que o maior varejista do mundo ainda é uma ameaça:

Todos se lembram do fuzuê que ocorreu quando a maior rede mundial de varejo resolveu
entrar no Brasil, o quinto maior mercado de alimentação do planeta. Dono de 4 313 lojas, que recebem
100 milhões de consumidores nos dez países em que atua, o Wal-Mart levantou muita expectativa.
Desde a chegada, em 1995, a empresa já investiu no país 500 milhões de dólares, mas fez mais barulho
que estrago. O Wal-Mart faturou 1,2 bilhão de reais no ano passado e ocupa o sexto lugar no ranking
nacional do varejo, com uma fatia de mercado de 1,8%. Até agora, porém, não derrubou nem um
concorrente sequer no Brasil.

Até agora. Só há um senão: a história da rede varejista. Nos Estados Unidos, o Wal-Mart
tinha, de acordo com o McKinsey Global Institute, 9% de um mercado de 182 bilhões de dólares em
1987. Em 1995, já eram 27% de 298 bilhões. Em 1999, 30% de 379 bilhões. “O Wal-Mart era 50%
mais produtivo que os competidores já no início dos anos 90', diz Vincent Palmade, sócio do McKinsey
Global Institute. “Isso gerou uma enorme pressão competitiva sobre os concorrentes. Foi o fenômeno
Wal-Mart, copiado por todos, que levou ao incrível salto de produtividade do varejo americano nos
anos 90.' A despeito da reação da concorrência, em 1999 o Wal-Mart ainda era, diz o McKinsey, 41%
mais produtivo que a média do mercado americano (a consultoria mede produtividade como
faturamento por hora de trabalho de um funcionário).

O segredo por trás do sucesso do Wal-Mart? Uma gestão de primeira e o uso eficaz do
computador e dos bits. “O caso do Wal-Mart mostra como a tecnologia da informação é um
componente essencial à inovação dos negócios, impossível de separar da mudança de processos', diz
Palmade. Eis o que afirma Nelson Barrizzelli, professor da Faculdade de Economia e Administração da
Universidade de São Paulo (FEA-USP) e um dos maiores especialistas em varejo do mercado brasileiro:
“O Wal-Mart é o melhor exemplo mundial do uso da tecnologia para controlar a lucratividade de cada
item, acelerar a rotação do estoque, multiplicar o número de giros de um produto conforme a margem
de lucro e eliminar mercadorias que não têm saída. A empresa faz isso melhor que qualquer
concorrente'. Será, então, que o Wal-Mart poderá reproduzir no Brasil a história de sucesso que a
tecnologia tornou possível nos Estados Unidos? Para responder, é preciso primeiro entender o que os
sistemas mais modernos de computação foram capazes de fazer pela empresa fundada em 1962 por Sam
Walton.
Página 2 de 5

DE OSASCO AO ARKANSAS

Se você der um pulo agora na loja do Wal-Mart em Osasco, ou em qualquer outra das 21 lojas
da rede no Brasil, e comprar uma caixa de bombons, ao passá-la no leitor de código de barras do caixa,
a informação viajará 13 mil quilômetros diretamente para a sede da empresa, em Bentonville, no estado
americano do Arkansas. De lá, o mesmo sistema mandará um aviso para que o centro de distribuição
brasileiro, em Barueri, na Grande São Paulo, reponha automaticamente a caixa de bombons na gôndola.
Tudo isso acontecerá numa fração de segundo. E todas as informações ficarão registradas naquele que é
hoje o maior banco de dados do mundo.

Considerado o coração da empresa, esse banco de dados comanda mundialmente o sistema de


distribuição das mercadorias, assim como as compras e vendas das diferentes bandeiras da rede
varejista. É lá, na base de dados em Bentonville, que são processadas, em tempo real, todas as
transações efetuadas em todas as lojas do Wal-Mart, de Osasco a Xangai, na China. Tal base de dados é
sete vezes maior que todo o conteúdo da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. (Se os textos dos
livros que estão guardados nessa biblioteca fossem digitalizados, isso daria um total de 20 trilhões de
bytes. A base de dados do Wal-Mart armazena 140 trilhões de bytes em dados.)

Mas de nada adiantaria acumular tanta informação se a empresa não conseguisse usá-la para
explorar novas oportunidades de negócios. E é isso que o Wal-Mart sabe fazer melhor. Além de
centralizar a operação das lojas, o banco de dados é usado diariamente para fornecer aos executivos
informações como a preferência de cada cliente, a movimentação de cada loja ou o giro de cada produto
por gôndola. É possível, por meio de softwares, garimpar na base de dados do Wal-Mart respostas para
as perguntas mais exóticas. Em que momento do dia o consumidor chinês compra mais chá? Que
produto deve ser mudado de lugar na gôndola para alcançar os olhos do cliente coreano? Que itens
serão mais procurados pelos alemães em razão da previsão de um inverno rigoroso? Dá até para
descobrir que, ao contrário do que ocorre em outros países, no Brasil os consumidores têm o hábito de ir
às compras acompanhados da família.

