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Natal
2018
Silvia Beltrame Porto
Natal
2018
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha amada mãe, antes de mais nada. Responsável por minha vida, por
minha força e por minha determinação a ser melhor. Agradeço às tias Nilvia e Soraia, fontes de
amor, inspiração e altruísmo. Às minhas irmãs e primas-irmãs por me mostrarem, mesmo sem
a intenção, que se sou, é porque somos. Clau, Lu, Aline, Ane e Káris, vocês me fortalecem a
cada dia. Às sobrinhas Julia, Duda, Luiza, Isabela e Antônia, e ao sobrinho João Gabriel, vocês
me fazem sentir vontade de continuar, sempre.
Ao meu companheiro de vida, “nosso Beto”, não acredito que possa encontrar palavras
para demonstrar o tamanho da minha gratidão por tua existência (e persistência) em minha vida.
Por nunca ter desistido de mim, nem por mim. Por me fazer acreditar que eu podia (e posso), e
pela paciência em me colocar no rumo. E acima de tudo, por escutar mil vezes as mesmas
citações de neuropsicologia, mesmo sem entender nada, e ainda assim, dizer o quanto se orgulha
da pessoa que me tornei.
Aos amigos do Rio Grande do Sul, por trilharem comigo caminhos tão importantes, e
por estarem ao meu lado mesmo diante de tanta ausência, nos últimos anos. Vocês são um porto
seguro. Aos amigos do Rio Grande do Norte, responsáveis por mudanças tão drasticamente em
minha vida, agradeço por ajudarem a estourar minha bolha e perceber que somos plurais, que
isso é lindo, e que nunca é tarde para aprender. Vocês me ensinaram e me ensinam muito, a
cada dia.
À família LAPEN, não tenho palavras... somente em um espaço tão plural é possível
que uma tigresa, uma pintinho e uma baleia sejam irmãs, e filhas de uma mãe polvo. Nossa
família-zoológico me deu o suporte, acolhimento e sustentação diante de minhas muitas
angústias. Me sinto profundamente honrada por ter compartilhado de um espaço de construção
tão generoso, que contribuiu com minha jornada de maneira tão acolhedora.
Por último, mas não menos importante, dedico esse trabalho a meu pai, que sempre
sonhou em ver suas gurias encaminhadas, “com estudo”. Tu não sabes, mas esteve comigo
durante essa jornada, e se hoje também chamo a neuropsicologia de amor, é por tua causa. Eu
sei do tamanho do teu orgulho!
A todos, gratidão.
“Do not worry about your difficulties in mathematics;
I can assure you that mine are still greater.”
Intelligence can be defined as a set of cognitive abilities emerging from different intellectual
processes, builded in exclusive paths of development, as a result of the interaction biological
and cultural factors. The intelligence quotient (IQ), known as the expression of an individual's
level of ability in relation to their normative data, lines up groups at intelligence curve of
development, describind groups of intellectual disability and giftedness. However, it is argued
in this study, that such groups do not opose each other in completude, wich means that
intelectual disabilities and giftedness are configured by points of strength and fragility. On the
other hand, the relationship between intelligence, executive functions and creativity have
provoked fruitful debates. In this sense, the current study aims to investigate how these
dimensions can relate with the extremity groups of intelligence curve, investigate the
relationships between these dimensions in the two extremes of the intelligence curve, triyng to
understand these neuropsychological profiles beyond a quantitative approach. Sixteen
individuals between 12 and 20 years old, with IQ classifications at the two extremes of the
intelligence curve, participated in this study. The dimensions of intelligence, creativity and
executive functioning were evaluated. Data were analyzed through descriptive statistics and
cluster analysis. The main results suggests that verbal comprehension dimension of intelligence
is the domain wich better explains the difference between groups, and processing speed is the
one with smaller diferences between them. In terms of executive functioning, operational
memory and cognitive flexibility emerged as the most distinct abilities between groups. At last,
enrichment factor of ideas explained the main diferences between individuals of both groups,
related to criativity production. It is hoped that the results found may subsidize interventions in
both groups, either considered with special educational needs, from the profiles that
characterize them, considering fragility points, but especially the points of strength, moving
towards an understanding of special education beyond the limits imposed by the quotient of
intelligence, since it is not here considered as destiny.
RESUMO ............................................................................................................................................. 15
SUMÁRIO ............................................................................................................................................ 17
1 Considerações Iniciais ...................................................................................................................... 11
2 Inteligência: Modelos Teóricos e Avaliação ................................................................................... 14
3 Deficiência Intelectual e Altas Habilidades: Para além dos Escores de QI................................. 19
4 Funções Executivas, Criatividade e Visoespacialidade: em busca de Perfis Neuropsicológicos 24
2 Objetivos ........................................................................................................................................... 32
2.1 Objetivo geral ............................................................................................................................ 32
2. 2 Objetivos específicos ................................................................................................................ 32
3 Método............................................................................................................................................... 33
3.1 Participantes .............................................................................................................................. 35
3.2 Instrumentos Neuropsicológicos .............................................................................................. 36
3.2.1 Escalas Weschler de Inteligência para Crianças – WISC-IV e WAIS-III. ....................... 36
3.2.2 Teste das Matrizes Progressivas de Raven ......................................................................... 36
3.2.3 Teste dos Cinco Dígitos ....................................................................................................... 37
3.2.4 Figuras Complexas de Rey.................................................................................................. 37
3.2.5 Teste de Memória Pictórica ................................................................................................ 38
3.2.6 Blocos de Corsi .................................................................................................................... 38
3.2.7 Teste de Aprendizagem Auditivo Verbal de Rey ................................................................. 38
3.2.8 Teste de Fluência Verbal Fonológica e Semântica ............................................................ 39
3.2.9 Teste de Torrance de Pensamento Criativo ........................................................................ 40
3.3 Análise de dados ........................................................................................................................ 41
4 Resultados ......................................................................................................................................... 42
4.1 Composição da amostra geral .................................................................................................. 42
4.2. Análise descritiva e inferencial – testes de inteligência ......................................................... 42
4.3. Análises de clusters e teste de correlação. .............................................................................. 43
5 Discussão ........................................................................................................................................... 48
LISTA DE FIGURAS
1 Considerações Iniciais
como a falta de estimulação; c) comportamentais, como uso de drogas pelos pais ou abandono;
e d) educacionais, associados à ausência de recursos que favorecem o desenvolvimento, como
serviços de saúde.
Decorrente da complexidade e interação entre fatores biológicos, socioeconômicos e
culturais, a prevalência de DI pode variar entre países. Soma-se a tais aspectos, a variabilidade
dos instrumentos diagnósticos, das coortes estudadas, bem como os critérios de avaliação
adotados nos estudos específicos de cada localidade (Malloy-Diniz et al.,2016). Dentre as
hipóteses consideradas para explicar a prevalência de DI em determinadas regiões, ressalta-se
as condições nutricionais, as privações relacionadas a aspectos culturais e a qualidade dos
serviços de saúde.
