O autismo, também conhecido como Transtorno do Espectro Autista (TEA),
pode ser definido como uma síndrome comportamental que compromete o desenvolvimento motor e neuropsicológico, dificultando a cognição, a linguagem e a interação social do indivíduo. O filme/documentário “O Cérebro de Hugo” mostra que o psiquiatra americano Leo Kanner, em 1943, denominou esses indivíduos de autistas. Autismo, para Silva & Peranzoni (2012), é uma palavra de origem grega (autós), que, em tradução livre, pode significar “por si mesmo.” É um termo usado dentro da Psiquiatria para denominar comportamentos humanos que se centralizam em si mesmos, voltado para o próprio indivíduo. Um dos pontos mais importantes de se destacar do filme é o momento em que os pais contam sobre o sentimento de estarem perdidos, de sentirem que falharam como pais e por isso eles anseiam por um diagnóstico. A falta do diagnóstico parece incomodar num nível quase que insuportável e, da mesma forma, a confirmação parece deixá-los tão perdidos quanto antes. Talvez por falta de saber descrever inteligivelmente os sintomas da criança, o reconhecimento da sintomatologia demora a se tornar clara. Segundo Pinto (2016), os sinais possuem expressividade variável e geralmente iniciam-se antes dos três anos de idade. A criança com TEA apresenta uma tríade singular, que se caracteriza pela dificuldade e prejuízos qualitativos da comunicação verbal e não verbal, na interatividade social e na restrição do seu ciclo de atividades e interesses. Neste tipo de transtorno, podem também fazer parte da sintomatologia movimentos estereotipados e maneirismos, assim como padrão de inteligência variável e temperamento extremamente lábil. Em “O Cérebro de Hugo” é dito que os autistas gostam de se refugiar no campo de sua obsessão, o que os médicos denominam “campo específico”. Falar da música constitui uma fonte de prazer para Hugo. A música é um mundo onde tudo está em ordem, onde tudo é previsível, um mundo que Hugo conhece bem, ao contrário do “mundo real” que é sinônimo de caos e imprevistos. Essa antítese parece ressoar em uma das entrevistadas que ao falar da sua percepção do “mundo real” disse: “Nós somos como uns coelhinhos. Era o fim das férias e nós no meio da autoestrada. Os carros vêm e vão e nós ficamos apavorados. A gente via o mundo em volta, não éramos capazes de agir. E os faróis dos carros vinham em nossa direção...”
Todos os entrevistados relataram em algum nível sofrerem de extrema
ansiedade. Umas das mães conta que um dos maiores desafios de lidar com o filho com Asperger é que ele amplifica tudo; então se ele está feliz, é quase uma euforia, mas se está angustiado, vai ficar assim por dias. Porém, há muitos relatos de experiências positivas quanto às expectativas sintomatológicas. Muitos pais são ditos que seus filhos não vão falar — o que é verdade para, pelo menos, um terço dos casos, segundo o documentário —, que não vão aprender a ler nem escrever e que não vão conseguir ao menos andar de bicicleta. Niels, um dos entrevistados, conta que a ele foi dito o mesmo, mas mesmo assim, na época em que estava na alfabetização conseguiu realizar todas essas coisas ditas impossíveis. Essas experiências fazem lembrar do que foi dito em sala de aula, pela profissional Clara ao ser questionada por pais sobre o que ela achava sobre os filhos deles. Clara, muito assertiva, destaca que não importava o que ela achava pois o papel dela não era esse, mas de dar suporte e garantir que as potencialidades das crianças fossem desenvolvidas de forma integrada e inclusiva. Decerto que o documentário pode ser um pouco antigo, mas até hoje em dia não são todas as escolas que contam com uma equipe com um profissional de psicologia. É de se comemorar que no Ceará a legislação caminha para um maior reconhecimento da inclusão da categoria dos psicólogos no ambiente escolar. Niels e sua irmã contam no documentário que recebiam olhares estranhos dos colegas, mas que ele nem sempre percebia, era sua irmã quem o alertava para os olhares alheios. Outro entrevistado relata que a formação de um grupo se dá pela exclusão de uma ou várias pessoas e geralmente essa pessoa era ele. Uma escola preocupada em minimizar essas práticas de exclusão deve ter em sua equipe profissionais de psicologia preocupados em ser os agentes de mudança e em promover a reflexão e conscientização não apenas entre os alunos, mas dentro de toda a equipe que forma o corpo da escola. Um último momento que merece destaque no documentário é quando alguns entrevistados relataram sobre a dificuldade que têm em mentir. Um deles narra um episódio que teve com o psiquiatra. Depois de o paciente perguntar sobre o mal cheiro que estava no cômodo, o psiquiatra, ofendido, aumentou a dose de sua medicação. Esse relato serve de exemplo das práticas que tanto a Medicina como as outras pessoas neurotípicas têm em manter o autista num lugar de louco. Vale lembrar de um relato do documentário em que a caixa de super mercado, ao saber que o cliente era autista, começou a falar muito devagar e fazer gestos estereotipados indicando que os produtos estavam na sacola. Sabemos que autistas e pessoas com deficiência cognitiva não são loucos, mas por que nós, neurotípicos, insistimos em querer colocá-los nesse lugar? De que nos serve?
REFERÊNCIAS
PINTO, Rayssa Naftaly Muniz et al. Autismo infantil: impacto do diagnóstico e
repercussões nas relações familiares. Revista Gaúcha Enfermagem. Porto Alegre, v. 37, n. 3, 2016. SILVA, Daiana Guarda da; PERANZONI, Vaneza auduro. Autismo: um mundo a ser descoberto. Revista Digital, Buenos Aires, v. 17, n. 171, ago. 2012.