Você está na página 1de 8

Precursores da Sociologia

Os seres humanos são criaturas sociais, tendemos a viver e a trabalhar em grupos sociais.
Nossa inclinação a viver e trabalhar juntos nos levou a formar sociedades civis, que têm
sido moldadas pelo crescimento de nosso conhecimento e pela sofisticação de nossa
tecnologia. Por outro lado, os tipos de sociedade em que vivemos influenciam nosso
comportamento social. A Sociologia é uma disciplina moderna, apesar de filósofos da China
e da Grécia antigas reconhecerem a existência da sociedade civil, suas preocupações eram
mais sobre como a sociedade deveria ser organizada e governada em vez de um estudo da
própria sociedade.

O Renascimento (período aproximadamente entre meados do século XIV e o fim do século


XVI) rompeu com a cosmovisão medieval e iniciou transição para o novo mundo que
começava a surgir, centrado nas cidades, no comércio e na valorização do pensamento
científico, se desvencilhando pouco a pouco do teocentrismo e do controle religioso (mas
sem negar a existência de Deus). A Sociologia nasceu do resultado dessas profundas
mudanças na sociedade ocidental, principalmente, durante o Iluminismo (durante os séculos
XVII e XVIII). As certezas tradicionais baseadas nas crenças religiosas foram questionadas
pela filosofia do Iluminismo, que fez emergir uma demanda por um governo mais
representativo.

Aliados ao espírito do Iluminismo, os primeiros pensadores sociais buscavam fazer de seus


estudos sobre a sociedade algo objetivo, criando uma disciplina científica distinta da
filosofia. As ciências naturais já estavam bem estabelecidas, e o tempo era propício para o
estudo dos humanos e de seus comportamentos.

Por causa da natureza da Revolução Industrial e do capitalismo, a primeira das novas


“ciências sociais” a surgir foi a economia, tendo como pioneiro a publicação de A Riqueza
das Nações, de Adam Smith, em 1776. Mas foi com a abordagem científica de Auguste
Comte que a Sociologia se estabeleceu como uma disciplina à parte. Seguindo os passos
de Comte vieram três sociólogos inovadores, cujas abordagens distintas à análise e à
interpretação do comportamento social definiram a pauta da Sociologia no século XX e
além: Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber.

Revoluções e ordem social

Ao aplicar à análise da sociedade o princípio da razão, o Século das Luzes (Iluminismo)


marca um ponto de inflexão na história das ideias. Mas o ponto de vista sociológico só vai
consolidar-se realmente na confluência das mudanças decisivas que ocorrem no final do
século XVIII e no decorrer de todo o século XIX. A ciência, em primeiro lugar, impõe-se
como um novo modelo de conhecimento do mundo e dos seres humanos.

A Revolução Francesa confirma, assim, a ruptura com um regime baseado em ordens e


privilégios. Enaltecida pelos liberais, contestada pelos reacionários, essa revolução constitui
uma fonte de reflexão inesgotável para aqueles que se debruçam, como os primeiros
sociólogos, sobre o vínculo social.
O ponto de vista reacionário sobre a Revolução Francesa

Em completa oposição às Luzes, forja-se, depois da Revolução Francesa, um discurso


reacionário. As opiniões que convergem no intuito de denunciar a ruptura política de 1789
diagnosticam, sem exceção, um verdadeiro traumatismo. Este choque, cujo eco irá
repercutir consideravelmente na tradição sociológica, é o da diluição do vínculo social.

Liberalismo, individualismo e democracia

O liberalismo que se desenvolve na França, essencialmente entre 1818 e 1840, longe de se


confundir sua forma econômica , é uma doutrina globalizante que exalta os direitos do
homem como indivíduo. Para Benjamim Constant (1767 - 1830) , por exemplo, enquanto a
liberdade dos Antigos (a dos gregos) repousava sobre a participação coletiva nos assuntos
públicos, a liberdade dos Modernos é aquela que dá livre-curso aos polos de interesses
pessoais. A única missão do Estado, deduz Constant, deve ser garantir o usufruto dos
direitos individuais.

