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Direitos Fundamentais

PARTE I: A PROBLEMÁTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Capítulo I: Sentido dos direitos fundamentais

Evolução do Estado (Jorge Miranda)

• Estado Oriental
• Estado Grego
• Estado Romano
• (Organização Medieval)
• Estado Moderno de tipo europeu:
1. Estado Estamental
2. Estado Absoluto:
2.1. Monarquia de Direito Divino
2.2. Despotismo Esclarecido
3. Estado Constitucional, Representativo e de Direito
3.1. Estado Liberal
3.2. Estado Social de Direito

Estado Moderno de tipo europeu …


No Estado Estamental o poder político encontra-se limitado pelos estamentos
(representação de classes sociais). O poder do Rei ainda está fortemente concentrado
mas há sofre uma limitação. Este poder, limitado pelas ordens sociais, vai-se
centralizando de tal modo que se passa a uma fase de Estado Absoluto. Este, na 1ª fase,
é a Monarquia de Direito Divino (com uma legitimidade de origem religiosa) e na 2ª fase é
de Despotismo Esclarecido (o poder não é concedido por uma entidade extra-terrena,
mas o monarca tem o seu poder devido à sua própria razão - é esta é que é divinizada).
Nesta última fase o monarca exerce o poder em prol da comunidade, da Polis, em termos
que transforma este período num Estado de Polícia.
Como se passa ao Estado Constitucional, Representativo e de Direito? O melhor será
obedecer, não à razão do rei mas à razão de todos, que se materializa na constituição e
na lei. O ECRD será um Estado de Direito pois nenhum comportamento se coloca à
margem da lei, é um Estado Constitucional porque há uma generalização das
constituições formais escritas, e é um Estado Representativo a meio caminho entre o
poder exercido por uma só pessoa (o que é indesejado) e o poder exercido por todos
(desejável mas impossível). Precisamente, através da representação o poder enquanto
titularidade reside na comunidade política mas o povo elege os seus representantes.
O ECRD só aperfeiçoa a vertente representativa quando adere ao mandato
representativo1, que é menos perfeito que o outro (mandato imperativo) do ponto de vista
da democracia mas é o que funciona melhor em termos práticos.
De acordo com o art. 2º da CRP no nosso Estado encontramos dois princípios basilares:
o princípio do Estado de Direito e o princípio democrático. Qual deles prevalece?
De acordo com o art. 46º/4 prevalece o do Estado de Direito, pois a CRP limitou o direito
de associação (o que o princípio democrático não consentiria) para salvaguardar o

1 Mandato representativo – Os Deputados representam todos os cidadãos e não somente aqueles que votaram
neles. “Os Deputados representam todo o pais e não os círculos por que são eleitos” (art. 152º/2 da CRP).

Mandato Imperativo de Rousseau.
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Direitos Fundamentais

princípio do Estado de Direito. Logo, e ao invés do que habitualmente se assume, os


princípios do Estado de Direito e democrático não têm que coincidir.

No que respeita às fases do ECRD, encontramos uma equivalência tendencial:


➢ Estado Liberal - Direitos, Liberdades e Garantias – normas preceptivas.
➢ Estado Social de Direito- Direitos Económicos, Sociais e Culturais – normas
programáticas

Exequíveis por si mesmas


Preceptivas
Normas Não exequíveis por si
mesmas1
Programáticas2
1 Precisam apenas da Função Legislativa; são estas normas que conduzem à
inconstitucionalidade por omissão.
2 Precisam da Função Legislativa, da Função Política e da Função Administrativa. Os

Direitos Sociais precisam ainda da Função Jurisdicional para definir o que cabe ao
Estado fazer.

Os Direitos Fundamentais (DF) implicam sempre a adesão a valores que não dependem
da vontade do legislador constituinte – há limites ao poder constituinte, nomeadamente
valores de direito natural, acima do direito positivo.
Costuma dizer-se que os DF são Direito Constitucional Aplicado – Roxin diz que os DF
são o sismógrafo do Direito Constitucional: a forma como são vistos e respeitados é um
espelho da forma como é visto do Direito Constitucional, sendo neles que melhor se
percebe a relação Estado Sociedade. Os direitos fundamentais têm autonomia
pedagógica e cientifica e devem esta autonomia à ideia de que são fundamentais para a
pessoa humana e para o próprio desenvolvimento da ideia social.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (DDHC) de 1789, estabeleceu, no seu
artigo 16º, que qualquer sociedade onde não estejam previstos direitos fundamentais,
nem separação de poderes, não tem constituição. É ainda mais ou menos este o
conteúdo mínimo da constituição nos dias de hoje.
Os DF estão numa dependência congénita da concepção estadual: num Estado
totalitário os direitos fundamentais têm espaço reduzido, num Estado democrático a
amplitude é maior. E estes DF podem ter uma múltipla valência. È importante estudá-
los porque resultam em grande medida do princípio da dignidade da pessoa humana –
para Jorge Miranda e José de Melo Alexandrino, todos os direitos fundamentais da CRP
assentam no princípio da dignidade da pessoa humana, desde logo por expressa
determinação do artigo 1º. Em segundo lugar, na CRP os DF surgem como limite
condicionador da organização económica. Por último, os DF surgem como limite e
condicionamento da organização dos poderes públicos, nomeadamente, através dos
direitos de defesa dados aos particulares. Nesta terceira vertente – ou sobretudo nesta -,
há que retomar a distinção entre Estado Liberal e Estado Social a propósito da posição
dos direitos fundamentais perante o Estado.
Num Estado Liberal (Estado Polícia, o Estado do “laissez faire, laissez passer”), o que
importava era a visão do indivíduo em termos isolados. Num Estado Social vemos o
indivíduo integrado na colectividade, logo há aqui uma ideia de sociabilidade – ver art. 1º

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Direitos Fundamentais

da CRP. Gomes Canotilho diz que dos princípios fundamentais do Estado é o princípio
da socialidade que se relaciona com a previsão de DF.

Previsão e mecanismos de protecção dos Direitos Fundamentais


▪ Cada vez mais têm uma função legitimadora do próprio Estado;
▪ Dependente do tipo de Estado;
▪ Dependente do enlace entre Sociedade e Estado;
▪ A relação com o poder político (Quem legisla? Por ex. a previsão da figura do
Provedor de Justiça (art. 23º Da CRP) que têm como função a protecção dos
Direitos Fundamentais);
▪ A relação com a organização económica do Estado;
▪ Relação com aquilo que cada tipo de Estado entende por, por ex., o Princípio da
Dignidade Humana;

PLURIDIMENSIONALIDADE OU MULTIFUNCIONALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


São expressões utilizadas por Gomes Canotilho e Perez Luño para traduzir a
multiplicidade de dimensões e funções dos DF.

Perez Luño salienta também que os direitos fundamentais têm uma dupla dimensão:
uma dimensão objectiva e uma dimensão subjectiva – esta dicotomia é mesmo
reconhecida por Jorge Miranda.

▪ Dimensão Objectiva: os direitos fundamentais são um catálogo objectivamente


consagrado – independentemente da função que cada uma das pessoas deles faça,
há um catálogo de direitos fundamentais previstos na Constituição que nos
permite ler a Constituição vendo-os como valores constituintes e organizadores do
Estado português. Assim, nesta dimensão, os direitos fundamentais têm um valor
axiológico – são os valores a que o Estado adere.
▪ Dimensão Subjectiva: se olharmos para o “radical subjectivo impostergável” (Vieira
de Andrade), os direitos fundamentais podem surgir como valor básico do Estado
mas mais que isso eles são previstos a pensar no indivíduo, tendo em conta as
situações jurídicas activas dos indivíduos, tendo em conta a sua dimensão de
protecção individualizada. Aqui olhamos para o indivíduo isolado como tendo
direito a situações jurídicas activas. Existe dimensão objectiva mas
verdadeiramente a pedra de toque é entender o que os cidadãos retiram dos
Direitos Fundamentais.
No Estado Liberal – dimensão subjectiva dos DF - não havia propriamente consciência
que a sua previsão estivesse tão ligada à organização política, a questão apresentava-se
nos termos da relação face ao Estado, os DF (fundamentalmente DLG) são direitos que
as pessoas activam face ao Estado. Com a transição para o Estado Social, o indivíduo
exige também dos outros – e não só do Estado – respeito pelos seus direitos
fundamentais. Daí termos uma eficácia horizontal e não só uma eficácia vertical.

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Direitos Fundamentais

Noção de Jorge Miranda: “Direitos Fundamentais são posições jurídicas subjectivas das
pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na
Constituição”.
1. Posições jurídicas subjectivas (activas*) das pessoas enquanto tais **;
*traduzem uma situação de vantagem; ** Só as pessoas físicas têm Direitos
Fundamentais e não as pessoas colectivas.
2. Individual ou institucionalmente consideradas;
3. Assentes na Constituição – para falar em Direitos Fundamentais em sentido
técnico têm que estar na Constituição.

Olhando para esta noção, Jorge Miranda privilegia a dimensão subjectiva – mas ao dizer
“assentes na Constituição” também se espelha aqui a dimensão objectiva.

Positivados na Constituição
Formais formal (certeza e segurança)
Direitos Fundamentais
Inseridos na Constituição
Materiais
material.

Quando aos DF em sentido material, nem todos estão previstos na Constituição, e no


artigo 16º há mesmo um princípio de cláusula aberta ou da não tipicidade. Ou seja, a
CRP admite DF decorrentes da Declaração Universal de Direitos do Homem, aqui
recebida formalmente, e pelo artigo 8º da CRP podemos também aceitar DF previstos em
instrumento internacional. Para além disto há DF em leis ordinárias, não constituindo
DF formais por não estarem previstos na CRP (o problema das normas constitucionais
inconstitucionais).
Para Jorge Miranda: todos os DF formais são DF materiais mas nem todos os DF
materiais são também DF formais.
Para Vieira de Andrade, não há uma correspondência entre todos os direitos formais e
materiais. Por exemplo, o art. 23º da CRP é DF formal mas não faz parte da noção de DF
material e constituição material.

Qual o critério para classificar como direitos fundamentais?


Um critério geral desde sempre usado é o da equiparação por referência ao princípio da
dignidade da pessoa humana – assim direitos fundamentais formais e materiais seriam
os que tivessem um papel nessa dignidade humana. Isto levanta problemas com o
princípio da cláusula aberta do art. 16º - nem todos os direitos fundamentais têm
necessariamente que ver com a dignidade da pessoa humana – ex. o direito à reclamação
previsto no CPA. Assim, Jorge Miranda entende que há que corrigir o critério, e é neste
campo que se nega a máxima quod non est in constitutionem non est in mundo (o que não
está na constituição não está no mundo), pois há muitas posições que não estão na
Constituição e que tem relevância como direitos fundamentais.
Há que encontrar outro critério para além da dignidade da pessoa humana. Para os
direitos fundamentais formais é fácil, pois decorrem da forma da constituição escrita.
Basta ver o que é que a constituição entende por direitos fundamentais formais (a
questão é a de saber se os direitos fundamentais da DUDH e os recebidos através do
artigo 8º são ainda direitos fundamentais formais). A DUDH foi recebida no artigo 16º
por recepção formal, pois a CRP limita-se a reconhecer a DUDH, não lhe empresta valor
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Direitos Fundamentais

constitucional (já uma recepção será material quanto às normas que incriminam agentes
da ex-PIDE DGS, que teriam de outro modo caducado por incompatíveis com o princípio
da irretroactividade da lei criminal previsto no art. 29º, assim materializando um caso de
derrogação). A situação é, assim, mais complicada no que tange aos direitos
fundamentais materiais.
Para quem distinga, por exemplo, direito natural permanente (princípios suprapositivos
que existem em todas as sociedades) e direito natural variável (que varia consoante as
sociedades ou grupos de sociedades), a maior parte dos direitos fundamentais hão-de
decorrer do direito natural variável. Para além deste, há que atender às concepções
político ideológicas do Estado e aos instrumentos internacionais que cada vez mais
reconhecem mais direitos.
Comparando a CRP com a DUDH vemos que há uma sobreposição – há um único direito
que não está previsto na CRP e mesmo ele decorre dos princípios fundamentais da CRP,
pelo que não há quaisquer espaços vazios de protecção. Quanto às concepções político
ideológicas, falamos, sobretudo na dimensão objectiva dos direitos fundamentais. Note-
se que este catálogo muito alargado de direitos fundamentais não significa que ele seja
pacífico – basta ler os trabalhos preparatórios da CRP de 1976, para perceber que o
longo catálogo não resulta de um máximo denominador comum entre todas as propostas
dos partidos, mas sim de um somatório de todos os direitos que foram propostos. Ou
seja, foi a tensão que dominou o procedimento constituinte em 1975 que se reflectiu no
catálogo da CRP, onde é fácil perceber os direitos que são resultantes do consenso de
todos os partidos e aqueles que o não são.
No que respeita à organização dos poderes políticos, podemos referir:
➢ Direitos de defesa face aos poderes públicos – ver arts. 19º, 20º, 22º, 23º;
➢ Direitos a prestações ou direitos derivados a prestações

Esta interferência dos direitos fundamentais na organização dos poderes públicos


implica duas consequências:
o Que os DF são uma autolimitação para o Estado (que os reconhece na CRP);
o Que o Estado tem que proceder a uma compensação dos poderes reais existentes
nas sociedades – há pois direitos fundamentais que visam compensar certas
deslocações que existem na sociedade.
- Ex: para 1 artigo sobre associações patronais temos 10 sobre
trabalhadores para compensar a suposta desproporção de forças na
sociedade;
- Ex: a garantia da posição do arrendatário (entende-se que é a posição mais
fraca).
Esta realidade tem a ver com o facto de certos direitos clássicos serem vistos de forma
diferente, o que se relaciona com a referida eficácia horizontal. Por exemplo, o direito à
reserva da intimidade da vida privada surgiu para invocação perante o Estado, mas hoje
coloca-se sobretudo como problemático face a outras pessoas privadas. Ora, esta tarefa
de compreensão relaciona-se com a própria forma como o Estado apercebe as relações
fácticas na sociedade.

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Direitos Fundamentais

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


Direitos Fundamentais: conjunto de posições jurídicas subjectivas.

Noção “recente e frágil”. Surge no Século XVIII com a Revolução Francesa. No entanto,
existem antecedentes nas suas diversas acepções:
▪ Do ponto de vista histórico, cultural, filosófico.
Mas importa notar que liberdade dos antigos (Grécia e Roma Antiga) ≠ Liberdade dos
modernos (Art. 12º CRP). A luta pela liberdade religiosa relaciona-se com a emancipação
dos Direitos Fundamentais.
▪ Do ponto de vista político, as declarações de direitos:
• Magna Carta (1215) – marca a limitação jurídica do Estado.
• Bill of Rights (1689)
• Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789)
• …

Vários autores têm abordado o porquê de se denominar Direitos do Homem e do


Cidadão.
▪ Do ponto de vista jurídico
Não obstante existirem já antecedentes, a verdade é que só a partir do século XVIII é que
ocorre a efectivação jurídica destas posições jurídicas subjectivas. Então, os direitos
fundamentais de VALORES (sentido filosófico) passam a ter efectividade jurídica, ou
seja, existe agora a possibilidade de fiscalização e de se sancionar as violações. Como se
dá essa efectivação jurídica?
1. Positivação nas Constituições escritas → Estado Constitucional, Representativo e
de Direito, princípio do Estado de Direito – subordinação a normas com um
determinado perfil e contexto; adesão a um conjunto de valores.
Art. 16º DDHC.
2. O Estado Social vem acrescentar um elenco de Direitos essencial de posições
jurídicas subjectivas de que os cidadãos podem beneficiar.
3. Direitos de 3ª e 4ª Geração → ao longo dos tempos foi havendo uma preocupação
de adaptar as normas jurídicas ao evoluir da sociedade/ ás novas realidades.
4. Como corolário dos números anteriores, ou seja, como corolário da previsão de
Direitos Fundamentais surgem os mecanismos de protecção dos Direitos
Fundamentais.

Mecanismos de protecção Graciosos Cidadão pede à Administração.


dos Direitos
Fundamentais*.
Contenciosos Fazem-se prevalecer no meio
jurisdicional.

*Relação Cidadão/Estado.
Nota: diz-se que o legislador reconhece Direitos aos Cidadãos e não, por ex., que o
legislador atribui Direitos aos Cidadãos.

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Direitos Fundamentais

A emancipação dos Direitos Fundamentais relaciona-se directamente com o


aparecimento do Estado de Direito, no século XVIII com a Revolução Francesa (1789).

Direitos Fundamentais Estado de Direito

Revolução Francesa (1789)


Mas o movimento de positivação jurídica dos Direitos Fundamentais a que se assistiu no
século XVIII não é tudo, a previsão dos Direitos pode não corresponder à realidade
constitucional.
Segundo a classificação de Constituições de Karl Lowenstein podemos encontrar:
• Constituições Nominativas
• Constituições Normativas
• Constituições Semânticas → Também designadas de Constituições Alibi – a
previsão de Direitos Fundamentais serve tão somente de alibi para a legitimação
do Estado.

Se é verdade que a Revolução Francesa, com o advento do Estado Constitucional,


Representativo e de Direito, marca a emancipação dos Direitos Fundamentais é também
verdade que existiram antecedentes, houve uma evolução ao longo dos tempos nesse
sentido.

