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Apontamentos gerais direito constitucional 1º semestre

Direito Constitucional

NOTA

1. O Estado de Direito Liberal. As conceções de direito fundamentais e de fins do Estado Os direitos fundamentais não podem ser postos em
prevalecentes em Estado de Direito Liberal causa. Contudo, por vezes, colidem uns com os outros,
procedendo-se à limitação de um dos direitos

Por exemplo: Leis de contingência devido ao covid. Estas


Definições e alguns conceitos: mesmas leis sobrepuseram-se ao direito de liberdade de
circulação em prol do direito à saúde.
As normas Constituição: Legislação base e suprema de
constitucionais um país/Estado. Conjunto de normas e leis
são superiores. gerais que o regem. As constituições do século XIX diziam o mesmo, no entanto, esse mesmo direito era entendido de forma
Por exemplo, A Constituição portuguesa diz que temos o diferente (ex.: desigualdade entre sexos) - diferenças de conceções de direitos fundamentais. (devido ao
uma lei é direito de ser tratados igualmente face à lei contexto histórico).
considerada É a "regra da maioria"
inconstitucional
se não estiver • As Constituições atuais remontam às
de acordo com Estado de direito: Estado onde há separação Revoluções Liberais americana e francesa.
a Constituição. de poderes e respeito pelos direitos
Quem verifica fundamentais (um garante o outro. Limitado • Baseiam-se na Declaração dos Direitos do
essa mesma juridicamente pela Constituição. Homem e do Cidadão
inconstitucional Exemplo: com a liberdade de expressão/ direito de Documento culminante da revolução francesa, em
idade é o propriedade, os poderes públicos não têm de intervir) 1789, que define os direitos individuais e coletivos
Tribunal Distinção direito positivo e negativo: do Homem, como universais.
Constitucional. intervenção/não intervenção, fazer/não, Se nós temos direitos, a outra parte tem um dever
fazer • O objetivo máximo da Constituição é garantir
os direitos fundamentais dos cidadãos, e o
Direito: relação jurídica com outra respeito pelos mesmos.
pessoa/coisa • Contudo, qualquer país pode possuir um
documento constitucional. O que vai
Regime político: diferentes modalidades de exercício do poder determinar aspetos como o regime político,
político no Estado contemporâneo, considerando o relacionamento a forma de Estado, etc., é o conteúdo da
institucional entre governantes e governados e tendo em especial mesma.
Nota conta quem tem a titularidade e quem dispõe do exercício efetivo
do poder constituinte, bem como o peso e a influência das
Estado de Direito difere-se de instituições representativas, etc.
república e democracia.
Sistema de governo: Não se refere às relações entre os cidadãos e o Sistema de governo pode ser intitulado, por outros autores como
Democracia - regime político em que poder mas concentra-se numa dimensão interna ao exercício do "forma de governo" ou até, mais habitualmente, regime político
todos os cidadãos elegíveis participam poder político estatal, respeitando às diferentes modalidades de
igualmente - direta ou indiretamente, relacionamento institucional entre os vários órgãos do poder
através de representantes. político.

República - Regime político em que o Forma de Estado: Enquanto forma política, assinala a diferenciação
Nos dias de hoje teríamos: o Estado unitário, federal e
Estado tem como objetivo satisfazer o da estrutura vertical interna do ordenamento jurídico-
o regional - ou seja, unitário com regiões autónomas
interesse geral de toda a população, constitucional e do poder político vigentes em determinada
sendo a própria responsável pela coletividade, consoante a origem do poder constituinte e a divisão
eleição de um chefe de Estado que vertical de poderes instituída em função da inserção territorial.
governará por período limitado de
tempo. É, também, uma forma de Forma de Governo: Restringe-se unicamente à consideração, ao Distinguem-se as formas de governo em função do
governar distinguida pela soberania do tempo e modo de sucessão no órgão visto como suprema carácter vitalício ou temporário do exercício do cargo
povo - este elege os seus próprios magistratura do Estado - que é tomado como referência efetiva ou e em função da via hereditária ou não hereditária de
representantes. meramente simbólica, da unidade De um dado sistema político. sucessão (distinguindo assim, por exemplo,
monarquia de república)
Por exemplo, constatamos que Sistema político: Restantes formas políticas relevantes na vida
existiram monarquias constitucionais, política de uma comunidade, considerando aí, outras formas
mas não chegaram a ser democracias, importantes na nossa democracia, como são os sistemas partidários
uma vez que a grande maioria da Bipartidarismo, multipartidarismo, partidos de quadros,
população estava impedida de votar. partidos de massas
Uma vez que, neste caso, verificamos Sistemas eleitorais em sentido lato e restrito (sufrágio
que os direitos fundamentais dos universal, restrito, sistema de representação proporcional
cidadãos não foram respeitados, não Pode, igualmente, existir democracia sem estado de direito - por maioritária)
podemos falar, verdadeiramente, de exemplo: o Estado islâmico, onde se realiza eleições democráticas mas, Grupos de interesse (lobbies e corporações)
um Estado de Direito, visto que essa é todavia, o partido eleito não demonstra respeito pelos direitos
a sua principal característica - o fundamentais dos cidadãos.
respeito pelos direitos fundamentais.

Por outro lado, enquanto que o


Estado de Direito é um tipo histórico
de Estado (2 fases - liberal e social
democrata), a Monarquia/República
representam a natureza do mandado
do chefe de estado.

Tipo Histórico de Estado


Capítulo I

O tipo histórico de Estado é a diferente concretização que a forma do poder político (o Estado) vem
assumindo ao longo da história

Toma como características de diferenciação: (incluindo, igualmente, as características referentes à


sucessão do tempo histórico)
- a forma como é concebido o fim do Estado (qual é o seu propósito);
- a sua relação com o indivíduo (Estado-indivíduo), e
- a natureza dos direitos que lhe são reconhecidos ou não, face ao Estado.

- As Revoluções liberais dos finais do século XVIII - e o seu


êxito - foram um marco histórico para a concretização do Concentrar-nos-emos, assim, na análise
projeto político que já ganhara reconhecimento global - dos seguintes tipos históricos de Estado
inicialmente inspirado na ideologia liberal - o Estado de dos últimos séculos:
- Estado moderno (que,
Direito. tendencialmente, corresponde ao
conceito de Estado-Nação)
Podemos definir o Estado de Direito como o Estado - Estado absoluto (patrimonial e de
organizado/limitado juridicamente, de forma a garantir os polícia)
direitos fundamentais dos cidadãos sobre a sua jurisdição - os - Estado de direito (liberal, social e
poderes públicos passam a não poder dispor livremente em democrático)
função do reconhecimento da dignidade da pessoa humana (ou - Estado autocrático dos séculos XX
seja, os seus direitos fundamentais). Todos são submetidos ao (conservador ou revolucionário
"império do Direito", até mesmo os governantes. anticapitalista) e XXI (teocrático)
Os seus aspetos mais salientes são:

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direitos fundamentais dos cidadãos sobre a sua jurisdição - os - Estado de direito (liberal, social e
poderes públicos passam a não poder dispor livremente em democrático)
função do reconhecimento da dignidade da pessoa humana (ou - Estado autocrático dos séculos XX
seja, os seus direitos fundamentais). Todos são submetidos ao (conservador ou revolucionário
"império do Direito", até mesmo os governantes. anticapitalista) e XXI (teocrático)
Os seus aspetos mais salientes são:
- A separação de poderes
- A garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos e o
respeito pelos mesmos.
Estado Nação
O termo Estado-Nação provém do conceito de "Estado da Razão" - a
razão passou a ser a força constituidora da dinâmica deste tipo de
Estado, principalmente ao nível da administração das populações.
O indivíduo passa a sentir que pertence algo, a um grupo com uma
Contudo, os diferentes contextos históricos e de vivência dos séculos XIX e XX levaram, evidentemente, à cultura, língua e história próprias - Uma Nação, o que faz com que sinta
existência de uma subdivisão, que irá dar origem ao Estado de direito liberal e ao Estado social e uma certa segurança e conforto.
democrático de Direito. O Estado-nação afirma-se por meio de uma ideologia, uma estrutura
jurídica capaz de impor uma soberania sobre um povo, num dado
Esta distinção de 2 tipos de Estados de Direito conhece a sua linha território com fronteiras, com uma moeda e forças armadas próprias
cronológica no fim da Primeira Guerra Mundial e anos seguintes. (entre outras características). É, na sua essência, conservador, e
tendencialmente, totalitário.

Estado patrimonial
Estado absoluto onde o monarca tem um sentimento de pose sobre o
estado, governa-o como o seu próprio feudo, é o “dono” da Nação e
do país.

Estado de polícia
O monarca pretende alcançar o bem da “pólis” – da cidade, o déspota
Estado de Direito liberal esclarecido (o monarca) é o primeiro e maior provedor desse mesmo
1.1 bem e felicidade, intervindo na vida privada da população.

Estado autocrático
Originalmente, a ideia de "Estado de Direito" surge como algo característico da luta política liberal contra A partir da análise do termo grego - autos (por si próprio) e
o poder absoluto - exercido pelos déspotas iluminado (ou esclarecido) do Estado de Polícia do século XVIII, kratos( poder) - de poder por si próprio. No Estado autocrático existe
onde o monarca - sob o pretexto de bem-estar do Estado e do povo - controla todos os aspetos da vida um único detentor do poder político-estatal, ou seja, o poder está
social. concentrado num único governante - este tem o controlo absoluto de
todos os aspetos do Estado e, consequentemente, da vida dos
Esta ideia é comum a todo o pensamento liberal e constitucionalista, assentando numa proposta de: cidadãos (o governante podendo este ser um líder singular, um
partido, uma assembleia, etc.) que não tem direitos sobre esse mesmo
- racionalização do Estado poder, não tendo poder de escolha/decisão.
- reconstrução radical das relações do mesmo com a sociedade e com os indivíduos.
1. Estado autocrático dos séculos XX e XXI
Conservador - nazismo, fascismo
Revolucionário anticapitalista - estado soviético
Este tipo de Estado não emerge num tempo histórico preciso e, tão pouco, surge em todos os países ao Teocrático - Estado Islâmico
mesmo tempo, ou através de processos idênticos.

Começou por surgir em França e nos Estados Unidos da América através de


processos revolucionários de rutura com a situação anterior.

Estas mesmas revoluções foram levadas a cabo com a finalidade de transformar


um Estado absoluto num Estado não interventivo e tiveram como a sua
impulsionadora, a burguesia - uma classe social com poder económico e desprovida
de qualquer poder político - uma vez que o mesmo estava concentrado no poder
absoluto. A burguesia queria que às suas condições económicas favoráveis
coincidisse um poder político, de forma a atribuir uma segurança às suas atividades
e, principalmente, à sua propriedade (que constituía o direito mais fundamental, na
época). Desta forma, a burguesia já se poderia desenvolver. Existe uma separação de poderes onde o órgão
predominante é a Assembleia representativa dos
O único dever do Estado deveria ser o de: cidadãos/proprietários, que representam cerca de
- Assegurar a segurança interna e externa; 4% a 6% do povo - exclui-se os analfabetos, as
- Assegurar a estabilidade etnias estrangeiras, as mulheres e os não
- Assegurar a paz social proprietários.
Para que, desta maneira, os cidadãos pudessem desenvolver as suas atividades em
paz e ter a sua liberdade contratual - sem que o Estado interviesse. Gera-se uma A lei era feita por esta mesma Assembleia e
conceção de separação entre o Estado e a sociedade - esta era gerida pela exercida pela Administração
liberdade.
Princípio da legalidade da administração - a
administração só tem legalidade nas suas
Desta forma, e apenas assim, se poderia garantir os direitos fundamentais.
competências quando aprovada pelas leis criadas
A conceção da época desses mesmos direitos baseava-se no direito à propriedade – pela Assembleia.
este condicionava a existência dos outros direitos.
Se um cidadão não fosse proprietário não teria interesse na
conservação/progressão da sociedade/organização social. Só quem tem
propriedade poderia votar: restrição censitária pois só estes estariam inscritos nos
sensos e pagariam impostos.
Este voto restrito estava, inteiramente, ligado aos interesses económicos,
percecionando-se o mesmo como que se a maioria tivesse o direito de voto, usaria
isso para "desapropriar" os proprietários
Igualmente, os direitos de exercício coletivo eram vistos com desconfiança, os
direitos fundamentais do Estado de Direito eram aqueles exercidos individualmente,
uma vez que o coletivo se poderia virar contra o individual.

… Retomando o surgimento do Estado de Direito liberal nos vários países

Inglaterra
Nunca conheceu o modelo de Estado absoluto (ou monarquia absoluta), a evolução do poder de Estado processou-se Este processo viria a obter êxito definitivo no século XVII, quando a
gradual e insensivelmente. Como que por uma transição evolutiva natural, \através da aceitação progressiva da ideia de "Glorious Revolution" consagrou:
limitação jurídica do poder - por um modelo de continuidade histórica típico das instituições constitucionais britânicas. - A soberania do Parlamento
Ainda hoje não possui uma Constituição formal (ainda que tenha todos os princípios do Estado de Direito garantidos através - A inviolabilidade das liberdades individuais.
de instituições)
Pode-se considerar que o Estado de Direito foi antecipado para os finais do século XVII.
Surge sobre a denominação de "Rule of law" - Império da lei (assim como na América)
Uma Constituição formal possui um carácter escrito e um cariz
normativo – tem força vinculativa - molda o conteúdo das ações das
pessoas e o ordenamento jurídico impõe que haja um determinado
Alemanha
respeito pela mesma.
Desenvolve-se de forma gradual, através de um compromisso com a legitimidade monárquica tradicional.
O Estado de Direito tem a sua verdadeira designação na Alemanha - "Rechtsstaat". Enquanto que uma Constituição material é um conjunto de regras, escritas ou não, que
definem a estrutura das relações de poder de um país e do seu exercício, atendendo a
características como o seu sentido e alcance, assim como o sistema de garantias dos cidadãos.
Não precisa de ser necessariamente escrita, assim como o seu conteúdo pode estar disperso
em vários documentos.
Ainda que já tenham sido referidos os processos revolucionários de rutura com a situação anterior, tanto Centra-se na organização/estratificação da sociedade e na separação dos poderes, como
em França como na América, na última esta revolução teve um cariz mais homogéneo, devido ao garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.

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definem a estrutura das relações de poder de um país e do seu exercício, atendendo a
características como o seu sentido e alcance, assim como o sistema de garantias dos cidadãos.
Não precisa de ser necessariamente escrita, assim como o seu conteúdo pode estar disperso
em vários documentos.
Ainda que já tenham sido referidos os processos revolucionários de rutura com a situação anterior, tanto Centra-se na organização/estratificação da sociedade e na separação dos poderes, como
em França como na América, na última esta revolução teve um cariz mais homogéneo, devido ao garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.
facto do Supremo Tribunal sempre ter tido a capacidade de negar leis, implantando confiança nos
americanos. Por outro lado, a sua desconfiança recaía sobre o Parlamento, devido à sua experiência com
a Inglaterra. Nota
O Estado de Direito tem a designação de "Rule of law" - como já explicado anteriormente. O Supremo Tribunal dos EUA intitulou-se do poder de
Na França, o mesmo tem a designação de "État constitutionnel" - Estado constitucional. rever a constitucionalidade de uma lei, tendo sido
feito com esta facilidade porque os americanos
(controlados pela Inglaterra) desde o principio
desconfiavam da inconstitucionalidade de um
parlamento e das leis aprovadas pelo mesmo.

Natureza e elementos do Estado de Direito liberal


1.1.1

- O Estado de Direito pode definir-se, sinteticamente, como atrás descrito - um Estado limitado e Todavia, sendo esses as suas principais características teóricas, na prática, a sua
organizado juridicamente com vista à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos. concretização - como já visto - é sempre influenciada pelas circunstâncias materiais e pelo
contexto ideológico em que se realiza.

O contexto histórico que diz respeito ao nascimento do Estado de Direito (liberal) - surgido,
originariamente, em oposição ao Estado de polícia na Europa ocidental - é o de uma época caracterizada E marcada, no plano ideológico, pela hegemonia doutrinária do liberalismo (ou seja, com a
social, económica e politicamente pela afirmação da burguesia como classe dominante. inexistência de divisões ideológicas)

Desta forma, chega-se à análise de que o Estado de Direito liberal típico do século XIX só pode ser compreendido à luz das conceções ideológicas próprias da época.

Desta forma, independentemente das diferentes modalidades de concretização política, o ideal do Estado
de Direito propõe-se sempre à garantia:

➢ Da segurança
➢ Da liberdade
➢ Da propriedade dos cidadãos

Estes princípios aparecem, indissociavelmente, ligados à natureza do "cidadão" da época enquanto


homem branco e proprietário.
Sendo que, devido a tudo isto, o Estado de Direito desenvolve-se pelas seguintes três instâncias:

Respeitante às relações entre Estado e indivíduos, o projeto liberal assenta no pressuposto de uma
a. Uma clara separação entre Estado e separação ideal entre Estado e sociedade, mais precisamente, entre Estado e economia.
sociedade.
Permitindo à sociedade em si, constituir-se num O Estado deveria limitar-se a garantir a segurança, a liberdade e a propriedade dos cidadãos, deixando a
espaço autorregulado onde coexistam, concorram vida económica à sua própria autorregulação, através das leis do mercado livre. Os agentes económicos
e se possam desenvolver livremente as esferas de seriam comandados como que por uma "mão invisível" que, através das leis da oferta e da procura,
autonomia económica e moral dos cidadãos. conduziria os particulares e a sociedade ao melhor dos mundos.
b. Uma redução da atividade do Estado ao
mínimo possível. Para o otimismo liberal esta era a visão do Estado: um "guarda-noturno" vigilante e, sobretudo, passivo
Esse "mínimo" é o exigido para a garantia da paz ao serviço da sociedade. A sua única função, ao abrigo das três garantias que o mesmo deveria assegurar,
social e das condições objetivas que viabilizem o seria permitir o pleno desenvolvimento da sociedade civil, de acordo com as suas próprias leis naturais. O
encontro das autonomias individuais e o livre Estado - estruturalmente abstencionista - deveria garantir, simplesmente, a garantia e a proteção dos
desenvolvimento da personalidade de cada direitos e liberdades individuais.
indivíduo.
c. Uma conceção das relações Estado-cidadãos
em que impere a previsibilidade e a
segurança. Em última análise, toda esta construção - bem como o projeto
Estas mesmas relações passam a ser configuradas de reconstrução/racionalização do Estado a ela associado (e
enquanto relações jurídicas desenvolvidas entre levado a cabo pelos movimentos liberais do século XIX) se
sujeitos e Direito, com a transformação orienta para a garantia das esferas de autonomia individual -
progressiva de toda a atividade do Estado numa onde se preserva um núcleo de direitos e liberdades
atuação fundada, organizada e vinculada fundamentais.
juridicamente segundo regras pré-estabelecidas. Por sua vez, esses mesmos direitos eram entendidos à luz das
conceções burguesas da época - estando intrinsecamente
condicionados pelos valores supremos da iniciativa privada e da
segurança da propriedade.

Nesse sentido, racionalizar o Estado é, então, ao contrário do que acontecia com as


Esta submissão ao Estado de Direito exige uma construção exigências da razão do Estado de polícia preocupado com a procura e providência
complexa em que sobressaem: ativas do bem comum - assegurar que a intervenção estatal não ultrapasse os níveis
mínimos e previsíveis, ou seja, que o Estado não extravase dos seus fins garantistas e
invada ilegalmente as esferas da vida privada.
1. A conceção do Estado como pessoa jurídica - titular de direitos e deveres
Assim, racionalizar o Estado num Mundo em que a dinâmica social e
como qualquer cidadão que se relaciona com as outras pessoas jurídicas,
económica assenta na segurança do contato livremente celebrado entre
nomeadamente, com os particulares, através de vínculos regulados pelo
iguais, é também transformá-lo num Estado submetido ao Direito, num
Direito e tutelados pelos tribunais.
Estado limitado e organizado juridicamente.
2. A organização jurídica de todos os serviços e atividades do Estado e,
especialmente, a repartição das várias funções do Estado pelos vários
órgãos e poderes
3. O estabelecimento de uma hierarquia jurídica entre os diferentes atos do
Estado - na qual a lei geral e abstrata ocupa o lugar supremo, permitindo
que todas as diferentes manifestações da atividade do Estado possam ser
sujeitas a um controlo judicial baseado na verificabilidade objetiva da sua
conformidade aos padrões estabelecidos no estalão normativo que as
procede hierarquicamente.

Assim, conclui-se que - sendo a finalidade da limitação jurídica do Estado, a garantia dos direitos e liberdades fundamentais - esta finalidade não pode ser prosseguida de forma segura sem o recurso - no plano
institucional e de organização do poder político - à divisão, separação e organização jurídica dos poderes do Estado.

Direitos fundamentais e divisão de poderes são os elementos essenciais do Estado de Direito

"Só há Constituição onde há direitos do homem e separação de poderes" - Artigo 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1879.

Todavia, sendo esses os elementos imprescindíveis à existência de qualquer Estado de Direito, em países e épocas histórias distintas,
os direitos fundamentais e a divisão de poderes assumem um carácter substancialmente diverso, consoante as circunstâncias em que se
realizam e/ou os fundamentos ideológicos/filosóficos pelo qual se realizam, que estão por de trás dos mesmos.

Assim, demonstra-se a conceção liberal dos direitos fundamentais e o entendimento especificamente liberal da divisão de poderes …assim como dos princípios e
instituições em que esta se concretiza -
o império da lei (o Estado de Direito), o
princípio da legalidade da Administração
(já referido) e a justiça administrativa
Tal como viremos a encontrar, de forma generalizada no nosso tempo, a tradução social e democrática

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Assim, demonstra-se a conceção liberal dos direitos fundamentais e o entendimento especificamente liberal da divisão de poderes …assim como dos princípios e
instituições em que esta se concretiza -
o império da lei (o Estado de Direito), o
princípio da legalidade da Administração
(já referido) e a justiça administrativa
Tal como viremos a encontrar, de forma generalizada no nosso tempo, a tradução social e democrática
destes mesmos valores.

Em suma
Os mesmos direitos fundamentais assumem conteúdo normativo diferente consoante a época em que se
realizam e a divisão típica dos poderes (destinada a garanti-los) desenvolve-se segundo princípios e
modalidades de concretização substancialmente diversos.

O Estado social e democrático de Direito


1.2

A transição do século XIX para o século XX caracteriza-se, no domínio da evolução dos tipos históricos de
Estado, pela crise dos valores e das ideologias nos quais assentavam o modelo de Estado liberal.

Pode dizer-se que a I Guerra Mundial foi a expressão dessa mesma crise e o marco que assinala o fim do
otimismo liberal, construído em torno da crença numa justiça natural relativamente às relações sociais e, Falha da "mão-invisível"
sobretudo, económicas. Pode-se falar num esgotamento do modelo liberal, uma vez que o mesmo deixou
de corresponder às expetativas e situações reais das Nações. A confiança plena nas potencialidades de um livre jogo das leis da concorrência e num mercado livre da
Começa-se a entender que um Estado que não se preocupa com a vida social não chega ao "melhor dos intervenção do Estado, era agora seriamente posta em causa pela crise (económica) generalizada que
mundos". Em situações de crise extrema, a sociedade é incapaz de se regenerar sozinha, sendo que o irrompe nos países capitalistas desenvolvidos. (uma situação mais sentida pela população pobre, com
Estado deve ter um papel regulador. menos recursos e na qual havia mais desemprego).

Os Estados começam-se a aperceber de que o Estado seria necessário para resolver e mediar os problemas que teriam surgido

Sucedem-se, então, na época, novas experiências políticas a que está subjaz, na sua diversidade radical, uma intenção comum de superação do legado liberal.
Mas, enquanto que os fascismos e o nacional-socialismo se opunham à revolução soviética, destruindo a possibilidade da própria subsistência do Estado de Direito (dando
origem a novos tipos históricos de Estado), surge uma outra alternativa que procura reatar/prosseguir o ideal de Estado de Direito nas novas condições do século XX, dando
origem ao que designamos por Estado social e democrático de Direito.

Este novo tipo de Estado - com elementos próprios que foram acolhidos, originalmente, na Constituição Como já referido, constata-se, na prática, o esgotamento do modelo de separação ideal entre Estado e
mexicana de 1917 e na de Weimar de 1919 e que foram, posteriormente, retomados em inúmeras sociedade/ Estado e economia, procurando-se soluções para a crise emergente nas sociedades
Constituições do segundo pós-guerra - assume, integralmente: capitalistas desenvolvidas na Europa e na América. Entendeu-se que a livre troca não conduz ao
equilíbrio.
➢ O ideal de limitação jurídica
➢ A preservação das garantias individuais Por esta altura, a vida social e económica deixa, tendencialmente, de ser concebida como realidade
autossuficiente, passando a ser encarada como algo que o Estado deveria
Ambos estes princípios foram instituídos pelo Estado de Direito liberal, todavia, o Estado social e estruturar/regular/transformar com vista à prossecução do progresso económico e da justiça- e
democrático de Direito insere-os num quadro de profunda reavaliação dos fins do Estado e de consequente garantia da paz social.
recomposição das suas relações com a sociedade.

Quando o Estado intervém deixa de ser abstencionista e passa a ser intervencionista, denominando -
Então, o Estado empenha-se, de forma consciente e deliberada, no processo produtivo, na redistribuição se de Estado social.
do produto social e na direção e planificação dos processos económicos.
A justiça social e a prossecução da igualdade material (e não apenas da igualdade perante a lei) são O Estado social existe para promover e respeitar os interesses dos cidadãos, não para se promover a
elevadas a fins essenciais do Estado - que assim se afirma como Estado social. si próprio.

Por um lado, significa uma estruturação e regulação da vida social a partir do impulso e da conformação
estaduais, quer através de uma política económica intervencionista quer através da providência das
condições de existência vital dos cidadãos, da prestação de bens e de serviços e da criação de
infraestruturas materiais requeridas pelo crescimento económico.
O conceito de Estado social apresenta uma dinâmica bidirecional.

Por outro lado (em sentido recíproco) reconhece-se e estimula-se a pressão e o controlo da sociedade
sobre o Estado (através da sua própria intervenção nele) visando a possibilidade de apropriação social das
decisões políticas através da ação permanente e institucionalizada dos partidos, dos grupos de interesse e
das organizações sociais sobre os aparelhos do Estado.

A expressão Estado social procura sintetizar o sentido desse processo de estadualização da sociedade e de recíproca socialização do Estado, sendo esta dupla dimensão que permite distinguir o Estado
social, na sua globalidade, das realidades políticas identificadas por designações afins mais vocacionadas para traduzir apen as aspetos parcelares daquelas tendências (como o Estado-providência, o Estado
assistencial, o Estado administrativo, o Estado de partidos, etc. Todas elas salientam aspetos particulares que se inscrevem na realidade global que é o Estado social).

