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Direito Marítimo

Regente Januário Costa Gomes

Raquel Castro Guerreiro

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Índice
Introdução e evolução histórica ........................................................................................................................... 3
Acontecimentos e relatório de mar ...................................................................................................................... 7
Abalroação......................................................................................................................................................... 11
Salvação marítima ............................................................................................................................................. 26
Avarias............................................................................................................................................................... 37
Arribadas forçadas ............................................................................................................................................. 54
Conceitos de mar ............................................................................................................................................... 65
Responsabilidades relativas à expedição marítima ........................................................................................... 66
Agente transitário .............................................................................................................................................. 76
Pilotos ................................................................................................................................................................ 78
CLC e CBankas ................................................................................................................................................. 79
Incoterms ........................................................................................................................................................... 89

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Introdução e evolução histórica

O direito marítimo é um ramo do direito comercial, na medida em que a matéria do direito


marítimo está nos códigos comerciais como uma subárea do direito comercial.
Na atualidade, o direito marítimo regula todas as atividades humanas do mar, com exceção das
matérias de definição dos espaços marítimos ex. regime do alto mar, uma vez que isto é direito dos
espaços que compõe uma área do direito internacional público, chamado direito do mar. Para além
disso, na atualidade, o direito marítimo vai para além do direito comercial.
Quando falamos em direito marítimo temos de o distinguir do direito do mar ou do direito
internacional do mar.
Ferreira Borges: autor do primeiro código comercial, que teve a ideia de fazer um código
marítimo, mas depois acabou por não ir por aí. A verdade é que ele separou a parte do comércio- terra
e comercio marítimo, e então o código comercial está dividido em 2 partes distintas- a 2º parte podia
autonomizar-se como um código marítimo. O código comercial atual não é tão autonomista. Tem uma
parte relativa ao comércio marítimo.
O direito marítimo tem um vasto histórico importantíssimo. O direito marítimo tem uma
particularidade: é uma área do direito que é fortemente internacionalista, desde sempre por razões que
se prendem com o meio, que é o aquático, pois o mar sempre foi fonte de perigos daí que a parte que
respeita ao mar sempre assentou numa logica internacionalista.
Mas em que termos? Os códigos só começaram no sec XIX, ate lá só haviam práticas e
costumes, mas sempre houve esta lógica internacionalista.

Em que se manifesta, na atualidade, o internacionalismo?


Manifesta-se em 2 grandes vetores:
1. Convenções internacionais que respeitam a matéria marítima e;
2. Regras de soft law – cif também designadas por incoterms, estas não são uma convenção
internacional, são um conjunto de regras que são aplicáveis em contratos de compra e venda
em articulação com contratos de seguro e são aplicáveis se os operadores estiverem de acordo
com a sua aplicação. Ex. compra e venda CIF – são os direitos e deveres do comprador, sendo
que não regulam todos os aspetos, mas regulam o local de entrega da mercadoria e o risco pelo
perecimento da mercadoria.
Ex. compra e venda CIF- vendedor chinês pretende transportar uma mercadoria via mar para o
empresário português, é uma venda CIF, isto quer dizer que o local de entrega, o risco pelo perecimento
da mercadoria está regulado pelo contrato celebrado pelo vendedor chinês e pelo empresário
português, ou seja, é o vendedor que tem que tratar do transporte da mercadoria e é ele que tem de
fazer o seguro para o caso de acontecer alguma coisa à mercadoria – isto não é uma convenção
internacional, são regras de soft law , neste caso, compra e venda CIF.
Incoterms são direito marítimo, não sendo uma convenção internacional.
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Portugal está vinculado a uma convenção internacional através do art. 8º CRP, a partir do
momento em que Portugal ratifica a convenção faz parte da mesma. Sendo que em direito marítimo as
convenções são muito importantes, não podemos afirmar que é um direito nacionalista.
As convenções internacionais começam no princípio do séc. xx sobre matérias de convenção
marítima- estas convenções nasceram através do comité marítimo com sede em Bruxelas. Ao longo
do séc. XX, foram sendo aprovadas várias convenções sobre matérias marítimas.
O comité marítimo internacional teve importância na 1º metade do séc. XX, e para meados do
séc. XX começaram a existir iniciativas de outras entidades como seja a organização marítima
internacional. Há uma multiplicidade de convenções evidenciando o internacionalismo do direito
marítimo.
Quando falamos de internacionalismo do direito marítimo em termos de convenções como em
termos de soft law, para além disto há também direito europeu ex. combate à poluição, há um conjunto
de normas, regulamentos que são responsáveis pela criação de uma organização que se preocupa com
a segurança marítima.
Em direito marítimo temos que ter sempre o regime internacional (ex. convenção que seja
aplicável a um determinado instituto) e o regime interno (ex. transporte marítimo de mercadorias). Há
convenções a que Portugal está vinculado, mas também há um regime interno que se aplica. Se temos
uma matéria que é regulada pelos 2 regimes, o 1º passo é saber se essa convenção é aplicável ou não
na situação concreta- temos de interpretar a convenção e ver o perímetro de aplicação e a partir daí
tirar conclusões: se a convenção se aplicar a Portugal (regime internacional) não aplicamos o regime
interno, caso contrario é o regime interno que se aplica. A determinação da lei aplicável pode ser outro
ex. direito grego. Fazemos um pacto de não agressão.
Temos de considerar o direito interno ou internacional. Há uma convenção a que Portugal está
vinculado que é a convenção de Montego Bay- é uma convenção que tem importância para o direito
marítimo e convenção do mar.
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De facto, existe um confronto entre o direito marítimo e o direito internacional do mar, sendo
que este último trata da evolução dos espaços e das pertenças dos espaços.
Temos também o direito marítimo comercial, direito marítimo administrativo, direito marítimo
penal etc, mas as nossas preocupações estão sobretudo naquilo a que se chama direito comercial
marítimo.
A razão pela qual existe, por vezes, uma conexão entre direito marítimo e direito comercial
marítimo é pela organização da enciclopédia marítima. A razão mais lógica foi colocar a matéria
marítima no código comercial, primeiramente, no código de Ferreira Borges (primeiro código
comercial) e no atual código comercial de Veiga Beirão.
No entanto, Ferreira Borges deu mais valor à matéria marítima do que Veiga Beirão, porque
Ferreira Borges dividia o código comercial em 2 partes- comércio propriamente dito e matéria

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marítima e acabou até por propor um código marítimo. A autonomização da matéria marítima no
código comercial atual não é tão intensa, aplicando-se a parte geral. O livro III do código comercial
atual trata do comercio marítimo sendo que os outros livros tratam de matérias comerciais ex. regime
do seguro, sendo que este é bastante importante. Veiga Beirão não deu à matéria marítima o mesmo
grau de autonomia que foi dada por Ferreira Borges, mas fez referência a esta matéria.
Em termos internos, ou seja, em relação à legislação interna, as coisas durante muito tempo
estiveram num certo pousio, até que se sentiu a necessidade da reforma da legislação marítima; isto
teve consequências a nível do código das sociedades comerciais, sendo que sempre se discutiu o que
fazer com a matéria marítima. Opções:
1. Criar um código marítimo e chegou a haver nos anos 50 um código de navegação marítima,
no entanto nunca mais se fez referência a este. Foi um projeto que seguiu de perto a lógica
italiana- estes operaram a unificação do direito privado, o código civil dos italianos contém a
matéria comercial e foi aprovado um código da navegação que regula a navegação marítima e
a navegação aérea em 1942. O direito aéreo nasceu a partir do direito marítimo e autonomizou-
se mais tarde.
Assim, o nosso projeto de código da navegação marítima inspirou-se no projeto italiano,
existiam várias correntes e esta discussão em torno do que fazer com a matéria marítima continuou até
aos anos 80.
2. Criar uma lei geral da navegação marítima;

3. Criação de legislação avulsa: ou seja, pegar em várias figuras e disciplinar essas figuras, e foi
o que aconteceu nos anos 80- surgiu um conjunto de diplomas que saíram do código comercial
para legislação à parte, no entanto mantiveram-se outras matérias no código comercial. A
legislação dos anos 80 foi influenciada pelos franceses e Mário Raposo seguiu muito isto.
Nesta época, foi criado o tribunal marítimo pelo impulso de Mário Raposo, sendo que nos anos
90 surge um novo núcleo de legislação chamado núcleo expo 98. Foi aquando da expo 98 que foi
aprovado um pacote legislativo marítimo, que já não foi pelo impulso de Mário Raposo, que regula
matérias bastante importante, ex. estatuto legal do navio, regime da salvação marítima.
Em termos de polos normativos, temos no código comercial ex. matérias de acontecimento de
mar, polo dos anos 80 etc e depois foi aparecendo mais legislação devido à necessidade de criar direito
interno. Temos também legislação europeia ex. segurança ambiental.
Em termos internacionais, há uma essencialidade da vertente do direito marítimo, este sempre
foi internacionalista ex. legislação aplicável a certos acontecimentos de mar.
Há nos diversos mares práticas comuns: temos nos diversos mares compilações de práticas e
usos marítimos que eram aceites, mas não como códigos. No mediterrâneo, havia o consulado do mar
que era aplicável em várias áreas do mediterrâneo. Quando, no séc. XIX, a opção era cada país ter um
código, a matéria marítima foi encaixada nos códigos comerciais, mas veio ao de cima a insuficiência
desta solução porque o internacionalismo do comércio marítimo exigia um regime comum - tudo isto
para explicar o facto de no principio do séc. XX terem começado a surgir convenções internacionais

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marítimas, primeiramente, através do comité marítimo com sede em Bruxelas, depois começou a ter o
apoio das nações unidas.
No direito marítimo, temos que estudar as convenções internacionais, sendo que estas estão
estruturadas através de temas específicos. Por cima destas, há uma grande convenção que é a
convenção de Montego Bay que tem pontos de regime importantes onde se regulam os espaços
marítimos etc que não é privativa do direito do mar, tem muitos pontos importantes ex. estatutos dos
navios.

Primeiro vamos analisar a convenção de Bruxelas de 1910, no entanto em termos de


internacionalismo temos também que trabalhar com soft law , ou seja, com compilações de regras que
são aplicadas se os operadores as chamarem a si, ou seja, se as fizerem intervir nos contratos etc, não
têm forca normativa direta ao contrário das convenções através do art 8 CRP. As regras de soft law
podem ter força normativa direta por via de um pacto, são aplicadas se assim for acordado, o mesmo
se passa com matéria de compra e venda associada a transporte marítimo com seguros, ou seja, com
incoterms.
As convenções internacionais influenciam o direito interno apesar de existirem disparidades.
Ex. matéria de salvação marítima não se confunde com o instituto de socorro a náufragos, este é um
sistema de direito privado que evidencia a nobreza do direito marítimo e disciplina as situações em
que alguém presta socorro a outra como navios em perigo no mar tal como as consequências que daqui
advém.
Do ius naufragi (socorro a náufragos) surge o regime da salvação marítima e de bens arrojados
a praias. Em termos de regime da salvação marítima, este constava do código comercial e continuou
até 1998, ou seja, ficou no código comercial até existir uma legislação que passou a regular isto, em
termos internos. Em termos internacionais, estamos vinculados a uma convenção de Bruxelas sobre
salvação marítima. No entanto esta está desatualizada por isso é que surgiu uma convenção em Londres
pela IMO, que é a convenção de londres de 89 que Portugal não ratificou, no entanto no diploma
interno este é construído pela convenção de 98, ou seja, convenção que está inspirada pela convenção
de 89 é algo que é esdruxula.

As convenções são objeto de modificações, como a convenção que disciplina o transporte


marítimo de mercadorias. Em 1924 não existia a figura dos contentores, no entanto hoje em termos de
transporte, devido à facilidade de transporte e funcionalização do transporte porto a porto, mas também
do transporte porta a porta, a convenção sofreu modificações com a nova figura dos contentores.
Quando temos uma matéria, temos que ver a disciplina interna e internacional, temos que
destacar as diferenças e se o regime a aplicar não for o da convenção partimos do princípio de que o
regime a aplicar é o regime interno, no entanto não é bem assim, porque o regime a aplicar pode não
ser o interno português, mas não entremos por aí.
Ex. navio que entra pelo cais adentro- temos um problema de direito marítimo, temos que saber
se este acontecimento está disciplinado numa convenção, não se procura na convenção de Bruxelas

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por uma situação de arresto. A questão é saber se estamos num caso de abalroação, logo temos que ver
na convenção de Bruxelas e ver se cabe lá esta situação- se estiver em princípio ficamos aí, se não
estiver não estamos nessa situação. À priori, não é um caso de abalroação, temos que ir à convenção,
ir ao regime interno, a abalroação pressupõe a existência de abordagem em toque- se não há mais do
que 2 navios em choque em princípio não há abalroação, em principio aplicar-se-á o art 483 nº2 CC–
matéria de direito civil – responsabilidade civil.

Acontecimentos e relatório de mar

1. Introdução
Se seguirmos a força das palavras, acontecimento de mar será todo e qualquer evento que ocorra
no mar e que, como tal, tenha reflexos na navegação marítima ou nas atividades que no mar se
desenvolvem. Contudo, a expressão é utilizada em Direito Marítimo num sentido mais seletivo, para
designar eventos não ordinários ou comuns, maxime quando provocam ou são suscetíveis de provocar
danos de qualquer natureza.
Encontramos uma noção de acontecimento de mar no art. 13º/1 do DL 384/99, de 23 de
Setembro: todo o facto extraordinário que ocorra no mar, ou em águas sob qualquer jurisdição
nacional, que tenha causado ou possa causar danos a navios, engenhos flutuantes, pessoas ou coisas
que neles se encontrem ou por eles sejam transportadas.
Apesar de instrumental em relação ao documento relatório de mar, a noção di art. 13º/1 do DL
384/99 coincide com aquela que tem sido genericamente aceite pela doutrina, mesmo para situações
em que não está diretamente em causa o relatório.
Nem o Código Comercial de Ferreira Borges nem o de Veiga Beirão definiam acontecimento
de mar. Contudo, o mesmo era pressuposto da elaboração e apresentação do relatório de mar.

2. Caracterização de “acontecimentos de mar” pelo DL 384/99, de 23 de Setembro


Tendo revogado, entre outros, os arts. 506º e 507º do Ccom., o DL 384/99, de 23 de Setembro,
veio enquadrar o relatório de mar no âmbito de um capítulo (o IV) relativo aos “Acontecimentos de
mar”, conceito que define no art. 13º, de forma algo instrumental em relação ao regime dos arts. 14º e
15º, relativos ao relatório de mar.
A título claramente exemplificativo, o art. 13º/2 do DL 384/99 enuncia um extenso rol de
acontecimentos de mar específicos, terminando com a referência genérica a “em geral, todos os
acontecimentos ocorridos no mar que tenham por objeto o navio, engenhos flutuantes, pessoas, cargas
ou outras coisas transportadas a bordo”.
A preocupação em elencar o maior número de acontecimentos de mar possível levou o
legislador a não ser muito criterioso na enunciação, já que mistura acontecimentos em sentido próprio,

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com caracterizações jurídicas ou conceitos de direito. Na verdade, as avarias grossas não serão, em
bom rigor, um acontecimento de mar, mas, antes, a caracterização jurídica, para efeitos de regime (art.
634º e ss. do Ccom.), de um determinado acontecimento, como seja, por exemplo, o alijamento,
também constante da “lista”.
Art. 13º/2 de onde consta o elenco (não taxativo) de acontecimentos de mar: “Consideram-se
acontecimentos de mar, nomeadamente, a tempestade, o naufrágio, o encalhe, a varação, a arribada,
voluntária ou forçada, a abalroação, a simples colisão ou toque, o incêndio, a explosão, o alijamento
ou o simples aligeiramento, a pilhagem, a captura, o arresto, a detenção, a angária, a pirataria, o roubo,
o furto, a barataria, a rebelião, a queda de carga, as avarias particulares do navio ou da carga, bem
como as avarias grossas, a salvação, a presa, o ato de guerra, a violência de toda a espécie, a mudança
de rota, de viagem ou de navio, a quarentena e, em geral, todos os acidentes ocorridos no mar que
tenham por objeto o navio, engenhos flutuantes, pessoas, cargas ou outras coisas transportadas a
bordo.”
Uma expressão por vezes usada como sinónima de acontecimentos de mar é fortunas do mar,
expressão esta que encontramos, por exemplo, no art. 604º do Cccom., precisamente para caracterizar
genericamente alguns dos acontecimentos de mar elencados no art. 13º/2 do DL 384/99.
Contudo, a fortuna de mar (no singular) tem, tipicamente, um significado bem diferente,
contrapondo-se a fortuna de terra, sendo utilizada, genericamente, em sede de limitação da
responsabilidade do proprietário ou armador do navio, traduzida, nos sistemas de inspiração francesa,
no abandono do navio. A expressão fortuna do mar é também utilizada para designar um acidente
marítimo. Esta expressão tem, assim, uma diversidade de significados.
Para Cunha Gonçalves, a expressão fortuna do mar- equivalente a risco do mar- engloba
“qualquer sinistro ocorrido no mar ou por causa do mar, previsto ou imprevisto, sólito ou insólito,
vulgar ou extraordinário, devido a uma força maior ou a um caso fortuito”.
A enumeração de fortunas do mar constante do art. 604º, para efeitos de seguro marítimo,
engloba, também exemplificativamente, os seguintes acontecimentos: borrasca, naufrágio, varação,
abalroação, mudança forçada de rota, de viagem ou de navio, alijamento, incêndio, violência injusta,
explosão, inundação, pilhagem e quarentena superveniente.
Já de afastar como sinónima de acontecimentos de mar é a expressão sinistros marítimos,
expressão essa que está associada a desastres, tendo, de resto, um lugar de relevo no campo dos
seguros.

3. Elaboração e apresentação do relatório de mar


O art. 14º do DL 384/99 refere-se à elaboração e apresentação do relatório de mar, em termos
que não coincidem com os antes consagrados no Ccom., já que o relatório é necessário qualquer que
tenha sido o acontecimento de mar ocorrido. Recorde-se que, face ao art. 506º do Ccom., o relatório
de mar era circunscrito aos casos de “arribada, naufrágio ou evento extraordinário de que proviesse
demora da viagem ou avaria causada ao navio, carga ou passageiros”. Azevedo Matos referia-se ao
relatório de mar como “documento importantíssimo para averiguar de todas as circunstâncias em que

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o facto se passou, das causas que o originaram, bem como das possíveis responsabilidades de cada um
dos interessados”.
Refira-se que se mantém em vigor o art. 151/2 do Regulamento Geral das Capitanias, que
impõe ao capitão (ou quem desempenhe funções de comando) que entre em porto nacional o dever de
apresentar na repartição marítima, dentro do prazo de 24h, entre outros, o diário de navegação,
esclarecendo o artigo que tal apresentação é feita “a fim de a autoridade marítima proceder nos termos
do C. C.”. Suscita-se a questão de saber se se mantém a necessidade de visar o Diário de navegação
conforme impunha o revogado art. 506º do CCom. A dúvida pode suscitar-se- apesar de tal necessidade
não surgir mencionada no DL 384/99- em virtude da remissão feita pelo art. 151/2 do Regulamento
Geral das Capitanias. Remissão essa que deveria ser lida como reportada, desde logo, ao disposto no
art. 506º do Ccom.

De acordo com o disposto no art. 14º/1 do DL 384/99, a elaboração do relatório de mar pertence
ao capitão ou a quem exerça as funções de comando, devendo ser efetuado “após a ocorrência de
acontecimento de mar”.
Quanto às menções que devem constar do relatório de mar, as mesmas estão descritas e
enunciadas no art. 14º/2: o relatório deve conter a descrição de todos os elementos úteis que
caracterizam o acontecimento de mar a que respeitam, sendo enunciados, claramente de forma não
exaustiva, os seguintes: identificação e qualidade do subscritor, elementos identificadores e
características técnicas do navio e outras coisas relacionadas, identificação dos proprietários, entre
outros.
De acordo com o art. 14º/3, o relatório de mar deverá, depois, ser apresentado à autoridade
marítima ou consular, com jurisdição no primeiro porto de escala onde essa autoridade exista, no prazo
de quarenta e oito horas contadas a partir do momento em que o navio atracar ou fundear no
mencionado porto.
Prevenindo a hipótese de perda total do navio, o art. 14º/3 determina que, nesse caso, o prazo
conta-se desde a data da chegada do capitão ou de quem o substitua.
Após o decurso do prazo de quarenta e oito horas sem que o relatório de mar tenha sido
apresentado, não fica precludida a possibilidade de apresentação, mas deixa de ser possível a respetiva
confirmação, conforme decorre do disposto no art. 14º/4. Mais concretamente, a autoridade continua
adstrita às investigações a que esteja obrigada, mas está impedida de confirmar o relatório, devendo
referir expressamente essa impossibilidade nas conclusões que lavre, a final. Compreendem-se as
razões que estão na base da indicação de um prazo perentório: é importante, até para salvaguardar a
genuinidade dos dizeres, dos testemunhos e das provas, que a apresentação seja feita dentro de um
prazo curto e firme. Resulta deste regime que se a autoridade marítima ou consular confirmar o
relatório, apesar de o mesmo ter sido apresentado fora do prazo, tal confirmação é nula enquanto tal,
com as consequências que daí advêm Admite-se, porém, que, nesse caso, as conclusões possam valer
como elemento a considerar, a par de outros, em termos de prova.
Tal como no regime anterior, o art. 14º/5 estabelece que enquanto o procedimento de
confirmação do relatório não estiver concluído, não pode iniciar-se a descarga do navio, salvo havendo

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cumulativamente, urgência nessa mesma descarga e autorização concedida por escrito pela autoridade
competente para a confirmação.
Para além do relatório de mar previsto no DL 384/99, a lei pode prever a necessidade de feitura
de relatórios específicos que obedecem a regimes não coincidentes.

4. A confirmação do relatório de mar


O art. 15º do DL 384/99 disciplina o processo tendente à confirmação do relatório de mar e os
efeitos da confirmação.
O art. 15º/1 impõe à autoridade marítima ou consular que receba o relatório de mar o dever de,
com caráter de urgência, investigar a veracidade dos factos relatados, inquirindo em separado as
testemunhas arroladas e os tripulantes, passageiros ou outras pessoas que considere necessário ouvir
para esclarecimento da verdade. Impõe, por sua vez, o art. 15º/2 à autoridade competente para a
confirmação do relatório de mar o dever de recolher as informações e os demais meios de prova
relacionados com os factos relatados. Nesse âmbito, ninguém (ainda que não seja tripulante ou
passageiro) pode recursar-se a prestar depoimento feito sob a forma de auto de declarações, salvo
impedimento legal, devendo a recusa de colaboração constar das conclusões do procedimento (art.
15º/3).
Tal como no regime do Ccom, os interessados na expedição marítima, ou os seus representantes
ou gestores de negócios podem assistir ao depoimento das testemunhas e demais produção de prova
(15º/4), podendo também solicitar a quem os detenha os elementos a que se refere a alínea l) do art.
6º, ou seja “os documentos e registos do navio”.
O processo terminará com a confirmação ou com a não confirmação do relatório, conforme
decorre do art. 15º/5: no final da investigação, a autoridade marítima ou consular encerra o
procedimento, lavrando conclusões, nas quais confirma ou não, fundamentadamente, os factos
constantes do relatório de mar. Essa mesma autoridade deverá, depois, logo que possível, enviar à
autoridade marítima do porto de registo do navio em causa cópia autenticada do procedimento e suas
conclusões respeitantes ao relatório de mar (15º/6).

Qual o efeito da confirmação do relatório de mar? o regime é substancialmente o mesmo que


constava do art. 506º do Ccom. Face ao disposto no art. 15º/7 do DL, os factos constantes de relatório
de mar confirmado pela autoridade marítima ou consular competente, no pressuposto de que a
confirmação foi regular, “presumem-se verdadeiros, salvo prova em contrário”.
O pressuposto da regularidade da confirmação e do processo à mesma conducente resulta da
exigência, constante do art. 15º/7, de que a confirmação deverá ser feita “com observância do disposto
nos números anteriores”. Parece-nos, porém, claro, que não basta a regularidade nos termos do art.
15º: é necessário o cumprimento do disposto no art. 14º. Assim, não há regularidade de confirmação-
que não é, então, assistida de força presuntiva estabelecida no art. 15º/7- quando não tenha sido
respeitado o prazo de apresentação estabelecido no art. 14º/3 (14º/4).

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Estamos perante uma presunção relativa, iuris tantum, admitindo-se que aquele a quem não
interessar o teor do relatório confirmado, possa fazer prova do contrário, nos termos gerais de direito
(350º/2 CC).

Outros aspetos relevantes a reter do DL 384/99


Importância do art 5º deste diploma – em sede de tripulação, este artigo trata do capitão do
navio, como sendo uma figura de bastante importância.
Artº 6 enuncia obrigações especificas do capitão.
O capitão é o primeiro responsável pela expedição marítima- há a consagração de uma
presunção de culpa no art. 5º/1 pelos danos causados- o capitão é o comissário do armador – remete
para o regime do CC – art 500º responsabilidade objetiva do comitente, apesar de não haver nenhuma
presunção de culpa. Aqui há presunção de culpa do capitão enquanto comissário.
Neste quadro, o capitão desempenha funções na expedição marítima que vão para além da
qualidade de comissário, havendo interesses relevantes para além do armador. Ele tem que considerar
os vários interesses que estão presentes. O capitão tem aqui um papel complexo, ele tem que zelar por
estes interesses art 5.
Relação com o armador:
Art 8º do DL- relação do capitão com o armador: o capitão fora do local da sede do armador é
um representante do armador – isto é importante para efeitos de responsabilidade.
As situações que acontecem no mar são passiveis de gerar responsabilidade civil ou não-
sempre que há danos, o principio que está aqui presente e que advém do direito romano é casum sentii
dominus, ou seja, quem sofre danos tem que os suportar a não ser que consiga imputar estes danos à
esfera de outra pessoa, através da verificação dos requisitos da responsabilidade civil.
Ex. navio no mar e surge uma tempestade e um raio atinge uma zona do navio destruindo
contentores, navio não tinha nenhuma deficiência, a mercadoria não tinha que ir num porão, qual o
regime aplicável a esta situação? Será um caso de suportação ou de responsabilidade? Será um caso
de suportação e não de responsabilidade, dificilmente os donos da carga conseguem imputar
responsabilidade ao proprietário do navio.

A propósito do relatório de mar: o capitão, enquanto pessoa com maior importância na


expedição marítima, narra o que aconteceu- o capitão descreve e não decide, ele vai narrar os factos e
isto é muito importante, é um elemento de prova bastante importante arts. 14º e 15º.

Abalroação

1. Introdução

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A abalroação é um acontecimento de mar, enquadrando-se na previsão do art. 13º do DL
384/99, de 23 se Setembro.
Está regulada pelos arts. 664º e ss. do Ccom, e a nível internacional pela convenção de Bruxelas
de 1910. Também é importante referir o COLREG, a que Portugal também se encontra vinculado e
que tem como objetivo evitar abalroações no mar. De referir também as regras de Lisboa, instrumento
de soft law, que são aplicáveis se as partes assim o quiserem.

2. O que é abalroação para o Ccom. e para a Convenção de Bruxelas de 1910


Do art. 664º e ss. do Ccom. não resulta uma noção de abalroação; parece depreender-se, porém,
dos mesmos que, para o Código, a abalroação será um choque ou colisão de navios. Ex. art. 664º
(abalroação de navios), 665º (culpa de um dos navios).
Há que reconhecer, porém, que as expressões citadas apenas fazem presumir a necessidade de
colisão, mas não são inequívocas nesse sentido, num prisma jurídico, deixando campo aberto para o
relevo, mesmo face ao CCom., da “abalroação sem colisão”. Na verdade, a única exigência segura que
podemos associar à abalroação, face às disposições do Ccom., é que a mesma envolva dois ou mais
navios.
Envolvendo necessariamente dois ou mais navios, não será abalroação para o Ccom. o choque
ou embate de um navio contra um cais ou outro corpo fixo ou flutuante, caso esse que, na falta de outra
regulamentação específica, seguirá as regras gerais da responsabilidade civil.
Os casos mais polémicos serão os de colisão contra navios encalhados e abandonados, contra
navios afundados ou contra destroços de navios, havendo que estabelecer diferenças entre diversas
situações, sendo um critério norteador possível o da existência ou inexistência de navegabilidade.
Também aos navios imobilizados, que tenham perdido a primitiva destinatio ad navigandum, não será
aplicável o regime da abalroação. Ilustrando, não seria aplicável o regime da abalroação do Ccom. ou
da CB de 1910, mas o do CC, a uma colisão que acontecesse entre um navio desgovernado no porto
do Funchal e o célebre Vagrant, antes pertença dos Beatles, que jaz na baía dessa cidade como atrativo
e estabelecimento de restauração.
A abalroação é independente de os navios em causa estarem em movimento: pode estar um
fundeado e o outro em movimento.
Utilizamos indistintamente as expressões abalroação ou abalroamento (como consta do
COLREG).

Entendem alguns que a abalroação supõe o contacto direto, lendo-se, por exemplo, Adriano
Anthero que a abalroação é “o encontro de um navio contra outro”; em consequência, não considera
haver abalroação no caso em que a submersão ou dano do navio fosse causado pela brusca agitação
das ondas, produzidas por outro navio que passasse muito veloz junto dele. Cunha Gonçalves: não
haverá abalroação também quando um navio, pela velocidade da sua deslocação, agitar as águas de
modo a fazer desequilibrar e naufragar um barco junto do qual passou.

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Refira-se, porém, que esta conceção restritiva não coincide com a constante da CB de 1910,
cujo art. 13º considera a Convenção “aplicável à indemnização dos danos que, quer por execução ou
omissão de manobra, quer por inobservância de regulamentos, um navio houver causado a outro navio
ou às coisas ou pessoas que se achavam a bordo, posto que não tenha havido abalroação”. A mesma
clareza no sentido da desnecessidade de colisão encontramos no art. 4º da CB de 1952 para a unificação
de certas regras relativas à competência civil em matéria de abalroação.
Refira-se também que as Regras de Lisboa de 1987 (CMI) vão no mesmo sentido.
Entre nós, Vasconcelos Esteves, ao afirmar a nítida diferença entre os conceitos do Ccom. e da
CB, parece concluir que a interpretação correta, face ao Ccom., será a restritiva, de acordo com a qual
“para que haja abalroação, é necessário contacto direto”.
REGENTE: não acompanha a conceção restritiva identificada: para além de, como se disse
supra, ela não ter por si, de forma decisiva, a letra dos arts. 664º e ss. do Ccom., a mesma desconsidera
as realidades da navegação e a real existência de situações em que há danos claramente provocados
por outro navio, ainda que não tenha havido contacto físico.
Face ao entendimento exposto, prejudicada está a questão de saber se a colisão tem de ser
violenta. De qualquer modo, sempre diremos que, a ser adotada a visão restritiva acima criticada, de
acordo com a qual seria necessário um choque ou colisão, não veríamos razão para excluir o simples
“toque” (art. 13º/2 do DL 384/99) do conceito e do regime da abalroação: uma tal exclusão não teria
razão de ser, quer face ao regime do Ccom. quer face ao da CB de 1910.
O regime da abalroação constante do Ccom. está norteado em função da situação de abalroação
típica ou usual: aquela que provoca danos: isto é claro logo no art. 664º, continuando nas disposições
seguintes.
No entanto, a ocorrência de danos não é um elemento caracterizador ou constitutivo da
abalroação. Se do contacto físico (se tiver sido esse o caso) entre navios não resultou qualquer dano,
nem por isso deixamos de estar perante uma abalroação: o que acontece é que não há um pressuposto
essencial para o funcionamento da responsabilidade civil, o que não significa, obviamente, que o
acontecimento não tenha relevância noutros campos, designadamente no disciplinar.

Quanto ao conceito de navio: o art. 664º Ccom. refere-se, de facto, a abalroação de navios. O
conceito de navio é-nos dado, no direito interno, pelo DL 202/98, de 10 de Julho, que o define, para
efeitos do diploma (estatuto legal do navio), como “o engenho flutuante destinado à navegação por
água”.
Para efeitos de abalroação e respetivo regime, releva não só a ocorrência (maxime colisão) com
a própria estrutura do navio (casco) mas também com quaisquer elementos que façam parte integrante
do mesmo (art. 1º/2 do Estatuto Legal do Navio): assim, está também sujeito ao regime da abalroação
o embate contra a âncora e respetiva corrente presa ao navio.
O princípio é o de que o regime do Ccom., apesar de pensado em função da realidade dos
navios mercantes, será aplicável a todas as demais embarcações, incluindo as de pesca e as de recreio.