Direitos Fundamentais – ANTECEDENTES


É em França que pela primeira vez aparece a expressão “direitos fundamentais”, em
1760, no dominio do movimento político que 30 anos depois levaria à DDHC. Outra
referência aparece no IX aditamento à Constituição dos EUA. Mas a ideia destes direitos
é muito mais antiga, e remonta à Antiguidade Clássica. Já , encontramos em Platão e
Aristóteles a ideia de posições jurídicas subjectivas (DF). No entanto, o sentido que lhes
era atribuido era diferente do actual. Assim, não havia um elenco de Direitos que
cabesse ao Homem pelo simples facto de ser Homem - há situações de escravatura e
domínio, e direitos só tem quem não é estrangeiro, o que desde logo implica uma grande
limitação subjectiva. Não havia um RECONHECIMENTO de Direitos mas uma
ATRIBUIÇÃO de Direitos. Num Estado de Direito não se atribuem direito
RECONHECEM-SE DIREITOS.
De um ponto de vista filosófico, os sofistas e os estoicos apelam para uma igualdade
entre os homens, e com eles se realça a ideia de universalidade dos direitos
fundamentais.Partem do pressuposto da igualdade biológica (fundamento biologicista)
entre os Homens e é esta ideia de igualdade que serve de pressuposto para a atribuição
de Direitos.
No direito romano, e para Cícero, por exemplo, a igualdade aparece não apenas num
plano antropológico, mas também no plano filosófico e no plano político, onde tem
consequencias práticas e onde se encontra efectivamente uma consagração política dos
direitos fundamentais. Mas a grande transformação na matéria ocorre com o advento
do cristianismo. À ideia de liberdade de consciência e liberdade de religião vem juntar-
se uma 3ª dimensão: a ideia de liberdade interior. Os Direitos Fundamentais são
encarados como um espaço que permite que o individuo desenvolva a sua personalidade
sem interferência do Estado. È como se uma “bolha” envolve-se o individuo. Os Direitos
Fundamentais deixam de ser apenas entendidos como um meio de defesa do individuo
face ao Estado. Apesar do advento do cristianismo ter a ver sobretudo com a ideia de
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Direitos Fundamentais

liberdade interior e não com a de liberdade política é a luta pela liberdade religiosa e pela
tolerancia religiosa que faz avançar a evolução e a teoria dos direitos fundamentais. Esta
ideia religiosa mantém-se ligada à teoria dos direitos fundamentais durante toda a idade
média, e saliente-se aqui S. Tomás de Aquino, com as suas considerações da lex
positiva (lei humana), da lex natura e da lex divina. Ora se a lex positiva violasse a lei
natural (que decorre da lei divina) haveria possibilidade de resistência à ordem da
autoridade: pela primeira vez fala-se em direito de resistencia (ainda hoje previsto – art.
21º CRP). Isto significa que também os direitos fundamentais assumem a forma de
legitimação do poder político. Este está tanto mais legitimado quanto mais aderir aos
direitos fundamentais.
Por volta dos séculos XV/XVI (mais cedo em alguns Estados como na Inglaterra – séc.
XIII com a Magna Carta) surge o Estado Moderno. Este apresenta como uma das suas
características fundamentais a ideia de Laicidade do Estado. O Direito Natural
(conjunto de princípios civilizacionais aceites por todos), deixa de ter um fundamento
divino (disvinização do Direito Natural ou Secularização do Direito Natural) e passa a ter
um fundamento racional. Observa-se uma secularização do direito natural que serve de
fonte de legitimação aos direitos fundamentais. Para esta mudança assume papel
fundemental a Escola Escolástica Ibérica, onde se destacam os seguintes autores:
Vitória, De Las Casas e Menchaca.
Na mesma altura, começa a dar-se importância aos direitos das pessoas que estão em
territórios colonizados por potências europeias, sobretudo colónias espanholas. São
inúmeros os textos que distinguiam homens, seres pensantes e racionais e os animais,
que o não são. Visa-se acentuar a ideia de racionalidade nos direitos do homem, estando
a caminhar-se para os dominios jusracionalistas. Aqui se destaca Hugo Grócio, um
racionalista humanista ou um jusnaturalista europeu.
Mas já no pretenso Estado Medieval, as cartas de foral têm já uma tentativa de
estabelecer direitos numa comunidade, continham os direitos permitidos a uma dada
circunscrição territorial, existia a delimitação de um espaço livre de interferencia
estadual. Isso é ainda acentuado quando em 1215 a Magna Carta estabelece direitos,
para os cidadãos ingleses, complementada por outros instrumentos fundamentais, como
a petition of Rights, de 1628, a Lei do Habeas Corpus de 1679, e a Bill of Rights de
1689. Quanto ao Bill of Rights (1689): o contexto e o objecto são diferentes da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão - DDHC (1789). O primeiro é uma
resposta à Petition of Rights, não tem um caracter universalista nem um propósito de
sistematização. Os DDHC têm por base uma ideia universalista, destina-se a todos os
Homens e não apenas para os franceses. Cem anos medeiam as duas declarações mas
que não são vazios de conteúdo no que toca à evolução da ideia dos Direitos
Fundamentais.
A evolução na Grã Bretanha é no entanto precoce em relação ao resto do mundo. O
século XVII/inícios do Século XVIII está muito ligado à ideia de consolidação daquilo
que no fundo é o Estado Moderno, já que o Estado laico é uma das características que o
individualizam. há uma consolidação das reformas religiosas – Liberdade Religiosa
ligada à ideia de Liberdade Política. A Ideia de Liberdade Religiosa implica o Princípio da
Liberdade de Escolha e o Princípio da Tolerância. Estes dois princípios em termos
históricos não têm origem política mas origem na ideia de Liberdade religiosa. Atenção: o
Princípio da Tolerância não pode ser entendido como a opção por uma religião e
tolerancia por todas as outras, não há uma ideia de supremacia de uma em relação às
outras toleradas que assim seriam entendidas como “menores/inferiores”.

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Direitos Fundamentais

A partir dos séculos XVII, os Direitos Fundamentais são vistos:


→ numa perspectiva jusracionalista;
→ como uma forma de limitação do poder e daí a ideia de que o Estado RECONHECE
DIREITOS (estes já existem) e não que os cria porque entende-lo dessa forma seria negar
esta limitação de poder; E o Estado arranca a sua legitimidade do facto de reconhecer
que tais direitos existem assim, .
Autores Jusracionalistas:
Thomas Hobbes (Leviathan): a sua visão é um pouco paternalista: os cidadãos
entegram-se nas maos de um Estado (soberano) e este tem o dever de zelar pelos
cidadãos, precisamente porque estes se colocaram nas suas maõs. Não há aqui ainda
contratualismo, como em Rousseau por causa do conceito de alienação total da
soberania.
John Locke: que enuncia três direitos fundamentais2:
- direito à vida/segurança
- direito à liberdade
- direito à propriedade
É muito criticada esta distinção, por ser um decalque de uma ideologia burgueso-liberal.
È uma conceptualização que reflecte um liberalismo burguês por serem três direitos que
constituem um protótipo de burguesia ascendente.

Se de Hobbes retiramos a ideia de que o Estado tem obrigações em relação ao cidadãos,


de Locke retiramos três direitos de tipo liberal, clássicos. Ao invés de Hobbes, John
Locke assenta a sua teoria na ideia de que o Estado nada deve fazer, porque o que fizer
pode fazer perigar a situação dos cidadãos. Ou seja, Locke defende o Estado
abstencionista, liberal, de polícia. Mas faz aqui sobressair a ideia de igualdade: Locke
sintetiza estes três direitos numa versão de igualdade e esse tratamento igualitário
resulta em grande medida de o Estado não dever intervir na vida/direitos dos cidadãos.
Pufendorf3 introduz pela primeira vez em termos sistemáticos a ideia da dignidade da
pessoa humana, onde radicam os direitos fundamentais. Esta dignidade da pessoa
humana é um núcleo valorativo onde assentam os valores de que partem os direitos
fundamentais; existe um núcleo de direitos que é co-natural à ideia de dignidade da
pessoa humana.
Já no século XVIII, e para Rousseau, a lei surge como forma de garantir os direitos e
limitar o poder político face aos cidadãos. O contrato social leva à elaboração desta lei
geral – porque decorre da vontade de todos, ou melhor dizendo, da vontade geral4 e
porque é igualmente aplicável a todos, pelo que emerge novamente a ideia de igualdade
de tratamento. O fundamento racional da lei é o facto de corresponder à vontade geral.
Os DF previstos nas Constituições do século XVII correspondem a uma vontade geral.
Para Kant cada direito fundamental corresponde a uma posição jurídica de cada homem
entendida em função da própria humanidade em termos de estrita racionalidade. Há
uma ideia de racionalidade apriorística ligada à consideração de cada homem,
independentemente das relações estabelecidas pelas pessoas. Não há, pois, aqui uma
ideia de contrato social como em Rousseau. “Imperativo categórico” – as pessoas devem
agir de forma a que a sua conduta se possa tornar máximas universais e os DF devem

2 Valores que claramente encontramos numa teoria liberal dos DF.


3 Aproximação com Thomas Paine.
4 Rousseau contrapõe “volonté générale” e a “volonté de tous”.
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Direitos Fundamentais

reflectir esta ideia. O Homem não pode ser considerado o meio para qualquer coisa, deve
ser um fim em si mesmo, não pode ser funcionalizado. As suas posições jurídicas
subjectivas não podem ser funcionalizadas a outro fim.
Em 1791, Thomas Paine, na obra “Os Direitos do Homem”,debate se os direitos do
homem têm uma natureza que resulta da dignidade da pessoa humana ou uma
natureza que resulta de origem divina. Vem “responder” uma obra de Burke em que
este aborda as razões da Revolução Francesa e da elaboração da DDHC e onde as critica
por comparação com a Revolução Americana. A obra de Dayse Mayer vem exactamente
discutir a discussão destes dois autores.
Da DDHC de 4 de Julho de 1789, da Declaração de Direitos da Virginia de 1776 e da
Constituição dos EUA de 1789 resultam documentos fundamentais em termos de elenco
de direitos, que sintetizam as duas linhas fundamentais do século XVIII de evolução dos
direitos fundamentais:
⚫ A positivação dos direitos fundamentais, na sequência do movimento racionalista
de formalização dos direitos fundamentais, e das grandes declarações formais de
direitos;
⚫ A ideia de que os direitos fundamentais constituem a base de limitação ao poder
político.
Mas a ideia de universalidade que consta da DDHC e de que se fala nas declarações
formais do século XVIII é ainda algo restrita à burguesia dominante e a certa classe
social. Há a ideia de que há certas classes sociais que não gozam de certos direitos. O
artigo 16º da DDHC estabelece o conteúdo mínimo de qualquer constituição: separação
de poderes e garantia de direitos fundamentais. Ao relacionar garantia de direitos e
separação de poderes acaba por fazer a síntese das duas linhas de orientação.
Na primeira metade do século XIX assiste-se a uma tendência para alargar as
declarações de direitos e para fazer incluir as declarações de direitos nas próprias
constituições. A DDHC ainda se mantém em vigor em França pois todas as constituições
francesas no seu preâmbulo a mantêm expressamente em vigor. As constituições
francesas fazem assim questão de acentuar o papel fundamental da França como
paladino das garantias de direitos fundamentais no mundo.
• Constituição Francesa de 1791
• Constituição Espanhola de 1812 Constituições com um elenco
• Constituição Belga de 1837 considerável de direitos fundamentais
• Constituição Portuguesa de 1822
Mas ainda estamos perante os direitos de 1ª geração, que exigem da parte do Estado
uma atitude meramente abstencionista, e estas constituições são de índole
individualista, ou seja, reflectem a Teoria Liberal dos DF.
A mudança opera-se na segunda metade do séc XIX: deixa-se a marca individualista e
passam a encontrar-se direitos fundamentais colectivos ou de grupos. A isto ajudou o
manifesto comunista de Marx e Engels, ajudou a constituição francesa de 1848 – há
quem entenda que se trata de uma “constituição social”, prevêem-se DF colectivos - que
acolheu aqueles princípios e instalou a comuna de Paris, e ajudou também a Revolução
Industrial – levou a uma mudança na sociedade, principalmente ao nível da classe
trabalhadora.
Com a Revolução Russa de 1917 surge como reacção às declarações do tipo francês e
britânico uma declaração de 1918: a Declaração dos Direitos do Povo e Trabalhador
Explorado. Esta declaração é inserida na constituição soviética, que não prevê direitos
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Direitos Fundamentais

conferidos individualmente: há direitos apenas do povo, o que também acontece na


referida Declaração. Também na revisão da constituição soviética de 1936 há uma
tentativa de reconhecer direitos a pessoas individualmente consideradas mas desde que
sejam trabalhadores. Não são direitos reconhecidos ao homem enquanto tal mas aos
trabalhadores. O exercício de cada direito é funcionalizado – os direitos só se exercem se
tiverem como objectivo a glorificação e consolidação do sistema socialista (princípio da
legalidade socialista).
Temos duas linhas de evolução distintas:
− 1ª Geração de DF – DLG, que exigem do Estado abstenção;
− 2ª Geração de DF – DESC, que exigem do Estado uma actividade de intervenção, e
que correspondem ao Estado Social.
− A partir de finais do século XIX/XX temos uma síntese entre estes dois tipos de
direitos. Costuma dizer-se que essa síntese aparece no espaço europeu na
Constituição de Weimar de (1919), esta foi a 1ª constituição europeia5 que em termos
de DF corporiza o Estado Social de Direito. A Constituição Espanhola de 1941, por
exemplo, consagra também estes “direitos sociais”.
A crise de 1929 ajudou também a consciencializar que o Estado não pode ter uma
atitude de abstenção/ de passividade. No pós-2ª Guerra Mundial encontramos como
constituições que incorporam esta preocupação de intervenção social por parte do
Estado, e que consagram um elenco significativo de direitos fundamentais:
- Constituição Italiana de 1947.
- Constituição de Bona de 1949
- Constituição Francesa de 1946 (19586).
Na década de 70 temos uma nova fase, sendo a CRP de 76 comummente referida como
tendo um elenco muito significativo de direitos fundamentais, lado a lado com a
Constituição Grega de 1975 e a Constituição Espanhola de 1978. E saliente-se ainda,
mais recentemente, o movimento constitucional dos países de leste a seguir à derrocada
do regime comunista, que manifesta uma grande preocupação de introduzir
pormenorizados elencos de direitos fundamentais.

Podemos encontrar uma síntese de alguns pontos desta evolução dos direitos
fundamentais:
1. Há um alargamento progressivo do elenco de direitos fundamentais;
2. Acentuou-se a dimensão objectiva dos direitos fundamentais – mais do que
legados aos cidadãos individualmente são vistos como valores previstos nas
constituições;
3. Deixa de ver-se o homem como uma abstracção teórica para o ver como situado
numa determinada situação de vida;
4. A ideia de dignidade da pessoa humana não corresponde já a uma ideia filosófica:
cada pessoa em cada momento tem sempre uma dignidade real e efectiva;
5. Deixou de se entender que o Estado tem uma postura meramente abstencionista;
6. Hoje em dia reclama-se a intervenção do Estado mesmo para a protecção dos
direitos, liberdades e garantias, que já não são entendidos apenas como direitos de
defesa. Há uma mudança substancial em relação àquilo que se exige do Estado. A
tarefa do Estado deixa de ser só legislativa para ser também administrativa.

5 A nível mundial a 1ª foi a Constituição Mexicana de 1917.


6 Alterou o sistema de Governo Francês para Semi-Presidencialismo.
11
Direitos Fundamentais

7. Há hoje uma complexificação da estrutura de muitos dos direitos. Hoje a tutela


dos direitos faz-se não só pela constituição mas também pela lei, pelo que o
conteúdo da constituição tem que ser correctamente passado para a lei. Isto
porque em muitos casos a constituição assim o exige, tanto mais que entre nós
vigora o princípio da cláusula aberta;
8. Os direitos fundamentais deixaram de ter uma eficácia meramente vertical para
passarem a ter uma eficácia horizontal – face a outros cidadãos e grupos, por
exemplo.

ESTADO

Eficácia vertical dos DF Eficácia Horizontal dos DF


DF como meio de defesa do cidadão DF como defesa, como limitação
em relação ao Estado. da esfera de um Homem
relativamente a outro Homem.

X X X
9. Deu-se um alargamento substancial dos meios de defesa dos direitos
fundamentais quer a nível interno quer a nível internacional. Surge uma 3ª
dimensão: a tutela internacional dos DF de um indivíduo no seio de um
determinado Estado. Mesmo a nível internacional os Estados não se podem dar ao
luxo de fazer o que querem dentro das suas fronteiras pois tal pode motivar uma
reacção da comunidade internacional. Por outro lado, hoje em dia o cidadão já é
visto como sujeito de direito internacional para a defesa dos direitos
fundamentais. Esta é uma questão importante desde a década de 70,
principalmente depois da Convenção de Helsínquia – houve uma mudança de
paradigma na protecção internacional dos DF. Ver art. 7º CRP.
Esta interdependência entre Estados implica o reconhecimento de um direito de
ingerência para outros Estados e para a Comunidade Internacional, quando esteja em
dúvida a garantia dos direitos fundamentais (ex: acções humanitárias em Moçambique e
no Kosovo). Desde a convenção de Helsínquia de 1975 que a ideia de ingerência é
discutida e aceite.
Tem havido projecção a nível internacional de conceitos de direito interno de crimes
continuados – genocídio, discriminação, proibição de tortura e tratamentos cruéis e
degradantes. Hoje já não se fala tanto em escravatura, apatridia, mas há novas formas
de relacionamento internacional que podem fazer perigar direitos: terrorismo, direitos
fundamentais face à devassa da vida privada que as tecnologias permitem, direitos
fundamentais face ao ambiente e o campo da manipulação genética.
Há quem diga que as ideias sobre direitos fundamentais são tendencialmente as
mesmas desde o século XVIII. Em 1900 Jellinek estabelece uma distinção (hoje
recuperada por Jorge Miranda) entre a liberdade dos antigos (tal como pensada na
Antiguidade Clássica) e a liberdade dos modernos (séculos XV, XVI,…).

12
Direitos Fundamentais

Hoje há quem apresente o seguinte esquema de SÍNTESE DA EVOLUÇÃO DOS DF.

Liberdade dos Liberdade dos


1ª Fase Antigos Modernos
7

2ªFase Direitos Direitos


Estamentais Universais

DLG DLG + Direitos


3ª Fase Sociais

4ª Fase Protecção Protecção


Nacional Internacional

A nível internacional a protecção de DF faz-se através de instrumentos de carácter:


 Geral/Universal
o DUDH (1948), vem a ser completada em 1966 por dois pactos – Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos
Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Qual o órgão que aplica estes
pactos? È o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) mas têm que haver uma
submissão voluntária do Estado à jurisdição do TIJ.

 Regional – no caso europeu:


o Convenção Europeia dos Direitos do Homem (1950), provém do Conselho
da Europa8 e é aplicado pelo TEDH;
o Carta de DF – aplicado pelo TJUE;
 Sectorial
Organização Regional – várias competências em diferentes domínios de uma
determinada região.

Organização Sectorial – pode ser universal ou regional num determinado tempo,
tem áreas específicas de actuação. Ex. UNESCO – Cultura e OIT – Trabalho,
ambas agências especializadas da ONU.

7
Autores como Pecas Barba e a prof. Cristina Queiroz têm se debruçado sobre a seguinte questão: serão os DF verdadeiramente
Direitos universais? Por ex. o direito à Segurança Social só será usufruído pelos mais pobres, os mais ricos não terão necessidade
de recorrer aos serviços sociais.
8
Resultou do Tratado de Londres em 1949.
13
Direitos Fundamentais

Teorias explicativas dos Direitos Fundamentais


Jeanne Hirsch salienta que ao longo do tempo as declarações de direitos fundamentais
procuraram encontrar “um lugar para o absoluto humano dentro das relatividades
existentes”, ou seja, procuraram que o Homem e as suas posições jurídicas
fundamentais tivessem um lugar fundamental quer face ao poder quer face ao Estado.
Mas várias teorias surgiram, explicativas de direitos fundamentais. São teorias que
procuram explicar o sentido destes direitos fundamentais e das quais se podem
destacar:

▪ Teoria Liberal
Os direitos fundamentais constituem essencialmente direitos de defesa face ao Estado, e
pelo facto de serem direitos de defesa têm uma matriz fortemente individualista. Os
direitos fundamentais teriam o sentido de preservação de uma esfera imune ao poder
estadual. Acentua a dimensão subjectiva dos DF (Vieira de Andrade).

▪ Teoria dos Valores


É antagónica da primeira: os direitos fundamentais são princípios objectivos da
sociedade e porque o são corporizam os valores morais, políticos e éticos existentes na
sociedade. Leva necessariamente a uma relativização da posição jurídica do indivíduo
pois se subvaloriza a dimensão subjectiva dos DF e, pela absolutização dos princípios,
serviu de inspiração a regimes totalitários, fascistas, isto é, de inspiração autoritária.
Esta posição pode levar a uma “tirania espiritual” (Jeanne Hirsch), para uma ideia de
relativização que pode levar a abusos. Acentua a dimensão objectiva dos DF.

▪ Teoria Institucional
Apresenta semelhanças com a teoria dos valores pois nega aos direitos fundamentais
uma dimensão meramente subjectiva. Os direitos fundamentais, correspondem a
princípios objectivos de organização social e então dependem das necessidades sentidas
pela colectividade. No entanto, tem que se ter em conta quem determina quais serão
essas necessidades. DF entendidos em sentido técnico como instituição: como
necessidades permanentes da colectividade. Tem contornos claramente conservadores e
leva a que nas sociedades corporativas não seja admitido o direito à greve pois os
direitos fundamentais servem para a preservação das instituições vigentes, mais que
para a salvaguarda de valores políticos, morais, ou defesa do cidadão (adopte-se aqui a
noção de instituição de Haurion). Para esta teoria os direitos fundamentais visam
manter uma paz social e uma democracia que é no fundo mais formal.