No entanto, as profundas transformações assinaladas na forma de conceber as relações entre Estado e Significa isto que o Estado assume novos fins, desenvolve uma intervenção social e económica
sociedade e nos próprios fins do Estado continuam a integrar-se e continuar o mesmo ideal de limitação quantitativa e qualitativamente distinta da não intervenção do Estado liberal do século XIX, mas
jurídica de Estado que também caracterizava o Estado de Direito Liberal. continua a fazê-lo no mesmo quadro de limitação jurídica e de respeito pelos direitos e liberdades
individuais pressupostos na existência de qualquer Estado de Direito.

Portanto, o Estado social e democrático de Direito do século XX dá continuidade ao legado fundamental do Estado de Direito liberal.
Mas, a necessária adaptação do Estado de Direito às novas circunstâncias e valores impõe uma substancial alteração dos elementos do mesmo, tal como tinham sido conformados no século anterior, tanto no que
respeita às conceções dos direitos fundamentais quanto à forma e ao alcance como se perspetiva a divisão e separação de poderes.

A alteração dos elementos do Estado de Direito na passagem do


Estado de Direito liberal para o Estado social e democrático de
Direito 1.3

Nos termos referido, a realização do Estado social pressupõe a preservação dos valores e Ora, independentemente das novas circunstâncias históricas, a realização daquele objetivo exige uma
princípios que, independentemente da época, permitem classificar um Estado como adequada estruturação jurídica do Estado e, desde logo, a manutenção do núcleo das técnicas jurídicas
Estado de Direito, o que implica a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos como associadas ao aparecimento do Estado de Direito: A divisão de poderes, o princípio da legalidade da
fim essencial do Estado em si. administração e a tutela jurisdicional dos direitos dos particulares.

Contudo, a nova natureza de um Estado preocupado não apenas com a manutenção da segurança jurídica, mas também com acriação das condições materiais que permitam a cada um o livre
desenvolvimento da sua personalidade e uma existência condigna, irá provocar alterações sensíveis no entendimento, quer do tipo de direitos e do conteúdo normativo dos próprios direitos

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desenvolvimento da sua personalidade e uma existência condigna, irá provocar alterações sensíveis no entendimento, quer do tipo de direitos e do conteúdo normativo dos próprios direitos
fundamentais, quer das técnicas jurídicas associadas à respetiva proteção.

No plano dos direitos fundamentais


1.3.1

No plano específico dos direitos e liberdades fundamentais, as alterações surgidas no Estado social e Com o extraordinário alargamento do direito da cidadania e as novas conceções de justiça social e
democrático de Direito orientam-se segundo as várias direções principais a seguir delineadas: igualdade material.

Os direitos fundamentais do século XIX passavam, na sua grande maioria, pelo direito à
➢ Em primeiro lugar, verifica-se um processo de jusfundamentalização dos direitos sociais (que propriedade, uma vez que era o mesmo que fundamentava a posição de um indivíduo na
albergam os próprios direitos sociais e culturais e, igualmente, os direitos económicos) - sociedade. Este direito baseava-se na abstenção do Estado.
considerados direitos fundamentais a partir do momento em que a esmagadora maioria dos "novos
cidadãos" não dispõe de meios próprios para aceder aos bens essenciais que devem estar Com o Estado social e democrático de Direito os direitos passaram a ser, maioritariamente,
acessíveis a todos numa sociedade democrática fundada na dignidade da pessoa humana. positivos - de intervenção - contudo, ainda permanecem direitos negativos e até, direitos
Então, enquanto que as liberdades negativas (de não intervenção) se realizavam tanto mais quanto negativos e positivos
menor fosse a intervenção do Estado, os novos direitos sociais requerem, não uma abstenção do Estado, Exemplo: O direito à liberdade de expressão. O dever do Estado é abster-se, mas também,
mas antes uma intervenção positiva estatal destinada a conferir-lhes realidade existencial. proteger esse mesmo direito quando necessário, intervindo.

Isto quer dizer que, ao lado dos direitos e liberdades clássicos, são agora também considerados como direitos fundamentais - e como tal, consagrados
em inúmeras Constituições - os direitos de carácter social, ou seja, os direitos que se traduzem na exigência de prestações positivas e materiais a
realizar pelo Estado em favor dos indivíduos, em ordem a proporcionar-lhes o acesso a bens (como a educação, a saúde, a habitação e/ou o trabalho)
considerados tão fundamentais quanto os bens protegidos pelas liberdades individuais tradicionais.

➢ Em segundo lugar, os próprios direitos, liberdades e garantias tradicionais do Estado liberal são
agora reinterpretados e reavaliados à luz da nova perspetiva da sociedade. O exercício destes
direitos passa a ser condicionado por uma nova perspetiva de integração comunitária e de
vinculação social.
Enquanto destinatário dos direitos fundamentais dos cidadãos, o Estado social assume novos deveres e
obrigações que vão para além do mero respeito das esferas de autonomia individual. O Estado também
está obrigado a proteger os direitos fundamentais de riscos objetivos e eventuais agressões perpetradas
por outros particulares e entidades privadas, bem como, obrigado a promover o acesso de todos os
cidadãos aos bens jusfundamentalmente protegidos.
Nesse sentido, os direitos fundamentais são agora concebidos, não só como direitos de defesa contra os
abusos e violações praticadas pela autoridade pública, mas também como valores que se impõem
genericamente a toda a sociedade e que, sem prejuízo da autonomia privada de cada um, repercutem
também nas relações jurídicas privadas e adquirem, como tal, relevância jurídica face aos poderes
particulares e, sobretudo, face à necessidade de os poderes públicos assegurarem uma proteção
adequada dos vens jusfundamentalmente protegidos perante eventuais agressões da responsabilidade
dos outros particulares e entidades privadas.

Por outro lado, e por força da ampliação dos deveres estatais relativos aos direitos fundamentais, passam a ser admitidas compressões do próprio conteúdo dos direitos clássicos
determinadas pelo objetivo de garantir uma igualdade material entre todos os cidadãos, e não apenas uma mera igualdade jurídi co-formal, e de assegurar o respeito pelo direito
de todos.

Isto significa que o Estado não se limita a proclamar a existência das liberdades negativas, mas que se preocupa, simultaneamente, em garantir a possibilidade do seu exercício
efetivo e igualitário por parte de todos, prevenindo eventuais abusos, assegurando as condições da igualdade material no seu exercício, regulando prováveis conflitos de direitos e
colisões entre os direitos fundamentais e outros bens igualmente dignos de proteção jurídica.

➢ Em terceiro lugar, esta vinculação social dos direitos afeta particularmente a área das relações de
produção e reflete-se, especialmente, numa concomitante alteração das conceções acerca do
direito de propriedade. Este direito, à luz das novas exigências sociais, perde o seu anterior carácter
de direito absoluto para ceder perante uma conceção de dignidade da pessoa humana - que é
independente das particularidades ou do grau de acumulação de propriedade por cada um.

➢ Em quarto lugar, e em consequência desta desvalorização relativa do direito de propriedade e de


uma maior exigência e ambição de reconhecimento da igual dignidade da pessoa humana, assiste -
se a uma generalização da atribuição dos direitos políticos, particularmente o direito de voto
(alargamento do sufrágio), e a um aprofundamento e consolidação das regras da democracia política
como condição indispensável à existência de Estado de Direito.

Até alguns novos direitos relacionados com o avanço tecnológico.


➢ Por último, surgem novos tipos de direitos atinentes à integração e corresponsabilização social de
todos e às exigências de solidariedade geracional e universal, como sejam os direitos próprios de
certas categorias sociais, das crianças, das mulheres, de minorias étnicas, sexuais, bem como os
novos direitos do ambiente ou os direitos dos povos ao desenvolvimento.
Notas:

- Ao contrário do que acontecia no século XIX com o Estado de Direito liberal, os direitos
coletivos passam a sobrepor-se aos direitos individuais. Outrora, os direitos coletivos eram
vistos como perigosos, uma vez que o geral se podia virar contra o indivíduo, atividades
como greves eram consideradas crime.
- O setor público passou a ser visto como uma segurança para a população - sendo o seu
primeiro recurso em tempos de crise (muitas vezes o setor privado não garante as
respostas a esses dilemas) quando se recorre ao setor público passamos do estado liberal
(que funciona bem em períodos de crescimento económico) para o estado social e
democrático de Direito.
- Hoje em dia é possível haver respeito pelos direitos fundamentais e separação de
No plano da divisão de poderes poderes e a nossa conceção de regime é totalmente diferente do estado liberal do século
XIX
1.3.2
O setor privado atua nos setores economicamente rentáveis, os deixados de parte são
assegurados pelo Estado - tendo de ser o mesmo a regular as circunstâncias
Também neste domínio as alterações se processam no mesmo sentido: Permanecem as características e
fins essenciais que presidiram ao aparecimento do princípio da divisão de poderes no Estado liberal, mas
este princípio sofre as transformações inerentes à evolução para um novo tipo histórico de Estado.

Assim, a divisão de poderes perde o seu anterior carácter de repartição mecanicista e estanque das
funções legislativa, executiva e judicial pelo Parlamento, Governo e tribunais (podendo ser debatido se
essa separação rígida alguma vez existiu).

A divisão de poderes é agora essencialmente entendida como um processo de distribuição e integração


racionalizadas das várias funções/órgãos do Estado, de forma a limitar as possibilidades de exercício
arbitrário do Poder e garantir, por outro lado, as condições da maior eficiência da atuação estatal.
Todavia, sem prejuízo do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais.

➢ Em primeiro lugar, e de importância decisiva para compreender a natureza do Estado social e democrático de Direito, verifica -se o reforço da separação e independência do poder judicial e
a sua revalorização no conjunto dos poderes de Estado.
Assiste-se a uma reavaliação das relações entre política e jurisdição, com a consequente atribuição ao poder judicial do controlo da verificação da conformidade constitucional dos atos legislativos
e de alguns atos políticos. Até então, se a Administração violava a lei e se isso se traduzia na lesão de direitos e interesses dos particulares era po ssível o recurso à justiça administrativa como
forma de controlar a legalidade da sua atuação e chegar à eventual anulação dos atos administrativos ilegais.
Porém, a função legislativa estava isenta de qualquer controlo - considerava-se que, por definição, a lei era equivalente a justiça e garantia dos direitos.

Direito Constitucional Página 5


Porém, a função legislativa estava isenta de qualquer controlo - considerava-se que, por definição, a lei era equivalente a justiça e garantia dos direitos.

Hoje, perdida a confiança na justiça e racionalidade imanentes à lei e verificadas as insuficiências da justiça administrativa como forma exclusiva de controlo da atuação da autoridade pública,
conclui-se, no Estado social de Direito, pela necessidade de preservar os direitos fundamentais e as garantias constitucionais, não a penas das eventuais violações praticadas pela Administração,
mas também das provindas dos órgãos legislativos e políticos e atuadas através da forma de lei ou praticadas no decurso da pr ópria atividade das magistraturas judiciais.

Daí o pleno reconhecimento do carácter formalmente superior das normas constitucionais relativamente às leis ordinárias e, consequentemente, a exigência do controlo da
constitucionalidade das leis e da garantia dos direitos fundamentais através dos tribunais supremos ou tribunais constitucionais.
Daí o surgimento generalizado da justiça constitucional como espécie de "coroamento" do edifício de garantias do Estado de Direito e as preocupações com a institucionalização de
mecanismos que garantam uma tutela plena e efetiva contra quaisquer agressões aos direitos fundamentais.

Em suma…

Por se verificar que uma lei, apesar de aprovada, pode ser injusta, dá-se ao poder judicial um poder
politicamente independente do governo: a competência de verificar se a lei respeita os direitos dos
cidadãos. O poder judicial pode e deve verificar a inconstitucionalidade das leis, tendo a liberdade de as
vetar ou não, e de se recusar a aplicá-las.

No Estado de Direito liberal, esta liberdade era vista como um"governo de juízes" que se pensava violar a
democracia.
Todavia, o juiz que era, somente, a voz da lei, passa a poder omitir os seus pareceres sobre a mesma.

No século XIX, o Parlamento era o único órgão legislativo, sobre a ideia de "Império da Lei" - uma vez que
este albergava os representantes do "povo".
Hoje em dia, o Governo necessita, igualmente, de poder legislativo para governar, devido à necessidade
das sociedades em que as decisões sejam tomadas com urgência e rapidez.Contudo, o Parlamento ainda é
o principal órgão legislativo, só não é o único a ter esse mesmo poder.

➢ Em segundo lugar, verifica-se ma progressiva diluição de fronteiras entre as áreas do "legislativo" e do "executivo".
Por um lado, há um aumento considerável da atividade legislativa dos Governos, o que se traduz, não só na sua crescente participação na iniciativa das leis que o Parlamento aprova, mas também na
institucionalização de uma competência legislativa governamental própria ou delegada pelo Parlamento.

Em contrapartida, os Parlamentos invadem a área tradicionalmente reservada aos Governos , na medida em que o conteúdo de grande parte das leis aprovadas pelos Parlamentos perde o anterior carácter geral e
abstrato para atender, progressivamente, às necessidades quotidianas pontuais e particulares de cidadãos.
Surge a figura das chamadas "leis-medida" - destinadas a responder a situações/necessidades governativas concretas, ou até, ainda que excecionalmente, a aprovação de leis individuais que configuram a prática
pelo órgão legislativo de verdadeiros atos administrativos sob forma de lei.
Estas tendências ambivalentes fazem, por outro lado, ressurgir as preocupações com a
autonomia funcional e a garantia dos âmbitos nucleares do Governo e Parlamento em
ordem à preservação da racionalidade inerente à estruturação de um Estado de Direito
com separação e interdependência de funções.

➢ Por último, desenvolvem-se novos mecanismos de limitação efetiva do Poder que, na vigência do Estado liberal, ou não existiam ou não eram tão valorizados.
É o caso do reconhecimento/encorajamento do pluralismo, dos direitos da oposição e das minorias, do direito da alternância po lítica, da importância da opinião pública e de uma imprensa livre, etc.
É o caso da chamada "divisão vertical ou territorial de funções" - através da regionalização e descentralização política e administrativa;
É a repartição social de funções, com o aprofundamento dos mecanismos de democracia participativa e de integração dos cidadão s na vida política e no próprio exercício das funções estatais

➢ Valorizam-se, também, novos mecanismos de racionalização da democracia representativa e de limitação do Poder.


Como sejam a limitação temporal de certas funções públicas, a instituição de sistemas de governo mais complexos, e a valoriza ção de escolhas institucionais decisivas para a vida política, como a do sistema
eleitoral e sistema de partidos.

Resumindo

O Estado de Direito liberal entra em crise, mas consegue manter o seu principais ideais "vivos",
renovando-se, progressivamente, no Estado social e democrático de Direito.
Os direitos mudam a sua ordem de importância, emergindo uma necessidade de direitos sociais (à
proteção, à saúde, ao trabalho, à habitação, etc.). No Estado liberal já existiam estas preocupações, de
forma genérica, mas as mesmas eram garantidas por outras entidades, que não o Estado.

A principal modificação foi o alargamento do sufrágio. A maior parte da população conheceu a


possibilidade de poder votar, o que mudou os seus interesses e vontades e, consequentemente, fez com
que existisse mais participação da sua parte, na vida política.

Sobre a "revolução" no domínio Constitucional…


Jorge Reis Novais - Em defesa do tribunal constitucional - Páginas 19 e seguintes
(escritas como resposta à contestação e à crítica que uma boa parte de constitucionalistas portugueses dirigiu ao Tribunal Co nstitucional quando este declarou a inconstitucionalidade de algumas decisões do Governo na altura
da crise financeira dos anos 2010 e seguintes)

➢ Pós Revoluções liberais - As constituições são vistas como documentos fundadores não como normas jurídicas. Consagravam os princípios fundamentais e o modelo de organização da sociedade mas não eram
normas aplicadas pelos tribunais (o que se aplicava, efetivamente, eram os códigos - código da sociedade, código penal, etc.) - Algo diferente disto era visto como um "tribunal de deslizes"
➢ Novo Constitucionalismo ("neo-constitucionalismo") - dá-se no Estado social e democrático de Direito. As Constituições em si não são alteradas, o que muda é a forma como as mesmas são vistas.
➢ Os europeus verificam que a lei nem sempre corresponde a justiça, bastando que uma maioria a apoie para ser aprovada, podendo chegar a anular os direitos fundamentais. Esses mesmos direitos fundamentais
devem estar previstos na Constituição e serem aplicados pela lei. A lei é feita e aplicada à medida dos direitos fundamentais.
➢ Inverte-se a relação: O Parlamento tem legitimidade democrática mas uma lei só é válida se respeitar os direitos fundamentais. Quem verifica se os mesmos são violados são os tribunais constitucionais/ o poder
judicial. A maioria não pode governar arbitrariamente, verificando-se que a democracia não pode ser, somente, a "regra da maioria".
➢ O Governo só é legítimo se aturar de acordo com os direitos fundamentais, que, na sua essência, servem para proteger as minorias, não as maiorias
Exemplo: Os crentes de uma religião maior, no seu próprio Estado, não precisam de proteção nesse aspeto, ao contrário das religiões mi noritárias que se encontrarem no mesmo território)
➢ Desta forma, uma lei não se torna constitucional só por ser aprovada pela maioria, é nesse aspeto que os tribunais constitucionais se focam, podendo recusar-se a aplicar leis que não estejam de acordo com a
Constituição daquele Estado. A Constituição torna-se norma jurídica aplicável pelos Tribunais.
➢ Os direitos fundamentais, e o respeito/garantia dos mesmos, tornam-se superiores à "regra da maioria" - verificando-se que pode existir Estado de Direito sem democracia (como é o exemplo do Estado de
Direito liberal do século XIX, onde apenas cerca de 5% da população podia votar) e, igualmente, democracia sem Estado de Direito (como é exemplo o Estado fundamentalista islâmico, que irá ser abordado a
seguir)
➢ Há, contudo, exceções no que toca à integração destes aspetos na Constituição e a sua aplicação objetiva e real: Os EUA, na sua Constituição, não se pronunciam sobre a liberdade que os juízes tem de se
negarem a aplicar leis, consagra apenas os direitos fundamentais e a separação de poderes.

Estado autocrático dos séculos XX e XXI


2.

No século XX, o Estado social e democrático não foi a única alternativa ao modelo de Estado liberal entretanto entrado em cri se. É que enquanto o Estado social de Direito se pretendia na mesma linha de
continuidade dos grandes princípios caracterizadores do Estado de Direito liberal, surgiram outras propostas que punham radical e globalmente em causa esses princípios e, consequentemente, rejeitavam a própria
ideia de Estado de Direito.

Essas novas propostas de organização política da sociedade contestavam o legado liberal e o próprio quadro democrático da vida política. Com base nessa comum rejeição (dos princípios do Estado de Direito social
ou liberal) é possível agrupar as novas propostas sob a designação genérica de Estado autocrático (ver definição acima referida) - mas sem que essa designação geral obscureça as diferenças profundas que
opunham as suas diferentes modalidades: Oposição entre o Estado soviético (surgido da Revolução Russa de 1917) e o Estado fascista e nacional-socialista (das décadas de 20 e seguintes).

Entretanto, e enquanto que as duas referidas principais modalidades ou se extinguiram ou apenas subsistem no século XXI de fo rma residual, mantendo-se como ideologia presente em "populismos" disfarçados

Direito Constitucional Página 6


Entretanto, e enquanto que as duas referidas principais modalidades ou se extinguiram ou apenas subsistem no século XXI de fo rma residual, mantendo-se como ideologia presente em "populismos" disfarçados
com algumas características democráticas, ainda que profundamente alteradas relativamente ao modelo originário, desenvolveu -se, a partir do último quartel do século XX, mas com enorme impacto/vitalidade
no século XXI, uma terceira modalidade, multifacetada e dificilmente caracterizável, que aqui é designada sob a fórmula geral de Estado Islâmico.

Assim, a diversidade de fins prosseguidos e a natureza do respetivo fundamento, justificam a subdistinção entre Estado autocrático de matriz revolucionária anticapitalista, Estado autocrático de matriz conservadora e
Estado de fundamento e natureza teocráticos.

Contudo, estes tipos históricos de Estado têm em comum - dada a sua natureza autocrática - a mesma atitude desvalorizadora da Constituição e dos direitos fundamentais dos cidadãos enquanto limites do Poder.
Para além disso, apesar de situado cronologicamente na fase constitucional, no Estado autocrático dos séculos XX e XXI a Cons tituição perde também o anterior carácter material que lhe conferira o liberalismo
(ver distinção entre Constituição formal e Constituição material acima referida) ou seja, deixa de ser um estatuto jurídico com o conteúdo específico e identificador que lhe era conferido pelo objetivo esse ncial de
garantir os direitos fundamentais através da divisão de poderes.

Atualmente, todo o Estado tem uma Constituição, mas isso não significa necessariamente uma limitação jurídica dos detentores do Poder, nem apresenta um conteúdo material específico - abrindo-se, por outro
lado, a uma pluralidade possíveis conteúdos.
No Estado autocrático, a Constituição é rebaixada ao nível de instrumento de legitimação formal do exercício de qualquer tipo de Poder, que pode assim, manipular o conteúdo das normas constitucionais ou,
simplesmente, fazer delas "letra-morta".

Estado autocrático de matriz revolucionária anticapitalista


2.1 Nota:
Pode-se considerar o Estado Soviético uma subversão do Estado de Direito.

Consideramos como matriz deste tipo de Estado, a experiência desenvolvida na Rússia soviética após a Revolução de 1917,
- por ter sido durante muito tempo a única experiência deste tipo
- por ter constituído um Estado de grande solidez e estabilidade até aos finais dos anos 80
- por se ter convertido, teórica e politicamente, num verdadeiro modelo para muitas outras experiências posteriormente desenvol vidas em várias partes do globo e que, essencialmente,
reproduziram as características fundamentais do tipo de Estado soviético.

Esta experiência surgiu originariamente inspirada na crítica marxista do sistema capitalista e assumindo-se Em termos de organização económica o projeto propunha-se a realizar a
abertamente como programa de transformação revolucionária da sociedade. socialização dos meios de produção.
Visando, sob o impulso da teoria de Marx e Angels do século XIX, a instauração de uma sociedade
comunista Para realizar esse objetivo, assentava, no plano da organização política do
Estado, na instauração de um Estado transitório de ditadura revolucionária do
proletariado como primeiro ato de um processo que levaria ao advento final de
Porém, os imponderáveis da história fizeram com que a primeira revolução inspirada nesse programa uma sociedade sem classes e sem Estado - a sociedade comunista.
visse a luz em condições totalmente diversas daquelas para as quais os clássicos do marxismo haviam A sociedade autogerir-se-ia.
projetado a revolução proletária.

Enquanto que Marx e Angels pensaram a revolução socialista para os países capitalistas desenvolvidos
(onde a revolução industrial teria feito do proletariado uma classe maioritária na sociedade e
politicamente preparada para assumir cargos políticos) aquilo que na realidade se verificou é que a
Revolução Russa (e as que se inspiraram nela):

- surgiu num país economicamente atrasado No auge da sua força e já no poder, o Partido Bolchevique - futuro Partido Comunista - não
- com um proletariado débil obtivera mais do que 25% dos votos para a Assembleia Constituinte.
- onde o Partido revolucionário, vitorioso através da insurreição armada, só dispunha de um apoio de Havendo, no entanto, outras forças partidárias com um peso esmagador nessa assembleia e que
uma minoria da população estavam destituídas de qualquer poder efetivo.

Perante estas dificuldades, e a partir do momento em que o Partido comunista decide conservar o Poder
a todo o custo, vai operar-se, sob a égide de Lenine, uma adaptação forçada da teoria marxista às
condições da sociedade e da revolução russa que produzirá as maiores consequências no plano da
ideologia e da prática acerca da organização do Estado e das relações deste com os cidadãos.

Então, surgem pontos marcantes e inovatórios relativamente à elaboração marxista originária - dando Explicando...
origem ao modelo designado por "Marxismo-Leninismo". A grande aspiração da Revolução era consagrar os seus princípios numa nova Constituição. Contudo,
como referido, o Partido Bolchevique não obtivera os resultados esperados nas eleições e, por isso,
➢ Considera-se em primeiro lugar que, durante toda uma fase de transição, o Estado soviético - longe Lenine passou a recusar a regra democrática (a "democracia burguesa"), vendo nos sovietes uma
de desaparecer imediatamente, como se propunha na teoria originária - teria primeiro de se nova forma de estruturar/organizar a sociedade. Posteriormente, a Assembleia Constituinte é
reforçar e de se expandir de forma desmesurada, à medida das crescentes necessidades de defesa destituída e o poder dos sovietes passa a ser detido pelo Partido Comunista (Bolchevique) - que
do regime soviético face ao cerco capitalista. atinge a sua emancipação, ainda que não o tenha feito por via democrática. As assembleias passam a
➢ Por outro lado, a projetada "socialização dos meios de produção" torna -se na "estatização dos ser representativas, a própria estrutura dos sovietes vai desaparecendo e estabelece-se o regime de
meios de produção" o que significa que, na prática, não são os coletivos de trabalhadores ou as Partido Único.
organizações sociais que detêm a posse/gestão dos meios de produção coletivizados, mas é antes o
Aparelho de Estado partidariamente hegemonizado pelo Partido Bolchevique quem passa a
controlar todo o aparelho produtivo.
➢ Simultaneamente, no plano político, as instituições típicas da democracia representativa - agora
designadas como democracia burguesa - são suprimidas. O pluralismo político dá lugar à Verifica-se a completa identificação Partido/Estado e o controlo absoluto da vida política por esse
institucionalização de um regime de partido único que, por sua vez, controla e dirige todas as Partido.
organizações sociais, sindicais e, igualmente, todo o aparelho de Estado
➢ Por último, no plano das relações Estado-indivíduo, desenvolve-se uma teoria igualmente
inovadora no que respeita à posição do Estado soviético relativamente aos direitos fundamentais
dos cidadãos.
O Estado soviético rejeita a ideia de limitação jurídica dos seus poderes, pretendendo ser o Estado dos
Trabalhadores - supostamente controlado e dirigido por toda a população trabalhadora - a ideia do
reconhecimento dos direitos fundamentais dos cidadãos contra o Estado era logicamente excluída, visto
que ninguém precisava de direitos contra si próprio. A ideia de direitos fundamentais individuais seria
essencialmente contraditória com a natureza do Estado soviético.

A conceção soviética dos direitos fundamentais caracteriza-se por condicionar e funcionalizar a Exemplo
possibilidade do exercício de direitos e liberdades fundamentais aos interesses do regime definidos a Reconhecia-se a liberdade de expressão, associação, imprensa, etc. desde que não fossem exercidas
cada momento pelo partido único: os direitos fundamentais só são reconhecidos na condição de não contra as orientações e finalidades estabelecidas pelo Partido Único.
serem exercidos à margem/contra o poder instituído.