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Ficamos, ainda assim, longe da noção de navio das Regras de Lisboa do CMI, que envolve as
plataformas fixas, noção que vale para os específicos efeitos das Regras.
Quanto ao hidroavião amarado, o mesmo não é considerado embarcação para efeitos do RGC;
contudo, ele é considerado navio para efeitos do COLREG, conceito este que é definido (Regra 3,
parágrafo a) como “todo o veículo aquático de qualquer natureza, incluindo os veículos sem imersão;
os veículos WIG e os hidroaviões, utilizado ou suscetível e ser utilizado como meio de transporte sobre
a água”. REGENTE: favorável a uma interpretação ampla, que considere complexivamente todos os
normativos aplicáveis, numa lógica de sistema, propendendo-se, assim, para a aplicação do regime da
abalroação também ao hidroavião amarado.
A jurisprudência portuguesa não tem colocado reservas à aplicação do regime da abalroação
do Ccom. a situações que envolvam barcos de pesca. AC.RLx 10.03.1961: “os barcos de pesca são
considerados navios para efeitos de abalroamento”.

3. O regime aplicável à abalroação

3.1 Abalroação fortuita. A presunção de fortuitidade


Diz o art. 664º do Ccom. que “ocorrendo a abalroação de navios por acidente puramente
fortuito ou devido a força maior, não haverá direito a indemnização”. Para este efeito, o caso fortuito
e o de força maior têm o mesmo valor.
É claramente a lógica do princípio casum sentit dominus, de acordo com o qual os danos serão
suportados pelo lesado- regra da “suportação pela própria esfera onde ocorram” - o que, em geral,
acontece quando não é identificado o lesante ou, sendo-o, a conduta deste não é de molde a permitir a
imputação, por exemplo, porque a sua conduta não foi ilícita e culposa.
O art. 664º é complementado pelo art. 669º: a abalroação presume-se fortuita, salvo quando
não tiverem sido observados os regulamentos gerais de navegação e os especiais do porto. Ou seja:
quando não tenha havido inobservância dos regulamentos aplicáveis, o ponto de partida é o caráter
fortuito da abalroação: àquele a quem interessar, deverá fazer a prova da culpa ocorrida.
Nos casos em que tenha havido violação de um regulamento- em que não funciona a presunção
de caso fortuito- caberá, então, àquele a quem a invocação do caso fortuito aprouver, a respetiva
invocação.
O regime do art. 2º da CB 1910 coincide, no que respeita à abalroação, com o regime do art.
664º Ccom: se a abalroação tiver sido fortuita ou devido a algum caso de força maior, os danos serão
suportados pelos navios que os houverem sofrido.

3.2 Abalroação culposa

3.2.1 Culpa de um dos navios

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3.2.1.1 Regime do Ccom. e da CB de 1910
De acordo com o art. 665º Ccom, se a abalroação for causada por culpa de um dos navios, os
prejuízos sofridos serão suportados pelo navio abalroador. O regime do art. 665º, consagrado também
no art. 3º da CB 1910, é explicável à luz da responsabilidade aquiliana, cujos requisitos constam do
art. 483º CC- regime que se aplica na integralidade, tendo de considerar-se, depois, o disposto o art.
562º e ss. do CC, em relação à obrigação de indemnização.
Refere a doutrina que a culpa tanto pode resultar de ação como de omissão.
A culpa que pode estar em causa tanto se pode traduzir em dolo como em negligência,
admitindo-se a aplicação do art. 494º CC.
A referência a abalroações por culpa dos navios é usual e tem mesmo expressa previsão na letra
dos arts. 665º e 666º do Ccom., bem como nos arts. 3º e 4º da CB 1910. Não sendo o navio pessoa
jurídica, a expressão tem sentido metafórico. A culpa que está em causa tanto pode ser do capitão ou
de outro membro da tripulação.
A consideração da culpa do navio passa por um juízo de cotejo ou confronto com aquilo que é
exigido a um capitão, a um piloto ou a um profissional marítimo competente.

3.3.1.2 Presunção de culpa?


O art. 6/II da CB 1910 é expresso no sentido da inexistência de uma presunção de culpa quanto
à responsabilidade por abalroação.
A questão que se coloca é a de saber se, no direito interno, face ao regime específico do Ccom.
e ao geral do CC, é possível identificar presunções de culpa, como ocorre, por exemplo, no art. 493/2
CC.
No que respeita ao Ccom., a questão centrar-se-á no já referido art. 669º que estabelece uma
presunção de fortuitidade, aplicável apenas nos casos em que não tenha havido violação dos
regulamentos. Pode extrair-se do mesmo art. 669º uma presunção de culpa aplicável aos casos em que
tenha havido violação de um regulamento de navegação ou de um porto? NÃO!
A dúvida está em saber se a navegação marítima constitui uma atividade perigosa para efeitos
do disposto no art. 493º/2 CC.
Antunes Varela: não tem dúvidas em considerar a navegação marítima como atividade
perigosa. EX. AC. STJ de 29.11.77.
REGENTE: como ponto de partida e independentemente das situações de abalroação, se
questionarmos se a atividade de navegação marítima constitui uma atividade perigosa: quer em função
da sua natureza quer em função dos meios utilizados, a atividade de navegação marítima é uma
atividade que envolve um especial perigo de produção de danos, cabendo àquele que a exerce
demonstrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os
prevenir.

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O regente é, assim, numa primeira abordagem da questão, favorável ao enquadramento da
atividade de navegação marítima no âmbito de previsão do art. 493º/2 do CC. Simplesmente, no que
diz respeito à abalroação, existe um regime especial estabelecido a nível internacional na CB 1910 e,
a nível interno, no art. 664º e ss. do Ccom., regime esse que afasta o regime geral do CC. Diversamente
do regime geral de presunção de culpa, que flui do art. 493º/2, no campo da abalroação o regime regra
é, antes, o da presunção de caso fortuito, do art. 669º Ccom., conquanto a mesma só seja aplicável aos
casos em que tenham sido observados os regulamentos gerais de navegação e os especiais do porto.
Assim sendo, considera aplicável o regime geral da presunção de culpa do art. 493º/2 do CC
nos casos que não devam ser considerados como abalroação para o Ccom., como o do embate de um
navio contra um cais.

3.3.1.3 Culpa e mau estado de navegabilidade do navio


O caráter culposo da abalroação pode decorrer do mau estado de navegabilidade do navio. Ou
seja, ainda que não haja culpa do capitão, se o navio estiver em mau estado de navegabilidade (por
exemplo, não obedece rapidamente aos comandos, pelo mau estado das máquinas e aparelhos, etc), tal
situação pode conduzir, em concreto, a um juízo de culpa.

3.3.2 Concurso de culpas dos navios envolvidos


O art. 666º do Ccom. prevê que, havendo culpa de ambos os navios, se forma um capital dos
prejuízos sofridos, o qual será indemnizado pelos respetivos navios, em proporção à gravidade da culpa
de cada um. Note-se que o art. 666º se reporta literalmente ao caso de culpa de ambos os navios, mas
o mesmo regime é, obviamente, de aplicar no caso de envolvimento culposo de mais do que dois.
As faltas de cada um dos navios não precisam de ser do mesmo tipo (cada um violou uma
específica e diversa norma regulamentar) bem precisam de ser simultâneas, sem prejuízo de poder
relevar o tempo decorrido, em sede de graduação da culpa.
A determinação da proporção da gravidade da culpa de cada navio é uma questão delicada que
pertence ao tribunal fixar, numa operação de algum modo semelhante àquela que ocorre em sede de
colisão de veículos (art. 506º CC).
E se não for possível atribuir a proporção da culpa de cada um?
O art. 484º do Codice della Navigazione estabelece que “no caso que que, por particulares
circunstâncias, não se possa determinar a proporção, o ressarcimento é devido em partes iguais”. E a
solução do nosso CC em matéria de proporção das culpas é que quando haja dúvida se repartem em
partes iguais- é o que consta do 497º/2 CC. Tendência no direito civil a considerar as culpas
proporcionais, em caso de dúvida.
REGENTE: concorda com essa solução, sendo aquela que corresponde aos princípios gerais e
que está também consagrada no art. 4º da Convenção de Bruxelas. Estamos, naturalmente, a pressupor
que há culpa de ambos os navios; se assim não for, então teremos o caminho aberto para eventual
aplicação do art. 668º (dúvidas sobre a causa).

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Quanto aos prejuízos causados a terceiros, maxime carregadores, eles estão indicados na
previsão do art. 666º Ccom.: cada navio responderá na proporção da gravidade da culpa respetiva,
constituindo o regime do art. 666º do Ccom. um regime especial em relação ao regime geral do art.
497º do CC, do que resultaria a responsabilidade solidária das “várias pessoas responsáveis pelos
danos”.
Posição diferente era sustentada por Cunha Gonçalves para quem, relativamente às cargas e às
pessoas que estavam a bordo, os navios respondem solidariamente pela totalidade dos prejuízos “como
no caso de ser duvidosa a culpa, aplicando-se por analogia a segunda parte do artigo 668”.
A posição defendida por Cunha Gonçalves não parece ao regente sustentável: o artigo 666 do
código comercial tem um âmbito de aplicação próprio, diferente do traçado no artigo 668 para a
abalroação duvidosa, estabelecendo um regime próprio, onde não é possível identificar uma lacuna
cuja integração permita suscitar a aplicação do regime do artigo 668- regime que, pressupõe a
inexistência o, pelo menos, o não apuramento de culpa, que é um pressuposto da aplicação do artigo
666. Aliás, é bem evidente a diferença de redação entre os artigos 666 e 668 do código comercial, com
o segundo a consagrar um regime de solidariedade, mas num quadro claramente diferente do do âmbito
de aplicação do primeiro.
O artigo 666 do código comercial consagra, assim, um regime de parciariedade em sede de
responsabilidade, face, por exemplo, aos carregadores. Para tentar obter ressarcimento integral pelos
danos causados à mercadoria transportada no navio A, culpado em 70%, os carregadores respetivos
terão de demandar também o navio B, culpado em 30%, já que, de outro modo, apenas lograrão obter
70% da indemnização devida. O problema deste regime é que o transportador A pode, em função do
regime aplicável, ter uma causa de exoneração de responsabilidade, por exemplo, por a abalroação
estar abrangida no elenco dos excepted perils do art. 4º/2 da CB 1924, relativa à unificação de certas
regras em matéria de conhecimentos de carga, circunstância que determina, pelo menos prima facie,
que o carregador apenas poderá exigir indemnização ao navio B, indemnização essa que, pautando-se
pelo regime da parciariedade e não da solidariedade, será determinada pela medida da culpa, o que
significa que, no exemplo referido, estará a limitada a 30% doa danos apurados.
Ou seja, em situações como esta, estamos perante um claro concurso da responsabilidade extra
obrigacional com as regras da responsabilidade obrigacional, problema que, neste caso, parece dever
ser resolvido, no que diz respeito às relações entre o carregador e o “seu” navio, pela prevalência do
regime do transporte, em detrimento do funcionamento da responsabilidade extra obrigacional: não
faria sentido, no exemplo dado, que o navio A tivesse que satisfazer 70% do valor da indemnização
para, depois- e só depois- numa lógica de solve et repete, fazer atuar a exclusão de responsabilidade
por falta náutica, face ao regime da CB de 1924.

Regime do art. 4º CB 1910


De acordo com o 1º parágrafo, sendo a culpa comum, a responsabilidade de cada um dos navios
é proporcional à gravidade das culpas respetivas. Contudo, se em face do caso, não for possível

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estabelecer-se a proporção, a responsabilidade é partilhada em partes iguais; idêntico regime é
aplicável se as culpas se mostrarem equivalentes.
De acordo com o 2º parágrafo, os danos causados (aos navios, aos seus carregamentos, aos
efeitos ou outros bens das tripulações, dos passageiros ou demais pessoas que se encontrem a bordo)
são suportados pelos navios culpados na proporção referida no 1º parágrafo, sem solidariedade
relativamente a terceiros.
Podemos dizer, assim, que até ao segundo parágrafo inclusive, o regime do artigo 4º da CB
1910 consagra, tal como no artigo 666 do código comercial, um regime de parciariedade.
Esta parciariedade é, porém, excecionada, no sentido de solidariedade, quando haja danos
pessoais (mortes ou ferimentos), sem prejuízo do direito de regresso daquele que haja pago uma
quantia superior àquela que deveria suportar, de acordo com o critério do primeiro parágrafo do mesmo
artigo. Note-se, porém, que haverá que considerar o regime da Convenção de Bruxelas de 10/10/1957,
sobre responsabilidade de proprietários de navios de alto-mar.
O 4º parágrafo, finalmente, comete às legislações nacionais a determinação, no que diz respeito
ao regresso, do alcance e efeitos das disposições contratuais ou legais que limitem a responsabilidade
dos proprietários dos navios para com as pessoas que se encontram a bordo.
Ressalta, portanto, do regime do artigo 4º da CB 1910 a constatação de que, com exceção das
situações de danos e ferimentos a terceiros- nas quais existe uma responsabilidade solidária dos navios
envolvidos na abalroação- o regime da CB é harmónico com o do artigo 666 do código comercial.
Também neste campo se suscitam as questões relativas ao concurso de responsabilidade extra
obrigacional com a obrigacional, sendo que, no âmbito de aplicação da Convenção, o artigo 10 dá
força à posição acima adotada no âmbito interno.

3.4 Abalroação duvidosa


Art. 668º Ccom: a abalroação duvidosa acontece “havendo dúvida sobre qual dos navios deu
causa à abalroação”. Se for este o caso, determina o art. 668 que cada navio suporta os prejuízos que
sofreu, acrescentando, porém, que todos respondem solidariamente pelos prejuízos causados às cargas
e às pessoas.
O art. 668º não tem aplicação, parece-nos, no caso de haver culpa de ambos os navios e não se
saber ou poder determinar a proporção das culpas em causa. Nesse caso, a lógica que parece resultar
do artigo 666 é que a proporção é tida por igual, solução igual a do artigo 4º CB 1910.
A primeira dúvida que se pode suscitar é a de saber se, a nível de regime, há alguma diferença
entre a abalroação duvidosa e abalroação fortuita, na qual, como vimos, cada navio suporta os seus
próprios danos. A diferença de regimes parece-nos clara: enquanto que na abalroação fortuita não há
lugar a qualquer indemnização quer aos navios quer às cargas quer ainda às pessoas, na abalroação
duvidosa é feita uma cisão a nível de regime: quanto aos navios funciona a lógica casum sentit dominus
mas quanto às cargas e às pessoas é estabelecido um regime de responsabilidade solidária.

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Ora, é precisamente a circunstância da responsabilidade solidária consagrada no artigo 668 que
impõe a autonomização, no direito interno, da abalroação duvidosa, não podendo, porém, deixar de se
reconhecer que a mesma tem um difícil campo de delimitação face a abalroação fortuita.
O critério para determinar o caráter duvidoso da abalroação não pode, no entender do regente,
deixar de ser o seguinte: a abalroação duvidosa é aquela em que não foi possível apurar o caráter
fortuito ou culposo. O regime da abalroação duvidosa acaba, assim, por ser subsidiário em relação ao
da abalroação fortuita e ao da abalroação culposa.

4. O regime aplicável às pessoas transportadas em virtude de contrato de transporte de


passageiros por mar
Importa fazer uma referência específica ao regime da responsabilidade por acontecimento de
mar- com destaque para o caso da abalroação- quando o navio ou navios envolvidos transportem
passageiros ao abrigo de um contrato de transporte de passageiros por mar.
Art. 14º DL 349/86, de 17 de Outubro: Com sagre um regime típico de responsabilidade extra
obrigacional. 14º/1: o transportador responde pelos danos que o passageiro sofra no navio, durante a
viagem, e ainda pelos que ocorram desde o início das operações de embarque até ao fim das operações
de desembarque, quer nos portos de origem, quer nos portos de escala. 14º/2: comete ao lesado- como
NOS termos gerais da responsabilidade aquiliana (art. 487º/1 CC)- o ónus de provar a culpa do
transportador ou dos seus auxiliares.
Admite-se a responsabilidade do transportador, se o lesado demonstrar que o navio não estava
em estado de navegabilidade, equipado e aprovisionado para a viagem; a partir daqui, inverte-se o ónus
da prova: o transportador exonera-se de responsabilidade- no fundo, elide a presunção de culpa
associada à situação do navio- se fizer a prova de que procedeu de modo adequado e diligente à
observância das condições de segurança impostas pelos usos, regulamentos e convenções
internacionais.
O art. 15º do mesmo DL 349/86 introduz aquilo que podemos considerar um regime especial
quando os danos no passageiro sejam consequência de um dos seguintes acontecimentos de mar:
naufrágio, abalroação, explosão ou incêndio do navio. Nestes casos, o art. 15º/1 consagra a
responsabilidade do transportador, em termos similares aos da redação do art. 14º/1, para os danos
pessoais em geral.
Contudo, numa solução diversa da constante do artigo 14º/2, o art. 15º/2, ao estabelecer que
incumbe ao transportador provar que os acontecimentos de mar não resultaram de culpa sua ou dos
seus auxiliares, deixa claro que estamos perante uma presunção legal de culpa, consentânea com a
estabelecida no artigo 799º/1 CC.
A presunção de culpa consagrada no artigo 15, é, no que diz respeito concretamente à matéria
da abalroação, uma presunção interna, circunscrita às relações entre o transportador e o passageiro.
Não faria sentido outra solução: não faria, mais especificamente, sentido que o navio B, que
não transporta passageiros, seja “brindado” com uma presunção de culpa do navio A, no que respeita
à abalroação ocorrida entre ambos, pelo simples facto de este último transportar passageiros.
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5. Outras questões em sede de responsabilidade civil
5.1 Verificação dos requisitos gerais da responsabilidade aquiliana
A ocorrência de abalroação não determina, necessariamente, o funcionamento do instituto da
responsabilidade civil: para que tal aconteça, é necessário que ocorra a cumulativa verificação dos
diversos requisitos ou pressupostos que a doutrina tem vindo a identificar em sede de responsabilidade
aquiliana.
No que respeita ao cálculo dos danos e da indemnização, há que considerar o regime do artigo
562º e ss. do CC, no que tange à obrigação de indemnização. Nesta sede, tanto relevam os danos
emergentes quanto os lucros cessantes, quer em relação ao navio quer em relação à carga.
O artigo 670 do código comercial contém uma presunção quanto à dimensão do dano: se um
navio avariado por abalroação se perde quando busca porto de arribada para se consertar, presume-se
ter sido a perda resultante da abalroação. No fundo, o que o artigo 670 estabelece é uma presunção de
nexo de causalidade- relevante para efeitos de responsabilidade civil- entre o facto ou evento da
abalroação e o dano subsequente ou sucessivo da perda do navio.

5.2 O terceiro navio


De acordo com o art. 667º Ccom., sendo a abalroação “motivada por falta de um terceiro navio
e não pode prevenir-se, é este que responde”; o artigo refere-se a uma situação (de abalroamento
indireto) em que intervêm pelo menos três navios, sendo a abalroação provocada por um deles: está
em causa saber quem suporta os danos ocorridos entre os dois. Ex. o navio A abalroa o navio B que,
em virtude de choque, abalroa o navio C. O navio A suportará os danos sofridos pelos navios B e C.
O art. 667º ressalva “e não pôde prevenir-se”. A expressão tem em vista, segundo Cunha
Gonçalves, a posição de B, no exemplo, servindo para confirmar a doutrina de que “o navio abalroador
não se presume culpado” e de que “haverá culpa comum se o abalroado ou não preveniu ou não evitou
a colisão”.
Uma questão já discutida na jurisprudência portuguesa é a da abalroação entre um navio
rebocador ou um navio rebocado e um terceiro navio. Assim, no caso apreciado pelo STJ no AC.
30.10.1964, foi considerado que a culpa da abalroação pertencera ao rebocador e ao rebocado, sendo,
por isso, ambos condenados a reparar os danos sofridos no navio abalroado.
O problema foi analisado, entre nós, nomeadamente por Cunha Gonçalves, que, relativamente
à situação em que a abalroação de um terceiro navio ocorre enquanto os outros dois iam em reboque,
depois de considerar necessário distinguir as relações entre o rebocador e o rebocado e entre estes e o
terceiro, dá nota de diversas soluções adiantadas pela doutrina para determinar quem irá suportar os
danos sofridos pelo terceiro navio que não tenha tido culpa na abalroação.
Soluções:
1. Responsabildiade do rebocador e do rebocado como um conjunto culposo;

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2. Responsabiliza apenas o rebocador “porque lhe cumpre efetuar em boas condições o reboque”;
3. Deve responder o navio rebocado “porque é ele quem dirige a manobra do rebocador”
Segundo o autor, não seria possível sustentar soluções uniformes, tudo dependendo das
circunstâncias do caso.
Atualmente, face ao disposto no art. 10º do DL 431/86, de 30 de Dezembro, a solução dessas
situações passa pela determinação da parte do contrato de reboque que tem a direção do trem de
reboque- arts. 8º e 10º do mesmo DL.

5.3 Abalroação entre sister-ships


Pode acontecer que a abalroação aconteça entre dois navios pertencentes ao mesmo
proprietário. Nesse caso, não haverá, naturalmente, lugar a indemnização por parte do proprietário do
navio A ao proprietário do navio B, já que o lesante se confunde com o lesado.
Subsiste, no entanto, um extenso campo de aplicação das regras da responsabilidade civil,
desde logo no que respeita à ação de indemnização do proprietário contra a pessoa do responsável
(membro da tripulação ou piloto). Assim, se foi o capitão de um dos navios que, com a sua atuação
culposa, deu causa à abalroação, esse capitão responderá perante o proprietário dos navios pela
totalidade dos danos ocorridos.
Por outro lado, no que respeita aos passageiros e à carga, subsiste o regime de responsabilidade
aplicável, como se os proprietários dos navios fossem diferentes. Assim, admitindo que a abalroação
constitui um caso de falta náutica, para efeitos do regime da CB 1924 sobre conhecimentos de carga,
o carregador no navio A, sendo este culpado em 40%, só poderá exigir ao proprietário do seu navio,
não nessa qualidade, mas na qualidade de proprietário do navio B, uma indemnização correspondente
a 60% dos danos, na medida em que o navio B seja culpado em 60% na abalroação.
Finalmente, a abalroação entre sisper-ships não prejudica o normal funcionamento do regime
dos seguros, situação que se torna particularmente evidente quando os navios estão segurados em
companhias diferentes.

5.4 A ação de indemnização


O art. 673º Ccom. estabelece que a abalroação por perdas e danos resultante da abalroação de
navios deve ser apresentada no prazo de 3 dias à autoridade do lugar em que sucedeu ou do primeiro
a que aportar o navio abalroado, sob pena de não ser admitida. Lê-se no parágrafo único do art. que “a
falta de reclamação, quanto aos danos causados às pessoas e mercadorias não prejudica os interessados
que não estavam a bordo e que se achavam impedidos de manifestar a sua vontade”.
Porém, o art. 6º da CB 1910 refere que a ação de perdas e danos sofridos por efeito do
abalroamento não depende nem de protesto nem de qualquer outra formalidade especial.

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Parece ao regente que o regime do art. 673º Ccom., nos termos no mesmo expressos, está
ultrapassado- estando tacitamente revogado- primeiro face à Lei 35/86, de 4 de Setembro, e, depois,
face ao regime dos arts. 13º e 14º do DL 384º/99, de 23 de Setembro.
Não há, assim, formalidades prévias impeditivas, se não realizadas, de uma ação de perdas e
danos, cujo prazo de prescrição será o fixado no art. 498º CC, para a responsabilidade aquiliana: três
anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete. Quando, porém,
o regime aplicável seja o da CB de 1910, o prazo de prescrição das ações de indemnização que tenham
a abalroação como causa de pedir é de dois anos a contar do evento. De acordo com o 2º parágrafo, é,
porém, de um ano o prazo para intentar as ações de regresso a que se refere o 3º parágrafo do art. 4º
da mesma Convenção.
Nos termos do art. 13º do DL 384/99, a abalroação é um acontecimento de mar que deve dar
lugar a um relatório de mar (art. 14º), a apresentar, em princípio, no prazo de 48h, calculado nos termos
do art. 14º/3. A importância do relatório de mar, quando confirmado, decorre do art. 15º/7: os factos
presumem-se verdadeiros, salvo prova em contrário.
O art. 675º Ccom. refere-se ao tribunal competente para a ação, mas o mesmo encontra-se
prejudicado pelo art. 79º CPC, que o revoga tacitamente, sendo que o regime é muito semelhante: “A
ação de perdas e danos por abalroação de navios pode ser proposta no tribunal do lugar do acidente,
no do domicílio do dono do navio abalroador, no do lugar a que pertencer ou em que for encontrado
esse navio e no do lugar do primeiro porto em que entrar o navio abandonado”.
Há, porém, que considerar a procedência, quando a haja, das regras constantes da Convenção
Internacional para a unificação de certas regras relativas à competência civil em matéria de abalroação,
assinada em Bruxelas em 10 de Maio de 1952.
Há ainda a considerar a Convenção Internacional para a unificação de certas regras relativas à
competência penal em matéria de abalroação e outros acidentes de navegação, também assinada em
Bruxelas na mesma data.

5.5 A garantia do crédito de indemnização por abalroação


Constituído o crédito de indemnização por abalroação de um navio, estará esse crédito assistido
de privilégio creditório?
É essa a conclusão a que chegamos por força e nos termos do nº4 do art. 2º da CB 1926.
O privilégio- que, de acordo com o disposto no art. 6º/I, não está limitado à última viagem do
navio- extingue-se “pela expiração do prazo de um ano” (9º/I), ocorrendo, no caso das indemnizações
decorrentes de abalroação e outros acidentes e das lesões corporais (9º/III) “desde o dia em que o dano
foi causado”.

22
6. Exclusão e limitação da responsabilidade do proprietário do navio
No domínio da vigência do art. 492º Ccom., o seu nº1 estabelecia a responsabilidade civil do
proprietário do navio “pelos atos e omissões do capitão e da tripulação”, mas o parágrafo 1º do mesmo
artigo não incluía essas situações dentro daquelas que podiam originar o abandono liberatório do navio
e do frete ganho ou a vencer. Na verdade, este parágrafo 1º só permitia o abandono liberatório (exceto
no caso de obrigações contraídas para pagamento de soldadas
à tripulação) nas situações de responsabilidade do proprietário (492º/2) “pelas obrigações contraídas
pelo capitão relativas ao navio e sua expedição”.
Este regime era considerado ilógico para alguns autores. Viegas Calçada: “Para as obrigações
contraídas pelo capitão na sua atividade administrativa, isto é, para aquelas obrigações que o próprio
armador pode contrair, a lei concede a este limite de responsabilidades por meio do abandono do navio
e do frete; para os atos técnicos de transporte e navegação virgula atos que o armador não pode ou não
sabe praticar, a lei não concede limitação de responsabilidade”. Ainda para o mesmo autor, tal situação
“encerra algo de contra senso e não se nos afigura nem lógica, nem justa, nem útil, e para mais contraria
a proteção que todas as legislações dispensam aos empreendimentos de tráfego marítimo”.
É neste ambiente crítico que Viegas Calçada procura uma base legal para defender a limitação
da responsabilidade do património no caso de abalroação, acabando por fundamentá-la nos artigos 665
a 668 do código comercial, na acentuação que fazem da responsabilidade e culpa do navio, que não do
seu proprietário. “Parece que o legislador com a forma de dizer que empregou, teve ideia e até
propósito de tornar o dono somente responsável até ao valor do navio, pois em outros espaços do
código, como nas arribadas e salvação- arts. 659º a 689º- faz referência expressa a responsabilidade
do dono e do capitão”.
REGENTE: não concorda com a posição de Viegas Calçada. Refira-se, em primeiro lugar, que
os artigos 659 e 689 do código comercial limitam expressamente a responsabilidade do sujeito, o
mesmo não acontecendo, no artigo 654º e ss.; ora, isso pode querer significar exatamente o contrário
do sustentado pelo autor. Em segundo lugar, não é razoável supor que um aspeto de regime tão
importante quanto o é a limitação da responsabilidade possa ser apenas “inferido” de expressões
“personificadoras” do navio, expressões essas que, de resto, são usuais em Direito Marítimo.
O exposto não significa que não haja vias de limitação da responsabilidade do proprietário do
navio: o que pretendemos significar é que as mesmas não se fundam no regime dos artigos 664 a 675
do código comercial: no direito interno português, há que considerar, agora, o regime do abandono
liberatório consagrado no artigo 12º do DL 202/98, de 10 de Julho; a nível Internacional, há que atentar,
designadamente, nas convenções de Bruxelas de 1924 e 1957 sobre limitação de responsabilidade de
navios, na Convenção de Bruxelas de 1924 relativa à unificação de certas regras em matéria de
conhecimento de carga ou na CLC de 1992.
De acordo com o estabelecido no art. 1º da CB 1924 para a unificação de certas regras relativas
à limitação da responsabilidade de navios do mar, o proprietário de um navio do mar só é responsável
até à concorrência do valor do navio, do frete e dos acessórios do navio pelas indemnizações aí
enumeradas, destacando-se, com interesse para a temática da abalroação, os números 1º e 2º: pelas
indemnizações devidas a terceiros por prejuízos causados, em Terra ou no mar, por factos ou faltas do
capitão, da tripulação, do piloto ou de qualquer outra pessoa ao serviço do navio (1º); pelas

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indemnizações devidas por prejuízos causados tanto à carga entregue ao capitão para ser transportada,
como a todos os bens e objetos que se achem a bordo (2º).
Essa limitação de responsabilidade não é aplicável, de acordo com o artigo 2, entre outras, “`às
obrigações resultantes de factos ou faltas do proprietário do navio”; contudo (art. 2º/III), se o
proprietário ou com proprietário do navio for ao mesmo tempo o capitão, não poderá invocar a
limitação da sua responsabilidade em relação às faltas que cometer e que não sejam de caráter náutico
e às faltas das pessoas ao serviço do navio.
Saliente-se, ainda, o facto de, de acordo com o artigo 3, o ónus da prova do valor do navio, do
frete e dos acessórios do navio pertence ao proprietário que invocar a limitação da responsabilidade.
A data ou época a considerar na determinação do valor é indicada no mesmo preceito.
A Convenção de Bruxelas de 1957- Convenção Internacional sobre limite de responsabilidade
dos proprietários de navios de alto-mar- permite, no seu artigo 1º/1, que o proprietário de um navio de
alto mar limita a sua responsabilidade ao montante determinado no artigo 3 da mesma Convenção, em
relação aos pedidos de indemnização resultantes de qualquer das causas enumeradas nas suas diversas
alíneas, a menos que o motivo que deu origem ao referido pedido tenha resultado de culpa pessoal do
proprietário.
De acordo com o art. 2º/1, a limitação de responsabilidade- cuja invocação não implica o
reconhecimento de responsabilidade (art. 1º/7)- é aplicável ao conjunto dos pedidos de indemnização,
quer corporais, quer materiais, que tenham derivado do mesmo evento, sem se referir aos pedidos de
indemnização resultantes ou que venham a resultar de um outro evento. Esclarece, depois, o art. 2º/2
que se o conjunto dos pedidos de indemnização que derivam do mesmo evento exceder os limites de
responsabilidade, tais como são determinados pelo art. 3º, o montante global correspondente a esses
limites poderá constituir-se num fundo de limitação único; o fundo assim constituído, será, então,
confirme dita o art. 2º/3, exclusivamente consignado ao pagamento dos pedidos de indemnização em
relação aos quais a limitação de responsabilidade pode ser invocada.
Ressalvando o disposto no art. 3º/2, o art. 4º da Convenção dispõe que as normas relativas à
constituição e repartição do fundo de limitação, se as houver, e todas as normas de processo devem ser
determinadas pela lei nacional do Estado em que o fundo for constituído.

7. Dever de prestar assistência


O dever de prestar assistência ou socorro constitui concretização de um princípio e valor
fundamental em Direito Marítimo- o da solidariedade no mar.
O dever de prestar assistência encontra-se, desde logo, consagrado no art. 98º da Convenção
de Montego-Bay: 98º/1/c).
A nível mais específico, o art. 8º da CB 1910 consagra, a cargo do capitão, um dever de prestar
socorro após a abalroação, deixando claro (3º parágrafo) que a omissão do capitão não responsabiliza
o proprietário do navio.