O positivismo de Auguste Comte

O parto desse novo mundo não é indolor: como inúmeros observadores de sua época, ele
diagnostica uma crise profunda da sociedade ocidental. A fim de remediar essa crise, ele
deseja consagrar-se a uma tarefa de reflexão e de reformador científico, e imitando Hobbes,
do qual toma de empréstimo a expressão “física social”, Comte se entrega a uma
empreitada fundadora para as ciências sociais: aquela que consiste em elevar a política ao
nível de ciência.

No intuito de resolver a crise social, com base não em “crenças teológicas”, mas no acervo
de conhecimentos da filosofia positiva. Esse positivismo é declinado em duas regras
elementares: observar os fatos sem emitir qualquer juízo de valor e enunciar leis. É nas leis
dos fenômenos que consiste realmente a ciência. “Saber para prever e prever para poder
agir” - eis a fórmula que melhor resume o espírito da filosofia positivista.

Auguste Comte, fundador do neologismo “sociologia”

Auguste Comte (1798 - 1857), foi assistente do banqueiro e político, Casimir Pèrier, e
depois do Conde de Saint-Simon, expoente do socialismo utópico, Comte leva, à margem
das instituições, uma vida de intelectual solitário. Cabe a Comte o mérito de ter criado o
termo “sociologia”, palavra que vai substituir a expressão “física social”. Comte inventa a
“sociologia” (do latim socius que significa “sócio, associado”, e do grego logía, no sentido de
“discurso científico”).

Aplicado à sociedade positivista, o esquema comtiano vem a ser o seguinte: os industriais e


os banqueiros, substituem a aristocracia; a ciência toma o lugar da religião cristã; e enfim, a
república faz as vezes da monarquia.

Comte está convicto de que, combinando ordem e progresso, o positivismo vai superar a
teologia e a revolução. Acha-se assim definida a missão da sociologia, disciplina que toma
de empréstimo o acervo de conhecimentos do método científico para se aplicar à
observação e ao enunciado de leis relativas aos fenômenos sociais. Comte compara o
objeto da sociologia - a sociedade - a um corpo onde os esforços são coordenados a fim de
realizar um único objetivo. O todo prevalece, portanto, sobra a parte. A sociedade vem
necessariamente em primeiro lugar; ela é o alfa e o ômega do social.

“A sociedade se compõe de famílias e não de indivíduos. (...) Uma sociedade não se pode
então decompor em indivíduos, do mesmo modo que uma superfície geométrica não se
decompõe em linhas tampouco uma linha em pontos”. (Sistema de política positiva ou
tratado de sociologia que institui a religião da humanidade, 1851-1853)

A lei dos três estados

O grande feito de Comte consiste em operar uma reconciliação entre duas tradições
diametralmente opostas: de um lado, os saudosistas da comunidade perdida e, de outro, os
adeptos da ideia de razão e de progresso. O estudo do progresso da mente e das
sociedades é precisamente o objeto da dinâmica social. Comte postulava que o
desenvolvimento da mente passa por três estados. Do mesmo modo que os estados da
sociedade limitam-se a refletir o estado das ideias, assim também a história dos seres
humanos é medida.

O primeiro estado é teológico ou fictício, no qual a mente “representa os fenômenos como


se fossem produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais”. O politeísmo e
o monoteísmo pontuam, desta maneira, a infância da humanidade em que o ponto
culminante é a Idade Média. Esta época, caracterizada por sua estabilidade, é dominada
por um sistema feudal e militar.

O segundo estado é o estado metafísico ou abstrato; na mente que atingiu este estado, “os
agentes sobrenaturais da sociedade teológica dão o lugar a forças abstratas”, tais como a
natureza. Aplicada à sociedade, esta fase de adolescência, transitória e desordenada,
corresponde a um estado militar.