Estas conceções - que eram inicialmente justificadas pelas necessidades/dificuldades conjunturais,


Nota
acabaram por ser progressivamente teorizadas como elementos estruturais indispensáveis ao novo
modelo de Estado Soviético, vindo a obter consagração constitucional e a ser sistematizadas no que veio a À semelhança do que aconteceu na Revolução Russa, o Partido Comunista também tem uma pequena
ser designado por "teoria marxista-leninista do Direito e do Estado". Nessa qualidade foram presença na Assembleia, mas, todavia, exercem influência sobre os outros Partidos (sobretudo em
questões sindicais). Na Revolução Russa, o Partido Bolchevique não detinha a maioria, porém, a
concebidas e adotadas como modelo de um novo tipo histórico de Estado que marcou a história do
população apoiava os seus ideais (o modelo de organização da sociedade, etc.) e, por outro lado, no
século XX que, essencialmente, veio a ser reproduzido na China e noutras latitudes, desde a Europa do
Congresso dos Sovietes este exercia a maior das influências.
Leste até à América e África.

Todavia, a Queda do Muro arrastou, nos anos 90, o desmoronar do próprio modelo enquanto alternativa do Estado de Direito e hoje subsistem apenas exper iências residuais - ainda que de
enorme relevância no plano das relações internacionais, como a China, no plano global, ou a Coreia do Norte, no plano regional - que dão continuidade à modalidade de Estado autocrático
mas que perderam, de forma definitiva, qualquer hipótese de serem replicadas/emuladas por outras novas experiências.

Estado autocrático de matriz reacionária e conservadora


2.2

Entre as duas Guerras Mundiais emerge uma nova corrente de pensamento conservador, caracterizado
por ser:
- Antiliberal
- Antidemocrático
- Antissocialista e anticomunista.

Direito Constitucional Página 7


- Antissocialista e anticomunista.

Frontalmente oposta à ideia de:


- Luta de classes
- Internacionalismo
- Movimento operário independente
- Sindicalismo livre

… esta corrente considerava o regime democrático e liberal como decrépito e incapaz de resistir à
ameaça soviética que, no seu entender, pesava sobre a sociedade ocidental - surgindo em reação à Na resistência a essa mudança, ao mesmo tempo que se repudiavam os valores
emergência da Revolução Russa. democráticos e liberais de organização política e social, propunha -se o culto dos
valores conservadores:
- Da autoridade
- Da superioridade nacional ou rácica
- Do expansionismo

… e, recusando a sujeição aos mecanismos da eleição democrática, confiavam-se


(Pratica-se o culto do chefe - concebido como "iluminado" e divinamente designado e as esperanças de regeneração social/política ao papel providencial das elites
escolhido para aquele cargo) nacionais ou ao pretenso génio providencial de um só indivíduo - predestinado a
incarnar o espirito da Nação/do Povo.

Para os "novos reacionários" a defesa dos valores - que no seu entender caracterizavam o legado
essencial da sociedade ocidental - só podia ser feita através de um Estado forte, autocrático e totalitário
(onde o governante exerce o poder arbitrariamente, sobre as suas próprias diretrizes) erguido sobre os
destroços do Estado de Direito liberal.

Este seria o indefinido corpo ideológico que, de algum modo, informou as experiências políticas
autocráticas que, a partir da Itália fascista de Mussolini (1922 -1943) se sucederam na Europa entre as
duas guerras - Alemanha nazi (1933-1945), Portugal salazarista (1926/33- 1974), Espanha franquista
(1939- anos 70), Grécia, Polónia, Hungria, Turquia.

Com as adaptações devidas à sua transplantação para outras latitudes e outros contextos culturais,
étnicos ou religiosos, é possível delinear um conjunto de valores/instituições que permitem, no século XX, Nota
a autonomização do modelo de Estado autocrático conservador - destacando-se um corpo comum de
Apesar das suas características manifestamente autocráticas, Estados como
princípios e formas de organização que tendem sistematicamente a ser reproduzidos sempre que tal
o Estado nazi eram exaltados como Estado de Direito (sendo designado por
projeto adquire expressão política.
"Estado de Direito de Hitler")

Embora a expressão mais exacerbada destes princípios se encontre nos Estados totalitários fascista italiano e nazi germânico dos anos 20 e 30 , na base da organização política de qualquer experiência deste tipo está
a atribuição de um Poder instituído de uma autoridade plena e ilimitada na prática e que, no plano teórico-jurídico reconhecia como únicos limites a "moral e o direito" que ele próprio segregava.

- Não só se recusam aos indivíduos direitos e liberdades contra o Poder, como não se concebem quaisquer fins ou atividades particulares a que o Estado seja alheio ou imunes à intervenção autoritária estatal. O
Estado assume a conformação do essencial das relações sociais, trate -se de relações culturais, económicas, laborais ou sindicais.

- À pessoa humana só era reconhecido valor de sujeito como pessoa jurídica através e à medida da sua integração no Estado ou no s corpos sociais intermédios (como Nação, corporação, família, escola, etc. - a
vontade das massas é expressa através destas corporações, não através do voto ) -, designando-se, popularmente, por Democracia Orgânica - recusa-se o individualismo, a Nação é superior e mais importante.

- Proclama-se o carácter dogmático do Estado, esteja ele identificado com uma ideologia, uma religião, uma raça ou uma comunidade nacionais, e rejeita-se qualquer expressão de dissidência política/ideológica das
minorias (sociais, étnicas ou religiosas)

No plano estritamente político, verifica-se:

- A rejeição absoluta do pluralismo e dos mecanismos e instituições democráticas representativas e, particularmente, a negação da possibilidade de uma oposição legítima (política ou simplesmente doutrinária); a
transformação do Partido Único (quando existe) numa entidade pública confundida com o Estado ; a centralização e concentração do Poder e do controlo sobre o aparelho de Estado num grupo reduzido ou mesmo
numa única pessoa: O Ditador.

Hoje em dia…
Com a derrota dos fascismos na II Guerra Mundial, o modelo perdeu qualquer viabilidade enquanto alternativa ao Estado de Dire ito, substituiu com uma tenacidade decrépita por mais algumas décadas em
experiências locais (como Portugal e Espanha), renasceu esporadicamente na inspiração dos golpes militares na América Latina para além de outras experiências residuais e, nos nossos dias, resume -se ao refúgio
doutrinário que buscou, de forma nunca abertamente assumida, em círculos intelectuais e académicos nostálgicos das velhas ditaduras, bem como na cultura política difusa dos diferentes movimentos populistas
conservadores emergentes no século XXI (como já referido acima).

Estado fundamentalista islâmico


2.3

1. O Estado Islâmico aqui referido - apesar da coincidência na designação com a governação islâmica clássica que vai desde a Ainda que a primeira Constituição a assumir-se como
época do Profeta até ao século XIX - é algo historicamente novo na evolução do Estado, referindo-se ao tipo de Estado surgido Constituição do Estado Islâmico fosse já em 1956, a
contemporaneamente, a partir do último quartel do século XX - com a Revolução Iraniana de finais dos anos 80 - e que Constituição do Paquistão.
desenvolve, na atualidade, uma enorme força de atração política em regiões significativas do globo - concretamente, as de
maioria de população muçulmana.
É importante fazer esta distinção uma vez que, para além dos pontos
No entanto, enquanto única alternativa "viva", real e atual ao Estado de Direito tal como o conhecemos, será mais rigorosamen te comuns nas várias experiências constitucionais em que há alguma
designado como Estado fundamentalista Islâmico. referência ao Islão, diretamente no texto constitucional ou na prática
real, persiste uma diversidade de atitudes, conceções, regimes políticos e
a. Considerando unicamente o plano constitucional formal, há uma diversidade significativa no que se refere às referências ao Islão. modalidades de organização estatal nos países de maioria de população
muçulmana.
➢ Há Constituições em que o Islão é estabelecido como religião do Estado ou como religião oficial (Malária, Marrocos, Líbia,
Tunísia…)
➢ Outras em que a Shari'a (lei islâmica, simultaneamente norma jurídica, moral e religiosa que determina como se deve o
muçulmano comportar e quais são as suas obrigações) é considerada fonte de Direito (Yemen) ou (caso do Irão) é reconhecida
como fonte suprema de onde decorre todo o edifício jurídico e em que se atribui à principal autoridade clerical do país a
suprema posição no edifício estatal.

b. No plano da relação entre Constituição e lei ordinária:

➢ Há Estados em que o próprio Corão é constitucionalmente considerado a norma suprema a que toda a lei fica subordinada
(Paquistão)
➢ Ou em que o Corão e a Sunnahh (repertório de carácter normativo retirado da memória da vida, dos ditos e feitos do Profeta)
são considerados a própria Constituição (Arábia Saudita)
➢ E outras ainda que contém a chamada "cláusula de repugnância" - segundo a qual são nulas todas as normas que repugnarem
ao Islão ou contrariarem os valores islâmicos (Iraque, Afeganistão)

➢ No entanto, há também outras experiências constitucionais, apesar de minoritárias no conjunto, em que (não obstante a
dominância social da religião) não há referências constitucionais ao Islão e a Shari'a não é fonte de Direito ou em que o Estado
se declara como secular e ambiciona ser internacionalmente reconhecido enquanto Estado de Direito Democrático. (caso da
Turquia)

2. Assim, tomamos aqui como tipo de Estado fundamentalista islâmico um Estado que assume expressamente a referência

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2. Assim, tomamos aqui como tipo de Estado fundamentalista islâmico um Estado que assume expressamente a referência
fundadora aos valores islâmicos e que, consequentemente, assenta em princípios fundamentais essencialmente distintos dos
que identificam o Estado de Direito democrático - seja porque tal diferença decorre diretamente da Constituição e é assumida
na prática inconstitucional do respetivo regime, seja porque - não obstante o silêncio da Constituição - esses princípios são
assumidos e praticados com equivalente alcance na esfera pública.
Estado confessional: O Estado tem uma religião
Teríamos, então, como princípios fundamentais identificadores do Estado Islâmico: oficial, a confissão religiosa é a oficial.
- A definição confessional do Estado, com a adoção do Islão como religião oficial O Estado islâmico é, simultaneamente, um
- A elevação dos valores islâmicos a valores constitucionais Estado Teocrático: Sistema de governo em que as
- A adoção da soberania divina, enquanto única soberania reconhecida no Estado ações políticas, jurídicas e policiais são submetidas
às normas de algumas religiões.
No plano estritamente jurídico:
- O reconhecimento da Shari'a como lei vigente ou fonte de Direito. Não existem eleições livres no seu pleno exercício, uma vez que a
vontade divina é superior a um voto. Por sua vez, os juristas clérigos
são os únicos que podem declarar a vontade de Deus, é uma
No fundo, este conjunto de princípios diz respeito (num primeiro tópico que determina toda a natureza/funcionamento do Estado ) à soberania divina, expressa através dos escritos religiosos - como o
atribuição de uma natureza confessional exclusivista ao Estado - no caso, a definição constitucional do Estado como Estado Islâmico ou Corão.
República Islâmica - com a consequente recusa do princípio da separação entre esfera pública e confissão religiosa, entre Estado e
Igreja, religião e política e de onde resulta, diretamente, já no plano do Direito - a indistinção entre lei divina e norma jurídica, norma
religiosa e norma jurídica.

Com efeito, se o Estado é confessional - se professa uma religião - então o mesmo e cada um dos seus órgãos, em obediência aos preceitos dessa religião, fica não apenas obrigado à observância d os
comandos a lei divina, mas também ao apoio discriminatório à confissão religiosa, às mesquitas, às escolas islâmicas e, eventualmente, a impor igualmente o cumprimento das práticas/conceções de
inspiração religiosa a todos os cidadãos, muçulmanos ou não.

Nesse mesmo sentido de obediência religiosa, a soberania popular - mesmo quando seja praticamente reconhecida em termos de existência de órgãos políticos representativos dos cidadãos - é sempre uma
soberania condicionada pela derradeira e única soberania - a divina.

Por outro lado, a divindade só pode "falar" ou através das escrituras públicas ou através dos seus intérpretes/representantes qualificados - a decisiva autoridade estatal reside, em última análise, nas
instâncias a quem se reconhece/atribui a função de "dizer a palavra de Deus" - de onde resulta, no plano das instituições estatais, a recusa do princípio da separação de poderes próprio do Estado de Direito
e, especialmente, a rejeição da independência do poder judicial - seja essa rejeição abertamente assumida ou simplesmente praticada.

Por último, a natureza teocrática/confessional exclusivista do Estado implica a funcionalização e consequente limitação dos direitos constitucionais reconhecidos e, desde logo, implica a recusa do princípio
fundador dos Estados de Direito - a igual dignidade da pessoa.
Com efeito, a adesão àqueles parâmetros político-religiosos concretos do Islão implica não apenas a diferenciação potencialmente discriminatória entre homens e mulheres, mas também o carácter
exclusivista do Estado e a discriminação, na esfera pública, entre crente - o que reconhece a suprema soberania de Deus e glorifica as benesses que este lhe colocou à disposição - e infiel - o que recusa
uma e outras, o que vem a ser praticamente traduzido, mesmo nas sociedades e Constituições mais abertas.

Exemplo
Veja-se o caso da Tunísia, na reserva constitucional da candidatura a cargos como o de Presidente da República aos muçulmanos/ na obrigatoriedade de prestação de um juramento religioso como
condição para se poder assumir a função de deputado.

Tal natureza confessional do Estado determina, nas hipóteses mais benignas, a impossibilidade objetiva de um pleno respeito pelos direitos fundamentais : Desde logo, a liberdade de expressão/de
pensamento/a liberdade de ter, de não ter/de poder criticar/de poder abandonar a religião oficial e, nas versões ditas fundam entalistas, a imposição totalitária do fanatismo religioso e da forma de vida por
ele determinada a toda a sociedade.

3. É certo que a fundamentação divina do poder político e a confessionalização do Estado (características que estão na raiz do Estado
Islâmico e da sua contraposição ideal ao Estado de Direito tal como o conhecemos) - não são elementos desconhecidos no
ocidente, uma vez que, durante muitos séculos foram fatores comuns ao exercício do poder político em inúmeros Estados.

A diferença essencial reside no facto de que enquanto o Estado moderno ocidental se construiu em torno da progressiva secularização
do poder estatal - tendo o Estado de Direito liberal instituído definitivamente a separação entre o Estado e a religião (no que é hoje Enquanto que a sociedade ocidental se ia secularizando, o mundo
uma prática consensualmente estabelecida na esfera pública, mesmo quando em alguns textos constitucionais persistem referênci as muçulmano levava a cabo o processo contrário, rejeitando a
simbólicas à divindade) já no mundo muçulmano, salvo rara exceção, a separação e a secularização continuaram a ser normalmente separação entre Estado e religião, cuja maioria da população apoia.
rejeitadas e a confessionalização do Estado - bem como a legitimação religiosa do poder político - são genericamente favorecidas pela
comunidade e têm o assentimento empenhado da maioria da população.
Nota: O Estado passa por experiências de "ocidentalização" no séc.
Aos olhos ocidentais, o que se estranha é:
XIX feitas por elites burguesas que iam contra a vontade da maioria.
- A persistência da confessionalização do poder público no mundo muçulmano
Não acabaram por vingar porque a população considerava a
- O facto político surpreendente de esse fenómeno, ou seja, a natureza teocrático do Estado Islâmico ser algo acolhido e desejado de
sociedade religiosa melhor, visto que a ocidentalização veio trazer
forma veemente, pela esmagadora maioria da população destes países - eventualmente, por constituir uma exigência intrínseca da
dano ao Estado, oprimindo a população e fazendo com que o Estado
própria religião.
perdesse a sua influência no Ocidente.
Ou seja, enquanto que no Ocidente a evolução de há vários séculos no sentido da secularização/laicização do Estado e da
correspondente separação entre Estado e igrejas/política e religião é vista como adquirido positivo da liberdade e da igualdade e
característica própria do estabelecimento do Estado moderno, no mundo muçulmano não apenas essa evolução é rejeitada, como a
partir do último quartel do século XX, e após um século de tentativas de reforma, se verificou um apoio generalizado e bem sucedido ao
renascimento do Estado islâmico e a um retorno a uma governação politicamente orientada pelo Islão.

4. Para alguns autores, a explicação reside no facto de:

Ao contrário do que aconteceu no ocidente - onde a confusão entre Estado e Igreja foi um fator histórico de opressão , intolerância, perseguição e de justificação
para a instauração de um poder absoluto - no mundo muçulmano a relação ter sido exatamente a inversa.

No mundo muçulmano, enquanto que a memória recente das experiências e das tentativas de secularização e de reforma do Estado (nos séculos XX/XXI) é uma memóri a de opressão interna, de corrupção
e de humilhação internacional - já a presença da religião na esfera pública ao longo da anterior governação islâmica clássica (que vai até ao século XIX) dei xou nas comunidades muçulmanas uma impressão
cultural de equilíbrio, de contrapeso e de moderação das tendências potencialmente autocráticas do poder político - equilíbrio esse que ia a par da presença relevante e exemplar da civilização islâmica
no mundo.

Nesse sentido, enquanto que na Europa ocidental se desenvolviam as características que dão corpo ao surgimento e evolução do Estado moderno - O Estado Islâmico é tendencialmente
Secularização, nacionalidade, soberania - no mundo muçulmano nenhuma delas encontra terreno fértil para o seu desenvolvimento. percecionado pelas comunidades
muçulmanas como "equilibrado" porque o
poder político é limitado pelo poder religioso,
deixando a ideia de que não há abusos de
poder.

5. Na origem histórica dessa diferença está o facto de que, tendo Maomé sido, simultaneamente, líder O Estado Islâmico rejeita a ideia de Nação, o
político e religioso, é natural que nos séculos seguintes o mundo muçulmano não tivesse favorecido que realmente importa é a comunidade de
qualquer ideia de separação. fieis.

➢ Por outro lado, à ideia de Nação e de Estado nacional - que deram corpo ao Estado moderno ocidental - corresponde, no mundo muçulmano a ideia de comunidade de fiéis regida pelas
regras da Shari'a - sendo a observância da mesma que conferia unidade e sentido de identidade à comunidade islâmica face aos territórios onde ela não vigorava.

➢ Por sua vez, as ideias de soberania estatal - de cidadão sujeito ao poder estatal e beneficiando da sua proteção e, posteriormente, após as revoluções liberais, a ideia de soberania popular
como fundamento do Estado - são desconhecidas no mundo muçulmano, na medida em que o único soberano é Deus - e, consequentemente, não há direitos ou deveres de cidadania
independentes da sujeição do indivíduo a Deus e à lei islâmica - Shari'a.

Nesse contexto de reconhecimento da lei divina como lei suprema ou até exclusiva, a função legislativa não era atribuída a qualquer instância de exercício de poder político, mas era antes vista como atributo
ou matéria reservada dos clérigos/jurisconsultos - já que deles se esperava, pela sua especial qualificação no conhecimento dos princípios morais e legais da Shari'a, a determi nação concreta de quais são as
regras que, para a resolução de problemas concretos, exprimem a vontade de Deus.
Por sua vez, o monopólio dessa função (que decorria exclusivamente da qualificação religiosa e académica obtida na educação c onfessional e não de nomeação ou de reconhecimento estatais) - conferia aos
clérigos/jurisconsultos - verdadeiros "herdeiros do Profeta" - uma posição de autoridade religiosa e legal que o Califa (sucessor ou representante do mensageiro de Deus) tolerava, reconhecia e favorecia.

Em contrapartida, como, não existindo regras pré-estabelecidas de sucessão (pelo menos entre os sunitas), a assunção do poder como Califa dependia do assentimento da comunida de, uma vez que o mesmo
carecia de uma legitimação que lhe permitisse o exercício indiscutível do poder enquanto governante da comunidade islâmica.
Essa legitimação era, em grande medida, fornecida pelos clérigos/jurisconsultos - já que, aos olhos da população, o assentimento relativamente ao Califa dependia do prévio reconhecimento da sua

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Essa legitimação era, em grande medida, fornecida pelos clérigos/jurisconsultos - já que, aos olhos da população, o assentimento relativamente ao Califa dependia do prévio reconhecimento da sua
legitimidade pelos mufti (Especialistas legais e religiosas qualificados que através do fatwas davam a resposta legal às questões que os juízes/ as partes lhes colocavam).

Então, pelo menos de acordo com uma interpretação todavia não consensual, este estado de coisas determinaria a existência de um equilíbrio institucional subjacente à governação islâmica clássica :
➢ O Califa não criava a lei, mas apenas administrava as condições da sua aplicação, assegurando, sobretudo, a observância pelos juízes estatais das regras da Shari'a - tal como elas tivessem sido apuradas
pelos clérigos/jurisconsultos
➢ Desta forma o Califa garantia aos clérigos/jurisconsultos a manutenção de uma posição institucional cimeira na comunidade e, em contrapartida, estes reconheciam perante a Comunidade a legitimidade
religiosa, moral e legal do poder do Califa.

Em todo o caso, na medida em que este equilíbrio pressupunha e assentava na observância e aplicação da Shari'a, o poder polít ico no mundo muçulmano, durante a governação islâmica clássica, acabava por
ser um poder limitado por se encontrar constrangido à observância das regras vigentes. Donde, por outro lado, que a indissociação das esferas religiosa, moral, política e legal própria da governação islâmica fosse
socialmente percebida, não apenas como exigência da lei divina, mas também como fator de moderação do poder político - e consequentemente, de previsibilidade e estabilidade na vida social e de
consequente garantia da propriedade face ao poder.

6. Este estado de coisas viriam a ser posto em causa e profundamente alterado quando, ao longo dos séculos XVIII e XIX, diferentes convulsões internas e eventos político-militares revelaram as
debilidades do mundo muçulmano relativamente à Rússia e às potências ocidentais, evidenciando o declínio do Império Otomano (que constituía o centro institucional do Islão e cujo Sultão era
simultaneamente o Califa) e o prenúncio da sua decadência e queda iminentes na I Guerra Mundial.
A resposta genericamente encontrada para a crise com que se debatia o império otomano foi, então, um esforço generalizado de modernização e de ocidentalização (o Tanzimat) que nos domínios
específicos em apreciação, acabaram por resultar no fim da governação islâmica clássica.

Com efeito, o movimento de modernização - em que aspirações de reforma interna do Império confluíam com o desenvolvimento político do nacionalismo árabe - traduziu-se um incremento do
pluralismo/da liberdade religiosa e no desencadeamento de um processo de reforma institucional orientada à formação de um ver dadeiro Estado, com a aprovação de uma Constituição escrita (1876) -
não obstante o seu carácter efémero - e a atribuição da função legislativa a assembleias de tipo parlamentar , acompanhadas da reorganização judiciária e da estatização/burocratização do sistema de
justiça.

Num domínio com importância significativa, assistiu-se nessa altura, ao desenvolvimento de um processo de codificação legal que, no plano das intenções proclamadas, significava a redução a escrito
das regras da Shari'a.
Porém, como através da codificação essas regras passavam a ficar plenamente acessíveis à sua aplicação uniforme por parte dos juízes e dos tribunais estatais, tal dispensava, a necessidade de uma
casta e de uma função jurídico-clerical de revelação da lei divina, pelo que os clérigos/jurisconsultos viram a sua posição institucional substancialmente desvalorizada , enquanto, no mesmo sentido,
os tribunais da Shari'a perdiam a exclusividade de administração da justiça - e a consequente importância, ficando limitados à decisão de questões religiosas, de estatuto pessoal e de família.

No entanto, este processo de reforma/ocidentalização que se desenvolveu (durante o século XIX e ao longo de todo o século XX) - longe de significar uma convergência real com o Estado de Direito
europeu, resultou politicamente no estabelecimento de regimes ditatoriais de cariz nacionalista, com executivos autoritários e repress ivos dotados de um poder não limitado, de corrupção generalizada,
não muito diferentes das ditaduras que na mesma época se multiplicavam na América Latina, África e Ásia.

No mundo muçulmano, esses regimes alienavam o apoio popular e sustentavam-se exclusivamente na força militar e na adesão de elites locais, embora beneficiando frequentemente, em contrapartida,
do apoio estratégico dos Estados Unidos e de outros países europeus, o que reforçava o ressentimento e a hostilidade populares relativamente à ocidentalização das suas sociedades , às grandes potências
ocidentais, mas também à própria ideia de secularização, estreitamente associada, aos olhos da população, às referidas experiências de ditadura nacionalista.

De facto, nas convicções da esmagadora maioria da população mais pobre e excluída, profundamente religiosa, o movimento de ocidentalização - entretanto acompanhado da desvalorização social e do
afastamento dos clérigos de influência na limitação do exercício do poder - foi socialmente percebido como hostilidade/tentativa de marginalização da religião e como afirmação de não -crença em Deus,
ao mesmo tempo que, no plano político, foi identificado objetivamente com o advento da opressão/do autoritarismo e da corrupç ão.

Por sua vez, no domínio das relações internacionais, a secularização coincidia com a inferiorização do mundo muçulmano face ao ocidente, alimentando um sentimento de humilhação nacional e religiosa
que tornava as condições políticas objetivas férteis (sobretudo a partir da década de 30 do século XX) para os apelos ao reatar dos laços com o Islão e com a Shari'a - num contexto cultural dominado pela
nostalgia de um retorno à "época dourada" - em que a civilização islâmica tinha um papel de líder na cena internacional.

Surgem então - por todo o século XX - movimentos político-


religiosos islamistas:
- Alguns transnacionais
A proposta de retorno ao Islão e ao Estado Islâmico - e a força do seu apelo - sustenta-se, (como a Irmandade Muçulmana - fundada no Egito) que
ideologicamente, no poder mobilizador das propostas vagas de uma reforma da sociedade que: assumiam uma visão compreensiva islâmica associando política e
➢ Realizasse os valores islâmicos - identificados com a justiça e o bem religião e que atuavam igualmente no domínio político,
➢ Pusesse termo à corrupção e à arbitrariedade dos governos procurando corresponder à disseminação generalizada daquele
➢ Devolvesse à comunidade islâmica o velho prestígio e papel no mundo. sentimento de regresso às origens religiosas no mundo
muçulmano.

7. Finalmente, abriu-se uma nova era para o Estado islâmico e o fundamentalismo islâmico ganhou um fôlego decisivo quando (não apenas no plano dos aspetos ideológicos) na realidade da governação,
irrompe, com sucesso, a Revolução Iraniana - em 1979.

Aí, diversamente do que acontecia na governação islâmica clássica, os clérigos/jurisconsultos não recuperaram apenas a posição cimeira que outrora ocuparam, mas arrogaram -se eles próprios a tarefa de
governação total e executiva, sem limites ou conceções - legitimados sob orientação do líder supremo da Revolução, Khomeini - no monopólio de interpretação e da aplicação jurídico-clerical da lei divina em que
deveria assentar o novo poder islâmico.
Então, o Islão, que durante a governação clássica - apesar da confusão dos planos religioso e político - funcionara como contrapeso/constrangimento do poder político, significando, na prática, uma limitação do
poder estatal através da religião - surge agora, utilizado com uma nova ambição: identificado com a própria Constituição e constituindo a base político-religiosa de um novo poder de matriz jurídico-clerical.