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O dever de prestar socorro impende (parágrafo 1º) sobre o capitão de cada um dos navios
envolvidos na abalroação e tem por objeto a outra embarcação, os seus tripulantes e passageiros. O
dever cessa quando a respetiva prestação envolva grave perigo para o navio, respetiva tripulação e
passageiros. Por outro lado, a intensidade do socorro está naturalmente limitada à medida do possível.
A nível interno, há que realçar o art. 166º do Regulamento Geral das Capitanias.
Por sua vez, o art. 3º/1 do DL 203/98- que regula a salvação marítima- estabelece
genericamente um dever de prestar socorro “a pessoas em perigo no mar, desde que isso não acarrete
risco grave para a sua embarcação ou para as pessoas embarcadas, devendo a sua ação ser conformada
com o menor prejuízo ambiental”.
Pode o armador ser responsabilizado pelo incumprimento por parte do capitão, de um dever
de prestar assistência?
REGENTE: neste campo não funciona a responsabilidade objetiva, como comitente, dos arts.
4, 5 e 6 do SL 202/98, uma vez que o dever em causa deve ser configurado como um dever pessoal.
Fora do quadro da responsabilidade objetiva, é de admitir a responsabilidade subjetiva do armador
quando haja culpa própria na não prestação de assistência, maxime em caso de culpa na escolha do
capitão (culpa in elegendo).

8. O Regulamento Internacional para Evitar Abalroamentos no Mar (COLREG)


Necessidade de criação surge como evidente face à densidade e internacionalidade do tráfico e
aos valores que se pretende alcançar.
Em termos de conteúdo, o Regulamento está dividido em 5 Partes enumeradas, contendo, cada
uma delas, Regras alfabetadas.
A Primeira Regra (Parte A) é de “Generalidades”. Destaca-se na Regra 1 (campo de aplicação),
a alínea a): “As presentes regras aplicam-se a todos os navios no alto mar e em todas as águas que com
ele tenham comunicação e sejam praticáveis pela navegação marítima”, esclarecendo,
designadamente, a alínea b) que “Nenhuma disposição das presentes Regras prejudicará a aplicação
de normas especiais estabelecidas pela autoridade competente sobre navegação nas radas, portos, rios,
lagos ou vias de navegação interior em comunicação com o alto mar e praticáveis pela navegação
marítima”.
A regra 2 da Parte A respeita a “Responsabilidade”, dispondo a alínea a) que “Nenhuma
disposição das presentes regras servirá para ilibar qualquer navio ou o seu proprietário, comandante
ou tripulação das consequências de qualquer negligência quanto à aplicação das presentes regras, ou
quanto a qualquer precaução que a experiência normal de marinheiro ou as circunstâncias especiais do
caso aconselham a tomar”. E a alínea b): “Ao interpretar e aplicar as presentes regras, devem ter-se em
devida conta os perigos da navegação e os riscos de abalroamento, bem como todas as circunstâncias
particulares, nomeadamente as limitações de utilização dos navios em causa, que podem tornar
necessário o não cumprimento exato das presentes regras, para evitar um perigo imediato”.

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Dentre as definições constantes da regra 3, destaca-se a de navio: “A palavra “navio” designa
todo o veículo aquático de qualquer natureza, incluindo os veículos sem imersão, os veículos WIG e
os hidroaviões, utilizado ou suscetível de ser utilizado como um meio de transporte sobre a água”.
A parte B contém “Regras de manobra e de navegação”- Regra 6: “Todo o navio deve manter
uma velocidade de segurança tal que lhe permita tomar as medidas apropriadas e eficazes para evitar
um abalroamento e para parar numa distância adequada às circunstâncias e condições existentes”.
Temos ainda tem a Parte C e os anexos.

9. As Regras de Lisboa do CMI


Organizadas numa divisão entre regras alfabetadas e regras numeradas. A Regra A delimita as
situações em que é possível a aplicação das Regras- os casos em que haja pedidos de indemnização na
sequência de uma abalroação, ao mesmo tempo que deixa claro que as mesmas dependem da livre
adoção pelos interessados e que a respetiva adoção não tem o efeito de admissão de responsabilidade.
Regra B: delimitação do âmbito de aplicação das Regras: elas aplicam-se apenas à
determinação dos danos, não sendo extensível à determinação da responsabilidade e não afetando os
direitos de limitação de responsabilidade.
A Regra C estabelece o critério de nexo de causalidade: o lesado só pode exigir indemnização
pelos danos que possam ser razoavelmente considerados como consequência direta e imediata da
colisão. Esta Regra é dobrada pela Regra D que, ressalvando a aplicação da Regra C e das regras
numeradas, estabelece que a indemnização deverá colocar o lesado na mesma posição financeira que
teria se a colisão não tivesse ocorrido.
Finalmente, a Regra E reporta-se ao ónus da prova. Contudo, numa solução que no CC encontra
algum paralelo no regime do art. 570º, a indemnização será reduzida se o lesado lograr provar que o
lesante poderia ter evitado ou minorado os prejuízos se tivesse agido de uma forma razoavelmente
diligente.

10. As Convenções de Bruxelas de 1952


A preocupação com a unificação de regras relativas à matéria da abalroação fez-se sentir no
campo processual: em 10 de Maio de 1952 foram assinadas em Bruxelas 2 convenções internacionais:
a Convenção Internacional para unificação de certas regras relativas à competência civil em matéria
de abalroação e a Convenção Internacional para unificação de certas regras relativas à competência
penal em matéria de abalroação e outros acidentes de navegação.

Salvação marítima

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Deve-se começar, para a situar, por falar de uma figura, do ius naufragium - designação
vulgarizada na Alta Idade Média no sentido de que os bens, pessoas, navios, fragmentos que o mar
levasse às costas e fosse encontrado, era propriedade de quem os encontrasse - admissão da figura da
ocupação em direitos reais. Isto constituía um retrocesso relativo ao direito romano, porque se entendia
que a ocupação dos bens em função do naufrágio, só era um modo de aquisição originária de
propriedade na medida em que fosse demonstrado e presumido o animus de abandonar o navio. Só era
possível a ocupação na medida em que tal fosse demonstrado por parte dos proprietários.
A abolição do ius naufragium foi lenta, porque tinha efeitos perversos, havendo populações
que deliberadamente provocavam o naufrágio de navios, e viviam disso. Acabou por haver a
condenação dessa prática, com a morte, e estabelecendo um dever de socorrer as pessoas em perigo do
mar, e, em última instância, tornava-se proprietário o Estado.
Em Portugal, foi abolido, exceto em relação aos infiéis e inimigos, ficando da pertença da
Fazenda Real, mas encontramos uma lei de D. Afonso II mais antiga, que condena, com exceções, no
entanto.
Em função do ius naufragium, conduz lentamente ao instituto da salvação marítima e à
necessidade de se regular o achamento de bens - os bens encontrados, quer nas praias, quer no mar,
com um regime próprio. Atualmente, temos de tomar em conta o regime da abalroação e o regime
aplicável aos bens arrojados às praias.
Não se confunde com o salvamento levado a cabo pela Marinha enquanto autoridade pública,
sendo de direito privado, cujos traços normativos constam de 2 convenções internacionais - a CB 1910,
no mesmo dia e mês da convenção sobre abalroação. Esta é para unificação de regras em matéria de
assistência e salvação marítima, a outra convenção é a de Londres de 1989, não ratificada por Portugal
- só estamos vinculados à CB 1910, apesar de haver esta, mais recente.
Estas convenções foram promovidas pelo Comité Marítimo Internacional (Bruxelas), e a de
Londres foi pela OMI, sendo mundial. As grandes preocupações desta última são a segurança marítima
e a proteção ambiental. Esta liga a salvação marítima a preocupações sobre o ambiente.
PRESSUPOSTOS- PERIGO NO MAR
O DL 203/98 veio revogar os arts. 676º a 691º Ccom., estabelecendo um novo regime de
salvação marítima.
Na esteira da CB 1910 e da CL de 1989, cessa a diferenciação entre assistência e salvação,
passando a ser tudo salvação marítima.
A CL 1989 é uma convenção internacional sobre salvação e a al. a) do art. 1 não define
“salvação marítima” mas “operação de salvação”, como qualquer ato ou atividade desenvolvida para
assistir a um navio ou a qualquer outro bem em perigo em águas navegáveis ou em quaisquer águas.
Tal como no direito interno anterior, na CB 1910 e na CL 1989, o perigo no mar é um
requisito essencial da salvação marítima, afirmado explicitamente no art. 1º/1, al. a) da LSM.
O problema está na determinação das situações em que, para efeitos do regime da salvação, há
perigo no mar. Nessa determinação importará começar por deixar claro que o perigo no mar não pode

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ser sinónimo de risco de mar. O ser perigo no mar não significa que o mesmo deva estar estritamente
associado aos riscos particulares da navegação marítima.
À partida, cada expedição marítima está sujeita a riscos- à fortuna do mar, podendo, a priori,
identificar-se vários. Contudo, a sujeição de um navio no mar a riscos de mar não o coloca em perigo
no mar.
Mais complexas são as situações de perigo virtual, entendendo-se por tal a ocorrência de uma
situação anormal para o navio que permita supor de maneira razoável, a ocorrência de danos num
futuro mais ou menos próximo, que não possam ser evitados sem ajuda ou assistência.
Vasconcelos Esteves: o perigo não tem de ser iminente, mas deve ser real e não meramente
hipotético. No mesmo sentido, Mário Raposo considera que o perigo tem de ser grave, não tendo,
contudo, de ser iminente.
REGENTE: o determinante é que o perigo, quando não seja imediato, seja de concretização
altamente provável, à luz da experiência das coisas; aqui se incluem as situações em que o perigo é
iminente, mas também aquelas em que, não o sendo, embora, a ocorrência do sinistro surge, num juízo
de prognose (também póstuma), como um efeito normal previsível do conjunto dos elementos
conhecidos. Ademais, o perigo deve, em qualquer das variantes referidas, ser objetivamente grave.
Um elemento a que é de prestar especial atenção é o pedido de auxílio e seus termos.
Quanto ao objeto da salvação, o art. 1/1, al. a) refere-se a qualquer ato ou atividade que vise
prestar socorro a “navios, embarcações ou outros bens, incluindo o frete em risco”.

Na salvação marítima, a sua definição nacional está no DL 203/98, que define (1º/1) como todo
o ato ou atividade que visa prestar socorro a navios, quando em perigo no mar. Antes, era aplicável o
regime comercial, com 2 figuras - mas assim colocou-se a par do direito internacional o direito interno.
A grande particularidade e divergência do diploma interno, é que tinha mais lógica denunciar a CB
1910, e ratificar a convenção mais moderna em Londres, porque o regime interno atual inspira-se nela.
Falamos de toda a atividade de prestar socorro quando em perigo no mar - o navio tem de estar
em perigo no mar, se não não se aplica a salvação marítima, tendo de se ver no caso concreto.
É um regime de direito privado e não de salvação pública. Existe o problema da CB de 1910,
à qual nos vinculámos, mas não à mais recente e atualizada de Londres, em 1989. Esta última preocupa-
se mais a nível de proteção ambiental.
Para interpretarmos a lei da salvação marítima, temos de considerar o regime da convenção de
Londres de 1989 - não se trata da técnica de interpretação de conformidade com a diretiva e a sua
transposição, mas uma vez que sabemos que a convenção de Londres de 89 influenciou o nosso
diploma interno, enquanto elemento interpretativo, temos necessidade de ir à convenção londrina.
Este tema só começou, na prática a ter a dignidade que tem hoje, a partir da navegação a vapor;
até aí, os navios não tinham capacidade de manobra que a navegação a vapor veio permitir.

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Proibição de ocupação - equivalente atual, no DL 203/98 (lei da salvação marítima), à previsão
do 12º/1. Um navio apanhado numa tempestade e incapaz de sair, o mais provável era quebrar-se ao
perder-se. Esta proibição vem desde o direito romano, e isto articula-se com o tema dos naufrágios - a
lógica do ius naufragium é a de que era possível a ocupação, e por isso é que tinha os efeitos perversos
de provocação, para se apoderarem dos navios e dos seus restos/mercadorias, ou até das pessoas
(escravidão). Na literatura jurídica portuguesa do séc. XX, encontramos obras que se referem a esta
realidade, sugerindo que ela prejudicava.
No CCom havia 2 institutos: assistência e salvação - era necessário distinguir ambas:
● Assistência: se bem-sucedidas, o navio que prestasse assistência tinha um salário de assistência;
● Salvação: recebiam um salário de salvação.

Mas como se distingue? (jurisprudência) - quem presta ajuda ao navio queria que os institutos
prestassem remuneração superior, e o navio objeto de socorro queria que a situação fosse caracterizada
de maneira onerosa - no CCom encontramos referências, no art. 681º, etc. Isto dava em 3 figuras:
assistência, salvação e bens arrojados, mas como se distinguiam os 3?
Atualmente, a salvação e assistência são o mesmo instituto, tanto a nível interno como
internacional - em função dos vários itens. Em princípio estamos a falar de bens e não de pessoas, ou
seja, bens patrimoniais. Quanto a pessoas, não prestam socorro a bens em perigo do mar, mas há um
dever de prestar socorro a pessoas em perigo no mar (art. 3º) - nas convenções internacionais, no
entanto, também se presta assistência a bens.
Relacionar isto com o estatuto do capitão - o dever de salvação de pessoas impende sobre o
capitão, e o seu incumprimento responsabiliza apenas o capitão, não pode haver uma imputação
secundária ou sequencial ao comitente ou ao armador (art. 3º lei salvação marítima).
Houve uma extensão que resulta da convenção de Londres a outras águas, sobre jurisdição
nacional - a convenção de Bruxelas também já falava de navegação interior, mas passa a ser mais claro
também na nossa lei interna.

A situação clássica é a de um navio em perigo que se perde, e depois pede socorro, lançando
um cabo de reboque, por exemplo, que permite retirar o navio do centro da tempestade ao rebocá-lo,
mas é verdade que é todo o ato ou atividade, que pode ser a partir de terra, telefone, etc. Um requisito
incontornável é, no entanto, o facto de existir perigo no mar - situação de navio em perigo, sendo o
navio objeto do ato de salvação.
A embarcação ou outros bens, quando em perigo no mar - teoricamente isto pode ser aplicado
também a construções de mar que não são navios (plataformas), mas essa não é a situação comum. O
perigo no mar é essencial, e muitas questões que chegam a tribunal é para saber se é um caso de
salvação ou não, passando sempre por este tema - o navio foi objeto de ajuda, assistência, e estava em
perigo no mar ou não? - o regime estendeu-se, em termos normativos, para além das águas marítimas,
embora o seu essencial de aplicação seja o mar.

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O que é perigo no mar?
● Caso Ilha da Madeira: um navio, “ilha da madeira”, que fazia uma viagem, perdeu a capacidade
de navegação e ficou à deriva, tendo de pedir ajuda. Quem acudiu a prestar socorro foi um
sister ship, um navio do mesmo proprietário. Lançou um cabo de reboque ao ilha da madeira,
e foi transportado com dificuldade até ao porto. Veio-se sustentar que era salvação marítima, e
tinha direito ao salário - o salvador, não apenas o armador, mas toda a tripulação, tem este
direito;
● Modo de repartição - 8º DL 203/98 - o navio estava em perigo no mar ou não? O STJ
considerou, e o Regente concorda, que, não - apesar de não ter capacidade de autonavegação,
o mar estava calmo, o navio não estava numa corrente marítima que impedisse uma prestação
de assistência comum por parte do navegador, etc. Faltava o requisito incontornável de perigo
no mar.

A questão da dicotomia entre estas situações em que o caso não é de salvação muitas vezes
acabam por serem encaixadas ou inseridas na lógica do reboque - aqui temos de distinguir: o reboque
material difere-se do jurídico:
● Navio em perigo, e outro lança um cabo de reboque que o prende e retira do perigo, como uma
tempestade, rebocando-o para um porto e fora daquela zona - aqui é um caso de salvação
marítima, porque o navio objeto de assistência está em perigo no mar, e houve uma alteração
material, com o reboque - pode a situação consumar-se e ter um resultado útil através de uma
ajuda material do reboque.
● O contrato de prestação de serviços do reboque é diferente, no sentido jurídico, que se fala a
propósito da presunção de culpa que não existe na abalroação, mas existe uma presunção de
culpa no regime do reboque - se houver danos no âmbito do art. 10º decorridos durante a
execução do contrato, que impende sobre quem tem a direção do trem do reboque. É importante
para os casos em que não estamos perante o regime da salvação marítima.

Quando falamos em salvação marítima, normalmente falamos de salvação espontânea: não


houve, na base, um contrato de salvação marítima, mas os contratos são cada vez mais frequentes - o
problema é que levantam a suspeita fundada de que alguém se aproveita de outro.
O capitão do navio pode aceitar todas as condições que um salvador lhe queira impor para
salvar um navio e os restantes bens a seu cargo - o capitão tem, em função do estatuto, uma função
que vai para além do simples comissário, tendo de zelar pelos interesses (5º DL 384/99). Os contratos
celebrados sobre perigo são contratos usurários de acordo com o regime civil, em que alguém se
aproveita da situação do outro para obter vantagens (282º CC - anulabilidade ou nulidade, discute-se).
No entanto, a salvação pode também ser contratual - se o for, há, desde sempre, reservas
relativamente a esses contratos, no que respeita à sua validade - é sempre possível rever os termos do
contrato quando haja uma desproporção. O 684º CCom afirma que todos os contratos, enquanto dura
o perigo, podem ser reclamados por exageração. No art. 2º do DL 203/98, temos a previsão de que há
matérias que não podem ser reguladas, e podem ser anulados ou verificados nos termos gerais de

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direito, e ainda em casos específicos - coação de perigo, salário excessivo ou diminuto em relação aos
serviços prestados.
O legislador nacional remete para os termos gerais e para a convenção de Londres - há coisas
nas alíneas específicas que já resultam dos termos gerais (repetição da lei).
Estado de necessidade - exemplo de vício da formação do contrato antigamente - mas
atualmente não é isso, está no 339º e é uma cláusula de exclusão da ilicitude.
É possível convencionar tudo nos contratos exceto o que respeita aos arts. 3º, 4º, 9º e 16º DL
203/98. A salvação marítima assenta no facto de o salvador prestar auxílio a um navio em perigo, e,
em consequência disso, mas apenas e se houver um resultado útil - o salário depende deste resultado
útil, mas nalguns códigos permite-se que, pelo menos, o custo das operações seja sempre coberto. Isto
manifesta a lógica do mar, porque o navio perde-se, e depois ainda se exige do mesmo o salário -
lógica/princípio de solidariedade. Isto resulta do CCom eCB 1910. Mas, com a CL 1989 foi introduzida
uma amenização neste princípio - está traduzido, em termos normativos, também no DL 203.

Art. 5º/1 DL 203/98 - sem resultado útil não há salário, e como se acha? Nos termos do art. 6º,
com o que se deve ter em consideração e o limite. Mas o 5º/2 fala dos casos sem resultado útil, mas
minimizar danos ambientais, em que é remunerado nos termos do 9º e 10º, sendo uma compensação
especial. É a CL de 1989 (OMI da ONU), que influencia isto.
COMPENSAÇÃO ESPECIAL (Aula prática)
Na lógica da convenção de londres de 1989, não existe apenas salário de salvação. Há também
a partir daí preocupações ambientais. As primeiras grandes convenções ambientais- como CLC- são
do final dos anos 60 e revelam essa preocupação, mas nos anos 80 ela existia já e foi refletida na
convenção de londres- na compensação especial.
Instituto muito polémico. Temos compensação especial quando não há a logica do salário de
salvação.
Art. 5º LSM- havendo resultado útil para o salvado, há salário de salvação marítima. Se não
tiver nos termos do nº2- compensação especial. Lógica: varia consoante há ou não resultado útil. Se
houver- salário; se não- pode haver lugar a contribuição especial- se minorarem danos ambientais.
A diferença parece clara. E se houver resultado útil e ao mesmo tempo tiverem sido minorados
danos ambientais? Art. 6º/d)
Se houver resultado útil e tiverem sido evitados ou minorados danos ambientais, isso entra em
linha de cálculo no salário de salvação.
Discussão sobre se é necessário haver resultado útil na prevenção ou minoração desses danos:
basta que eu tenha tentado mitigado ou prevenir os danos ambientais, ou é necessário que eles sido
evitados ou prevenidos?
Há dúvidas. Se olharmos para a convenção de Londres de 89, não se fala em resultado útil
quanto à minoração dos danos ambientais.

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Art. 13º Convenção de Londres que corresponde ao art. 6º/b) LSM- esforços desenvolvidos
pelo salvador e eficácia destes a fim de prevenir ou minorizar o dano ambiental- este último não reflete
o 13º/b) da convenção de Londres
14º da convenção de londres, que corresponde ao nosso art. 9º- não diz que tem de ter evitado
esses danos.
Prof. assistente- DL é inspirado pela convenção de Londres. Metade do DL é quase tradução
da convenção de londres. Devemos considerar a convenção, mas esta não exige um resultado útil para
a compensação especial- basta esforços. Admite, todavia, que o tema seja controverso.
Como calcular a compensação especial?
Igual ao montante das despesas (reembolsadas) acrescido de 30% (prémio por estes esforços
em evitar os danos ambientais).
Correções: estas compensações especiais podem ser majoradas no caso do art. 9º/3- até igual
ao dobro das despesas efetuadas. Aqui a convenção de londres é diferente art. 14º. Porque? Ninguém
sabe.
14º/2 convenção de londres- se houver esses esforços há lugar a compensação especial e essa
é paga- compensação pelas despesas, acrescido de 30%; na convenção de londres diz-se até 30%-
margem para o juiz ou para os peritos avaliarem o grau de esforço, a eficácia dessas atuações. A
convenção de londres é mais maleável e bem. 9º/3- pode o tribunal elevar até montante igual ao dobro-
na convenção de londres vai de encontro, mas esta diz que o juiz deve ter em conta outras
circunstâncias.
Outra regra a chamar à atenção: art. 14º/3 da convenção de londres que não tem reflexo da
LSM, por razões que não se sabe explicar. A compensação especial será paga apenas na extensão em
que essa compensação seja maior ao salário de salvação. Pago ao salvador nos termos do 13º. Regra
engraçada porque permite fazer uma comparação entre o que se receberia num salário de salvação e o
que se receberia numa compensação especial. Imaginemos que há lugar a salário, mas a compensação
especial seria maior- nesse caso paga-se compensação especial. Isso vai contra a subsidiariedade da
compensação especial da LSM. Na convenção de londres há subsidiariedade, mas muito mais relativa
do que no LSM- mecanismo de correção do 14º/4 da convenção de londres.
A diferença entre compensação especial e salvação é menos linear do que parece.
Na convenção de londres, a compensação é paga 14º/1- 14º/6 nada neste art. prejudicará
qualquer sub-rogação por parte do proprietário do navio. Quem deve é o proprietário do navio. Regra
da parcieridade
Art. 9º LSM: direito a compensação especial da responsabilidade dos proprietários do navio e
dos bens que não se conseguiram salvar- iguala o regime do salário ao regime da compensação
especial- difícil entender- legislador opta por uma solução diversa.
Art. 9º/4- algo que não está na convenção- o segurador da responsabilidade civil pode ser
demandado pelo salvador- aqui é prevista ação direta contra o segurador.

32
9º/4- tem por substrato não uma situação de parcieridade- diz o segurador do devedor- só 1-
pensa na lógica da convenção.

Danos ambientais vêm definidos no 5º/3 - todos os prejuízos causados à saúde humana, vida
marinha, costas, etc. A matriz da proteção do ambiente é muito importante e já vem da convenção de
1989. Introduz-se um conceito de compensação especial para além do salário.

Temos um regime interno inspirado fortemente no regime da convenção de Londres de 1989,


tão intensa que nos permite recorrer-nos à mesma como elemento interpretativo, mas apenas isso. No
CCom de 1888, a salvação estava dividida em 2 figuras, mas continua a manter interesse para além do
histórico (apesar de ter sido revogado). Tentava delimitar, mas a verdade é que, muitos dos conflitos
na jurisprudência eram no sentido de saber se o caso era de assistência ou de salvação.
É convocado, normalmente, quando falamos da salvação marítima de direito de privado,
independentemente de ser espontânea e contratada, convoca-se também a questão da ocupação, se é
possível quando a navios e bens abandonados, enquanto modo originário de aquisição da propriedade
- sempre foi proibido, de modo genérico. A LSM é muito clara quanto a essa matéria, concretamente,
no art. 12º. A possibilidade de os navios prestarem socorro a outros, na altura do regime comercial, era
pouca, mas tudo mudou com a navegação a vapor, implementando-se a importância dos contratos de
salvação marítima.
Os contratos celebrados a bordo de previsão de perigo não eram desconhecidos do CCom, e
permitia, a todo o tempo, a reclamação por exageração (684º). Quer a CB 1910, quer a CL 1989, quer
a LSM contêm disposições sobre os contratos de salvação marítima (art. 2º LSM).
O art. 2º LSM abrange vários sentidos, em que o legislador transferiu a letra da CL, colocando
aqui as suas situações. As razões da possibilidade forte de pôr em causa os contratos e as suas cláusulas,
quer em termos de anulação quer modificação, radicam na figura dos negócios usurários, do CC.
Quanto à legitimidade para celebrar contratos de salvação marítima, aplica-se ainda o art. 2º,
que se articula com o estatuto do capitão, a propósito do art. 5º do DL 384/99. A lei atribui ao capitão
poderes legais de representação.
Arts. 8º DL 384/99 e 8º DL 202/98 - atua em nome de todos os interessados - pensamos nas
cargas a bordo do navio - se o capitão tivesse de pedir autorização para celebrar estes contratos,
conforme resulta do 6º/2, compreende-se que a lei tenha instituído o capitão em representante legal de
todos os interessados, que ficam vinculados pela atuação do capitão, o que se articula com o art. 6º em
termos de salário de salvação marítima.
Hipótese: não haver necessidade de contrato de salvação marítima, por não haver perigo no
mar, partindo-se do princípio da normalidade das situações.
Remuneração do salvador - princípio no cure no pay (CB 1910) e mantém-se na Convenção de
Londres, mas com uma especificidade importante - perdeu-se o caráter absoluto deste princípio (art.
5º/1), falando de impactos ambientais.

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A CL prevê uma situação em que haja cumulação de compensação especial com salário de
salvação marítima, o que, à partida, parece estranho, porque a compensação especial funciona nos
casos em que não há resultado útil e, logo, não há salário. A cumulação é possível nos casos em que,
tendo havido embora um resultado útil, caso em que há salário, se conclui que, caso não houvesse
resultado útil, o salvador receberia, por exemplo, 500, em termos de compensação especial (art. 5º e
9º - critérios), mas, apura-se, que afinal houve resultado útil, e o valor atribuído em termos de salário
de salvação marítima foi de 300. E vamos admitir que o salvador praticou atos que, fora o resultado
útil, tinha direito a compensação especial - fica prejudicado pelo facto de haver resultado útil, e recebe
menos do que receberia sem resultado útil. Nestes casos, a CL, e o Professor Regente que também se
admite, pela sua razão de ser, aplicável ao salário de salvação - pode receber compensação especial até
ao limite do que receberia sem resultado útil.

Problema dos sister ships, em âmbito de matéria de salvação:


● Na abalroação, as coisas passam-se como se não fossem do mesmo proprietário, devido aos
vários interesses ao jogo, e é semelhante aqui, porque o navio tem a sua própria tripulação. A
partir do momento em que, de acordo com o art. 8º, o salário beneficia também os membros da
tripulação, o facto de serem sister ships não devem ser causa de exclusão (5º/4 DL 203).
○ Isto é o caso “Ilha da Madeira”, porque eram sister ships, apesar de não se aplicar em
1º lugar o salário. Os beneficiários são também os tripulantes.

Fator ambiental:
● É contemplado também nas situações comuns, em que haja resultado útil, e não é só para os
casos em que há depois compensação especial (5º/2 e 9º DL 203);
● 6º/1 b) DL 203/98 - casos em que houve resultado útil e entra o fator ambiental, sendo
influência da convenção de Londres.

Fixação do salário:
● Aplica-se o art. 6º, e há grande margem de fixação da parte do juiz. A matéria de salvação
estava repartida em 2 institutos no regime comercial, mas agora é único, por isso havendo
várias situações e graduações a ter em conta pelo juiz tendo em conta também o que foi de
facto salvo.
● 6º/1 d) - natureza e grau de risco que o salvador correu - na fixação do salário, o juiz toma isto
em conta na fixação.

Limites:
● Art. 6º/3 - limites máximos de fixação.

Salvação de pessoas:

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● Regime específico do art. 11º DL 203/98: se não houver resultado útil e sem salário, não se
aplica o nº1, mas sim o nº2 do preceito;
● A salvação de pessoas tem outra lógica muito diferente- regulada no 3º e 11º da LSM. São
diferentes- salvação de pessoas não pode ser premiada- não tem de ter um salário pois salvar
pessoa é uma obrigação. Quando muito há o reembolso das despesas. O art. 11º/1 é claro nesse
sentido- a pessoa salvou outra, não é premiada por um salário, antes são-lhe pagas essas
despesas.

Garantia de pagamento do salário de salvação marítima:


● Quando falamos em garantias em direito marítimo, temos de considerar garantias especiais, o
regime do CCom, em matéria de privilégios creditórios (574º e ss.) e temos de ver se as
despesas/os créditos resultantes da salvação marítima estão assistidos ou não de privilégios
creditórios. Deve-se ver se são privilégios sobre o navio, sobre a carga, ou ambos - arts. 578º
e 580º CCom - os salários estão assistidos de privilégios, quer sobre o navio, quer sobre a
carga. São garantias especiais reais.
● Art. 8º do diploma que aprovou o CC - exclui outras garantias.
○ Maioria da doutrina (Regente): estes privilégios extintos pelo art. 8º eram privilégios
civis, e não interferiu nos comerciais, designadamente os marítimos (574º e ss.).

Apesar de o arresto não ser uma garantia, o modo como o arresto de navio funciona permite
ou impõe que convoquemos sempre esse regime, para saber se é possível ou não arrestar o navio por
créditos emergentes de salvação marítima: temos um navio salvador, que pratica o ato de salvação
marítima, e o navio salvado ficou a dever os créditos daí emergentes, não pagou, e então levanta-se a
questão de saber se o navio salvador pode arrestar o navio ou não.
O critério da CB 1952 tem o critério de identificação - se estiver na lista de créditos marítimos,
pode dar-se o arresto.
Os créditos emergentes de salvação marítima e de salário tem esta vantagem ou garantia de ter
a seu favor, e permitir, o arresto de navio, nos termos da CB 1952, no seu art. 1º c), que elenca os
créditos.
Podemos levantar a dúvida de saber se os créditos de compensação especial também gozam
da vantagem do arresto, nos termos da mesma convenção? Em 1952 não havia compensação especial,
só havendo com a CL 1989, e na LSM só existe desde 1998. Temos uma questão interpretativa que o
Professor Regente admite ser atualista quanto à CB 1952, cabendo lá todos os créditos que emergem
de salvação marítima, até porque a expressão o permite.
Outra previsão importante é o direito de retenção, sendo uma garantia real na LSM (art. 14º).
Não se articula facilmente com o art. 12º/2, o que foi destacado por MÁRIO RAPOSO. O art. 4º e) é
também tido em conta aqui. Há uma dificuldade na articulação entre o 14º e estas previsões, no entanto,
de acordo com o Professor Regente, são os três compatíveis - o salvador deve entregar os bens a quem
de direito, nos termos da lei e dos regulamentos, a não ser que tenha elementos para exercer o direito
de retenção, nos termos do art. 14º. Não se circunscreve às situações de abandono, porque tem direito

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de retenção sobre os bens salvos, e só o tem se houver um requisito incontornável: a detenção - só
pode exercer o direito de retenção se tiver os bens no seu poder.
No que respeita à compensação especial, chama-se à atenção a outra garantia lato sensu, do art.
10º LSM - garantia adicional que se traduz no salvador, que pratica atos que impedem danos
ambientais, quando, nessa consequência, fique constituído na posição de credor, nos termos do art. 5º
e 9º, o seu nº1 define quem é responsável, e, depois, o 10º, dá uma vantagem ou segurança adicional
ao salvador, na medida em que, passados 60 dias de interpelação judicial ou extrajudicial, se não pagar,
o Estado pode exigir (10º/1). Se o Estado pagar, fica subrogado nos direitos do salvador. Este
procedimento foi instaurado ou aprovado com o propósito de incentivar práticas ambientais. MÁRIO
RAPOSO criticou: o Estado, quando paga, não receberá nada de volta.
● Nos termos do nº3, fica dependente da união de vários ministros, o que se afigura possível. Isto
inviabiliza a eficácia do nº1 e do nº2? De acordo com o Professor Regente, não, mas
simplesmente não há procedimento administrativo especial, aplicando-se o regime geral.
Pretende-se um mecanismo mais célere e expedito que não exista. Este procedimento de o
Estado pagar acontece também em relação à salvação de pessoas, de acordo com o art. 11º.