O desenvolvimento humano conta com fatores externos que interagem dialeticamente
com fatores biológicos. Nesse sentido, aspectos de ordem socioeconômica, cultural, dentre
outros, podem influenciar o desenvolvimento cognitivo, podendo esta influência ser negativa
ou positiva. Autores pontuam que a incidência de DI leve tem diminuído, devido à melhora de
condições sociais e educacionais da população. Piccolo, Sbicigo, Grassi-Oliveira, & Salles,
(2016), salientam que mecanismos de interação entre gene-ambiente podem influenciar na
expressão gênica e no traço fenotípico resultante, através de fatores psicossociais relacionados
à família (como a presença ou ausência de ambos os pais em casa, ao estresse, ou a
psicopatologia dos pais), ou fatores físicos (como nutrição e a exposição a poluentes), por
exemplo. Para esses autores, qualquer um desses fatores é capaz de influenciar o
desenvolvimento do cérebro e das funções neurocognitivas.
No que diz respeito ao extremo do lado direito da curva de inteligência, na qual se
identifica as AH/SD, sabe-se que sua definição tampouco está isenta de inseguranças ou
controvérsias, uma vez que seu conceito está em constante evolução. A dificuldade para
identificação das AH/SD a partir de critérios bem estabelecidos vem sendo problematizada na
literatura das últimas décadas, notadamente em termos da contestação de que o fenômeno da
superdotação esteja atrelado exclusivamente a um QI alto. Autores vêm ressaltando a
necessidade de se considerar novos aspectos, tais como a influência do ambiente, motivação,
autoconceito positivo e, especialmente, a criatividade, sendo estes elementos constituintes do
fenômeno (Fleitch, 2006). No entanto, embora esse coeficiente não contemple a identificação
de todos os indivíduos com AH/SD, ele fornece uma base científica consistente para a
comparação entre grupos.
De acordo com a Legislação e Normas Nacionais - Legislação Internacional de
Educação de Alunos Superdotados/Altas Habilidades (Brasil, 2001), especialistas trabalham
13
com uma estimativa de haver, pelo menos, 8 milhões de pessoas com capacidade cognitiva
acima da média da população brasileira, e aproximadamente 5% com AH/SD, diagnosticada
com base nos domínios previstos na Resolução nº 02/2001 das Leis de Diretrizes e Bases para
a Educação Especial (Brasil, 2001). Porém, apenas 11 mil alunos foram registrados nesta
categoria no Censo Escolar de 2012, considerando-se a Educação Básica e Superior.
Esses achados sugerem discrepância entre os dados esperados e manifestados relativos
à essa parcela da população, sugerindo baixa qualificação para identificação desses alunos na
rede de educação formal. Desta forma, constituem comunidades excluídas, que permanecem à
margem do sistema educacional. Para o Conselho Nacional de Educação e a Câmara de
Educação Básica (2001, citado em Brasil, 2010), este segmento necessita de adequações
específicas e tem dificuldades de adaptação à estrutura curricular e aspectos do cotidiano
escolar.
Partindo da premissa de Renzerg e Davidson (1986, citados por Fleitch, 2006), que
apontam a AH/SD como um dos recursos mais preciosos que uma civilização possui, sendo
necessário interesse e investimento nesse público, o Ministério da Educação, Conselho
Nacional de Educação, em Resolução de outubro de 2009, instituiu diretrizes operacionais para
o atendimento educacional especializado na educação básica, implementando um decreto para
assegurar que os sistemas de ensino matriculem os alunos com deficiência e AH/SD nas classes
comuns do ensino regular.
Adicionalmente, instituem o Atendimento Educacional Especializado (AEE). Esse
decreto garante serviços de apoio pedagógico especializado, com atuação colaborativa de
professor especializado em educação especial, além da disponibilização de outros apoios
necessários à aprendizagem desses alunos. Destaca-se ainda a proposição de atividades que
favoreçam o aprofundamento e enriquecimento de aspectos curriculares, mediante desafios
suplementares nas classes comuns, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos
sistemas de ensino, inclusive para conclusão, em menor tempo, da série ou etapa escolar, nos
termos do Artigo 24, V, “c”, da Lei 9.394/96.
Os aspectos supracitados constituem a base motriz para desenvolvimento do presente
estudo, que teve como objetivo contribuir para uma maior compreensão e caracterização do
perfil neuropsicológico das extremidades da curva normal de desenvolvimento da inteligência.
Parte-se aqui do pressuposto que a polêmica e os mitos envolvendo as diferenças de inteligência
geram discussões e frequentemente fomentam políticas e estabelecem alcances e limites para
estes subgrupos de pessoas, sem que sejam considerados seus potenciais e fragilidades, o que
14
Figura 1
Representação do Modelo CHC de inteligência.
desenvolvimento (Vygotsky, 1979; Gallegos, 2013). Em suma, para Vygotsky (1984 e 1991),
a aquisição do conhecimento é um processo que se dá pela experiência, mediada pela vivência.
Para a neuropsicologia histórico-cultural, nas variações de inteligência, as funções
psicológicas superiores se encontram organizadas de maneira qualitativamente distintas,
caracterizando o princípio estrutural sistêmico desta perspectiva, segundo o qual toda a
atividade mental humana reflete um sistema funcional complexo que se efetua através da
combinação de estruturas cerebrais que se articulam, aportando cada uma delas sua própria
contribuição para o sistema como um todo. Tal propriedade permite explicar como uma lesão
e/ou disfunção em determinada área cerebral pode afetar, de diferentes maneiras e intensidades,
uma variedade de funções psicológicas. Sendo assim, a inteligência é um fenômeno cognitivo,
mas relacionado sistemicamente a outras formas de atividade psíquica (Gallegos, 2013).
Por fim, para tal perspectiva teórica, a inteligência não representa um problema de
quantidade, mas sim de qualidade, ou seja, a inteligência é o reflexo de como distintas zonas
corticais se articulam entre si para produzir um comportamento considerado inteligente por
determinado contexto histórico-cultural. Desta forma, podemos melhor compreender as
diferenças individuais em termos de comportamento inteligente, e porque algumas pessoas são
consideradas mais inteligentes para determinadas tarefas, enquanto outras não são, mas podem
igualmente ser para um outro grupo de tarefas. Defende-se aqui, portanto, que os extremos da
curva normal de inteligência precisam ser considerados como qualitativamente distintos da
grande maioria da população e que o grande desafio é entendê-los com as suas peculiaridades
e idiossincrasias. Nesse desafio, a neuropsicologia tem papel relevante.
A avaliação neuropsicológica consiste em um método de investigação das funções
cognitivas e do comportamento, através da aplicação de técnicas, entrevistas e exames
quantitativos e qualitativos. A Neuropsicologia tem como objeto de investigação as relações
entre, de um lado, a organização e o funcionamento cerebral, de outro, o funcionamento
cognitivo, comportamental e afetivo, em condições típicas e/ou atípicas (Malloy-Diniz et al.,
2010; Malloy-Diniz et al., 2016).