É nessa sua nova dimensão que, depois da experiência iraniana, este projeto de adesão ao Islão e de proclamação da intenção d e instituir um Estado Islâmico vem sendo replicado em programas de ação
política em diferentes latitudes, de Marrocos à Indonésia - e foi concretizado, por diferentes vias, em várias experiências constitucionais.
E embora haja fações mais radicais que rejeitam qualquer participação em eleições democrática, a nota mais impressiva é a que de sempre que as forças políticas islâmicas são autorizadas a disputar essas mesmas eleições - desde as primeiras eleições na
Argélia em 1990 até hoje - elas obtêm
sistematicamente resultados expressivos com
base no programa geral de adoção da Shari'a
como fonte de Direito ou como lei da nova ordem
Como sejam os movimentos jurídica - e por vezes, alcançam vitórias
assumidamente autocráticos ou ➢ Todavia, com o equivalente carácter sistemático, o resultado que se verifica invariavelmente após esmagadoras em eleições
que praticam o terrorismo e que esses sucessos eleitorais é a instituição de regimes autocráticos/ a abertura de trajetórias políticas democráticas/referendos constitucionais (como
tanto limitam a sua ambição de de natureza autocrática. aconteceu no Iraque e no Afeganistão)
poder a um território delimitado Assim, a Revolução Iraniana e o regime islâmico aí instituído foi apenas 1ª experiência na nossa época em
que, pela via revolucionária ou democrática, as forças políticas islâmicas - sustentadas por um forte apoio Nota
como proclamam a intenção de
instituição violenta de um popular - chegam ao poder e instauram regimes de carácter ditatorial incompatíveis com os princípios do Note-se que a vitória retumbante
"califado global" Estado de Direito e, a prazo, da própria vivência democrática. do Partido Islâmico (a FIS) nas
primeiras eleições democráticas
Exemplo na Argélia, são também as
Talibãs no Afeganistão ou - já primeiras em que no Ocidente se
com uma ambição universal, da apoia, pelo menos tacitamente,
Al Qaeda ou do Isis. um governo autocrático contra os
vencedores de eleições
democráticas.

8. A tensão contemporânea entre democracia e Estado de Direito revela-se de forma evidente no mundo muçulmano, desde o movimento de reforma iniciado no século XIX e prosseguido no
século XX nas mais diversas latitudes que se vem instalando um dilema político paradoxal.
Com efeito, no seguimento de irrupções revolucionárias ou em contexto de regimes ditatoriais, surgem dificuldades financeiras associadas a pressões internacionais - aceitam iniciar processos de
abertura com a realização de eleições democráticas, as forças políticas islâmicas - beneficiando de um apoio popular avassalador - ascendem ao poder.

- Porém - e de acordo com o programa de islamização sob o qual se apresentaram - uma vez no poder levam a cabo a prometida confessionalização do Estado, o que tem como resultados a, já
referida, instauração de regimes autocráticos e de violação dos direitos fundamentais - regimes incompatíveis com o Estado de Direito (e, a prazo, com a própria democracia).

- Em contrapartida, mas com resultados substancialmente idênticos, os programas de secularização do Estado, sem o apoio popular maioritário, só se sustentam à custa da imposição da força
militar e da repressão das forças islâmicas - o que é igualmente incompatível com a democracia e com o Estado de Direito.

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- Porém - e de acordo com o programa de islamização sob o qual se apresentaram - uma vez no poder levam a cabo a prometida confessionalização do Estado, o que tem como resultados a, já
referida, instauração de regimes autocráticos e de violação dos direitos fundamentais - regimes incompatíveis com o Estado de Direito (e, a prazo, com a própria democracia).

- Em contrapartida, mas com resultados substancialmente idênticos, os programas de secularização do Estado, sem o apoio popular maioritário, só se sustentam à custa da imposição da força
militar e da repressão das forças islâmicas - o que é igualmente incompatível com a democracia e com o Estado de Direito.

Aprisionadas deste dilema, as populações de maioria muçulmana estariam condenadas a viver em ditadura e opressão, já que quan do se libertavam das ditaduras seculares, caíam sob a dominação
autocrática/fundamentalista islâmica.

Surge então, a questão decisiva de saber em que medida - rompendo eventualmente este dilema - movimentos ou Estados que adotam a Shari'a e Constituições islâmicas e assumem o carácter confessional do Estado,
mas que proclamam originariamente a aceitação da realização regular de eleições democráticas e consagram constitucionalmente mecanismos eletivos de poder, são compatíveis com a democracia e com o Estado de
Direito?

➢ Em teoria, pode dizer-se não haver uma incompatibilidade insuperável entre Islão e democracia.
Com efeito, apesar da tendência para atribuir, na criação da lei vigente, uma palavra decisiva a instâncias jurídico-clericais de legitimidade não democrática (que não foram eleitas pelo povo), pode admitir-se a existência
de um poder islâmico que remeta inteiramente para assembleias parlamentares eleitas democraticamente.
Então, se a seguir, a maioria parlamentar decide livremente aprovar leis que assumem a concretização dos valores islâmicos ou a tarefa da concretização da Shari'a às condições da vida atual, não existiria, só por aí,
qualquer afronta aos princípios democráticos.

Atenta a normalidade com que os partidos islâmicos "ganham" eleições livres em que participam, não haveria sequer o receio de que as assembleias eleitas viessem a ter uma composição mai oritariamente secular
(anti-islâmica) pelo que, à partida, não há razões de ordem pragmática que obriguem as forças políticas islâmicas a rejeitar os mecanismos de exercício democrático do poder.

No fundo, neste processo de Aggiornamento, o que as assembleias de tipo parlamentar politicamente hegemonizas pelos partidos islâmicos fariam após a vitória eleitoral do islamismo seria proceder à codificação da
Shari'a - traduzir a lei divina para legislação formal - no que constituiria uma verdadeira democratização da Shari'a.
Nesse sentido, dir-se-ia não haver incompatibilidades de fundo, ou pelo menos, oposição do islamismo aos mecanismos democráticos típicos do exercíc io do poder.

Com enorme probabilidade, a realização de eleições livres e democráticas na grande parte destes países conduz democraticamente ao poder, forças islâmicas que sustentam a confessionalidade do Estado e a prevalência
da Shari'a - pelo que, em última análise, a realização dessas intenções num quadro formal democrático não seria intrinsecamente problemáti ca.

9. No entanto, as dúvidas de compatibilidade residem na relação problemática entre Estado de Direito democrático e Estado Islâmi co.

Numa visão nuclear da democracia - assente exclusivamente no respeito da regra da maioria - ela não é praticamente posta em causa nas situações, prováveis, de vitória eleitoral das forças políticas
islâmicas. Já estruturalmente, o problema é qualitativamente distinto quando se coloca a questão da soberania constitucional:

Qual o princípio de soberania vigente, num contexto em que não se reconhece a autonomia das duas instâncias - A soberania divina ou a soberania popular?

Por muito que se valorize o esforço para compatibilizar o Islão com a democracia no mundo muçulmano, não pode deixar de se pa rtir do princípio de que o Islão repugna a hipótese de reconhecimento
de uma outra soberania que se sobreponha à soberania divina.
Donde que algumas Constituições (Iraque, Afeganistão) incluam as chamadas "Cláusulas de repugnância" através das quais se consideram nulas todas as normas (incluindo as aprovadas pela Assembleia
constituinte) que contrariem a Shari'a ou os valores islâmicos.
Sendo assim, tal significaria a rejeição da admissibilidade constitucional de eventuais vitórias eleitorais de forças políticas não-islâmicas, no que constituiria a negação da tese da compatibilidade. E, como já
visto, é, sobretudo, no plano da eventual incompatibilidade entre Estado Islâmico e Estado de Direito que a confessionalidade do Est ado produz as mais drásticas consequências.

Seja no que se refere ao respeito pela dignidade da pessoa humana (enquanto princípio fundador do Estado), seja no consequente reconhecimento do princípio da igualdade, a confessionalidade do
Estado e a adesão constitucional do Estado à confissão islâmica tem consequências de exclusão estruturalmente inultrapassáveis - no que se refere à desigualdade entre géneros, sexualidades, e à
desigualdade entre fieis e não crentes - este principio reflete-se, inevitavelmente, na impossibilidade de assunção de igualdade em toda a sua extensão na esfera pública e, logo, na impossi bilidade de
reconhecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado.

Por outro lado, para além de uma tendencial desigualdade de tratamento (e discriminação) nas condições de acesso ao exercício do poder político em função da confissão religiosa professada, a
confessionalização do Estado e o não reconhecimento do princípio da separação envolvem, necessariamente, a adoção dos direitos fundamentais próprios de um Estado fundado na igual dignidade da
pessoa humana.
Os direitos fundamentais em Estado Islâmico terão sempre um reconhecimento "amputado" de dimensões essenciais, não apenas quando no plano das liberdades políticas e no acesso a cargos públicos
não se reconhece uma verdadeira igualdade entre cidadãos de religiões e crenças diversas - verificando-se uma discriminação constitucionalmente imposta - mas também quando, não se sustenta a
liberdade de expressão do pensamento e da convicção e crença em toda a sua extensão e, desde logo, quando não se reconhece a liberdade de ter/não ter de abandonar/criticar uma religião.
A partir do momento em que um Estado professa oficialmente a religião islâmica, não podem ser consideradas inconstitucionais leis que imponham o cumprimento de obrigações derivadas da religião
oficial ou que criminalizem a blasfémia, o adultério, a homossexualidade e os sancionem com penas como a mutilação, a decapitação e até a pena de morte.

É certo que da confessionalidade do Estado não decorre, imperativamente, a obrigação estatal de sancionar com as penas referi das os comportamentos proibidos pela religião oficial, porém, sendo a
confessionalidade e a natureza islâmica do Estado acolhidas pela própria Constituição, não podem tais leis proibitivas/criminalizadoras/impositivas de obrigações religiosas ser consideradas
inconstitucionais.

- Ou seja, ainda que essas leis sejam violadoras da dignidade da pessoa humana em toda a sua extensão (liberdade de crença, de privacidade, de expressão do pensamento, etc.) não podem ser
consideradas inconstitucionais, uma vez que o seu fundamento está constitucionalmente acolhido nos valores islâmicos

Ao invés, da natureza islâmica do Estado decorre a possibilidade de serem consideradas inconstitucionais leis aprovadas pelo legislador estatal que venham a ser consideradas violadoras dos valores
islâmicos (nos termos da "Cláusula de Repugnância")
Exemplo: Poderiam ser consideradas inconstitucionais leis aprovadas por uma assembleia parlamentar, que discriminassem a blasfémia ou o adultério.

Em suma

Independentemente da necessidade pragmática de contemporização, tolerância e aceitação de um gradualismo que atenda às condiç ões erais de exercício do poder político no mundo muçulmano (o
que pode justificar a admissibilidade e o reconhecimento internacional de experiências de democratização e progressivo acolhi mento dos direitos fundamentais em experiências constitucionais de
Estado Islâmico - haja, todavia, uma incompatibilidade estrutural entre Estado de Direito democrático e confessionalização do Estado.

A nosso ver, nas suas modalidades "benignas" o Estado Islâmico é um tipo de Estado de transição que não se integra nos quadro s do Estado de Direito, e nas suas modalidades "fundamentalistas" é um
tipo de Estado autocrático oposto aos princípios fundamentais do Estado de Direito.

Notas finais
• Apesar de existir uma grande influência da religião na vida social da população (por exemplo, o
enraizamento da celebração do natal até por ateus) mas o ideal de Estado laico mantém -se como 1
das principais características do Estado moderno na nossa sociedade ocidental (ex: A maioria das
escolas públicas na sociedade ocidental são laicas, não revelam ideologias/ Em Portugal, a presença
da religião é simbólica, residual, e não a nível estrutural do Estado - verificando-se, por exemplo,
feriados religiosos, etc.)

• A democracia é a regra da maioria - o Estado Islâmico prova que pode existir democracia sem
Estado de Direito (neste caso a democracia leva ao Estado autocrático) - revelando que é
complicado que a regra da maioria corresponda ao respeito pelos direitos fundamentais. O Estado
islâmico é um Estado moderno mas não um Estado de direito - gostando de ser exaltado como tal -
uma vez que o Estado discrimina, consoante as ideologias de cada um (distinção fieis e não fieis)

• Primavera Árabe: Onda revolucionária de manifestações e protestos que ocorreram no Oriente


Médio e no Norte da África a partir de 18 de dezembro de 2010 (acima referida)

Nota:
A definição de Estado Moderno diz respeito às 3 fases referidas:
o Estado liberal de Direito, a crise no Estado liberal de Direito e o Estado social e democrático de Direito.

Direito Constitucional Página 11


Regime político e forma de governo
Capítulo II

Regime político: Diferentes modalidades de exercício do poder político no Estado constitucional, considerando o relacionamento institucional q ue se estabelece entre governantes e governados, tendo em conta,
especialmente, a titularidade e o exercício efetivo do poder constituinte, a existência, a natureza e o peso de instituições representativas e os graus e formas de participação dos governados no exercício do poder.

Em função desses fatores teremos hoje como principais regimes políticos:

➢ As democracias representativas
- Legitimidade democrática
- Renovação eletiva dos mandatos
- Participação dos governados no exercício do poder através de um direito igual à plena participação em instituições democrátic as representativas constituídas com base no pluralismo de expressão, organização e
de alternativa
➢ Regimes ditatoriais
- Concentração dos poderes
- Inexistência de pluralismo e de eleições democráticas
➢ Regimes de transição

Assim, para caracterizarmos e distinguirmos os vários regimes políticos, para além da natureza da legitimidade do poder constituinte originário e derivado, devemos considerar o principal fator:
- O da existência ou não de instituições representativas dos cidadãos
- O peso real que essas instituições têm na condução da vida política
- A existência ou não de pluralismo político, o reconhecimento ou não do direito de oposição

Tudo o que remete, em última análise, para o critério determinante da natureza e do papel real que as eleições aí representam (porque qualquer regime acaba sempre, de uma forma ou outra,
por realizar eleições).
Em função desses parâmetros será possível determinar o tipo de relação que se estabelece entre governantes e governados e a n atureza da participação dos cidadãos no exercício do poder como fatores decisivos
na distinção entre os regimes políticos (sobretudo entre regimes políticos democráticos e regimes políticos autocráticos)

Regimes políticos e formas de governo


1

Na enumeração feita dos fatores a considerar na distinção de regimes políticos não atendemos, ainda, à variação que se possa verificar no plano da forma de
governo.

A identificação da forma de governo faz-se em função de um único aspeto particular:

➢ O da consideração do tempo e do modo de sucessão no órgão de cúpula ou de chefia do Estado, enquanto órgão formalmente reconhecimento como suprema
magistratura de um dado sistema político.

Nesse sentido, distingue-se sobretudo, Monarquia e República.

- A forma de governo monárquica distingue-se da forma de governo republicana consoante, respetivamente, o exercício daquele cargo que tenha uma carácter Exemplo
vitalício ou, invés disso, que se exerça em termos de mandato temporariamente limitado
Portugal e Espanha - têm regimes
Porém, em regra e em termos de prática corrente, monarquia e república distinguem -se em função da via - hereditária ou não hereditária - de sucessão dos
políticos idênticos e formas de
titulares daquele órgão de chefia do Estado.
governos diferentes - atualmente,
ambos democracias representativas
- Do ponto de vista da distinção material entre regimes políticos, é hoje indiferente saber qual a forma de governo adotada. Pa ra a qualificação do regime político
e com uma história de regimes
como o conhecemos - caracterizado em função do relacionamento entre governantes e governados - não é decisivo saber se esse regime se desenvolve no quadro
políticos no século XX de evolução
de uma monarquia ou de uma república, uma vez que a diferença na forma do governo não condiciona a natureza ou o grau de part icipação dos cidadãos no
quase paralela - e, no entanto
exercício do poder político, logo, não condiciona o respetivo regime político.
Portugal é uma República enquanto
que a Espanha tem vivido sob forma
De facto, tanto a monarquia como a república se podem constituir sob regime democrático ou em regime de ditadura, sem que a f orma de governo determine de
monárquica.
forma necessária uma ou outra via.

Regimes políticos no Estado moderno


2

Tendo em conta os critérios de distinção referidos (que remetem para a natureza e grau de participação dos governados no exer cício do poder) há uma divisão capital a fazer entre regimes de Estado autocrático e
regimes de Estado constitucional/de Direito.

➢ Distinguiremos no Estado moderno (incluindo as fases do Estado absoluto e de Estado constitucional) os seguintes principais regimes:
- Monarquia absoluta
- Monarquia constitucional (monarquia limitada, orleanista e parlamentar)
- Governo representativo
- Democracia representativa
- Ditadura

No Estado absoluto desenvolvido na Europa até ao século XIX e no Estado autocrático dos séculos XX e XXI, a ausência de pluralismo político e de uma (verdadeira) divisão de poderes determina a
simplicidade/uniformidade de regimes políticos, pelo que, por aí, a elaboração de uma tipologia de regimes não é verdadeiramente importante.

Com efeito, o Estado absoluto identifica-se com o regime político da monarquia absoluta e no Estado autocrático contemporâneo (XX/XXI) mesmo quando há uma Constituição (nominal ou semântica) o regime
político tende a ser uma ditadura.

Pode eventualmente acontecer numa das modalidades de Estado autocrático do século XXI, o Estado Islâmico, que de forma tempor ária ou pontual o regime funcione em
termos democráticos - com realização de eleições livres e governo da maioria.
No entanto, como já visto, a própria natureza confessional do Estado - e o consequente desrespeito da igual dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais - força o regime a evoluir, tendencialmente, para
um regime autocrático que rapidamente transita de "ditadura da maioria" para ditadura de um grupo, de uma casta/confissão religiosa.

Regimes políticos de Estado autocrático


2.1

Monarquia absoluta
2.1.1

- A monarquia absoluta é o regime político típico do Estado absoluto.


- Assenta exclusivamente na legitimidade monárquica (de fundamento divino ou de fundamento racional) - o que significa que o Rei é considerado a origem e o fundamento do poder.
- Todo o exercício de autoridade pública - da Administração aos Tribunais - é feito em nome do Rei - que concentra todos os poderes do Estado na sua pessoa.
- Não há quaisquer instituições representativas dos cidadãos/das classes sociais - e, consequentemente, não há participação dos súbditos no exercício do poder político.

Ditadura
2.1.2

Direito Constitucional Página 12


No conceito de ditadura integramos as várias (do ponto de vista do regime, substancialmente convergentes) formas de exercício do poder político que se verificam no Estado autocrático dos séculos XX e XXI, sob
forma de governo monárquica ou republicana.

- Independentemente das diferenças relativamente aos diversos contextos histórico -culturais, há sempre - no regime político ditatorial - um núcleo de práticas e princípios que distinguem vivamente este regime
dos regimes democráticos atuais.

➢ Pode dizer-se que a legitimidade invocada pelas ditaduras - quando exercidas sob forma republicana - é tal como nas democracias: uma legitimidade democrática, mas apenas no sentido de se atribuir
teoricamente ao povo a titularidade do poder.
Porém, o Povo de que se fala numa ditadura nunca é o "Povo-conjunto de todos os cidadãos" próprio da democracia, que exerce o poder através de representantes eleitos com igualdade de participação. Na
ditadura, o conceito democrático de Povo é corrompido - na medida em que na prática, e por vezes até mesmo no plano teórico do Estado, o Povo titular do Poder numa ditadura se identifica unilateralmente só
com uma certa raça, com um certo grupo social, com uma certa comunidade religiosa ou qualquer outra entidade de contornos +/ - míticos.

Porém, as formas que este "povo" utiliza para o exercício do poder são radicalmente distintas das formas democráticas de exercício do poder político:

• Não há, em ditadura, verdadeira representação política, uma vez que o conjunto dos cidadãos não tem uma possibilidade efetiva de escolher livremente entre alternativas e representantes que devam
exercer o poder em seu nome.
• As instituições representativas e as eleições ou não existem ou são artifícios formais utilizados para fins de mera propaganda. Mesmo quando as eleições são teoricamente livres - e correspondem à
expressão da vontade do eleitorado - o contexto prévio à respetiva realização - por falta de pluralismo e de liberdade de expressão e de escolha - já distorceu/condicionou decisivamente o respetivo
resultado.
• A rejeição - proclamada abertamente ou praticada de facto - do pluralismo político/das liberdades democráticas/da alternância do poder/da livre escolha - constitui a diferença específica que identifica este
regime político pela negativa.

➢ Pode, em ditadura, haver diferenças na estruturação jurídico-formal dos poderes, mas o ponto comum é sempre - como resultado - a concentração efetiva de todo o poder nas mãos de um grupo restrito (ou,
em última análise, de uma única pessoa) que se proclama intérprete privilegiado/exclusivo dos desígnios do Povo e que recusa submeter o poder que exerce à prova de legitimação que constitui uma eleição
livre e em que todos possam participar em condições de igualdade.

➢ Assim, consoante a natureza do grupo restrito que detém e exerce exclusivamente o poder, encontramos:

- A ditadura pessoal
- A ditadura de partido único (ou do seu chefe)
- A ditadura militar
- A ditadura de uma casta/confissão religiosa
- A ditadura de um clã/família
- A combinação particular de algumas destas possibilidades.

Regimes políticos de Estado de Direito


2.2

O conceito de regime político adquire verdadeira relevância e autonomia em Estado de Direito , uma vez que, num Estado que assuma como referências comuns…

- A existência de uma Constituição normativa


- O pluralismo
- A divisão de poderes
- O respeito dos direitos fundamentais

… podemos encontrar - apesar da partilha mesmos princípios constitucionais estruturantes - tipos de relacionamento estrutural entre governantes e governados substancialmente diferentes.

Considerando os mais de 2 séculos de Estado constitucional, faz aí sentido a elaboração de uma tipologia que inclua, pelo men os, os seguintes regimes (independentemente da designação encontrada):

- Monarquia limitada
- Monarquia orleanista
- Governo representativo (monárquico ou republicano)
- Democracia representativa (em monarquia ou em república)

Regimes políticos de monarquia constitucional


2.2.1

➢ Na monarquia constitucional compatibiliza-se uma forma de governo monárquica com a vigência de uma Constituição normativa - o que implica, quaisquer que sejam as diferentes modalidades de
concretização em termos de regime político - a existência de limitação jurídica do exercício do poder, ou seja, a existência de separação de poderes e de instituições representativas/de participação
dos governados no exercício do poder político.

A monarquia constitucional - mesmo não considerando o caso particular da Grã-Bretanha - encontra-se, ao longo dos séculos XIX, XX e XXI, pelo que, numa existência que se prolonga por épocas tão
diferentes, são muito diversos os regimes políticos nela integrados.
Assim…
- A Espanha, a Bélgica ou a Holanda dos nossos dias são monarquias constitucionais.
- Portugal entre 1822 e 1910 foi uma monarquia constitucional
- A Inglaterra nos finais do século XVII era já, de certa forma - apesar da não existência de uma Constituição em sentido formal - uma monarquia constitucional
… e os seus respetivos regimes políticos são muito diferentes.

Assim, é possível e necessário distinguir entre os regimes políticos (que se inserem na designação de monarquia constitucional - forma de governo monárquica com Constituição):

- Monarquia limitada e a monarquia orleanista (típicas do século XIX)


- E os diferentes regimes da monarquia parlamentar (que perdura desde o século XIX até os dias de hoje), sendo que devemos distinguir nela:
- As monarquias de governo representativo liberal;
- As atuais monarquias de democracia representativa.

a. Monarquia limitada

➢ A monarquia limitada é um regime político dominante no século XIX em muitos países europeus (Alemanha, França da Restauração e, de certa forma, também se concretizou em Portugal em 1826, em que
se compatibiliza de forma muito particular a forma de governo monárquica com a existência de uma Constituição)

➢ Trata-se de um regime ainda fundado na legitimidade monárquica - em que se considera o rei como origem e fundamento do poder político - mas exercendo um poder já mitigado pela existência de uma
Constituição aprovada pelo monarca.
O rei ainda é considerado a origem e o fundamento do poder mas aceitou autolimitar-se através da outorga ao Povo de uma Constituição (mais precisamente uma Carta Constitucional, uma vez que se trata de
um documento aprovado e dado pelo Rei ao Povo e não ainda um documento de garantias impostas ao Monarca por uma Assembleia Co nstituinte formada por representantes do Povo).

De qualquer forma, a existência de uma Constituição - que consagra a existência de instituições representativas e de uma certa divisão de poderes - já representa uma limitação jurídica do exercício do poder real -
quando o monarca aceita limitar o seu próprio poder através da sua sujeição a regras jurídico -constitucionais previamente estabelecidas, o mesmo reconhece a existência das instituições acima referidas e,
embora continue a deter um papel determinante, institui uma divisão de poderes. Ou seja, acaba por se verificar uma dualidade de poder/uma espécie de compromisso entre o Rei e as instituições representativas
dos cidadãos:

- O executivo continua a ser da responsabilidade do Rei, mas o legislativa passa agora a ser atribuído a um Parlamento represen tativo.
Então pode-se dizer que no domínio do exercício do poder político existe uma dualidade entre o Rei titular do Poder executivo e um Parla mento (com poder legislativo) parcialmente eletivo (uma vez que
continua a existir uma câmara parlamentar não eletiva). Nessa dualidade de poder o Rei procura conservar uma posição de fator político central de regime, recorrendo a um chamado "poder moderador" - um
conjunto de competências que, sob a intenção de moderar os impulsos dos restantes poderes, lhe permitem uma intervenção decis iva no controlo do Aparelho de Estado.

- De resto, como referido, a prevalência da legitimidade monárquica manifesta -se na própria estrutura e natureza do parlamento. Em monarquia limitada, o Parlamento é tradicionalmente composto por 2
câmaras - sendo que os poderes da câmara baixa (eleita pelo Povo) são atenuados pela existência da câmara alta (não -eletiva, com membros nomeados pelo Rei e, portanto, dele dependendo politicamente.

- Logo, apesar da existência da Carta Constitucional resultar numa autolimitação - que se traduz em atenuação dos poderes do Rei - este continua a ser o fator político central da monarquia limitada, na medida em
que para além de deter o poder executivo por direito próprio, tem uma influência significativa nos restantes poderes.
Com as competências que lhe são constitucionalmente atribuídas no âmbito do "quarto poder" (designado por Benjamim Constant c omo poder moderador) e a pretexto de moderar os eventuais excessos dos
restantes poderes, o monarca detém a possibilidade de estender a sua influência ao poder legislativo e ao poder judicial.