Propriedade dos navios naufragados (art. 12º).


Temos de tomar em conta o instituto da recolha de achados, para além do da salvação marítima,
que consta do regulamento das capitanias, e há outras previsões ainda relevantes.
A salvação, por vezes, anda ao lado do reboque, e, não é por acaso que, a CB 1910, no seu art.
4º, apresenta um idêntico instrumento normativo no 4º DL 431. A redação de ambos parece sugerir
que, a partir do momento em que se ultrapassam os serviços contratados no contrato de reboque, a
partir daí exige-se o salário de salvação, mas o Regente discorda, porque existe o requisito
indispensável do perigo no mar na salvação. O contrato pode simplesmente ser modificado, nos termos
gerais, mas no quadro do Direito Civil e comercial, e os arts. não podem ser interpretados para permitir
a salvação marítima sem um requisito incontornável.

PLURALIDADE DE CREDORES DO SALÁRIO DE SALVAÇÃO MARÍTIMA


Art. 8º/1 LSM: “A repartição do salário de salvação marítima entre os salvadores é efetuada,
na falta de acordo dos interessados, pelo tribunal, tendo em conta os critérios estabelecidos no art. 6º”,
sendo considerado para o efeito salvador “o que presta socorro aos bens em perigo no mar” (art. 1º/1/b).
Caso a salvação tenha sido desenvolvida por meio de um navio tripulado (art. 1º/2 do mencionado
diploma, bem como o art. 688º Ccom. e 15º/2 da CL 1989), surge a questão de saber quem é, para
efeito deste regime, salvador. O art. 8º/2, esclarece em parte (ainda que indiretamente) as dúvidas que
pudessem surgir a este respeito, estabelecendo “a repartição entre o salvador, o capitão, ou quem
desempenhava as correspondentes funções de comando, a tripulação e outras pessoas que participavam
na salvação (…)”. Similarmente dispõe o art. 15º/2 da CL 1989. Assim, se fica assente que a tripulação
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do navio salvador é também titular do crédito ao salário de salvação marítima, pergunta-se se o próprio
armador também é. A resposta a esta questão passa pelo esclarecimento do sentido de “salvador” no
art. 8º/2 (e paralelamente no art. 13º/2 do mesmo diploma), “sujeito” que, na enumeração dos credores
do salário, precede o capitão, os demais elementos da tripulação e as outras pessoas que participavam
na salvação marítima.
A referência a “salvador” no art. 8º/2 e no 13º/2 é, no mínimo, ambígua, pois também o capitão,
os tripulantes e as outras pessoas que participavam na salvação são salvadores para efeito do disposto
nos arts. 1º, nº1, al. b) da LSM. Por isso, o art. 15º/2, da CL 1989 em que se inspirou o art. 8º/2 LSM
opta por mencionar expressamente os sujeitos visados pela repartição do salário. Abrange o conceito
de proprietário e de armador. Deve entender-se que, quando a salvação seja empreendida por meio de
um navio, o respetivo proprietário ou, quando o exista, armador e o proprietário são considerados
salvadores para efeito do regime da salvação marítima.

Avarias

1. Introdução. Noção de avarias. Avarias danos e avarias-despesas

O conceito de avarias que se encontra plasmado no art. 634º do Ccom. é um conceito amplo
(de dano), que abarca as chamadas avarias grossas ou comuns e as avarias particulares ou simples.
Do art. 634º Ccom. resulta serem reputadas avarias, para efeitos do regime deste código, dois
tipos de situações:

a) Todas as despesas extraordinárias feitas com o navio ou com a sua carga, conjunta ou
separadamente;
b) Todos os danos que acontecem no navio, desde que começam os riscos de mar até que acabam.
A noção do art. 634º Ccom. deixa, assim, evidenciada a primeira grande classificação, neste
domínio, entre:

→ Avarias-despesas: o parágrafo 1 do art. 634º estabelece um recorte negativo- não são reputadas
avarias, mas simples despesas a cargo do navio as que ordinariamente se fazem com a sua saída
e entrada, assim como o pagamento de direitos e outras taxas de navegação, e ainda com as
despesas tendentes a aligeirá-lo para passar os baixos ou bancos de areia conhecidos à saída do
lugar de partida. Só relevam, de acordo com a lei, as extraordinárias: não cabem aí, portanto,
as despesas usuais ou ordinárias, algumas das quais se encontram, de resto, no recorte negativo
do parágrafo 1 do mesmo art. 634º; quanto a estas, a respetiva inserção no dito recorte
apresenta-se repetida, uma vez que já estariam, à cabeça, excluídas- a contrario- da própria
noção de avarias;
→ Avarias-danos: não surge qualquer delimitação complementar no art. 634º: a maior dúvida
suscetível estará em saber se os danos ocorreram efetivamente no arco temporal- que nem
sempre será de fácil determinação- que vai do começo dos riscos de mar até ao fim dos mesmos
ou se ocorreram a montante ou a jusante deste arco. Trata-se de uma questão determinante para
a definição do regime a aplicar.

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2. Natureza supletiva do regime das avarias. As regras Y-A
Decorre do parágrafo 2 do art. 634º do Ccom. que o regime constante dos arts. 634º a 653º é
supletivo: as avarias regulam-se por convenção das partes, valendo. Na sua falta ou insuficiência, as
disposições do código.
O caráter supletivo do regime do código comercial é independente do tipo de avarias: avarias-
danos ou avarias-despesas. Contudo, tal previsão tem sobretudo interesse para as avarias-danos ou
avarias-despesas que constituam avaria grossa ou comum, sendo conhecida a cláusula “franco de
avaria” ou “franco de avaria recíproca”, através da qual os carregadores e armadores renunciam a fazer
valer as pretensões que resultariam da aplicação do regime de tais avarias. O maior destaque, neste
domínio, vai, porém, para as Regras de York-Antuérpia.
Importa, no entanto, deixar aqui expressa uma precisão: a supletividade aberta pelo parágrafo
2º do art. 634º circunscreve-se às matérias diretamente tratadas nos arts. 634º a 653º, não podendo os
interessados na expedição conformar a atuação do capitão na “boa condução da expedição marítima”
(art. 5º/2 do DL nº 384/99, de 23 de Setembro).

As regras do York-Antuérpia (Regras Y-A) nasceram da necessidade de uniformização do


regime da avaria grossa ou comum. O impulso para tais Regras nasce de um Congresso realizado em
Glasglow, em 1860, seguindo-se um outro realizado em York, em 1864, no qual foram aprovadas as
Regras de York (11 regras). Mais tarde, em 1877, realiza-se uma nova conferência em Antuérpia, na
qual, para além de algumas modificações das Regras de York, foi acrescentada uma nova: a XII.
Nascem, assim, as regras de York-Antuérpia que, entretanto, conheceram sucessivas novas versões,
mas mantendo, sempre, aquela designação: assim, em 1890 (Liverpool), Estocolmo (1924), Amsterdão
(1950), Hamburgo (1974), Syney (1994) e Vancouver (2004).
A aplicação das Regras Y-A está dependente de convenção, só sendo aplicáveis se forem
incorporadas, por exemplo, nos conhecimentos de carga, nas cartas-partidas ou nas apólices de seguro.
Não obstante a sua não obrigatoriedade, a verdade é que as Regras Y-A têm uma enorme importância
e aplicação, não sendo alheio a esse sucesso, o facto de terem sido objeto de sucessivas atualizações,
feitas por especialistas, o que assegura o seu caráter “up-dated”.
A circunstância de a aplicação das Regras Y-A depender de uma incorporação convencional
não exclui que as mesmas possam ser tidas como usos do comércio internacional, com as
consequências que daí derivam.
No que diz respeito à estrutura e organização das Regras Y-A: temos uma Regra de
Interpretação e uma Regra Principal ou Predominante. O primeiro parágrafo da Regra de Interpretação,
para além de estabelecer como objeto das Regras a regulação das avarias grossas, afirma a respetiva
procedência relativamente a qualquer lei ou prática contrária. O segundo parágrafo da mesma Regra
atribui prevalência à Regra Paramount (Regra Principal ou Predominante) e às Regras numeradas sobre
as alfabetadas: não sendo uma situação qualificada como avaria grossa pelas Regras numeradas, pode-
o ser pelas alfabetadas.

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A Regra Paramount é uma regra de razoabilidade, a qual se compreende facilmente, tendo, no
entanto, a desvantagem de introduzir uma maior discricionariedade na qualificação de uma avaria
como grossa ou comum.

3. Avarias grossas e avarias particulares

3.1 Introdução
O nosso Ccom. começa por dar uma noção de avarias no seu art. 634º, a partir da qual se
desdobram avarias-despesas e as avarias-danos.
O Código introduz, depois, no art. 635º, uma outra classificação, dispondo que as avarias são
de duas espécies: avarias grossas ou comuns e avarias simples ou particulares.
Esta classificação não se coloca ao mesmo nível da anterior, já que quer as avarias-despesas
quer as avarias-danos tanto podem ser grossas como simples. Estamos perante classificações ou
modalidades que tomam como ponto de partida critérios diferentes: ao distinguirmos avarias-despesas
de avarias-danos, estamos a classificar as avarias em função do tipo de desvantagem económica
acontecida; ao distinguirmos avarias comuns ou grossas de avarias particulares ou simples, estamos já
a fazer uma distinção estrutural ou intrínseca com relevantíssimas repercussões em matéria de regime.
Os arts. 636º e 637º do Ccom. deixam bem evidenciada a diferença de regime entre as avarias
grossas e as avarias simples.
Contudo, em termos de opções legislativas, não tinha de ser assim: o legislador podia ter optado
por regular exclusivamente a avaria grossa (seja ela avaria-despesa ou avaria-dano), deixando a avaria
particular para o regime geral de suportação de danos e da responsabilidade civil.
No entanto, é de nos questionarmos se, substancialmente, o nosso Ccom. se preocupa,
efetivamente, com o regime das avarias particulares; dizendo de outro modo, é de questionarmos se o
próprio regime do art. 637º não estará mais gizado em função de preocupações de delimitação da avaria
grossa e respetivo regime do que em função de uma genuína preocupação com o regime das avarias
particulares já que, em rigor, estas avarias estão sujeitas ao regime comum dos danos, que não ao
regime especial- marítimo- das avarias grossas ou comuns.
A especialidade está, portanto, nas avarias grossas que, conforme decorre dos arts. 636º e 637º,
não estão sujeitas ao regime (comum) da suportação ou da responsabilidade, mas, antes, a um regime
de repartição e contribuição, que tem como pressuposto uma comunidade de interesses numa aventura
marítima comum.
Umas são suportadas por alguém: em princípio por quem as sofre; outras são repartidas. Ora,
nesta diferença entre suportação e repartição está a explicação para o facto de a qualificação das avarias
ser, com frequência, um “campo de batalha” judicial, já que, em princípio, aquele que está, à partida,

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indicada para “suportar” ou para “responder”, quererá repartir e aquele que está indicado para
“repartir” pretenderá que seja outrem a suportar.

Assim, nesta sede, o importante é delimitar a avaria grossa: identificadas as situações de avaria
grossa, dentro do universo das avarias, determinadas, por exclusão, ficarão as avarias particulares ou
simples.
A priori, a identificação das avarias grossas pode ser feita por uma de três vias: pela enunciação
de um critério geral, pela enumeração das situações de avaria grossa e, finalmente, por uma via mista
de enumeração exemplificativa, seguida ou precedida da enunciação de um critério.
O código comercial vigente segue a primeira via identificada. De acordo com o parágrafo 1º
do art. 635º do atual código, são avarias grossas ou comuns “todas as despesas extraordinárias e os
sacrifícios feitos voluntariamente com o fim de evitar um perigo pelo capitão ou por sua ordem, para
a segurança comum do navio e da carga, desde o seu carregamento e partida até ao seu retorno e
chegada”. No código de Ferreira Borges procedia-se antes a uma enumeração, no seu art. 1816º.
Exemplos eram: as coisas alijadas para a salvação comum, os danos causados pelo alijamento às
fazendas restantes a bordo, entre outros.
As mesmas vias são grosso modo seguidas quanto à caracterização da avaria particular ou
simples: enquanto o parágrafo 2º do art. 635º do atual código considera que as mesmas são “as despesas
causadas e o dano sofrido só pelo navio ou só pelas fazendas”, o art. 1818º do código de1833 também
procedia a uma enumeração.

3.2 O pressuposto e os requisitos da avaria grossa ou comum


3.2.1 Introdução
O que interessa agora são os requisitos da avaria grossa ou comum, uma vez que a
caracterização das avarias como particulares ou simples surge por exclusão, dentro do universo das
avarias.
O que está aqui em causa é, assim determinar quais são os requisitos de cuja reunião depende
a conclusão de que uma determinada despesa extraordinária ou um determinado sacrifício ou dano
deve ser qualificado como avaria grossa.
Um ponto que é pacífico é que a diferenciação entre a avaria grossa e a avaria simples não está
associada à dimensão dos danos: numa determinada expedição, as avarias simples podem assumir um
valor extraordinariamente elevado quando confrontado com o das comuns, havendo-as.
É importante frisar que a conclusão de que um determinado acontecimento é avaria grossa ou
comum é uma conclusão de direito, não podendo, em rigor- dizer-se- pese embora a redação do art.
13º/2 do DL 384/99, de 23 de Setembro, que incluiu as avarias grossas e as avarias particulares no seu
elenco exemplificativo- que as avarias grossas (ou as particulares) são, elas próprias, acontecimentos
de mar. Acontecimento de mar é o evento ou o facto que, depois, pode ser qualificado como avaria
grossa (ou particular).

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O parágrafo 1º do art. 635º do Ccom., enuncia, literalmente, 3 requisitos:
a) Caráter voluntário: a despesa ou o sacrifício deverão ter sido feitos voluntariamente pelo
capitão ou por sua ordem;
b) As despesas ou os sacrifícios deverão ter por fim evitar um perigo;
c) O objetivo último deverá ser a “segurança comum do navio e da carga”.
Existe ainda a polémica de saber se, para além dos requisitos enunciados, será ainda de
acrescentar o “resultado útil”, conforme tem sido sustentado pelo Prof. regente.
Na opinião do prof. regente, os 3 requisitos elencados têm natureza diversa, já que um deles
assume um relevo especial, sendo o ponto de partida- o pressuposto- para os demais. Distinguimos,
assim, entre um pressuposto e dois requisitos. O pressuposto é a existência de um perigo comum para
o navio e para a carga: se este pressuposto não estiver verificado, a equacionação da avaria grossa não
faz sentido, devendo, então, a atuação do capitão, que se traduza na prática de atos de sacrifício,
merecer outro enquadramento jurídico. Seguem-se 2 requisitos:
a) Uma despesa ou um sacrifício intencional;
b) A despesa ou o sacrifício deverão ter por objetivo a salvação comum do navio e da carga.
Parametrização temporal das avarias grossas: no dizer do parágrafo 1º do art. 635º do Ccom.,
elas deverão acontecer, para serem relevantes, “desde o seu (do navio) carregamento e partida até ao
seu retorno e descarga”.
Podemos questionar se esse arco temporal coincide ou não com o arco, também temporal,
estabelecido no art. 634º: “desde que começam os riscos de mar até que acabam”. A priori, não há
razão para introduzir, em sede de avarias grossas, uma parametrização temporal das avarias diferente
daquela que é feita, em geral, no art. 634º. Contudo, mais do que discutir se os arcos temporais do art.
634º e do parágrafo 1º do art. 635º coincidem rigorosamente, o que importa é saber se os riscos de mar
formulados no art. 634º entram na “composição” do arco temporal do parágrafo 1º do citado art. 635º.
A “prova dos nove” estará nas situações em que os danos têm lugar quando o navio já está
carregado, mas ainda está atracado no cais; se deflagra um incêndio no armazém do porto, que se
comunica, por virtude do vento ao navio, ameaçando a sua segurança e a da carga, os danos provocados
pelo combate ao incêndio decidido pelo capitão entrarão em avaria grossa ou devemos considerar que
falta o pressuposto da exposição do navio e carga aos riscos de mar? Neste sentido, podemos dizer que
militaria a letra do próprio parágrafo 1º do art. 635º, que não se refere apenas ao “carregamento”, mas
ao “carregamento e partida”.
A questão suscita-nos algumas dúvidas. Contudo, autores como Cunha Gonçalves ou Azevedo
Matos parecem tomar a interpretação que flui da letra do parágrafo 1º do art. 635º como pacífica,
bastando o carregamento, para que as situações de avaria grossa possam ter lugar. O regente tem, no
entanto, dúvidas relativamente a esse entendimento, uma vez que lhe parece questionável que o mesmo
considere devidamente a necessidade, que faz parte do coração do instituto, de haver riscos de mar, o
que apontaria para a circunscrição da aplicação da avaria grossa à fase de navegação.
Outro exemplo, agora na oposta fase em que o navio aportou e atracou, não tendo a mercadoria
sido ainda descarregada quando deflagra o incêndio no armazém do porto, o qual se comunica ao

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navio, fazendo perigar a sua segurança e a da carga; os danos provocados pelo combate ao incêndio,
ordenado pelo capitão, constituem (ainda) avaria grossa? Ou dependerá essa qualificação de a origem
do incêndio ser “interna” ao navio?
Não convencido, embora, o regente admite que o legislador, neste âmbito, possa ter querido
evitar as polémicas que seriam, necessariamente, provocadas por uma ausência de definição clara,
tendo optado por um critério pragmático, bem visível na seguinte passagem de Ripert: “A partir do
momento em que estão a bordo, as mercadorias estão unidas ao navio, mesmo antes da partida, sendo
que a estadia no porto comporta certos riscos”.
Aula prática- O dano dá-se quando o navio está no porto. Problema de parametrização
geográfica. Art. 635º- desde o seu carregamento e partida até ao seu retorno e chegada- “e”- uma coisa
mais outra e não uma coisa ou outa. Ele tem de estar carregado e partido e ele não partiu logo à letra
não estamos perante um caso de avarias grossas. Mas há aqui uma contradição e dentro de uma lógica
de sistema, as contradições devem ser sanadas- em que consiste esta contradição? Para o prof. isto é o
caso de avaria grossa:
- as regras de Y-A apenas falam de aventura marítima comum- feita de forma intencional para
acabar com esta discussão. O legislador português continua com a contradição- desde o carregamento
e partida até ao seu retorno e chegada. Mas a lei diz até ao retorno e chegada- se o navio tiver parado
no porto de escala 1, 2, no porto de destino e se depois tiver parado no porto de escala- quando regressa
ao porto inicial se tiver atracado, mas não tiver descarregado há avaria grossa- se for ao contrário já
não há problema. O Cód. Comercial trata de forma diferente situações materialmente iguais- a lei diz
menos do que aquilo que quer.
Ou recorremos ao 634º proémio e interpretar em consonância ou então fazemos uma
interpretação extensiva da regra do art. 635º Ccom. Temos de ter em consideração as regras de Y-A:
muito aplicadas no comércio internacional.

3.2.2 A existência de um perigo comum para o navio e carga como pressuposto da avaria
grossa

Existência de um perigo para a aventura marítima- um perigo que ameaça a segurança comum
do navio e da carga. É discutida a natureza do perigo, designadamente se tem de ser atual ou se pode
ser futuro, sendo também objeto de polémica a questão de saber se tem de ser iminente ou real.
A doutrina dá, em geral, nota da caracterização do perigo relevante, mas é também evidente a
dificuldade em definir critérios firmes. Lê-se, em Rodiere que “não basta que o acidente seja
imaginário, é necessário que surja, se não como provável, ao menos como certo a curto prazo, em
termos de a ausência de toda e qualquer intervenção correr o risco de agravar as perdas ou mesmo de
não as lograr evitar, mas também na condição de que a medida tomada apresente o caráter
extraordinário exigido pelos textos e não seja apenas a medida de prudência exigida a todo o marítimo
cioso das suas responsabilidades”.
Neste particular, relevará, em especial o juízo do capitão, como marítimo especialmente
qualificado, de quem é exigível uma avaliação ciente e prudente da situação identificada como
potencialmente perigosa e da sua evolução previsível, à luz da experiência do mar, podendo também
dizer-se, designadamente à luz das Regras Y-A (Regra A), que a avaliação da existência de perigo e
respetiva dimensão devem ser feitas com razoabilidade.

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Podemos falar num juízo de probabilidade feito razoavelmente pelo capitão. Cunha Gonçalves:
a realidade do perigo não pode ser estabelecida por caracteres objetivos; é uma apreciação subjetiva
reservada ao capitão, atendendo a todas as circunstâncias do momento: estado moral e física da
tripulação, resistência do navio, natureza da carga, etc. E, como essa apreciação pessoal tem de ser
fiscalizada pelos tribunais, se estes decidirem que o capitão podia razoavelmente supor a existência de
um perigo real, deverão os danos entrar em avaria comum”; e ainda: “Pelo contrário, se o perigo for
fantasiado ou exagerado pelo espírito excessivamente timorato do capitão, que se apavorou e fez uma
despesa ou causou um dano, que um capitão prudente, corajoso e sereno evitaria, falta ao perigo a
realidade ou probabilidade (…)”.
O exposto evidencia a importância do juízo experiente de prognose do capitão relativamente a
uma situação de perigo potencial para a expedição. Essa tónica não nos permite, porém, prescindir da
enunciação de um perigo real, como pressuposto da avaria grossa, sendo, assim, possível sindicar a
decisão do capitão, mas agora em prognose póstuma, devendo ser tidas em conta todas as
circunstâncias presentes aquando da decisão.
O julgador deve, nesse juízo de prognose póstuma, considerar qual é que seria a correta decisão
de um “bom capitão”, colocado exatamente naquele navio, em idênticas circunstâncias.
O perigo só é relevante para efeito de avaria grossa se for comum ao navio e à carga.
Naturalmente que a avaliação do caráter comum do perigo repousa, também ela, no juízo razoável do
capitão. A avaliação feita pelo capitão pode, em concreto, conduzir a que um perigo que, diretamente
e no imediato, apenas incide sobre o navio, deva ser avaliado como perigo comum para o navio e carga,
considerando a previsível evolução dos acontecimentos, à luz das circunstâncias e da experiência do
mar.

Para o efeito da caracterização do perigo relevante será indiferente que o mesmo decorra de
caso fortuito ou de força maior, de facto de terceiro ou mesmo de culpa do proprietário do navio ou do
capitão. Esta conclusão pode parecer estranha no caso de na origem do perigo (causa remota) estar a
inavegabilidade do navio ou uma falha de um membro da tripulação.
Silva Lisboa: as situações de inavegabilidade do navio deviam determinar a aplicação do
regime da avaria particular. Para Cunha Gonçalves, contudo, para a caracterização de uma avaria como
avaria comum é indiferente a respetiva causa; segundo o autor, a caracterização das situações em
apreço como avaria particular era inaceitável já que “porque aos lesados é indiferente que o perigo
haja resultado de culpa doutrem ou de caso fortuito ou de força maior; e, desde que há interessados
que aproveitaram com o sacrifício feito, forçoso será que contribuam à indemnização do lesado,
ficando-lhe apenas salvo o direito de exigirem ao culpado a contribuição que pagaram”.

A solução do direito marítimo é a seguinte: funciona a avaria grossa e, depois, são


eventualmente, refeitas as contas. É a solução mais solidarista, que tem a vantagem de dividir entre
todos a eventual insolvência do responsável remoto pela situação, tendo a seu favor a regra D de Y-A.
Assim, numa situação em que a decisão de sacrifício de parte da carga, para salvação comum
do navio e da carga, tenha na sua base, como causa remota, a inavegabilidade do navio, o proprietário
do navio não poderá exigir contribuição mas nem por isso deixam os proprietários dos bens
sacrificados de poder exigir, em avaria grossa, contribuição dos demais carregadores- e do proprietário
do navio, naturalmente- os quais poderão, então, exigir do proprietário do navio o reembolso dos
valores pagos e indemnização pelos prejuízos sofridos.

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A questão que se pode colocar é se esta solução pragmática, incluída nas regras Y-A, é
compatível com o regime das avarias do Ccom., quando o mesmo não tenha sido afastado a favor
daquelas Regras ou de outro regime: a priori, parece que a lógica da avaria grossa, com o seu regime
de repartição e contribuição, deveria ceder perante a identificação de uma imputação e de uma
consequente verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, como no caso em que fique
provado que a causa próxima consubstanciada na decisão voluntária do capitão teve como causa
remota o estado de inavegabilidade do navio ou no caso em que seja provado que a decisão voluntária
do capitão no sentido de combater um incêndio teve na sua origem um comportamento negligente de
um tripulante ou de um carregador.
Parece ao regente, porém, que a solução do direito interno não pode deixar de acompanhar
aquela que se identifica com a lógica da avaria grossa e com a sua natureza, tal qual reconhecida
internacionalmente devido.
Vários fatores impedem aqui a aplicação de uma lógica estritamente civilista com base nas
regras da responsabilidade civil:
→ A internacionalidade do Direito Marítimo;
→ A especificidade do instituto da avaria grossa;
→ Esta solução apresenta-se também como a solução mais lógica já que as relações inerentes à
contribuição se desenrolam num plano diferente daquele que respeita às relações derivadas
das situações de responsabilidade civil.

Sendo, embora, indiferente a causa remota do ato de avaria grossa, já não fará sentido que o
causador pretenda beneficiar do regime desta. Podemos também chegar a estas conclusões fazendo
intervir os princípios gerais, de modo a paralisar pretensões que se mostrem, em concreto, contrárias
ao princípio da boa fé. Assim, deve ser paralisada a pretensão de repartição com base no regime da
avaria grossa feita pelo proprietário do navio nesta situação, em que a causa remota da decisão de
despesas extraordinárias ou do sacrifício feita pelo capitão tenha sido o estado de inavegabilidade do
navio; o mesmo relativamente a similar iniciativa promovida pelo carregador cujo comportamento
negligente tenha estado na causa do incêndio: tais paralisações são explicadas à luz da proibição de
venire contra factum proprium.

3.2.3 Os requisitos da avaria grossa

3.2.3.1 O caráter voluntário e intencional do sacrifício

Isto significa que o sacrifício ou a despesa extraordinária deverão ser objeto de uma decisão do
capitão ou de alguém que exerça as correspondentes funções (art. 4º do DL 384/99, de 23 de Setembro).
Esta decisão terá de ser intencional.
O art. 635º do Ccom. não exige que haja uma deliberação motivada. No entanto, de acordo na
alínea h) do art. 6º do DL 384/99, de 23 de Setembro- que, substancialmente, constitui a continuação
do revogado no nº6 do art. 508º do código- o capitão é obrigado “a convocar a conselho oficiais,
armadores, carregadores e sobrecargas, sempre que for previsível a ocorrência de perigo para a
expedição suscetível de causar danos ao navio”. Evidentemente que convocar tal conselho estará, à

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partida, prejudicado nas situações em que a urgência não se compadeça com a delonga que o mesmo
implica.
Por não verificação deste requisito, não constituirá uma situação de avaria grossa aquela em
que determinada carga no convés é arrastada para o mar pela força das ondas. Estamos aqui perante
uma situação de avaria particular, com as correspondentes consequências a nível de responsabilização
ou de suportação de danos: nesta situação ou haverá fundamento para responsabilizar o transportador
por má colocação ou arrumação da mercadoria ou haverá dano por caso de força maior.
Refira-se, porém, que atualmente, designadamente ao abrigo das Regras Y-A, o caráter
voluntário do ato como requisito da avaria grossa não pode ser absolutizado, conhecendo exceções
que, no entanto, não põem em causa a exigência do caráter voluntário ou intencional, enquanto regra,
mas cuja existência já não nos permite dizer, como fazia Cunha Gonçalves, que a voluntariedade era
um “requisito essencialíssimo” da avaria grossa.
A situação que corporiza estas exceções é a das despesas com a salvação do próprio navio (e
carga. Ora, conforme é sabido, uma vez que a salvação tanto pode ser espontânea como contratada,
não haverá dúvidas que o salário de salvação contratada (art. 6º do DL 203/98 e art. 8º da Convenção
de Bruxelas de 1910 para a unificação de certas regras em matéria de assistência e de salvação
marítimas) resulta de um ato voluntário: da própria celebração do contrato de salvação.
As dúvidas acontecem se a salvação for espontânea. Suponhamos que o navio está à deriva e o
capitão e restante tripulação tiveram que o abandonar ou não estão em condições de tomar decisões;
poderá, ainda assim, a salvação ser tida como um ato voluntário? Tal conclusão não parece possível,
mas não fará, por outro lado, sentido que as despesas extraordinárias consubstanciadas no salário de
salvação não entrem em regra de avaria grossa. É assim que se explica que a Regra VI das Regras Y-
A estabeleça que o salário de salvação é considerado ainda que não tenha havido contrato. É assim
também que se explica o facto de, a nível do nosso direito interno, o art. 7º do DL 203/98 estabelecer
que o pagamento do salário de salvação marítima é feito pelos salvados de harmonia com as regras
aplicáveis à regulação da avaria grossa ou comum.

Outra questão: saber se, tendo as despesas ou sacrifícios sido voluntariamente feitas ou
sofridos, deverão continuar a ser tidos como de avaria grossa se se concluir, com segurança, que o
mesmo efeito ocorreria ainda que tal decisão não tivesse sido tomada. Suponhamos que a mercadoria
arrumada no convés é alijada por ordem do capitão no interesse comum da expedição, mas que se
conclui que ainda que tal ordem não tivesse sido dada, a força das ondas teria, seguramente, projetado
tal mercadoria para o mar.
Solução do regente: atribuir à causa virtual um relevo negativo para exclusão da avaria grossa,
adotando-se, em função da razão de ser do instituto, um regime correspondente ao da ressalva
constante da parte final do art. 469 do códice della navigazione: ainda que estejam verificados os
requisitos da avaria grossa no momento do ato de avaria, não se aplica o regime da avaria grossa
quando o dano voluntariamente produzido seja aquele que se verificaria necessariamente, de acordo
com o curso normal dos eventos. O regente não vê razão para que sejam tratadas de modo diverso as
mercadorias que são “varridas” pela tempestade e aqueles que o teriam sido também, com segurança,
se não tivesse havido um alijamento anterior, voluntariamente feito para segurança comum do navio e
da carga.

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3.2.3.2 O sacrifício deve ser feito para segurança comum do navio e da carga
Na base deste requisito está a consideração da comunidade de interesses entre o navio e carga,
a aventura marítima comum.
Assim, se deflagra um incêndio em certa mercadoria que, pela sua natureza e colocação na área
do navio, não poe em causa a segurança das demais mercadorias e do próprio navio, os danos
provocados no combate ao incêndio não entram em avaria grossa, não havendo, consequentemente,
lugar a repartição com base nesse regime.
Também não contribuirão as mercadorias que já tenham sido desembarcas quando deflagra um
incêndio a bordo que ponha em causa a segurança do navio e da carga ainda carregada: os danos
provocados pela decisão de combater o incêndio e respetiva execução não serão repartidos pela carga
que já está fora da comunhão de interesses.
Pela mesma razão, por faltar a união material, estabelece o art. 644º Ccom. que não contribuem
nas perdas acontecidas a bordo, para cuja carga eram destinadas, as fazendas que estiveram em terra:
podemos dizer, relativamente às mesmas, que ainda não começou a aventura marítima comum, não
havendo ainda comunhão de interesses.

A despesa ou o sacrifício devem ser feitos com razoabilidade, como se lê na Regra Paramount
de Y-A. Não corresponde a esta exigência a atitude do capitão que sacrifica mercadoria (alijamento,
por exemplo) em quantidade excedente à medida que seria razoavelmente necessária para o efeito
pretendido. A consequência que daqui decorre é não serem considerados como avaria grossa os
sacrifícios que excedam aquela medida.
Mas o regente não concorda que a razoabilidade deva ser erigida como requisito autónomo da
avaria grossa ou comum. No seu entender, a exigência de razoabilidade é inerente ao dever de um
capitão diligente (art. 5º/3 do DL 384/99).