14
Direitos Fundamentais

▪ Teoria Social
Reconhece aos direitos fundamentais três dimensões fundamentais:
o Individual
o Institucional
o Processual
A distinção entre a “liberdade dos antigos” e “liberdade dos modernos” começa a ser tida
por Benjamin Constant e depois Jellinek desenvolve-a, distinguindo três estados:
o Status libertatis9
o Status civitatis10
o Status activae civitatis11
Esta progressão sucede-se ao longo do tempo: primeiramente os direitos fundamentais
situavam-se num Estado de liberdade passando depois para um Estado de cidadania em
que se passa a considerar-se o individuo também como cidadão. Surgem direitos civis,
depois chega-se a uma cidadania activa, com direitos que correspondem
tendencialmente aos direitos políticos previstos na CRP. Mas depois chegou-se à
conclusão de que não basta o Estado garantir certas prestações, há também uma
dimensão processual – que pode ser designada por status activus processualis – para
além das individual e institucional. Esta dimensão processual pode ser:
- Um direito de quota relativamente a uma prestação do Estado;
- Outros autores, concluindo que tal quota é difícil de determinar e que o que os
cidadãos têm direito é a que o Estado esteja organizado de tal forma que o cidadão
beneficie de certas prestações, entendem que esta dimensão processual
corresponde a um direito a que a organização processual do Estado esteja
organizada da forma a que seja mais eficaz.
Hoje a dimensão processual é muito enfatizada. Como é que se relaciona, com os DLG e
os DESC estas prestações do Estado? Se as prestações do Estado estão subordinadas
aos DLG, já os DESC resultam condicionados por essas prestações, por causa da
cláusula do possível. Os DESC existem na estrita medida em que o Estado realiza
prestações que os concretizem (independentemente de previsão constitucional), daí a
subordinação a estas. Daí que se fale nos DESC de uma cláusula do não retrocesso.
Para a teoria social os direitos fundamentais têm a ver com as prestações que o Estado
efectiva. Na sua última versão os direitos fundamentais existem derivados de direito a
uma organização do Estado – o Estado tem que estar organizado de forma a assegurar
prestações subordinadas aos DLG, ou condicionado certos DESC. O que temos,
portanto, é um direito a uma forma de organização do Estado.
Gomes Canotilho parece defender uma teoria social ou processualista dos DF. Uma das
formulações mais clássicas desta teoria é a de Jellinek mas a visão processual como
derivação da teoria social é também defendida por Alexy e Haberle.

▪ Teoria democrático-funcional
Assenta numa ideia próxima à teoria institucional mas é mais específica. Segundo esta
teoria há um determinado princípio que deve sobre todos ser garantido numa sociedade
– o princípio democrático. Todos os direitos fundamentais devem servir para a
preservação do princípio democrático. Isto assenta de algum modo nas chamadas teorias

9
Cidadania = liberdade
10
Cidadania corresponde a uma relação com o Estado
11
Direitos de participação política
15
Direitos Fundamentais

decisionistas (Carl Schmitt). Para Schmitt a constituição é uma decisão de um órgão


político.
Por exemplo, a constituição de Bona no seu artigo 18º tem uma regra de proibição de
certos partidos. O artigo 46º/4 da CRP tem uma regra que proíbe as associações que
perfilhem ideologias fascistas. Neste artigo estabelece-se uma tensão entre o principio do
Estado de Direito e o princípio democrático, e o que o legislador constituinte fez foi
sacrificar o princípio do Estado democrático para garantir o Estado de Direito. O artigo
2º da CRP fala em “Estado de Direito Democrático”,mas Manuel Afonso Vaz entende que
esta expressão não faz sentido, e que não estamos habituados a dividir os dois
conceitos. Para Afonso Vaz deveríamos falar em “Estado Democrático de Direito”. É que,
se dissermos “Estado Democrático de Direito” estamos a implicar um Estado
Democrático limitado pelo Direito e é isso que opera o artigo 46º/4.

▪ Teoria socialista-marxista
Os direitos fundamentais estão dependentes numa relação de subordinação face às
condições económicas de uma sociedade – os direitos fundamentais implicam uma
transformação radical da sociedade. Dá-se importância ao homem mas situado numa
essência social que depende de uma alteração da mesma sociedade. Acaba por ter
alguns pontos de contacto com a teoria social na sua última visão processual que diz
que os direitos fundamentais dependem da forma como está organizada a sociedade e o
Estado.

Conclusões
Em termos puros estas teorias são inconciliáveis, mas hoje em dia podemos falar de
uma multifuncionalidade dos direitos fundamentais que leva a que retiremos de cada
uma destas teorias pontos de apoio para entender os direitos fundamentais. Mas temos
de encontrar um qualquer ponto de apoio, um princípio de unidade interna que
relaciona os direitos previstos na Constituição. Ora a nossa Constituição resulta de um
emaranhado de princípios diferentes, e usa erradamente uma terminologia pouco
correcta e expressões confundíveis quanto a direitos fundamentais, o que torna difícil
encontrar na nossa constituição esse princípio de unidade e antes acentua a sua
multivalência.
Capítulo II: o princípio da dignidade da pessoa humana

(José de Melo Alexandrino)


A dignidade da pessoa humana encontra-se inscrita no artigo 1º da CRP e no artigo 1º
da DUDH; é reevocada algumas vezes (art. 13º/1, 26º/2, 67º/2/e), da CRP) e tem ao
longo de todo o texto constitucional múltiplos afloramentos:

Indirectos
Directos
Na generalidade das normas de
(art. 24º, 25º ou 26º,…) DF e nas próprias normas sobre DF

O PDPH encontra-se consagrado de modo fragmentário na CRP, deve hoje ser entendido
constitucionalmente na base de um conceito aberto (a uma pluralidade de concepções),
mínimo e essencialmente relativo (nunca como “um dado fixista, invariável e abstracto”).
Segundo Jonatas Machado, a DPH “representa uma síntese, dotada de elevado grau de
generalidade e abstracção, dos principais desenvolvimentos teológicos, filosóficos,
16
Direitos Fundamentais

ideológicos e teorético-políticos resultantes da reflexão multi-secular em torno da pessoa


e do significado que as suas capacidades, exigências e objectivos espirituais, morais,
racionais, emocionais, físicos e sociais, juntamente com as suas limitações e
necessidades, devem assumir na conformação da comunidade política”.
Na linha do racionalismo kantiano, a doutrina e a jurisprudência alemãs costumam
recorrer a um modelo de explicação que ficou conhecido como a fórmula do objecto - a
dignidade humana será afectada quando a pessoa for degradada a mero objecto, ou
instrumento (em vez de fim) da acção do Estado, nomeadamente quando a pessoa for
humilhada ou degradada em determinado tipo de situações. Mas, no fundo, esta teoria
do objecto representa uma delimitação pela negativa da DPH, ou seja, sabemos que
determinada situação é atentatória à DPH, mas o que é a DPH? O que significa? O que
cabe na DPH? Esta teoria é, portanto, mera linha orientadora.
O TC português, tem privilegiado a articulação com a igualdade – “igual dignidade” e
com a exigência de condições mínimas indispensáveis para uma existência condigna.
Elemento que encima toda a ordem constitucional e não surgindo na CRP como direito
fundamental, a DPH pode ser percebida como:
o Valor Ético
o Valor Social
o Valor Constitucional
o Princípio Constitucional
o Regra Constitucional

Pode desempenhar e tem desempenhado um papel de critério último.


Mas, o conteúdo da norma da DPH está, antes de mais, disseminado por toda uma serie
de princípios, subprincípios e regras: desde logo, pelos direitos fundamentais e, em
seguida, por toda a engenharia constitucional do Estado de Direito preparada para a
defender. Fora de eventuais situações-limite, a violação da norma da DPH é apurada em
função (ou como resultado) de uma simultânea violação de outros princípios ou regras
constitucionais (esgotando-se nessa violação).
➔ Para alguns autores, como Paulo Otero, a DPH é um valor absoluto, que não
pode ser objecto de nenhuma cedência, gozando de uma supremacia total sobre
as demais normas do ordenamento.
➔ Para outros, como Arthur Kaufmann, a DPH só é um valor absoluto se não lhe
for dado nenhum conteúdo

Funções jusfundamentais do PDPH


o Função Simbólica
o Função Instrumental

Como parâmetro para a interpretação e integração


das normas, como reforço e fundamento para a
redução dos efeitos de protecção.
o Função de Protecção

Como eventual critério de último recurso,


como fundamento de especiais deveres de
protecção e promoção.
17
Direitos Fundamentais

Sistema de DF: Elementos estruturantes materiais: Ideias de igualdade + liberdade +


solidariedade
+
Norma base (DPH)
=
Síntese Integradora : “Igual dignidade” de todas as pessoas
(da qual os DF constituem concretização)
Base da
fundamentalidade material
A afirmação e a promoção da igualdade constituem na CRP o mais extensivo contributo
da DPH.
A colocação do princípio da universalidade (art. 12º CRP), bem como a afirmação, no art.
13º/1, da igual dignidade social a iniciar a parte I, são indícios claros dessa conexão
entre igualdade e dignidade.
Na CRP a realização dignidade ora á feita através de iguais direitos de liberdade e de
participação política, ora á feita através de direitos que visam realizar a igualdade de
oportunidades, ora por direitos e deveres cuja finalidade é a promoção de igualdade em
domínios particulares ou de igualdade material, em qualquer dos casos a igualdade
qualifica sempre a dignidade.

(Jorge Miranda)
Não existe historicamente uma relação necessária entre DF e a DPH:
▪ Os sistemas que funcionalizam os direitos a outros interesses os fins não
assentam na DPH;
▪ As concepções doutrinais de DPH, de matriz religiosa ou filosófica, podem não ser
acompanhadas de um catálogo de df.
A ligação jurídico-positiva entre DF e DPH só começa com o Estado Social de Direito e,
mais rigorosamente, com as constituições e os grandes textos subsequentes à 2ªGuerra
Mundial. Surge em resposta aos Regimes que “tentaram sujeitas e degradar a pessoa
humana (preâmbulo da Constituição francesa de 1946); Quando se proclama que “a
DPH é sagrada” (art.1 da Constituição alemã de 1949); e ao afirmar-se que “o
desconhecimento e o desprezo dos direitos do homem” tinham conduzido “a actos de
barbárie que revoltaram a consciência da humanidade e que o reconhecimento da
dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e
inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”
(preâmbulo da DUDH).
A Constituição de 1933, após a RC de 1951, já falava em “dignidade humana” (art.
6º/3). Mas, seria a Constituição de 1976 a declarar a República baseada na dignidade
da pessoa humana (art. 1º) e a reiterá-lo em áreas particularmente sensíveis [art. 26º/2
e 67º/2/e)) e, por outra forma no art. 13º/1].
A Constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao
sistema de DF. E ela repousa na DPH, ou seja na concepção que faz da pessoa
fundamento e fim da sociedade e do Estado. Os DLG e os DESC têm a sua fonte ética na
dignidade da pessoa, de todas as pessoas. Mas também todos os outros direitos
remontam também à ideia de protecção e desenvolvimento das pessoas. Para além da
18
Direitos Fundamentais

unidade do sistema o que conta é a unidade da pessoa, independentemente da realidade


que vive, dos interesses que prossiga, dos desafios que se lhe coloquem; só na
consciência da sua dignidade pessoal retoma a unidade de vida e de destino.
O art. 1º da DUDH, de forte inspiração jusracionalista, consagra que “todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de
consciência devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”
(solidariedade).

“Dotados de razão e consciência” – denominador comum a todos os homens que


justifica, e em que consiste essa igualdade, independentemente de todas as outras
particularidades individuais.

Projecções da DPH
a) A DPH reporta-se a todas e cada uma das pessoas e è a dignidade da pessoa
individual e concreta.
Característica essencial da pessoa – como sujeito, e não como objecto, coisa ou
instrumento – a dignidade é um princípio que coenvolve todos os princípios relativos aos
direitos e também aos deveres das pessoas e à posição do Estado perante eles. Princípio
axiológico fundamental e limite transcendente do poder constituinte dir-se-ia uma
metaprincípio. È relativamente aberto como todos os princípios – até porque a sua
concretização se faz histórico-culturalmente – não deixa de encerrar um valor absoluto.
Pode haver ponderação da dignidade de uma pessoa com a dignidade de outra pessoa,
não com qualquer outro princípio, valor ou interesse. Reporta-se ao Homem como ser
real e concreto e não a um ser ideal e abstracto. O valor eminente reconhecido a cada
pessoa conduz, antes de mais, à inexistência, em caso algum, de pena de morte (art.
24º/2 CRP) e, coerentemente, à proibição da extradição por crimes a que corresponde,
segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão
irreversível da integridade física (art. 33º/6 CRP). Determina ainda a proibição do art.
19/6.
Art. 30º/5 Art. 27º/3/h) Art. 59º/1/b) + Art. 68º/1
Art. 25º + Art. 32º/6 O princípio da culpa em DP. Art. 65º/1
Art. 26º/1 Art. 30º/1 Art. 69º/2
Art. 26º/3 Art. 67º/2/e) Art. 71º/1 + Art. 74º/2/g)
Art. 26º/2 + Art. 35º Art. 206º Art. 72/1 2ªparte

b) A DPH refere-se à pessoa desde a concepção, e não desde o nascimento


Porque a vida humana é inviolável (art. 24º/1 CRP), porque a CRP garante a dignidade
pessoal e a identidade genética do ser humano (art. 26º/1) e a procriação medicamente
assistida é regulamentada em termos que salvaguardem a DPH (art. 67º/2/e)) e porque
independentemente da noção do art. 66º do Código Civil, se poderá retirar, do art. 6º da
DUDH, confortado pelo reconhecimento de um direito a todo o individuo ao
reconhecimento da sua personalidade jurídica, um conceito constitucional de pessoa.

c) A dignidade é da pessoa enquanto homem e enquanto mulher


A CRP não só declara a igualdade entre homens e mulheres – em geral (art. 13º), na
família (art. 36º/3, 5 e 6 e art. 67º/2/c)) e no trabalho (art. 58º/2/b)), como estabelece
especial protecção às mulheres durante a gravidez e após o parto (art. 59º/2/c) e art.
68º/3 e 4) e contém ainda (após 1997) a incumbência de o Estado promover a igualdade

19
Direitos Fundamentais

entre homens e mulheres (art. 9/h)), designadamente, no exercício dos direitos civis e
políticos e no acesso a cargos políticos (art. 109º).

d) Cada pessoa vive em relação comunitária, o que implica o reconhecimento


por cada pessoa da igual dignidade das demais pessoas
A dignidade de cada pessoa é incindível da de todas as outras e envolve
responsabilidade.
Art. 18/1 Art. 46º/4 Art. 60º Art. 73/2
Art. 37º/4 Art. 59º Art. 71º/2
A proibição do lenocínio, porque uma ordem jurídica assente na DPH, não pode aceitar
que uma pessoa em qualquer dimensão seja utilizada como mero instrumento ou meio
ao serviço de outra.
“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de
qualquer outra, sempre e simultaneamente, como fim e nunca simplesmente como
meio”. (Kant)

e) Cada pessoa vive em relação comunitária, mas a dignidade que possui é dela
mesma, e não da situação em si
Cada pessoa tem que ser compreendida em relação com as demais. Por isso a CRP
completa a referencia à DPH com a referência à “mesma dignidade social” que possuem
todos os cidadãos e todos os trabalhadores (art. 13º/1 e art. 59º/1/b)), decorrente da
inserção numa comunidade determinada, fora da qual “não é possível o livre e pleno
desenvolvimento da sua personalidade” (art. 29º/1 DUDH). E aqui se fundam os deveres
fundamentais (arts. 36º/5, 49º/2, Art. 66º/1, …).
Ainda quando a CRP contempla numerosos direitos particulares e especiais e comporta
certos elementos classicistas e laboristas (art. 54º, art. 63º/2, art. 89, art. 93º/b) e Art.
98º), tal não diminui o empenho constitucional da realização pessoal.
“ O sujeito portador do valor absoluto não é a comunidade ou a classe, mas o homem
pessoal, embora existencial e socialmente em comunidade e na classe”. (Castanheira
Neves)

f) A dignidade determina respeito pela liberdade da pessoa mas não pressupõe


capacidade (psicológica) de determinação
A dignidade determina respeito pela liberdade da pessoa, pela sua autonomia:

Art. 26º/1 Art. 42º + Art. 78º/2/b) Art. 67º/2/d)


Art. 41º/5 Art. 43º

Mas a dignidade não pressupõe capacidade (psicológica) de autodeterminação – dela não


estão privados as crianças (art. 69º), nem os portadores de anomalia psíquica. (art.
27º/3/h)).

g) A dignidade da pessoa permanece independente dos seus comportamentos


sociais, mesmo quando ilícitos e sancionados pela ordem jurídica. Por isso, art. 30º/4 –
nenhuma pena tem carácter infamante e art. 30º/5.

h) A dignidade da pessoa exige condições adequadas de vida material


A dignidade da pessoa exige condições de vida capazes de assegurar liberdade e bem-
estar (art. 25º DUDH). Daí:
20
Direitos Fundamentais

Art. 59º/1/a) Art. 63º/3


Art. 59º/2/a) Art.
15º/1
Art. 72/1/1ªparte
Art. 59º/3 Art. 59º/2/a) in fine
Art. 59º/3/e)

O direito das pessoas a uma existência condigna ou a um mínimo de subsistência, tem


uma dupla dimensão:
o Dimensão negativa: garantia de salário, impenhorabilidade do salário minimo ou
de parte do salário e de pensão que afecte a subsistência, não sujeição a imposto
sobre o rendimento pessoal de quem tenha rendimento mínimo.
o Dimensão positiva: atribuição de prestações pecuniárias a quem esteja abaixo do
minimo de subsistencia.
Só a solidariedade garante plenamente a dignidade de cada um em quaisquer
circunstâncias de vida. E também por isso a República está empenhada na constituição
de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 1º, in fine).

i) O primado da pessoa é o do ser, não o do ter; a liberdade prevalece sobre a


propriedade
A CRP ao incluir a propriedade privada entre os DESC veio salientar que os DLG
respeitam, primeiro que tudo, o ser da pessoa e não o ter; que a liberdade prima sobre a
propriedade; que a protecção que a pessoa como titular de bens possa merecer na vida
económica se oferece secundária em face da protecção do seu ser; e que pode a
protecção do ser de todas as pessoas exigir a diminuição do ter de algumas pessoas (art.
80º/b). Por outro lado, a CRP confere relevância específica à propriedade enquanto fruto
ou consequência da aplicação de trabalho ou como instrumento de trabalho:
Art. 42º/2
Art. 65º/2/c)
Art. 93º/1/b) + Art. 94º/2

Também a iniciativa económica privada – correspondente à liberdade de comércio e


indústria anterior – não se situa a par dos DLG do título II (embora tenha natureza
análoga) em no texto inicial da constituição, nem sequer constava da Parte I.

j) Só a dignidade justifica a procura da qualidade de vida


O ser humano não pode ser desinserido das condições de vida que usufrui; e, na nossa
época, anseia-se pela sua constante melhoria e, em caso de desníveis e disfunções, pela
sua transformação. Na CRP alude-se muitas vezes à “qualidade de vida”:
Art. 9º/d)
Art. 60º/1
Art. 66º
Art. 81º/a)
Art. 91º
Mas a qualidade de vida só pode fundar-se na DPH; não é um valor em si mesma, e
muito menos se identifica com a propriedade ou com qualquer critério patrimonial. A
CRP apela também (após 1997) à solidariedade entre gerações (art. 66º/2/d)), mas esta
solidariedade assenta ainda no valor da dignidade: é para que as gerações futuras,

21
Direitos Fundamentais

compostas por homens e mulheres com a mesma dignidade dos de hoje, possam
igualmente desfrutar dos bens da natureza que importa salvaguardar a capacidade de
renovação destes recursos e a estabilidade ecológica.

k) O primado da pessoa é um prius em relação à vontade popular


A CRP declara a República Portuguesa baseada na DPH e na vontade popular, mas deve
entender-se que não estão ao mesmo nível. A vontade popular está subordinada à
dignidade, e é a própria ideia constitucional de DPH que a exige como forma de
realização. Não há respeito pela vontade do povo português sem respeito pela DPH.

l) A dignidade da pessoa está para além da cidadania portuguesa


A dignidade da pessoa, sendo de todas as pessoas, refere-se quer a portugueses quer a
não portugueses. E, se os preceitos sobre DF dos portugueses têm que ser interpretados
e integrados de harmonia com a DUDH (art. 16º/2 da CRP), por princípio devem poder
valer para todas as pessoas seja qual for a sua cidadania. A perspectiva universalista da
Constituição patenteia-se na assunção por Portugal do respeito dos direitos do homem
como princípios geral das relações internacionais (art. 7º/1), na regra de equiparação de
direitos (arts. 15º e 59º na previsão de direitos de asilo e do estatuto do refugiado político
(art. 33º/7 e 8) e nas regras sobre expulsão e extradição (art. 33/2 a 7).