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restantes poderes, o monarca detém a possibilidade de estender a sua influência ao poder legislativo e ao poder judicial.
Com efeito, nesse poder moderador incluem-se as faculdades constitucionalmente reconhecidas ao Rei de nomear membros da câmara alta do Parlamento e de exercer o direit o de veto, de poder dissolver a
câmara baixa e, no que se refere ao poder judicial, de nomear e destituir os juízes.

b. A monarquia orleanista (designação derivada do regime do príncipe Luís Filipe, duque de Orléans na França de 1830) é um regime baseado na existência matricial de um poder constituinte pactuado
entre a legitimidade democrática e a legitimidade monárquica, de onde resulta, tendencialmente, uma dualidade intrinsecamenterepartida no exercício do poder.
Não há apenas uma dualidade do exercício do poder político, mas o próprio regime nasce de um verdadeiro compromisso/pacto cel ebrado entre a legitimidade monárquica e a legitimidade democrática no
próprio momento constituinte. Ou seja, a Constituição nem é uma Carta Constitucional outorgada pelo Rei, nem uma Constituição livremente aprovada pelos representantes do Povo reunidos em Assembleia
Constituinte (como acontecerá na Monarquia Parlamentar): A Constituição da monarquia orleanista é aprovada por uma Assembleia constituinte popular, mas só entra em vigor se obtiver, simultaneamente, a
aquiescência (consenso) efetiva do monarca.
Desta origem dualista e pactuada da Constituição, resulta, tendencialmente, uma estruturação compromissória dos poderes, com o Rei a perder o poder moderador - através do qual influenciava os restantes
poderes - e as instituições representativas a surgirem reforçadas, com uma divisão dos poderes mais efetiva e com o Governo politicamente responsável não apenas perante o Rei, mas já também um
Parlamento - em que o peso da Câmara baixa tende a ser predominante ou até mesmo exclusivo.

Veremos como é nesta natureza dualista que alguma doutrina verá uma reminiscência (irá reter e reproduzir) histórica do atual sistema de governo semipresidencial - pois também neste haveria pretensamente
uma dualidade que se manifestaria na dupla responsabilidade política do executivo perante o Parlamento e perante o chefe de E stado.

c. Por último, na monarquia parlamentar o regime assenta já exclusivamente na legitimidade democrática, embora sob a forma de governo monárquica - apesar da existência de um rei a Constituição é
feita pela Assembleia representativa popular, pelo que o Poder é considerado como residindo originariamente no Povo, e os órgãos que efetivamente o exercem recolhem a sua legitimidade da eleição.
A Constituição é exclusivamente aprovada pelos representantes do Povo reunidos em Assembleia constituinte, ainda que o Rei ve nha a apor-lhe, formalmente, uma assinatura/promulgação - todavia, esta sanção
real da Constituição não reflete já qualquer partilha real do poder constituinte, antes significa, simbolicamente, o reconhecimento da soberania popular por parte do monarca que, na realidade, é desprovido de
poder político.

Com estas características gerais, o regime político em monarquia parlamentar vai assumir uma natureza diferenciada consoante se trate de monarquia parlamentar do século XIX ou monarquia parlamentar da 2ª
metade do século XX ou do século XXI. O Reino Unido e a Espanha, por exemplo, são hoje monarquias parlamentares, tal como eram no século XIX; todavia, o regime político é substancialmente diferente num
caso e noutro - o regime no século XIX era um governo representativo e é uma democracia representativa nos dias de hoje - e, por isso, em rigor, a monarquia parlamentar não será um regime político com uma
identidade individualizada.

Governo representativo
2.2.2

➢ O Governo representativo/Governo representativo liberal é um regime político de legitimidade democrática, portanto, de Constituição aprovada por uma Assembleia constituinte eleita pelo Povo, que tanto
pode existir sob forma de governo monárquica (monarquia parlamentar) como sob forma de governo republicana (república parlamentar).

➢ O Parlamento é a instituição representativa nacional, mas, comparado com os atuais Parlamentos, tem uma legitimidade democrática embrionária - já que o eleito por sufrágio acentuadamente restrito
(sufrágio censitário, capacitário, rácico e masculino).
Assim, tanto a Assembleia constituinte quanto os parlamentos são eleitos pelo Povo, mas esse "povo" não engloba todas as pessoas, é um "povo" de acesso muito restrito - o que acaba por ter as maiores
consequências na caracterização do regime e na sua distinção do regime político com que mantém, no plano dos princípios uma m aior afinidade - a democracia representativa.

Como consequência da restrição referida, há neste regime político, dada a uniformidade social e a convergência ideológica das pessoas que têm direito a voto, uma acentuada homogeneidade política do corpo
eleitoral. Sustentado nos mesmos interesses, prosseguindo os mesmos objetivos e vendo o mundo da mesma maneira, não há verdadeiramente disputa programática ou escolha entre projetos diversos nas
eleições realizadas em regime de governo representativo. A eleição tem o carácter de uma simples escolha de pessoas e não uma disputa política em que digladiem programaticamente os candidatos.
O mandato dos deputados tem um carácter nacional e representativo, os partidos políticos são ainda incipientes, com a natureza de partidos de quadros e a sua atividade limita-se aos períodos eleitorais.

É o regime político típico do Estado liberal do século XIX, mas que prolonga a sua vigência política e institucional até aos anos que se seguem ao fim da I Guerra Mundial.
Independentemente da forma de governo adotada (monárquica ou republicana) a legitimidade em que se funda o exercício e fundam ento do Poder é a legitimidade democrática, ou seja, independentemente
dos constrangimentos referidos, considera-se que o Poder reside, originariamente, no Povo (ou na Nação, segundo algumas Constituições) e deve ser exercido pelos seus r epresentantes eleitos.

➢ A Constituição, como decorre da legitimidade democrática em que assenta o regime, é exclusivamente aprovada por uma Assembleia Constituinte representativa, ainda que formalmente o rei (em monarquia
parlamentar) manifeste a sua concordância, apondo-lhe a sua assinatura, mas sem que isso signifique uma partilha de Poder constituinte entre Povo e monarca (como de resto acontece com a generalidade
dos atos políticos/legislativos praticados pelo Governo e pelo Parlamento e que o Rei, igualmente, assina ou promulga).

➢ O centro do poder político é o Parlamento - instituição representativa nacional e órgão revelador da vontade geral.
➢ O Chefe de Estado (rei ou presidente da república) não é um órgão politicamente ativo
➢ O Executivo é um órgão colocado progressivamente sob a dependência política do Parlamento e perante ele exclusivamente responsável.

Isto significa que quando este regime político existe sob forma de governo monárquica, ao contrário do que acontecia quer em monarquia absoluta quer mesmo em monarquia constitucional limitada, O Rei não
exerce, de facto, poderes políticos - limita-se a constituir uma referência de carácter simbólico, representando a unidade e a soberania do Estado, mas com poderes (mesmo aqueles que lhe são expressamente
atribuídos pela Constituição) meramente formais, cujo conteúdo e sentido é determinado pelo Governo .
Por sua vez, quando o chefe de Estado é um Presidente da República (República parlamentar) é normalmente designado ou eleito pelo Parlamento e, em geral, pode ser por ele destituído - pelo que a natureza dos
seus poderes/a forma como o exerce são muito semelhantes ao que ocorre no governo representativo próprio de monarquia parlamentar.

➢ Quanto ao tipo de representação, diversamente do que acontecia nas originárias instituições representativas medievais (onde os procuradores das várias classes/estamentos tinham nas Cortes um mandato
imperativo/fracionado, ou seja, eram apenas a voz do grupo que os elegera e o sentido do seu voto era pré-determinado pelos mandantes) no Parlamento moderno do governo representativo os deputados
têm um mandato nacional e representativo.
Isto significa:
- Que cada deputado se considera representante de toda a coletividade nacional e não apenas dos eleitores do círculo eleitoral por onde foi eleito,
- Que cada deputado se considera portador de uma vontade política própria através da qual procurará interpretar as exigências d o interesse nacional.

Assim o Parlamento é o órgão que revela a vontade geral e o regime político nele assente pode ser caracterizado como governo representativo - ou seja, um regime politicamente baseado na eleição dos
representantes do Povo ao Parlamento.

- No entanto, a legitimidade democrática não é, neste regime, levada até às suas últimas consequências, na medida em que a ideologia liberal da época - e os interesses económicos e sociais em que o regime
assentava - lhe haviam imposto as sérias limitações decorrentes do sufrágio restrito - e são esses constrangimentos da legitimidade democrática que vão permitir distinguir o governo representativo da
contemporânea democracia representativa.
É que embora este regime se baseie na legitimidade democrática (como acontece na democracia representativa) logo, o Poder sej a considerado como residindo originariamente no Povo e exercido pelos seus
representantes eleitos, a conceção de Povo que aqui prevalece é muito redutora.

Na medida em que os direitos políticos (nomeadamente o direito de voto) não são generalizados a toda a população, mas são apenas privilégio de uma minoria muito restrita , o Povo-Nação em que se funda este
regime é, também, uma reduzida minoria dentro do Povo real. Tudo se passa como se só uma certa camada da sociedade (maioritariamente as classes proprietárias) integrasse verdadeiramente o Povo - como se
só ela se considerasse apta a interpretar e revelar os interesses da Nação.

➢ Daqui resultam importantes consequências para a natureza da vida política deste regime.

- Em primeiro lugar, uma vez que os eleitores constituem uma massa homogénea (não dividas por diferenças económica, culturais ou ideológicas; a massa votante era uma classe social com interesses comuns) a
eleição assume uma natureza específica. Nela se faz uma escolha entre projetos ou programas de governo essencialmente diferentes, já que todos - eleitores e eleitos - partilham a mesma visão do mundo, têm
os mesmos interesses económicos, defendem o mesmo tipo de organização social.
Nesses termos, a eleição tem o carácter de uma mera designação, de uma indicação dos elementos que, de entre as classes proprietárias, se consideram mais capazes de as representar no Parl amento. Essa
capacidade é avaliada em função da habilitação dos candidatos, das suas qualidades pessoais, do seu peso local - o que deu, entre nós, origem ao caciquismo típico do século XIX, mas com prolongamentos
esporádicos por todo o século XX - e não em função de um alinhamento político ou de um programa de candidato.

- Os partidos políticos ainda não fazem sentir a sua presença, tal como ela virá a projetar-se decisivamente nos séculos XX e XXI
Pelos motivos apontados, a intervenção partidária, mesmo nos períodos eleitorais, é muito limitada ou mesmo marginal.

- No plano das organizações políticas, numa 1ª fase, surgem modalidades de organização pouco estruturadas - meros clubes de reflexão e de discussão, ou porventura, comités eleitorais de apoio a um ou outro
candidato, sem carácter de permanência e sem ligação entre si.

- Da mesma forma, nos Parlamentos desenvolve-se apenas uma incipiente organização de grupos parlamentares, ainda sem o carácter da coesão, disciplina e vinculação . Só numa fase posterior surgem
verdadeiramente os partidos políticos, seja com uma:
• Origem parlamentar (formados através de uma estruturação progressiva da ligação entre deputados e comités eleitorais)
• Origem extraparlamentar (associados, por exemplo, a organizações sindicais e de base laboral)

Os partidos políticos neste regime são essencialmente partidos de quadros, organizados em torno de notáveis locais que, nas eleições, dispõem de um poder de influência do sentido do voto - não se preocupam
com o recrutamento de um grande número de aderentes, não se estruturam de forma centralizada, não dispõem de uma direção unif icada nem de uma disciplina interna uniformizadora de comportamentos
políticos, caracterizando-se, por outro lado, no terreno ideológico, por uma grande fragilidade programática.

- No que respeita à relação entre eleitorado e composição do Parlamento, uma vez que não se verifica no corpo eleitoral uma divisão vincada entre tendências políticas opostas, não se faz ainda sentir a
necessidade de garantir uma expressão parlamentar das várias correntes políticas.

Nesses termos, o sistema eleitoral - enquanto método de tradução do número de votos em número de mandatos parlamentares - é ainda pouco desenvolvido/complexo, tendendo a reduzir -se à sua expressão
mais simplificada: é eleito o candidato que no círculo eleitoral obtém mais votos, ou seja, o modelo de sistema eleitoral maioritário e geralmente uninominal.

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mais simplificada: é eleito o candidato que no círculo eleitoral obtém mais votos, ou seja, o modelo de sistema eleitoral maioritário e geralmente uninominal.

- Por último, uma vez que a eleição não representa uma escolha programática, o candidato a deputado não se apresenta às eleições apoiado em qualquer programa partidário , nem vinculado a um compromisso
político a estabelecer com os eleitores. Então, uma vez eleito, tem condições políticas para exercer o seu mandato com a maio r margem de liberdade/autonomia - só tem de prestar contas à sua consciência ou
aos interesses particulares que se propõe defender.
De certa forma, é a autonomia dos membros assim eleitos e a natureza não vinculativa do seu mandato , a que se propõem a exercer que faz do Parlamento um órgão com um peso e uma legitimidade próprios
que - reforçada que está, dessa forma, a sua posição de prevalência face aos outros órgãos e instituições políticas - lhe permitem afirmar-se como centro com peso crescente na vida política.

Em alguma medida, é a atenuação da legitimidade democrática dos Parlamentos da época - contrastando com a que atualmente lhes é conferida pela eleição através do sufrágio universal - que, paradoxalmente
dá aos eleitos e, consequentemente, ao próprio órgão, o carácter central e o prestígio de que os Parlamentos beneficiavam em governo representativo.

Democracia representativa
2.2.3

➢ A democracia representativa é o regime político que, nas novas condições do século XX e XXI, dá continuidade ao principio fundamental que informara teoricamente o governo representativo: a ideia de que o
Povo é o detentor do poder e que o deve exercer através de representantes eleitos de forma periódica e livre.

Neste sentido, encontramos na democracia representativas as características que já estavam presentes no governo representativ o (ainda que com uma concretização diferente), tais como:
- A legitimidade democrática
Independentemente da forma de governo em que se inscreve, ou seja, podemos ter uma monarquia democrática ou uma república dem ocrática
- Instituições representativas eleitas livremente
- Pluralismo político
- Divisão de poderes.

Contudo, a forma como estes princípios são agora entendidos confere à democracia representativa uma natureza distinta do governo representativo, o que justifica a sua autonomização classificatória como
regime político próprio, assente em todos os princípios referidos mas, sobretudo, no sufrágio universal (que permite eleger livre e regularmente os titulares do poder).

É da instituição deste mesmo sufrágio universal que resulta uma heterogeneidade política e social do corpo eleitoral, e os partidos políticos - muitas vezes partidos de massas - vão exercer um papel decisivo no
exercício do poder, distinguindo-se em função de diferentes programas e da representação de interesses diversos.

Agora, a eleição tem um carácter representativo e assume uma função retributiva que, simultaneamente:
- Traduz a avaliação política do exercício do mandato do Governo/do executivo anterior
- Dá origem à formação de um novo Governo

Logo, a eleição constitui-se como instrumento institucional fundamental de controlo do exercício do poder e de garantia da sua alternância.

- Só da democracia representativa se retiram todas as consequências da legitimidade democrática , uma vez que só agora o Povo é considerado como "povo de todos os cidadãos" - de todas as pessoas sob
jurisdição do Estado, sem discriminação económica, sexual, religiosa ou racial. O eleitorado é constituído por todos, tendo a possibilidade de fazer verdadeiras escolhas entre alternativas distintas.
O alargamento progressivo do direito de voto/a institucionalização posterior do sufrágio universal (ao longo do século XX) sã o os dados mais importantes em que assenta esta nova conceção de legitimidade
democrática.

Em última análise, é o carácter universal do sufrágio que distingue a democracia representativa dos outros regimes políticos - que embora reconheçam na entidade do Povo a titularidade última do poder, não o
entendem como sendo constituído por todos os indivíduos/cidadãos, sem discriminações; é esse o caso do governo representativo (do século XIX) e de outros regimes (do século XX) que adotam instituições de
tipo democrático, mas não reconhecem o sufrágio livre e universal.

➢ A institucionalização do sufrágio universal transforma, desde logo, o carácter das eleições:

- O corpo eleitoral (conjunto de cidadãos que participa nas eleições) que agora se identifica tendencialmente com toda a popula ção adulta, é constituído por uma massa com interesses diversificados, com
enormes diferenças ideológicas e culturais e com objetivos políticos conflituantes. Com base nessas diferenças, a sociedade p oliticamente interveniente é agora atravessada por diferentes projetos de
organização económica e social - a que correspondem diferentes programas políticos que, assumidos pelos diferentes partidos, se apresentam concorrencialmente ao eleitorado.

- O importante nas eleições já não é a mera designação da pessoa que vai exercer fisicamente o mandato de deputado, mas muito m ais, a escolha entre aquelas diferentes propostas políticas (programas de
governo) e, em última análise, a escolha do Governo (que resulta da adesão maioritária do eleitorado a um dos programas polít icos em competição).

Democracia representativa e partidos políticos


2.2.3.1

➢ Neste novo contexto - em que o importante é escolher entre a apresentação e a escolha entre vários programas de governo - os partidos políticos adquirem uma importância decisiva, visto que
eles não são apenas os portadores desses programas, mas também são eles que detém a quase exclusividade da competência para a apresentação de candidaturas e que, assim, detém a quase
exclusividade da representação política.
Para responderem integralmente às novas exigências, os partidos alteram profundamente a sua natureza, estrutura e tipo de fun cionamento:
- Na democracia representativa, os partidos são, na sua maioria, estruturas de carácter permanente, que mantém uma organização para além dos períodos eleitorais, dotando -se de uma forte
disciplina e de uma direção centralizada. Em função dessas características, os novos partidos políticos (típicos de democracia representativa) são designados por partidos de massas - contrapostos aos
partidos de quadros do século XIX:

Partidos de quadros: Adormecidos fora do tempo de eleições, servem quase exclusivamente para promover a candidatura dos seus candidatos (predomina ntes em governos representativos)
Partidos de massas: Atividade política permanente, tem atividade política for da época de candidaturas (predominantes em democracias representati vas)

Os dois diferenciam-se entre si, politica, ideológica e culturalmente, tendo histórias e desenvolvimentos próprios
Os partidos de massas reservam uma memória e identidade - sendo com base nessa imagem referencial que procuram, de forma permanente e organizada, manter uma influência sobre toda a vi da
social e política, procurando, para isso, recrutar o maior número de aderentes (ou militantes) que sustentem uma atividade contínua e exigente.

- Por outro lado, no Parlamento, através da constituição de grupos parlamentares, os partidos políticos enquadram política e organizativamente os deputados - e com base num funcionamento desses
grupos parlamentares assente da disciplina interna/solidariedade partidária, procuram uniformizar a intervenção/o sentido de votos dos deputados que integram o grupo parlamentar geral ;
Por sua vez, os deputados - pressionados pela exclusividade que os partidos têm na apresentação de candidaturas - sabem que arriscam o futuro da sua carreira política ao fazerem uma atuação individual,
divergente das orientações da direção partidária - tendem a autocondicionar o comportamento político no sentido da estrita observância das diretrizes políticas.

Tudo isto contribui para uma redução significativa da autonomia e margem de atuação parlamentar dos deputados.
No fundo, o mandato parlamentar conferido pelos cidadãos aos deputados individualmente considerados é, na realidade, transferido para o s partidos políticos.

Isto acontece com plena consciência dos eleitores.


- Pode-se dizer, então, que a democracia representativa é um "Estado de partidos". Note-se que em grandes círculos eleitorais, os
Contudo, isso não significa um mal em si, na medida em que é a intervenção dos partidos políticos - enquanto mediadores da representação eleitores não conhecem sequer o nome dos
política - que confere ao voto dos cidadãos um peso efetivo nas sociedades desenvolvidas que de outra forma nunca teria. candidatos em que votam.

Não só um verdadeiro pluralismo político e a garantia da liberdade de escolha e da existência de alternativas são impossíveis sem a liberdade de formação de partidos políticos, como também, só através
deles é possível aos cidadãos utilizarem "retributivamente" o seu direito de voto. Sem a transferência do poder real dos deputados para os grupos parlamentares e para os partidos - e sem a referida
redução da autonomia dos deputados - os cidadãos não teriam o derradeiro poder de escolher, de punir/retribuir os governos em funções, e de escolher um novo gover no.

Ou seja, se um cidadão - em democracia representativa - está descontente com o governo atual, tem um poderoso instrumento para realizar esse objetivo: nas próximas eleições penaliza o governo votando
num partido da oposição, se pelo contrário, pretende manifestar a sua adesão ao governo atual, nas próximas eleições vota no partido que apoia esse governo.

Sem a intervenção e a continuidade institucional dos partidos políticos, o cidadão, isolado entre milhões de outros votantes, não teria qualquer peso eleitoral - uma vez que poderia dispor de um voto para
escolher uma pessoa no seu círculo, mas muito dificilmente poderia influenciar a constituição do novo governo e a orientação do sentido da política nacional.

➢ Contudo, nas últimas décadas, as democracias ocidentais atravessam uma crise de representatividade e legitimação, com:
- O aumento significativo das taxas de abstenção eleitoral

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- O aumento significativo das taxas de abstenção eleitoral
- O desinteresse significativo pela vida e participação política de partes significativas da população, sobretudo das mais jove ns. Acompanhado do criticismo e do afastamento relativamente aos partidos
tradicionais.

A globalização da comunicação e o surgimento de novas formas de inter-relacionamento pessoal e social potenciam o desinteresse pela vida política e o afastamento das modalidades e meios institucionais
de participação, acentuando o fenómeno da dissolução dos laços de uma anterior fidelidade do eleitorado para com os partidos tradicionais, provocando a volatilidade e instabilidade dos sistemas
partidários.

Em qualquer caso, é vital e insubstituível o papel dos partidos políticos no funcionamento do regime democrático - mais cedo ou mais tarde surgem novas forças partidárias que ocupam o espaço deixado
pela desagregação dos partidos tradicionais ou as referidas faixas populacionais ficam, simplesmente, excluídas de qualquer p ossibilidade de participação e influenciação das decisões políticas.

O sentimento difuso (alimentado pelo populismo/comunicação informal de massas) segundo o qual a desilusão relativamente à representação tradicional "se cura" através da glorificação da abstenção e
do desinteresse pela vida política, é uma "doença senil" das democracias do nosso tempo que, paradoxalmente, afeta sobretudo a população mais jovem.

A desconfiança relativamente aos partidos tradicionais tem elementos positivos que, eventualmente, proporcionam o surgimento de novas temáticas, de novas gerações na vida política .
Porém, em sentido inverso, tem o risco de esvaziamento real da vida democrática através da criação ad hoc/fugaz de novos partidos - constituídos para fins pontuais, como expressão de um
descontentamento local, de um evento particular ou constituídos para 1 única eleição - e que desaparecem politicamente logo a seguir, impedindo que os cidadãos, realmente, possam influenciar a
governação através da já referida estratégia retributiva de utilização do voto.
Este tipo de fenómenos tem afetado, sobretudo, as democracias representativas da Europa Ocidental, surgindo com menor impacto na América - onde, salvo algumas exceções - os partidos políticos
assumem a natureza de partidos de quadros, com uma estrutura e um tipo de funcionamento quase exclusivamente ligado à partici pação nas eleições - como ocorre nos EUA.
Paradoxalmente, é na América que os partidos europeus se têm inspirado na resposta à crise/dificuldades financeiras que os vê m afetado nas últimas décadas.

Esta evolução é visível na "marketização" das campanhas eleitorais e na transformação das disputas eleitorais em eventos centrados na performance mediática dos candidatos - transformado,
progressivamente, os partidos políticos - portares de uma visão da sociedade e de um programa de ação política diferenciados - em máquinas propagandísticas de apoio a candidaturas (que em caso de
sucesso redistribuem posteriormente as vantagens na ocupação de cargos no aparelho público aos respetivos militantes.
De resto, estas tendências vêm estreitamente associadas à progressiva transformação - aos olhos do eleitorado - das eleições parlamentares em eleições para a escolha do PM , com desvalorização do
papel autónomo dos parlamentos e da função do deputado.

Este tipo de transformação da natureza dos partidos políticos pode desenvolver consequências positivas conjunturais no plano da redução das taxas de abstenção eleitoral mas, em contrapartida, também
constitui um fator negativo uma vez que, a prazo, contribui para o empobrecimento da política, o desprestígio da vida polític o-partidária e o progressivo afastamento dos cidadãos.

➢ No entanto, as mesmas razões que motivam a crise dos partidos políticos nas democracias representativas da Europa ocidental têm igualmente estimulado a busca de elementos de superação do
afastamento referido e, também eles inspirados na política norte-americana: Referimo-nos à adoção crescente do mecanismo das "primárias eleitorais" na escolha dos líderes partidários - e
consequentemente dos candidatos a PM.
Surgidas na América (início do século XX) na eleição presidencial e depois generalizadas , as "primárias" são uma forma criativa, efetiva, e de resultados práticos - confirmados na superação do
enquistamento (processo de evolução) e do isolacionismo partidário, na medida em que, chamando os próprios eleitores-simpatizantes à escolha dos candidatos a apresentar em futuras eleições…

- Dilui a distância entre "aderentes", "simpatizantes" e eleitores


- Reduz a influência do peso dos aparelhos partidários na vida política
- Aproxima o eleitor do eleito e, logo, os governantes dos governados.

Assim, tal prática constitui um importante fator de renovação da vida democrática/de superação dos efeitos negativos induzidos pela atribuição da exclusividade da compe tência para apresentação de
candidaturas parlamentares aos partidos políticos. Ou seja, se é certo que há razões de peso de ordem democrática que justificam tal exclusividade - como foi referido, a garantia de uma capacidade de
influência real dos cidadãos na vida política democrática só pode ser assegurada através da mediação dos partidos políticos, enquanto fator que permite a utilização do direito ao voto como instrumento de
retribuição ou sanção dos governantes, e, consequentemente, de escolha do governo - os partidos políticos (os seus "notáveis" e os dirigentes do aparelho partidário) acabam, através da exclusividade
partidária de apresentação dos candidatos, por assumir uma importância desmesurada na escolha indireta dos governantes.

Na medida em que a escolha dos principais candidatos feita pelas direções partidárias é substituída pela sua escolha por parte dos cidadãos, através de eleições primárias, os próprios eleitores adquirem a
capacidade de participação na composição das candidaturas e, indiretamente, na escolha dos candidatos a governantes.

- Por último, para além de uma atuação direta sobre o sistema partidário, as propostas de reforma e de regeneração da democracia representativa orientam-se, igualmente, para o domínio dos sistemas
eleitorais.