Uma questão controversa é a de saber se o que releva, no âmbito deste requisito, é a segurança
comum ou o proveito comum. Esta questão, que tem estado bem presente nas revisões das Regras Y-
A, tem sobretudo interesse quanto às despesas: podem entrar como avaria grossa as despesas feitas em
proveito comum do navio e da carga, conquanto não o sejam, a bom rigor, para a segurança comum?
Estamos perante conceções diferentes de avaria grossa e do respetivo âmbito de aplicação.
Cunha Gonçalves, considerando, embora, defensável, essa possibilidade, entendia que a mesma
esbarra na letra do parágrafo 1º do art. 635º Cccom., que se refere à “segurança comum” do navio e da
carga.

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Como se disse, as avarias particulares são determinadas por exclusão de partes. Sendo
particulares as avarias que não são grossas.
Importa, no entanto, salientar que a caracterização feita no parágrafo 2º do art. 635º do Ccom.
é enganadora, já que sugere, erradamente, que a avaria particular só pode incidir, alternadamente, sobre
o navio ou sobre a carga. Não é, porém, assim, já que o dano provocado por caso fortuito ou de força
maior, ou mesmo por decisão voluntária que não corporize uma avaria grossa, pode atingir, a um
tempo, o navio e a carga: se a tempestade provoca danos no navio e nas mercadorias carregadas a
bordo, estaremos seguramente perante uma situação de avarias particulares ou simples.

3.2.4 Outros requisitos de avaria grossa?


É discutido se, para além dos requisitos atrás enunciados é ainda necessário um outro: um
resultado útil. Exigindo o resultado útil como requisito da avaria grossa: Cunha Gonçalves +
Vasconcelos Esteves.
A necessidade de um resultado útil parece ter apoio literal no art. 639º Ccom.- que estabelece
haver repartição de avaria grossa por contribuição “sempre que o navio e a carga forem salvos no todo
ou em parte”- e ainda no controverso art. 642º- de acordo com o qual “se, não obstante o alijamento
ou o corte de aparelhos, o navio se não salva, não há lugar a contribuição alguma e os objetos salvos
não respondem por pagamento algum em contribuição de avaria dos objetos alijados, avariados ou
cortados”.
Regente: apesar destes apoios literais, não parece que o resultado útil seja um requisito ou
elemento constitutivo da avaria grossa. É necessário chegar a um resultado útil, contudo, tal resultado
será um requisito para a liquidação e para a contribuição em avaria grossa. Se, não obstante o sacrifício
voluntário de bens perante um perigo para a salvação comum do navio e da carga, os bens em causa
não se salvarem, nada haverá a repartir. Contudo, se a salvação de bens ocorrer subsequentemente,
apesar do malogro do próprio ato que constitui avaria grossa, haverá contribuição e repartição, isto
apesar de a decisão do capitão não ter tido, ela própria, um “resultado útil”.
Deve haver uma específica relação- um nexo de causalidade- entre o ato do capitão e as
despesas ou os danos. O critério consagrado na Regra C de Y-A é o de que os danos e despesas devem
ser consequência direta do ato para que possam ser considerados no regime da avaria grossa.
Contudo, no 1º parágrafo da mesma Regra são excluídos da avaria grossa as perdas, danos ou
despesas incorridos em consequência de danos ambientais ou em consequência da libertação de
substâncias poluentes da propriedade envolvida na expedição marítima comum. Excluídos estão
igualmente, segundo a mesma Regra (3º parágrafo), os danos decorrentes do atraso ou de qualquer
perda indireta de qualquer natureza.
A necessidade de, face à citada Regra C, os danos ou despesas serem consequência direta do
ato, conduz a que, na situação em que o capitão tenha de vender bens que se encontrem a bordo, para
acudir a uma despesa extraordinária feita para salvação comum do navio e da carga, apenas esta
despesa é considerada em avaria grossa, sendo as consequências da venda, como a tutela da posição

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do proprietário dos bens alineados, tratada em conformidade com o regime dos arts. 10º e 11º do DL
384/99.

4. Consequências da caracterização jurídica da avaria como grossa ou como particular

4.1 Repartição e contribuição VS princípio casum sentit dominus ou imputação


Se a avaria for grossa em comum- tem aplicação um regime de repartição e contribuição. O art.
636º Ccom (que tem natureza supletiva por força do parágrafo 2º do art. 634º) aponta para uma
repartição proporcional entre a carga e a metade do valor do navio e do frete.
Não é esse, porém, o critério das Regras Y-A, que apontam (Regras G e XVII) para os valores
(integrais) dos bens contribuintes.
A repartição das avarias grossas ou comuns pressupõe, na sua construção e desenvolvimento,
a criação de uma massa credora e de uma massa devedora. A massa devedora é composta pelos bens
e valores que contribuem, sendo a massa credora constituída pelas despesas extraordinárias ou danos
ocorridos durante a aventura marítima.
Pode acontecer que determinados valores devam entrar tanto na massa credora como na massa
credora; assim, se o alijamento da mercadoria for qualificado como avaria grossa, o respetivo valor
entrará, naturalmente, na massa credora. Contudo, ele deve fazer parte também da massa devedora, de
forma que o proprietário da mercadoria sacrificada não fique, afinal, beneficiado relativamente aos
demais interessados na aventura marítima e contribuintes. De outro modo, o proprietário dessas
mercadorias receberia o valor da mercadoria por inteiro, à custa dos demais.
Uma vez apurada a massa credora e a massa devedora, é calculado o coeficiente de avaria, que
se obtém dividindo a primeira pela segunda; se, ao invés, dividirmos a massa devedora pela massa
credora obtemos a percentagem ou taxa, sendo que, em termos finais (de contas), os resultados são
idênticos.
Assim, se a massa credora é de 20.000 euros e a massa devedora (correspondente à soma do
valor da carga salva e de metade do valor do navio e do frete, no sistema do Ccom., ou correspondente
aos valores integrais, no sistema das Regras Y-A) é de 400.000 euros, o coeficiente de avaria é 0,05-
o que corresponde à percentagem de 5%: está achada a medida de contribuição de cada um. Assim, se
a mercadoria do carregador X, que integra a massa devedora e foi como tal considerada, vale 50.000
euros, a sua contribuição é de 2.500 euros.
Pode acontecer que, depois de feita a repartição, tenha de ser devolvida a contribuição recebida,
em virtude de uma circunstância superveniente. O art. 646º Ccom. impõe o dever de reposição da
contribuição recebida, que impende sobre os donos de objetos que tenham sido alijados e que,
entretanto, tenham sido recuperados: a contribuição recebida deverá ser restituída aos interessados
contribuidores, em termos proporcionais, podendo, porém, ser deduzido o dano causado pelo
alijamento e as despesas de recuperação. No caso, porém, de o dono dos bens alijados os recuperar
sem ter reclamado qualquer quantia, esses objetos não contribuirão nas avarias sobrevindas ao restante
da carga depois do alijamento (parágrafo único do art. 646º).

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Sendo a avaria particular: não há repartição. Estabelece o art. 637º do Ccom. que “as avarias
simples são suportadas e pagas ou só pelo navio ou só pela coisa que sofreu o dano ou ocasionou a
despesa”. Aplicação do princípio do casum sentit dominus; o dano será suportado por aquele que o
sofre, que será, em princípio, o proprietário; pode, porém, haver imputação em termos de
responsabilidade civil, tudo isto independentemente de poder ter havido transferência de riscos através
de um seguro.

5. A questão da natureza jurídica da avaria grossa

→ Recondução da figura à gestão de negócios: falha, desde logo, pelo facto de o “gestor” - que
seria o capitão- agir não apenas no interesse dos carregadores, mas também no do navio, ou
seja, no interesse do seu comitente, o armador do navio. Como é sabido, o gestor de negócios
age no interesse e pro conta de terceiro, com quem não tem, à partida, qualquer relação,
diversamente do que acontece na avaria grossa, atenta a relação de comissão entre o capitão e
o armador ou o proprietário do navio (art. 4º do DL 202/98 de 10 de Julho). E o capitão te, por
força da lei (art. 5º/2 do DL 284/99), o dever de atuar profissionalmente co vista a uma boa
condução da expedição marítima. Afastamos, assim a hipótese de explicação da avaria grossa
através do instituto da gestão de negócios;
→ Explicar o instituto através do ESC: insatisfatória- natureza subsidiária do ESC e é dificilmente
sustentável a ideia de que os proprietários da carga não sacrificada enriquecem com a
manutenção de algo que já é seu;
→ Estado de necessidade (Cunha Gonçalves): a avaria comum seria determinada por um estado
de necessidade; é um mal menor, voluntariamente causado a uns, para evitar um mal maior- o
de todos. A vantagem é que, tal como no estado de necessidade, há, na avaria grossa, uma
situação de ofensa lícita a direitos de outrem. Contudo, essa similitude- efetiva- não chega para
explicar plenamente a avaria grossa;
→ REGENTE: as tentativas de explicação plena da avaria grossa com recurso às figuras do direito
civil falham muito na medida em que desconsideram a especificidade e o particularismo da
avaria grossa, como instituto de Direito Marítimo. Isto não significa que não encontremos
similitudes neste ou naquele instituto. A ratio encontra-se na comunhão de riscos no perigo,
ou seja, na aventura marítima, na solidariedade também. Alguma doutrina aponta como
fundamento da avaria grossa a lei ou o contrato, consoante seja aplicado o regime supletivo
legal ou um regime convencional, mas este entendimento assenta num equívoco- tal
fundamento só poderia valer para as obrigações de contribuição, e não para o próprio instituto.
Não podemos deixar de diferenciar o ato do capitão- ato de avaria grossa- da contribuição de
avaria grossa.
Uma questão que neste âmbito se suscita- fruto, em grande parte, do facto de os interessados
na expedição marítima poderem, à partida, modelar os termos da contribuição, é a de saber o que é que
acontece em sede de composição das massas, quando os regimes de contribuição dos diversos
interessados sejam diferentes.

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Suponhamos que a mercadoria sacrificada, por exemplo, por alijamento, pertencia ao
carregador A, cujo conhecimento de carga continha una cláusula de aplicação das Regras Y-A e que,
quando da regulação das avarias, se constata que os outros carregadores, cuja mercadoria foi salva,
beneficiavam da cláusula franco de avaria, recusando-se, por tal razão, a contribuir.
Uma solução possível seria aplicar, em relação a cada um dos interessados, o regime clausulado
no respetivo conhecimento de carga (se for este o caso), deixando, porém, ao carregador prejudicado
pelo facto de os demais não estarem vinculados nos mesmos termos, o direito de agir contra o
transportador, por culpa in contrahendo, por não ter acordado em relação a todos o mesmo regime de
avaria grossa. Mas o Regente não concorda com esta solução.
REGENTE: se no contrato entre o transportador e o carregador X fica acordada a aplicação das
Regras Y-A, isso tem um significado que vai claramente para além das estritas relações entre as partes,
já que essas Regras pressupõe que, numa situação de avaria grossa, todos contribuem, não havendo
privilégios traduzidos no facto de alguém, cujos bens foram salvos à custa do sacrifício de outros,
poder paralisar uma pretensão de contribuição, quando, na situação oposta, beneficiaria da
contribuição dos demais interessados.
Será uma questão de interpretação, determinar, qual é o regime aplicável a essa relação: se o
do Ccom., o das Regras Y-A ou outro, dúvida que poderá ser resolvida atentando no panorama global
dos diversos contratos existentes. Assim, valerá, em princípio, o regime acordado para a maioria dos
contratos, ficando, porém, o carregador que, em concreto, se considere prejudicado pelo facto de não
ter sido seguido o regime especificamente acordado com o transportador, com o direito de ação contra
este. A solução mais cristalina será aplicar as Regras Y-A; contudo, essa solução parece forçada nas
situações em que tais Regras não tenham sido consideradas em qualquer dos conhecimentos de carga.

6. A determinação das massas credora e devedora na avaria grossa

6.1 O capital contribuinte


De acordo com o estabelecido no art. 639º Ccom., haverá repartição de avaria grossa por
contribuição “sempre que o navio e a carga forem salvos no todo ou em parte”. Já vimos que existem
situações de avaria grossa, ainda que não se salve o navio ou não se salve a carga.
À composição do capital contribuinte refere-se o parágrafo 1º do art. O capital compõe-se dos
seguintes elementos: valor líquido integral que as coisas sacrificadas teriam ao tempo no lugar da
descarga (1º); valor líquido integral que tiverem no mesmo lugar e tempo as coisas salvas e também
da importância do prejuízo que sofreram para a salvação comum (2º); frete a vencer, deduzidas as
despesas que teriam deixado de se fazer se o navio e a carga se perdessem na ocasião em que se deu a
avaria (3º).
Realce-se que, de acordo com o parágrafo 2º do mesmo art. 639º, “os objetos de uso e o fato,
as soldadas dos marinheiros, as bagagens dos passageiros e as munições de guerra e de noca na
quantidade necessária para a viagem, posto que pagas por contribuição, não fazem parte do capital
contribuinte”.

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6.2 Situações especiais
A determinação das massas credora e devedora suscita dificuldades especiais, apresentando,
por vezes, grande complexidade.
O art. 640º do Ccom. regula a questão de saber o que é que acontece relativamente à carga
“clandestina”, ou seja, relativamente à carga “de que não houver conhecimento ou declaração do
capitão ou que se não achar na lista ou no manifesto”.
Uma tal carga está sujeita a um duplo regime desfavorável: o respetivo proprietário não recebe,
mas paga. Tal carga contribui na avaria grossa, salvando-se, o que bem se compreende, já que beneficia
da despesa extraordinária ou do sacrifício. Contudo, se tal carga for sacrificada- se for “alijada”, diz o
art. 640º- tal carga não fará parte da massa credora, tudo se passando, relativamente a essa carga, como
se a avaria fosse particular.
Este regime é consonante com a Regra XIX das Regras Y-A.
A explicação de tal regime é obvia: o combate à fraude e ao transporte clandestino, o que
justifica a sanção da não inclusão na massa credora, fazendo, porém, todo o sentido a inclusão na massa
devedora.
Quanto às mercadorias no convés, as mesmas têm um regime especial, constante do art. 641º
Cccom, regime especial esse que não é aplicável à composição da massa devedora, já que, se as
mesmas se salvarem contribuem. No que respeita às regras Y-A, tem relevo a Regra I.
Não se salvando as mercadorias, o código consagra um regime especial, regime esse que tem
como pano de fundo o facto de as mercadorias carregadas no convés estarem sujeitas a um maior risco
ou probabilidade de alijamento no caso de tal ser necessário para o bom sucesso da expedição marítima
comum.
Assim, se os bens em causa tiverem sido carregados na coberta sem o consentimento do dono,
sendo os mesmos alijados ou danificados pelo alijamento, o proprietário tem direito a ação de
indemnização “contra o capitão, navio e frete” (parágrafo único do art. 641º do Ccom.); atento o regime
consagrado nos arts. 4º e 5º do DL 202/98, essa ação de indemnização poderá ser intentada contra o
proprietário ou armador, como comitente, e contra o capitão como comissário, respondendo
solidariamente.
Se, porém, tiver havido consentimento do dono para que os bens sejam carregados na coberta,
há lugar a uma contribuição especial que não prejudica a contribuição geral para as avarias comuns de
todo o carregamento; nessa contribuição especial, só entram o navio, o frete e as mercadorias em causa
e as demais mercadorias carregadas nas mesmas circunstâncias.
Importa ainda referir, de novo, o regime do art. 644º: não contribuem nas perdas acontecidas a
navio, para cuja carga eram destinadas, as fazendas que estiverem na terra. A razão de ser é lógica:
essas mercadorias ainda não integram a expedição marítima comum- a comunhão de interesses a esta
inerente.
´
51
6.3 Estimação da carga
Revela-se igualmente muito importante a estimação da carga na composição das massas
credora e devedora.
O art. 648º Ccom. trata da estimação das fazendas e mais objetos, estabelecendo que as
fazendas e os mais objetos que devem contribuir, assim como os objetos alijados ou sacrificados, serão
estimados segundo o seu valor, deduzidos o frete, direitos de entrada e outros encargos de descarga,
tendo-se em consideração os conhecimentos, as faturas e, na sua falta, outros quaisquer meios de prova.
Pode acontecer que nos conhecimentos ou outros documentos estejam designados uma
qualidade e um valor das mercadorias que não corresponda ao seu valor real. Nessa situação, há que
distinguir consoante as mercadorias valham mais ou menos: se valerem mais (1º parágrafo do art.
648º), contribuirão pelo seu valor real, mas em caso de alijamento ou avaria, conta o valor dado nos
conhecimentos; se valerem menos (2º parágrafo do art. 648º), as mercadorias contribuem segundo o
valor indicado se forem salvas, mas atender-se-á ao valor real se forem alijadas ou estiverem avariadas.
Revela-se também importante a estimação da avaria na carga, dispondo o parágrafo único do
art. 638º que nessa estimação é determinado qual teria sido o valor da carga, se tivesse chegado sem
avaria, o qual deve ser confrontado com o seu valor atual, tudo isso independentemente da estimação
do lucro esperado, sem que, em caso algum, possa ser ordenada a venda de carga para se lhe fixar o
valor, salvo a requerimento do respetivo dono.
Finalmente, o art. 649º contém um regime especial para a estimação das mercadorias
carregadas: ela é feita, segundo o seu valor, no lugar da descarga, deduzidos o frete, os direitos de
entrada e outros de descarga. Os parágrafos 1º a 3º do mesmo art. 649º contemplam situações especiais.
O parágrafo 1º reporta-se às situações em que a repartição for feita em lugar do país donde o navio
partiu ou tivesse de partir; o parágrafo 2º trata da estimação dos objetos avariados e o parágrafo 3º cura
da estimação nas situações em que “a viagem se rompeu ou as fazendas se venderam fora do reino e a
avaria não pôde lá regular-se”.
A estimação dos valores das cargas quer das sacrificadas quer das salvas consta das Regras
XII, XVI e XVII de Y-A.

6.4 Estimação do valor do navio


O art. 647º Ccom. dispõe que o navio contribui pelo seu valor no lugar da descarga ou pelo
preço da sua venda, deduzida a importância das avarias particulares, ainda que sejam posteriores à
avaria comum.
Nas Regras de Y-A assumem particular relevo as Regras XVII e XVIII.

7. Algumas situações específicas

→ Alijamento: acontecimento de mar que melhor ilustra as situações de avaria grossa, admitindo,
claro está, que estão, em concreto, verificados os respetivos pressupostos e requisitos. Tanto
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que serve de paradigma para as situações de avaria grossa: assim acontece, por exemplo, no
art. 640º, cujo regime não vale apenas para a carga alijada, mas, em geral, para a carga
sacrificada. Ex. arts. 640º, 641º, 642º e 646º Cccom.; Regras I e II de Y-A;
→ Incêndio a bordo: apesar de incluído na enumeração do art. 13º/2 do DL 384/99, o incêndio
não será, propriamente, um típico acontecimento de mar. As causas dos incêndios a bordo estão
normalmente associadas a caso fortuito ou a situações de negligência a bordo. Face a uma
situação de incêndio, os danos diretamente provocados por este constituem avaria particular.
Já quanto aos danos resultantes do combate ao incêndio, decidido pelo capitão para salvação
comum do navio e da carga, os mesmos constituem avaria grossa;
→ Varação, encalhe do navio feito voluntariamente: em sede de avaria grossa, só interessa a
varação que seja feita intencionalmente para salvação comum do navio e da carga. A questão
que se poderia discutir é a de saber se os danos decorrentes da varação também entram em
avaria grossa nas situações em que se conclua que, não fora o ato voluntário do capitão, o navio
teria encalhado. Regra V de Y-A: quando, por manobra voluntária, um navio der à costa para
salvação comum, quer esse navio pudesse ou não ter dado à costa, as consequentes perdas ou
danos sofridos pela propriedade envolvida na aventura marítima comum são permitidas em
avaria grossa. As Regras VII e VIII de Y-A tratam da inclusão em avaria grossa de danos e
despesas eventuais subsequentes à varação.
O que acontece se, pese embora a prática de atos tendentes à salvação comum do navio e da
carga, ocorre a perda total do navio?
Art. 642º Ccom.: se, não obstante o alijamento ou o corte de aparelhos, o navio se não salva,
não há lugar a contribuição alguma e os objetos salvos não respondem por pagamento algum em
contribuição das avarias dos objetos alijados, avariados ou cortados. A ideia subjacente a este regime
é a de que se, apesar do corte de aparelhos ou do alijamento de mercadorias o navio não se salvar, é
porque esse resultado era inevitável, não fazendo, então, sentido que os objetos salvos responsam pelo
navio.
O parágrafo 1º do mesmo art. 642º reporta-se a uma situação diferente: se pelo alijamento ou
corte de aparelhos o navio se salva, e continuando a viagem perece, os objetos salvos contribuem só
por si no alijamento no pé do seu valor, no estado em que se acharem, deduzidas as despesas de
salvação. Se o corte dos aparelhos e alijamentos contribuíram para salvar o navio e os demais objetos,
embora o navio pereça depois, é justo que esses objetos contribuam também para a avaria que resultou
desse corte de aparelhos e alijamento. Naturalmente que entre os bens que entram na contribuição por
avaria grossa, não se conta o navio, por se ter perdido, não figurando em nenhuma das massas.
Na linha da solução do corpo do art. 642º, o seu parágrafo 3º estabelece que “a carga não
contribui para o pagamento do navio perdido ou declarado inavegável”; isso é justificado por Adriano
Anthero, como sendo corolário do princípio de que “perdendo-se o navio, não há contribuição”.
Importa, no entanto, deixar claro que, apesar da redação do art. 642º, existem situações em que,
pela aplicação dos princípios da avaria grossa, a perda total do navio não impede a contribuição. Assim,
se o navio foi, ele próprio, sacrificado, vindo a perder-se totalmente contra as rochas da costa para
onde foi atirado pelo capitão, não há lugar à aplicação do art. 642º, já que, como refere cunha

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Gonçalves, de resto, uma coisa é “navio perdido”, outra é “navio sacrificado”. Isto pressupondo, claro,
que a manobra foi feita para segurança comum do navio e da carga.

8. Outros aspetos de regime


Sobre a lei aplicável na regulação e repartição das avarias, dispõe o art. 650º Ccom, que é
aplicável a lei onde a carga for entregue. No entanto, a carga pode não ser entregue, por ter sido
sacrificada.
Por este motivo, é mais lógica a redação do art. 78º CPC, quando considera competente para a
regulação e repartição da avaria o tribunal do porto “onde for ou devesse ser entregue a carga”.
Quanto à promoção da regulação e repartição das avarias, há que considerar o disposto no art.
652º Ccom.: a regulação e repartição das avarias grossas fazem-se a diligência do capitão e, deixando
ele de a promover, a diligência dos proprietários do navio ou da carga, sem prejuízo da
responsabilidade daquele.
A quem cabe o ónus da prova da existência de avaria grossa? Naturalmente que será àquele a
quem interessa uma determinada qualificação, a não ser que tenha já a seu favor a presunção que
resulta da confirmação do relatório de mar (art. 15º/7 do DL 384/99). Ex. os factos constantes do
relatório de mar apontam no sentido de uma avaria grossa ou comum: os interessados na expedição a
quem não interesse contribuir, têm o ónus de fazer a prova de factos que demonstrem que a avaria era
simples e não grossa, sendo, então, aplicável a lógica da suportação ou da responsabilidade, que não
já a da contribuição em avaria. De acordo com a Regra E (1º parágrafo) das Regras Y-A, o ónus da
prova de que determinada despesa ou dano é realmente admitida em avaria grossa recai sobre aquele
(a parte) que reclama tal avaria.
Os créditos fixados na repartição das avarias grossas são assistidos de privilégio creditório
sobre a carga e o frete, respetivamente de acordo com o nº6 do art. 580º e o nº3 do art. 582º do Ccom.
No que se refere à prescrição, constata-se que o Ccom. nada dispões. Contudo, o art. 1068º do
CPC estabelece um prazo para a ação de avaria grossa: ela só pode ser intentada dentro de um ano, a
contar da descarga, ou, no caso de alijamento total da carga, da chegada do navio ao porto de destino.
Regra XXIII Y-A.

Arribadas forçadas

1. Introdução
Acontecimento de mar, regulado nos arts. 654º a 663º Ccom. O código não dá noção de arribada
forçada. O art. 1610 do código de ferreira Borges dizia que arribada forçada é a entrada necessária em
porto ou lugar distinto dos determinados na viagem do navio. Ato de entrar num porto durante a
viagem, que não é a do destino ou de escala estipulada no fretamento.

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Apesar de as disposições do Ccom. estarem gizadas no pressuposto de o lugar de arribada ser
um porto (art. 660º e 663º) não tem de ser necessariamente assim: o local de arribada pode ser, por
exemplo, uma baía ou uma enseada onde o navio se abriga, por exemplo, para se furtar a uma
perseguição de piratas.
Por identidade de razão, o regente acha que deverá ser aplicado o regime da arribada forçada
às situações em que o navio retarda a saída de um porto de escala, por exemplo, em virtude do temor
fundado de inimigos: não faria sentido que, para aplicar o regime da arribada, fosse necessário forçar
o navio a sair a barra, com sério perigo para a expedição, para de imediato regressar ao porto. Trata-
se de uma situação diferente daquela que surge diretamente regulada no art. 663º Ccom., já que esta
última pressupõe que o porto em causa seja um porto de arribada e não um porto de escala.
A arribada forçada distingue-se da arribada voluntária. O ponto de partida é o conceito de
arribada, sendo voluntária aquela que não é forçada. Trata-se de uma distinção enganadora pois mesmo
as chamadas arribadas forçadas são voluntárias, no sentido estrito e natural do termo, uma vez que são
efetuadas pro decisão voluntária do capitão. A diferença está no facto de nas arribadas forçadas o
capitão se ver forçado, em virtude de um determinado evento ou de uma situação, a procurar um porto
ou lugar não previsto na rota, o qual pode consistir no porto de embarque ou no porto de anterior
escala- ou mesmo no porto de destino, na medida em que o capitão tenha de “sacrificar” algum porto
de escala para arribar.
O capitão toma a decisão de arribar porque a tanto o obriga o sucesso da expedição marítima
ou a segurança do navio, das pessoas ou dos bens. Cunha Gonçalves: a arribada é voluntária quando
motivada por mero capricho do capitão ou deste e dos tripulantes. É forçada ou necessária quando
determinada por um caso fortuito ou de força maior.
Para o efeito da determinação do caráter forçado da arribada, é necessário que, na base da
mesma, exista uma justa causa.
Na consideração da justa causa, deverá ser ponderada a situação concreta, desde logo no que
respeita à escolha do porto ou lugar de arribada: se um navio navega diretamente de Lisboa para os
Açores e o capitão constata a insuficiência de combustível quando está a poucas milhas da Madeira, a
priori, a arribada adequada à situação passará pela escolha de um porto madeirense, pois surge mais
próximo e conveniente, sendo inadequada aquela que se traduza num regresso a o proto de origem: se
for este o caso, ainda que a arribada pareça legítima à luz do previsto no nº1 do art. 658º do Ccom., ela
deve ser tratada parcialmente como ilegítima, no que respeita ao percurso e ao tempo despendidos em
excesso, comparativamente com aqueles que seriam o percurso e o tempo se o porto de arribada tivesse
sido bem escolhido. O caráter legítimo da arribada não sofrerá, já, contestação se o regresso ao porto
de embarque for, por exemplo, ditado pelo mau tempo no mar daquela ilha.

2. O relevo de uma justa causa de arribada

2.1 As justas causas de arribadas forçadas


O art. 654º do Ccom. enuncia 3 justas causas de arribadas forçadas, as quais correspondem,
grosso modo, às “justas causas” já enunciadas no art. 1610º do Código de Ferreira Borges.

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A primeira dúvida que se pode gerar é sobre o caráter taxativo ou simplesmente exemplificativo
do elenco do art. 654º. Aparentemente, a lista é fechada, posição esta que parece reforçada pela redação
do art. 655º, quando, ao enunciar as formalidades a cumprir, remete para “qualquer dos casos previstos
no artigo precedente”.
Ainda que interpretadas atualisticamente, as causas enunciadas no art. 654º não cobrem o
universo de situações justificadoras da arribada. Deve, assim, considerar-se como justa causa de
arribada toda a situação em que esta se apresente como necessária ao bom êxito da expedição marítima,
não podendo, portanto, considerar-se a enumeração constante do art. 654º como um numerus clausus
de justas causas de arribada forçada. O regente defende assim um caráter não taxativo das justas causas
do art. 654º. Assim, pode ser considerada também justa causa de arribada a entrada num porto não
previsto na rota, para abrigar-se de uma súbita e forte tempestade que force o capital a tal decisão, ou
a situação- que, no entanto, numa determinada interpretação, admitimos que possa caber no nº3 do art.
654º- em que sobrevenha uma avaria no sistema de comunicações. Em rigor, uma tal avaria não
inabilitará o navio de “continuar a navegação”, mas pode, considerando o mar onde navega e o seu
estado, impedi-lo de fazer uma navegação minimamente segura.

Causas de justa causa do elenco do art. 654º:


1. Falta de víveres, aguada ou combustível: qualquer que tenha sido a causa da falta assinalada-
aspeto que, no entanto, interessará para a determinação do caráter legítimo ou ilegítimo da
arribada- o bom sucesso da expedição marítima supõe que a deficiência seja suprimida. A falta
verificada terá de ser, in casu, de relevo: ela tem de ser suficientemente grave para pôr em
causa o bom sucesso da expedição marítima;
2. Temor fundado de inimigos: ao enunciar como justa causa o temor fundado e não apenas o
temor, podemos dizer que esse exemplificativo deve ser concretizado nos termos do nº2 do art.
658º. Ora, sendo assim, podemos concluir que, diversamente do que acontece nas demais
situações de arribada forçada, só há arribada forçada se a mesma for legítima: se não houver
temos fundado de inimigos, concretizado à luz do nº2 do art. 658º, a arribada não pode ser,
sequer, considerada como forçada mas como voluntária. Que inimigos revelam para o efeito?
Todos. Inimigos serão todos aqueles que tenham uma atitude hostil em relação ao sucesso da
expedição marítima e que a possam fazer perigar. Ex. perseguição por piratas;
3. Qualquer acidente que inabilite o navio de continuar a navegação: não se exige, agora-
diversamente do que ocorria no domínio do art. 1610º do Código de Ferreira Borges- que se
trate de “acidente ocorrido ao navio”. EX. se, em consequência de uma derrocada ou de um
tremor de terra, ficar bloqueada ou sem suficiente profundidade a navegação num canal, tal
constituirá justa causa de arribada forçada, sem que o acidente tenha ocorrido propriamente no
navio. Assim, o acidente relevante não tem de ser interno ao navio: pode ser exterior a ele,
desde que o mesmo impossibilite ou condicione seriamente a navegação. Tanto se pode tratar
de acidente como de incidente, desde que relevantes.