Só para montar esse armazém de dados, estima-se que o Wal-Mart tenha feito um
investimento em tecnologia na casa dos 700 milhões de dólares ao longo da última década. Analistas do
mercado afirmam que, durante os anos 90, os investimentos do Wal-Mart em tecnologia superaram 1
bilhão de dólares, e a empresa acaba de anunciar que comprará mais 400 milhões de dólares em
computadores e adendos em 2002. Como a própria história prova, o varejista tem plena consciência de
que o retorno desses investimentos só vem no longo prazo.
Página 3 de 5

CONTANDO CENTAVOS...

Há uma lei estratégica fundamental que está por trás de cada centavo gasto com tecnologia da
informação. Porque opera dentro de um segmento cujas margens de lucro são bastante estreitas (o lucro
líquido médio do setor supermercadista brasileiro gira em torno de 1,7%), o Wal-Mart trava uma briga
com os concorrentes locais para garantir preços baixos todos os dias. “Qualquer tecnologia adotada tem
como objetivo cumprir essa lei', diz Vicente Trius, presidente do Wal-Mart do Brasil. “Ela nos obriga a
negociar o melhor preço possível com a indústria e a acumular reduções de custos ao longo da cadeia de
suprimentos.'

Se qualquer cliente do Wal-Mart conseguir provar, com uma nota fiscal ou um panfleto de
promoções, que a concorrência oferece preços mais baixos, a empresa cobre a oferta e baixa o preço na
boca do caixa. É comum um funcionário do Wal-Mart encher vários carrinhos de produtos nos
supermercados concorrentes e expô-los na porta do hipermercado, ao lado de um cartaz que exibe o
valor total da compra e o nome da concorrência. “O monitoramento do preço da concorrência e a oferta
de um tíquete médio mais barato sempre fizeram parte da política mundial da rede', diz Alberto
Serrentino, sócio-diretor da consultoria Gouvêa de Souza & MD.

Um exemplo de como a tecnologia ajuda nessa tarefa poderá ser visto pelos consumidores
brasileiros neste mês, quando a empresa vai levar a público um novo equipamento, em teste há seis
meses. Ele foi desenvolvido para agilizar a pesquisa de preços que a rede tradicionalmente faz todo dia
nas gôndolas dos concorrentes. A prática, comum entre os varejistas, é quase sempre feita
manualmente. Mas um novo e discreto equipamento do tamanho de um bip, batizado de competitor
scanner, reproduz a função de um leitor de código de barras, com a vantagem de armazenar o cadastro
de todos os itens que o Wal-Mart tem em comum com os concorrentes.

Basta ao usuário apontar o raio laser do dispositivo para a etiqueta do produto na gôndola e
digitar o valor cobrado pelo outro supermercadista. De volta ao Wal-Mart, o funcionário tem em mãos
um levantamento com o preço de 1,5 mil itens. “Uma pesquisa que levava geralmente sete horas hoje é
concluída em 20 minutos', diz Clovis Tadeu David, diretor de sistemas de informação do Wal-Mart do
Brasil. Para varejistas desse porte, que abrem as portas às 7 da manhã e brigam diariamente por um
consumidor até as 22 horas, ganhar tempo para reagir à demanda por determinado produto é crucial.
Além de colher rapidamente o preço da concorrência, o novo equipamento está integrado ao armazém
de dados do Wal-Mart, que na mesma hora compara os valores e ajusta os preços de acordo com a
política de oferecer produtos de 5% a 10% mais baratos que a concorrência. O Wal-Mart já investiu em
50 equipamentos como esse no Brasil, e há pelo menos três funcionários por loja dedicados à coleta de
preços na concorrência.
Página 4 de 5

A mesma transparência com que lida com o público, ao expor o preço da concorrência,
repete-se na relação do Wal-Mart com o fornecedor. Há cinco anos, o Wal-Mart do Brasil oferece um
sistema eletrônico de reposição de estoque, chamado retail link, para 2 mil dos seus 4,5 mil
fornecedores. Nos Estados Unidos, de acordo com o McKinsey, 90% dos fornecedores estão ligados ao
sistema desde o início dos anos 90. Com ele, a Procter & Gamble, por exemplo, consegue saber quanto
foi vendido do seu sabão em pó Ariel em qualquer loja do Wal-Mart no mundo. E mais. Que loja
vendeu mais, em qual ocorreu maior número de reposições e onde sobraram mais produtos na
prateleira. O fornecedor tem acesso à base de dados do Wal-Mart, que exibe o histórico dos últimos
dois anos de venda dos produtos, organizados por categoria, praça, volume e loja, além do nível de
estoque para 48 horas de todos os itens em todas as lojas no mundo. O fornecedor sabe o preço cobrado
e até o comportamento do produto na gôndola. “Essas informações em tempo real são fundamentais
para conhecermos melhor o consumidor e conseguirmos desenvolver novas oportunidades de negócio.
Com base nesse sistema, já promovemos ações de merchandising dentro da loja e alterações na forma
de abastecimento e até no nosso inventário', diz Marcio Andreazzi, diretor de relações externas da
Procter & Gamble.