Democracia representativa e sistemas eleitorais


2.2.3.2

➢ Com a passagem dos governos representativos (do século XIX) para as democracias representativas (dos séculos XX e XXI) a discussão sobre os sistemas eleitorais adquiriu uma nova
importância, à medida em que…
A progressiva universalização do sufrágio, trazendo novas classes, ideologias e visões do mundo para a vida política, conferia à questão de uma representação plural n as assembleias
parlamentares uma relevância até aí desconhecida.
No fundo, a possibilidade de uma presença das várias correntes políticas na composição das instituições representativas não é só uma consequência natural do pluralismo que caracteriza a própria
sociedade, mas é também uma exigência da vitalidade da democracia representativa - pelo que a questão de saber como se traduz um certo número de votos recolhidos por uma candidatura em
número de mandatos parlamentares assume, nos dias de hoje, uma importância decisiva.

Se no governo representativo se tratava apenas de escolher um método que garantisse a presença no parlamento dos mais capazes de entre um corpo social que era ideológica e politicamente
homogéneo, na democracia representativa, às questões da legitimidade, representatividade, responsabilidade e de justiça da representação numa sociedade plural/democrá tica acrescem
igualmente as exigências de eficiência, estabilidade e governabilidade nos mais diferentes contextos políticos - o que complexifica a discussão sobre os sistemas eleitorais, já que se trata de saber
qual ou quais respondem de modo mais adequado àquele conjunto de exigências - que por vezes têm um sentido divergente.

- O interesse político e científico incide sobre o sistema eleitoral em sentido lato Incluindo as normas sobre delimitação,
e projeta-se, essencialmente, sobre o método eleitoral - ou seja, o método de transformação do número número, magnitude, agregação e
de votos obtidos por cada candidatura em número de mandatos parlamentares - que constitui o que pode sobreposição das circunscrições ou círculos
ser designado de sistema eleitoral ou de sistema eleitoral em sentido restrito eleitorais mas também sobre a capacidade
eleitoral ativa e passiva, a apresentação de
Os dois grandes métodos são o sistema maioritário e o sistema proporcional, distinguindo-se, essencialmente, por no maioritário candidaturas, o regime de votação e
contagem e o método eleitoral.
os mandatos serem atribuídos, em cada circunscrição (divisão territorial) à candidatura que tenha obtido a maioria dos votos
(simples ou qualificada, relativa ou absoluta) enquanto que no sistema proporcional os mandatos são atribuídos a cada uma das
candidaturas de forma tendencialmente proporcional ao número de votos por elas obtidos. Portanto, a distinção assenta na técnica utilizada para obter o número de
mandatos e não propriamente na composição mais ou menos proporcional
da assembleia proporcional.
Eventualmente, um parlamento eleito por sistema maioritário pode até ter
Historicamente, o método maioritário foi inicialmente o adotado… uma representação das forças concorrentes mais proporcional do que a de
um outro em que se tenha recorrido ao sistema proporcional.

Na Grã-Bretanha começou por ser adotado o sufrágio maioritário binominal a partir do século XVIII e durante
os séculos XIX e XX, estabeleceu-se definitivamente o sistema maioritário uninominal, de maioria relativa,
que viria a marcar decisivamente o sistema partidário britânico e o parlamentarismo maioritário que aí
adquiriu uma presença dominante.

Notas e conceitos
… podendo surgir associado a uma delimitação de círculos eleitorais uninominais, binominais ou de lista
plurinominal, a uma volta (exigindo-se, normalmente, para se ser eleito, uma maioria relativa e, mais Círculos eleitorais: Divisão territorial criada para fins eleitorais, a cujos
raramente, uma maioria absoluta) eleitores inscritos corresponde um determinado número de
mandatos, previamente definido, no órgão a eleger

No sistema maioritário combinado com o "voto preferencial" alternativo (utilizado, por exemplo, na Austrália Círculos uninominais: Por definição, num círculo uninominal elege-se
ou Irlanda, nas eleições presidenciais) cada eleitor ordena os diferentes candidatos por 1 ordem de apenas um deputado sendo escolhido o que tiver mais votos.
preferência. Há apenas uma volta em que se exige maioria absoluta para se ser eleito; se nenhum dos
candidatos obtém maior absoluta nas primeiras preferências, elimina-se o candidato menos votado e Círculos binominais: Dois candidatos
procede-se, sucessivamente, à transferência das preferências seguintes dos eleitores desse candidato até que
um dos candidatos mais votados obtenha, por efeito, uma maioria absoluta. Aí, a eleição é a uma volta mas o Círculos plurinominais: Nos círculos plurinominais cada círculo
candidato eleito tem de recolher uma maioria absoluta para ser eleito. eleitoral corresponde a vários lugares.

Lista plurinominal: Listas com mais do que um candidato - opõe-se às


… ou a duas voltas (em princípio, significando a necessidade de eleição por maioria absoluta) listas uninominais.

Se na primeira volta nenhum dos candidatos obtiver uma maioria absoluta, realiza-se uma segunda volta

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Se na primeira volta nenhum dos candidatos obtiver uma maioria absoluta, realiza-se uma segunda volta
entre os candidatos mais votados, pelo que, em princípio (se só participarem dois na segunda volta) um deles
será eleito por maioria absoluta. No entanto, quando se admite a participação na segunda volta de mais que
dois candidatos, pode acontecer que nenhum deles obtenha essa maioria.

Todavia, quando se generalizaram as preocupações com a justiça e se afirmaram as preocupações sobre como fazer das instituições repr esentativas "espelhos" da sociedade, refletindo a
correlação de forças que aí existe, adotaram-se novos métodos eleitorais - mais complexos, acrescentando vantagens do ponto de vista de uma representação pluralista e estimulando a realização de
coligações interpartidárias, mas provocando em contrapartida (como se viria a comprovar) efeitos de instabilidade governativa , na medida em que a fragmentação partidária no parlamento (que
também induziam) dificultava a formação de maiorias parlamentares sólidas de apoio aos executivos.

Foi assim que, a partir dos finais do século XIX, vários países - destacadamente a França a partir de 1875 - passaram do maioritário a uma volta para o
maioritário a duas voltas (uninominal e plurinominal) e, na maioria dos países europeus, foi progressivamente adotado o sistema proporcional - o que correspondia ao novo contexto de sociedades
divididas, política, sociológica e etnicamente, em que novos grupos procuram representação e em que a própria sociedade como um todo tem interesse numa representação equilibrada das
correntes de opinião e dos interesses que se agrupam em torno dos novos partidos políticos.

- O desenvolvimento do sistema proporcional - em que o número total de mandatos parlamentares correspondente a cada círculo eleitoral é fixado em função da respetiva popul ação e o número de
mandatos parlamentares que cada força obtém é distribuído a cada lista/candidatura em proporção ao número de votos que obtive ram na eleição - é de há muito a principal expressão da necessidade
de responder a esse tipo de preocupações.
- Enquanto que no mundo a opção entre sistema maioritário ou sistema proporcional é relativamente equilibrada, na Europa o método proporcional é o dominante, ainda que pese a
responsabilidade histórica que lhe é, de forma comum, atribuída por ter permitido a chegada ao poder das correntes mais extre mistas (como os nazis na Alemanha dos anos 20 e 30 do século
passado)

Todavia, desenvolveram-se, no âmbito desta mesma lógica de representação plural, diferentes modalidades de sistema proporcional, começando, ainda no século XIX, pelo chamado:

voto único transferível (divulgado por Thomas Hare e apoiado por Stuart Mill, foi originariamente adotado na Dinamarca e depois na Holanda e funciona va como o já referido voto preferencial
alternativo do sistema maioritário - o eleitor estabelecia uma sucessão de preferências entre os vários candidatos só que em círculos plurinominais ou num único c írculo nacional e sem necessidade
de obtenção de maioria absoluta (num sistema de quociente) e multiplicando-se, depois, os diferentes sistemas de candidaturas de lista:

Sistemas de divisor comum (o mais conhecido e o que foi adotado expressamente pela Constituição portuguesa; criado pelo matemático belga Victor d'Hondt ; o número de votos obtidos por cada
lista é sucessivamente dividido por 1,2,3,4…, sendo sucessivamente preenchidos os mandatos por cada lista por ordem decrescen te do maior valor ou média assim obtidos)
Sistemas de quociente (calculado o quociente necessário para a eleição de cada mandato - valor obtido através de diferentes métodos que assentam genericamente na divisão do número de votos
pelo número de mandatos a preencher -, cada lista obtém 1 número de lugares correspondendo ao número de vezes que preenche inteiramente esse quociente, sendo os r estos distribuídos
segundo diferentes possibilidades de determinação dos eleitos - maior resto, menor resto e média mais alta - até preencher todos os lugares)
Sistemas de compensação (Nestes sistemas há mais que um nível territorial de circunscrições eleitorais para atribuição de mandatos; para além das cir cunscrições locais, há um ou mais níveis de
circunscrição - regional ou nacional - onde se faz a compensação, atribuindo-se nos círculos de compensação mandatos com base nos votos (restos) sobrantes de cada lista que não serviram para a
eleição no primeiro nível por não atingirem o quociente necessário)

➢ Independentemente do sistema eleitoral adotado a multiplicação de experiências neste domínio demonstra que, se é certo que ométodo se destina originariamente a transformar a vontade
do eleitor - o voto - em mandatos, não é menos certo que a adoção de um determinado método também influencia ou condiciona - em sentido recíproco - a vontade do eleitor nas eleições
seguintes. Ou seja, o eleitor tende a votar considerando já os prováveis efeitos da aplicação do método eleitoral vigente, o que a prazo condiciona o seu comportamento eleitoral, influenciando
os resultados.

- Então, o que se verifica, é que apesar dos condicionalismos (que se podem revelar decisivos) de natureza cultural, sociológic a, geográfica, territorial, pré-existentes em cada país, normalmente, o
sistema eleitoral maioritário - sobretudo o de maioria relativa - tende a gerar a sub-representação dos partidos mais pequenos, dado que, em geral (excetuando as situações em que os
condicionalismos referidos são decisivos) esses mesmos partidos raramente chegam à frente em cada círculo eleitoral, determin ando a não representação parlamentar, independentemente do seu
peso nacional - tais partidos são mais fortes na sociedade que no parlamento (Por exemplo, no Reino Unido, é comum que partidos com mais de 20% de peso eleitoral na sociedade tenham uma
representação inferior a 5% dos lugares no Parlamento).

Se este resultado se repete em sucessivas eleições, os respetivos eleitores (sobretudo os que não sejam muito obstinados ideo logicamente ou que sejam mais pragmáticos) percebendo que o seu
voto não está a contribuir para eleger deputados (e permite eventualmente eleger deputados da oposição) tendem a reorientar u tilmente o seu sentido de voto em favor de partidos que, embora
estejam mais ideologicamente afastados das suas posições, têm mais possibilidades de eleger deputados no respetivo círculo - voto útil.
Assim, ao referido efeito de sub-representação produzido pelo sistema maioritário, acresce um efeito de polarização do voto nos partidos maiores, o que a prazo gera menos partidos com
representação parlamentar e, consequentemente, maior probabilidade de formação de maiorias absolutas de sustentação de governos.

- Em sentido inverso, o sistema proporcional facilita o aparecimento e representação de novos partidos e o seu eventual desenvolvimento a partir do momento em que obtenham representação
parlamentar, o que, em contrapartida, pode gerar a fragmentação e a pulverização partidária nos parlamentos - e logo, maior dificuldade na formação de maiorias absolutas que, normalmente, geram
governos estáveis. A "maior justiça" representativa que a proporcionalidade gera tem como contrapartida o risco de maior inst abilidade governativa associada à dificuldade de formação de maiorias
absolutas no parlamento.

Assim, ao fim de mais de 100 anos de discussão sobre os sistemas eleitorais e de múltiplas experimentações nos regimes de dem ocracia representativa, há uma clara consciência da relevância dos
diferentes efeitos por eles produzidos. É hoje consensual que os 2 grandes sistemas tendem a gerar efeitos diferenciados quanto aos objetivos e finalidades que qualq uer sistema eleitoral de
democracia representativa deve ter em conta:

• A representatividade - a justiça na representação das várias correntes ou forças políticas existentes numa sociedade
• A governabilidade - a capacidade de criar governos estáveis e de uma governação eficiente
• A responsabilidade - as condições de responsabilização dos eleitos perante os eleitores
• A integração - a capacidade de chamar à vida política e social da comunidade todos os cidadãos, designadamente os pertencentes aos setores minoritários, marginalizados ou mesmo
excluídos
• A renovação - a capacidade de abertura e de integração na vida política de novas formações, ideias e interesses surgidos na sociedade.

Resumindo…
Sistema eleitoral maioritário Sistema eleitoral proporcional
É o sistema eleitoral mais simples, sendo que quem obtiver mais votos é eleito. O sistema eleitoral proporcional já é mais complexo, uma vez que os resultados se traduzem,
proporcionalmente, em mandatos/lugares no Parlamento (exemplo: 30% dos votos, 30% dos lugares no
Parlamento)
Círculos uninominais ou, no máximo, binominais - elegendo-se 1 ou 2 pessoas de cada círculo. Círculos plurinominais - elege-se mais do que 2 pessoas de cada círculo.
Menos representatividade, no Parlamento não ficam representadas todas as correntes ideológicas e Existe mais representatividade, dá-se um pluripartidarismo/pluralidade no Parlamento: Este método
vertentes políticas, uma vez que os partidos mais pequenos ficam de fora, ou seja, existe uma sub - confere uma representatividade equitativa dos vários partidos (normalmente, há, no Parlamento, mais de 5
representação, apenas os maiores partidos obtém lugares no Parlamento partidos, não apenas 2)
Existe uma polarização do voto nos partidos maiores e também o voto útil - os eleitores redirecionam o Os eleitores apercebem-se de que os partidos em que votaram têm possibilidade de chegar ao Parlamento,
seu voto utilmente para os partidos que, mais provavelmente, irão ter representação no Parlamento, continuando a eleger mais representantes e a votar no partido.
quando se apercebem que o seu voto não está a contribuir para eleger deputados.
É um sistema "mais próximo" onde se vota nos deputados e não nos partidos, devido à existência dos Como os círculos são plurinominais, os candidatos a eleger não são tão familiares aos eleitores, sendo que
círculos uninominais/binominais (no máximo) os mesmos, normalmente, votam num partido (ou numa lista de candidatos do partido)
Existe uma tendência para uma maior governabilidade, uma vez que os governos formados - estáveis - Não existe uma tendência tão grande para a governabilidade, governos estáveis, visto que os governos
são apoiados por uma maioria absoluta (têm mais de 50% dos lugares) formados - normalmente - não são apoiados por uma maioria absoluta, obrigando a que os deputados
articulem as suas decisões e propostas e, muitas das vezes, formem coligações.
É mais fácil apurar responsabilidades uma vez que votamos no candidato em si, e não num conjunto No sistema proporcional não votamos numa pessoa mas sim num partido, sendo que pedimos contas ao
deles (num partido) partido em si, e não à pessoa em especifico.
Não existe tanta abertura para a integração de novas ideologias políticas, sendo que muitas vertentes Em termos de integração e renovação do espetro partidário o sistema proporcional é mais integrador.
ideológicas ficam fora da representação parlamentar. Contudo, este aspeto pode também permitir o aparecimento e representatividade de ideologias extremas.

- Então, como se verifica que um e outro sistema pode gerar vantagens próprias, todavia associadas a inconvenientes específicos (geralmente, maior governabilidade e mais responsabilidade e
personalização do voto nos sistemas maioritários, maior justiça na representação e abertura ao pluralismo, renovação e integr ação nos sistemas proporcionais) desenvolve-se, sobretudo nos
tempos atuais, uma tendência para agregar vantagens de um e outro, reduzindo ou anulando os inconvenientes associados , levando à adoção dos chamados sistemas eleitorais mistos ou sistemas
com dominância de um deles, mas com integração de elementos próprios do outro.
De alguma forma, o século XIX teria sido o século do sistema maioritário, o século XX do sistema proporcional e o século XIX seria o dos sistemas mistos.

➢ Apesar de classificáveis nessa mesma categoria, os sistemas mistos são significativamente diferenciados entre si:

- Desde logo pode verificar-se, simplesmente, a agregação dos dois métodos, elegendo-se de forma independente parte dos deputados através de um sistema e parte através do outro . (Método já
utilizado na Rússia, Ucrânia, Japão e Coreia do Sul).

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- Porém, os sistemas mistos de resultados e efeitos mais promissores são os que, partindo de uma dominante - normalmente o sistema proporcional - introduzem "corretivos" que, em alguma
medida, procuram superar os inconvenientes habitualmente gerados a esse sistema, agregando ao mesmo vantagens tipicamente imp utáveis ao sistema maioritário. Podemos distinguir dentro deste
grupo:

• Os sistemas proporcionais personalizados


Um destes sistemas - talvez o mais bem sucedido - é o utilizado na Alemanha, de alguma complexidade e normalmente confundido com os sistemas de agregação ou de sobreposição simples dos
dois métodos. Dada a sua estabilidade é normalmente apontado como eventual modelo a seguir sempre que se discute a hipótese d e reforma eleitoral.
O sistema alemão pode ser considerado um sistema proporcional, que garante uma representação tendencialmente proporcional no Parlamento a todas as forças políticas co ncorrentes (embora com
uma barreira eleitoral de 5% ou de 3 deputados eleitos uninominalmente) mas com um "corretivo" de personalização que resulta da utilização simultânea do método maioritário . A sua principal
característica é que: Cada eleitor dispõe de 2 votos - com um deles vota num círculo uninominal para a eleição de um candidato, apresentado por um partido, por maioria relativa; co m o outro vota
num círculo regional, correspondendo ao Estado ("Land") onde está recenseado, e onde a eleição incide sobre listas plurinomin ais igualmente apresentadas pelos partidos políticos.
(embora não seja o mais comum, neste último nível, um eleitor pode votar num partido diferente do partido que apresentou o ca ndidato em quem o eleitor votou no círculo uninominal).

Em seguida, os votos obtidos por cada partido nos diferentes Estados são somados e o resultado assim obtido serve para proced er, a nível nacional, à distribuição proporcional dos mandatos
parlamentares pelos vários partidos concorrentes, cabendo a esse partido - em cada Estado - uma representação também proporcional ao nº de votos com que a lista partidária desse Estado
contribuiu para o todo nacional do partido.
No entanto, se nesse Land já foram eleitos alguns deputados do partido através do método maioritário em círculo uninominal, o nº de deputados que cabe ao partido nesse Estado é, então,
deduzido ao nº desses deputados já eleitos através do sufrágio uninominal.

(Ou seja: Caso haja eleitos para o círculo uninominal que pertençam ao partido eleito, subtrai-se os eleitos para o círculo em específico dos lugares do Parlamento
Exemplo: eleição nacional: 12 eleitos do Partido A/ círculo uninominal: 4 eleitos do Partido A = Eleição nacional - lugares no Parlamento - 8 lugares/eleitos) - O eleitor alemão está familiarizado com
os 4 eleitos para o seu círculo uninominal, não tanto com o total de eleitos para o Parlamento (8).
Por outro lado, se porventura, no Estado já foram eleitos por círculo uninominal mais deputados de um partido do que os que lhe caberiam at ravés da repartição proporcional, então os deputados
eleitos nominalmente mantêm o lugar, mas a nível nacional é aumentado o número total de deputados a eleger para assegurar a m anutenção da representação proporcional entre todos os
partidos).

No fim, a eleição é proporcional - cada partido obtém uma representação proporcional ao nº de votos, mas deu-se ao eleitor a possibilidade de personalizar a sua escolha nos círculos uninominais.

• Os sistemas proporcionais com voto preferencial


Para além do sistema alemão, existem outros sistemas mistos de base proporcional que procuram uma outra modalidade para criar uma maior responsabilização do eleito perante o eleitor e uma
menor dependência dos deputados relativamente às respetivas direções partidárias. Fazem-no dando ao eleitor a possibilidade de compor a lista partidária que lhe é apresentada no momento da
votação, estabelecendo aí as suas próprias preferências pessoais, daí a sua designação.

Aqui a preocupação corretiva é a de saber como, dentro de cada partido, é que são escolhidos os candidatos que devem ocupar e sses mandatos, ou seja, a preocupação com a ordenação da lista.
Assim, enquanto que no sistema proporcional comum a lista de candidatos apresentada à votação está pré -fixada e é insuscetível de alterações de ordenação, designando-se de lista bloqueada
(como acontece em Portugal, onde o nome dos candidatos nem sequer aparece no boletim de voto) - na proporcionalidade com voto preferencial a lista é não bloqueada, logo, suscetível de
composição segundo diferentes modalidades:

- O eleitor pode ordenar a lista fazendo as suas próprias escolhas dentro da lista que lhe é submetida , mas, se não o fizer, entende-se que concorda com a pré-ordenação apresentada;
- Não há qualquer pré-ordenação, pelo que o resultado final é simplesmente o resultado das preferências dos eleitores;
- Cada partido apresenta candidatos e o eleitor vota ou num dos candidatos ou no próprio partido, todos os votos do partido e dos respetivos candidatos são adicionados e a atribuição dos mandatos
faz-se de forma proporcional ao nº total de votos assim obtido - sendo considerados eleitos, por cada partido, os candidatos mais votados até preencher a respetiva quota de mandatos atribuíd os
(este é o sistema existente na Finlândia ou no Brasil. Cada candidato é proposto por 1 partido mas faz campanha autónoma, pelo que o eleitor tem a sensação errónea de que a eleição se destina a
escolher entre os diferentes candidatos individuais quando, na realidade, está a votar num partido e apenas a determinar a pr eferência dentro dos diferentes candidatos por ele propostos. Um
candidato pode ser eleito apesar de ter menos votos do que um outro que não o chegou a ser).

Dentro dos sistemas proporcionais com voto preferencial há ainda o sistema de lista aberta em que o eleitor, se quiser, forma a sua própria lista; o eleitor tem direito a tantos votos quanto os dos
mandatos no círculo, podendo concentrá-los num candidato ou distribui-los por vários candidatos da mesma ou de diferentes listas partidárias. (Suíça, Luxemburgo)

Finalmente, podendo integrar-se nos sistemas mistos com adoção de "corretivos" à proporcionalidade, há o chamado sistema de atribuição de um prémio/bónus de maioria à lista mais votada.
O sistema é de base proporcional, mas, se nenhuma força política obtiver maioria absoluta, são atribuídos à lista mais votada mandatos parlamentares suplementares em ordem a garantir-lhes uma
maioria absoluta dos deputados (É o sistema vigente na Grécia, tendo sido também adotado em Itália)

➢ Como podemos observar, cada uma destas modalidades de sistemas mistos acrescenta ao sistema proporcional clássico uma vantagem que na origem o mesmo não comportava - maior
participação dos eleitores, maior personalização do voto e maior responsabilização do eleito (agora mais dependente do veredito do eleitor e menos da decisão da direção partidária) ou
ainda, no caso do sistema com prémio de maioria - mais estabilidade e governabilidade.
Mas, em contrapartida, induzem alguns novos inconvenientes:

- Quanto ao sistema de bónus de maioria a nova característica é intrinsecamente contraditória com o espírito da proporcionalidade, já que assenta numa atribuição artificial de mandatos ao partido
mais votado, com a consequente sub-representação injustificada dos restantes.

- Quanto à proporcionalidade personalizada e ao voto preferencial, para além de um aumento significativo da complexidade da votação (o que pode ser problemático num sistema já estabilizado de
há muitos anos) estes sistemas introduzem uma distinção entre "categorias" de deputados, consoante a modalidade ou as circunstâncias concretas da sua eleição, para além do incremento do
localismo e da tendencial exploração de fenómenos conjunturais de popularidade mediática.
Sobretudo no caso do voto preferencial, estimula-se a competição intrapartidária - já que o outro integrante da mesma lista partidária passa a ser um adversário que disputa o mesmo lugar, levando
ao desenvolvimento de campanhas eleitorais individuais conduzidas pelos candidatos à margem dos partidos, com a tendência para o estabelecimento de redes de financiamento próprio e as
inevitáveis consequências do populismo e do localismo.

- Uma maior personalização e responsabilização dos eleitos - sendo aspetos positivos - fazem-se inevitavelmente à custa da diluição da disciplina partidária e diminuindo as possibilidades de
composição das listas por parte das direções partidárias, podem diminuir a qualidade técnica dos grupos parlamentares, podend o, um e outro aspeto, traduzir-se em afetação da qualidade da
democracia.

Forma de estado
Capítulo iii

A forma de Estado é uma forma política que tem a ver com a estruturação interna do poder estatal e do ordenamento jurídico -constitucional.
Refere-se à diferenciação da estrutura vertical interna do ordenamento jurídico-constitucional e do poder político que regem determinada coletividade, em função da divisão vertical de poderes instituída de acordo
com a inserção territorial e da existência de apenas um ou de múltiplos poderes constituintes (Estado unitário, Estado federa l, Estado regional e Estado unitário com regiões autónomas).

Na distinção das várias formas de Estado, os critérios utilizados são:


- Os de saber se num Estado há um único poder político ou vários conjuntos de autoridades e instituições de Governo
- Se há uma única Constituição ou várias Constituições
- Se há apenas um ou vários ordenamentos jurídicos originários regidos por Constituições próprias.

Com base nestes critérios, a distinção mais importante, atualmente, é a que se faz entre Estado unitário e Estado federal.

Estado unitário
1

➢ Na sua forma mais simples, o Estado unitário é aquele em que existe um único ordenamento jurídico originário ou Constituição, havendo apenas um único centro de decisão polí tica e um conjunto único
de instituições de governo.
Esta é a sua estruturação interna, contudo, o mesmo pode desenvolver as suas funções de forma mais centralizada ou mais descentralizada.
De forma mais centralizada quando os fins públicos são prosseguidos apenas/sobretudo pelo Estado e os seus órgãos.
De forma mais descentralizada quando há outras entidades com personalidade jurídica própria que se encarregam, também, da realização dos fins públicos.

➢ Em democracia política, podemos afirmar que o Estado unitário centralizado não passa de um modelo teórico e ideal , não sendo adequado às exigências e condições dos nossos dias.
Na realidade, todos os Estados unitários democráticos praticam, pelo menos, a descentralização administrativa - atribuem o exercício das funções administrativas a outras pessoas coletivas para além do
Estado, seja essa descentralização de carácter funcional e institucional ou de carácter territorial.

- Na descentralização funcional ou institucional o Estado confia funções administrativas a outros sujeitos de direito com personalidade jurídica própria que não dependem diretamente do Governo e que não
estão integrados no Estado.

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estão integrados no Estado.
É o caso dos institutos e associações públicas, como as empresas e fundações públicas, ordens profissionais (como a Ordem dos Advogados) e algumas federações desportivas como a Federação Portuguesa
de Futebol.

- Na descentralização territorial, o Estado reconhece autonomia administrativa a entidades de base territorial e social - as autarquias locais - que são pessoas territoriais dotadas de órgãos representativos
próprios e que visam a prossecução de interesses das populações respetivas.