Vem, afinal, o estado científico ou positivo. Chegando à maturidade, a mente descarta a


busca de qualquer causa última para considerar os fatos e “suas leis efetivas, isto é, suas
relações invariáveis de sucessões e de semelhanças”. No plano histórico, este estado está
em conformidade com a sociedade industrial. No seu seio, a ordem e o consenso podem,
de novo, impor-se.

A sociologia evolucionista de Herbert Spencer

Pioneiro da sociologia inglesa, Herbert Spencer (1820 - 1903) marca fortemente a análise
social do fim do século XIX. Esse engenheiro, que depois adere à filosofia e, por um
período, ao jornalismo, é um liberal hostil a toda forma de intervenção do Estado.

Para analisar o social, Spencer vai buscar inspiração em domínios que lhe são estranhos:
mecânica e fisiologia. Quando transpõe para o campo da história, Spencer infere a partir daí
que as sociedades evoluem do homogêneo para o heterogêneo, do simples para o
complexo. Assumindo uma posição totalmente comtiana, Spencer inscreve este movimento
de conjunto na lógica que conduz as sociedades do tipo “militar” para o tipo “industrial”. De
um lado, sociedades homogêneas com um forte grau de coerção, dirigidas por castas
militares e , do outro, sociedades fundadas sobre a divisão do trabalho, que respeitam a
liberdade individual e não recorrem à intervenção do Estado.

Émile Durkheim e a Escola Francesa de sociologia

No terreno concorrencial das nascentes ciências sociais francesas, Émile Durkheim e sua
escola acabarão ganhando primazia. Mas à semelhança das outras, a sociologia
durkheimiana não escapa à sua época. O conteúdo da obra de Émile Durkheim é
inseparável do quadro sócio-histórico que ele viu surgir: o de uma III República (1871 -
1940) que procura não apenas superar as suas incertezas políticas, mas também resolver a
“questão social” pela via pacífica e do direito. Como é comprovado por seus numerosos
estudos, é o problema da integração do indivíduo à sociedade que ganha então
definitivamente o lugar principal na ordem de suas preocupações.

O projeto sociológico

Nascido em uma família judia, filho de um rabino que pertencia a uma longa linhagem de
rabinos, Durkheim sofre a influência da doutrina judaica que ele recebe na infância. Embora
ele depois se afaste do caminho religioso, sua análise será sempre influenciada pelo
respeito à lei e pela importância atribuída à força da comunidade.

Émile Durkheim nasceu em 1858 em Épinal (Lorena). Educado segundo os cânones da


tradição judaica, estuda hebraico, frequenta a escola dos rabinos, mas a despeito de uma
longa tradição familiar nessa matéria, não abraça a vocação rabínica. Com seus estudos,
Durkheim lança as bases de uma reflexão sociológica global, alimentada por suas leituras
críticas de Comte, Spencer e Tönnies.

No ano de 1896, Durkheim fundara a revista Année Sociologique, cujo primeiro número é
publicado em 1898; ela congrega jovens colaboradores que irão constituir, sob a sua
direção, a École française de sociologie. De seus estudos conserva sempre as lições e o
rigor metodológico. Durkheim falece em novembro de 1917.

Ao objeto da sociologia

À semelhança de outros pensadores, Durkheim mostra um interesse particular pelo


socialismo, doutrina que ele não abraça pessoalmente, mas à qual há de consagrar um
curso. Para sanar os problemas sociais, Durkheim defende outra opção: aquela que
consiste em fundar uma moral científica. Assim, ele decide analisar a moral (conjunto de
regras definidas que determinam o comportamento de forma imperativa).