Luria propôs o conceito da “pluripotencialidade” cerebral, segundo o qual nenhuma área
específica do cérebro controlaria uma dada função, mas uma dada área cerebral poderia estar
associada com uma variedade de comportamentos. (Malloy-Diniz et al., 2016). A influência da
concepção de Luria ainda hoje se reflete na visão moderna das ciências cognitivas sobre a
necessidade de uma abordagem do comportamento que seja integrada em diferentes níveis, na
medida em que os mecanismos que fundamentam a mente e o corpo não podem ser inteiramente
18
explicados por uma abordagem puramente biológica ou socioambiental (Cacioppo et al., 2000,
citado por Malloy-Diniz et. al, 2016).
Se, por um lado, já se constata que o cérebro (ou o sistema nervoso) é capaz de alterar
o comportamento manifesto, por outro, se tem evidências de que o inverso é igualmente
verdadeiro. Hoje são amplamente aceitos os princípios bidirecionais recíprocos dos efeitos da
maturação e da experiência sobre o desenvolvimento do sistema nervoso.
A avaliação da inteligência é realizada através da aplicação de testes padronizados que
possibilitam a quantificação do QI. No entanto, há de se diferenciar a inteligência do
quoeficiente de inteligência, pois enquanto o primeiro refere-se a um construto de habilidades
do indivíduo, supracitados nesse estudo, o QI retrata a expressão atual do nível de habilidade
de um indivíduo em relação ao padrão esperado para a sua faixa etária, baseada em um cálculo
matemático. A distribuição dos resultados de uma população em testes de QI tem como
representação uma curva normal, apresentada na Figura 1.
Figura 1
Representação da curva de inteligência.
constituem-se por escores menores que 70 pontos para a DI e acima de 129 pontos para AH/SD.
(Wechsler, 2004).
Para alguns autores, o QI poderia ser considerado como resultante da eficiência total do
cérebro, sugerindo que indivíduos com AH/SD usam seu córtex mais eficientemente quando
contrastados com indivíduos com DI. No entanto, é preciso considerar que as extremidades da
curva normal de inteligência não são espelhos um do outro, podem guardar algumas
características em comum, mas divergem marcadamente em outros. Ambos os extremos
configuram grupos com necessidades educacionais especiais. Adicionalmente, considera-se
que ambas as extremidades são caracterizadas por pontos de força e fraqueza, notadamente se
comparadas com elas mesmas.
O mapeamento do perfil cognitivo desses grupos pode ser um caminho para a
proposição de intervenções educacionais e políticas públicas coadunadas com as demandas
específicas de cada um deles. Partindo de tal argumentação teórica, o presente projeto de estudo
pretende fornecer subsídios para auxiliar na compreensão da seguinte problemática: quais são
as principais características dos perfis neuropsicológicos que configuram os extremos da curva
normal de inteligência? Tal problemática será aprofundada na seção a seguir.
níveis de gravidade descritos pelo DSM-V são classificados como leve, moderada, grave e
profunda (317 [F70], 318.0 [F71], 318.1 [F72] e 318.2 [F73], respectivamente), e definidos no
CA, e não apenas em escores de QI, uma vez que é o funcionamento adaptativo que determina
o nível de apoio necessário para cada indivíduo desse grupo clínico.
Os escores de QI são aproximações do funcionamento conceitual, mas podem ser
insuficientes para a avaliação do raciocínio em situações da vida real e do domínio de tarefas
práticas. (DSM-V, 2013). A AAIDD, (2010), reduziu a aplicação de escores de QI na
classificação dos níveis de severidade, mantendo-os apenas para diagnóstico, desde então, os
níveis de funcionamento são definidos a partir da quantidade de suporte demandada para a
realização de atividades cotidianas.
A presença de prejuízos no CA é um ponto de grande relevância para o diagnóstico de
DI, posto que é um construto multifatorial e pode ser definido como o conjunto de habilidades
que permite uma inserção funcional nas atividades diárias de casa, escola e trabalho. Para a
confirmação do diagnóstico, o prejuízo no CA deve afetar habilidades conceituais, sociais e
práticas, e ao menos uma dessas três áreas deve estar comprometida.
As dificuldades no CA reduzem a possibilidade de falsos positivos na avaliação
diagnóstica, uma vez que é possível que existam casos de desempenhos baixos em testes de
avaliação de inteligência, mas a funcionalidade prática desses sujeitos impediria então, a
configuração de DI (Malloy-Diniz, 2016). Além disso, baixos escores em testes de inteligência
não seriam indicadores necessariamente de DI, tampouco refletiriam um baixo nível de
funcionamento intelectual, pois outros fatores também podem estar implicados, como os
seguintes: discrepância linguística ou cultural em relação à amostra de padronização do teste,
dispersividade ou ansiedade incapacitantes, psicopatologia grave, surdez, baixo nível de
motivação ou persistência inadequada e comportamento de extrema oposição ou rapport
inadequado com o aplicador. (Wechsler, 2004).
No polo oposto da DI, situado no extremo direito da curva de inteligência, está o grupo
clínico denominado Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD), caracterizado por um nível de
inteligência significativamente acima do esperado. Apesar disso, a inteligência superior não é
o único critério necessário para diagnosticar o superdotado. Na atualidade, as políticas públicas
brasileiras consideram igualmente como talentosos aquelas crianças que apresentam
desempenho excepcional também em outras áreas, como artística, psicomotora e de criação,
habilidade musical e características de liderança (Wechsler, 2004).
O presente estudo parte da concepção de AH/SD avançada por Joseph Renzulli (2004),
denominada Teoria dos Três Anéis, para a qual o fenômeno das altas habilidades situa-se na
21
intersecção de três fatores: habilidade intelectual acima da média, envolvimento com a tarefa e
criatividade.
Figura 2
Representação gráfica do Modelo dos Três Anéis de Renzulli.
Envolvimento
com a tarefa
Capacidade
acima da Criatividade
média
Nota. Adaptado Renzulli, J. S. (2004). O Que é Esta Coisa Chamada Superdotação, e Como a Desenvolvemos?
Uma retrospectiva de vinte e cinco anos. Educação, XXVII janeiro-abril, 75-131.
Para Renzulli, (2004), os indivíduos superdotados são aqueles que possuem ou são
capazes de desenvolver o conjunto de traços da intersecção e aplicá-los a qualquer área
potencialmente valorizada do desempenho humano, não precisando manifestar,
obrigatoriamente, todos os três agrupamentos. Propõe a existência de dois tipos de AH/SD, os
quais chama de superdotação escolar ou acadêmica, e superdotação produtivo-criativa. O autor
descreve a primeira como o tipo mais facilmente mensurado pelos testes padronizados de
capacidades, e essas são mais valorizadas nas situações de aprendizagem escolar tradicional,
que focalizam as habilidades analíticas em lugar das habilidades criativas ou práticas.