Capítulo III: conceitos afins e categorias de direitos fundamentais

Figuras Afins dos Direitos Fundamentais


Figuras que têm pontos de contacto com os DF, mas que têm também pontos de
afastamento.
▪ Direitos do homem ou direitos humanos
Tem uma acepção mais moral e mais internacionalista do que aquela que devemos ter
do ponto de vista do ordenamento nacional. Devemos reservar tal conceito para as
posições jurídicas subjectivas pacificamente aceites por todos os Estados ou para as
posições jurídicas subjectivas que encontramos no direito internacional. São direitos
civis, direitos naturais, etc. previstos em determinado momento pelo Direito
Internacional. É difícil encontrar um consenso, um acordo unânime estadual, pelo que o
acervo de direitos do homem é reduzido. Os DF reportam-se especificamente a uma
ordem jurídica concreta; estão inscritos na constituição material e formal em
determinado Estado. Há direitos fundamentais que não são direitos do homem pois não
pertencem a esse conjunto que é pacificamente aceite por todos os Estados. Em Portugal
não haverá direitos humanos que não são direitos fundamentais, há sim muitos direitos
fundamentais que vão para além dos direitos do homem, o que não acontece em todos os
Estados. O âmbito de projecção e aplicação dos DF e dos DH é diferente e há também
uma definição quanto ao grau de efectividade. Os DH podem corresponder apenas a uma
proclamação política, moral ou ética. Os DF não estão apenas ao nível político, moral ou
ético, estão a um nível de técnica jurídica, têm efectividade jurídica, têm que existir
meios de tutela efectiva que garantam a sua protecção. Os DH têm vocação universal ou
parauniversal e podem nem sequer estar positivados em nenhuma Declaração.

22
Direitos Fundamentais

▪ Direitos naturais
São direitos inerentes ao próprio individuo pelo simples facto de o ser (relacionado com o
Estado liberal). Nem todos são direitos civis, nem direitos fundamentais: na nossa CRP o
conjunto de DF é maior que o conjunto de DN aí previstos (há muitos DF que não têm a
ver com plano pré-positivo/metafísico dos DN).

▪ Direitos civis
A Doutrina fala de Direitos Civis é precisamente em contraponto aos DN. Decorrem da
ideia de contrato social, estabelecido entre indivíduos e a propósito do Estado e do qual
decorrem posições jurídicas subjectivas que têm que ver com Direitos de Participação
Política. Nem todos os DF são Direitos Civis – só os DLG de Participação Politica. A CRP
para além de prever direitos de cada cidadão prevê também DF que são direitos
institucionais: direitos atribuídos a instituições ou direitos atribuídos a
cidadãos/indivíduos integrados em instituições. Mas, os direitos civis não abrangem
esta categoria de direitos, têm somente que ver só com a relação entre cidadão e Estado.

▪ Direitos de personalidade
Há quem entenda que são ± idênticos aos direitos naturais, pois os direitos de
personalidade têm a ver com condições essenciais para o ser e o devir humano, mas nem
todos os DN são direitos de personalidade. Os DP estão previstos no Código Civil e os DF
na CRP. Está essencialmente em causa um âmbito distinto de projecção e relevância das
duas figuras. A previsão encontrada no Código Civil está pensada em termos da
regulação interprivada (eficácia horizontal) - ≠ Direito Subjectivo Público (eficácia
vertical). Quase todos os DP são DF mas o inverso não é verdade. No entanto, o âmbito
de aplicação de um e outro são diferentes: DP – relações interprivadas e DF – relações
interprivadas e face ao Estado; podem ser invocadas directamente face ao Estado.
As teorias mais recentes discutem se há vários direitos de personalidade ou se haverá
um direito geral de personalidade, um único direito que eventualmente possa ser
desmembrado (aqui, em especial, Rabindranath Capelo de Sousa).

▪ Direitos subjectivos públicos


Jellinek introduziu este conceito, tem que ver com o status liberatis, status civitatis,
status activae civitatis, a que eventualmente se acresce o Status activus processualis.
Quando falamos em Direitos subjectivos públicos acentua-se que os direitos
correspondem a formas de o Estado se organizar e está subjacente a dimensão objectiva
dos direitos fundamentais, mas há bastantes DF que não são direitos subjectivos
públicos. Hoje em dia talvez não faça muito sentido autonomizar esta categoria pois está
claro que qualquer DF tem uma dimensão objectiva.

▪ Direitos dos Povos


Os Direitos dos Povos são direitos reconhecidos a um povo no sentido colectivamente
pensado. Mas, é um conceito muito vulnerável a questões de política stricto sensu, desde
logo a questão de o que se entende por povo. As constituições furtam-se a usar estes
conceitos, mas eles são usados internacionalmente, sobretudo pela ONU que tem mesmo
uma Carta de Direitos dos Povos O artigo 7º/1 da CRP diz respeito a relações
internacionais e não entre o indivíduo e o Estado. No art. 7º/3 constam os princípios
reconhecidos pelo Estado português no âmbito das relações internacionais –
autodeterminação, independência, desenvolvimento, direito à insurreição. Há um paralelo
que a CRP faz entre direitos dos povos e direitos fundamentais no art. 7º/3, entre o
direito à insurreição dos povos e o direito de resistência do art. 21º. Aqui a CRP
23
Direitos Fundamentais

reconhece um direito à insurreição que é reconhecido directamente para além do


eventual somatório dos direitos de resistência dos cidadãos individualmente
considerados.

▪ Interesses difusos
Correspondem a necessidades que são colectivas, que porventura cada um dos cidadãos
sente individualmente, e que têm que ser “satisfeitas”. Nos direitos subjectivos há
sempre uma relação estreita entre um sujeito e o aproveitamento específico, permitido
por uma determinada norma, de um bem12. Mas nos interesses difusos não há relação
directa entre um indivíduo e um bem porque a satisfação só pode ser conseguida pela
comunidade. Não há possibilidade de desmembramento ou subjectivação
(individualização da satisfação destas necessidade). Ver art. 52º CRP – art. 53º CPA.

▪ Garantias Institucionais
Podem ser entendidas em:
o Sentido lato: correspondem à ideia de fazer perpetuar no tempo a continuidade e
existência de uma instituição;
o Sentido mais restrito: correspondem a princípios objectivos de organização social;
Quando falamos em direitos, liberdades e garantias de religião ou imprensa, mais que
pensarmos num direito ou liberdade de religião/imprensa de cada um, estamos a
acentuar a ideia de garantia, a afirmar um princípio da organização do Estado. Segundo
Jorge Miranda enquanto os DF concedem faculdades de agir aos cidadãos, as garantias
institucionais têm um conteúdo organizatório – servem para lembrar ao Estado que se
organize de forma a respeitar/assegurar esses direitos e liberdades – aqui liberdade de
religião e imprensa.
→ A lei de RC tem que respeitar o art. 288º/d) da CRP, o que é prova evidente que os DF
– aqui como DLG – são entendidos como garantias do Estado de Direito. Para além da
perspectiva subjectiva, os DF têm também a função de garantia do Estado de Direito –
aqui os DF como uma garantia em bloco.
→ Art. 24º/2 CRP – a proibição da pena de morte é uma garantia do Direito à vida.
→ Princípio da irretroactividade da lei criminal – garantia do direito à liberdade e à
segurança.

Situações que podem ser simultaneamente entendidas como DF e GI:


→ “Separação das Igrejas e do Estado” – podemos entender que estamos perante uma
sobreposição de DF e GI ou que estamos perante um DF e uma GI.
→ Art. 36º (DF – direito a constituir família) e art. 67º (aqui já não se fala no direito
individual mas numa garantia a este núcleo família).
→Proibição de Censura – garantia do meu direito à liberdade de expressão e de
informação.
→ Art. 56º - direito à contratação colectiva (DF) e a contratação colectiva também como
GI.

12
Menezes Cordeiro define direito subjectivo como – “permissão (situação de vantagem) normativa (tem que ser
conseguida directamente pelo instrumento jurídico – caso dos DF é a CRP) específica (a cada um dos cidadãos ≠ IP –
comum) de aproveitamento (situação de vantagem) de um bem (seja ele qual for)”.

24
Direitos Fundamentais

→Art. 66º - acesso ao ensino superior – é DF e também uma GI de que o Estado deve
fazer por aumentar o número de clausus.
Ou seja, se há situações em que é fácil a demarcação DF e GI, noutras não será assim
tão fácil.

▪ Deveres fundamentais
São posições passivas13 – situações em que há uma obrigação jurídica de praticar
ou não praticar determinado facto14. Podem ser formais ou materiais. Quanto a deveres
fundamentais a CRP é muito discreta, desde logo em termos formais, pois não há uma
cláusula geral de deveres fundamentais semelhante à que existe noutras constituições
ou no art. 29º da DUDH, mas está é recebida por via do art. 16º/2. Temos apenas uma
referencia muito fugaz no art. 12º/1 – os cidadãos estão “sujeitos aos deveres previstos
na constituição”. Apesar disso podemos descortinar deveres fundamentais:
o O dever de colaborar com a administração e a justiça;
o O dever de fidelidade à Constituição, ás instituições democráticas e ao
direito, que decorrem do princípio do Estado de Direito.
Exemplos o Art. 103º/3 – Dever de pagamento de impostos;
mais o Art. 276º/1 – Direito e dever fundamental à defesa da pátria (anteriormente
flagrantes. ligado ao dever de cumprimento do serviço militar);
o Art. 36º/5 – Os pais têm o direito e o dever da educação dos filhos15;
o Art. 49º/2 – Direito de sufrágio como dever civico16;
o Art. 64º/1 – Dever de proteger a saúde pública (assim, o Estado pode prever
a vacinação obrigatória);
Mas há situações de fronteira que temos dificuldade em qualificar como direitos ou como
deveres. Por exemplo: no art. 36º/5, é difícil separar o direito à educação do dever de
educar, ou o caso do art. 49º quanto ao direito de sufrágio, ou o artigo 58º.
Nem todas as situações previstas como deveres na CRP têm sentido idêntico, quanto ao
grau de exigibilidade (dever de pagar impostos vs. o dever de educar os filhos), quanto à
generalidade ou especialidade (dever geral ou dever especial), quanto ao facto de
imporem prestações de coisa ou de facto ou deveres de omissão.

Podemos dizer que os deveres fundamentais que estão na CRP correspondem à


necessidade de adopção de um comportamento lato sensu, que resulta da CRP, que é
imposto aos participantes de uma comunidade política e que podem ser:

Por ex: o dever de educação que certos


o Deveres perante o Estado/outras instituições;
o Deveres perante outros cidadãos; cidadãos têm perante outros não pode ser
dissociado do direito à educação que existe
também no plano horizontal entre os cidadãos.

Peces-Barba Martinez entende quanto aos deveres fundamentais que a constituição só


tem legitimidade para os impor quando digam respeito a dimensões básicas ou
essenciais da vida humana em sociedade, e que têm que servir para garantir o melhor
funcionamento das instituições públicas. Distingue entre deveres previstos na

13
Enquanto os DF são posições activa.
14
Definição aproximada à do prof. Menezes Cordeiro.
15
Poder-dever ou direitos funcionais;
16
≠ Dever Jurídico, enquanto dever cívico não há possibilidade de sanção.
25
Direitos Fundamentais

constituição, e deveres previstos em lei ordinária que, por maioria de razão, têm que
obedecer a uma lógica mais restritiva. Os deveres fundamentais devem pois, sempre,
oferecer um benefício para a comunidade. Para este autor e dada a sua ideia de
legitimidade, apresenta-se uma visão contratualista dos deveres fundamentais: os
cidadãos têm os deveres que acordam ter. Esta concepção remonta a Hobbes, Locke,
Rousseau, Kant, Buchanan, Rawls, Walzer, Habermas, Dworkin.
Na sua “Teoria da Justiça” Rawls explica porquê que os cidadãos têm deveres: a
sociedade está organizada segundo uma estrutura democrática, que implica uma base
de justiça comutativa e distributiva, e como há uma base justa e democrática então os
cidadãos têm um dever genérico positivo de justiça. È aqui nítida a lógica contratualista:
se a sociedade não tiver uma base democrática e justa, isto é, se não se respeitar o
princípio do bom governo então os cidadãos têm o direito de resistência.
Para Walzer, em “As esferas da justiça”, todos os deveres do cidadão decorrem do dever
de obediência ao direito. Se para Rawls os deveres decorrem da forma de organização
social, para Walzer os deveres de cada cidadão decorrem do dever de obediência ao
direito (entendido aqui em termos materiais: enquanto adesão a um conjunto de
valores).
Paolo Bicaretti Rufia apresentou uma tipologia de Deveres Fundamentais:
Função (1) Impostos
Deveres Fundamentais A todos os cidadãos Defesa da Pátria
podem ser de:
Prestação Especifica17 - imparcialidade

(1) Situações funcionais – direitos e deveres que se relacionam com o exercício de


determinadas funções, como os titulares de determinados órgãos e agentes do
Estado; deveres que se inserem num “pacote”/estatuto. Por ex, os Deputados –
arts. 156º/158º/159º - não são DF e Deveres Fundamentais dos cidadãos, são
situações jurídicas activas ou passivas derivadas de determinada situação
funcional. Por exemplo, os arts. 130º e 157º, não são DF ou Deveres
Fundamentais, enquanto posições jurídicas subjectivas reconhecidas a todos os
cidadãos, são garantias de funcionamento dos órgãos do Estado.

Entende este autor que há ainda deveres que geram direitos. Por ex: art. 276º/4 – este
direito à objecção de consciência é um direito que surge no âmbito do exercício de um
dever, a defesa da pátria. Os deveres enquanto situação negativa podem pois ser espaço
de exercício de direitos (nomeadamente quando se trata de deveres gerais).

Para Jorge Miranda, os DF são posições jurídicas dos indivíduos que têm assento na
Constituição, quer face ao Estado, quer face aos outros cidadãos.

17
Eventualmente, algumas das situações que se prevêem como situações funcionais que não afectam todos os cidadãos caberão
também aqui.
26
Direitos Fundamentais

Características que geralmente se apontam aos DF:


✓ Universais (art. 12º CRP) e permanentes;
✓ De exercício pessoal (não pode haver delegação do exercício de DF);
✓ Não patrimoniais (insusceptíveis de avaliação pecuniária) e indisponíveis (não
posso dizer que não quero determinados DF em algumas circunstâncias);
A professora duvida destas duas últimas características que a Doutrina aponta. De
facto, temos em Portugal avaliação pecuniária de DF quando o Tribunal condena, por
exemplo, uma revista cor-de-rosa por violação da imagem. Hoje em dia, mesmo para o
valor vida está fixado um valor $ para os Tribunais. È verdade que o Estado impede, em
muitas circunstâncias, a disponibilidade dos DF mas, mesmo assim a professora dúvida.

Classificações Doutrinais dos DF


Quanto à fonte:
• DF formais: têm assento na constituição formal;
• DF materiais: têm assento na constituição material;

Quanto aos titulares:


• Direitos individuais: respeitam apenas ao indivíduo, só ele os pode invocar e
exercer;
• Direitos colectivos/institucionais18: respeitam a grupos ou a pessoas colectivas;
ainda têm um radical subjectivo, estão previstos em homenagem ao indivíduo,
mas são assegurados às instituições

Para Jorge Miranda a titularidade dos DF é sempre individual, o exercício é que pode ser
colectivo – exercício colectivo de um direito individual. Por exemplo, eu tenho o direito de
reunião mas, e se ninguém se quiser reunir comigo? Ou seja, há direitos que pressupõe
o exercício colectivo mas, que a sua titularidade é individual. Exercício de DF pelos
cidadãos no âmbito de outras associações – art. 10º/2 CRP.

Quanto aos titulares19:


• Gerais ou comuns – valem para todos, o princípio da universalidade entendido em
termos absolutos, por exemplo o direito á vida;
• Particulares – direitos atribuídos a uma classe limitada/categoria definida em
termos gerais e abstractos. Todos os que nela “caibam” beneficiam/são titulares
desses direitos. Por exemplo, os direitos previstos aos cidadãos portadores de
deficiência.

18
Ex. art. 40º da CRP; art. 41º/4 d CRP “as Igrejas são livres” - liberdade de organização e de culto das igrejas; art. 46º/2 CRP.
19
José de Melo Alexandrino distingue: direitos comuns/universais, direitos gerais e direitos particulares. Os direitos gerais são
direitos de todos os cidadãos, portanto no âmbito de um determinado Estado.
27
Direitos Fundamentais

Classificação dos DF com base positiva/ com assento na Constituição


DLG Pessoais
(arts 24º a 47º CRP)
DLG de participação
DLG política
(arts. 24º a 57º CRP) (arts. 48º a 52º CRP)
DLG dos Trabalhadores
DIREITOS (arts. 53º a 57 CRP)
FUNDAMENTAIS
Dtos. Económicos
(arts. 58º a 62º CRP)
DESC Dtos. Sociais
(arts. 57º a 79º CRP) (arts. 63º a 72º CRP)
Dtos. Culturais
(arts. 73º a 79º CRP)

Há uma distinção entre DLG e DESC, nomeadamente na relação que estabelece entre
estes direitos e o tipo – ou fase – de Estado a que correspondem.
Os DLG servem para marcar a delimitação quanto ao âmbito de intervenção dos poderes
políticos; estão ligados ao núcleo essencial do ser homem.
Os DESC implicam uma libertação das necessidades económicas básicas dos indivíduos;
estão ligados ao aproveitamento de bens económicos, sociais e culturais.
Há direitos dos trabalhadores entendidos como DLG e como Direitos Económicos.
Muitos autores utilizam só a expressão “Direitos Sociais” para se referirem a todos os
DESC, ou seja, “Direitos Sociais” pode ser utilizado para o todo ou para a parte.
Krell tem-se dedicado muito aos DF:
- DLG – direitos exercidos contra o Estado;
- DESC – direitos exercidos através do Estado, na
medida em que é necessária a sua intervenção para a
sua efectivação.
Alguns autores entendem que os DLG previstos na Constituição, quando muito
necessitam da intervenção do legislador no caso das normas não exequíveis por si
mesmas.
A “face oculta” dos DF (a questão do custo dos Direitos) é mais visível nos DESC do que
nos DLG.