Pode-se então definir a sociologia como a ciência dos fatos sociais. Para Durkheim, os
fatos sociais são maneiras de agir, de pensar e de sentir, fixas ou não, que exercem sobre
o indivíduo uma coercitividade exterior. Há um verdadeiro sistema de regras menos visíveis
que guiam também as mais diversas de nossas práticas: maneiras de vestir-se, de
consumir, de pensar, de cometer suicídio.
O que é um fato social?

Eis, portanto, uma ordem de fatos que apresentam características muito especiais:
consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são
dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele. Por
conseguinte, eles não poderiam ser confundidos com fenômenos orgânicos por consistirem
em representações e ações; Esses fatos constituem, portanto, uma espécie nova e é a eles
que se deve dar e reservar a qualificação de sociais. Essa qualificação lhes convém, pois
está claro que, não tendo o indivíduo como substrato, eles não podem ter outro a não ser a
sociedade.

Eles constituem, portanto, o domínio próprio da sociologia. É verdade que a palavra


coerção, pelo qual o definimos, corre o risco de assustar os zelosos partidários do
individualismo absoluto. Mas como é hoje incontestável que a maioria de nossas ideias e
tendências não são fruto de nossa elaboração, mas nos vêm de fora, elas não podem
penetrar em nós a não ser que se imponham.

As regras do método sociológico

Circunscrever um objeto de estudo particular não basta para fundar uma ciência. É
necessário ainda que se tenha um método rigoroso de análise e de explicação. Para
respeitar os cânones da cientificidade, deve-se em primeiro lugar “tratar os fatos sociais
como coisas”, não significa que os fatos sociais sejam redutíveis a fatos naturais. Durkheim
quer simplesmente dizer que, assim como o físico e o biólogo observam “de fora” os seus
objetos de estudo, o sociólogo deve saber situar-se à distância dos fatos sociais que ele
analise.

É necessário, de fato, desconfiar dessas impressões e “afastar sistematicamente as


prenoções”. Em outras palavras, trata-se de nos desfazermos de nossos preconceitos, de
nos libertarmos das falsas evidências que nos são proporcionadas por nossa experiência
sensível. Deve-se, em suma, recusar considerar o social como transparente e
imediatamente inteligível. A fim de construir seu objeto de estudo, o sociólogo deve isolar e
definir com fina precisão a categoria de fatos que se propõe estudar.

Sociedade e consciência coletiva

Da mesma forma, é certamente verdade que a sociedade não compreende outras forças
atuantes senão as dos indivíduos; somente os indivíduos, unindo-se, formam um ser
psíquico de espécie nova que, por conseguinte, tem sua maneira própria de pensar e de
sentir. Quando consciências, em vez de ficarem isoladas umas das outras, agrupam-se e se
combinam, algo se modifica no mundo. Na sequência , é natural que essas mudanças
venham a produzir outras alterações, que essa novidade gere outras novidades, que surjam
fenômenos cujas propriedades características não se encontrem nos elementos de que são
compostos.
É “o conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma
mesma sociedade e que formam um sistema determinado (de similitudes) que tem sua vida
própria”, A consciência coletiva significa bem o que é social. Prova de que o todo não é
simplesmente a soma das partes, é que o grupo social pensa, sente, age de modo diferente
daquele que teria sido manifestado por seus membros isolados.

Divisão do trabalho e formas da solidariedade social

Em seu estudo Da divisão social do trabalho, a grande tese defendida por Durkheim é que a
divisão do trabalho tem, antes de mais nada, por função, produzir solidariedade social. Mas
isto significa igualmente contrapor-se às teses que reduzem a divisão do trabalho a uma
fonte de progresso econômico ou ainda àquelas que analisam essa divisão como um
simples meio para que os homens possam viver sem coerção da sociedade.

Para Durkheim, o progresso da indústria, das artes, das ciências, assim como os serviços
econômicos que a divisão do trabalho pode prestar, são poucas coisas quando comparados
com o efeito moral que esta última produz. A divisão do trabalho gera uma integração do
corpo social, permite atender às necessidades de ordem e harmonia. Ela é, de fato, um
fator primário de coesão e de solidariedade.

