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A arte Rococó – o sentido da

festa; a intimidade galante


No século XVIII coexistiram ainda, no aspeto
estilístico, o Barroco Tardio (arte ao serviço
das cortes católicas e das sociedades
protestantes) e a arte versalhesa (réstias do
tempo de Luís XIV) e também se lhe
sobrepuseram), o Neoclássico (que seleciona
modelos da Antiguidade) e o Pré-Romantismo
(evocando a Idade Média, o nascimento das
nações, a imaginação e o fantástico) com o
Rococó.
O século XVIII foi, assim, um tempo de
profusão, de exuberância e de sobriedade.
O Rococó nasceu em França, por volta de 1715-1720, atingiu o apogeu em 1730 e entrou em
declínio finado (findo/terminado/ acabado) no reinado de Luís XV (1714-74), período a que está
associado; após ele, a França e o mundo regressaram ao Classicismo.
Ligada à palavra francesa rocaille, esta nova arte expandiu-se por toda a Europa e chegou aos
impérios coloniais português e espanhol.
O termo rocaille usado pelos franceses
para designar um tipo de decoração de
interiores que usava predominantemente
elementos naturalistas (os grotescos),
entre os quais sobressai a concha da
vieira.
O Rococó, esteticamente, está impregnado de um espírito tolerante, crítico, irreverente,
intimista e individualista que caracteriza o Homem do século das Luzes. Foi, por isso, uma arte
que fugiu às imposições canónicas da Igreja e das academias, defendendo a criatividade
individual, excentricidade, a improvisação constante e os prazeres da vida.

Igreja da Peregrinação de Wies, Baviera,


Alemanha
Foi criado segundo e para o gosto de uma elite aristocrática e intelectual, amante do exotismo,
da fantasia, da alegria, do natural e que discute temas filosóficos e políticos, em conversas
espirituosas, que ouve música em salões privados ou em concertos públicos, que assiste à
comédia italiana, de cariz burlesco, que organiza encontros amorosos em festas campestres,
com mascaradas de danças populares saltitantes, numa libertinagem e numa intimidade galante.
O Rococó, inicialmente, manifestou-se como sendo um novo tipo de ornamentação, próprio
para decoração de interior de residências, pelo estilo leve, elegante refinado, pelas cores
suaves, pelas linhas delicadas e sinuosas, caprichosas e informais, em clara oposição à
imponência barroca.
As artes ornamentais (com motivos naturais retirados dos álbuns de Botânica) eram artes do
desenho onde a decoração era feita pelas artes menores como:
o mobiliário (com aplicações de tecidos acolchoados e embutidos de metal, de lacas da China,
de madrepérola, de ébano …);
a cerâmica (cujas fábricas na Saxónia, em Chelsea, em Capodimonte e em Sèvres foram
célebres);
a ourivesaria e a prataria;
a ferraria;
a tapeçaria (nas oficinas de Beauvais e dos Gobelins o gosto rococó persistirá com cenas
campestres aprazíveis, caçadas, cena de ópera, etc.);
e as Beaux-Arts – a pintura, a escultura e a arquitetura.
A arquitetura rococó - caracterização
Foi na Alemanha e na Áustria que o Rococó imperou na arquitetura, originando os mais belos
monumentos civis e religiosos desta corrente. Alguns dos seus principais princípios são:

a diferenciação dos edifícios, de acordo com a sua função, e daí a atenção dada aos espaços,
à sua articulação e à decoração;

as estruturas arquitetónicas apresentam um traçado exterior simples, mas acrescentam o


conceito interior que deve proporcionar conforto, comodidade e intimidade;

a utilização de elementos decorativos barrocos, como arabescos, as linhas ondulantes,


irregulares e assimétricas, mas de um modo mais liberto, mais sensual, numa ininterrupta
variação caprichosa de formas e motivos, acrescida de novos elementos como conchas, algas
marinhas, rocalhos (imitação de rochas) e chinoiseries (chinesices que se difundiam na Europa,
através do comércio colonial que trazia porcelanas, telas, lacas, sedas…);