28
Direitos Fundamentais

Gradação de regime dos DF


Não existe uma hierarquia de DF na Constituição, todos os DF têm a mesma dignidade
constitucional mas, há gradações quanto à diferença de força e de regime - alguns
podem ter um regime que lhes garanta uma maior tutela e protecção.
1º DF constantes do art. 19º/6 CRP;
DF a que a CRP atribui mais 2º DLG (art. 18º CRP);
tutela. Não quer dizer que são os 3º DLG de natureza análoga;
DF mais importantes, quer dizer
que a CRP “ajuda” o legislador 4º Direitos dos trabalhadores que não são DLG (art. 288º e)
definindo que estes DF não CRP);
podem ser suspensos. Mas, não 5º DESC que a Constituição reconhece como tal (arts. 58º a
quer dizer que todos os outros DF 79º da CRP);
possam ser suspensos – princípio
da proporcionalidade. 6º DESC dispersos;
7º DF extravagantes – art. 16º

DF dispersos e DF extravagantes

DF que a CRP designa como tal – arts. 24º a 79º + art. 16º + art. 17º
Mas os DF podem ser direitos dispersos ou direitos extravagantes.

DF que estão na Constituição mas não São DF que não estão na CRP mas,
na Parte I da CRP; são DF dispersos que “chegam até ela” pelo princípio
pelo texto constitucional. da cláusula aberta/ da não tipicidade
consagrado no art. 16º/1 da CRP.

E, temos ainda os DF de natureza análoga (aos DLG ou aos DESC), que podem ser
dispersos ou extravagantes.
Porquê o art. 17º, ou seja, porquê a sua referência aos DLG? Porque é o regime mais
específico.

Exemplos de DF
dispersos: Art. 10º CRP20 Art. 268º CRP21 Art. 280º CRP22;

Art. 103º/3 Art. 271º/2 CRP;


CRP
Art. 239º/4
CRP; Art. 276º/7 CRP

20
Há quem diga que apresenta uma previsão de DF mas, não tem grande utilidade já que temos depois o art. 48º CRP;
21
Art. 268º/1 – Informação procedimental específica;
Art. 268º/2 – Informação procedimental genérica – independentemente de eu fazer parte do processo, por uma questão de
transparência; foi concretizado, em 1991, pelo CPA;
Art. 268º/3 – Direito à fundamentação do acto administrativo;
Art. 268º/4 – Direito à impugnação de actos administrativos lesivos;
Art. 268º/5– Direito à impugnação de normas administrativas de eficácia externa lesivas;
22
Art. 20º CRP já vai no mesmo sentido.
29
Direitos Fundamentais

DF extravagantes:
Aqueles que podemos absorver em virtude do princípio da cláusula aberta/ da não
tipicidade do art. 16º/1 da CRP23. Este princípio existe desde a Constituição de 1911 e
deriva do 9º aditamento da Constituição Americana24. Os DF extravagantes podem
resultar de leis ordinárias ou de legislação internacional. O art. 20º da CRP, no que toca
ao acesso à justiça “em tempo útil”, quando ainda não existia, vigorava no nosso
ordenamento jurídico através do art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Exemplos de DF de natureza análoga:

o Art. 20º CRP;


Arts. 12º a 23º CRP são Princípios Fundamentais, não são
o Art. 21º CRP; DF qualificados como tal pela CRP.
o Art. 22º CRP25;

DESC que alguns autores defendem que são DF de natureza análoga aos DLG:

Art. 58º/2/b)
Art. 63º CRP – em especial 63º/4;
CRP Art. 60º CRP

Fora dos DESC, DF com natureza


análoga aos DLG
Art. 103º/3
CRP; Art. 268º CRP
Art. 59º/1/a) Art. 61º CRP
CRP
Art. 113º CRP; Art. 271º CRP;

Art. 115º/2
Art. 280º CRP;
CRP;

Art. 59º/1/b)
Art. 62º CRP
CRP

23
Pela via do art. 16º/2 da CRP, não chegam DF novos, apenas nos diz para interpretar os DF existentes à luz da DUDH.
24
Dela “herdamos” também a fiscalização difusa da Constitucionalidade.
25
Quando os agentes ou funcionários do Estado são responsáveis – direito de Regresso por parte do Estado do que pagou ao
abrigo deste artigo.
30
Direitos Fundamentais

PARTE II: REGIME DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Capítulo I: regime comum dos direitos fundamentais


Regime comum de todos os DF, independentemente de serem DLG ou DESC.
Título I, da Parte I – arts. 12º a 23º - mas, com a advertência de que sabemos que os
artigos 17º, 18º e 19º devem ser destacados e que não pertencem ao regime comum.

• Princípio da Universalidade – art. 12º CRP


Através do vínculo da cidadania reconhece direitos e deveres a todos. Apesar de os
deveres não serem muito evidentes, quanto mais que não temos uma cláusula geral de
deveres. Na realidade, porém, ainda que em geral se trate de diferenciações fundadas em
critérios objectivos, há muitos direitos que não são de todos os cidadãos, mas apenas de
algumas categorias, categorias essas determinadas em função de factores tão diversos
como a situação familiar (direitos dos pais, dos filhos, dos cônjuges), a idade (direitos
das crianças, dos jovens, dos idosos), a posição no sistema económico (direitos dos
trabalhadores) ou outras situações ainda (direitos dos refugiados políticos, dos presos,
dos jornalistas, dos consumidores, etc.). Mas, quanto a estas categorias o princípio da
universalidade verifica-se na medida em que todas as pessoas que nelas se incluem
beneficiam dos mesmos direitos e deveres. Assim, podemos conceber essas
diferenciações como sendo compatíveis com o princípio da universalidade. Na CRP, o
princípio da universalidade deve ser visto sob quatro luzes distintas:
 Historicamente: apresenta-se no constitucionalismo português como a
proclamação legalista-repúblicana (Constituição desde 1911) da ideia de
universalismo patente na Revolução Francesa. A redacção que então assumia não
é muito diferente da actual conjugação entre os artigos 12º e 15º da CRP.
 Axiologicamente: a universalidade representa um corolário natural da “igual
dignidade” de todas as pessoas, enquanto essência fundadora do sistema de
direitos fundamentais;
 Regulativamente: a universalidade deve ser lida, por um lado, em articulação com
o artigo 13º (princípio da igualdade) e, por outro, em articulação com uma serie de
disposições que se situam directamente no plano da concretização das ideias de
universalidade e igualdade (em especial, os artigos 14º (alargamento do âmbito
espacial de aplicação dos DF) e 15º da CRP);
 Do ponto de vista técnico: a norma da universalidade parece constituir (≈
mecanismos do art. 16º) uma “regra de interpretação”, que diz o seguinte: na
dúvida sobre a atribuição ou titularidade de certo direito fundamental, o intérprete
deve presumir que o mesmo foi constitucionalmente atribuído a todas as pessoas
[cidadãos]; em consequência, a exclusão da titularidade está dependente de
cumprimento do dever (ónus) de justificação;

De tudo isto resulta que:


→ Os direitos fundamentais não cabem em exclusivo aos portugueses residentes em
Portugal, abrangendo também os portugueses residentes no estrangeiro (art. 14º)26 e os
estrangeiros residentes em Portugal (art. 15º).

26
Ver art. 115º/1 sobre um direito excluído aos não-residentes;
31
Direitos Fundamentais

→ Quanto à situação dos estrangeiros que residam ou se encontrem em Portugal, vigora


também um princípio de equiparação, nos termos do art. 15º/1 da CRP. Este constitui,
também ele, um regra de interpretação ≈ à do art. 12º/1 (agora cingida aos não
portugueses): na dúvida sobre a atribuição ou titularidade de certo direito fundamental,
o intérprete deve presumir que o direito foi constitucionalmente atribuído a todos os
estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal; em consequência, a
exclusão da titularidade está dependente de cumprimento do dever (ónus) de
justificação; Mas, a regra de interpretação tem um carácter mais reduzido, em virtude da
existência (no art. 15º/2 a 5) de uma série de limitações constitucionais directos
(funcionando como excepções ou desvios) a essa presunção de equiparação. Em virtude
dessas excepções, Gomes Canotilho, entende que podem no final ser identificados nas
normas de direitos fundamentais quatro “círculos subjectivos”:
→ O círculo da cidadania portuguesa (art. 15º/2 e 3)
→ O círculo da cidadania europeia (art. 15º/5 da CRP e art. 8ºss do
Tratado da União Europeia);
→ O círculo da cidadania dos Estados de língua portuguesa (art. 15º/3)
→ O círculo da presumida regra geral da “cidadania de todos” (art. 15º/1).
→ Pode haver direitos fundamentais exclusivos dos estrangeiros, de que constitui
modelo o direito de asilo (art. 33º/8)

A titularidade dos direitos fundamentais por pessoas colectivas:


Qual é o alcance dessa opção e desta regra constitucional?
i. As pessoas colectivas, cuja personalidade já revela um declarado carácter
instrumental, regem-se antes de mais pelo princípio da especialidade, que, por si
só, já limita substancialmente a sua esfera jurídica.
ii. Quanto às pessoas colectivas, os DF não constituem respostas históricas a
problemas permanentes ou a necessidades que contendam com as esferas básicas
da existência (que, pela natureza das coisas, só releva para as pessoas singulares),
da autonomia e do poder, pelo que só de forma residual e analógica a
fundamentalidade pode estar associada a necessidades desses entes puramente
jurídicos.
iii. Como salienta Jorge Miranda27, não estamos perante uma “cláusula de
equiparação” (aos direitos fundamentais das pessoas singulares), mas sim perante
uma cláusula de limitação: “as pessoas colectivas só têm os direitos compatíveis
com a sua natureza, ao passo que as pessoas singulares têm todos os direitos
[…]”; para essa ideia de limitação concorrem, além de outros já referidos, diversos
factores: os termos usados no texto constitucional; a necessária redução do
âmbito dos DF em causa; a presunção à luz da DUDH, de que a titularidade é
individual [ou como se diz no art. 288º/d), “dos cidadãos”];
iv. Pode entender-se aliás, na lógica do conceito de “norma de garantia”, que a
extensão não é tanto da titularidade dos DF quanto de certos “efeitos de
protecção” assegurados pela norma.

2727
Partilha de uma concepção ampliativa da titularidade dos DF por pessoas colectivas, contrariamente a Vieira de Andrade.
32
Direitos Fundamentais

• Princípio da Igualdade – art. 13º CRP


È o principal eixo estruturante do sistema de direitos fundamentais. Ligado à ideia de
justiça, à luta contra privilégios e à dignidade da pessoa humana, reúne, por um lado,
as diferentes dimensões que foram sendo apuradas ao longo do tempo, mas, por outro
lado, é um princípio aberto a novas utilizações e realidades.
O princípio da igualdade segundo o Tribunal Constitucional
- Qualificado com estruturante, como um valor supremo do ordenamento;
- É um valor constitucional que modela todo o ordenamento jurídico, designadamente
como critério de interpretação desse ordenamento e da Constituição;
- Requisito do Estado de Direito, pois este pressupõe a igual protecção dos direitos;
- O conceito de igualdade tem sido entendido como um conceito histórico, relativo e
relacional, que tem de ser (re)construído atendendo aos valores constitucionais no seu
conjunto, não havendo por isso lugar a uma resposta mecânica.
- O princípio da igualdade irradia para todos os mais importantes domínios do Direito
Constitucional (substantivo e processual), desde os direitos de liberdade e os direitos
sociais, à democracia política (igualdade de participação e igualdade de sufrágio), aos
direitos de protecção (tutela jurisdicional efectiva e seus corolários), à universalidade dos
direitos, até aos mecanismos de controlo.

Expressões da igualdade na Constituição


- Igualdade na família;
- Igualdade na esfera religiosa;
- Igualdade de armas no processo penal;
- Igualdade no sufrágio;
- Igualdade no acesso à função pública;
- Igualdade perante os encargos públicos;

Carácter multidimensional da Igualdade, já que ela pode ser percebida na CRP como:
- Uma aspiração da comunidade;
- Um valor constitucional e um princípio constitucional estruturante (que se revela e
projecta nos mais variados princípios e regras constitucionais);
- Uma dimensão relevante das tarefas políticas do Estado, acompanhada de uma ampla
serie de comandos de diferenciação material.
- Uma qualidade dos direitos fundamentais;
- Um pressuposto e uma componente da democracia política e do Estado de Direito;
- Um critério jurídico de interpretação e um critério ou parâmetro de controlo;
- Um elemento de base de direitos especiais de igualdade;

A interpretação do artigo 13º da CRP


O artigo 13º/2 enuncia o princípio geral da igualdade, que a CRP associa à dignidade –
“dignidade social” – e daí a articulação (estabelecida pelo TC) na fórmula da “igual
dignidade”, entendida como o eixo em torno do qual gira o Estado do Direito. Como tem
salientado Peter Haberle, constitui especificidade da Constituição portuguesa a ligação
entre o seu art. 1º e o seu art. 13º/1.

i. “Todos os cidadãos são iguais perante a lei”.

33
Direitos Fundamentais

Igualdade na aplicação do Direito e igualdade na criação do Direito.

As normas devem ser interpretadas No seu conteúdo, a lei deve proteger todas as pessoas
e aplicadas sem fazer distinções de forma intrinsecamente igual – equal protection and
entre os destinatários; raiz histórica benefit of the law. Historicamente, a igualdade, neste
associada ao Estado de Direito sentido, pressupunha a lei geral e abstracta, mas com a
liberal. superação do Estado liberal, a igualdade na criação do
Direito passa a ser entendida também como exigência
de tratamento igual do que é igual e de tratamento
desigual do que é desigual. Assim, incorpora-se uma 3ª
componente: a dimensão de igualdade material.

Entre, nós, o princípio geral da igualdade não tem sido tomado (nem pela doutrina, nem
pela jurisprudência, nem pelo legislador) como direito geral de igualdade. Em
contrapartida, é generalizadamente aceite a existência de direitos especiais de igualdade
[ex: art. 26º/2; art. 36º/1, 3 e 4; art. 38º/4, art. 41º/2 a 5; art. 47º/2, art. 50º/1; art.
55º/2; art. 58º/2/b); etc.].

Há quem entenda que o princípio geral da igualdade não deve ser visto como um direito
das pessoas mais do que como um dever do Estado. Este traduz-se na necessidade de
justificação (ou seja, da presença de fundamento material bastante) em todas as acções
ou intervenções do Estado que se mostrem em contradição (potencial ou real) com a
“referência” da igualdade. Assim, segundo esta tese a igualdade é primeiro um dever e só
depois um direito; refere-se a acções do Estado (descrevendo um dever deste), sem que
daí resulte de imediato um direito para os particulares28.

ii.
O art. 13º/2 não proíbe as discriminações em geral mas tão-só as discriminações
infundadas.
- Os factores (as “categorias suspeitas”) enunciados no art. 13º/2, fazem parte de uma
lista aberta e exemplificativa (e não taxativa);
- O princípio da proibição de discriminações traduz uma norma geral que cede perante
norma especial;
- O principio da proibição de discriminações funciona essencialmente como presunção
no sentido de que qualquer discriminação estabelecida em função desses factores
suspeitos será inconstitucional, a menos que se prove a presença de uma adequada
justificação constitucional, activando-se aí um critério de controlo acrescido;
- O critério que tem sido tradicionalmente utilizado pelo TC para avaliar o fundamento
dessas discriminações tem sido o da “proibição do arbítrio”29 – proibição das
diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante ou assentes em
categorias meramente subjectivas ou não justificadas à luz dos valores constitucionais.
- O art. 13º/2 não enuncia qualquer direito fundamental, ainda que lhe possa ser
estendido o regime dos DLG.

28
Diferentemente estaria a liberdade: esta é primeiro um direito e só depois um dever; tem a ver com acções das pessoas (descritas
como direito destas), obrigando-se o Estado a perseguir esse fim;
29
Considerado insuficiente pela doutrina.
34
Direitos Fundamentais

Vertentes, dimensões e funções do princípio da igualdade


Multifuncionalidade do princípio da igualdade
i)

1. Do ponto de vista da esfera de acção regulada pelo Direito, o


princípio da igualdade é, primeiramente, um dever do Estado;
2. É um princípio constitucional estruturante de cariz
Vertente
transversal, na base do qual assenta toda a arquitectura do
objectiva
sistema;
(dominante)
3. Transparece ainda de modo singular nas funções de critério de
interpretação e de critério de controlo das intervenções do
Estado;
1. A igualdade qualifica cada um dos direitos fundamentais
(direitos de igual liberdade e de igual participação, direitos de
promoção da igualdade);
2. A ideia de igual dignidade está na base do critério da
Vertente
fundamentalidade material e na base da concepção positiva e
subjectiva
teórica dos direitos fundamentais;
3. Existência de uma série de direitos especiais de igualdade;
4. Da vertente objectiva deriva ou pode derivar uma protecção
subjectiva

ii)

O princípio afirma a “igualdade de todos perante a lei”,


Dimensão pressupondo o princípio da legalidade, a tendencial
negativa universalidade da lei e a projecção da dimensão temporal do
Direito.
O princípio afirma a “exigência de tratamento desigual daquilo
que é desigual”, na medida da diferença, pressupondo assim a
Dimensão introdução de compensações que atenuem as desigualdades de
positiva partida: daí as ideias de igualdade de oportunidades, de
igualdade fáctica (articulada com a justiça social e a
solidariedade) ou de discriminações positivas.

iii) Pelo menos à luz da jurisprudência constitucional, o princípio da igualdade


desempenha, entre outras, as funções matricial, restritiva e instrumental.

• Princípio da proporcionalidade
Subprincípio do Estado de Direito, tem a sua centralidade máxima no art. 18º/2 da
CRP, que também resulta nas suas três vertentes (necessidade, adequação e proibição
do excesso), ao art. 2º da CRP (Estado de Direito Democrático).
Esta cada vez mais assente no entendimento da doutrina e até da jurisprudência, de
que este princípio é também aplicável aos DESC, nomeadamente, em matéria de
restrições e na afectação de direitos pelo legislador ordinário, e que é relevante para o

35
Direitos Fundamentais

entendimento e a aplicação concreta de alguns dos princípios do regime geral


(designadamente do princípio da igualdade). Tem-se afirmado ainda que a insuficiência
do limite negativo da “proibição do arbítrio” para aferir o fundamento das diferenciações
de tratamento pode ser colmatada, em grande medida, pelo princípio da
proporcionalidade.

• Princípio da protecção da confiança


Constitui uma das componentes materiais essenciais do Estado de Direito (enquanto
garantia contra o arbítrio e o poder ilimitado do Estado), estando esse conteúdo
normativo reconhecidamente garantido no art. 2º da CRP (Estado de Direito
democrático), enquanto parte integrante do princípio mais vasto da segurança jurídica. A
protecção da confiança, não constituindo em si mesma um direito fundamental,
representa o lado subjectivo da segurança jurídica, que, em múltiplas hipóteses, pode
assegurar uma protecção equivalente à de um verdadeiro DLG. Mas, tal como as demais
normas constitucionais, a protecção da confiança é um princípio limitado, desde logo
por três outras realidades: a margem de conformação do legislador; a relação entre o
tempo e a rigidez regulativa; e o postulado da flexibilidade (que implica a possibilidade
de livre revisão das opções politicas da comunidade). A questão essencial é saber até
onde é que o legislador pode ir na frustração dos direitos e expectativas formadas à luz
de um certo quadro legislativo (ex: alteração da idade de reforma). Para responder temos
que partir do entendimento de que o princípio da protecção da confiança constitui uma
garantia de “projecção variável” que só pode ser efectivamente esclarecida perante as
circunstâncias de cada caso. Além disso, há que considerar três hipóteses distintas de
aplicação da lei no tempo:
1) A lei aplica-se a situações jurídicas a constituir no futuro: a liberdade do legislador
é total, não há uma questão da protecção da confiança;
2) A lei aplica-se a situações jurídicas constituídas no passado, mas que prolongam
os seus efeitos no futuro: estamos já perante um certo grau de retroactividade, a
resposta a dar ao problema depende da ponderação dos bens e interesses em
confronto na situação concreta: ou outros interesses em jogo têm de ser
equilibrada, segundo o princípio da proporcionalidade, com os interesses da
protecção da confiança. Na dúvida e por exigência do princípio democrático, a
decisão deve ser favorável à realização dos interesses da comunidade, segundo a
regra do primado da decisão do legislador.