Durkheim vai deduzir duas formas históricas de solidariedade social. A primeira é


característica das sociedades de “solidariedade mecânica”, aquelas que continuam a ser
qualificadas de bom grado, naquela época, como “primitivas” ou, ainda, “inferiores”. No seu
seio, os indivíduos se acham unidos graças à sua semelhança e verifica-se uma perfeita
correspondência entre as duas consciências do ser humano: consciência individual e
consciência coletiva.

A segunda forma de vínculo social é característica das sociedades de “solidariedade


orgânica”, sociedades denominadas “industriais” ou “superiores”. Nestas, a solidariedade
que liga as duas consciências do ser humano resulta, não mais da semelhança, mas da
diferenciação. Dá-se, para dizê-lo em outras palavras, parcelização e complementaridade
dos papéis no seio do sistema social.

Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica

Há em cada uma de nossas consciências, como já disse, duas consciências: uma, que
temos em comum com todo o nosso grupo e que, por conseguinte, não é nós mesmos, mas
a sociedade que vive e age em nós; A solidariedade que deriva das semelhanças está em
seu maximum quando a consciência coletiva cobre exatamente a nossa consciência total.
As moléculas sociais que só seriam coerentes dessa maneira não poderiam, portanto,
mover-se em conjunto a não ser na medida em que não possuem movimentos próprios,
como fazem as moléculas dos corpos inorgânicos. E é por isso que propomos que se dê o
nome de mecânica a essa espécie de solidariedade. Esta palavra não significa que seja
produzida por meios mecânicos e artificiais.

Bem diferente é aquilo que se passa com a solidariedade produzida pela divisão do
trabalho. Enquanto a precedente implica que os indivíduos sejam semelhantes, esta supõe
que sejam diferentes uns dos outros. A primeira só é possível na medida em que a
personalidade individual é absorvida na personalidade coletiva; a segunda só é possível
quando cada um tem uma esfera de ação própria. É, portanto, necessário que a consciência
coletiva deixe descoberta uma parte da consciência individual.

Aqui, portanto, a individualidade do todo aumenta na mesma medida em que cresce a das
partes; a sociedade se torna cada vez mais capaz de mover-se como um conjunto, ao
mesmo tempo em que cada um dos seus elementos dispõe de um maior número de
movimentos próprios. Cada órgão, com efeito, tem aí a sua fisionomia especial, sua
autonomia e, no entanto, a unidade do organismo é tanto maior quanto mais acentuada for
essa individuação das partes. Em razão dessa analogia, propomos que a solidariedade
devida à divisão do trabalho seja denominada orgânica.

Da divisão do trabalho

Para Durkheim existe uma espécie de lei da gravidade do mundo social que leva a
solidariedade mecânica a se rarefazer em proveito de uma solidariedade orgânica sempre
crescente. O crescimento demográfico, a coexistência de indivíduos cada vez mais
numerosos em uma mesma superfície geográfica e a multiplicação das comunicações
sociais têm como consequência uma luta pela vida. Para sobreviver, os seres humanos
devem também criar uma nova forma de solidariedade pela multiplicação dos papéis a
desempenhar.

Inversamente, com a diminuição da importância da consciência coletiva, o Estado cresceu e


se impôs como uma instituição distinta. Como força única da centralização, ele cumpre uma
dupla função: absorve e racionaliza, em primeiro lugar, funções que, antigamente, eram
preenchidas por outras instâncias. O Estado se torna, em segundo lugar, um instrumento de
emancipação; graças ao seu desenvolvimento, os cidadãos podem escapar às obrigações
de fidelidade locais (a começar pela submissão à Igreja).