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2.2 Formalidades da arribada forçada
O art. 655º do Ccom. disciplina as formalidades a cumprir pelo capitão antes de proceder à
arribada, tratando o parágrafo 1º da posição dos interessados na carga face à “deliberação tomada de
proceder à arribada” e o parágrafo 2º da feitura do relatório de mar perante a autoridade competente.
O parágrafo 2º apresenta então um prazo de 48h para a elaboração do relatório.
Apesar de não ter sido objeto de revogação expressa, o art. 655º Ccom. foi tacitamente
revogado pelo DL. 384/99, mais concretamente pelo estabelecido nas alíneas h) e j) do art. 6º.
Na verdade, de acordo com a citada alínea h), o capitão é obrigado a convocar a conselhos
oficiais, armadores, carregadores e sobrecargas, sempre que for previsível a ocorrência de perigo para
a expedição suscetível de causar danos ao navio, tripulantes, passageiros ou mercadorias. Cremos que
a perspetiva da necessidade de arribada, em função, por exemplo, do temor de inimigos, cabe, desde
logo, na previsão da alínea h), sendo de afastar a interpretação segundo a qual nas situações de arribada,
ao capitão bastaria uma informação ex post.
Há uma aparente diferença de regime entre o regime do Ccom. e o que resulta, agora, da alínea
h) do art. 6º do DL 384/99: Enquanto, no domínio do parágrafo 1º do art. 665º daquele código, os
interessados na carga não pareciam poder participar do processo tendente à decisão de arribada, só
podendo intervir depois, manifestando o seu protesto, face à citada alínea h), os interessados
(armadores, carregadores e sobrecargas) participam no processo, manifestando a sua posição, que pode
ser de oposição.
Contudo, essa diferença de regime não é segura, sendo sustentado por alguns, no domínio do
código comercial, que o capitão devia também ouvir os interessados na carga: não deixando de
reconhecer que os interessados na carga não eram “principais da tripulação” (art. 655º), Cunha
Gonçalves dava relevo ao disposto no nº6 do art. 508º, também do Código, que impunha ao capitão
“chamar a aconselho os oficiais, armadores, caixas e carregadores que estiverem a bordo, ou seus
representantes, em qualquer evento importante de onde puder vir prejuízo à embarcação ou a sua
carga”. Posição oposta a esta era sustentável por Adriano Anthero, para quem se justificava a exclusão
dos interessados na carga: “Os interessados na carga que estiverem a bordo não são ouvidos; porque
não são técnicos, e, por outro lado, o interesse de não interromper a viagem ou qualquer terror pânico
podia cegá-los”.
REGENTE: tem razão Adriano Anthero.
Qual é o efeito de uma oposição à arribada? Conforme já realçava Cunha Gonçalves, conquanto
no quadro do parágrafo 1º do art. 665º do Ccom., a oposição ou protesto pode ter lugar, mas não
paralisa a decisão do capitão, como magíster navis que é. Contudo, a oposição à arribada,
designadamente- mas não só- quando manifestada pelos oficiais, não impedindo, embora, a arribada,
pode ser de grande relevância para futuro, designadamente no que diz respeito à caracterização da
arribada como legítima ou ilegítima. Ter em atenção dever de informação a que está adstrito o capitão-
art. 6º, alínea j) do DL 384/99.
O incumprimento pelo capitão, do dever estabelecido na alínea h) ou mesmo na alínea j) do art.
6º do DL 384/99 inquina, de algum modo, o processo ou condiciona o regime da arribada? REGENTE:
pensa que não, sem prejuízo de considerar que o estabelecimento de tais deveres de informação faz

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pleno sentido. O que não parece sustentável é que o cumprimento dos mesmos constitua um requisito
ou uma condição da arribada, podendo, no entanto, a pessoa que se sinta lesada por ausência ou
deficiência de informação exigir indemnização nos termos gerais da responsabilidade aquiliana (art.
483º e ss. do CC).
Importa, finalmente, salientar que a revogação tácita do parágrafo 2º do art. 655º do Ccom. não
decorre das citadas alíneas h) e j) do art. 6º do DL 384/99, mas, antes, do art. 14º (Relatório de mar)
do mesmo diploma.

3. A arribada legítima e a arribada ilegítima


A arribada forçada pode ser legítima ou ilegítima, resultando da caracterização que possamos
fazer, neste particular, importantes consequências de regime, conforme decorre do art. 659º Ccom.
O art. 657º define a arribada legítima e o art. 658º define a ilegítima. A técnica utilizada não é,
tanto quanto parece ao regente, a melhor, uma vez que as caracterizações da arribada como legítima
ou ilegítima surgem em termos relativamente estanques quando, na realidade, tem de existir uma
relação estreitíssima entre ambas.
Parece ao regente que a caracterização do art. 657º- quanto à arribada legítima- está dependente
da caracterização da arribada ilegítima do art. 658º, no sentido de que só está destinada a funcionar
após a caracterização da arribada forçada como ilegítima, precisamente nos termos do art. 658º.
Ou seja: à luz estritamente, das disposições do Ccom., uma vez feita uma primeira
caracterização da arribada como ilegítima, nos termos do art. 658º, a mesma poderia ser corrigida, para
legítima, através da invocação e prova de que não houve culpa na situação por parte do armador, do
capitão ou da tripulação. Em termos jurídicos, e no que respeita às justas causas dos números 1º e 3º
do art. 654º- a que correspondem, depois, na sequência os nºs 1 e 3 do art. 658º- uma vez verificados
os requisitos da arribada forçada, aquele a quem interessasse a caracterização da arribada forçada como
ilegítima, teria de fazer a respetiva prova, tendo, depois, o dono, capitão ou a tripulação de provar a
ausência de culpa.
Esta forma de interpretar a articulação entre os arts. 654º, 657º e 658º Cccom. deve ser, porém,
atualizada, face ao que dispõe o art. 5º/1 do DL 384/99: o capitão, como encarregado do governo e da
expedição do navio, responde como comissário do armador pelos danos causados, salvo se provar que
não houve culpa da sua parte, podendo também invocar a relevância negativa da causa virtual ou
hipotética, fazendo prova de que a situação ocorreria, de igual modo, ainda que não houvesse culpa
sua.
Assim, ocorrendo uma arribada, impende sobre o capitão uma presunção de culpa, nos termos
do citado art. 5º/1, a qual pode ser ilidida nos termos gerais, já que se trata de uma presunção iuris
tantum, podendo, assim, o capitão do navio demonstrar a ausência de culpa na situação concreta. Na
prática, feito um desvio de rota para arribada a um porto, o capitão tem a seu cargo uma dupla e
sucessiva prova: a de que a arribada era forçada e ainda a de que a mesma era legítima. Se não
conseguir fazer essas provas, a única via desresponsabilizatória que lhe assiste é a da relevância
negativa da causa virtual ou hipotética.

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A situação do temor fundado de inimigos (art. 654º/2 e 658º/2) é, neste aspeto, peculiar: uma
vez que a arribada, para ser forçada, tem de ser legítima, terá de ser feita prova do justo temor de
inimigos, prova essa necessariamente objetivada por fatores positivos: se ela existir, a arribada é
forçada e é legítima; se não existir, é voluntária e, logo, ilegítima.

O nº1 do art. 658º do Ccom. considera ilegítima a arribada em 3 situações:


1. No caso de a falta de víveres, aguada ou combustível proceder de se não ter feito o necessário
fornecimento, ou de se haver perdido por má arrumação ou descuido. Há uma presunção de
culpa do capitão, sendo que este terá de fazer prova de que a arribada foi forçada, tendo, depois,
o art. 658º/1 um sentido apenas indicativo das situações que podem ter estado na base da falta
de víveres, aguada ou combustível, cabendo ao capitão a prova de que foi feito o necessário
fornecimento ou que a perda não se deveu a má arrumação ou a descuido, etc. Nessa prova,
não terá relevância o facto de terceiro que o armador ou o capitão devesse ou tivesse o ónus de
controlar; suponhamos que o capitão demonstra que a falta de víveres se deveu ao facto de o
fornecedor terrestre se ter atrasado no fornecimento, em termos de o navio ter partido sem os
mesmos. Como é óbvio, o capitão não pode pretender que a arribada foi legítima; a sua culpa
está no facto de ter partido sem ter abastecido convenientemente o navio;
2. No caso de o temor de inimigos não ser justificado por factos positivos: o capitão tem de ilidir
presunção, só relevando factos positivos;
3. Quando o acidente que inabilitou o navio de continuar a navegação provém de falta de bom
conserto, apercebimento, equipação e má arrumação ou constitua o resultado de disposição
desacertada ou de falta de cautela do capitão.

4. A caracterização da arribada e respetivas consequências

4.1 As despesas ocasionadas pela arribada


De acordo com o art. 656º Ccom., são por conta do armador ou fretador as despesas ocasionadas
pela arribada forçada.
O disposto no art. 656º deve, porém, ser entendido em função do regime das avarias: se a
arribada forçada dever ser caracterizada como avaria grossa ou comum (arts. 634º e 635º Ccom.), as
despesas entram, naturalmente, nesse regime. A delimitação entre o regime das despesas e dos
prejuízos, em sede de arribada forçada é, de resto, coerente com a diferenciação, feita no art. 634º
Ccom., entre avarias-danos e avarias-despesas.
Cunha Gonçalves: o legislador regulou em especial a arribada forçada somente como avaria
particular, isto é, supôs que a arribada não foi determinada pela salvação comum do navio ou da carga.
Assim, quando a falta de víveres ou de combustível resultar de um alijamento; quando o terror dos
inimigos for fundado, não em simples notícias ou receios, mas sim na efetiva perseguição de um navio
de guerra inimigo, à qual só se pode escapar entrando num porto neutro ou num porto nacional armado;
quando o navio se inabilitar a continuar a viagem, não por acidente ou caso fortuito, mas sim por um

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ato voluntário inspirado pela salvação comum; em todos estes casos, a arribada forçada, além de ser
legítima, constituirá uma avaria comum”.

4.2 Quais as consequências da caracterização da arribada forçada como legítima ou ilegítima?


De acordo com o parágrafo único do art. 659º Ccom., se a arribada for ilegítima, o capitão e o
dono serão conjuntamente responsáveis até à concorrência do valor do navio e do frete.
Este preceito deu lugar a dúvidas, sendo de destacar o reparo, feito por Cunha Gonçalves, à
palavra “conjuntamente”: esta palavra foi aqui empregue sem rigor; pois, nem o capitão pode limitar
a sua responsabilidade ao valor do navio e do frete, que não lhe pertencem, nem a responsabilidade do
armador é conjunta, mas sim solidária, como se infere do art. 492º. Também Azevedo Matos se
afastava do sentido que ressaltava da letra do art. 659º, mas para concluir que, por força do art. 492º
Ccom., a responsabilidade pertencia em exclusivo ao proprietário.
Atualmente, face ao disposto, primeiro no art. 4º DL 202/98 e depois no art. 5º do DL 384/99,
não dá dúvida que a responsabilidade se processa nos termos da comissão (art. 500º CC), respondendo
o armador ou proprietário como comitente e o capitão (ou membro da tripulação) como comissário:
enquanto aquele responde objetivamente, este último responde subjetivamente, sendo, aliás, presumida
a sua culpa no art. 5º/1 do DL 384/99.
Assim sendo, é notável que a responsabilidade que está aqui em causa é uma responsabilidade
solidária e não conjunta ou parciária.
Interpretando o único parágrafo à luz do regime da comissão, conforme, de resto, já sugeria
Cunha Gonçalves, é de questionar se se mantém em vigor a limitação da indemnização, constante da
parte final, ao valor do navio e do frete. O regente pensa que sim, divergindo de Cunha Gonçalves:
estamos perante uma das tais situações de limitação de responsabilidade do proprietário- da qual
beneficia também o capitão- às forças dos bens que tem na concreta expedição marítima: o navio e o
frete.
Sendo a arribada forçada legítima, resulta do art. 659º Ccom. que nem o dono nem o capitão
respondem pelos prejuízos que da mesma possam resultar aos carregadores ou proprietários da carga:
cada um suporta os seus próprios prejuízos, na lógica casum sentit dominus.
O regime consagrado no art. 659º terá de ser articulado com o regime da avaria grossa ou
comum: se a arribada for caracterizada como tal (arts. 634º e 635º Ccom.) é aplicável o regime de
repartição associado a essas avarias.

Atentas as importantes consequências da caracterização da arribada forçada como legítima ou


como ilegítima, assume particular relevo o momento em que termina e o momento em que cessa o
acontecimento arribada.
O início da arribada inicia-se com o desvio de rota: a partir daqui, a determinação das despesas
e prejuízos estão dependentes do estabelecimento de um nexo de causalidade entre os mesmos e a
arribada, valendo, neste particular, o regime estabelecido no art. 562º e ss. do CC.
60
Tratando-se de arribada forçada, ela só o é enquanto persistirem as razões que a determinaram,
podendo “converter-se” em voluntária, com as consequências que daí possam advir em termos de
regime.
E quando a arribada deva ser caracterizada como voluntária? A dúvida que se levanta é a de
saber se a mesma deve rer um tratamento idêntico ao da arribada ilegítima ou se tem um tratamento
autónomo.
As situações de arribada voluntária surgem amiúde confundidas. Cunha Gonçalves, por
exemplo, considerava ilegítima, para além das situações do art. 658º, aquelas em que a arribada fosse
motivada por qualquer capricho ou interesses particulares do capitão ou armador. Contudo, tais
arribadas não chegam a ser forçadas, devendo ser caracterizadas como voluntárias.
Em termos de regime, o capitão e, enquanto comitente, o proprietário ou armador serão
responsáveis por todos os prejuízos sofridos pelos demais interessados na expedição, designadamente
os carregadores. Neste particular, não surgem diferenças em relação ao regime da arribada forçada
ilegítima. O único aspeto em que podemos questionar uma diferença de regime será na questão da
limitação da responsabilidade, já que não se aplicaria à arribada voluntária o limite estabelecido no
parágrafo único do art. 659º.
Contudo, a circunstância de o art. 12º DL 202/98 manter, nos termos no mesmo previstos, o
regime do abandono liberatório, permite-nos concluir pela inexistência, na prática, de diferenças
relevantes entre o regime da arribada forçada ilegítima e o da arribada voluntária.

5. A arribada forçada e a avaria grossa


A arribada forçada é regulada no Ccom. à margem da respetiva caracterização como avaria
grossa ou como avaria particular.
Contudo, na medida em que se verifiquem o pressuposto e os requisitos traçados no parágrafo
1º do art. 635º- haver um perigo comum para um navio e carga e ser a arribada fruto de uma decisão
voluntária do capitão para a segurança comum do navio e da carga- estamos perante uma situação de
avaria grossa, aplicando-se, consequentemente, o respetivo regime.
Sendo supletivo o regime do código comercial em matéria de avarias (parágrafo 2º do art. 634º),
importa ver como é que as Regras Y-A tratam a arribada forçada, acontecimento que é aí abrangido
pela designação porto ou lugar de refúgio- designação que tem vem vindo a ser utilizada, estando
mesmo legislativamente consagrada, para designar uma situação que envolve preocupação de defesa
do ambiente e de prevenção de acidentes e de poluição causada por navios no mar.
De acordo com a Regra X (a) (i) das Regras de Y-A poderão ser permitidas como avaria grossa
as despesas de entrada do navio num porto ou lugar de refúgio quando essa entrada seja consequência
de um acidente, sacrifício ou outras circunstâncias extraordinárias que tornem essa entrada necessária
para a segurança comum- o mesmo acontecendo, verificados os mesmos pressupostos, com as despesas
de regresso ao porto ou lugar de carregamento.

61
Ainda de acordo com a mesma Regra, também serão admitidas como avaria grossa as despesas
decorrentes da saída do navio a partir desse porto ou lugar após tal entrada ou retorno, com toda ou
parte da carga inicial.
Assim, não constituirá avaria grossa a situação em que um navio não avariado procura porto
ou lugar de abrigo apenas para evitar uma muito provável tempestade ou vento muito forte; contudo,
se tivesse ocorrido algo de tal forma que o navio e a sua carga estejam em perigo, já estaremos perante
matéria de avaria grossa. Tudo dependerá, porém, no entender do regente, do relevo que se dê às
circunstâncias extraordinárias, parecendo que o “anúncio” fundado de uma tempestade que se revele,
a priori, perigosa para a segurança do navio e carga, se poderá enquadrar neste âmbito.
De acordo com a Regra XI (a), os salários e a manutenção do capitão, oficiais e da tripulação,
quando em termos razoáveis, e o combustível e provisões consumidos durante o prolongamento da
viagem ocasionada por um navio que entre num porto ou lugar de refúgio ou regresse ao seu porto ou
local de carregamento, será tido como avaria grossa quando as despesas de entrada nesse porto ou
lugar sejam permitidas como avaria grossa, de acordo com a Regra X (a).

6. Situações no porto de arribada

6.1 Descarga no porto de arribada


O art. 660º Ccom. faz depender a regularidade da descarga no porto de arribada do facto de a
mesma ser indispensável para conserto do navio ou reparo de avaria na carga. A autorização deverá
ser dada, segundo o mesmo preceito, pelo juiz competente; se for no estrangeiro, a autorização deverá
ser dada pelo agente consular ou, na sua falta, pela autoridade competente.
De acordo com o artigo 661 do código comercial, o capitão responde pela guarda e conservação
da carga descarregada, salvos os acidentes de força maior. Atualmente, face ao regime do artigo 4 do
DL 384/99, responderão solidariamente o proprietário (ou armador) como comitente e o capitão como
comissário.
Os deveres que impendem sobre o capitão são os deveres típicos do fiel depositário (arts. 1185º
e ss. do CC): ele tem o dever de guarda ou custódia, dever esse que coenvolve o dever de conservação
material da carga descarregada.

6.2 Reparação ou venda da carga avariada


Independentemente de a mercadoria ter sido descarregada, o artigo 662 do código comercial
permite que a carga avariada seja reparada ou vendida, segundo as circunstâncias, precedendo (art.
660º) autorização do juiz competente (se no estrangeiro, do agente consular, havendo-o, ou, na sua
falta, da autoridade local). Nessa situação, o capitão deverá comprovar ao carregador ou consignatário
a legitimidade do seu procedimento, sob pena de responder pelo preço que a mercadoria teria como
boa no lugar de destino.

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O artigo 662 suscita a questão, tal como a propósito do artigo 660, de saber se, face ao regime
dos artigos 10 e 11 do DL 384/99, se mantém em vigor a existência de autorização. O regente defende
que essa exigência se mantém.
Claro que a exigência de autorização só faz sentido no caso de o capitão ou o armador não
conseguirem contactar o interessado na carga, sendo certo, face ao disposto no artigo 5/2 e na alínea j)
do art. 6º do DL 384/99, que o capitão deve tentar obter Previamente indicações específicas sobre o
destino da carga. Na atualidade, serão certamente raras as situações em que o capitão ou o armador
não conseguem esse contacto.
A articulação do art. 662º Ccom. com o disposto no art. 10º do DL 384/99 permite destacar a
eventualidade de situações em que, por ocasião da arribada, seja necessário proceder à alienação de
coisas que se encontrem a bordo, no interesse da expedição. Se for esse o caso, a mercadoria pode ser
vendida nos termos do citado no art. 10º, sem necessidade da autorização mencionada no art. 662º.
A diferença de regime é ditada pelo facto de, nesses casos, estarem em jogo ou em causa os
interesses da expedição- cujo julgador é o capitão- e não apenas o interesse de um ou mais
carregadores.

6.3 Injustificada demora no porto de arribada


De acordo com o disposto no art. 663º Ccom., “o capitão responderá pelos prejuízos resultantes
de toda a demora injustificada no porto de arribada; mas, tendo esta procedido de temor de inimigos,
a saída será deliberada em conselho dos principais de equipagem e interessados na carga que estiverem
a bordo, nos mesmos termos legislados para determinar a arribada”.
A responsabilidade pelos prejuízos resultantes da demora injustificada não serão suportados
singularmente pelo capitão, já que continua a funcionar a lógica da comissão, nos termos do art. 4 do
DL 202/98, e do art. 5º do DL 384/99.
Os prejuízos deverão ser, naturalmente, provados pelo lesado. Assim, supondo que a arribada
forçada foi legítima, só contarão, para efeitos de responsabilização do proprietário (ou armador) e do
capitão os prejuízos que sejam consequência da demora injustificada: ou seja aqueles prejuízos que,
sem tal demora, provavelmente não teriam ocorrido (art. 563º CC). Os prejuízos poderão traduzir-se,
por exemplo, na diminuição do valor da mercadoria, em virtude da perda de uma feira, ou poderão
decorrer da própria avaria da mercadoria, provocada precisamente por tal demora injustificada.
A saída do navio é decidida pelo capitão, salvo quando a arribada tenha tido por causa o temos
justificado de inimigos- situação em que a saída é deliberada em conselho, o qual englobará também
os interessados na carga.
Esta diferença de regime face ao art. 655º, é explicada por Adriano Anthero pelo facto de, no
caso da saída, “já se não dão as mesmas circunstâncias nem há tanta razão que motive um terror
pânico”.

63
A articulação com o regime do DL 384/99 não suscita dificuldades: o art. 663º apresenta-se
como uma disposição especial em sede de arribada, contendo um regime aplicável a uma situação que
não se encontra contemplada em qualquer das alíneas do art. 6º do diploma.

7. A problemática dos locais de refúgio


Conforme se referiu supra, a propósito das Regras de Y-A, a expressão local de refúgio, aí
utilizada, tende a designar uma realidade associada à segurança da navegação e à proteção do ambiente.
O tema dos lugares de refúgio é atual e difícil: a dificuldade decorre do facto de os mesmos
constituírem um difícil compromisso entre a segurança da navegação, a tutela do ambiente e os
interesses dos Estados costeiros.
A temática dos lugares de refúgio tem, depois, um importante relevo na problemática relativa
à responsabilização.
Têm sido invocadas referências a bases normativas associadas a lugares de refúgio. Há que
destacar a convenção de montego-bay, a convenção de Londres de 1989 sobre salvação marítima, a
convenção de Londres de 1990 e a nível comunitário a Diretiva 2002/59/CE, relativamente à
instituição de um sistema comunitário de acompanhamento e de informação de tráfegos de navios,
entretanto transposta para o direito interno português.
A transposição da referida Diretiva para o direito português foi feita pelo DL 180/2004.
Dentre as definições constantes do art. 3º, destaca-se, na alínea o), local de refúgio: “um porto
ou parte de porto ou outro espaço para manobrar ou fundeadouro de proteção, ou qualquer outra área
de refúgio identificada em plano de acolhimento de navios em dificuldade”. O art. 18º refere-se às
medidas em caso de incidente ou acidente marítimo, remetendo o nº2 para uma lista não exaustiva das
medidas que podem ser tomadas pelas autoridades, destacando-se entre as mesmas (alínea d) o “intimar
o comandante a seguir para um local de refúgio em caso de perigo iminente ou impor a pilotagem ou
reboque do navio”.
Aula prática:
DL 180/2004- importante. Regula o problema dos lugares do refúgio. Porquê este diploma? O
sistema de controlo de tráfego marítimo obriga os capitães a comunicar o que seja um acidente ou
incidente; obriga também a comunicar situações de navio em dificuldade- em perigo de se perderem
no mar, ou por condições atmosféricas adversas, ou por perigo do próprio navio- obrigado a comunicar
à entidade competente; mas sempre que haja acidente ou incidente.
DL 384/2004- relatório de mar- o DL 180/2004 obriga, além do relatório de mar, a comunicar
à autoridade marítima competente e esta última ativa um plano de emergência. É uma concretização
do desidrato dos navios em dificuldades para que fiquem num porto de refúgio para evitar desastres
ambientais.
NOTA: as arribadas forçadas têm vindo a desaparecer porque têm vindo a ser integradas
noutros institutos, principalmente nas avarias grossas.

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Conceitos de mar

Convenção de Montego Bay (1982), direito interno e CRP - a convenção traduz-se no direito
interno através de diplomas específicos - Lei 34/2006 e o DL 43/2002.
Art. 5º/2º CRP, assim como o art. 84º quanto ao domínio público. A definição dos limites das
águas territoriais da ZEE são da exclusiva competência da AR, sendo que as RA têm poderes para
participar.
Art. 209º - tribunais marítimos.
A nível internacional, temos a convenção de Montego Bay, sendo as suas definições
continuadas na legislação interna. Quando falamos em mar territorial falamos em território, e são as
águas que integram o território nacional - temos soberania sobre essas águas (art. 2º convenção). Deixa-
se uma margem ao direito interno, mas com limites. Este critério tem de ser rigoroso.
Trata também de questões do espaço aéreo, não apenas as águas, de acordo com o art. 2º/2.
Os limites do mar territorial, para saber até onde vai a soberania e o território do Estado, estão
no art. 3º - todo o Estado tem direito a fixar a largura do seu mar territorial até um limite que não
ultrapasse as 12 milhas, sendo as bases fixadas através da linha da maré - a partir daí contam-se até 12
milhas. O art. 4º refere-se ao limite exterior do mar territorial.
Contíguo ao mar territorial temos a zona contígua, e sai-se do conceito de soberania - art. 33º
- zona contígua ao seu mar territorial, que não se pode estender a mais de 24 linhas marítimas contadas
a partir das linhas base do mar territorial (linhas da maré). Temos aqui uma zona em que o conceito de
soberania é abandonado, mas onde o Estado tem largos poderes para tomar medidas necessárias para
evitar infrações à lei sanitários e de emigração antes que os navios entrem no seu mar territorial, assim
como impedir incumprimento de leis nacionais, que se aplicam à zona contígua.
Depois, temos o conceito de perseguição quente (hot pursuit), que pode até ao alto mar, até
entrar no mar territorial de um outro Estado. É o caso de um navio apanhado em pesca ilegal.
Outro conceito é o de zona económica exclusiva, no art. 55º (direitos, jurisdição do estado
costeiro) - zona situada além do mar territorial, sujeita a um regime específico, e que não se estende
das 200 milhas a partir das linhas de base (são importantes para, a partir daí se contarem até às 200
milhas). Aqui também não tem soberania, mas tem um conjunto de poder importantes respeitantes à
utilização e exploração económica desse espaço. O art. 58º regula os direitos e deveres dos outros
Estados.
O conceito de plataforma continental é importante para não se confundir com a ZEE e zona
contígua. É uma plataforma que corresponde ao leito e subsolo das áreas marítimas (até ao bordo
exterior da margem continental, ou 800 milhas marítimas desde as linhas de base). Um Estado pode
pedir a extensão da plataforma continental, o que se sucede atualmente com Portugal - art. 76º.

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O alto mar trata-se no art. 86º, que compreende todas as partes do mar não incluídas nos
conceitos anteriores, definindo-se por extensão. A liberdade de alto mar é definida nos termos da
convenção, com uma liberdade fundamental, a de navegação - art. 90º - todos os estados têm direito
de fazer navegar no alto mar navios. Depois o 89º diz que o estado não pode submeter à sua soberania
qualquer parte do alto mar.
Interessam também previsões sobre estatuto e nacionalidade dos navios, assim como deveres
de prestar assistência (art. 98º - abalroação).
A nível interno, temos a Lei 34/2006 que define todos estes conceitos. Por exemplo, no que
respeita à matéria de deveres do estado-bandeira, no 94º da convenção e 98º de prestar assistência, etc
- não havendo soberania nem jurisdição no alto mar, nenhum navio pode ficar sujeito a ser visitado
por outro - consagram-se previsões que limitam e excecionalmente admitem que haja uma visita de
um navio por outro.
Art. 110º - navio de guerra que encontre no alto mar um navio estrangeiro, que não goze de
completa imunidade de acordo com o 95º e 96º não terá o direito de visita, a menos que exista motivo
razoável de suspeita de pirataria, tráfico de escravos, é utilizado para transmissões não autorizadas,
etc.
O hot pursuit permite que um navio persiga um navio estrangeiro, mesmo no alto mar, desde
que se tenha iniciado no mar territorial ou zona contígua (pesca ilegal, crimes ambientais). A
perseguição tem de ser ininterrupta, até à entrada no mar territorial de um estado.
Lei 17/2014 - política de ordenamento do Estado - DL 78/2015 - trata-se do ordenamento e da
gestão do espaço marítimo nacional, sobretudo na ZEE.

Responsabilidades relativas à expedição marítima

Nível internacional:

Convenções internacionais: situação mais díspar com várias convenções sobre matérias
diferentes (salvação marítima e abalroação, por exemplo, das quais emerge esta responsabilidade).

Convenções de imputação, limitação e mistas:

- Imputação: são convenções em que se consagram os termos em que é possível imputar


responsabilidade a alguém (caso típico da responsabilidade por abalroação na CB 1910).
- Limitação: só tratam desta limitação; a montante do regime das convenções temos de ter
presente o regime normativo, seja internacional, seja interno, em que se permite imputar os
danos a alguém e em que alguém será responsável;
- Exemplo da abalroação: mesmo o caso mais simples, em que o navio A abalroa
culposamente o navio B, a responsabilidade reconduz-se ao regime do CC, que é o de
que o lesante responde pela totalidade dos danos, mas também temos de fazer confluir
os textos normativos que tratam da limitação da responsabilidade.

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- CB 1957 sobre responsabilidade dos proprietários do navio de mar e a LLMC, a mais
importante em matéria de limitação de responsabilidades (1976 e protocolo de alteração
de 1996 - Portugal está atualmente vinculado - limitation of liability)
- Mistas: são, ao mesmo tempo, convenções de imputação e limitação, sendo um exemplo as
Regras de Haia, ou seja, a convenção que disciplina o transporte marítimo e de mercadorias -
diz quem é responsável pelos danos, mas também limita (Regras de Hamburgo que não
vinculam Portugal e as de Roterdão, que não está em vigor, mas visa substituir as outras 2)

Nível interno:

Temos de considerar a articulação entre o DL 202/98 e o DL 384/99, assim como salientar a


importância do art. 5º do DL 384/99 (sobre o capitão). Consagra uma presunção de culpa relativa
(ilidível), que de resto resultaria do regime geral do 350º CC. Parte final do nº1 do art. 5º - relevância
negativa da causa virtual ou hipotética, sendo uma redação semelhante às que encontramos a certas
disposições civis (491º, 492º, 493º).

Articulado com o DL 384/99, existe o diploma central, o DL 202/98 - depois demos diplomas
específicos sobre matérias específicas. Por exemplo, quando tratamos o transporte de mercadorias,
temos de considerar o DL 352/96.

DL 202/98 - já foi falado a propósito do art. 5º DL 384/99. Temos aqui uma remissão clara
para o art. 500º CC - o seu regime, civil, passa por uma dupla imputação, de acordo com o nº1, primeiro
uma imputação primária (ao comissário) e depois secundária (ao comitente, em virtude da relação de
comissão).

O art. 4º DL 202/98 tem coisas novas em relação ao 5º do DL 384/99 - refere-se não só ao


capitão, mas aos restantes, funcionando a lógica da comissão. É fundamental porque a presunção de
culpa não se estende ao art. 4º, e o art. 5º mantém-se ao capitão, não pode ser estendida às alíneas a),
b) e c) do 4º/1.

Art. 1º b) - proprietário do navio - direitos de uso, fruição e disposição do navio - em direito


marítimo é importante dizer isto porque o proprietário do navio, para alguns diplomas, não é este -
temos sempre de interpretar os diplomas em função do seu perímetro de aplicação, sobretudo quando
estamos perante convenções internacionais. Por exemplo, a CLC 92, a civil liability convention, que
trata da responsabilidade enquanto convenção mista, define proprietário do navio aquele em cujo nome
o navio está registado - porque é que na CLC se adota o proprietário deste modo? Podemos ter alguém
em cujo nome está registado, mas já não é proprietário dela (desconformidade entre a realidade registal
e substantiva), mas para efeitos da convenção, por razões de segurança jurídica, será o nome registado
no caso concreto.

Há a necessidade de, sobretudo nas convenções, uma vez que as definições parametrizam o
âmbito de aplicação desses textos e conformam-no, é importante nós sabermos cada uma dessas
definições e apurá-las. Por isso é que, sendo um diploma marítimo, o legislador tenha optado por uma
definição nestes termos.

67
Mais difícil é a noção de armador - há uma outra CV, de Bancaroil (?), que acompanha de
muito perto a CLC na sua previsão, e que responsabiliza os armadores dos navios pelos danos
provocados em consequência do derrame nos navios, como o combustível, e não como a carga. Aqui
quem é responsável é o armador, e há lá uma definição, um conceito amplo em que também é
proprietário do navio. Portugal está vinculado e é uma convenção mista.

A definição de armador no DL 202 não é feliz, porque é quem arma e equipa o navio. Se, na
sequência de uma expedição marítima, o navio é abastecido num porto grego, é evidente que o que faz
sentido é a relação obrigacional de um contrato de abastecimento, e faz sentido trazer ao de cima a
lógica credor-devedor - a responsabilidade recai sobre quem explora o navio, que será o lesante.

● Exemplo de abalroação com culpa exclusiva do navio A - não há dúvida que a responsabilidade
do navio A é uma expressão para dizer que a responsabilidade está nessa esfera - a
responsabilidade deverá ser do armador e não do proprietário, numa lógica de indissociação.

O art. 4º, com a noção de armador, é uma noção que fica aquém da verdadeira noção. Armador
não apenas equipa o navio, mas também explora o navio - é preciso uma noção dinâmica e não estática.
O armador é o empresário. O armamento, por outro lado, é um conjunto de atos para o navio estar em
condições de seguir viagem (art. 1º d) DL 202). O art. 2º diz que, salvo algo em contrário, presume-se
que quem é proprietário é também armador.