3) A lei aplica-se a situações jurídicas constituídas e esgotadas no passado: a


presunção é a de que a lei é inconstitucional (presunção que é absoluta nos casos
do art. 18º/3, do art. 29º e do art. 103º/3 da CRP). No entanto, a
inconstitucionalidade pode, excepcionalmente, ser afastada pelo reconhecimento
do peso superior de um determinado interesse público ou por uma determinada
constelação de interesses e interesses.

• Princípio do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva


Consagrado no artigo 20º da CRP, apresenta-se como uma típica estrutura
compreensiva (desde logo, um cluster-right, ou seja, um feixe de direitos): com inúmeros
afloramentos e concretizações no texto constitucional (ex: art. 29º/6, art. 31º, art.
32º/2,5 e 9, art. 52/1 a 3), múltiplas vertentes (desde logo a de direito de defesa dos
particulares através dos tribunais contra actos dos poderes públicos e a de direito de
36
Direitos Fundamentais

defesa dos particulares, através dos tribunais, a protecção do contra actos de


particulares) e múltiplas dimensões (direito a conformação jurídica e direito a prestações
positivas do Estado, envolvendo ainda inúmeros deveres de organização e protecção e
uma devida institucionalização).
O direito geral à protecção jurídica envolve necessariamente o direito a uma decisão
judicial em prazo razoável e mediante processo equitativo (art. 20º/4 CRP).

Múltiplos corolários:
- O direito a obter uma decisão de mérito sobre o
fundo da causa;
- O direito a que os pressupostos processuais
sejam conformes à essência do princípio geral;
- A garantia da devida execução das sentenças
dos tribunais.

Em alguns casos, a CRP prevê que exista um “reforço de protecção jurídica” de certos
direitos (ex: art. 20º/5) ou institui de imediato fórmulas para esse efeito (ex: habeas
corpus – art. 31º - que constitui uma modalidade de acção de defesa do direito à
liberdade). Ainda assim, a nossa Constituição não instituiu uma forma de acesso directo
das pessoas ao TC para impugnação da violação de direitos fundamentais (em especial
DLG pessoais), pelos órgãos do Estado em geral ou por decisões dos tribunais.

• O direito de resistência30
Consagrado no artigo 21º da CRP, foi durante muito tempo considerado a pedra de
toque do regime dos DLG, pois representava a ideia de efectividade (prática) do
reconhecimento de DLG, hoje tem-se como umas das expressões visíveis da
aplicabilidade directa dos DLG. Jorge Miranda acentua que no direito de resistência
“ressalta, mais uma vez, o contraste entre DLG e direitos sociais”. È uma regra sobre
direitos, uma forma de (auto)tutela dos DF, mas também um verdadeiro direito
autónomo, considerado como DF de natureza análoga. A resistência pode ser passiva ou
activa, vale para os poderes públicos e pode ser feita valer nas relações privadas,
servindo para proteger a generalidade dos DLG.
- Efeitos do direito de resistência:
 A justificação jurídico-criminal do facto (art. 31/2/b CP);
 A desnecessidade de previa decisão judicial.
Vieira de Andrade: o direito de resistência é “um meio que, em regra só tem sentido
como ultima ratio, e de que o particular deve, em qualquer caso, fazer uso prudente,
quando esteja convencido, pela gravidade e evidência da ofensa, de que há violação do
seu DF”, tendo a esse respeito inteira razão de ser a aplicação das máximas da
proporcionalidade.
Alem deste princípio geral, a CRP consagra outras modalidades de resistência,
nomeadamente:
 Direito colectivo dos povos à insurreição contra todas as formas de opressão
(art.7º/3, in fine);
 Direito ao não pagamento de impostos inconstitucionais (art. 103º/3)

30
José de Melo Alexandrino inclui-o no regime específico dos DLG.
37
Direitos Fundamentais

 Garantia da cessação do dever de obediência dos funcionários e agentes das


entidades públicas sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique
a prática de um crime (art. 271º/3).

• Responsabilidade civil das entidades públicas31


Corolário do princípio do Estado de Direito, obteve uma previsão expressa no art. 22º da
CRP. A opinião dominante na doutrina é que se trata de um DF de natureza análoga a
DLG, mas o TC tem entendido que do art. 22º da CRP não atribui direitos subjectivos,
modelando apenas o instituto da responsabilidade civil (reconhecido com uma garantia
institucional), cuja densificação tem que ser deixada ao legislador.
Os pressupostos da responsabilidade civil são os gerais:
 Ilicitude (violação de um DLG ou de outras normas de protecção análogas);
 Culpa
 Dano
 Nexo de causalidade entre a culpa e o dano
Mas, há também um regime particular que assenta nos seguintes traços:
 A responsabilidade é solidária (envolvendo tanto o Estado como os titulares,
funcionários e agentes);
 Pode haver responsabilidade tanto por acções como por omissões (por exemplo,
por grave omissão legislativa ou por insuficiente protecção de um direito pessoal);
 Pode haver responsabilidade civil tanto por actos políticos e legislativos
inconstitucionais como por actos administrativos e jurisdicionais.

• Mecanismos de defesa
Vieira de Andrade: a garantia principal dos direitos fundamentais “resulta deles
próprios, do seu enraizamento na consciência histórico-cultural da humanidade e da
sua tradução estrutural em cada sociedade concreta”. Nessa medida, todo o
ordenamento jurídico de uma comunidade está ao serviço da tutela dos direitos
fundamentais.

→ Mecanismos de defesa jurisdicionais (os que implicam o recurso aos tribunais)


 Habeas corpus;
 Providências cautelares da jurisdição administrativa;
 Impugnação contenciosa ou o recurso contencioso de anulação de actos
administrativos;
 O direito de invocar, em qualquer processo pendente perante qualquer tribunal
(art. 204º CRP), a inconstitucionalidade de uma norma ou normas jurídicas
relevantes para a decisão do litígio.

→ Mecanismos de defesa não jurisdicionais:


 Direito de petição (art. 52º/1, art. 270º CRP);
 Direito de queixa ao Provedor de Justiça (art. 23º CRP ):
É um DF de natureza análoga a DLG; é um poder que assiste a todos os cidadãos,
estrangeiros e a certas entidades colectivas. O Provedor de Justiça é um órgão do
Estado, independente e inamovível, cuja origem remonta aos países nórdicos. È
essencialmente um órgão de garantia dos direitos fundamentais perante os

31
José de Melo Alexandrino inclui-o no regime específico dos DLG.
38
Direitos Fundamentais

poderes públicos. Os seus instrumentos de acção são, em geral os seguintes:


emissão de recomendações; apresentação de relatórios; desencadeamento junto do
TC da fiscalização abstracta da constitucionalidade das normas jurídicas (art.
281º/1 da CRP) e da verificação da inconstitucionalidade por omissão (art. 283º
da CRP). Os órgãos a quem se dirige têm o dever de comunicar, no prazo de 60
dias, a posição que pretendem adoptar a respeito da recomendação recebida,
devendo justificar devidamente a recusa de acatamento da mesma. Além disso os
órgãos visados têm um dever estrito de cooperação com o Provedor de Justiça (art.
23º/4 da CRP).
 Actuação de certas autoridades administrativas independentes e certos
organismos do Estado:
Comissão de Protecção de Dados, Entidade Reguladora da Comunicação Social, a
Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, o Alto Comissariado para
as Minorias Étnicas, …

 A função de protecção presente no exercício da generalidade dos DLG relativos a


“acções”: direitos com reflexos políticos (a liberdade de expressão em assuntos
políticos, o direito de informação, o direito de reunião, o direito de manifestação ou
o direito de petição); liberdades económicas e nos DLG das esferas da família, da
educação e da religião;

→ Mecanismos de protecção internacional e comunitária (ver aula)

Capítulo II: regime específico dos DLG

Dimensão Material:

• Aplicabilidade directa
Encontra-se prevista no art. 18º/1 da CRP e significa que os preceitos que enunciam
DLG são normas susceptíveis de execução imediata (constituem direito actual e efizaz),
podendo ser directamente invocadas pelos seus beneficiários. A aplicabilidade directa é
uma consequência, por um lado, da “vinculatividade plena” dessas normas de direitos
fundamentais e, por outro lado, é ainda consequência de o conteúdo de certos direitos
fundamentais estar imediatamente configurado na Constituição: pode-se chegar à
determinação do conteúdo do direito por mera interpretação das normas constitucionais
(sem necessidade de lei). Estamos aqui perante algo mais intenso do que já resultaria do
princípio da constitucionalidade (art.3º/3 da CRP): a forma, o conteúdo e a aplicação da
lei tem de fazer-se em conformidade com a Constituição. Ora, no domínio dos DLG, a lei
recebe uma “segunda instrução” de constitucionalidade: a lei nunca poderá exorbitar do
âmbito constitucional (dos efeitos de protecção que irradiam) dos DLG. Mas, atenção a
esta “segunda instrução”:
- Ela não impede o legislador de editar leis a respeito desses direitos (designadamente de
leis que disciplinem o respectivo exercício, que previnam abusos ou harmonizem
conflitos entre os distintos direitos);
- Nem todos esses preceitos constitucionais são plenamente exequíveis por si mesmos, já
que alguns deles carecem de uma necessária complementação legislativa (ex: art. 26º/2,
ou o art. 35º/1 da CRP). Neste caso a aplicabilidade directa implica que o legislador está,
de imediato, obrigado a emitir a(s) lei(s) necessárias para a plena exequibilidade desses

39
Direitos Fundamentais

DLG. Não o fazendo, ocorrerá inconstitucionalidade por omissão (art. 283º CRP) – é a
esse propósito que se fala na doutrina em “omissões absolutas”;

No caso de normas de DLG exequíveis por si mesmas, o sentido da aplicabilidade directa


consiste na possibilidade da imediata invocação dos direitos pelos seus beneficiários,
devendo o juiz, caso tal se mostre necessário, preencher lacunas ou “espaços em branco”
que eventualmente se lhe deparem no processo de aplicação.
- Não podemos fazer derivar da ideia de aplicabilidade directa das normas de DLG a
conclusão de que estes seriam afinal direitos subjectivos.

• A vinculação das entidades públicas


Os direitos fundamentais nasceram e desenvolveram-se como garantias concretas de
liberdade das pessoas contra o Estado (as entidades públicas em geral), evolução que
veio a desembocar na moderna sugestão de que os direitos fundamentais são trunfos
contra o Estado.É esta a ideia que o art.18º/1 pretende exprimir, ao reconhecer que as
entidades públicas são as primeiras destinatárias (o sujeito passivo) das normas de
DLG.
 Os DLG, seja qual for a forma de actuação, vinculam directamente todas as
funções do Estado32;
 São destinatários todos os órgãos e agentes do Estado, das regiões
autónomas, das autarquias locais e das demais pessoas colectivas públicas
e ainda as pessoas colectivas privadas que exerçam poderes públicos (como
os concessionários de serviços públicos);
 A vinculação existe mesmo quando os poderes públicos estejam a actuar no
âmbito de regras de Direito privado.

i. Os órgãos do Estado, na sua acção política, têm sempre que, em quaisquer


procedimentos, actos ou actividades, respeitar os DLG. O facto de as actuações
violadoras poderem não ter uma sanção jurisdicional efectiva não significa que
não exista uma vinculação constitucional clara nesse domínio.

ii. O legislador:
 Não pode designadamente editar leis que afectem desfavoravelmente o
conteúdo jurídico-constitucional dos direitos fundamentais, quer por
contradição ou lesão directa, quer por violação dos requisitos constitucionais
aplicáveis;
 Ao concretizar, desenvolver e configurar os direitos fundamentais e a própria
ordem jurídica, o legislador está vinculado a adoptar as soluções que se
conformem com os efeitos de protecção das normas de DLG;
 Existe para o legislador, um dever geral de protecção e diversos deveres
especiais de protecção de DLG, seja essa protecção jurídica ou não jurídica;
 Dimensão de institucionalização, organização e processo;

iii. Quanto à administração pública (central, regional, local, civil ou militar, etc.), a
sua subordinação ás regras e aos princípios constitucionais está expressamente
prevista no art. 266º/1 e 2 da CRP. Assim, toda a actividade administrativa e

32
Sem excluir a própria função de revisão constitucional.
40
Direitos Fundamentais

todos os órgãos e agentes da administração têm um duplo dever de respeitar os


DLG. Em caso de desrespeito por um desses direitos, há pelo menos três institutos
a reter:
 É de admitir o exercício de poder de substituição por parte dos órgãos
hierarquicamente superiores (que podem e devem revogar o acto do
subalterno);
 Segundo o art. 133º/2/d) do CPA, um acto administrativo que ofenda o
conteúdo essencial de um DLG é nulo (e não meramente anulável);
 Nos arts. 109º a 111º, 131º e 142º do novo CPTA, prevê-se uma serie de
providencias cautelares e urgentes que podem ser decretadas pelos
tribunais administrativos em caso de violação ou iminência de violação de
DLG.

Têm-se discutido a seguinte questão: estando perante uma lei inconstitucional, por
violação de DLG, poderão os órgãos administrativos recusar-se a aplicar essas normas
legais (desaplicação)? Em geral, não.

- Do texto constitucional deriva que o legislador constituinte não quis


estender o poder de desaplicação de normas inconstitucionais à
administração pública. Pelo contrário, submeteu-a, expressamente, ao
princípio da legalidade (art. 266º da CRP); os tribunais também estão
vinculados à lei (arts. 202º/2 e 203º), mas viram reforçada a respectiva
vinculação à CRP através da expressa previsão de um poder de
desaplicar normas que infrinjam as regras ou os princípios constitucionais
(art. 204º CRP);
- Por força do princípio da separação de poderes;

Mas, podem ser identificadas algumas excepções à regra da impossibilidade de


desaplicação pela administração de leis violadoras de DLG, designadamente as
seguintes:
1. Cessação do dever de obediência hierárquica sempre que o cumprimento das
ordens ou instruções implicar a prática de qualquer crime (art. 271º/3 da CRP),
garantia considerada DF de natureza análoga a DLG.
2. Desaplicação das leis juridicamente inexistentes (situações de aparência de acto
legislativo, sem possibilidade de identificação formal ou orgânica com a
Constituição);
3. Operação, pela Administração, do critério da interpretação conforme à
Constituição, ou seja, quando o operador administrativo, confrontado com
diversos sentidos possíveis emergentes de um preceito legal e concorrentes entre
si, opta pelo sentido que se mostrar mais conforme à CRP, excluindo os restantes;
4. Desaplicação de leis que configurem grosseira e patente violação do conteúdo
indisponível de um DLG pessoal plenamente configurado na Constituição.

iv. Quanto aos tribunais, sendo eles o último reduto da tutela dos DLG, a CRP
conferiu-lhes, por um lado, o poder de apreciarem a inconstitucionalidade e de

41
Direitos Fundamentais

desaplicarem todas as normas (e não só as leis) que infrinjam as regras ou


ofendam os princípios constitucionais. Por outro lado, é aos tribunais que, na
generalidade dos casos, compete a aplicação-concretização das normas
constitucionais de DLG, ás quais, no seu conjunto e em articulação com as
circunstâncias do caso, devem conferir a máxima eficácia possível.

• A Vinculação das entidades privadas

Qual o sentido a conferir a este enunciado? Resposta tem sido dada a partir de
vários modelos explicativos:
 Doutrina da eficácia indirecta (ou da aplicação mediata)
 Doutrina da eficácia directa (que pode operar de modo mediato ou de modo
imediato)
 Doutrina dos deveres de protecção estadual.

Eficácia indirecta: os DF são direitos perante o Estado, podendo atingir os


privados apenas de forma indirecta e mediata, em especial através da lei e dos
princípios e regras do Direito privado: são os princípios da liberdade, da
autonomia e do desenvolvimento da personalidade que devem constituir a regra
básica a observar neste domínio.
Eficácia directa: na sua formulação extrema, os DF (DLG) têm uma eficácia geral
(erga omnes), não são apenas direitos perante o Estado, mas também perante os
privados (vinculam directamente e se forma imediata33, as pessoas singulares e
colectivas privadas);
- Aplicabilidade imediata: essa vinculação decorre directamente dos
preceitos da Constituição
Dever de protecção: existe uma especial vinculação do Estado no sentido de
promover, através de um conjunto variado de meios, que o gozo e o exercício dos
DF seja defendido de quaisquer ameaças, incluindo actuações de terceiros (sejam
eles entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras). Em termos
próximos os direitos fundamentais são entendidos como imperativos de tutela
(Canaris).

José de Melo Alexandrino: defende a doutrina da eficácia indirecta. Temos que


partir da regra de que num ordenamento de Estado Constitucional, os DF
constituem garantias jurídicas dirigidas contra o Estado ou principalmente contra
o Estado. E, não há verdadeira excepção a esta regra, só adoçamentos. Não pode
haver um DF que tenha como destinatário exclusivo entidades privadas, na
medida em que um direito que tenha como único sujeito passivo entidades
privadas ou não é um verdadeiro DF ou não pode deixar de ter como destinatário
principal o Estado.
Ao observarmos o Título II da Parte I da CRP, alguns DLG parecem estar aí
formulados no sentido de abranger imediatamente, também, as entidades
privadas: arts. 27º/2, 34º/3, 1ªparte, 37º/4, 50º/2. Nestas situações temos o um
adoçamento da regra, mas não excepção, porque em todas elas há pelo menos um

33
Mas atenção alguns defensores desta doutrina concebem-na com uma aplicação mediata.
42
Direitos Fundamentais

dever de protecção dirigido ao Estado como conteúdo principal da correspondente


garantia constitucional.

É preciso notar que, por um lado, são muitos diferenciados os DLG, havendo
muitos em que não se coloca a qualquer problema de privados; por outro lado
temos que distinguir duas situações:
➢ As relações típicas entre particulares (entre iguais): funcionará plenamente a
regra geral, regendo então o princípio da autonomia e da liberdade, que não
deve ser afastado pela aplicação directa das normas de DLG. No caso de
colisões normativas, estas devem ser resolvidas através da aplicação de
regras de Direito privado (e, à falta de outras, através de clausulas como as
de ordem pública ou dos bons costumes).
➢ As relações privadas de poder: aqui pode justificar-se uma aplicação
imediata de certos preceitos constitucionais de DLG e de realidades a eles
análogos. Mas, ainda aqui, fora de esquemas de como os da interpretação
conforme à Constituição, deve ser o legislador a activar o dever de protecção,
no sentido de proteger a situação jusfundamental da parte mais débil.

Limites materiais de revisão


Art. 288º/d) da CRP – Qual o sentido e qual o alcance a dar a esta regra constitucional?
Duas orientações na doutrina:
 A cláusula garante a irrevisibilidade de todos e cada um dos DLG, que não podem
assim ser abolidos, nem restringidos, por lei de revisão constitucional;
 A cláusula destina-se a garantir apenas o sistema de DLG, podendo a lei de
revisão suprimir ou afectar o conteúdo essencial de alguns direitos e, por maioria
de razão, restringi-los.