Já a superdotação produtivo-criativa é descrita como aqueles aspectos da atividade e do
envolvimento humanos nos quais se incentiva o desenvolvimento de ideias, expressões
artísticas originais e áreas do conhecimento que são propositalmente concebidas para ter um
impacto sobre uma ou mais plateias-alvo, e suas situações de aprendizagem são concebidas para
promover a aplicação do conhecimento e dos processos de pensamento de uma forma integrada,
indutiva e orientada para um problema real.
Sendo assim, enquanto a superdotação acadêmica, que é principalmente contemplada
no anel da capacidade acima da média, tende a permanecer estável no decorrer do tempo, as
pessoas altamente criativas e produtivas têm altos e baixos no rendimento de alto nível. Os
fatores agrupados na concepção dos três anéis, conforme descritos por Fleitch, (2006),
consistem em:
22
Figura 3
Modelo de FE de Diamond.
Nota. Adaptado de Diamond, A. (2013) Executive Functions. Annual Reviews Revista de Psicologia. 64:135-
168.
Figura 4
Modelo de FE de Baddeley.
mostram inteligência normal, quando avaliados pelas Escalas Wechsler, interpretando tais
achados como uma evidência de que as FE não estão relacionadas à inteligência. O mesmo
autor, no entanto, cita a proposição de Duncan, Burgess e Emslie (1995), considerando que o
conhecimento já adquirido (Gc) pode ser mais robusto do que o raciocínio fluido (Gf), assim,
testes padronizados de inteligência podem ser relativamente insensíveis a danos frontais devido
à sua dependência parcial das medidas de Gc.
Uma pesquisa realizada por Friedman et al. (2006) com 234 gêmeos de idades entre 16
e 18 anos (M = 17, SD = 0.27), correlacionou os três componentes de FE com o desempenho
em Gc e Gf, encontrando variação de força correlacional entre os diferentes domínios. Os
resultados evidenciaram que a MO foi a única variável das FE que estava diretamente
relacionada com as duas inteligências, sendo capaz de predizer o desempenho em ambas.
Colom, Rubio, Shi e Santareu (2006) buscaram uma correlação mais específica entre MO e Gf,
através de estudo realizado com 229 candidatos a um curso de treinamento de tráfego aéreo,
graduados em diversas áreas e idade média de 28 anos e 2 meses (SD = 3.9), e as correlações
encontradas por Friedman foram amplamente confirmadas.
Há, portanto, consenso entre estes autores no que se refere à estreita relação entre os
construtos inteligência e FE. Além disso, concordam ao avalizarem que o funcionamento
executivo não se relaciona de forma homogênea com a inteligência, posto que é constituído de
construtos de diferentes complexidades e que, embora estejam correlacionados, são separáveis.
Por fim, apontam como significativa a correlação entre inteligência e MO (Friedman et al, 2006;
Colom et al, 2006; e Memisevic e Sinanovic, 2014).
A criatividade é um fenômeno complexo, que envolve múltiplos aspectos, e tem sido
estudada e definida de diversas maneiras, sendo particularmente difícil de ser avaliada. Guilford
(1960, citado em Wechsler, 2010), conceituou a criatividade como sendo o pensamento
divergente, sendo ele o principal objeto de investigação nos instrumentos que se propõem a
avaliar criatividade, mais notavelmente os Testes de Pensamento Criativo de Torrance.
Conforme definido por Coon, (1989), o pensamento divergente pode ser definido como o
pensamento que “produz muitas ideias ou alternativas”, além de desenvolver muitas
possibilidades a partir de um ponto de partida único. Logo, é usualmente associado à
criatividade e o pensamento convergente, ao pensamento convencional.
Uma vez que o Teste de Torrance avalia características de fluência, flexibilidade,
originalidade e elaboração, propriedades do pensamento divergente, faz sentido a inclusão de
atividades de pensamentos divergentes na bateria de identificação de talentos, objetivando a
28
caracterização dos alunos que são dotados e têm uma função cognitiva executiva excepcional
(Luria, O’Brien e Kaufman, 2016).
Torrance, (1965, citado em Wechsler, 2010), define criatividade como o processo de
tornar-se sensível a problemas, deficiências, identificar dificuldades ou elementos faltantes em
informações, ou ainda, formulação de hipóteses, fazendo adivinhações a respeito dessas
deficiências, testando essas hipóteses e comunicando os resultados encontrados.
Posteriormente, o autor ampliou sua compreensão, indicando se tratar de um fenômeno possível
de ser identificado e desenvolvido em todas as pessoas, defendendo a existência de uma grande
quantidade de características que influenciavam a expressão criativa, oriundas de áreas como a
intelectual, de personalidade ou ambiente.
Karwowski et al. (2016) pontuam que o potencial criativo é geralmente tratado como
sinônimo de capacidade criativa, e são medidos especialmente com tarefas de pensamento
divergente, enquanto que para Neubauer e Martskvishvili (2018), o potencial, as atividades e
as realizações criativas devem ser distinguidas. Para os autores, o potencial criativo é medido
por meio de tarefas de pensamento divergente, e a atividade e as realizações criativas são o
resultado da interação entre o pensamento divergente e fator g.
Apesar de os propósitos originais referirem-se à população geral, os testes de
criatividade de Torrance estão hoje entre os mais utilizados nas baterias de avaliação de
superdotação, principalmente para selecionar alunos altamente criativos, conforme supracitado.
Os autores Davis & Rimm (1994, citados em Fleitch, 2006), asseguram que a criatividade é o
tema mais importante na educação do superdotado, uma vez que compreendem que ela
contribui tanto para o desenvolvimento de talentos e habilidades, auxiliando esses indivíduos
na atualização de seus potenciais, como os habilitam a contribuírem criativamente com a
sociedade.
Existe, no entanto, diante da dificuldade conceitual, vários movimentos na tentativa de
desenvolver um consenso sobre a identificação de superdotados ou talentosos, especialmente
no que diz da relação entre inteligência e criatividade. Para Luria et al. (2016), existem muitas
razões possíveis pelas quais a inteligência desempenha papel importante na identificação de
superdotação: enquanto a inteligência pode ser medida quantitativamente, usando várias
avaliações que oferecem facilidade no processo de identificação e confiança no resultado, a
criatividade, é considerada mais difícil de conceituar de maneira quantitativa.
A própria relação entre inteligência e criatividade não está livre de diversidade
conceitual, posto que existem diferentes modelos de compreensão acerca do tema. No Modelo
CHC, a criatividade é entendida como um elemento secundário da inteligência, uma vez que
29
para os autores, que corroboram com Nusbaum e Silvia (2011) e McGrew (2009), citados em
Karwowski et al. (2016), a capacidade de armazenamento e recuperação de longo prazo é
responsável não somente pelo armazenamento e consolidação de novas informações, mas
também pela recuperação fluente de informações armazenadas, sendo esse um mecanismo
psicológico crucial para desenvolvimento da criatividade, assim como fluência ideacional,
associativa, expressional, verbal ou figurativa. Para além desses, os autores percebem a
flexibilidade figurativa, a sensibilidade aos problemas e a originalidade como subcomponentes
da inteligência.