Quanto ao Estado propriamente dito, ele deve convocar progressivamente o indivíduo à


existência moral”. Tem o dever de promover uma moral cívica. Contra os liberais, Durkheim
pensa então que um Estado forte pode, e deve, colocar-se a serviço do indivíduo. Durkheim
substitui a luta de classes pelo projeto de uma integração do corpo social, baseada, antes
de tudo, no respeito à pessoa.

O suicídio como fato social

Durkheim começa refutando as explicações psicopatológicas e outras interpretações


baseadas sobre a ideia de determinação pela tendência hereditária, pela imitação e, ainda,
pelo clima. Durkheim estabelece correlações múltiplas. Mostra, assim, que a taxa de
suicídios está ligada aos ritmos sociais.

Para explicar seus resultados, Durkheim distingue três formas principais de suicídio:
egoísta. anômico e altruísta. Em uma nota de rodapé, ele chega até a introduzir uma quarta
forma, pouco importante a seu ver: o suicídio fatalista.
O suicídio altruísta, em primeiro lugar, é característico de indivíduos tão fortemente
inseridos com o seu grupo de pertença, que são incapazes de resistir a um golpe da sorte
que enfraquece o agrupamento com o qual eles se confundem.

Durkheim privilegia, então, logicamente, a análise das outras formas de suicidio,


características da época no sentido em que revelam o afrouxamento crescente dos vínculos
que ligam o indivíduo à sociedade. É o que se dá com o suicídio egoísta. Quando pensam
essencialmente em si mesmo e se acham pioneiros de desejos infinitos, os indivíduos não
podem recuperar o equilíbrio, a não ser que uma força exterior os leve à moderação.
Quando a integração social ao grupo se enfraquece, então homens e mulheres se mostram
mais inclinados a tirar-se a própria vida. O católico não busca os princípios inspiradores de
seu comportamento, como é o caso do protestante, na própria consciência, mas recebe
imposições de fora. Gozando de um quadro integrador, os católicos se suicidam, em
consequência, muito menos do que os protestantes.

A fim de caracterizar a última forma de suicídio, Durkheim utiliza o termo anomia. Em O


suicídio, Durkheim quer sobretudo frisar a existência de um desregramento social (a-nomos
= ausência de regras) que vai diretamente repercutir no volume de mortes voluntárias. A
anomia se explica pela decomposição dos costumes que deixam de enquadrar tão
restritamente a atividade social. Como as forças integradoras começam a faltar, os
indivíduos em competição uns com os outros já não conseguem limitar os seus desejos.
Pedem demais à existência ao ponto de experimentar desgosto e irritação diante dela.

Este mal-estar é característico das sociedades modernas que conheceram um excepcional


desenvolvimento das atividades econômicas. Implodindo as comunidades tradicionais, a
indústria e o comércio “fracamente impregnados de moralidade” depreciam, pensando
apenas no lucro do capital, numerosos valores e obrigações que não deixam de ser
indispensáveis à vida social. Durkheim não acredita na ficção da harmonia entre os
interesses egoístas professada pelos economistas liberais como possível remédio para a
crise social.

Integração religiosa

Se o protestantismo concede ao pensamento individual maior espaço que o catolicismo , é


pelo fato de ter menos crenças e práticas comuns. Inversamente , quanto mais espaço um
grupo confessional deixa ao julgamento dos particulares, tanto mais ele fica ausente de
suas vidas, e tanto menos coesão e vitalidade possui.

Deste modo, encontra-se explicada a situação do judaísmo. Com efeito, a reprovação com
que o cristianismo os perseguiu, durante muitos séculos, criou entre os judeus sentimentos
de solidariedade de particular energia. A necessidade de lutar contra uma animosidade
geral, obrigaram-os a se manter estritamente unidos entre si, cada comunidade tornou-se
uma pequena sociedade, compacta e coerente. Todo mundo pensava e vivia da mesma
maneira; as divergências individuais tornavam-se aí quase impossíveis por causa da
comunidade da existência e da estrita e incessante vigilância exercida por todos sobre cada
um.

Você também pode gostar