Faz sentido também esta presunção, por ser quem explora o navio, sendo importante para saber
quem designa o capitão do navio (art. 3º), fazendo sentido que seja o armador e não o proprietário do
navio - assim que há uma dissociação entre armador e proprietário, a posição do proprietário é
estritamente real, e a do armador é empresarial.

Para as responsabilidades emergentes de responsabilidade marítima, faz sentido pensar sobretudo


na responsabilidade aquiliana, e 1º se estipulasse a responsabilidade do armador, e só depois vem à
colação o proprietário, mas o legislador adota um critério diferente:

● 1º - imaginar que, pelo art. 4º, o proprietário e armador são os mesmos;


● 2º - quando há dissociação, usa-se o 5º, respondendo nos mesmos termos do armador; quanto
ao armador não proprietário funciona a lógica de comissão do art. 4º.

A previsão do art. 5º está pensada em função da relação entre capitão e armador, não é entre
capitão e proprietário e armador.

Depois, o art. 6º, refere-se à responsabilidade eventual do simples proprietário - intuitivamente


terá de ser uma responsabilidade solidária

● Exemplo: o navio A é explorado por uma empresa e abalroa o navio B, sendo então culpa
exclusiva de A. Se faz sentido responsabilizar alguém em termos subjetivos é o armador,
simplesmente, no entanto, há um ponto essencial, em que o navio é o principal do direito
marítimo, por isso, os lesados olham para o navio e não para o armador, é tudo em função do
navio - o objetivo do credor é “penhorar” o navio. Se se ficar estritamente entre a relação
lesado-lesante subjetivo (armador), não podem fazer penhorar o navio, mas a real razão da

68
responsabilidade subsidiária é permitir aos lesados ir ao navio. O sistema civil romano-
germânico em que quem responde é a pessoa pelo seu património, não a coisa -
responsabilizando o proprietário do navio permite aos lesados fazer penhorar o navio, e
satisfazer os seus créditos.

Quando o art. 6º dispõe isto, se os credores lesados não conseguirem satisfazer os seus créditos
com recurso à ação que intentem contra o armador, podem subsidiariamente agir contra o proprietário
do navio, e, por via disso, fazer penhorar o navio - refere-se apenas ao armador ou também ao capitão,
admitindo que a culpa é sua? - o proprietário pode invocar a necessidade de excussão prévia do
património do armador e capitão? Regente - apenas o armador e o navio.

O que interessa, assim, é “apanhar” o navio - remissão do art. 11º sobre o próprio navio.

O navio, a priori, no sistema civil português, não pode ser responsabilizado, mas sim o
armador/proprietário - quando o 11º admite a responsabilidade do navio é nos casos em que não seja
possível identificar. Deve-se perceber em que termos e situações excecionais é que o navio pode
responder - não sendo o navio pessoa, e prevendo o ELN personalidade judiciária ao navio nos casos
previstos na lei, temos aqui um caso desses.
Art. 8º DL 202/98 e art. 8º DL 384/99 - é importante destacar o nº2 - ou estamos no local da
sede do proprietário ou armador, em que funciona a lógica de empresa no armador e propriedade no
caso do proprietário, fora da sede, percebe-se que a representação legal para, em termos judiciais e
extrajudiciais, pertença ao capitão do navio. Exemplo: situação de penhora e arresto de navio num
porto - o capitão é o representante do proprietário e do armador.
A questão passa de novo pela centralidade do navio - porque é que, fora do local da sede, temos
esta situação, em que quem representa o armador a bordo é o capitão? O capitão não pode remeter para
o armador, é uma representação legal - para os credores, é a solução com mais segurança.
A referência seguinte é a limitação da responsabilidade:
Qual é o regime interno? Além das limitações de responsabilidades admitidas pelas convenções
vigentes em Portugal, se estas não se aplicarem, o proprietário do navio pode restringir a sua
responsabilidade. Aqui nós temos que, afirmada e consagrada a responsabilidade do armador, temos
que ver se e em que termos é possível a limitação da responsabilidade; ou é uma situação de convenção
internacional ou não.
Avulta cada vez mais a importância da LLC - esta convenção, tal como a CB 1957 que a
precede e a que continuamos vinculados, se nós, para admitirmos a limitação de responsabilidade face
à LLC, temos que olhar para o seu texto, e ver em que termos é que permite a limitação; para que
créditos, para que situações.
Dispõe que por créditos de determinado tipo, é possível limitar segundo o seguinte critério, e
estabelece diferenças em função das várias situações - se a situação não couber aí, temos a hipótese da
parte final do art. 12º, quando dispõe que o proprietário do navio pode restringir a sua responsabilidade
ao navio. Temos aqui a manutenção de uma figura que iniciou o regime da limitação, desde Hugo
Grócio, que veio sustentar que não era justo que, numa expedição marítima, o proprietário do navio

69
responde-se por todo o seu património de mar e terra, porque é o armador que equipa e arma o navio,
assim como corre os riscos de mar, então quem está no navio beneficia dessas vantagens, portanto é
lógico que não responda por tudo. Assim, pode abandonar os credores, entregando-lhes o navio -
situação de insolvência, mas sem envolver o património todo.
O abandono aqui referido é o abandono liberatório dos credores.
--
DL 202/98 relativo às responsabilidades no âmbito da expedição marítima - articulação com o
art. 5º DL 384/99, sobre o comissário do armador, e a propósito disso fala-se do estatuto do capitão -
esta presunção de culpa do capitão do navio é importante o DL 202, embora seja claro que a presunção
de culpa consagrada é apenas do capitão, e não de todos os propostos indicados no DL 202, como a
tripulação, o piloto, etc. A presunção de culpa faz parte da excecionalidade das presunções legais, que
não se podem estender sem razões fundadas.
Sequência entre o art. 4º e 6º - primeira previsão da responsabilidade do proprietário ou
armador, do armador não proprietário, e depois do simples proprietário. Importância da
responsabilização do simples proprietário enquanto caminho para “apanhar” o navio - o simples
proprietário ou armador a priori, não faz sentido que responda ele mesmo; a sua responsabilidade, que
é subsidiária em relação à responsabilidade do armador, mas não em relação ao capitão do navio. A
prova de que a responsabilidade do simples proprietário é um processo para conduzir à apreensão ou
penhora do navio (responsabilidade do navio) está no facto de este diploma admitir em termos
excecionais a responsabilização do próprio navio, caso em que tem personalidade judiciária e é
representado pelo agente de navegação.
Previsão da limitação - a limitação da responsabilidade tem de ser sempre equacionada, mesmo
que se chegue à conclusão de que não funciona no caso concreto. Perda de direito à limitação - aquele
que à partida tem direito à limitação, em concreto, apura-se que tem um comportamento antijurídico
que o torna desmerecedor da limitação.
LLMC inglesa - DL 18/2017 de 16 de junho - é importante ter em conta.
No que respeita aos limites de responsabilidade, o art. 12º manda aplicar o regime admitido nos
tratados vigentes em Portugal - o proprietário pode restringir a responsabilidade e abandonando os
credores.
Noção de fonte de limitação - 5º/1 h) - montante global a que o proprietário do navio pode
limitar a sua responsabilidade por danos causados a terceiros (conceito insuficiente, de acordo com o
Regente, porque é mais do que isto - não é apenas a cifra ou montante global, é uma realidade, uma
estrutura patrimonial
Processo de limitação de responsabilidade (por via do 12º 2ª parte) - o art. 13º complementa no
que respeita ao modo de constituição deste abandono aos credores (abandono liberatório).

Tipos de abandono no direito marítimo


- Abandono do navio: salvação marítima (DL 203/98)
70
- Abandono aos seguradores: figura do seguro
- Abandono liberatório: foi aqui que começou o regime da limitação por inspiração de Grócio
- é justo que o proprietário do navio não responda por toda a sua fortuna de mar e de terra pelas
vicissitudes da atividade marítima

É como se o navio fosse o único bem do proprietário do navio - o proprietário de mar pode ter
vários navios, mas aquele navio concreto que dá origem a créditos marítimos, como por abalroação,
por exemplo, o abandono dá-se apenas em relação a esse navio. Depois cria-se um fundo de limitação
de responsabilidade - é tratado como um processo de execução, sendo semelhante ao singular ou
universal (insolvência).
Os credores são chamados e os seus créditos são satisfeitos numa lógica semelhante aos
processos executivos (604º CC). Aplica-se, à partida, o DL 49/28 e 69 - sequência da ratificação por
Portugal de limitação de responsabilidade (CB 1957 - tem vindo a ser abandonada para se usar a
LLMC) - Portugal ratifica a de 1957, e o DL 49/28 coloca-a em vigor - a CB 1957 passou a ter
simultaneamente 2 valências, a valer como direito interno português, para além da valência enquanto
convenção internacional. Prevê-se aqui um mecanismo do DL 49/1021 em conjugação com o DL
49/1029 de limitação - o art. 1º tem a tramitação do processo em causa. Há uma sentença de graduação
de créditos (processo executivo). Os créditos desses credores, de acordo com a graduação, são
satisfeitos pelo bem abandonado, o navio.
Art. 13º DL 202/98 - aplicam-se as normas de processo de limitação - DL 49/1028 e 1029, mas
introduz um regime especial fora desses diplomas que regula a graduação dos créditos pelos vários
credores, considera-se constituído o fundo de limitação. Temos uma tramitação especial (14º e ss.) das
previstas nos 2 diplomas.
O abandono liberatório do navio tem um âmbito de aplicação circunscrito, porque as situações
estão no geral abrangidas pelas convenções internacionais (CB 1957 ou LLMC).
Mesmo o armador pode limitar a sua responsabilidade - quem responde pela responsabilidade
do navio é o armador e subsidiariamente o proprietário do navio - o armador pode limitar a
responsabilidade? Aqui já estamos no âmbito das CV e não do abandono liberatório (aqui só o
proprietário pode). O sistema de limitação atual não está estruturado na lógica do abandono liberatório,
avançou-se mais, então o armador pode - a limitação é feita com base na constituição de um fundo de
limitação de responsabilidade, determinando-se o seu valor em função dos créditos em causa,
tonelagem do navio e de acordo com a convenção:
● Crédito marítimo - podem dar lugar a limitação e estão presentes na convenção - têm de estar
na lista
● Determina-se depois como se materializa a limitação - art. 2º - créditos sujeitos a limitação.
Sempre que temos uma situação que se enquadra na lista dos créditos marítimos, sendo créditos
de responsabilidade obrigacional e extraobrigacional
● Delimitação negativa - créditos que não abrangem a aplicação da convenção, mas podem estar
sujeitos a limitação por outra via

71
Protocolo de 96 - Portugal também se vinculou - temos de ver as normas da convenção que
foram alteradas pelo protocolo - o 6º/1 foi alterado.
O fundo constitui-se previamente a pensar para o caso da fixação. Quando há danos, o princípio
que resulta da articulação entre o 483º e 562º ou 798º e 562º, aponta-se para a totalidade dos danos,
sem prejuízo do nexo de causalidade que restringe.
--
Cruzamento entre as previsões do DL 202/98, as definições e o caminho da responsabilidade
dos arts. 4º, 6º deste DL. A imputação ao comissário é necessária para operar a imputação secundária
(não é primária por ser mais importante, é porque a 1ª imputação ao comissário e depois do comitente
- remissão para o 500º CC).
O sistema de civil law estrutura a responsabilidade leva a que a pessoa responda pelo seu
património, neste caso o navio, que é do património do navio, e este pode não ser armador (4º). Pelas
vicissitudes da atividade marítima faz sentido que responda o armador porque é o empresário marítimo
(fornecimento de combustível, salvação, abalroação), por isso faz sentido que recaia objetivamente
sobre o armador como comitente - relação de responsabilidade solidária com o proprietário do navio.
Muitas vezes temos situações em que os proprietários ou proprietários-armador só têm um
navio. Como é que os armadores estruturam as respetivas responsabilidade? É a lógica da sociedade,
cada navio forma uma sociedade (ship companies), e o objetivo é que o navio não tenha sister ships.
Se a pessoa responde com todo o seu património, se tem vários navios todos podem em princípio ser
penhorados; se só tiver aquele navio e o seu objetivo principal for a responsabilidade só se ataca esse,
e é legítimo, o que leva a dinamismo empresarial e económico. Tem também vantagens a nível da
navegação e o seu exercício.
É isto que explica a responsabilidade do proprietário, simplesmente é subsidiária - tem de ser
entendida em termos razoáveis, não é em relação ao armador, capitão e tripulação, mas sim em relação
ao armador.
Nas situações em que não seja possível identificar, na lógica do sistema de civil law, o art. 11º
permite a responsabilidade direta do navio. O estatuto legal do navio (DL 202/98) define navio, e diz,
no art. 7º, que os navios têm personalidade judiciária, sendo este um dos casos previstos na lei.
Temos depois a previsão e possibilidade da limitação - a sua lógica é importante, tanto em
situações obrigacionais como extraobrigacionais - se pensarmos nas regras de Haia (CB 1924 que
disciplina o transporte marítimo de mercadorias), essa convenção prevê imputação e limitação ao
mesmo tempo - é lógico que, na arrumação das convenções e as suas tipologias há 3 categorias -
limitação, imputação e mistas. A lógica da limitação percorre o direito marítimo e, por isso, este
diploma prevê a limitação; ninguém pode dizer, no entanto que sempre que há créditos marítimos há
limitação - mesmo que haja à partida limitação, pode não ter lugar na medida em que aconteceu um
comportamento preclusivo da limitação do caso concreto.
É o caso de ter cometido faute inexcusable (falta sem desculpa em francês), que gera loss of
the right to limitation. É uma conduta impeditiva da limitação. A possibilidade de limitação é a regra
geral, mas pode alterar-se em função da situação.

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Art. 11º - remete para as convenções internacionais vigentes em Portugal - linhas gerais da
LLMC (1976-1996, pela vinculação tardia à CV e protocolo). Porque é que o legislador publica o
protocolo separado e não une? Porque é que Portugal ratificou a convenção e o protocolo? Tem
a ver com a especificidade das convenções internacionais; são situações que podem depois gerar
litígios com operadores de várias nacionalidades, e há países que não se vincularam/estão vinculados
à convenção só, e outros estão apenas vinculados à LLMC, sendo por isso benéfico tratá-los
autonomamente. vamos considerar o texto mais atualizado da LLMC à luz do protocolo.
A LLMC visa substituir a CB 1957, e esta, por sua vez, visou substituir a CB 1924, mas é
verdade que ambas continuam em vigor.
O mecanismo resulta do 17º/4 LLMC - no que respeita às relações entre os estados que
ratificam a convenção, a presente convenção substitui e revoga a convenção internacional sobre a
responsabilidade internacional. Por isto é que as CB continuam em vigor, e Portugal não as denunciou,
continuando vinculado também. No entanto, quando estão em causa estados vinculados pela LLMC,
são se aplica a CB, mas sim a LLMC.
Quanto ao modo de funcionamento da LLMC, este é relativamente simples - podemos utilizar
noções parametrizadas. Quem é que pode limitar? São os proprietários, assistentes, etc - proprietário
do navio significa (1º/2) proprietário, fretador ou operador do navio de comércio. E se for um navio
de navegação de pesca, pode limitar? Na versão em inglês não fala de navio de comércio, sea going
ship apenas, e é diferente. Este é apenas navio de navegação de mar. O texto em português não faz fé
ao inglês. Temos de interpretar a convenção em português à luz das versões inglesas - destaca-se com
maior relevo a versão inglesa.
O mecanismo é identificar, a partir das definições, os conceitos basilares, ver quais são os
créditos sujeitos a limitação, estando aqui créditos de base obrigacional e extraobrigacional. A partir
daí, vê-se se não há uma situação de exclusão da limitação do 3º e, admitindo que não há faute
inexcusable (se houver, quem tem de invocar são os credores, porque o armador vai suscitar a limitação
através da constituição do fundo de limitação). O modo de limitar é relativamente simples - direito de
saque especial e determinar o montante.
O protocolo tem uma medida que se reveste de particular importância: o protocolo vem alterar
arts. da LLMC de 1976, e depois tem uma medida importante, a do art. 8º - vem permitir uma
atualização da alteração através de mecanismo mais expedito, uma maioria entre os membros (maioria
qualificada), e passa a aplicar-se a todos sem as delongas e maiores complexidades de haver uma nova
convenção ou um novo protocolo, porque sempre que se quisesse alterar haveria um novo protocolo.
Agora temos um critério remissivo per relationem.
No entanto, isto apresenta um problema constitucional, devido ao art. 8º CRP. Este art. exige a
publicação e os novos limites não serão publicados, sem prejuízo de serem objeto de comunicação,
mas com procedimento diferente. O problema é que um estado não aceita mas pode ficar vinculado
aos novos limites sem concordar, e não acontece com o protocolo porque aqui ratifica ou não ratifica,
adere ou não adere.
No caso de estarem em causa pedidos de indemnização não abrangidos por CV de vinculação
portuguesa, são os limites internos.

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Questão: a CB 1957 não foi revogada, e, olhando de novo para o art. 17º/4 da CB, a grande
questão é saber se esta convenção ainda está em vigor. Se um armador lesante e responsável pode
escolher por aplicar, uma vez que Portugal se encontra vinculado às 3 convenções, pode escolher a
que lhe der mais jeito.
Regente - não pode, a não ser com a aplicação do art. 17º, só se pode invocar essa, em
substituição, e não outra. Os estados que aderiram queriam substituir a anterior pela nova, e aqui é
assim, para haver segurança jurídica, devendo ser assim também no direito interno. Não pode ser
escolhido; o regime de limitação passou a ser o da LLMC a nível interno, a sobrevivência das CB é
possível, mas apenas nos termos do art. 17º/4.

Outra figura falada é a do agente de navegação (DL 202/98) - é diferente dos agentes
transitários porque estes são de todos os tipos de transporte, enquanto estes estão ligados ao transporte
marítimo e aéreo. Tipicamente, o transitário, está ligado ao transporte de várias matérias, mas a quem
é que o produtor recorre para o aconselhar e tratar da parte do transporte, deslocando a mercadoria e
condicionando-a, assim como armazenando-a em função da característica do bem? Este agente, que
escolhe os melhores armazéns e navios de transporte. Vai identificar um determinado navio como o
certo para a situação, e não trata com o navio nem armador, mas sim o representante do navegador, o
agente de navegação. Este agente de navegação está do lado do armador/transportador, enquanto
transitário presta serviços ao vendedor/expedidor.
O agente de navegação é definido no 1º f) para efeitos deste diploma - tem uma pluralidade de
funções. Mas o leque de funções do agente de navegação é mais reduzido do que o transitário (1º DL
384 com o 1º f) DL 202).
Importa vincar que o agente de navegação, conforme resulta do art. 9º, a sua atividade rege-se
pelas disposições legais aplicáveis ao mandato com representação e disposições respeitantes ao
contrato vigente (regime do DL 178/86). Os atos praticados pelo agente de navegação vinculam ou
repercutem-se na esfera jurídica do representado. O agente comercial pratica atos tipicamente
materiais, prestando serviços (angariação de clientela) - causa perplexidade que este art. remeta para o
regime do mandato de representação, porque esta só se dá em relação a atos jurídicos e não materiais.
Na agência é preciso haver a representação apenas quando são conferidos poderes. Como é que se
aplica então a agência subsidiariamente se está dissociada em termos essenciais da representação? A
resposta passa pelo conjunto de atividades que o agente de navegação pratica - DL 264/2002 - contém
o regime jurídico de acesso do agente de navegação. Depois existe o DL 295/1999 do regime jurídico
do agente transitário. O agente de navegação pratica atos tipicamente comerciais e angaria clientes
para o seu navio, fazendo sentido aplicar-se o regime da agência. Pode haver lugar à indemnização de
clientela pelo 33º.
--
Pontos de regime da LLMC e agente de navegação (com referência ao regime do DL 202/98)
Art. 28º DL 352/86 - admite a responsabilidade do navio fazendo um paralelo com o DL
202/98, mas aqui em sede específica de transporte marítimo de mercadorias - refere situações

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subsidiárias, de exceção, em que há responsabilidade do navio. Nessa situação, em que o navio possa
ser responsabilizado, é atribuída personalidade judiciária ao navio.
Facto de o agente de navegação ser considerado um representante - no nosso sistema jurídico,
a representação está associada à prática de atos jurídicos, e isto liga-se ao núcleo essencial da atividade
do agente de navegação, a prática de atos jurídicos - perplexidade relativa à parte final do art. 9º,
quando diz, supletivamente, que se aplica o contrato de agência.
O núcleo essencial da atividade do agente comercial, nos termos do DL 78/96 é a prática de
atos materiais e não jurídicos. O art. 9º, à primeira vista, aplica o regime da representação, e em termos
subsidiários um regime que não tem a representação - têm de ser conferidos poderes para haver
representação, não é natural do regime.
DL 264/2012 - no conjunto de atividades do agente de navegação está também a angariação de
clientes. Na alínea b) do art. 3º, sobre a atividade do agente de navegação, há uma atividade de
angariação - nessa medida, compreende-se que se possa aplicar estritamente o regime da agência
comercial. Existe a eventual consequência de encontrar situações de indemnização de clientela (art.
33º DL 78/86).
Quanto ao DL 264/2012, temos um excelente exemplo de má publicação de diploma - cheio de
erros de composição e ortografia.
No seu núcleo central, caracteriza o que é o agente de navegação e o que faz tipicamente, assim
como é que se pode licenciar essa atividade (em que termos e os seus requisitos).
Art. 3º - atividade do agente de navegação - abrange a prática de vários atos; “por conta”
quer dizer por ordem, mas refere os dois. No seu círculo de atividade parece que tem um leque de
funções e poderes amplos; o que importa vincar, no entanto, é que há aqui questões de muita
responsabilidade, de saber quem vincula quem, sendo um problema dos agentes - o agente representa
a pessoa, a entidade por conta de quem ou para quem atua ou não? Se tiver poderes de representação,
sim, se não tiver, não - temos de ver se tem ou não poderes resultantes de uma procuração ou conferidos
por instrumento contratual - não podemos prescindir de saber se atua em concreto ou não com poderes.
O problema dos agentes assume foros noutros agentes, os agentes alfandegários - é uma figura
que tem cada vez mais interesse (pós-Brexit) para as situações de trânsito de mercadorias com países
fora da UE - fazem-no em nome dos importadores, em nome próprio, apesar de ser por conta? O
diploma em causa vai ao ponto de falar em representação indireta, sendo uma linguagem do código de
seabra (indireta seria um mandato sem representação). A importante dos agentes é grande, e as
questões de responsabilidade que podemos associar a estas figuras são muito importantes.
Art. 4º - direitos do agente de navegação - caracteriza-se o contrato como contrato de
mandato, com ou sem representação.
Depois o diploma refere os requisitos de exercício, registo da atividade, etc (consequências do
exercício da atividade sem autorização).
Questão: é mesmo necessário o transportador ou armador ter um agente de navegação no porto,
não pode exercer diretamente estas atividades? Sim, pode ter ele próprio um empregado em vez de
recorrer a um agente, ou um escritório, mas tal não é frequente. Pode ser exercida diretamente pelos
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armadores ou transportadores marítimos na sua sede social, havendo essa limitação (tem de ser o porto
da sua sede social).

Pode ser responsabilizado por atos ou omissões do seu cliente, concretamente? Por exemplo,
taxas portuárias devidas pelo armador do porto. O agente de navegação pode dizer que é apenas um
representante e quem ficou a dever foi o armador. É difícil ver sempre quem é responsável, por
exemplo em termos de responsabilidade civil.
Quanto às taxas, a resposta é colocada de forma difícil no art. 5º, quando, a propósito dos
deveres do agente de navegação.
Relacionada com isto é a questão da garantia financeira a favor da autoridade portuária -
dever de prestar garantia financeira para segurança dessa responsabilidade. Art. 5º/2 - garantia
financeira para assegurar o pagamento dos serviços prestados (relaciona-se com a previsão da alínea
c) do nº4) - o agente de navegação é responsável pelos atos que pratica; para assegurar o pagamento
de assunção de danos causados a clientes ou terceiros na sua atividade, presta-se a garantia a favor da
autoridade, sendo algo que não faz muito sentido.
Há um cliente que sofre danos em consequência de má atuação do agente de navegação -
responsabilidade civil - seguro marítimo - mas quem é o beneficiário do seguro? A autoridade portuária
- esta é beneficiária do seguro, e é ela que pode acionar o seguro/garantia financeira - como é que a
autoridade pode acioná-la por danos sofridos por terceiros e não por ela própria?

Agente transitário

O transitário tem grande importância na atividade dos transportes, não apenas marítima ou
portuária; o transitário é um “arquiteto dos transportes”, a propósito da multiplicidade de funções.
A sua atividade é regulada no DL 255/99, que afirma que se aplica ao acesso ao exercício da
atividade, e define-a (controlo e direção relacionada com as atividades de expedição).
Podemos ter, imaginando uma situação comum, um caso de compra e venda internacional de
mercadorias com transporte marítimo de mercadorias - o vendedor ou exportador da mercadoria é
quem costuma recorrer ao transitário, sendo quem tem de meter a mercadoria a bordo do navio, mas
nem sempre, pode acontecer que seja a mercadoria comprada em termos de ser entregue na própria
fábrica. A entrega da mercadoria e a transferência do risco é na fábrica ou armazém do vendedor; quem
tem de tratar do transporte é o comprador, que irá muito provavelmente socorrer-se de um transitário,
que vai estruturar e organizar o transporte, e eventualmente conjugando com a necessidade de
armazenar a mercadoria nalgum sítio + documentos alfandegários, etc.
O núcleo de atividade do transitário clássico é encontrar um transportador para deslocar a
mercadoria de um lugar para o outro; no nosso caso, supondo que o vendedor, disponível para entregar
a mercadoria no porto, só quer que o transitário encontre um bom transportador marítimo, e a entrega

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da mercadoria deve ser feita a bordo do navio, sendo aí que está o risco. Para este efeito, contrata o
transitário, que encontra o transportador que, em função da especificidade da mercadoria e contrato de
compra e venda celebrado entre o cliente e o terceiro, é aquele navio e rota que servem melhor os
interesses do seu cliente, tendo em conta as qualidades técnicas do navio, etc.
O transitário era tradicionalmente comissário dos transportes (francês), que celebra contratos
em nome próprio, mas por conta de um cliente, como acontece na figura do comissário do CCom
(mandato sem representação); mas também pode encontrar apenas um transportador e indica ao seu
cliente, ou ele próprio tem poderes para celebrar o contrato em nome do vendedor-carregador.
Há várias situações, mas sempre a importância de saber como atuam, com que poderes e
função, dado que isso depois dita as questões das responsabilidades, e a quem imputar os danos.
Exemplo: vamos supor que o transitário desempenhou bem a sua função e encontrou um
excelente transportador para aquela carga, tendo o navio apenas um porto de escala (sem perturbações
de viagem), e a dada prevista para chegada ao porto é confortável dentro dos prazos do contrato de
compra e venda celebrado; vamos supor que a mercadoria era azeite e chega como vinagre ao destino,
porque o transportador se esqueceu que o azeite não podia ir no azeite, tinha de ir no porão a dada
temperatura, que foi ultrapassada. Quem responde perante quem?
- O destinatário pode responsabilizar o transportador, porque, de acordo com o contrato de
transporte, a mercadoria deve ser entregue em bom estado no porto de destino - se
anteriormente não foi feita reserva feita à mercadoria, responde perante o destinatário ou
perante o carregador-vendedor;
- Pode acontecer que o carregador não tenha vendido ainda o azeite mas leva-o já para o destino,
e quando chega lá, o carregador vê que o azeite ficou em mau estado, e pretende responsabilizar
o transportador no âmbito do contrato de transporte, mas coloca-se a questão de poder
responsabilizar o transitário, porque não lidou diretamente com a companhia do transporte, o
transitário sim. O transitário aqui é garante porque escolheu o garante? - responsabilidade del
credere do agente comercial (regime da agência); no caso do comissário, no CCom, responde
se foi convencionado ou resulta dos usos comerciais, no caso do art. 10º da agência, só responde
com convenção nesse sentido. No caso do transitário, é um caso de del credere legal,
responde porque a lei obrigada (art. 15º). Respondem pelo incumprimento de obrigações de
terceiro perante o seu cliente porque é ele que está próximo dos terceiros - aumenta a diligência
para contratarem transportadores de referência e de confiança. Vai responder nos termos em
que o transportador responde, porque também não pode ser mais prejudicado do que o
transportador. Art. 15º/2 - se o transportador invoca limitação de responsabilidade, o transitário
também pode, etc. Isto afasta-se do regime da comissão do CCom e do regime da agência
comercial.

Quanto ao prazo para exercício de ação contra o transitário, o art. 16º dispõe que prescreve no
prazo de 10 meses a contar da conclusão da prestação de serviço contratada - prazo de prescrição. Nos
termos gerais do CC, opera regra geral o prazo de caducidade para exercício de direitos, a não ser que
a lei expressamente indique que é de prescrição.

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O prazo, pelo menos no que respeita às situações de responsabilidade del credere, de 10 meses
de prescrição, não faz sentido - a responsabilidade do transitário devia acompanhar naturalmente o
prazo de responsabilidade do transportador. O prazo, de acordo com o DL 356, é de 2 anos. Devia
responder no prazo ou nos termos do transportador (crítica Regente).
No entanto, pode-se fazer uma interpretação restritiva do art. 16º, em que o prazo de 10 meses
só se aplicaria aos factos do 15º/1, mas é difícil de se fazer.
As empresas transitárias e o que respeita ao transporte de serviços pode ser feita por
instrumento contratual específico ou cláusulas contratuais gerais das empresas - isto existe porque são
diplomas pensados para um setor de atividade, são normas ou disposições legais que se limitam a
chamar à atenção para algo que já resulta de outra fonte normativa.
O transitário é, na atualidade, uma gente fundamental de direito dos transportes, e quando
falamos em transporte multimodal, acresce a importância dos transitários, porque a lógica
internacional está pensada em uma convenção para cada modo de transporte - se as regras de amsterdão
de 2009 não entram ainda em vigor, pensadas na lógica multimodal, até lá é um modo para cada
convenção. Quem é que celebra estes contratos? São os transitários, e depois subcontratam para o
modo rodoviário, marítimo, etc. Assumem-se como uma figura incontornável no direito dos
transportes.

Pilotos

Saber quais são as responsabilidades que podem ser imputadas ao piloto, em função do estatuto do
piloto e da circunstância de termos várias referências ao longo da legislação marítima a membros da
tripulação e a pilotos.
No quadro legal atual, a tripulação releva para que efeitos? - podemos destacar o facto de esta matéria
se cruzar com o direito marítimo laboral. O princípio está no art. 1º do DL 384, em que se trata do
conjunto de todos os marítimos para exercer a bordo. Há legislação específica sobre os termos dos
contratos e exigências administrativas. O capitão, dentro da tripulação, a categoria mais elevada do
escalão dos oficiais é o capitão do navio, por força do art. 3º DL 384, e 3º 202/98.
O piloto tem um estatuto ambíguo, híbrido - art. 4º DL 202/98, o armador, que seja simultaneamente
proprietário do navio, responde pelos danos, e depois diz, na alínea b), dos pilotos ou práticos a bordo,
ainda que seja imposto por lei, regulamento ou uso. O piloto é também, quer seja pilotagem obrigatória
ou facultativa, o piloto é o comissário do armador - DL 48/2002 - serviço de pilotagem.
Art. 4º e 5º DL 202 - por exemplo, para entrada nos portos - o piloto sobe a bordo para escadas lançadas.
O armador responde pelos atos do piloto, aplicando-se uma lógica de relação entre comitente e
comissário. A importância dos pilotos vem de há muito tempo e é de grande relevo; ao estudar a
abalroação referiu-se o 662º CCom - está desatualizado porque o centro da responsabilidade não é do
capitão mas sim do armador.