No modelo dos três anéis de Renzulli, inteligência e criatividade são compreendidas
como habilidades distintas, uma vez que a inteligência seria representada no anel das possíveis
habilidades acima da média, e outro anel representaria a criatividade. Outros estudos propõem
a distinção entre esses construtos do ponto de vista conceitual, amparados na ideia de que tais
habilidades se constituem como aspectos distintos do funcionamento cognitivo, dentre eles
Colom (2008), Kim, Cramond e Badalos (2006) e Sternberg (1984), citados em Hutz et al,
(2018). De acordo com essa perspectiva, uma pessoa com alta inteligência poderia, ou não, ter
alto rendimento criativo, podendo ser compreendidos como preditores concorrentes para a
realização escolar.
Existe ainda uma terceira vertente denominada Threshold Theory – TH (ou limiar de
hipótese) que defende que a correlação entre esses construtos não se dá de forma linear, e sim,
de acordo com um limiar determinado pelo QI de 120 pontos. Essa vertente, edificada no nível
de significância estatística baseada no limiar de QI é mais heterogênea no que diz de sua
literatura específica, uma vez que uma série de estudos e evidências empíricas relativizam o
valor do limiar, assim como, da medida criativa considerava para avaliação. O TH entende que
a correlação entre inteligência e capacidade criativa deve ser positiva apenas nos grupos de
indivíduos cujo nível de inteligência está abaixo do QI de 120, esperando que essa correlação
positiva enfraqueça ou torne-se estatisticamente insignificante acima desse limiar (Karwowski
et al, 2016).
Pesquisas realizadas com finalidades investigativas a respeito da correlação entre
inteligência e criatividade apontam diferentes resultados. Karwowski et al. (2016) assinala 8
estudos realizados com n total de 12,255 estudantes de todos os sexos e níveis escolares, e
também adultos, com variância de idade de 6 a 77 anos, M = 15.74, SD = 1.82. Em todos os
estudos foram realizadas testagens em inteligência e criatividade, e análises de Person e
reanálise pela abordagem de regressão segmentada, além de análise de condição em cada um
dos conjuntos de dados adquiridos para estabelecimento de linha de teto no gráfico de dispersão.
30
Os resultados obtidos apontam que a inteligência é sim uma condição necessária, mas não
suficiente de capacidade, atividade ou realização criativa.
Em contrapartida, estudos levantados por Neubauer e Martskvishvili (2018), realizados
com 342 indivíduos de ambos os sexos, variância de idade entre 18 a 45 anos, M = 21,84; DP
= 5,84, estudantes universitários e voluntários submetidos a testagens de inteligência e
criatividade concluem que para que realizações criativas sejam realizadas, necessidades
cognitivas básicas devem ser sanadas, e destacam a inteligência como habilidade cognitiva mais
fundamental para tal. Portanto, de acordo com esse entendimento, é possível concluir uma
relação de dependência da criatividade com inteligência. Dentre as análises estatísticas
realizadas nesses estudos, destacam-se medidas para identificação da relação entre fluência e
atividades criativas, e da relação entre o pensamento divergente e altas necessidades para
realização criativa.
Dentre as funções neurocognitivas relevantes para o processo de aprendizagem destaca-
se a visoespacialidade, uma vez que as habilidades visoespaciais constituem-se em ferramentas
essenciais para habilidades acadêmicas específicas, como a matemática (Hindal, 2014). Estudos
levantados por Paz-Baruch, Leikin e Leikin (2016) realizados com adolescentes descobriram
que vários aspectos das habilidades visoespaciais têm sido associados com habilidades
aritméticas, e Hindal (2014a) completa, afirmando que a aprendizagem de habilidade
visoespacial é subjacente a disciplinas como leitura, matemática, ciências, arte e atletismo.
As habilidades visoespaciais, de acordo com Schlindwein-Zanini (2016), são associadas
à capacidade de pensar com representações mentais ou sistemas de signos de conteúdo visual,
ligando-se às relações espaciais. Oostermeijer, Boonen & Jolles, e Hegarty e Waller (citados
por Hazin, e Falcão, 2015) identificam três categorias da habilidade espacial, descrevendo:
I. Percepção espacial: capacidade de avaliação da ordenação dos objetos no espaço
e a investigação de sua relação com o ambiente;
II. Visualização espacial: capacidade para gerar uma imagem mental, gerar
transformações e armazenar o fruto dessas modificações;
III. Rotação mental: habilidade para recordar e rotacionar mentalmente um objeto
no espaço em 2D ou 3D.
Ou seja, a habilidade visoespacial é um termo amplo, que inclui habilidades perceptuais
não verbais, fundamentalmente visuais, que demandam memória e manipulação mental, com
manejo de informação espacial, tanto mnésicas como construtivas, lateralizadas
fundamentalmente no hemisfério direito do cérebro (Rosselli, Matute & Ardila, 2010).
31
a uma maior habilidade no processamento de informações visuais. Hindal (2014) afirma ainda
que indivíduos com alta performance (AH/SD) tendem a ser fortes visoespacialmente, e em
MO. Paz-Baruch et al, (2016) completa, pontuando que altas habilidades/superdotação e
memória operacional são mecanismos diferentes, porém se relacionam.
Hindal (2014) também apresentou resultados de correlações positivas entre
visoespacialidade e MO, advindos de um estudo realizado com 560 estudantes dispostos em
grupos de AH/S de 13 escolas públicas, afirmando que alunos superdotados tendem a ser
melhores em visoespacialidade em relação a grupos controle, justificando a alta performance
no domínio como fator diretamente ligado à ideia de inteligência.
Diante do exposto, o presente estudo tem como objetivo contribuir para ampliar a
compreensão dos perfis neurocognitivos dos dois grupos que constituem os extremos da curva
de inteligência, a saber, deficiência intelectual e as altas habilidades/superdotação. Ressalta-se
que se defende aqui que as pontuações de QI não são suficientes para caracterizar estes sujeitos,
que ambos os grupos têm pontos de força e fragilidade, entendê-los seria então a melhor
alternativa para a proposição de intervenções pedagógicas e clínicas adequadas, que garantam
o potencial de desenvolvimento inerente a todo e qualquer ser humano.
2 Objetivos
2. 2 Objetivos específicos
3 Método
Tabela 1
Descrição dos procedimentos utilizados no estudo.
FUNÇÃO
INSTRUMENTOS
AVALIADA
Entrevista clínica
Atenção - Five Digits Test (FDT)
- Escalas Wechsler de Inteligência: WISC-IV
Inteligência (12 a 16 anos); WAIS-III (17 anos <).
- Matrizes – Escala Geral.
- Figuras Complexas de Rey.
- Teste de Memória Pictórica (TEPIC).
- Blocos de Corsi.