Naturalmente, em cada uma das pessoas coletivas em causa (Estado, autarquias locais, institutos) há sempre outras modalidades de repartição interna de poderes, através das quais - num quadro de
organização hierárquica, o exercício das competências não está concentrado apenas nos órgãos do topo - os órgãos hierarquicamente superiores podem delegar noutros órgãos o exercício de competências
que lhes estavam originariamente atribuídas, falando-se, não em descentralização (repartição das atribuições públicas por diferentes entidades coletivas não estatais) mas em simples desconcentração
administrativa (repartição de competências por vários órgãos dentro da mesma pessoa jurídica).

➢ Em alguns Estados unitários, a descentralização assume uma natureza ainda mais ambiciosa - para além das formas de descentralização já referidas, o Estado reconhece a algumas entidades territoriais
(Regiões Autónomas) uma autonomia político-administrativa, através da qual se atribuem a essas entidades competências legislativas e autoridade de governo. Assim, as Regiões Autónoma s exercem
não apenas funções administrativas mas também funções políticas - podem legislar e dispõem de órgãos de governo próprio.
Quando se verifica uma descentralização política de base territorial nasce o chamado Estado unitário regional, o Estado regional ou Estado autonómico, de que trataremos posteriormente.

Estado federal
2

➢ Na estruturação interna do Estado federal encontramos uma pluralidade de poderes políticos e de ordenamentos constitucionais que respeitam a todo o território - o do Estado federal - é o ordenamento
superior ao qual se subordinam e em que se integram e participam os ordenamentos e órgãos dos Estados membros da Federação - os Estados federados.
Em tese, o Estado federal resulta de um processo de agregação de vários Estados que, com a aprovação de uma Constituição federal, constituem juridicamente um novo Estado - o Estado federal.
Os Estados federados - anteriormente soberanos - passam a integrar-se na estrutura do novo Estado federal em favor do qual abdicaram de uma parcela da sua soberania.

A partir daí, no plano internacional, só o Estado federal têm personalidade jurídica reconhecida como Estado soberano (e não cada um dos Estados federados). Só o Estado federal pode manter relações
internacionais com os outros Estados e só ele goza dos atributos reconhecimentos aos Estados soberanos.

- No plano interno, não só o Estado federal se dota de órgãos e exerce as funções típicas de qualquer Estado, como cada Constituição dos Estados membros tem de respeitar a Constituição federal, não
podendo - sob pena de inconstitucionalidade - violar os limites positivos e negativos que ela lhe imponha.

- A partir do momento em que constituíram a Federação, os Estados membros perdem a faculdade de a abandonar, a não ser por ato de vontade do Estado federal.

- No entanto, pode dizer-se que os Estados federados que compõem a Federação ainda são verdadeiros Estados, na medida em que, respeitados os limites referidos, ainda são eles que elaboram as suas
próprias Constituições e, no domínio das suas competências, têm uma estrutura, órgãos e atividades tipicamente estaduais.

- Note-se que se em termos jurídicos o Estado federal é ficcionado como um produto da vontade constituinte dos vários Estados federados, em termos históricos concretos, o processo pode ser diferenciado:
Pode resultar da agregação de vários Estados (EUA)
Pode surgir a partir da desagregação jurídica de um Estado anteriormente unitário (Brasil)

Surgindo inicialmente nos Estados Unidos da América, o modelo de organização federal do Estado passou sucessivamente para outros Estados ibero-americanos - para a Suíça, para a Alemanha, e, sobretudo,
após a I Guerra Mundial alastrou globalmente de forma a constituir hoje a forma de Estado predominante em termos de espaço geográfico mundial.

➢ As razões que têm conduzido à adoção desta forma de Estado são as mais diferenciadas: desde a tentativa de conferir uma organização política estadual aos grandes espaços em termos de igualdade e
paridade, até à necessidade de integração de culturas e nacionalidades diferentes numa organização superior ; enquanto tentativa de encontrar novas formas de divisão territorial do poder para uma
melhor garantia das liberdades ou, simplesmente, por razões de afinidade política com Estados vizinhos que tradicionalmente se tomam como modelo e que haviam adotado essa forma d e Estado.
Independentemente do processo e das razões que presidiram à sua constituição, do ponto de vista jurídico-constitucional o Estado federal apresenta-se-nos sempre através de uma dupla estrutura: Uma
estrutura de sobreposição e uma estrutura de integração.

O cidadão do Estado federal fica sempre sujeito a dois ordenamentos jurídicos, integrados mas sobrepostos: O ordenamento jurídico e o poder político federais e o ordenamento e o poder do Estado federado
em que o cidadão se encontre circunstancialmente.
Reciprocamente, o cidadão de um Estado federal integra-se e exerce os seus direitos de participação política nos dois ordenamentos
Exemplo Vota para a eleição do Presidente dos EUA e vota para a eleição do Governador do Estado onde se encontra; vota para a eleição do Congresso federal e também para a eleição do Parlamento do
Estado federado.

Correspondendo a esta natureza, a estrutura do Estado federal apresenta sempre instituições que:

➢ Manifestam a subordinação dos Estados membros relativamente ao Estado federal; nestas instituições, as principais serão:

i. Em primeiro lugar, a autonomia constitucional dos Estados federados nunca é absoluta, na medida em que essa autonomia só existe com respeito das condições negativas e positivas estabelecidas pela
Constituição pela Constituição federal.
Toda a Constituição federal procede à repartição de competências entre órgãos federais e órgãos federados. Assim, a autonomia constitucional dos Estados federados tem obrigatoriamente que se mover no
interior do quadro fixado pela distribuição constitucional de atribuições e poderes.

Por outro lado, as Constituições federais impõem, muitas vezes, limites positivos - impõe um quadro que as Constituições dos Estados federados têm de reproduzir (a título de exemplo, como sejam as
Instituições republicanas, como se impõem na Constituição dos EUA; as Instituições democráticas, como se impõem constitucionalmente na Suíça).

i. Em segundo lugar, o direito e as decisões políticas federais (desde que conformes à Constituição federal) prevalecem sobre o direito e as decisões dos Estados federados - consequentemente, é sempre
atribuída a competência para julgar as questões suscitadas pela aplicação do direito federal (como, por exemplo, a competênci a para julgar os conflitos judiciais entre Estados federados ou entre estes
e o Estado federal) a tribunais federais.
ii. Em terceiro lugar, o Estado federal tem o direito/dever de fiscalizar o cumprimento da Constituição/das leis federais por par te dos Estados federados (foi essa uma das razões que proporcionaram o
surgimento precoce da instituição de uma justiça constitucional nos EUA)

➢ Procuram traduzir a necessidade da respetiva integração; relativamente a estas instituições:

i. Em primeiro lugar, os Estados federados participam de forma institucionalizada na formação da vontade política do Estado federal - através de uma Câmara parlamentar própria (o Senado) composta por
representantes dos Estados.
Estes representantes podem ser designados através de diferentes processos - pelo corpo eleitoral ou pelos órgãos dos Estados membros - e o seu número pode ser idêntico para todos os Estados ou variar de
acordo com a população/diferente estrutura de cada um dos Estados.
ii. Em segundo lugar, os Estados federados participam na reforma da Constituição federal (emenda) - ainda que o processo pelo qual o fazem possa ser bastante diferenciado.

Estado unitário regional


3

➢ O Estado regional ou Estado autonómico apresenta características que o distinguem do Estado unitário simples - ainda que descentralizado - e do Estado federal.
Todavia, nem sempre é pacífica a classificação desta forma de Estado: havendo quem sustente que se trata de uma modalidade dentro do Estado unitário; quem defenda que
se trata de uma forma de Estado perfeitamente autónoma; quem sustente não haver razão para distinguir qualitativamente a sua estrutura daquela que existe num Estado
federal.

Independentemente da posição tomada, crê-se que a dificuldade da sua caracterização pode advir do facto de que é possível encontrar regiões autónomas de Estados
regionais que dispõe de mais autonomia/ identidade regional ou até nacional, do que as que se encontram nos Estados federados.

Onde apenas parte


➢ Assim, se o Estado unitário com regiões autónomas é simples de distinguir do Estado federal, sobretudo nos casos como Portuga l,
do território forma regiões autónomas,
torna-se mais difícil distinguir o Estado federal do Estado regional quando este último está integralmente dividido em Regiões autónomas - como acontece em Espanha - sendo
ao contrário do que acontece no
que algumas dessas regiões têm até uma língua própria e desenvolvem pretensões autonómicas extremas - como a aspiração da independência, baseada na existência de
Estado federal, em que todo o território
características próprias e distintas dos demais estados (cultura, história, nacionalidade, etc.)
integra Estados federados.
No entanto, no plano jurídico, as diferenças entre estes tipos de Estado estão perfeitamente estabelecidas.
Diferentemente do que acontece no Estado unitário simples, o Estado unitário regional reconhece e concede uma autonomia político-administrativa a comunidades territorialmente delimitadas, o que permite a essas
"Regiões Autónomas" o exercício de funções políticas e não apenas meramente administrativas.
Estas novas funções vão desde a faculdade de legislar até à existência de órgãos de governo próprio que representam a população de cada Região Autónoma e que podem desenvolver - dentro das competências
constitucionais que lhes estão atribuídas - programas e iniciativas políticas divergentes e até contrárias aos programas e iniciativas do Governo Nacional: são exatamente estas faculdades legislativas e de governo
que distinguem a autonomia própria das Regiões Autónomas, dos poderes meramente executivos/regulamentares que o Estado unitário reconhece às autarquias locais.

Por outro lado, a autonomia das Regiões Autónomas - mesmo que no plano prática até possa ser maior que a autonomia dos Estados federados - no plano jurídico é, ainda assim, distinta da natureza da autonomia
de que os Estados federados dispõem numa Federação.
Ao contrário dos Estados federados, as Regiões Autónomas não têm autonomia constitucional - não têm o poder de se dotar de Constituições próprias, embora disponham dos chamados Estatutos de Autonomia -

Direito Constitucional Página 19


Ao contrário dos Estados federados, as Regiões Autónomas não têm autonomia constitucional - não têm o poder de se dotar de Constituições próprias, embora disponham dos chamados Estatutos de Autonomia -
porém, como iremos ver, existem diferenças jurídicas claras entre os dois:

- Enquanto que as Constituições dos Estados federados são aprovadas/reformadas pelos órgãos destes próprios Estados, entrando em vigor independentemente da aprovação do Estado federal, os Estatutos
regionais são estabelecidos ou pelo menos aprovados pelo poder central, só entrando em vigor através de lei aprovada por órgão soberano do Estado;
- Enquanto que os Estados membros participam na formação da vontade estadual através de uma Câmara parlamentar própria e através da intervenção na emenda, as Regiões Autónomas não têm qualquer
desses poderes - nos Parlamentos dos Estados unitários com regiões autónomas há deputados eleitos nessas regiões mas, na assembleia parlamentar nacional, eles representam toda a nação(como é típico de
democracia representativa) e não apenas os círculos eleitorais por onde foram eleitos (um deputado da AR eleito nos Açores/Madeira representa toda a população nacional e não apenas os eleitores das Regiões
Autónomas) - ainda que, na prática, se saiba que a preocupação política central desses deputados acabe por ser a representação dos interesses dos cidadãos que irão participar na sua eventual reeleição - os
eleitores das RA.

Sistema de governo
capítulo IV - ver word

➢ A noção "sistema de governo" incide sobre a instância do Poder e dos órgãos do poder político, referindo-se às diferentes modalidades de relacionamento institucional entre esses vários órgãos.

Sistemas de governo parlamentar e presidencial: o funcionamento prático


1
Sistema parlamentar
1.1 "equilíbrio por integração"

Conhecidas as características que identificam um sistema de governo como parlamentar ( nula/muito reduzida presença política do chefe do Estado e responsabilidade política do Governo perante o
Parlamento), trataremos agora de tomar contacto com o espetro de possibilidades de funcionamento prático deste sistema - trata-se de um entendimento simples, até porque os séculos de vida do
sistema parlamentar permitem-nos retirar conclusões já relativamente estabilizadas e pacíficas.
Através de uma rápida observação dos atuais sistemas de governo parlamentares (como é o caso de uma parte significativa das democracias europeias) evidencia-se que não há um único padrão de
funcionamento do sistema parlamentar - encontramos, em países de sistema parlamentar, modos de funcionamento significativa/radicalmente distintos.

➢ Nuns encontramos governos fortes, estáveis, que estão seguros de cumprir todo o mandato para que foram designados e que desenvolvem o seu programa com total liberdade e ampla margem de
decisão e ação ao longo de toda a legislatura - nestes casos, o PM afirma-se como centro do exercício do poder político; as medidas que propõe e as políticas que pretende realizar são invariavelmente
aprovadas pelo Parlamento.
➢ Noutros, encontramos governos fracos, instáveis, permanentemente sujeitos à eventualidade de serem demitidos pelo Parlamento, obrigados a negociar com as oposições para fazer aprovar qualquer
medida mais importante, forçados a ceder nos seus propósitos programáticos; deixando ao Parlamento - e ao livre jogo de forças aí desenvolvido - o lugar central na vida política quotidiana.

Porque funcionam os sistemas parlamentares de forma tão diferente? O que faz um Governo de sistema parlamentar forte ou fraco ? Como saber quando se irá verificar uma situação ou outra?

Sistema parlamentar de gabinete e sistema parlamentar de assembleia


1.1

A chave de compreensão deste tipo de questões é o fator responsabilidade política do Governo perante o Parlamento.
Se o Governo depende politicamente do Parlamento, tudo residirá em saber se esse mesmo Governo dispõe ou não, à partida, e du rante o seu mandato, de um apoio parlamentar sólido e maioritário ou
se, ao invés, esse apoio não existe ou tende a não ter firmeza.

i. No primeiro caso temos o parlamentarismo maioritário - o Governo tem o apoio de uma maioria absoluta no Parlamento (mais de 50% dos deputados).
Se esse apoio é sólido (se há poucas/nulas possibilidades reais de se romper ou falhar) então o Governo saído das eleições pa rlamentares - em princípio chefiado por um PM que será o líder do partido mais
votado e que já se havia apresentado às eleições como candidato a PM - será seguramente um Governo forte, estável, que vai governar com total liberdade e eficácia durante toda a legislatura.
Nestas situações, ainda que, formalmente, o Governo dependa da confiança política do Parlamento, na prática essa confiança po de ser dada por adquirida, não corre riscos de faltar.
Então, após eleições e formação do Governo, o centro de poder fático desloca-se do Parlamento para o Governo: O Governo e o seu PM são o órgão e a figura central da vida política; o Parlamento perde
peso político; sabe-se que a palavra do PM será lei, uma vez que o Parlamento nunca colocará em causa as decisões do Governo.
Todavia, isto pressupõe que haja partidos políticos institucionalizados, com disciplina partidária, com ligação permanente aos respetivos grupos parlamentares e onde os deputados normalmente segue m as
orientações da direção parlamentar - uma vez que sem essas condições de garantia de um comportamento partidário previsível, o apoio parlamentar ao Governo seria incerto e a e stabilidade do Governo
ficaria fragilizada.

ii. No entanto, pode acontecer que numa outra manifestação prática do sistema parlamentar (funcionando com as mesmas regras constitucionais e eventualmente no mesmo país) as eleições
parlamentares proporcionem um resultado diferente, acontecendo que nenhum partido consiga obter a maioria absoluta dos lugares no Parlamento.
Se isto ocorrer, das duas uma: ou se forma um governo minoritário - que não dispõe do apoio de mais de 50% dos deputados - ou se forma um governo apoiado por uma coligação parlamentar constituída
por vários partidos de forma a proporcionar-lhe a referida maioria absoluta de apoio.

Na situação de governo minoritário verifica-se o seguinte: o governo, não dispondo, à partida, do apoio de uma maioria parlamentar, só sobrevive com a condescendência das oposições - será um governo
fraco, já que as medidas que propõe, as leis que quer fazer aprovar, eventualmente os orçamentos com que pretende governar, c orrem o risco permanente de serem inviabilizados, de sofrerem
modificações no Parlamento ou de verem, aí, a sua aprovação recusada.
O próprio programa de governo poderá ter de ser negociado - o Governo precisa de fazer concessões à oposição para que o Parlamento lhe permita governar - mas a qualquer momento o Parlamento pode
aprovar medidas com que o Governo não concorde; pode pretender impor -lhe limites ou objetivos contrários ao seu programa; pode ameaçar demiti -lo se o Governo não acatar essas orientações.
Passamos a ter um governo fraco, instável, dependente, que pode cair e de facto cai mesmo.
Nestas situações, é o Parlamento que domina, que impõe regras, que decide com efetividade da subsistência/demissão do Governo ; a atenção pública vira-se para o Parlamento; para qualquer questão
relevante não basta conhecer a opinião do PM ou do Governo, será tão importante saber como reagirá o Parlamento (a maioria do s seus deputados.
O centro fático do poder desloca-se para o Parlamento.

Na outra situação - quando, na ausência do apoio de uma maioria parlamentar absoluta, se teve de formar um governo de coligação entre várias forç as partidárias, para assim construir artificialmente uma
maioria no Parlamento - tudo dependerá da solidez da aliança.
A possibilidade de desacordo interno ao próprio Governo é uma probabilidade grande, dada a diferente proveniência política do s seus membros; a eventual rutura da coligação gerará, inevitavelmente, ou
necessidade de recomposição governamental ou constituição de um governo minoritário ou, como último recurso, necessidade de n ovas eleições parlamentares - mas sempre instabilidade governamental
e consequente perda de força do Governo face ao Parlamento e às decisões que venham a ser tomadas em sede parlamentar.

➢ Em caso de existência de uma maior absoluta (normalmente quando formada por um só partido) o sistema parlamentar funciona com preponderância do governo, designando essa situação como um
sistema parlamentar de gabinete. Ao invés, em caso de inexistência de maioria absoluta ou, pelo menos, de maioria absoluta sólida, a tónica passa para a assembleia (Parlamento), tendendo a
designar a situação como um sistema parlamentar de assembleia.

Nota

Como facilmente se percebe, não é pelo facto de um sistema funcionar conjunturalmente como de gabinete ou como de assembleia que isso altera a sua nature za estrutural como sistema de governo
parlamentar, uma vez que a identificação parlamentar de um sistema não depende da realidade política mas sim da definição con stitucional - esta definição constitucional (que só se altera com uma revisão
constitucional) permite, na sua previsão, qualquer um dos diferentes modos de funcionamento, um não é mais legítimo/constituc ional/parlamentar que o outro.

Por aqui se percebe a falta de sentido que tem dizer que o sistema de governo se alterou por - fruto dos resultados eleitorais ou de qualquer circunstância política - o Governo passar a ser maioritário ou o
Presidente passar a ser mais ativo, ou dizer que temos uma "fase parlamentar" quando o Parlamento domina, e "governamental" q uando o Governo está nessa posição, etc.
Esta confusão pode ainda ser estimulada pelo facto, já referido, de existirem experiências constitucionais parlamentares em q ue, tradicionalmente, quase sempre, o Governo é forte, estável (Reino Unido),
e outras em que o Governo é fraco e instável (Itália). Assim, há tendência para se dizer que o Reino Unido é um sistema parla mentar de gabinete e a Itália é um sistema parlamentar de assembleia.
Contudo, corretamente, devemos afirmar que o Reino Unido antes tem funcionado, e é muito provável que continue a funcionar, como sistema parlamentar de gabinete.

Todavia, devemos relembrarmo-nos: Não é por esse facto (dominância do Governo - do gabinete - relativamente ao Parlamento) que o sistema deixa de ser parlamentar; pode perfeitamente acontecer que
em eleições parlamentares haja um resultado que se traduza na inexistência de uma maioria sólida no Parlamento e que daí resu lte a instabilidade do Gabinete saído dessas eleições (ou então poderia ocorrer
por fruto de uma cisão no grupo parlamentar que apoia o Governo) e durante o período seguinte o sistema parlamentar britânico poderá funcionar como sendo de assembleia , mas sem nunca perder a sua
natureza parlamentar. (como já referido, para que esta natureza desaparecesse, teria de ser alterada a Constituição britânica , determinando-se, por exemplo, a eleição popular do chefe do Estado ou
suprimindo-se a responsabilidade do Governo perante o Parlamento).

Sistema parlamentar clássico e sistema parlamentar racionalizado


1.1.2

Direito Constitucional Página 20


1.1.2

➢ Assente que esteja a dependência do sistema de governo da sua definição constitucional e a existência de fatores contingentes que determinam os moldes concretos do seu funcionamento prático, não se
pode ignorar que há fatores, de ordem jurídica, que influenciam a tendência de funcionamento de um sistema de governo em moldes de gabinete ou em moldes de assembleia.

Exemplo como já referimos, a existência de um sistema eleitoral maioritário a uma volta (como é o britânico) tende a gerar uma situação de persistente bipartidarismo na representação parlamentar (2 partidos
conquistam uma % esmagadora de lugares no Parlamento); se há bipartidarismo tendencial no Parlamento, há muita mais probabili dade de um partido obter, só por si, uma maioria absoluta e, logo, há uma
tendência para o parlamentarismo maioritário (sistema parlamentar de gabinete)
Diferentemente, quanto mais proporcional for um sistema eleitoral, mais hipóteses há de os lugares no Parlamento serem distri buídos por vários partidos, dado que todos eles conseguem, a partir de um certo
limiar mínimo, eleger deputados; daí resulta um multipartidarismo na representação parlamentar, com menos probabilidades de u m só partido obter uma maioria absoluta e, consequentemente, maior
probabilidade de o Governo a constituir ser um governo minoritário; logo, existe uma tendência para um funcionamento em molde s de sistema parlamentar de assembleia (como acontecia na França das
Terceira e Quarta Repúblicas e na Itália antes das reformas eleitorais ).

➢ Conscientes de que regras jurídicas podem potenciar a presença ou ausência de determinadas consequências, surge a tentação para, através da "engenharia constitucional", procurar, sem pôr em causa
a natureza estrutural de determinado sistema de governo, orientar as probabilidades do seu funcionamento prático num outro sentido.
No que respeita ao sistema parlamentar, verificou-se a vantagem em bloquear juridicamente as possibilidades de ocorrência dos seus aspetos menos convenientes (principalmente os efeitos de instabilidade
governamental que se tendem a verificar quando o sistema funciona livremente).
Em última análise, é a vontade do eleitorado que conta (para efeitos de possibilidade/impossibilidade de formação e subsistência de governos maioritários) - concluindo-se que é possível prevenir ou atenuar
artificialmente a presença dos fatores indutores de instabilidade; procura-se condicionar juridicamente o funcionamento potencialmente imprevisível do sistema de governo parlamentar - ou seja, procura-se
racionalizar o sistema no plano jurídico-constitucional, esperando que, como fator de dissuasão, se atenuem as tendências desestabilizadoras.

➢ Então, considerando de novo o plano jurídico-constitucional, surge ao lado do sistema parlamentar clássico, um novo sistema parlamentar dito racionalizado - caracterizado pela adoção complementar
de mecanismos jurídico-constitucionais tendencialmente geradores de maior estabilidade governativa ou até, de maior legitimidade democrática do executivo (por exemplo, a possibilidade de consagração
constitucional da eleição popular direta do PM - como aconteceu durante parte dos anos 90 em Israel).
Os mais conhecidos desses mecanismos adotados em sistemas parlamentares como Espanha, Alemanha, Grécia ou Itália são:

- A moção de censura construtiva ou positiva


Para que a aprovação de uma moção de censura possua a virtualidade de provocar a demissão do Governo, exige -se que o Parlamento, quando aprove essa mesma moção de censura, aprove, simultaneamente,
um novo PM e um Governo que substituam o Governo até aí em funções. Obviamente, esta exigência tornará muito mais difícil ao Parlamento derrubar um Governo minoritário - as várias oposições podem
votar facilmente conta a alternativa; ora, se não alcançarem esse acordo, o Governo - mesmo que minoritário no Parlamento - continuará em funções, já que, segundo a nova regra constitucional, a simples
aprovação de uma moção de censura - apenas negativa - não é juridicamente suficiente para o destituir.

- A atribuição de prémios de maioria à lista mais votada


Exemplo atualmente, na Grécia, à lista mais votada a nível nacional é atribuído um bónus de mais 50 mandatos, o que, em princ ípio, garante artificialmente à respetiva força política uma maioria absoluta
parlamentar.

- A diminuição da magnitude dos círculos eleitorais


A simples redução da magnitude dos círculos eleitorais (nº de deputados eleitos por cada círculo) reduz a proporcionalidade e impede a eleição dos candidatos dos partidos mais pequenos - e, como vimos,
menos partidos no Parlamento significa, matematicamente, maior probabilidade de maioria absoluta de um só partido.

- A fixação de barreiras eleitorais


Por exemplo, a exigência de obtenção de uma percentagem eleitoral mínima a nível nacional para se poder obter representação p arlamentar - o que afasta forças políticas com peso eleitoral significativo da
presença no parlamento. (Alemanha 5%, Itália 3%)

- Os limites jurídicos à dissolução do Parlamento, a possibilidade de um Governo minoritário fazer aprovar certas leis, conside radas decisivas, mesmo sem acordo parlamentar, desde que o Parlamento não derrube o
Governo.
Conjugado com a moção de censura positiva, este mecanismo constitui um meio eficaz de garantir a governabilidade em condições de existência de um Governo minoritário que o Parlamento não se dispõe ou
não consegue substituir. Assim, garante-se a possibilidade de um Governo minoritário fazer excecionalmente aprovar leis indispensáveis à governação - como a lei do orçamento - mesmo sem o aval das
oposições; tais leis serão consideradas aprovadas, mesmo sem os votos necessários, desde que as oposições não demitam o gover no ou, entretanto, não apresentem uma alternativa de governo.
Prof. Reis Novais: Considera que a adoção constitucional deste instituto, conjugado com a moção de censura positiva, é a medi da que falta em Portugal para conferir racionalidade de funcionamento ao nosso
sistema de governo, onde a experiência demonstra ser grande a probabilidade de existência de governos minoritários.

Pelo menos em alguma medida, por força destes "artifícios", os sistemas parlamentares em causa têm funcionado com relativa estabilidade , o que, paradoxalmente, estimula a conclusão inversa:
Como na Alemanha ou em Espanha, por exemplo, raramente há apresentação de moções de censura, então a conclusão seria de que a moção de censura positiva não serve para nada - não é obviamente assim.
Pode não se recorrer a um instituto jurídico com frequência e ele ser da maior relevância material: a presença de mecanismos como os referidos constitui uma importante "válvula de segurança" do sistema
político e desempenha um permanente efeito político dissuasor.
Exemplo quando se sabe que a aprovação da moção de censura contém aquele requisito de exigência agravada, o efeito político mediático de anunciar e desencadear uma censura que se sabe, à partida, estar
condenada ao fracasso, esvai-se; quando se sabe que um Governo tem sempre o recurso de colocar a confiança política em jogo para fazer passar uma lei, a t endência será para, desde logo, não anunciar
obstáculos decisivos à sua aprovação.

Porém, como este efeito dissuasor não pode ser medido em estatísticas (não é possível contabilizar as inibições não reveladas dos deputados) o instituto tende a ser visto como desinteressante, erroneamente.

