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Gonçalo Aleixo Nunes

Assistente Convidado

AULAS PRÁTICAS

DIREITO PROCESSUAL CIVIL II

Caso n.º 4

Alberto e Beatriz, empresários portugueses do automobilismo, celebraram um contrato de compra


e venda de um novo motor fabricado pela Honda para incorporar no carro da equipa de Alberto para
a temporada de 2024/2025, pelo preço de EUR 350.000,00. Alberto acordou com Beatriz que
pagaria EUR 50.000,00 na data de entrega do motor na sua oficina e o restante valor seria pago a
21.03.2024, data em que Alberto receberia os dividendos da Fastcar, S.A., cujos lucros iriam
certamente “disparar” com a aquisição do novo motor. O motor foi entregue na sede da Fastcar,
S.A. em Alvalade.

No dia 20.03.2024, o carro de Alberto – o FC2024 - que se encontrava avaliado em EUR


3.000.000,00, ficou totalmente destruído devido a uma falha de adaptação do sistema de combustão
do motor vendido por Beatriz, na medida em que, ao contrário do que Beatriz sempre assegurou,
o motor não tinha a capacidade para suportar a parte eletrónica do FC2024.

Assim, Alberto decidiu propor uma ação no Juízo Cenral Cível de Lisboa, em 25.03.2024, pedindo
que o Tribunal: (i) condene Beatriz a pagar a Alberto EUR 1.200.000,00, correspondentes à soma
do valor do preço acordado no contrato de compra e venda do motor e ao valor do FC2024 com
fundamento em cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda; ou, caso o Tribunal entenda
que o pedido (i) seja improcedente, que (ii) declare a invalidade do contrato de compra e venda.

Beatriz foi citada a 30.03.2024 e apresentou contestação em 02.05.2024, alegando que:

(a) O Tribunal não tinha competência internacional, na medida em que Beatriz residia em
Madrid;
(b) O Tribunal não tinha competência em razão da matéria, na medida em que tanto Alberto
como Beatriz eram comerciantes, pelo que o Tribunal competente seria o Juízo de Comércio
de Lisboa;
(c) A invalidade do contrato de compra e venda impede o conhecimento do pedido de
indemnização, sendo apenas devido de Beatriz a obrigação de restituir o preço pago por
Alberto
(d) Beatriz só tem de restituir EUR 40.000,00, pois foi esse o valor efetivamente pago por
Alberto;
(e) Requer a intervenção da Segurosempre, S.A. seguradora com a qual contratou um seguro
contra todos os riscos e danos eventualmente provocados pelos motores que Beatriz vende;
(f) Impugna a alegação de Alberto de que garantiu que o motor tinha capacidade para o
FC2024, remetendo para ausência dessa afirmação no contrato de compra e venda celebrado
entre ambos, pelo que o contrato seria válido e eficaz e os danos resultantes da
implementação do motor no FC2024 deverão ser unicamente imputados à má montagem de
Alberto;
(g) Termina deduzindo um pedido reconvencional contra Alberto requerendo que este seja
condenado a pagar os EUR 160.000,00 devidos desde 21.03.2024, assim como os respetivos
juros moratórios.

No dia 10.05.2024, Alberto apresentou Réplica alegando que:

(a) As exceções dilatórias invocadas por Beatriz são manifestamente improcedentes, na medida
em que o Tribunal é internacional e materialmente competente;
(b) A Contestação de Beatriz revela uma intencional incompreensão da configuração dos
pedidos formulados por Alberto de forma a confundir o Tribunal em seu prejuízo, pelo que
requer a condenação de Beatriz como litigante de má-fé; e
(c) Invoca o seu direito à exceção de não cumprimento (artigo 428.º do CC), pelo que, além de
não se encontrar em mora, Beatriz não tem direito a receber qualquer quantia.

Responda fundamentadamente às seguintes questões:

1. A contestação apresentada por Beatriz é tempestiva?


2. Poderia Alberto configurar a ação com os pedidos que formulou? Analise a admissibilidade
dos pedidos formulados, tendo em conta as exceções dilatórias apresentadas por Beatriz na
contestação, pronunciando-se quanto à sua procedência/improcedência.
3. Poderia Beatriz requerer a intervenção da Segurosempre, S.A.?
4. Analise a admissibilidade do pedido reconvencional de Beatriz.
5. Analise a admissibilidade da Réplica apresentada por Alberto e o conteúdo da mesma.
6. Durante a pendência da ação, Alberto, com receio de ser condenado no pedido
reconvencional de Beatriz, decidiu doar as ações representativas do capital social da
Fastcar, S.A. ao seu filho Carlos. Beatriz pretende reagir, na medida em que o património
de Alberto ficou completamente depenado com esta dissipação, sem qualquer bem com
consistência económica para satisfazer o seu eventual direito de crédito. Como deveria
Beatriz proceder?
7. Em lugar de doar as ações representativas do capital social da Fastcar, S.A., Alberto
decidiu, enquanto administrador e acionista quase-único (com ações representativas de
99,9% do capital social) da Fastcar, S.A., permutar o estabelecimento comercial da
Fastcar, S.A. à Ferrugento, Lda., sociedade integralmente detida por familiares seus, em
troca de um terreno rural em Pombal avaliado em EUR 100,00. Em 2023, o relatório de
contas da Fastcar, S.A. apresentava um valor de vendas e serviços prestados pelo
estabelecimento comercial no montante de EUR 6.255.000,00 e um passivo de EUR
1.250.000,00. Poderia Beatriz reagir?
8. O Tribunal acaba por condenar Beatriz a pagar a Alberto EUR 1.070.000,00, com
fundamento no cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda declarando ainda o
mesmo como resolvido. Alberto pretende recorrer da decisão alegando a nulidade da
sentença, pois o juiz condenou Beatriz em quantidade diversa ao pedido. Por outro lado,
Beatriz pretende igualmente recorrer, na medida em que entende que o juiz foi além do
pedido e não se pronunciou quanto ao seu pedido reconvencional. Analise a admissibilidade
das pretensões de Alberto e Beatriz.
9. Alterava a sua resposta em 8., se o juiz tivesse proferido a sentença oralmente no café do
Tribunal aos mandatários de Alberto e Beatriz, terminando dizendo “consideram-se as
partes notificadas da decisão para todos os efeitos legais”?

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