Perfil neuropsicológico FE
- Teste de Aprendizagem Auditivo Verbal de
Rey (RAVLT).
- Dígitos (WISC-IV).
Fluência - Teste de Fluência Verbal Fonológica e
verbal Semântica.
- Teste de Torrance do Pensamento Criativo.
Criatividade
- Teste de Criatividade Figural Infantil (TCFI).
Tabela 2
Descrição da ordem dos procedimentos realizados no estudo.
- Entrevista clínica
- RAVLT
- Dígitos (WISC-IV)
1ª sessão:
- Blocos de Corsi
- Figuras Complexas de Rey
- Teste de Fluência Verbal.
2ª sessão - WISC-IV ou WAIS-III (de acordo com a idade do examinando)
- TEPIC
- Teste de Torrance do Pensamento Criativo
3ª sessão
- FDT
- Matrizes.
3.1 Participantes
Tabela 3
Amostra geral dos participantes.
Idade Sexo Grupo
Participante 1 - (G1 01) 14 M G1
Participante 2 - (G1 02) 15 F G1
Participante 3 - (G1 03) 14 M G1
Participante 4 - (G1 04) 17 M G1
Participante 5 - (G1 05) 16 M G1
Participante 6 - (G1 06) 12 F G1
Participante 7 - (G1 07) 12 M G1
Participante 8 - (G2 08) 16 M G2
Participante 9 - (G2 09) 16 F G2
Participante 10 - (G2 10) 15 F G2
Participante 11 - (G2 11) 16 F G2
Participante 12 - (G2 12) 19 M G2
Participante 13 - (G2 13) 20 M G2
Participante 14 - (G2 14) 16 M G2
Participante 15 - (G2 15) 15 M G2
Participante 16 - (G2 16) 16 M G2
Nota. G1 = Grupo 1 – Deficiência Intelectual; G2 = Grupo 2 – Altas Habilidades/Superdotação.
36
capacidade de compreender relações, porque as variáveis entre as quais as relações devem ser
vistas, não são óbvias em si mesmas (Bandeira, Alves, Giacomel & Lorenzatto, 2004).
Teste dos Cinco Dígitos (Five Digits Test – FDT) é um instrumento que permite avaliar
a velocidade de processamento cognitivo, a capacidade de focar e reorientar a atenção e a
capacidade de lidar com interferências. É um instrumento não verbal (baseado em signos quase
universais e num vocabulário de nível pré-escolar), que permite a avaliação de indivíduos em
diferentes níveis de escolaridade, incluindo pessoas sem escolarização formal. Utiliza a leitura
dos dígitos de 1 a 5 e a contagem de quantidades de 1 a 5, e permite medir a velocidade e a
eficiência mental do indivíduo, além de identificar imediatamente a diminuição de tais
funcionamentos. É composto quatro partes: leitura, contagem, escolha e alternância. As duas
primeiras medem processos simples e automáticos, enquanto as duas últimas medem processos
mais complexos que requerem um controle mental ativo. Permite, descrever a velocidade e a
eficiência do processamento cognitivo, a constância da atenção focada, a automatização
progressiva da tarefa e a capacidade de mobilizar um esforço mental adicional quando as séries
apresentam dificuldade crescente e exigem concentração muito maior. (Sedó, Paula & Malloy-
Diniz, 2015).
O teste das Figuras Complexas de Rey, idealizado por Andre Rey e normatizado para a
população brasileira em 1999, permite a investigação da organização visoespacial e da memória
visual, e objetiva avaliar as funções neuropsicológicas de percepção visual e memória imediata
visual. Em suas duas fases, de cópia e de reprodução de memória, seu objetivo é verificar o
modo como o indivíduo apreende os dados perceptivos que lhe são apresentados e o que foi
conservado espontaneamente pela memória. Ele consiste em figura complexa, geométrica e
abstrata composta por várias partes, e sua aplicação é dividida em dois momentos:
primeiramente pede-se ao sujeito que copie a figura com o maior número de detalhes possíveis,
e após 3 minutos, o indivíduo deve desenhar a mesma figura sem visualizar o estímulo. Esse
teste permite avaliar tanto a capacidade de percepção visual, visoconstrução, memória visual,
como também a habilidade de planejamento, que está relacionada ao funcionamento executivo.
38
Este instrumento é composto por duas etapas e avalia a memória imediata visual (ordem
direta) e memória operacional visual (ordem inversa). Uma base de madeira com 09 cubos
dispostos aleatoriamente é apresentada ao sujeito. O examinador aponta sequencias
progressivamente mais longas (de 2 a 7 dígitos) de cubos tocando nos blocos, inicialmente com
ordem direta e depois em ordem inversa. Na ordem direta pede-se que o examinando reproduza
a mesma sequência imediatamente após a demonstração. Na ordem inversa o examinando tem
que memorizar a sequência vista, porém reproduzi-la na ordem inversa. A aplicação é
interrompida com dois erros consecutivos na mesma sequência, ou seja, dois erros na mesma
sequência de blocos de igual quantidade. O desempenho é investigado considerando-se a
sequência mais longa retida pelo sujeito, nas duas ordens. Este teste, conhecido como Blocos
de Corsi, é indicado como medida do esboço visoespacial da memória operacional (Muszkat &
Mello, 2008).
por Andre Rey, apresenta-se ao indivíduo uma lista com 15 substantivos que podem ou não ser
semanticamente relacionadas. Essa mesma lista é apresentada em uma série de 5 ensaios, e tem
como objetivo a investigação da memória de reconhecimento. Após cada uma das vezes em
que são apresentadas as 15 palavras, o examinando repetirá o máximo de palavras que lembrar,
sem a obrigatoriedade de manter a ordem de apresentação. Em seguida, uma segunda lista é
lida para o participante – Lista B, distratora. Terminada a leitura solicita-se novamente ao
avaliando que repita todas as palavras que recordar desta segunda lista. Posteriormente é
solicitado que se evoque as palavras da lista A que recordar, sem a leitura do examinador.
Após 20 minutos, solicita-se ao testando uma lista impressa, de reconhecimento,
composta por 50 palavras, sendo quinze oriundas da lista A, e quinze da Lista B e vinte palavras
que tem semelhanças a nível fonético ou semântico com as palavras das listas A e B. O objetivo
desta etapa é avaliar a memória de reconhecimento, na qual o participante deverá destacar as
palavras que recordar da lista A e B. Além da medida quantitativa (número de itens recordados
em cada ensaio e ao total), é indicado avaliar se há melhora na recordação ao longo da série e
quais as estratégias utilizadas pelo indivíduo. Investiga-se a recordação espontânea, e em
seguida, após a apresentação de pista baseada na categoria de palavras. Um melhor desempenho
sob condições de recordação com pista em comparação à espontânea pode indicar uma
dificuldade de acesso à informação armazenada estando preservada a retenção (Muszkat &
Mello, 2008).
4 Resultados
Tabela 4
Variável sexo na amostra geral.