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Acentua-se a lógica tradicional, não na relação de capitão-piloto, mas sim armador-piloto (202/98).
No 384/99 o piloto é um assessor do capitão, o que não afeta a responsabilidade. O piloto é uma espécie
de consultor ou assessor do capitão, quando o piloto dá uma indicação ao capitão do navio, quem
assume as responsabilidades desse ato perante terceiros é o capitão - e voltamos ao 202/98, em que o
piloto estaria fora nesta lógica do art. 7º 384/99.
Num 2º momento é que o armador poderia exigir responsabilidade ao piloto nos termos gerais de
direito.
Não significa que a entidade pública que nomeou o piloto não possa ser responsabilizada - regime da
pilotagem obrigatória - referência ao serviço público de pilotagem, quem exerce as funções -
corporação que nomeia o piloto, podendo essa entidade ser responsabilizada, não havendo razões em
contrário. A administração portuária que indicou um piloto para assessorar o navio, mas não atendeu
às especificidades do navio, pode ser responsabilizada, nos termos gerais de direito.
E quanto aos pilotos eles próprios? - não podemos deixar de atribuir o relevo que tem de ser dado em
função dos pilotos obrigatórios serem funcionários públicos e, nessa medida, para efeitos de
responsabilidade, temos de aplicar a L 67/2007, de responsabilidade do Estado e demais entidades
públicas (posição do regente diferente da do livro sobre limitação).
Temos de tomar em conta se estarmos neste quadro legislativo - atos de gestão privada e pública (501º
- os de gestão pública passa para a lei 67). Se não for uma pilotagem obrigatória, não aplicamos o seu
diploma nem o da responsabilidade do Estado. Aplica-se apenas um regime de direito privado,
funcionando a lógica de comissão dos arts. 4º e 5º DL 202/98 e 500º CC. Se tivermos um piloto
facultativo que funcione como simples assessor, e não como alguém que manobra efetivamente o navio
(diferente de dar meras indicações porque faz mesmo manobras), temos de aplicar o art. 7º do 384/99.
Para o exercício de atividades administrativas, tem-se um regime diferente do civil, no art. 500º. A
responsabilidade do comissário é um pressuposto objetivo da do comitente, e, a partir daí, é solidária.
A maioria da doutrina considera que a responsabilidade do comissário é subjetiva, mas o entendimento
mais recente diz que, seja a que título for, havendo relação de comissão, pode-se imputar.
Supondo que há uma atuação negligente do comissário nos termos do regime civil, há responsabilidade
civil do comissário, e pode ser responsabilizado o comitente, pelo art. 500º CC. Mas se estivermos no
âmbito de aplicação da L 67 não é assim: apesar de o regime base ser o da comissão, o Estado e demais
entidades são responsáveis por atos cometidos por culpa leve pelos funcionários no exercício da função
administrativa e por causa desse exercício - o Estado é o único que responde quando haja culpa leve
pelo comissário, mas não é assim no regime civil (art. 8º), afastando-se também do 4º e 5º do DL 384.

CLC e CBankas

CBankas - 12 de julho de 2015 - Resolução 62/2015 AR


Convenções de responsabilidade - 3 tipos de convenções - estritamente de imputação ou
responsabilidade, apenas de limitação de responsabilidade, e mistas (tanto de imputação e limitação).

79
- Apenas de imputação - CB 1910
- Apenas de limitação - LLMC
- Mista - CB 1924 - imputa a responsabilidade (perda ou dano de mercadoria), mas, no mesmo
passo, prevê a limitação de responsabilidade

A CLC e CBankas estabelecem relações com o direito marítimo ambiental - a CLC tem de ser
articulada com outra, a FIPOL.
Falamos na CLC 92 porque começou por ser de 1969, e depois houve um protocolo de 1992 - civil
liability convention. Fenómeno semelhante ao que vimos na LLMC (76-96).
A CLC nasce na sequência dos grandes desastres com petroleiros, navios que provocaram catástrofes
nos mares e costas. Em virtude da sua insuficiência, evoluiu com o protocolo de 1992 - os instrumentos
internacionais que existiam até 1969 eram insuficientes e inadequados para resolver o problema dos
danos provocados por poluição, na sequência do transporte de mercadoria, e, para sancionar quem, de
forma direta ou indireta os provocasse, e para compensar os lesados.
No entanto, à data existia a CB 1957 sobre limitação de responsabilidade, que é uma convenção apenas
de limitação - é o que faz a CLC e mais tarde a CBankas imputar responsabilidades relativamente a
danos provocados por hidrocarbonetos, sobretudo os transportados por petroleiros, grandes navios de
transporte de mercadorias. Banker oil convention - visa também imputar, assim como limitar, a
responsabilidade por danos provocados em combustíveis de navios.

CLC 1992 e articulação com a FIPOL:


- A FIPOL vem criar um sistema de responsabilidade e limitação de responsabilidade
intrinsecamente associado a uma lógica de seguros, sendo essa articulação indissociável,
estabelecendo um regime de responsabilidade por prejuízos devido à poluição.
- A CLC visa responsabilizar os navios que transportam, por exemplo, bicarbonatos - criou-se
um sistema, por razões de segurança jurídica, de responsabilização do proprietário do navio,
definindo-se quem é, e será por poluição. Delimitação do perímetro de aplicação da convenção
- tornou-se sensível, porque o proprietário do navio não tem a amplitude que está na LLMC.
Há que definir os danos abrangidos por este sistema de responsabilidade, que tipo de
hidrocarbonetos, etc.

02.05.2022
Termos CIF
No transporte marítimo de mercadorias, deve-se referir a sua história:
Séc. XIX - período do liberalismo - liberdade contratual e direito de propriedade - responsabilidade
ius receptum - tem de entregar a mercadoria nos mesmos termos em que a recebeu - sistema de
responsabilidade intensa pelo transportador, porque este é uma espécie de depositário ou segurador,
porque garante ao carregador que a mercadoria que lhe é entregue para transporte será entregue no

80
local de destino incólume - responde pela mercadoria tal qual a recebeu. O regime supletivo legal era
facilmente ultrapassado por cláusulas dos armadores nos contratos de transporte - aqueles que não
tinham armamento estavam sujeitos às contingências de exclusão da responsabilidade (liberdade
contratual).
Final do séc. XIX - EUA - afirmavam-se como potência agrícola (cereais) - lei harder - condições de
transporte americano que visavam reagir contra os excessos da liberdade contratual, impondo um
equilíbrio entre interesses dos transportadores e carregadores - distinção entre falta náutica e comercial,
sendo os transportadores sempre responsáveis e responderia por qualquer falta comercial - se a
mercadoria chega estragada são faltas comerciais, se estivéssemos perante faltas náuticas, no entanto,
permite-se uma atenuação da responsabilidade.
Exemplo - A navio culpado da abalroação - o navio A responde por todos os danos, quer da carga e
pessoas no navio, quer relativamente aos danos provocados a terceiro. Relativamente à carga
transportada no navio abalroador culpado, como há contrato de transporte, vê-se o seu regime, e o
transportador pode excluir a sua responsabilidade na medida em que foi falta náutica, como negligência
do capitão, caso em que não responde.
Grande diferenciação entre falta náutica e falta comercial - o equilíbrio passa por o transportador ter
de ter o navio em bom estado de navegabilidade e responde por todas as faltas comerciais, mas não
por faltas náuticas. Para além disso, veio prever um conjunto de causas de exclusão de
responsabilidade, que permitem ao transportador excluir a sua responsabilidade. Era uma lei americana
e não convenção internacional, mas pelo peso dos EUA e firmeza de aplicação dos seus tribunais, a lei
harder acabou por ter um raio mais amplo, para além do seu perímetro de aplicação - consideram-se
essas normas e esse regime, para determinados efeitos e em determinados termos:
● No princípio do séc. XX, na cidade de Haia (Holanda), com forte inspiração no harder act,
foram elaboradas regras de soft law para contratos de transporte marítimo de mercadorias,
sempre que os transportadores e carregadores incorporassem essas regras nos seus
conhecimentos de carga. Eram soft law, mas tiveram um impacto tão grande que em 1924 se
assinou uma CB de transporte de mercadorias que adota basicamente o texto das regras da Haia
de soft law, mas agora com uma natureza diferente, porque é uma convenção internacional. É
designada, por isso, como regras da Haia - tem na sua base ou origem regras de soft law
formadas/construídas tendo por referência as regras de Haia e consequentemente o hard act.

Convenção internacional de contrato de transporte de mercadorias por mar - CB 25 de agosto 1924 -


unificação de certas regras em matéria de conhecimentos de carga:
● Em 1924, a ideia de transporte multimodal era inconsistente, mas atualmente é incontornável
falar disto, devido ao uso de contentores. É imperativo falar de transporte door to door vs
transporte port to port, sendo este último o previsto na CB, com a imposição do documento BL
(reconhecimento ou declaração de carga), que tem 3 funções:
○ Recibo da entrega das mercadorias, que é prova usada pelo carregador perante o
transportador
○ Prova de que o contrato de transporte foi celebrado
○ Título representativo das mercadorias

81
O carregador entrega a mercadoria ao transportador, o qual emite o BL, que tem o valor de recibo, o
que significa que declara que recebeu a mercadoria em certos termos:
● Nos termos declarados pelo próprio carregador, que emite uma declaração de vontade com
qualidade e características da mercadoria - o transportador recebe e, ou faz uma declaração
concordando ou emite ele próprio um BL, que, em princípio, acompanhará os dizeres da
declaração do próprio carregador, até por remissão

O BL é fundamental devido à figura das reservas, falada mais adiante - vamos supor que o carregador
leva 10 contentores com azeitona, mas o transportador só conta 9 - declara isso - o reconhecimento de
carga pode ser negociado por ser um título de crédito, e estão-se a negociar os direitos sobre
mercadorias - quando o transportador chega ao destino, quem exige os 10 contentores é o senhor que
entretanto os comprou, que circulou de acordo com a lei do título - quem exige a entrega da mercadoria
no porto de destino? Aquele a quem, de acordo com a lei de circulação do título, foi atribuído. Mas o
transportador só recebeu 9 e tem prova disso, mas, apesar disso, não fez uma reserva, indo então
responder pelos 10 contentores na lógica dos títulos de crédito, porque há um terceiro de boa fé que
recebeu os direitos do título.

O BL é um documento central no transporte de mercadorias marítimas, estando no próprio título da


convenção e parametriza o seu âmbito de aplicação:
● Objeto
● Definições de conceitos

Tratando-se de uma CV, é importante ver o seu perímetro de aplicação - transporte port to port de
mercadorias, e não de passageiros. Também transporte titulado por BL ou documento equivalente.
Esta convenção e regime estão associados ao transporte regular, de linha - fica-se a saber a rota mais
adequada, navio, etc - por ser o transporte de linha regular tem a seu favor razões de interesse público
e comércio internacional. Está então associada, no seu regime e compromissos, ao transporte de linha
- alguém toma fretamento do navio ou parte, para transportar mercadorias.
É um regime tendencialmente imperativo porque não é 2 way mandatory, mas 1 way mandatory - não
é imperativo para os 2 lados, mas é imperativo 1 way mandatory, sendo possível alterar o regime da
convenção quando tal se torne mais benéfico para a carga - se for desfavorável à carga, essas cláusulas
apostas no BL são nulas.
Art. 3º/8 CB 1924 - se se convencionar, por exemplo, que o transportador não pode excluir a sua
responsabilidade em caso de falta náutica, essa cláusula será válida, porque o regime da convenção
permite ao transportador excluir a sua responsabilidade excluir a falta náutica. Se no BL consta que o
transportador afinal não pode excluí-la, isso favorece a carga, logo a cláusula é válida.
Se, em situação diferente, se prevê que a pode excluir nas situações do art. 4º, mas também noutras,
será nula, porque desfavorece a posição do carregador. É uma convenção de compromisso de interesses
dos carregadores e transportadores, assim como entre países.

82
É uma convenção cujo perímetro de aplicação é definido por ela mesma, o que é importante, porque
tem havido uma tentação de direitos internos de interpretar a própria convenção, mas isso não pode
ser feito - tem de se saber interpretar globalmente a convenção para determinar quando é aplicável. Se
não for aplicável o direito uniforme internacional, temos de entrar em consideração com uma
multiplicidade de diplomas, e podemos chegar à conclusão de que não se aplica o direito português.
Quando surge, tem um boom de aplicação e de adesões/ratificações - a navegação e comércio mudou,
o que explica porque é que a CV não é em princípio aplicável a mercadoria no convés do navio, porque
esta está sujeita aos efeitos atmosféricos, e também se deu o aparecimento de contentores, que alterou
todo o processo.
Dúvidas geradas em relação a preceitos da convenção - alteram-se alguns artigos e alteram-se outros -
os Estados que ratificaram este protocolo de Visby começaram a designar como Regras da Haia Visby.
Em 1979 surge outro protocolo, SDR, que altera mais artigos - Portugal não ratificou nenhum destes
protocolos.
Exemplo: transporte de mercadoria entre Lisboa e Santos - é um transporte marítimo internacional,
sem dúvida, mas se for entre Portugal é transporte interno - aplica-se ou não a convenção?
● Se estamos vinculados à convenção pelo 8º CRP pode acontecer que esta se aplique mesmo
internamente - art. 10º CB - o reconhecimento de carga foi criado dentro do país, por isso
poderia aplicar-se. No entanto, isto é uma discussão doutrinária e jurisprudencial desde o início
da aplicação - não obstante o art. 10º, deveria ou não ser aplicada?
○ A convenção é aplicável ao transporte internacional de mercadorias - mas isto é para
quem se vinculou ao protocolo, e Portugal não está, aplicando-se a redação anterior - o
Regente não considera bem assim, porque quando interpretamos o 10º temos de
considerar o facto de este ter sido objeto de alteração - não se aplica a nova redação
diretamente, mas temos de a tomar em conta quando interpretamos (sombra normativa
do Protocolo de Visby - não estamos vinculados mas temos de considerar o seu regime,
sobretudo em matérias interpretativas e que fazem parte do sistema geral do transporte;
não no caso de matérias novas, no entanto).

Entretanto esta convenção sofreu pressão internacional para ser substituída por uma nova convenção
dos países em desenvolvimento que sustentam que as regras da Haia eram demasiado simpatizantes
com os transportadores (discussão armamento vs carga), nascendo as Regras de Hamburgo de 1978.

04.05.2022
Transporte marítimo de mercadorias em termos internacionais - evolução legislativa - soft law e
convenções internacionais
O regime que encontramos na CB 1924 é um regime que resulta de um compromisso de interesses de
operadores, entre transportadores e carregadores, mas também de países de compromissos económico-
políticos - essa disputa entre operadores, países e sistemas continua a existir na atualidade - disputa de

83
interesses geo estratégicos entre zonas do globo e operadores diferentes (polémicas à volta das regras
de roterdão).
Convenção simultaneamente unimodal (door to door) e multimodal na medida em que será aplicável
se e na medida um segmento marítimo internacional.
A CB 1924 foi difícil de fazer no sentido em que foi aparentemente fácil mas com peso dos EUA e
armadores europeus. Também ficou claro que é uma convenção com regime imperativo unidirecional
(1 way mandatory), porque sempre que haja cláusulas com reconhecimento de cargas que sejam
desfavoráveis à carga, carregadores ou destinatários de mercadorias, são nulas - 8º/3 CB.
Mas se forem cláusulas favorávies à carga, são válidas - é uma convenção imperativa, mas
imperatividade unidirecional.
Está estruturada com base na existência de um BL ou documento equivalente - a importância do BL,
embora a matéria dos títulos de crédito não tenha o apogeu que já teve, a verdade é que a estrutura
destes títulos é importante para conhecer o BL, as suas vicissitudes e especificidades - funciona como
o título de crédito que representa a mercadoria - é possível negociar direitos sobre mercadoria, o que
torna muito importante esse instrumento - a importância foi crescendo à medida da aceleração do
transporte, mas continua a ser forte.
É aplicável ao transporte de linha regular - operador, transportador, etc que sabe de antemão,
recorrendo aos especialistas de transporte, os navios que tocam os portos, as rotas e características -
sistema de comércio internacional muito importante presente no background da convenção - isto
explica a natureza imperativa. Isto não quer dizer que não possam ser transportadas mercadorias fora
desse regime, mas não com base em BL, mas sim um documento diferente, a carta partida, que obedece
ao princípio da liberdade contratual.
Esta diferença expressa-se em 2 decretos diferentes - DL 352/86 (transporte marítimo de mercadorias)
e 191/87 (fretamento) - no pólo de legislação dos anos 80, temos esses 2 diplomas, inspirados no
regime de legislação francesa em que temos o regime para o transporte marítimo de mercadorias e um
para o fretamento de navios nas suas diversas modalidades.
Termos estes 2 documentos não significa que não possa suceder em concreto um concurso entre os 2
documentos - a convenção, no art. 1º, e o DL de 86 são claros distinguindo consoante os intervenientes.
Se foi emitido um BL, que circulou e foram negociados os direitos sobre a carga que estão expressos,
o portador legítimo do BL não pode ver ser oposto um outro qualquer contrato, de fretamento, a que
ele é completamente alheio. Relativamente a este portador, em situação de concurso, o que prevalece
é o BL - os títulos de crédito funcionam assim relativamente a terceiros de boa fé e cuja posição merece
ser protegida, aplicando-se o regime do BL.
Questão da evolução do regime - a convenção desatualizou-se, atualizando-a através de 2 protocolos,
o de Visby (1968) e SDR (1979) - o SDR vem alterar o modo de cálculo do limite máximo de
indemnização, que antes tinha por referências moedas e passou a ter por referência as unidades de
conta - o mais importante é o de Visby, e a maioria dos países que se vincularam também o fizeram de
acordo com o de Visby, mas nem por isso estamos dispensados de estudar o de Visby, apesar de não
podermos dizer que estamos vinculados em termos normativos, no entanto temos necessariamente de
considerar o regime de Visby pelo menos nalguns pontos centrais.

84
Sistema próprio de responsabilidade - importam os pontos 6 a 9 do livro - sombra normativa do
protocolo de Visby - parametriza os conceitos e no interior do seu regime delimita-se o perímetro
aplicativo pela própria aplicação - interpreta-se a convenção de modo a ver a que situações se aplica.
Art. 10º - a convenção é aplicável a todo o conhecimento de carga criado num dos estados contratantes.
● Exemplo: carga carregada em Lisboa com destino aos Açores - o BL é emitido num estado
contratante - aplica-se diretamente a CB 1924? Dúvida face ao art. 10º - há um entedimento
maioritário no sentido negativo, devendo ser apenas quanto ao transporte internacional, e o
protocolo aceitou isso e alterou o art. 10º, deixando claro que a convenção, concretamente as
regras de haia visby são aplicáveis ao transporte marítimo internacional, porto a porto, em
função dos portos, independentemente da nacionalidade do navio e do armador, aplicando-se
a convenção.
○ Não podemos aplicar o art. 10º diretamente mas não podemos desconsiderar a nova
redação, tendo de a considerar para, na interpretação que fazemos do art. 10º, tomar
como elemento interpretativo, o facto de o protocolo ter optado por alterar a redação,
daí o conceito sombra normativa, não se aplica em termos diretos.

Reservas e BL - sendo um título de crédito, os terceiros que celebram com base nele confiam no que
o BL diz - por vezes há situações em que o transportador emite o BL à ordem do operador em causa
mas aparece outra pessoa - o BL pode ser negociado através de endosso, e quando surge alguém no
porto de destino, exibindo o título, tem de entregar a mercadoria - dinâmica dos conhecimentos de
transporte.
O BL circula e suscita confiança nos termos dos respetivos dizeres, sendo a lógica dos títulos de crédito
- fala-se do princípio da literalidade - o que conta é o que consta do título. Art. 26º DL 352 -
indemnização pelos prejuízos se tiver problemas no porto de destino.
O transportador, emitindo o conhecimento de carga, responsabiliza-se nos termos em que ele é
declarado e lá está, não pode depois, perante um terceiro de boa fé - a partir do momento em que o
título circula para além das relações transportador - carregador o terceiro não pode ser prejudicado,
mesmo que seja feita prova de que afinal não recebeu mercadorias na quantidade/qualidade que
descreveu - BL sujo - é sujo quando tem reservas.
● O transportador diz que o carregador entregou 10 contentores mas só estão lá 9 - é um problema
na negociação, eventual recurso ao crédito - para evitar isto há o recurso com frequência às
cartas de garantia, mas que não são oponíveis pelo transportador ao terceiro de boa fé
● Art. 3º/4 - o conhecimento constitui presunção salvo prova em contrário da receção das
mercadorias conforme o parágrafo 3 a) b) e c)
● Protocolo de visby - a prova de contrário não pode ser feita por terceiro de boa fé - em termos
normativos não podemos aplicar mas podemos invocar em termos de invocar em termos de
interpretação da norma

85
Modo de estruturação das responsabilidades no transporte com base nas Regras de Haia:
À partida é esse o regime que vem desde 1924, e mesmo desde o harder act americano - temos um
sistema em que se responsabiliza o transportador numa lógica de responsabilidade ex receptum, ou
seja, o transportador responde pela mercadoria tal qual a recebeu - é como se fosse uma espécie de
depositário da mercadoria.
Princípio - havendo perda da mercadoria, o transportador responde - há uma presunção de
responsabilidade, e a dúvida é saber se é de responsabilidade ou de culpa (Regente - mista).
Quando há perda ou dano da mercadoria - neste caso, responde pela mercadoria. A própria CB admite
que o transportador possa excluir a sua responsabilidade nalgumas situações - art. 4º.
2 artigos fundamentais para a responsabilidade - arts. 3º e 4º - o art. 3º é a favor do carregador e o 4º a
favor do transportador, tendencialmente. O 4º atribui causas de exclusão à responsabilidade do
transportador - a mais famosa é a falta náutica.

Diferença entre falta náutica e falta comercial - no sentido em que o transportador não responde por
falta náutica, mas por falta comercial (equilíbrio das regras de haia).

Fazendo um cruzamento com o exemplo da abalroação:


● Navio A carregado de mercadoria abalroa o B carregado de mercadoria e a culpa é exclusiva
de A - face à CB 1910, o navio A responde por todos os danos que aconteçam no navio B e nas
mercadorias/tripulação/passageiros/próprio navio - mas tratando-se da carga que vai no próprio
navio, essa pode não ser tida em conta quando o caso é de falta náutica;
○ O transportador pode dizer que o capitão foi negligente, mas invoca o 4º/1 a), podendo
excluir a responsabilidade por falta náutica - faz parte dos compromissos e equilíbrio
do final do séc. XIX/séc. XX
● Caso de toros de madeira embarcados num porto sul-americano com destino a Leixões - foi
emitido um BL (sem reservas), e uma vez que o navio tinha uma rota complicada, a madeira
foi para o fundo do porão. 3 meses depois, quando o abriram no porto de leixões, a madeira
estava em carvão;
○ O transportador emitiu um BL sem reservas em quantidade e qualidade, e por isso a
responsabilidade é do transportador - só conseguiu excluir a sua responsabilidade com
provas científicas laboratoriais que demonstraram que a mercadoria, quando foi
entregue no porto tinha um bicho que consumia a madeira de dentro para fora, portanto
era um vício não aparente da mercadoria. Conseguiu, com base na previsão das regras
de Haia e de exclusão de responsabilidade.

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Quando falamos do sistema de responsabilidade do transportador temos várias fases:
1. Presunção de responsabilidade do transportador
2. Possibilidade de exclusão de responsabilidade do transportador - se o conseguir, a questão
acaba aqui, não havendo responsabilidade mas sim suportação (se for celebrado um contrato
de seguro a sua lógica funciona, mas a companhia não adquire melhor posição do que a do
segurado, porque fica subrogada na posição do segurado e continua sem ter pretensão
indemnizatória), mas admitindo que o transportador não a exclui, então é responsável e
confirma-se, de facto, a presunção da 1ª fase
3. Limitação da responsabilidade - possibilidade que é dada na convenção ao transportador de
limitar a sua responsabilidade nos termos previstos no art. 4º/5 - DL 352/86 aprofunda este
aspeto no art. 24º, sobre os volumes ou unidades de carga
a. Exemplo: situação em que a mercadoria é distribuída e perde-se e o transportador
reconhece a sua responsabilidade pretendendo limitada - qual é o montante? - 4º/5 -
importância do descrito no BL - o volume ou unidade tem sempre por referência essas
descrições, sem elas tudo é volume ou unidade e o montante pode ser irrisório - é
limitabilidade e não limitação porque tem de ser invocada, é um ónus do transportador,
não pode ser automático
b. O transportador nunca é responsável acima de x de unidade - mas isto acontece mesmo
com dolo ou negligência grosseira? - faute inexcusable (França) - há faltas que não têm
desculpa - figura da LLMC da perda do direito à limitação do art. 4º - as regras de haia,
no texto original que nos vincula, não prevêem esta hipótese, foi acrescentada pelo
protocolo de visby - a questão está em saber se, na fórmula de visby, cabe também a
culpa consciente (Regente - sim, e sendo a culpa em sentido ético e não psicológico,
cabe a negligência grosseira, em que não previu mas devia enquanto transportador);
c. Esta perda do direito é reconhecida como medida que integra o atual sistema do direito
dos transportes, sendo o protocolo mesmo assim aplicável - a limitação e direito à sua
perda está em todas as convenções e, nessa medida, não obstante a redação do texto
original da convenção, podemos sustentar a perda do direito à limitação sempre que o
agente tem um comportamento antijurídico, e no limite podemos invocar o abuso de
direito. O que resulta das opções do legislador é, na responsabilidade e sistema civil, a
responsabilidade por todos os danos e a limitação excecional, por isso se o
comportamento for lesivo não pode invocar;
d. Concurso entre responsabilidade obrigacional e extraobrigacional - o lesado, invocando
que houve uma ofensa do seu direito, pode desconsiderar o contrato e alijá-lo,
invocando o 483º CC? - Regente - não é possível, independentemente do regime geral
nesta matéria civil - no quadro dos transportes e internacional tem-se um equilíbrio já
por si complexo, e as convenções mais recentes recusam-no expressamente (exemplo -
CMR dos anos 60 sobre o transporte rodoviário de mercadorias)

09.05.2022
Sistema de responsabilidade eventual do transportador de mercadorias marítimas - evolução

87
Países em desenvolvimento - decidiram que era necessário suscitar questões de novo, fazendo aprovar
as regras de hamburgo (1968) - transporte marítimo de mercadorias.
Contém um sistema que ilumina a diferenciação entre a falta náutica e falta comercial - a convenção
entrou em vigor, mas os países que são parte têm pouca expressão em termos marítimos.

Relação com a matéria dos seguros - questão de fundo:


● A posição das seguradoras não foi de aderência à lógica destas regras, e, conjugado com outras
razões, transformaram-se num fracasso.

Isto demonstra a questão do equilíbrio de interesses presentes - países entre operadores diferentes, e
também entre países, regiões e zonas em estados de desenvolvimento diferentes.

Em 2009 voltou-se a colocar a questão com uma nova convenção - as regras de roterdão:
● Simultaneamente port to port e door to door (modo de transporte marítimo) - até agora as
convenções só se aplicavam à primeira.

1 regime de responsabilidade apenas - cada um destes modos tem regimes diferentes e tipos de
documentos fundamentais - a lógica da convenção de genebra de 1980 era disciplinar o transporte door
to door - mas não entrou em vigor porque apareceu cedo de mais e trata todos os modos por igual (trata
do mesmo modo a situação em que a mercadoria percorre o modo terrestre e ferroviário, assim como
a marítima internacional e rodoviária). O modo marítimo é predominante em termos de valores
envolvidos, etc - deste modo, por essa razão, sobre a égide da comissão da ONU de comércio
internacional, em colaboração com o comité marítimo, deu-se uma nova convenção aprovada em 2009
em Roterdão (assinatura).
Regula o transporte marítimo internacional de mercadorias total ou parcialmente por mar - desde que
seja umt transporte marítimo internacional pode ser port to port ou door to door - procura introduzir
disciplina na confusão em termos internacionais. Só que visa também disciplinar o transporte porta a
porta, desde que tenha um segmento marítimo internacional - o peso marítimo está muito presente
nesta convenção.
É uma convenção tecnicamente bem feita, mais complexa do que as outras, porque visa disciplinar não
apenas um tipo de transporte, mas sim o transporte multimodal, preocupando-se com mais sujeitos, a
situação dos portos, os auxiliares. Os documentos eletrónicos de transporte são uma realidade muito
atual e também está abrangida.
Atende à específicidade do transporte marítimo internacional, porque considera as particularidades do
multimodal, porque atende aos vários intervenientes na operação de transporte, porque introduz um
regime novo para os documentos de transporte, quer comuns quer eletrónicos, etc. Por isto, é
necessária.

88
Países de carga, sendo um cenário semelhante ao hard act - sobretudo países sul-americanos e da
américa central, sobretudo de carga, que vieram colocar dúvidas e reservas a esta convenção,
sustentando que põe em perigo, na medida em que exprime o princípio da liberdade contratual, a
posição dos carregadores.
Contrato de volume (regras de roterdão) - contrato que disciplina o transporte de mercadorias por
volume, ou seja, entre um determinado operador e uma companhia de navegação, convenciona-se que
esta transportará x toneladas e cereais - temos um género e a obrigação que é assumida é transportar
parte desse género, transportando ao longo de um dado período de tempo - isto permitiria aos
transportadores introduzir cláusulas de exclusão de responsabilidade, limitação, etc, uma vez que tem
um regime especial mais livre dentro das regras de roterdão.
Companhias de transitários - operadores que não têm navios.
Quem assume contratualmente o dever de transportar são os transitários - relações do transitário com
o especialista de transporte e relações sobre quem recorre para o transporte.
Na relação entre o transporte e a carga, temos um único operador, regime de responsabilidade e
documento, o que facilita e torna as regras de roterdão importantes - a mercadoria percorre na mesma
diversos segmentos (rodoviário, aéreo, etc) e aí podemos ter problemas específicos que são em
princípio resolvidos e assumidos na relação entre os transitários e quem de facto recorre.
● Transportador contratual: celebra o contrato
● Transportador de facto: são normalmente sub transportadores

Incoterms

Instrumento de soft law - regras da câmara de comércio internacional - instrumento para normativo
essencial no transporte marítimo internacional de mercadorias - comércio internacional de
mercadorias.

Última versão - 2020


Referem-se a determinados termos com a sua identificação, tal como constam na compilação da CCI
- as partes optar por adotar a versão de 2010, por exemplo.
São importantes no comércio internacional nos contratos de compra e venda, transporte e de seguros
de compra e venda.
Exemplo: A (português) contrata um fornecedor japonês, por exemplo, sem o conhecer - celebra uma
compra e venda, disciplinando esse contrato pontos essenciais - a fixação do preço, identificação do
produto e, uma vez que estamos a falar de uma compra e venda internacional, a deslocação da
mercadoria entre o porto japonês e português.

89
As partes disciplinam pontos fundamentais do momento de entrega, transferência do risco, entrando
aqui os INCOTERMS, no que respeita ao contrato que incide sobre as mercadorias.

CIF e FOB - os mais importantes - disciplina-se a questão da transferência do risco, por exemplo

EXY - é um termo de acordo com o qual a entrega da mercadoria é feita na fábrica ou armazém do
vendedor - se a entrega e transferência do risco, o comprador tem de a ir buscar e corre o risco do
perecimento da mercadoria (risco - é ele que suporta, o que significa que é ele que tem de arcar com
as consequências, mesmo que fique sem a mercadoria para o preço).

Os INCOTERMS não disciplinam todos os pontos, mas os mais importantes - entegra e transferência
do risco - para o pagamento do preço, é frequente o recurso a outras regras da CCI, que são as regras
sobre o crédito documentário - o preço é feito por um banco que assume a obrigação de pagar o preço
assim que receba documentos que as partes fixaram no contrato - estas regras não estão disciplinadas
nos INCOTERMS e são importantes, por isso decorre do contrato, do recurso a outras regras, etc.
Pensando nos termos principais, CIF e FOB, a colocação da mercadoria a bordo do navio no porto de
embarque (entrega) - aqui o risco transfere-se para o comprador. Ser CIF ou FOB é importante, no
entanto, sobre o transporte e seguro - se for CIF, quem tem de tratar do transporte e seguro é o
vendedor, e o seguro tem de poder beneficiar o comprador. Se o termo for FOB, quem trata do
transporte é o comprador - quem trata do seguro? Não se obriga a celebrar o contrato de seguro, é só
um ónus do comprador - tem de celebrar um contrato de seguro porque se comprou a mercadoria tem
interesse em trazê-la para o seu porto.
Estamos a falar de um conjunto de situações contratuais com ligação entre si (união de contratos).
Pode-se acrescentar ainda o contrato de crédito documentário para agilizar o pagamento - vários
contratos com união entre eles - são contratos diferentes uns dos outros mas que têm uma união
(codependência entre os mesmos) - em função de uma determinada pretensão, temos de nos situar no
contrato de que se trate.

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