Posição defendida por José de Melo Alexandrino

Os limites materiais apenas protegem princípios (essências ou conteúdos identificadores) da Constituição,


e não cada uma das regras ou das expressões constitucionais enunciadas num determinado momento.
Portanto o art. 288º/d) tem por objecto o cerne do sistema de DLG, concedendo-lhe uma protecção
directa e uma protecção indirecta.
- A cláusula assegura directamente a protecção de dois elementos: 1) o respeito pelo objecto e pelo
conteúdo nuclear de todos os DLG que sejam direitos individuais, autónomos e primários; 2) em função
do tempo, o respeito pelo princípio do não retrocesso global do quadro de garantias constitucionais dos
DLG.
- A cláusula protege, indirectamente, o conjunto de princípios subjacentes a esses DLG.

43
Direitos Fundamentais

Restrições dos DLG

Afectações: acções que atingem desfavoravelmente a norma, o objecto, o conteúdo ou


outros efeitos de protecção de um DLG, sendo que estas acções tanto podem provir dos
poderes públicos como de privados ou dos próprios titulares dos DLG. Correspondem
um conjunto muito vasto de hipóteses, cujo resultado importa sempre uma perturbação
ou prejuízo no DF.

As afectações de DLG podem ser legítimas, mas também podem ser inconstitucionais. E
mais, uma afectação à partida legitima pode afigurar-se inconstitucional (por não ter
respeitado os parâmetros definidos para a sua produção).

São em geral legítimas, desde que cumpram os requisitos constitucionais que lhes são
aplicáveis, as seguintes modalidades de afectação de um DLG:
 As restrições
 As intervenções restritivas
 A suspensão de DLG
 A existência de relações de estatuto especial
 A extinção de um DLG, conforme ao sentido do limite material de revisão;
 A auto-limitação de direitos;
 As limitações;
 Outras situações de colisão normativa;

São inconstitucionais:
 O sacrifício (que corresponde a uma hipótese qualificada de violação do direito à
vida);
 A violação de qualquer DLG
 A renúncia a um DLG considerado em abstracto
 A extinção pelo legislador de um DLG individual, autónomo e primário

São ainda inconstitucionais, por falta de previsão dessas figuras na CRP:


 A perda de direitos
 A derrogação legislativa
 Excepção (duvidoso34)

Antes de mais importa reter 3 ideias:

1. Os DLG (como DF em geral) são diferentes uns dos outros: na sua estrutura, no
seu peso axiológico, na sua formulação jurídica, na sua articulação com outras
normas da Constituição e nas respectivas possibilidades de afectação – postulado
da diferenciação.
2. Não há DLG (nem DF) ilimitados: eles são limitados desde logo pela presença de
outros direitos, bens e interesses tutelados, pela existência de outros titulares –
postulado da relatividade.

34
Porque dentro de determinados limites pode ser considerada uma afectação legítima: no caso de limite constitucional directo ( é
prevista pela própria CRP) e de limite constitucional indirecto (introduzido por uma lei restritiva, por uma lei com base numa
autorização constitucional)

44
Direitos Fundamentais

3. Um DF, seja ele qual for mas sempre diferenciadamente, pode sofrer múltiplas
formas de compressão e múltiplas modalidades de afectação – postulado da
mobilidade.

No plano dos modelos teóricos …


a)

Teoria externa dos limites Teoria interna dos limites


A restrição constitui uma acção estatal que Os limites são dimensões intrínsecas aos
actua de fora para relativamente ao direito direitos (não há lugar para o conceito de
(afectando o bem ou interesse legalmente restrição, nem para a distinção entre o
protegido). Não há identidade entre o âmbito de protecção e o âmbito de garantia
âmbito de protecção e o âmbito de garantia efectivo do direito). Cabe ao legislador a
efectivo do direito (autonomizando tarefa de determinação do conteúdo e dos
claramente o DF, de um lado, e as limites de cada DF.
restrições que lhe são externamente Aqui se inclui a doutrina dos limites
colocadas, do outro). Para que uma imanentes (limites que à partida,
restrição intervenha no âmbito de intrinsecamente, já existem no próprio
protecção de um DF é, além disso, direito).
necessária uma 1ªfase: a delimitação
prévia do âmbito de protecção do direito.
Âmbito de garantia efectivo = direito
“inicial” + restrições

b)
Teoria ampla da previsão Teoria restrita da previsão
Todas as hipóteses que possam Há hipóteses que, muito embora pudessem
teoricamente caber na previsão do direito reentrar na previsão de um direito, não
não podem à partida ser excluídas do podem afinal considerar-se protegidas pelo
direito. DF, cuja previsão deve pois ser
interpretada restritivamente.

c)
DF como princípios DF como garantias concretas e pontuais
Partem de uma distinção entre regras e Os DF são garantias pontuais que, uma
princípios: se as normas DF forem regras vez delimitadas, não podem ser livremente
(comandos definitivos), os direitos por elas restringidas por uma possibilidade de
garantidos são direitos definitivos, não ponderação com outros bens e interesses.
admitindo por isso nenhuma restrição; se
forem princípios (mandatos de
optimização) os direitos por eles garantidos
podem ser restringidos em face do peso de
princípios opostos (segundo a “lei da
ponderação”).

45
Direitos Fundamentais

Em termos práticos, e perante o texto da CRP:


a) Há quem admita a figura dos limites imanentes e os que a recusam;
b) Há quem, distinguindo entre restrições e limitações, associam a essa distinção
determinadas consequências ao nível do regime aplicável e os que recusam fazer
corresponder a um diferente qualificação da intervenção legislativa diferenças de regime;
c) Há quem reconheça no art. 29º/2 da DUDH a presença de uma cláusula de autorização
de restrições e os que recusam tal entendimento;
d) Há quem reconheça a inevitabilidade da ponderação de bens e os que levantam reservas a
essa metodologia;

Limites dos DF: são normas que, de forma duradoura, excluem directamente âmbitos ou
efeitos de protecção ou que são fundamento susceptível de afectar as possibilidades de
realização de normas jusfundamentais, ou seja, são normas que excluem a protecção ou
afectam as possibilidades de realização de um DF.

Restrição: acções normativas que afectam desfavoravelmente o conteúdo ou o efeito de


protecção de um DF previamente delimitado.

As restrições são uma das modalidades de intervenção do Estado-legislador num DF. A


sua feição normativa traduz-se na modificação do nível de protecção precedente e o que
dela resulta é a fixação do âmbito de protecção efectivo do direito. Mas, nem todas as
intervenções do Estado sobre os direitos constituem restrições: pode haver intervenções
do legislador muito distintas das restrições, como quando ele apenas condiciona ou
regulamenta um direito, quando concretiza uma norma não exequível, quando configura
um direito carecido dessa cunhagem legislativa ou quando desenvolve e facilita o
exercício dos direitos. Uma vez delimitado o âmbito de protecção do direito, é necessário
verificar se a medida adoptada é uma restrição, ou seja, se efectivamente comprime as
faculdades ou os efeitos amparados pelo direito, se dela resulta uma efectiva diminuição
das faculdades protegidas pelo direito ou se simplesmente ocorre uma diminuição das
condições de tempo, modo e lugar de exercício (ex: a exigência de comunicação prévia
nas manifestações, a prescrição de um prazo, etc.). Estas situações, para se
distinguirem das restrições, certa doutrina chama “limitações”, mas é uma distinção
relativa já que facilmente uma limitação se transforma em restrição (por ex: a exigência
de uma autorização prévia discricionária).
Tipos de restrições:
 Restrições expressamente autorizadas
 Restrições implicitamente autorizadas

Intervenção Restritiva35: principal modalidade de afectação de um DF, enquanto


situação concreta de uma pessoa. Traduzem-se numa “actuação agressiva sobre um
bem protegido de um DF feita através de um acto jurídico incidente sobre uma posição
jurídica concreta (ex: a ordem de detenção, o acto de expropriação …). Mediante prévio
apoio numa norma legal, afecta-se o conteúdo de uma posição individual, deixando
intocada a norma e os efeitos gerais da norma de DF.

35
≠ De restrição.
46
Direitos Fundamentais

José de Melo Alexandrino distingue as restrições das situações de colisão ou conflito de


direitos das pessoas no caso concreto;
Colisão de direitos – situação que se verifica quando, num caso concreto, a protecção
juridica emergente do DF de alguém colida com a de um DF de terceiro ou com a
necessidade de proteger outros bens ou interesses constitucionais.
A sua resolução não cabe ao legislador, mas sim aos titulares dos direitos em presença,
às entidades eventualmente chamadas a intervir e, em última instancia aos tribunais

Requisitos das restrições36: Art. 18º/2 e 3 da CRP

▪ A exigência de lei formal


Um dos elementos tradicionalmente autonomizados, no regime especifico dos DLG, é o
designado “regime orgânico”: apenas a lei parlamentar (ou decreto-lei autorizado) pode
intervir normativamente no domínio desses direitos – art. 165º/1/b) da CRP. Mas, há
determinadas matérias que podem integrar a reserva absoluta da competência legislativa
da AR. Trata-se de um postulado que remonta ao Estado liberal, segundo o qual só o
Parlamento, enquanto órgão de representação de toda a comunidade e por isso “amigo”
da liberdade, pode decidir sobre a liberdade, a segurança e a propriedade dos cidadãos
(ideias a que se juntaram depois a legitimidade política, a publicidade, a abertura a
múltiplos pontos de vista como elementos particularmente caracterizadores das
assembleias políticas).
A exigência da lei formal é completada por uma exigência de recorte material: entende-
se, normalmente que, no domínio dos DLG, vigora um princípio de reserva material de
lei, isto é, a disciplina jurídica da matéria dos DLG é atribuída em exclusivo à lei.

Duas dimensões:
 Dimensão negativa: as matérias reservadas à lei não podem ser
reguladas por outras formas diferentes da lei;
 Dimensão positiva: deve ser a lei a estabelecer efectivamente (com
suficiente grau de certeza, precisão e densidade) o regime jurídico
das matérias em questão. Portanto, visa-se aqui assegurar um
princípio de reserva material total de lei, pois a falta de certeza,
precisão e nitidez de contornos de uma determinada regulamentação
legal tornaria mais incerta a garantia da liberdade, alargando
correspondentemente as margens de actuação restritiva do Estado e
podendo gerar efeitos inibidores do exercício da liberdade (Jorge Reis
Novais).

Desenvolve-se nos seguintes corolários:


1) A lei não pode estabelecer apenas as regras mínimas;
2) A lei não pode remeter a regulamentação para outras fontes (proibição de
reenvios e devoluções);
3) A lei não pode deixar aspectos essenciais por disciplinar;
4) A lei não pode usar indevidamente ou abusar do recurso a conceitos vagos e
indeterminados (critério da determinabilidade).

36
Que a doutrina por vezes designa “limites dos limites”
47
Direitos Fundamentais

Mas nem todas as leis relativas a DLG são leis restritivas, temos:
 Leis restritivas: as que afectam desfavoravelmente o conteúdo ou o efeito de
protecção de um DF previamente delimitado, sejam elas expressamente
autorizadas ou implicitamente autorizadas;
 Leis não restritivas: todas as que não se traduzem em afectação do direito.
- Leis configuradoras: aquelas que, por expressa indicação
constitucional, cunham ou determinam o conteúdo de determinado
direito; não é uma restrição, mas um trabalho de configuração do
direito.
- Leis concretizadoras: têm essencialmente a função de regular ou
favorecer o exercício dos direitos; ex: as leis clarificadoras dos
conceitos, as leis de protecção e as leis criadoras de pressupostos de
organização e procedimento (Peter Lerche).

▪ A exigência de autorização constitucional


A lei só pode restringir os DLG nos casos expressamente previstos na CRP. Como
entender esta cláusula da CRP? Existem pelo menos três grupos de orientações
na doutrina:
1. Teses defensoras da relevância absoluta
Para o Prof. Manuel Afonso Vaz, do art. 18º decorre “O princípio da tipicidade
das restrições legais aos DLG, com a correlativa proibição de se acrescentar
outras restrições, para além das expressamente previstas na Constituição”: o
legislador só pode aprovar uma lei restritiva nos casos expressamente
previstos na CRP; onde faltar semelhante habilitação constitucional, as
eventuais colisões de direitos não podem ser resolvidas pelo legislador, mas
apenas pelo aplicador do Direito, por interpretação directa dos preceitos
constitucionais.
Para Vieira de Andrade, o art. 18º/2 estabelece categoricamente a figura das
restrições legislativas. Assim, temos que distinguir esta figura, de outras como
a da “delimitação do âmbito normativo” dos direitos (limites imanentes ou
intrínsecos), e da “limitação” ou “harmonização legislativa de direitos (nas
situações de colisão entre direitos ou de conflito entre direitos e valores
afirmados por normas ou princípios constitucionais. Estas duas figuras, fora
dos casos previstos, têm que ser outra coisa que não uma restrição sob pena
de se defraudar a proibição estabelecida no art. 18º.

2. Teses defensoras da relevância relativa


Relativiza-se o sentido da proibição, por adopção formas distintas de tal modo
que podemos considerar dois grupos, consoante persista uma ideia de resolver
a dificuldade no quadro da norma ou de fugir a essa dificuldade. Assim:
 Correntes relativizadoras centrípetas: Alguns autores admitem a
existência de restrições implícitas, restrições implicitamente autorizadas
(limites constitucionais implícitos ou limites implicitamente decorrentes
da Constituição);
 Correntes relativizadoras centrífugas: outros recorrem à figura dos
limites imanentes a priori, o recurso ao art. 29º/2 da DUDH, o recurso à
transferência de limites (de uns direitos para os outros) ou a introdução

48
Direitos Fundamentais

da distinção, com imediatos efeitos de regime, entre “restrição” e


“condicionamento” (limitação).

3. Teses defensoras da irrelevância jurídica


Defendem que a regra enunciada no art. 18º/2, não pode ser levada a sério.
Prof. Pedro Soares Martinez: se a restrição dos DLG tivesse de ser prevista
expressamente na Constituição, esta haveria de conter muitos milhares de
artigos.

Jorge Reis Novais: o legislador constituinte português proclamou (no art. 18º)
uma regra que não tem correspondência na natureza das coisas, pois é da
natureza dos DF eles entrarem em colisão uns com os outros; se é verdade que
os DLG são trunfos, eles podem ser batidos por trunfos mais altos.

José de Melo Alexandrino: a figura das restrições implicitamente autorizadas, que devem
respeitar os mesmos requisitos de Estado de Direito aplicáveis às leis restritivas
expressamente autorizadas, assim se preserva a função de advertência e a função
garantística da regra do Art. 18º/2.

▪ O princípio da proporcionalidade
Está particularmente presente no funcionamento do sistema de DF, pelo que é
componente do regime comum ou geral dos DF. Tem múltiplos afloramentos e
alusões no texto constitucional (em especial nos arts. 18º/2 e 3, 19/3,4 e 8,
266º/2, 272º/2, 284º/4). Constitui a referência fundamental, em particular no
que respeita ao enquadramento dos limites e das restrições aos DLG e em geral
de quaisquer outras afectações dos DF, domínios onde aparece normalmente
articulado, embora se não confunda com ela, com a metodologia da ponderação
de bens. O fundamento do princípio da proporcionalidade encontra-se nas
referências que animam a essência do Estado de Direito: liberdade, autonomia,
igualdade, justiça.
O princípio da proporcionalidade em sentido amplo constitui um verdadeiro
superconceito, que tem sido tradicionalmente decomposto em três dimensões:
 Adequação
 Necessidade
 Proibição do excesso (ou princípio da proporcionalidade em sentido
restrito).
Adequação
As medidas restritivas devem ser aptas ou idóneas para realizar o fim
prosseguido pela restrição. Está em causa uma relação objectiva e empiricamente
comprovável entre um meio e um fim. A medida restritiva será inapta se os efeitos
dessa medida se revelarem indiferentes ou contrários à realização do fim em
vista. Os fins terão que ser legítimos (não atentando, por exemplo, contra
postulados fundamentais da justiça) e, além disso, terão que ser jurídica e
materialmente possíveis. Alguns autores, como Jorge Reis Novais, definem o
quadro de fins por remissão para o art. 29º/2 da DUDH. Para José de Melo
Alexandrino, tal entendimento, embora insuficiente, traduz, em todo o caso, uma
boa linha de orientação.

49
Direitos Fundamentais

Necessidade
Deve-se recorrer ao meio menos restritivo para atingir o fim em vista – “não se
deve utilizar um canhão para disparar aos pardais” (Fleiner). A necessidade afere-
se então pela comparação entre os prejuízos provocados por esse meio e os
prejuízos que seriam provocados pela utilização de um meio alternativo (sendo
que os prejuízos devem ser considerados numa perspectiva abrangente de
afectação da liberdade ou de outras normas de garantia”. Assim, pressupõe a
comparação sucessiva de vários cenários (“constelações ou complexos de relações
meio/fim”), comparação essa que nem sempre estará ao alcance do juiz. O teste é
satisfeito, na situação óptima, quando:
1. O meio seja o menos agressivo;
2. Seja o mais eficaz ou igualmente eficaz; e
3. Quando não existam efeitos colaterais negativos.

Proibição do excesso
Visa-se apurar o equilíbrio na relação entre a importância do fim visado e a
gravidade do sacrifício imposto. O subprincípio da justa medida tem a ver com a
ideia de pesar, de equilibrar, de ponderar as vantagens e desvantagens presentes
num determinado cenário de restrição, apresentando alguma semelhança com a
análise económica dos custos/benefícios de uma decisão.

▪ A exigência de lei geral e abstracta


Lei geral é aquela que se dirige a um número indeterminado ou indeterminável de
pessoas e lei abstracta é aquela que se destina a regular um número
indeterminado ou indeterminável de casos. Segundo Vieira de Andrade, o
imperativo em questão parece referir-se “em primeira linha ao princípio da
igualdade, enquanto manifestação do carácter universal dos DF e proibição de
privilégios e de discriminações e segregações arbitrárias ou injustificadas”37. Três
coisas resultam no final:
1. A exigência em questão visa proibir a utilização neste domínio de leis de
natureza individual e concreta;
2. Visa assegurar que através da restrição não seja afectado o postulado de uma
“liberdade igual”;
3. E pode eventualmente não dispensar a consideração de outros princípios,
designadamente a componente de justiça material inerente à dimensão
positiva do princípio da igualdade.

▪ A proibição de leis restritivas retroactivas


É uma exigência negativa que apresenta uma conexão particularmente nítida não
só com os princípios da protecção da confiança e do Estado de direito, mas também
com a estrutura central do sistema, o princípio da igualdade: uma lei que
retroactivamente reduza os efeitos de protecção de um DLG afecta desigualmente as
pessoas, sem que haja remédio possível para esse tratamento desigual.

37
Gomes Canotilho, por outro lado, aponta a rigidez da norma e defende que a generalidade não é condição suficiente nem
necessária da igualdade.
50
Direitos Fundamentais

▪ A garantia do conteúdo essencial


Qual a relevância jurídica da garantia do conteúdo essencial? Dois tipos de
orientações:
- Relativização: há quem entenda, como Jorge Reis Novais, que a garantia do
conteúdo essencial, salvo uma função discursiva, “não desempenha, hoje qualquer
papel autónomo significativo nem desenvolver qualquer efeito jurídico efectivo
enquanto limite aos limites dos DF”.
- Aceitação: outros, como Vieira de Andrade, pretendem dar um sentido e uma
função jurídica autónoma a esta garantia do conteúdo essencial, havendo a
considerar então a opção a fazer entre as várias teorias em presença:
 Teoria objectiva (o conteúdo essencial refere-se ao DF como norma
objectiva e não como posição jurídica subjectiva) ou teoria subjectiva (o
conteúdo essencial refere-se à posição jurídica subjectiva e não à norma
objectiva);
 Teorias absolutas (vêem no conteúdo essencial uma dimensão
irrestringivel do direito, abstractamente fixada) ou teorias relativas
(concebem o conteúdo essencial como o resultado de um processo de
ponderação).