SEXO FREQUÊNCIA (N) PERCENTUAL (%)
Feminino 5 31,3
Masculino 11 68,8
Tabela 5
Variável idade na amostra geral.
IDADE FREQUÊNCIA (N) PERCENTUAL (%)
12 2 12,5
14 3 18,8
15 3 18,8
16 5 31,3
17 1 6,3
19 1 6,3
20 1 6,3
Tabela 6
Resultados das análises descritivas e inferenciais dos desempenhos dos grupos G1 e G2
nas classificações das Escalas Wechsler e Matrizes Progressivas de Raven.
Grupo G1 ( n=7) Grupo G2 ( n=9)
Inferior Média DP Superior Média DP Qui-Quadrado
(p)
QI.CV 85,7% 14,3% 0,37 100% ----- ---- 0,001
QI.OP 71,4% 28,6% 0,48 88,95% 11,1% 0,33 0,001
QI.MQ 85,7% 14,3% 0,37 66,7% 33,3% 0,50 0,002
QI.VP 57,1% 42,9% 0,53 55,6% 44,4% 0,52 0,01
QI total 100% ---- ---- 100% ---- ---- 0,001
Matrizes 100% ---- ---- 100% ---- ---- 0,001
Figura 5
Qualidade dos Clusters – Matrizes x Índices da Escala Wechsler
Figura 6
Tamanho dos Clusters – Matrizes x Índices da Escala Wechsler
Figura 7
Preditores de maior importância na formação de clusters - Matrizes x Índices da Escala
Wechsler.
45
Figura 8
Qualidade dos Clusters – Escalas Wechsler e demais índices
Figura 9
Tamanho dos Clusters – Escalas Wechsler e demais índices
46
Figura 10
Preditores de maior importância na formação de clusters – Escalas Wechsler e demais
índices
A Figura 10, destaca os preditores de maior importância na para a partição dos clusters.
Foram consideradas na análise as variáveis com limiar de importância mínima próxima a 0,3
(num intervalo de 0,0 a 1,0, com índice mínimo usual de 0,5).
A seguir, são apresentadas a distribuição percentual das variáveis de maior força de
partição no interior dos dois clusters, bem como a análise da comparação entre os desempenhos
dos grupos em cada uma destas.
47
Tabela 6
Amostra de preditores com diferenças entre clusters.
p G1 G2
PREDITOR
(Significância) (Desempenho) (Desempenho)
86% inferior
QI.CV 0,001 100% superior
14% médio
11% inferior
F1 - Enriquecimento de ideias 0,001 100% inferior
89% médio
71% inferior 11% inferior
QI.OP 0,001
29% médio 89% superior
14% inferior 33% médio
QI.MO 0,002
86% inferior 67% superior
86% inferior 33% médio
Figuras de Rey - Memória 0,010
14% superior 67% superior
71% inferior 55% médio
Torrance total 0,006
29% médio 45% superior
42% inferior
11% inferior
F2 - Emotividade 0,009 42% médio
89% superior
16% superior
11% inferior
86% inferior
F3 - Preparação criativa 0,009 33% médio
14% médio
56% superior
29% médio 11% superior
Dígitos 0,009
71% inferior 89% médio
11% inferior
86% inferior
Figuras de Rey – Cópia 0,010 33% médio
14% superior
56% superior
57% inferior 45% médio
QI.VP 0,011
43% médio 55% superior
57% inferior 44% médio
FDT Escolha 0,011
43% médio 56% superior
57% inferior 56% médio
FAM Fonológica 0,015
42% médio 44% superior
43% inferior
RAVLT Reconhecimento 0,032 43% médio 100% médio
11% superior
71% inferior 12% inferior
FDT Alternância 0,047 14% médio 44% médio
14% superior 44% superior
22% inferior
71% inferior
F4 – Aspectos cognitivos 0,111 56% média
29% médio
22% superior
Nota.QI-CV = índice de compreensão verbal; F1 = Fator 1 de Torrance; QI-OP = índice de organização perceptual;
QI-MO = índice de memória operacional; F2 = Fator 2 de Torrance; F3 = Fator 3 de Torrance; QI-VP = índice de
velocidade de processamento; F4 = Fator 4 de Torrance.
48
5 Discussão
são tipicamente mais baixos do que os encontrados nos domínios verbal e visoespacial (Rowe
et al, 2010; Rimm et al, 2008).
Estudos têm, inclusive, questionado a pertinência de utilização das escalas Wechsler na
determinação das AH/SD. Isso porque a importância assumida pelo domínio da velocidade de
processamento em muitos de seus subtestes poderia penalizar indivíduos com alto nível
intelectual. Estudo realizado na Espanha, com crianças com AH/SD e idades entre 6 e 13 anos,
encontrou resultados semelhantes à presente pesquisa. Foram identificadas discrepâncias entre
os resultados obtidos em compreensão verbal e velocidade de processamento, e entre
organização perceptual e velocidade de processamento. O domínio da compreensão verbal
concentrou os maiores escores, enquanto os de velocidade de processamento e memória
operacional foram os mais baixos (Molinero, Mata, Calero & García-Martín, 2015).
Como dito anteriormente, os grupos também apresentam entre si diferença, estatística
significativa, quando comparados os seus desempenhos em tarefas que envolvem a organização
perceptual. Os dois grupos apresentaram curva ascendente de desempenho neste domínio,
sugerindo uma relação diretamente proporcional entre QI total e organização perceptual. Este
domínio apresenta correlação positiva com o conceito de inteligência fluida, domínio no qual,
neste estudo, a comparação entre os desempenhos dos dois grupos também foi significativa, a
favor de AH/SD.
Qualitativamente, observou-se diferenças na qualidade do processo de realização dos
subtestes. O grupo DI apresentou menor persistência na execução das tarefas, baixa tolerância
às dificuldades encontradas nas mesmas, desistindo, em muitos casos, antes da efetivação das
tarefas por inteiro. Por sua vez, o grupo de AH/SD, demonstrou alto poder de engajamento,
com foco atencional elevado.
No que se refere à velocidade na resolução das tarefas, os desempenhos dos grupos
foram relativamente semelhantes, se considerarmos a dimensão quantitativa. Porém, a análise
qualitativa da atividade revela que, enquanto o grupo de DI demonstrou impaciência para a
realização das atividades, fornecendo respostas aleatórias, o que elevou artificialmente o tempo
de execução; o grupo AH/SD apresentou tranquilidade na realização dessas tarefas, ainda que
as realizassem de maneira veloz, e em grande parte dos casos, conversando com a avaliadora,
ou ainda, dançando ou cantarolando de maneira simultânea à realização das mesmas.
Por fim, considera-se agora o domínio da memória operacional, aqui compreendida
enquanto habilidade de ordem superior que permite reter novas informações na memória de
curto prazo, com a intenção de manipulação e produção de resultados dessas informações. Essa
habilidade tangencia questões de concentração, habilidade de planejamento, flexibilidade
51
Figura 12
Extrato de protocolo de sujeito do grupo DI. Produção na etapa de memória do Teste das
Figuras Complexas de Rey.