o uso de materiais fingidos – os falsos mármores (escariola), as madeiras e os estuques


pintados trabalhados com a citada decoração. Era o fictício a tornar-se realidade.
Devido a estes princípios, foi a arquitetura civil (o hôtel particulier e o château) a mais
beneficiada.
Sem a monumentalidade barroca, estes edifícios têm só dois andares baixos e apresentam,
exteriormente, as seguintes características:
as fachadas são alinhadas e alisadas: os elementos – decorativos – como colunas, frontões,
esculturas são banidas; os ângulos retos são suavizados por audazes curvas e os telhados têm
duas águas;

Blenheim Palace

Palazzo Stupinigi
Palácio Real de San Ildefonso
as balaustradas, os entablamentos e as cornijas/impostas salientes mantêm-se;

Hôtel de Soubise
as porta-janelas são de maior dimensão, ritmadas e com arcos de volta perfeita ou achatados;

Palácio de Sans Souci

Palazzo Stupinigi
a decoração exterior concentra-se nas portas e nas janelas, nas consolas, nas arcadas, no
aparelho de alvenaria, nas ferragens e batentes;

Entrada do Palácio de Duas Águas, Valência, Espanha


utilizou abundantemente o ferro forjado (a “arte da forja”) em belas grades, jardins e portas.
os jardins, na continuação do Barroco, integram o cenário arquitetónico. Compõem-se de
grandes relvados com arvoredos e incluem esculturas, rampas, lagos pavilhões de caça,
pequenos apartamentos, pagodes chineses, quiosques turcos, tornando-se locais de reunião
íntima e de festa, próprios para fogos de artifício, mascaradas e celebrações públicas.
É o tempo do efémero e do folguedo.
Interiormente:
o plano das habitações centra-se no salão principal (à volta do qual há muitas salas
secundárias e a biblioteca) que é antecedido por um vestíbulo do qual parte uma escadaria para
o andar superior. Neste, existem as divisões privadas dos donos da casa: a sala de banho, o
quarto de vestir, o quarto de dormir, o bourdoir ou antecâmara, próprio para pequenas reuniões
e outros;
as divisões eram baixas, pequenas, independentes, arredondadas e com pavimento em
parquet; estavam fortemente iluminadas pelas porta-janelas, pelos grandes e múltiplos
espelhos e pelos candeeiros e lustres.
Diferentes tipos de móveis povoavam as divisões – cómodas e contadores (com pequenos
compartimentos secretos para guardar objetos e joias de valor), escrivaninhas e trésor (escrivaninhas
para damas), grandes relógios, poltronas e canapés (forrados de sedas e com belas franjas) – todos feitos
com madeiras preciosas envernizadas, com incrustações, onde repousam bibelots de prata e porcelana;
as paredes estão cobertas de riquíssima e exagerada decoração com cores claras ténues,
onde sobressai o dourado e o prateado das molduras dos painéis para sublinhar as telas,
tapeçarias, os frescos, os relevos policromados que se prolongam pelos tetos.
Os cantos e os limites das paredes desapareceram totalmente sob
a profusa decoração de entrançados e formas arredondadas dos
sofitos [superfícies curvas que fazem a ligação entre a parte inferior do
teto ou cobertura de um aposento e as paredes]. Há um certo horror
vácuo que é aceitável devido à leveza, graciosidade e elegância das
linhas serpentinadas.
Como o Barroco coexistiu com o Rococó, tornou-se vulgar quer o palácio, quer a igreja terem
uma estrutura e exteriores barrocos e uma decoração rococó, aplicada nas portas, nas janelas e
nos exuberantes esquemas decorativos do interior, para criar um ambiente de festa e alegria.
Esta decoração aplica-se também nas
bibliotecas, nos refeitórios, nas igrejas e
nas habitações dos cónegos, nas salas
de espetáculo ….
A grande arquitetura religiosa rococó encontra-se bem representada na Alemanha,
especialmente nas zonas da Baviera, Prússia, Áustria e Boémia onde surgem igrejas com plantas
longitudinais e complexas, exteriores simples mas cheios de janelas, uso e abuso da concha
como ornamentação e uma decoração misturada com a arquitetura, escultura e pintura,
continuada nos sofitos e organizada segundo vários pontos de fuga que ajudava a criar um
distrativo e fictício cenário.
O Rococó na Itália
Na arquitetura, o Barroco continuou a reinar nos
séculos XVII e XVIII. O Rococó está limitado à
decoração de interior e à pintura decorativa
mural a fresco, as igrejas e palácios, como nos de
Turim e de Caserte, em Nápoles.