José de Melo Alexandrino: defende a integração de cada DF numa rede normativa


de interacções, afastando quer uma concepção absoluta (de facto nada exclui a
hipótese de que um direito não tenha que ser totalmente sacrificado a outro direito,
bem ou interesse, levaria a um efeito de rigidez e cristalização de conteúdos
abstractos fixos) quer uma concepção subjectiva (as restrições legislativas situam-
se no plano abstracto da norma e não no plano da situação jurídica concreta – art.
18º/3 “preceitos constitucionais”; tal só se enquadraria nas intervenções
restritivas). Mas, também a concepção relativa conduz à redundância, porque
praticamente não se distingue, no final, das garantias propiciadas pelo princípio da
proporcionalidade.

O relevo da cláusula do conteúdo essencial projecta-se:


1. No momento prévio a qualquer restrição (o da ponderação da decisão política de
restringir um direito), na sinalização dada ao legislador de que os DLG valem
como trunfos contra si;
2. E no momento posterior á restrição (o do controlo), em que o juiz constitucional
passa a estar, também ele, compenetrado do valor subjacente à norma
constitucional, funcionando então a garantia do conteúdo essencial como
memento (lembrete) e derradeiro filtro para que o órgão de controlo não perca
de vista a importância desses preceitos.

A suspensão de DLG
O art. 19º da CRP diz respeito às situações de excepção ou de necessidade
constitucional, a que correspondem o estado de sítio e o estado de emergência. Aí se
prevê a possibilidade de suspensão de DLG. Define-se suspensão como a afectação dos
DLG que, pressupondo uma declaração de estado de sítio ou de estado de emergência,
feita na forma prevista na Constituição, atinge em abstracto certos efeitos de protecção
da norma de DF. Portanto, a suspensão só pode ocorrer tendo-se verificado a declaração

51
Direitos Fundamentais

de estado de sítio ou de estado de emergência, que, por sua vez, depende de uma série
pressupostos e requisitos:
 Pressupostos materiais da declaração: verificação de uma das 3 situações
enumeradas no art. 19º/2 – princípio da tipicidade dos pressupostos.
 Requisitos materiais da declaração: a fundamentação e a especificação dos
respectivos pressupostos (art. 19º/2 e 3), de onde decorrerá a escolha do tipo de
estado de excepção e a extensão (total ou parcial).
 Limites internos da declaração: o respeito pelo princípio da proporcionalidade, a
fundamentação, a especificação dos DLG suspensos e o prazo (art. 19º/4, 5 e 6).
 Limites formais da declaração: a emissão de um decreto do PR, que depende da
audição do Governo e da autorização da AR [arts. 134º/d), 138º/1 e 2, 197º/1/f)],
acto sujeito a posterior referenda e publicação (que também se estende à resolução
da AR).
 Limites institucionais: não afectação do núcleo de organização política inerente ao
Estado de Direito (art. 19º/7), a proibição de dissolução da AR (art. 172º/1 e 2) e a
proibição da prática de qualquer acto de revisão constitucional (art. 289º).

A suspensão atinge o DF em abstracto, não se dirigindo a uma ou várias situações


concretas de certas pessoas, individualmente consideradas. Caracteriza-se por atingir
não a norma de DF, nem o objecto, nem o conteúdo do direito, mas sim e apenas certos
efeitos de protecção da norma de DF. Esses efeitos são os que têm a ver com
manifestações externas do direito pelo seu titular (exercício) ou, no caso dos direitos
passivos, os que se refiram à extensão ou á intensidade dos efeitos de protecção de
resultam da respectiva norma de garantia.

Diferentemente da restrição, que tem uma vocação definitiva, a suspensão constitui uma
afectação temporalmente e até por vezes espacialmente (art. 19º/2) limitada, uma vez
que o estado de excepção, por regra e sem prejuízo de eventuais renovações, não pode
ter duração superior a 15 dias (art. 19º/5). Na medida em que a suspensão incide
apenas sobre o exercício do direito, a intensidade da afectação é, em principio, menor na
suspensão do que na restrição.

Uma suspensão que não respeite os requisitos mencionados, redundará sempre em


modalidades de afectação inconstitucionais, designadamente na restrição, intervenção
restritiva e na violação de DLG.

A renúncia a (posições de) DLG


Entende-se por renúncia a afectação de uma posição de DF, traduzida na redução dos
efeitos de protecção desse direito, por força da vontade do respectivo titular. Tanto pode
surgir no quadro das relações entre o Estado e o cidadão como no âmbito das relações
jurídicas privadas.

Temos que apurar a legitimidade constitucional desta figura, visto que não está
expressamente prevista na Constituição.
Ora, na sua dimensão político-constitucional e valorativa, um DF, qualquer que seja, é
indisponível e inalienável. Assim, a admitir-se a renúncia, esta não ocorre no plano do
DF como um todo, mas ao nível de uma posição concreta ou ao nível de determinados
52
Direitos Fundamentais

efeitos de protecção avaliados em concreto. Por estarem em causa as características


básicas da fundamentalidade, da permanência e do carácter pessoal, que fazem dos DF
realidades juridicamente inseparáveis da própria pessoa (da sua existência,
personalidade e autonomia), é em princípio inadmissível a renúncia à titularidade de
qualquer DF.

Vigora também aqui o postulado da diferenciação: a admissibilidade da renúncia terá de


ser avaliada em função do DF em concreto, em função das circunstâncias particulares
do caso, em função da condição do respectivo titular e em função do fim da renúncia.
Como critério último valerá sempre aí a norma da DPH, funcionando aqui como regra e
não como valor.

Quanto ao titular:
- Se for menor (ou incapacitado), o consentimento que, em seu nome, possa ser prestado
pelos pais, ou pelas pessoas por ele responsáveis, não se integra na categoria da
renúncia, uma vez que o “representante” em causa não tem o poder de dispor sobre o
abandono das pretensões, faculdades ou poderes que dele decorrem. Aqui a afectação do
Direito é heterónoma (e não voluntária), podendo traduzir-se numa violação do direito ou
se lícita, numa intervenção restritiva.
- É condição necessária (mas não suficiente) que a declaração de vontade tenha sido
livre (de constrangimentos exteriores) e esclarecida (designadamente quanto às
consequências da decisão) e ainda que não tenham com isso sido afectadas de forma
grave as condições futuras de conformação da própria vida, o que pressupõe,
devidamente entendida, a possibilidade de revogação da declaração de renuncia e não a
definitividade desta (reserva da revogação a todo o tempo).

O fundamento do poder de renúncia encontra-se no princípio da liberdade: porque os


DLG são expressão da liberdade, têm por fim a liberdade e se realizam na liberdade, é
antes de mais ao beneficiário da liberdade (à pessoa humana concreta) que deve ser
reconhecido o poder de definir o conteúdo e o uso concretos da sua liberdade, do mesmo
modo que lhe foi reconhecida a primazia na definição do conteúdo da dignidade. Mas, a
renúncia encontra ainda justificação no pressuposto da não-compossibilidade de
realização simultânea de todos os bens e interesses da liberdade, pelo que ao titular dos
direitos deve em regra ser reconhecido um poder de definição de prioridades na
realização concreta da sua esfera de liberdade.

Quanto aos demais requisitos da renúncia, importa considerar:


 A existência de uma margem de decisão (disponibilidade) sobre certos efeitos de
protecção de uma posição de DF por parte do seu titular (trata-se da presença,
numa determinada situação, do poder jurídico de dispor, no sentido da sua
redução, numa certa parcela, dos efeitos jurídicos de protecção de um DF). → Mas
atenção às normas de garantia: ninguém poderá, por declaração de vontade,
reduzir os efeitos de protecção das normas de garantia enunciadas nos arts. 20º,
22º, 23º, 24º/2, 25º/2, 28º a 33º, 37º/2, 41º/4, 48º a 52º da CRP.
 Nas relações cidadão/Estado ou equivalentes, o respeito pelas exigências da
proibição do arbítrio e da proporcionalidade: adequação (entre a redução operada
e o fim visado com a renúncia), de necessidade (se houver formas menos
agressivas de atingir o mesmo fim, a renúncia não deve ser permitida) e de

53
Direitos Fundamentais

proibição do excesso/equilíbrio (entre os efeitos redutivos pretendidos, por um


lado, e a importância do fim visado e o peso da liberdade pessoal, por outro). Nas
demais relações, valerá, quando muito, um mínimo de equilíbrio.

Os DLG nas relações de estatuto especial


No plano dos DLG, admite-se a possibilidade de distinguir entre o estatuto geral das
pessoas e o estatuto de determinados círculos de pessoas, ou seja, das pessoas que, por
força da Constituição ou da natureza das coisas, se encontram sujeitas (como os presos,
as crianças ou as pessoas incapacitadas) ou inseridas (como os militares, os agentes das
forças de segurança, os funcionários públicos ou os titulares de órgãos do Estado) em
relações regidas por um estatuto jurídico especial: situações que se designam por
“relações de estatuto especial”.

A integração de alguém numa relação de estatuto especial não afecta a titularidade de


DF, nem significa uma automática renúncia à titularidade de qualquer DF. Essas
situações para serem concebidas como relações de estatuto especial, carecem de uma
base constitucional e são-lhe aplicadas as normas sobre DF (seja no plano das
exigências materiais das leis restritivas, seja no plano da reserva de lei, seja no plano do
controlo jurisdicional). O interesse da figura reside sobretudo no facto de a mesma
legitimar tanto a restrição acrescida como o reforço de protecção de certos DF. Neste
âmbito podemo-nos deparar com relações de indiferença, reforço, afectação e
incompatibilidade, mas a regra geral de que o intérprete deve partir é a de que a
presença de uma relação de estatuto especial é indiferente para a determinação do
conteúdo de qualquer DF. Desta regra de interpretação emergem 3 consequências:
1) A incompatibilidade nunca se pode presumir;
2) A incompatibilidade tem de resultar de indicações inequívocas do texto ou
da estrutura constitucional (critério da evidência);
3) Perante a insuficiência dessas indicações, deve afirmar-se uma reserva de
decisão a favor do legislador democrático, sujeita ao controlo do juiz
constitucional.
Só se poderá abandonar essa regra geral se tal for exigido pela Constituição, após
uma devida coordenação entre o DF em concreto, a situação do titular e a
especificidade material do caso. Em caso de dúvida compete ao legislador
democrático decidir, sem prejuízo do controlo a efectivar pela Justiça
constitucional.

Uma das mais importantes relações de estatuto especial na CRP é a que respeita
à situação dos militares (dos agentes militarizados e dos agentes dos serviços e
das forças de segurança), mas a CRP também se refere expressamente aos presos
(art. 30º/5) e aos funcionários públicos (arts. 269º e 271º). A CRP prevê desde
1982, no art. 270º, uma habilitação constitucional de restrições ao exercício de
direitos. Aí atesta-se a existência de uma relação de estatuto especial (cuja base
constitucional deixa de se poder questionar), identificam-se os direitos
incompatíveis (o direito à greve) e os direitos que podem ser objecto de uma
afectação especial, ficando os demais sujeitos à regra gera da indiferença. A
norma do art. 270º acaba por constituir, nesta matéria, um “limite dos limites”,
desempenhando assim uma função de garantia (≈ art. 18º/2). Além disso, esta
54
Direitos Fundamentais

norma não impede a necessidade de um reforço de protecção a conceder a esses


titulares de DF.

Esta particular relação de estatuto especial pode ser caracterizada como um


relação de inclusão voluntária, que se insere numa função de reserva do Estado
(arts. 273º, 275º e 271º). Ainda assim, há que distinguir entre:
1. O âmbito de exercício das funções (vinculação máxima);
2. O âmbito pessoal no exercício de funções;
3. O âmbito privado. (vinculação mínima)

Capítulo III - Regime específico dos DESC


Os DESC são direitos cujo conteúdo principal consiste em prestações materiais a
fornecer pelo Estado, prestações essas dependentes de opções e de uma conformação
político-legislativa (Viera de Andrade).

Sendo DF estão automaticamente sujeitos ao regime geral ou comum dos DF, sendo que
certas dimensões de alguns deles, por terem natureza análoga, podem beneficiar do
regime especifico dos DLG.

Terão os DESC também um regime específico?


Não há na CRP apoios para se poder falar num regime específico dos DESC, cabendo à
dogmática constitucional edificar e construir as soluções mais ajustadas a esses direitos,
como conjunto constitucional, e a cada uma das figuras, como realidades específicas e
diferenciadas. Alguns autores, como Jorge Miranda, refere como expressões de um
regime específico, nomeadamente, a conexão com tarefas e incumbências do Estado, a
participação dos interessados e da sociedade e a dependência da realidade
constitucional. Ora, isto mais não é do que uma forma de explanação do pano de fundo
onde se situam estes direitos e da revelação de algumas das formas pelas quais ocorre a
concretização dessas tarefas, incumbências e vinculações do Estado.

Será apenas um o regime aplicável a todos os DF (o regime comum)?


Segundo Jorge Miranda e Vieira de Andrade, não há nem pode haver, em face da CRP,
um regime jurídico unitário para todos os DF.

Dogmática unitária de DF?


Não existem dados no ordenamento que a suportem, a reclamação de alguns autores no
sentido da sua aceitação está numa fase puramente retórica.

Princípio da proibição do retrocesso


Terá a concretização dos DESC de se realizar sempre no sentido de preservar ou
incrementar o nível alcançado anteriormente ou poderá, ao invés, o legislador, se a
realidade ou a vontade da maioria assim lho exigirem, sacrificar (restringindo ou,
mesmo, abolindo) benefícios, sistemas ou regimes de protecção já instituídos? Ou seja,
estará o legislador vinculado por um princípio de proibição do retrocesso social que o
impeça de afectar o nível de concretização legislativa já alcançado pelos DESC?
A resposta divide a doutrina (que parece hoje em dia mais propensa à relativização e
mesmo à negação desse princípio) e o TC, pouco lhe adere, tem adoptado uma atitude de

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Direitos Fundamentais

grande prudência, por certo também induzida pela crise do Estado social e pela
prudente observação da inevitabilidade das intervenções do legislador no sentido do
enfraquecimento dos níveis anteriormente concretizados. José de Melo Alexandrino
entende que se deve recusar um princípio constitucional autónomo da proibição do
retrocesso social. Tal conclusão baseia-se na combinação dos princípios da realidade, da
razoabilidade e da vinculação do Estado ao Direito, bem como a necessidade de uma
resposta preferencial à satisfação das condições materiais (de existência, de autonomia e
de poder) das pessoas e dos grupos em situação de maior desprotecção – o que, no
limite, não exclui a distribuição entre nações.

Os DF de natureza análoga
São os DF (ou as posições de DF) que, não estando previstos nos artigos 24º a 57º da
Constituição, por força de um critério jurídico de qualificação, tenham um objecto e
mereçam um tratamento análogo aos DLG.

O sentido (a ratio) da cláusula prevista no art. 17º da CRP é o de conferir maior


efectividade jurídica a uma serie (limitada) de direitos ou posições de DF. No entanto, o
art. 17º, constitui uma fonte de insegurança e de inúmeras divergências doutrinárias,
desde logo quanto ao respectivo âmbito de aplicação:
 Oliveira Ascensão – é apenas aplicável a direitos extraconstitucionais, não sendo
aplicável a direitos previstos na Constituição;
 Blanco de Morais – é unicamente aplicável a direitos constitucionais, com exclusão
dos direitos extraconstitucionais;
 Jorge Miranda, Vieira de Andrade, Sérvulo Correia, José de Melo Alexandrino – é
essencialmente aplicável aos direitos previstos na Constituição, mas sem excluir
eventuais direitos extraconstitucionais que se mostrem equivalentes aos DLG –
fenómeno da dupla analogia.

Funções da cláusula do art. 17º no sistema da Constituição


→ Funções básicas:
 Função de sinalização: afirma o princípio da diversidade dos DF (e, em

particular, a falsa homogeneidade dos DESC) e o carácter relativo da


sistemática constitucional (o facto de um direito estar colocado nesta ou
naquela parte da CRP não é impeditivo de que esse direito receba um regime
jurídico especialmente qualificado);
 Função de sistema: confirma uma solução intermédia - a CRP não consente
num puro divorcio entre DLG e DESC, mas ao mesmo tempo pressupõe que
muitos destes DESC não são tecnicamente assimiláveis aos DLG.

→ Funções suplementares
 A possibilidade de existirem DF de tipo híbrido (ou seja, direitos que reúnam
em si as características técnico-jurídicas qualificadoras tanto dos DLG como dos
DESC);

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Direitos Fundamentais

Exemplos de DF de natureza análoga


Art. 20º/1 e Art. 23º Art. 60º/1 Art. 62º/1 Art. 78º/1 Art. Art.
2 115º/2 268º/2
Art. 21º Art. Art. 61º/1 Art. 62º/2 Art. 103º/3 Art. Art.
58º/2/b) 239º/4 268º/4 e
5
Art. 22º Art. 59º/1 a) Art. 61º/2 Art. 63º/4 Art. 113º/2 Art. Art.
e d) 268º/1 271º/3
Art. 276º/7 Art.
280º/1/b e
nº 2/d)

Para determinar da natureza análoga de um direito, há a considerar dois momentos


relativamente autónomos:
 Momento prévio: identificação de um direito (ou de uma posição ou dimensão do
direito) que sirva o estatuto básico da pessoa na sua relação com o Estado (ou
seja, tem de tratar-se de um DF) e a ostentação, ao nível do objecto do direito, de
um nível significativo de fundamentalidade material (tem que ser expressão
qualificada da “igual dignidade” de todas as pessoas)
 2º Momento: satisfação de uma medida de equivalência aos DLG, valendo então aí
o critério da determinabilidade constitucional do conteúdo, nos termos do qual,
será análogo aquele direito cujo conteúdo possa ser extraído imediatamente por
interpretação das normas constitucionais que o reconhecem.

Relativamente aos direitos extraconstitucionais, a diferença na operação do regime


traduz-se no seguinte:
1. Na exigência agravada no 1º momento, ou seja, na identificação de um DF e no
apuramento do respectivo grau de fundamentalidade;
2. Como não se pode aplicar o critério da determinabilidade constitucional do
conteúdo, a medida de equivalência será validada pelo recurso a critérios
auxiliares, como o do consenso na comunidade dos intérpretes.
3. Não é ainda descabida a ponderação dos efeitos da equiparação junto dos demais
DLG (a existência de eventuais “contra-indicações” deverá ser resolvida a favor da
preferência do princípio da Constituição formal.

A que regime estão sujeitos os DLG de natureza análoga?


Estão integralmente sujeitos ao regime dos DLG, na sua componente material, orgânica
e de revisão constitucional. Mas, importa referir duas coisas:
 Nem sempre é análogo todo o DF, mas apenas uma ou várias dimensões de um DF
como um todo, razão pela qual o regime qualificado apenas se estenderá a essa
dimensão análoga;
 Relativamente aos direitos extraconstitucionais a extensão do regime está ainda
dependente do rigor colocado no critério da fundamentalidade, sob pena de
inaplicabilidade do regime orgânico e do de revisão constitucional.

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