Temos, assim, em termos jurídicos, um sistema de governo parlamentar que pode ser clássico ou racionalizado (teremos de conhe cer a Constituição para identificar a modalidade) e, em termos de
funcionamento prático, qualquer deles pode funcionar em moldes de gabinete ou em moldes de assembleia.

Sistema presidencial
1.2

Já referimos a estrutura jurídico-constitucional do presidencialismo: De um lado, um chefe de Estado eleito por sufrágio popular, dotado de poderes significativos, incluindo a liderança do execut ivo, e,
do outro, a existência de um Executivo não politicamente responsável perante o Parlamento . Vimos também como se podem admitir modalidades jurídicas de diferenciação entre o modelo clássico
(EUA) e outras experiências que adotem características especiais diferenciadoras como, por exemplo:

A possibilidade de existência de um PM ao lado de um PR ou a instituição de responsabilidade ministerial individual perante o parlamento ou, eventualmente, a adoção de um executivo com natureza
colegial em vez do executivo personalizado norte-americano.

Todavia, estas diferenças não são estruturalmente relevantes porque não põem em causa a exclusiva dependência que o executivo , como um todo, apresenta relativamente ao Presidente.
Em presidencialismo, o Governo é sempre o governo do Presidente e nem o Parlamento pode destituir o Governo nem o Presidente pode dissolver o Parlamento.

Estados Unidos da América - o sistema presidencial clássico


1.2.1

➢ Exercício de poderes importantes pelo chefe de Estado e ausência de responsabilidade política do Executivo perante o Parlamento são as características que distinguem o sistema presidencial dos
restantes sistemas de governo de democracia representativa.
Na sua forma pura, este sistema surge, desenvolve-se e estabiliza-se nos EUA, confundindo-se, por isso, a análise do presidencialismo com a análise do sistema político norte -americano.

A importância política do Presidente dos EUA é tão óbvia que quase dispensa considerações suplementares: ele assume as funções tradicionalmente desempenhadas pelos chefes de Estado, mas também
as que normalmente incumbem aos PM. Assim, simultaneamente chefe do Estado e do Executivo, o Presidente americano acumula fun ções que vão desde a representação externa do Estado, o Comando das
Forças Armadas, a nomeação de altos funcionários da Administração, a promulgação e veto das leis e, sobretudo, funções govern ativas de chefia do Executivo e da Administração central - como tal, o
Presidente é o centro indiscutível da vida política - deste estatuto decorre uma outra especificidade jurídico-constitucional do sistema presidencial norte-americano: a inexistência de um "governo" como
órgão colegial autónomo; o Executivo é unicamente constituído pelo Presidente (com os seus colaboradores) auxiliado pelos chefes dos vários departamentos da Administração.

➢ Perante a relevância assumida pelo Presidente, pode, então, resultar estranho que o titular do órgão não seja eleito diretamente pelos cidadãos eleitores - é que, de acordo com a regulação
constitucional, o Presidente é eleito por um colégio composto por grandes eleitores, por sua vez eleitos pela população de cada um dos Estados, sendo o nº desses grandes eleitores em cada Estado
igual ao nº de senadores e deputados a que esse Estado tem direito no Congresso.
Juridicamente, trata-se de uma eleição indireta: A população escolhe os grandes eleitores e estes escolhem seguidamente o Presidente. Contudo, a i ntervenção neste processo eleitoral dos partidos
políticos (nomeadamente o Partido Democrático e o Partido Republicano) transforma esta eleição do Presidente em eleição direta; Quando os cidadãos escolhem os referidos grandes eleitores a nível de
cada Estado, fazem-no em função da filiação partidária por eles anunciada - logo, o cidadão eleitor quando vota numa ou noutra lista de grandes eleitores está já, na realidade, a votar no candidato
presidencial apresentado oficialmente pelo partido a que esses grandes eleitores surgem vinculados.

É a partir desta eleição que o Presidente acaba por recolher a legitimidade de que carece para o exercício das importantes fu nções que lhe são constitucionalmente atribuídas. Porém o anacronismo (erro
cronológico) em que se converteu a manutenção de um sistema eleitoral tão peculiar - que acumula negativamente eleição indireta com sistema maioritário no nível de cada de Estado) não deixa de ter
consequências negativas, sobretudo, no facto de permitir a eleição de um Presidente dos EUA com menos votos que os obtidos pelo candidato derrotado.
Exemplo aconteceu nos tempos mais recentes na eleição Bush/Gore de 2000 (com o candidato derrotado a ter a preferência de mais de 500 .000 eleitores que o Presidente eleito) e, ainda mais
ostensivamente, na eleição Trump/Clinton de 2017, com a candidata derrotada a recolher a preferência de mais de 3 milhões de eleitores de diferença relativamente ao candidato eleito.

Logo, quando se elege um Presidente destinado a exercer funções e poderes tão importantes como é o Presidente norte -americano e se permite, concomitantemente, que o eleito recolha menos
preferência popular que o candidato vencido, é toda a racionalidade do sistema que é posta em causa por um sistema eleitoral que poderia fazer sentido no século XVIII, mas que hoje é dificilmente

Direito Constitucional Página 21


preferência popular que o candidato vencido, é toda a racionalidade do sistema que é posta em causa por um sistema eleitoral que poderia fazer sentido no século XVIII, mas que hoje é dificilmente
sustentável.

➢ A outra nota saliente do sistema presidencial é a da autonomia entre Executivo e Parlamento - entre Presidente e Congresso (que nos EUA é composto por Câmara dos Representantes e Senado).
Apesar da diferença assinalada quanto à impossibilidade de demissão/dissolução de cada um dos órgãos por parte do outro, exis tem significativas possibilidades de interação recíproca entre as 2
instituições.

Assim, o Presidente pode interferir na atividade do Congresso através de:


- Iniciativas legislativas (apresentadas no Congresso por deputados que lhe sejam afetos ou anexadas às mensagens que o Preside nte periodicamente lhe envia);
- Regulamentação da legislação anteriormente aprovada no Congresso;
- Ordens executivas
- Possibilidade de vetar as leis aprovadas no Congresso (o que dá, á partida, uma grande margem de negociação ao Presidente, da das as dificuldades que o Congresso normalmente encontra para
ultrapassar um veto presidencial)

Em contrapartida, o Congresso também detém instrumentos que lhe permitem uma interferência eficaz nas funções constitucionalm ente atribuídas ao Presidente.
- Através da aprovação do Orçamento, o Congresso pode avalizar ou inviabilizar os programas e medidas políticas que o President e pretenda desenvolver, já que a possibilidade de recusar as dotações
orçamentais propostas pelo Presidente confere ao Congresso a possibilidade de paralisar decisivamente as atividades do Execut ivo, podendo forcá-lo ou a abandonar os projetos mais controversos ou a
negociar soluções de compromisso com o Congresso.
- Mediante a possibilidade de recusar as nomeações presidenciais dos altos funcionários da Administração federal, o Senado deté m uma possibilidade acrescida de interferir na função governativa e
administrativa.
- Também no que se refere ao poder judicial, e de importância extrema no funcionamento e equilíbrio geral de todo o sistema, o Congresso conserva a possibilidade decisiva de não aceitar a nomeação
dos juízes propostos pelo Presidente para o Supremo Tribunal dos EUA.
- No âmbito da política externa, o Senado pode impedir, através da recusa da ratificação, a vinculação internacional dos EUA a tratados já eventualmente negociados e acordados pelo Presidente (tendo
acontecido em 1919 com a recusa do Senado em ratificar a adesão dos EUA à SDN).
- Tendo vindo a adquirir uma importância progressiva a atividade fiscalizadora do Executivo por parte do Congresso, mediante a constituição frequente de Comissões parlamentares de inquérito às
atividades da Administração (com um grande peso na opinião pública); O Congresso desenvolve uma fiscalização sistemática da a tividade do Executivo.

Por último, recorrendo ao processo do impeachment, o Congresso pode mesmo assumir um certo poder de natureza hibrida político -judicial. Apesar de muito raramente utilizado, este processo confere
ao Congresso a faculdade de julgar eventuais crimes contra a Constituição cometidos pelo Presidente, o que levam em caso de p rovimento, à sua destituição. Todavia, note-se que, em toda a história dos
EUA só houve verdadeiramente 3 casos de inquérito relacionado com impeachment presidencial:
Andrew Johnson (1968, não condenado);
Bill Clinton (1999, não condenado);
Richard Nixon (1974, demitiu-se na iminência de condenação).

➢ Assim, concluímos que, não obstante a marcada separação entre Presidente e Congresso (daí a denominação do sistema presidencial como "equilíbrio por separação"), os dois órgãos mantêm entre
si uma relação de equilíbrio, na qual, através de um sistema de pesos e contrapesos (checks and balances) se impede que o papel de centro da vida política que o Presidente desempenha corra o
risco de degenerar em sistema autoritário de concentração de poderes.
Para este equilíbrio e garantia de funcionamento democrático do sistema presidencial contribui o poder judicial independente.
Através dos poderes de fiscalização da constitucionalidade das leis - desempenhados em instância derradeira pelo Supremo Tribunal - os tribunais constituem-se como importante limite a eventuais
tendências para o abuso de poder. De resto, os EUA foram pioneiros, apesar do silêncio da Constituição norte -americana, na instituição de uma justiça constitucional.
Enquanto que na Europa os Tribunais Constitucionais só viram verdadeiramente a "luz do dia" na 2ª metade do século XX, nos EU A, o Supremo Tribunal arrogou-se, com sucesso, o poder de fiscalização da
constitucionalidade das leis logo a partir do início do século XIX.

Funcionamento prático do sistema presidencial e dificuldades de exportação


1.2.2

➢ Seja clássico ou adaptado, relativamente ao sistema presidencial também é possível perceber as diferentes modalidades do seu funcionamento prático e avaliar, em conformidade, a possibilidade
da sua adoção com sucesso em latitudes e contextos diversos daqueles em que nasceu como um dos sistemas do governo próprio da democracia representativa.
Nessa perspetiva, o ponto nodal da análise do sistema presidencial tem de partir e centrar -se naquela que constitui a sua novidade essencial relativamente ao sistema parlamentar: a existência de um
chefe de Estado eleito que é, simultaneamente, chefe do executivo, e a referida consagração de uma particular separação e int erdependência entre executivo e legislativo - entre Presidente e Congresso.
Essa relação particular assenta na ideia de um…
- Equilíbrio entre os 2 órgãos, que se traduz na institucionalização de mecanismos de interdependência (em termos de possibilidades de interferência recípr oca nas respetivas atuações e poderes) mas, ao
mesmo tempo na…
- Afirmação institucional de uma rígida separação quanto às relações de responsabilidade política em sentido estrito - ou seja, garantindo a independência dos 2 órgãos em termos de subsistência dos
respetivos mandato e legislatura (o Congresso nunca pode demitir o executivo por razões políticas, o Presidente nunca pode di ssolver o Congresso)

Podemos dizer que este sistema complexo de separação e interdependência (checks and balances) provou a sua eficácia, de forma admirável, nos EUA.
Por outro lado, revelou-se adotável, mas já a custo de algumas dificuldades e perigos efetivos de sério disfuncionamento, noutros Estados americanos e pode constituir, controversamente, uma solução a
experimentar em países de fase de transição para a democracia, sem mecanismos estabilizados de vida política democrática e co m partidos políticos incipientes ou inexistentes, mas é total e
absolutamente impraticável nas democracias da Europa Ocidental tal como as conhecemos.

➢ A razão de ser desta diversidade de potencialidades é simples de perceber.


A principal particularidade do sistema presidencial relativamente aos outros sistemas de governo da democracia representativa é o facto de o pretendido equilíbrio entre os órgãos de exercício do poder
político se fazer por separação. A relação institucional entre Presidente e Congresso é a de um "casamento sem divórcio"; durante o mandato e a legislatura de um e outro, eles são obrigados a viver em
comum, não podem separar-se por maiores que sejam as divergências e mesmo que haja uma oposição sistemática e radical entre um e outro.
Sabendo-se que, para além da representatividade dos governantes, da responsabilidades destes perante os cidadãos e da participação do s governados, também a eficiência e a estabilidade da governação
são outros dos objetivos centrais a realizar por qualquer sistema de governo, é óbvio que o maior risco que ameaça o sistema presidencial é o do advento de bloqueios geradores de ingovernabilidade -
bloqueios gerados a partir de uma eventual rutura da comunicação ou do acordo políticos entre Parlamento e Presidente.

Em qualquer sistema de governo os órgãos que exercem o poder político têm, de alguma forma, de colaborar e cooperar na direçã o dos destinos do país. Pode haver diferenças de opinião sérias entre uns e
outros, mas não é desejável que essas diferenças se cristalizem em oposições sistemáticas e, pior ainda, em bloqueios que inv iabilizem a normal atividade de uns e outros.

Porém, como é próprio de sociedades abertas e fundadas na participação democrática e livre escolha dos governantes por parte dos governados, esta situação de oposição frontal entre órgãos pode vir a
ocorrer - e, se ela se converte em bloqueio efetivo de funcionamento, o sistema deve prever mecanismos de resolução de conflitos, de superação de bloqueio . Nestas situações, os mecanismos mais
utilizados (ainda que sejam também utilizados em situações de normalidade institucional e sem quaisquer dúvidas de legitimida de de exercício já que, constitucionalmente estão previstas com esse
alcance) são: A demissão do executivo e a dissolução do Parlamento. Se um e outro órgão não conseguem coabitar - ficando o funcionamento do sistema bloqueado - as "válvulas de escape" referidas
podem ser a derradeira via de solução do problema, fazendo-o eficazmente na maioria das vezes.

Ora, o sistema presidencial abdicou, à partida, destes mecanismos de último recurso , uma vez que os mesmos são intrinsecamente adversos à natureza efetiva do executivo, mais propriamente do
Presidente: um presidente eleito pelo Povo não deve poder ser destituído por outro órgão. E se o Congresso não deve poder dem itir o Presidente porque este foi eleito pelo Povo e não pelo Congresso,
então, por razões do apontado pressuposto e objetivo de equilíbrio, também o Presidente não deve poder dissolver o Congresso. Assim sendo, não podendo o bloqueio ser resolvido "a quente", tem de ser
prevenido pela via do compromisso e da cedência, como acontece nos EUA.

Mas porquê este padrão de funcionamento existe e se pratica pacificamente nos EUA e dizemos que na Europa Ocidental seria abs olutamente impraticável?

➢ A razão desta diferença é conhecida e baseia-se na diferente natureza dos partidos políticos norte-americanos e da vida política norte-americana quando comparados com o sistema partidário e a
política europeia.

Se, como acontece na Europa, a vida política democrática é essencialmente mediada através da atividade de partidos políticos entendidos e construídos como forças de "combate", disciplinadas, unidas
em torno de objetivos programáticos diferentes, agregados com a argamassa de décadas de profundas comunhões ideológicas, de i nteresses de classe, afinidades religiosas ou linguísticas, não é fácil
prevenir aquele tipo de bloqueios ou resolvê-los pela via do compromisso e da cedência sempre que eles irrompem.
Na Europa, sempre que se verificasse um diferente resultado eleitoral nas eleições parlamentares e presidenciais (para o executivo) - com a consequência imediata da oposição político-partidária entre
Presidente e Parlamento - a consequência mais provável ou até mesmo inevitável, seria a ocorrência de um bloqueio difícil de superar e, mais grave - a sua persistência durante todo o mandato do executivo
ou durante toda a legislatura.

Já nos EUA, estas hipóteses de ocorrência são pouco prováveis e as situações de oposição tendem a ser superadas no tempo. A específica natureza dos partidos políticos tem impedido que uma eventual
oposição entre o partido maioritário no Congresso e o partido que o fez eleger o seu candidato à presidência degenere em opos ição frontal e sistemática entre as 2 instituições; uma oposição desse tipo
provocaria um bloqueio insuperável do sistema de governo, na medida em que nenhuma das instituições poderia funcionar, estando forçadas a c oabitar durante todo o mandato, uma vez que em sistema
presidencial não existem possibilidades de destituição recíproca.
Mas, nos EUA, a eventual não consonância entre os partidos que hegemonizam Presidência e Congresso não resulta em bloqueio si stemático devido às características peculiares dos partidos políticos
norte-americanos que afastam um tal risco:

i. A inexistência de uma disciplina partidária que imprima um funcionamento unificado a cada um destes partidos e um funcionamento de tipo "bloco" aos respetivos parlamentares;
ii. A restrição da atividade partidária praticamente aos períodos eleitorais, podendo dizer-se que a ação dos partidos se esgota praticamente na apresentação de candidaturas e no apoio às respetivas
campanhas eleitorais;
iii. Uma ausência de uma demarcação ideológica e programática, clara, estável e previsível entre os dois principais partidos.

➢ O bloqueio é improvável, desde logo, porque não há uma base de diferenças ideológicas e programáticas tão profundas que dividam significativamente, em termos nacionais, os partidos norte-

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➢ O bloqueio é improvável, desde logo, porque não há uma base de diferenças ideológicas e programáticas tão profundas que dividam significativamente, em termos nacionais, os partidos norte-
americanos a ponto de gerarem uma oposição frontal entre as 2 instituições na situação em que um dos dois grandes partidos domina o Congresso e o outro secunda o Presidente eleito.
Em segundo lugar, a presença e o peso dos partidos políticos norte-americanos na vida política quotidiana não suporta qualquer tipo de comparação com o que se passa na Europa . Os partidos norte-
americanos são meras máquinas de apoio aos candidatos à eleição, ativas nos períodos eleitorais e mantidas praticamente em hi bernação até às eleições seguintes. Quando existem bloqueios, não
resultam de uma atuação programada dos partidos políticos, não assentam em diferenças ideológicas de base estritamente partid ária - como acontece na Europa e, por isso mesmo, por não terem essa
origem partidária, são resolúveis independentemente da necessidade de uma arbitragem proporcionada por nova disputa eleitoral entre os partidos, ou por uma renovação de legitimidade das
instituições em disputa.

Em geral, nos EUA, os deputados exercem o mandato com quase total margem de autonomia relativamente ao respetivo partido político , podendo indiferentemente votar de acordo com os deputados do
seu ou do partido adverso. No período entre as eleições, o papel dos partidos políticos - enquanto instâncias de influência decisiva do comportamento dos parlamentares - desaparece e cede o lugar à
influência determinante dos lobbies e grupos de interesses que ocupam, nos EUA, nesse período, o espaço que a ausência dos pa rtidos políticos deixa aberto à possibilidade de pressão a exercer sobre os
deputados. Assim, as maiorias no Congresso não dependem tanto de uma inexistente disciplina partidária, mas dependem mais do que da vontade ind ividualizada de cada deputado e da influência externa
que sobre ela se possa exercer. Tudo o que resulta em inexistência de tendência para o bloqueio, para a oposição frontal e sistemática, mesmo quando os par tidos dominantes não coincidem no
Congresso e na Casa Branca, ao contrário do que, com toda a probabilidade, ocorreria na Europa Ocidental se esse sistema de g overno fosse aqui adotado.

➢ Esta é a razão pela qual o sistema presidencial só é "exportável" para experiências políticas em que um risco de conflito ou de bloqueio com raiz partidária esteja excluído ou cuja probabilidade de
ocorrência seja praticamente nula.
Essa é também a razão por que, muitas vezes - sobretudo na América Latina - o funcionamento do sistema presidencial corre frequentemente o risco de degenerar - seja pela ocorrência de conflitos
bloqueadores do funcionamento do sistema, seja pela frequência com que tais conflitos tendem a ser resolvidos pelas vias de c oncentração de poderes no Presidente ou até, do golpe antidemocrático -
seja pela tentação de recurso a meios ilícitos para conquistar maiorias de apoio para as medidas governamentais ou para "dome sticar" as oposições.
O sistema presidencial só funciona em condições ótimas quando, por um lado, as possibilidades de bloqueio não existam e, por outro, a separação de poderes e o equilíbrio institucional estejam de tal forma
enraizados na comunidade política (incluindo através da participação independente/reguladora do poder judicial) que também os riscos de concentração autoritária de poderes, nas situações em que há
uma convergência de maiorias na Presidência e no Parlamento, estejam igualmente excluídos.

Presidencialismo adaptado e recurso ao impeachment como instrumento de responsabiliza ção política


1.2.3

➢ É exatamente no referido plano das especiais características dos partidos políticos norte-americanos (para além de razões de ordem histórica e cultural) que resulta a dificuldade e até a inviabilidade
de transplantação do sistema de governo presidencial dos EUA para outras latitudes. Daí o fracasso de todas as tentativas de sistema presidencial na Europa (pressupondo a existência de um regime
democrático a funcionar na sua plenitude) bem como o tendencial risco de extrema dificuldade da sua adaptação aos países da América Latina.

Nestes últimos países, o pretenso sistema de governo presidencial adotado por alguns deles só funciona de forma imperfeita.

- A eventual consonância política entre a maioria parlamentar e o Presidente em contexto de regime democrático não solidamente consolidado estimula o risco de o sistema degenerar em regime
autoritário de concentração de poderes na pessoa do Presidente - já que o Parlamento tende a deixar de funcionar como verdadeiro contrapeso da presença presidencial dominante, e o poder judicial
independente fica progressivamente constrangido no exercício das suas funções.
- Em contrapartida, na hipótese de não correspondência política entre Presidente e Parlamento, qualquer divergência pode conduzir a bloqueios institucionais - pois, nessa altura, os 2 órgãos caem
frequentemente em práticas de oposição sistemática, o que, num contexto de profundas clivagens políticas e sociais e de ausência de regimes democráticos estabilizados, favorece a eclosão de ruturas
constitucionais ou o recurso a processos menos claros como via de superação dos bloqueios.

➢ Durante grande parte do século XX, a via mais óbvia - e evidentemente inconstitucional - foi a da recorrência de golpes militares e a instituição temporária ou muito prolongada de regimes ditatoriais
que só na aparência poderiam ser caracterizados como sistemas de governo presidencial (já que a sua existência pressupõe a sua vigência sob quadro de regime político democrático).
Para além destas soluções extremas, outras vias de adaptação do presidencialismos a realidades sociais, culturais e político -partidárias - muito distintas das que viram a emergência do modelo dos EUA e
que ocorrem quando o executivo presidencial não dispõe de apoio maioritário no Congresso (exemplo quando o partido "presidenc ial" não dispõe de maioria parlamentar absoluta) - são, ou a formação
de coligações partidárias que viabilizem a governação através da constituição de executivos de aliança multipartidária ou, de forma combinada ou em alternativa, vias ilegítimas ou constitucionalmente
duvidosas (práticas conhecidas de "sedução" de deputados e de senadores oposicionistas para o apoio às propostas que o executivo aprese nta ao Parlamento - com o risco do recurso à corrupção para
obter tais fins).
Ora, esta situação em que o Presidente não dispõe, à partida, de um apoio partidário sólido e maioritário no Parlamento , é a situação comum, sobretudo quando o sistema partidário do país em causa é
caracterizado pela fragmentação ou, pelo menos, pelo multipartidarismo. A presença normal de vários partidos no parlamento torna muito difícil que um deles disponha de maioria, pelo que, à partid a, o
executivo presidencial não terá um apoio parlamentar sustentado num partido presidencial maioritário. Então, a necessidade de estabelecer acordos ou coligações, pontuais ou de legislatura, acaba por
se tornar numa necessidade a que ficam sistematicamente sujeitos os Presidentes e o seu Governo.

➢ Naturalmente, em democracia, a realização de coligações parlamentares (sobretudo se forem constituídas com base em acordos político-programáticos estratégicos protagonizados por partidos com
uma identidade ideológica conhecida e estabilizada) não tem nada de problemático. A sua previsibilidade assegura um funcionamento transparente do sistema de governo e do regime democrático -
o que permite e estimula a participação eleitoral informada por parte dos cidadãos.

- O já referido sistema parlamentar de assembleia corresponde a um modelo ideal de funcionamento do sistema de governo neste tipo de circunstâncias em que não é possível a con stituição de governos
monopartidários dispondo de apoios parlamentares sólidos.

- Muito diferente, de riscos bem maiores, é o funcionamento do presidencialismo num quadro deste tipo, sobretudo quando o sistema partidário não se mostra suficientemente institucionalizado e,
caracteriza-se, igualmente, por fragmentação, regionalismo, instabilidade e inconsistência ideológica e programática.
Nestas circunstâncias, a coalização que sustenta os executivos é, sobretudo, ocasião para a instituição falsa do compadrio e da barganha político-partidária não sustentada em diferenças ideológicas ou
programáticas, como seria até exigível em democracia política. A existência de coalizões deste tipo - muito amplas e constituídas sem critério transparente e previsível pelo cidadão no momento da
escolha eleitoral - funciona como "biombo" de desresponsabilização política, que deixa o eleitorado desarmado e institucionalmente incapaz de pun ir/retribuir a execução de uma dada política.

➢ Neste quadro de difícil adaptação do presidencialismos a realidades diversas do contexto que deu lugar ao seu surgimento, tem adquirido grande repercussão o recurso parlamentar ao
impeachment dos Presidentes em exercício.
Este instituto - originariamente consagrado como que para ser usado unicamente em caso de abuso grave, ilegal e inadmissível dos poderes presidenciais - tem sido utilizado, sobretudo, como um puro
instrumento de responsabilização política de Presidentes impopulares por parte de maiorias no Congresso sustentas num apoio popular massivo - tem sido utilizado para destituir Presidentes mesmo
quando não há, comprovadamente, a prática de atos abusivos que tornassem impossível a respetiva continuidade no cargo (num co ntexto de democracia).

Porém, para além do disfuncionamento e das distorções assim introduzidas (de que a menor não será a substituição de um Presidente eleito com base num programa e com uma afinidade partidária
conhecida por um novo Presidente, eventualmente com política e programa político substancialmente diferentes e sem qualquer r elegitimação por parte do eleitorado - ou seja, sem que este seja
chamado a votar) os efeitos estruturais sistemáticos de tal prática são igualmente relevantes:

- A utilização do impeachment como mecanismo de responsabilização política utilizado para a destituição do Presidente, desequil ibra estruturalmente o sistema presidencial: por um lado, é
intrinsecamente contraditório com a eleição popular do Presidente e, por outro, debilita um órgão que, ficando com o seu mandato dependente da vontade política de uma maioria parlamentar
qualificada, não tem, em contrapartida, a possibilidade de balancear o sistema (através do poder de dissolução da assembleia parlamentar - do Congresso).
Ou seja, o Presidente corre o risco de ser destituído a meio do mandato, sem a possibilidade de - em caso de conflito insuperável - chamar o eleitorado a pronunciar-se em eleições gerais - o que reforça a
tentação de assegurar a sua sobrevivência por meios menos lícitos - como já referida, a sedução de deputados de forma a evitar a formação conjuntural de maiorias parlamentares qualificadas que possam
recorrer ao impeachment para o destituir.

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