A parceria com o fornecedor vai além das prateleiras. Se você visitar o novo centro de
distribuição da empresa em Barueri, na região da Grande São Paulo, inaugurado em maio deste ano,
poderá conferir que tudo é feito para reduzir estoque, tanto nas lojas do Wal-Mart como nos galpões dos
fornecedores. O centro, que exigiu um investimento estimado em 15 milhões de reais, tem capacidade
para abastecer 100 lojas e guardar 10 milhões de caixas de produtos. Dos 65 mil itens expostos nas
lojas, pelos menos 40 mil passam pelo centro de distribuição. Desses, 90% saem diretamente do
caminhão do fornecedor para um do Wal-Mart. Não ficam um só dia parados no chão do armazém.

O sistema de informação altamente centralizado e integrado permite ao Wal-Mart abrir ou


fechar uma loja sem provocar grandes transformações no armazém, como aconteceu no mês passado
com a abertura da segunda loja da bandeira Wal-Mart Todo Dia, em Taboão da Serra, São Paulo.
“Acionamos uma loja da mesma forma e com a mesma velocidade que é necessária para conectar um
PC a uma rede de computadores', diz Pablo Corona, gerente da divisão de sistemas de informação do
Wal-Mart Stores Inc. O mesmo sistema de informação controla também a abertura das portas dos
refrigeradores (se alguém esquecer uma porta aberta, recebe um aviso), a rede elétrica, o áudio e o vídeo
de todos os hipermercados espalhados pelo mundo. Parece sofisticado? E é.
Página 5 de 5

...E POUPANDO MILHÕES

Mas a grande inovação tecnológica no centro de Barueri reside na capacidade de


individualizar a distribuição em cada loja. “Em vez de caixas fechadas de produtos, conseguimos enviar
um item de cada mercadoria a uma determinada loja', diz Oswaldo Silva Jr., diretor de distribuição do
Wal-Mart do Brasil. Conhecida como put-to-light, a tecnologia permite abrir uma caixa de 36 jogos do
Gugu e distribuí-los igualmente nos 12 hipermercados que existem no Brasil. Dessa maneira, nenhuma
loja precisa ter espaço para guardar 36 jogos do Gugu, já que dificilmente são vendidos mais de dois
por semana.

A distribuição individualizada atinge principalmente os produtos leves e de alto valor


agregado. Se uma loja receber um xampu especial para caspa, todas recebem. Caso alguma não venda
nenhum numa semana, o sistema automaticamente suspende a reposição, para evitar um acúmulo do
item no estoque das demais lojas. Desde que entrou em operação em junho deste ano, a distribuição
individual de produtos, que engloba 8 mil itens, já refletiu queda de 15% no estoque das gôndolas e de
30% no espaço reservado para o inventário, no fundo dos hipermercados. “Nossa meta é repetir a
fórmula do padeiro. No fim do dia, só pode sobrar um item de cada produto na gôndola, ou um pão na
cesta. Se a cesta estiver vazia, significa que o padeiro perdeu alguma venda, e, se estiver com vários
pães, que morreu com o estoque', diz o diretor de sistemas David.

Colocar a tecnologia a serviço do negócio fez o Wal-Mart do Brasil diminuir de 5% a 10% os


custos ao longo da cadeia inteira de suprimentos. Quanto isso significa? Difícil calcular. Analistas
financeiros que investem nas ações da empresa estimam que, só no Wal-Mart do Brasil, a tecnologia da
informação possa proporcionar um ganho anual de cerca de 10 milhões de reais. Tais projeções podem
aumentar a apertada margem de lucro do varejista em algo como 30%. “Não investimos somente no
ganho de produtividade, mas também na conquista da fidelidade do cliente, de forma a garantir os
preços mais competitivos do mercado. Os sistemas de tecnologia são integrados e centralizados para
conhecer e servir melhor o consumidor”', diz o presidente Trius. Resistente a citar números — outra lei
do velho Walton seguida a ferro e fogo —, ele afirma que, desde que o Wal-Mart desembarcou no
Brasil, as vendas vêm crescendo de 5% a 10% ao ano.

Se o Wal-Mart conseguir ajustar a distribuição a tal ponto que cada loja só compre o que
vende e só venda o que compra, talvez obtenha índices muitos maiores de rentabilidade. Não à toa, as
previsões de Trius são otimistas: “No fim deste ano esperamos faturar mais de 200 bilhões de dólares
no mundo”. No ano passado, segundo o banco de investimentos Merrill Lynch, o faturamento de 192
bilhões superou em três vezes as vendas do Carrefour, segundo maior varejista do mundo. Não é difícil
imaginar o que está por trás disso.

Você também pode gostar