Figura 13
Extrato de protocolo de sujeito do grupo AH/SD. Produção na etapa de memória do Teste
das Figuras Complexas de Rey.
em ambos os grupos, não foram homogêneos em termos de classificação. Nos dois grupos foi
possível identificar pontuações inferiores e medianas (embora o grupo DI tenha obtido menor
quantidade de classificações inferiores do que o grupo AH/SD), e nenhum dos dois grupos
obteve classificação superior no instrumento.
Análogo aos achados supracitados, se considerarmos os resultados do subteste Dígitos
da escala Wechsler que avalia esta mesma dimensão, os dados encontrados neste segundo
instrumento revelam que a quase totalidade dos sujeitos do grupo DI obteve pontuação
classificada como inferior nessa tarefa, enquanto somente 28% dos sujeitos obtiveram
pontuação média. Por sua vez, no grupo AH/SD, somente um sujeito obteve classificação
superior, enquanto os demais obtiveram classificação média (dentro da variação normal de
índices). Embora tenha sido encontrada diferença estatisticamente significativa entre os
resultados apresentados, pode-se sugerir que esta dimensão é considerada um ponto de
fragilidade em ambos os grupos, considerando eles próprios como critério de comparação.
Embora se aponte uma correlação positiva entre as habilidades de memória operacional e
inteligência, sugerida em diferentes estudos (Friedman et al, 2006; Colom et al, 2006; e
Memisevic e Sinanovic, 2014), em nossa pesquisa, esta modalidade de memória MO foi o
índice de menor diferença estatística entre os grupos.
Em termos do outro componente executivo que participou da partição dos grupos, a
saber, a atenção seletiva, destaca-se que esta dimensão da atenção faz parte do domínio
denominado processos controlados, estes demandam simultaneamente habilidades superiores,
como controle inibitório e flexibilidade cognitiva, para inibição e ativação de respostas e
rotinas. As duas etapas em que constituem a avaliação dos processos controlados (escolha e
alternância) exigem o controle do nível de interferência nas tarefas, flexibilidade cognitiva e
raciocínio lógico indutivo e dedutivo (Diamond, 2013; Abreu et al. 2014).
Nestas tarefas, identifica-se que aproximadamente metade dos sujeitos que compõem
cada um dos grupos obteve classificação média, enquanto a outra metade do grupo DI obteve
classificação inferior e a outra metade do grupo AH/SD obteve classificação superior. De modo
geral, pode-se dizer que esta habilidade não se configura como característica significativa de
nenhum dos dois grupos.
Por fim, problematiza-se aqui acerca das relações entre inteligência e criatividade, estas
que se constituem em seara frutífera de discussão. Estudos concordam que não é possível que
algum domínio do funcionamento humano, considerando em especial o domínio criativo,
funcione substancialmente sem a inteligência. Porém, estes mesmos estudos afirmam que a
inteligência sozinha não é suficiente para explicar a criatividade (Prieto & Ferrando, 2016).
54
Figura 14
Extrato de protocolo do sujeito 6 do grupo DI – Teste Torrance de Criatividade.
Figura 15
Extrato de protocolo do sujeito 16 do grupo AH/SD – Teste Torrance de Criatividade.
Figura 16
Extrato de protocolo do sujeito 6 do grupo DI – Teste Torrance de Criatividade.
57
Figura 17
Extrato de protocolo do sujeito 16 do grupo AH/SD – Teste Torrance de Criatividade.
Na análise qualitativa das produções pode-se observar diferenças qualitativas no que diz
respeito à limitação da expressão de ideias nos desenhos dos referidos grupos. Enquanto no
sujeito do grupo DI a expressão de emoção se dá de forma mais discreta, mediante
exclusivamente manifestação do sorriso da figura denominada “Véio”, no desenho do sujeito
do grupo AH/SD a emotividade se se expressa em número mais elevado de critérios, tais como:
expressão de emoção (sorriso alegre), título expressivo (“A menina sorridente do chapéu de
flor”) e Fantasia, interpretada pelos autores como “a habilidade para ir além do real para o reino
dos sonhos” (Nakano, 2011), manifestada no desenho de um chapéu em formato de flor.
O Fator 3 – Preparação criativa, é considerado uma oportunidade não diretiva da
expressão da criatividade, permitindo um uso mais livre e um maior número de respostas na
atividade proposta. Esta dimensão é caracterizada como uma possibilidade de expressão de
criatividade mediante oportunidade única (Nakano et al, 2011), pois é ofertada uma única
solução para determinado problema. No caso da atividade aqui avaliada, o sujeito deve partir
de um estímulo dado e construir uma história, o mais completa possível, integrando diversos
elementos. Nesta dimensão, o desempenho do grupo DI foi eminentemente caracterizado pela
classificação inferior, enquanto no grupo AH/SD pouco mais da metade obteve classificação
superior, conforme explicitado a seguir.
58
Figura 18
Extrato de protocolo do sujeito 6 do grupo DI – Teste Torrance de Criatividade.
Figura 19
Extrato de protocolo do sujeito 16 do grupo AH/SD – Teste Torrance de Criatividade.
A análise das produções revela que o produto final do sujeito do grupo DI não integrou
o estímulo-alvo ao desenho, bem como não estabeleceu relação entre pera e ovos, para além da
categoria alimento, ou seja, não conseguiu construir uma narrativa a partir de elementos visuais.
Por sua vez, a produção do sujeito do grupo AH/SD revela uma riqueza de detalhes, a integração
59
do elemento alvo com os demais estímulos produzidos, além de título provocativo, pois se
refere a uma estrela oval que tem ao seu redor um sistema planetário.
Por fim, discute-se aqui os dados oriundos do Fator 4 – Aspectos Cognitivos, pois apesar
da diferença entre os grupos não ter alcançado significância estatística (p = 0,111), a análise
qualitativa da produção se mostrou relevante. Nesta dimensão, a análise dos aspectos cognitivos
e das habilidades criativas é realizada através da busca de soluções originais, que vão além dos
limites estabelecidos pelo instrumento (Nakano et al, 2011). Esse foi o componente com
classificações mais heterogêneas e menos lineares em ambos os grupos. No grupo de AH/SD,
56% dos sujeitos foram classificados na média e 22% deste mesmo grupo no patamar superior.
Por sua vez, no grupo DI, 76% obtiveram classificação inferior. Os protocolos abaixo
representam as produções de ambos os grupos.
Figura 20
Extrato de protocolo do sujeito 3 do grupo DI – Teste Torrance de Criatividade.
Figura 21
Extrato de protocolo do sujeito 14 do grupo AH/SD – Teste Torrance de Criatividade.
60
Figura 22
Gráfico de dispersão do Teste de Torrance
Dispersão Torrance
120
100
80
60
40
20
0
0 20 40 60 80 100 120 140 160
Considerações Finais
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