Palácio Stupinigi, Turim


Palácio Real de Caserte, Nápoles
O Rococó na Europa Central e Norte
Foi nos países germânicos, seguidores da Igreja Católica, que o Rococó foi melhor
aplicado, quer nos seus princípios estilísticos – peculiaridade das artes ornamentais -,
quer no número de construções, devido ao poder político e religioso dos príncipes e
bispos que governavam suas cortes.
Nestas regiões o Rococó resume-se a uma arquitetura de exteriores sóbrios e
elegantes e interiores construídos e reconstruídos nesta época com uma
decoração/ornamentação em branco e dourado, repleta de pinturas murais, num
conjunto exuberante, alegre, próprio de ambientes festivos. Isto é visível nos palácios de
Belvedere, c. 1721, em Viena,
e no Zwinger, 1711-22, em Dresden, pelas suas decorações entre o Barroco tardio e o Rococó;
bem como na aristocrática residência de Inverno da família real Dinamarquesa, o Palácio de
Amilienborg, em Copenhaga [cujo exterior Barroco esconde uma decoração interior Rococó];
nas igrejas, abadias, palácios e outras construções como na decoração do teatro da Residência
de Munique,
ou no pequeno palácio de Amalienburg, ambos pensados pelo arquiteto flamengo François
Cuvilliés (1695 -1753);
na abadia de Vierzehnheiligen na Francónia e na residência episcopal de Würzburg
de Johann Balthasar Neumann (1687-1753);
Residência episcopal em Würzburg
na igreja de Wies, na Baviera, projetada por Dominikus
Zimmermann (1685-1766)
Na remodelação interior da Abadia de Ottobeuren (1736- 66) por Johann
Michael Fischer (1692-1766)
e no Pavilhão de Chá do parque de San-Souci, em Postdam, na Prússia, de
Georg Wenzeslaus Knobelsdorff(1699-1753).
Rococó em Espanha
O Rococó espanhol resultou da influência do Churriquismo e das obras de artistas franceses e
italianos emigrados: são exemplos os italianos Filippo Juvara que projetou o Palácio Real de
Madrid, Giovanni Battista Sacchetti (c. 1764) que o terminou e Giambattista Tiepolo que o
decorou.
Refletiu-se, essencialmente, na decoração de interior dos salões dos palácios barrocos acabados
de construir na naquela época, como o salão Gasparini do Palácio Real de Madrid
e o salão Chinês e o salão dos Espelhos, ambos no Palácio Real de Aranjuez, obra de Ardemans.
EM SUMA….
A arquitetura rococó é marcada pela sensibilidade, percebida na distribuição dos ambientes interiores, destinados a
valorizar um modo de vida individual e caprichoso.

As caraterísticas genéricas deste tipo de arquitetura são:

Decoração excessiva, tanto nas fachadas quanto nos interiores;

Utilização múltiplas formas de cobertura, como as cúpulas, nas igrejas, embora sejam menos imponentes que
as barrocas;

Predominância de paredes claras, com tons pastel e branco;

Guarnições (molduras, adornos que rodeiam) douradas de ramos e flores, povoadas de anjinhos, contornam
janelas ovais, servindo para quebrar a rigidez das paredes;

Curvas e contra curvas animam as paredes e os ritmos decorativos, afirmando a assimetria.

Utilização de decoração carregada, alegre, teatral e exagerada;

Artificialidade dos detalhes, mas sem a grandiosidade nem a religiosidade do barroco;

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