Fichamento do documentário: Quando sinto que já sei?
Nome: Rodolfo Felix
Logo no início do documentário, um dos entrevistados conta que ouviu, uma
vez, de uma diretora de escola a seguinte declaração: “As crianças são como uma página em branco onde devemos escrever um belo livro”. Ele discorda e ainda afirma que quem pensa dessa maneira não sabe nada sobre ensinar nem sobre criança. A declaração dessa diretora vem de uma linha de pensamento muito antiga, o empirismo britânico. John Locke, seu representante, argumentava que a consciência é desprovida de qualquer conhecimento inato, tal qual uma folha em branco – como foi dito pela diretora. Porém, Locke vai além. Para ele, todo o processo do conhecer, do saber e do agir é aprendido através da experiência. Ele diz que é somente através da experiência que nós acessamos as ideias que habitam em nossos pensamentos. Apesar de ele defender que o conhecimento tem um início externo, fora do indivíduo, ele afirma que todo conhecimento é fundado na experiência e ela que nos fornece as ideias que constituem tudo aquilo que podemos saber sobre o mundo. Essa “experiência” parece se traduzir para “relação” quando assistimos ao documentário e vemos os diferentes modelos de escola que se tem desenvolvido no Brasil. Não foi apenas um, mas vários profissionais da educação enfatizaram o papel da relação, dos vínculos, dos contratos que são feitos entre eles e os estudantes na formação desses novos tipos de escola. E para falar sobre isso, parece relevante trazer contribuições de outra disciplina que estou estudando esse semestre, a de Epistemologia e História das Teorias Psicossociais. Para Descartes, a ideia do “social” não existia e o ser humano era entendido como um “indivíduo isolado”. Assim, o social passou a ser a soma de indivíduos isolados – tal qual a proposta do modelo de ensino industrial. Moscovici, autor francês do século passado, discordava desse raciocínio. Para ele, o social é entendido como uma relação, algo que não pode ser entendido sem outros. É o “entre” de todos esses processos. Tal concepção entra em concordância com o que os entrevistados do documentário disseram. Há uma quebra de vários paradigmas quando, simplesmente, não há um professor na frente da sala e os estudantes estão enfileirados, centrados apenas na figura que estão na frente deles. Independente do modelo seguido por cada escola, parece que o objetivo é o mesmo: formar seres humanos comprometidos com a cidadania. Um relato que merece destaque é quando uma educadora conta que uma das ideias de integração das crianças com a comunidade foi a de levar mães que sabia realizar algum artesanato, o fuxico, para a escola. Apesar de não ficar claro se era uma situação hipotética ou real, ela conta que essa aproximação poderia aproximar essa mãe do filho, que podia sentir vergonha da mãe não ter um trabalho “normal”, assalariado, e fazê-lo passar a enxergar a mãe com outros olhos. Outras escolas assumem essas oficinas como complementos curriculares, em que não apenas o fuxico é aprendido, mas também a costura, a marcenaria, a culinária, a jardinagem. Por isso é tão importante reconhecermos educadores como Paulo Freire, que foi alvo de críticas por parte do atual Presidente da República. Paulo Freire acreditava que era ensinar era como despertar o aluno para ler o mundo, seu próprio mundo. Para ele, as grandes transformações partem desse princípio. A alfabetização era um modo de os desfavorecidos romperem o silêncio em que são colocados, podendo ser, então, os protagonistas da própria história. Uma professora conta, no documentário, que após a escola tomar a decisão de mudar sua configuração para uma em que dava mais autonomia aos estudantes, uma aluna chegou para ela e disse: “Professora, ainda bem que você tirou a grade porque a gente não é louco nem bandido.” Essa grade separava a área de lazer, da hora do recreio, de outras salas. O espanto da professora releva que, apesar de pequenas, as crianças conseguem distinguir a hora de estudar e a hora de brincar e que elas não precisam, o tempo todo, de alguém as repreendendo, seja com uma palavra, um olhar ou uma grade. Talvez esse tenha sido o feedback mais rápido que eles receberam ao aderir à nova metodologia. Isso revela que o desafio principal da escola não é disciplinar no sentido de conter, refrear, mas disciplinar no sentido de instruir, cultivar, aprender; seja o conteúdo programático ou as práticas de cidadania; a tal educação “que deveria vir de casa”. Uma vez que a escola desvia de seu objetivo repreender os alunos, ela passa a enxergar pontos em que a metodologia utilizada parece não fazer sentido para todos que ali frequentam. Um professor entrevistado conta que um aluno repetia a 1ª série quatro vezes porque não conseguia realizar as quatro operações básicas da matemática. Para o professor, não era questão de não saber pois conhecia o aluno e sabia que ele era ótimo no jogo da dama. Então, para incluir essa disciplina num mundo em que o aluno já conhecia, o professor montou um jogo de damas em que para poder “comer” as outras peças, seria necessário realizar uma daquelas operações básicas. Como resultado, o aluno conseguiu realizar todas as operações e passou de ano. Ou seja, fica evidente que não é todo método que vai servir para todas as pessoas. Os educadores (reunindo aqui todos os profissionais que compõem o corpo escolar) devem estar atentos para, além de trazer novas metodologias, trazer novidades para as crianças, estimulando a curiosidade e promovendo as trocas de conhecimentos nas relações aluno-professor e aluno-aluno. Trago aqui a experiência que tive com um modelo de ensino diferente do regular brasileiro. Em 2013, tive a oportunidade, através do Governo do Estado, de realizar um intercâmbio na Austrália. Na época, estava cursando o 3º ano do ensino médio e lá eu estudaria as disciplinas correspondentes. Ao chegar, me surpreendi, pois eu poderia escolher quais disciplinas eu iria estudar, além de cada disciplina ter uma metodologia própria. Nas aulas de Physical Education, tínhamos aulas teóricas e práticas, como futebol, artes marciais, num dia só. Nas de Outdoor Education, tínhamos aulas teóricas na escola e no fim de semana, através de acampamentos, as práticas, como surfe, snorkel, escalada. Nas de Life Science, nós estudávamos com o suporte dos professores a apresentávamos espécies de seminários, em que nós apresentávamos os conteúdos da disciplina e outros alunos tiravam dúvidas conosco sobre aquele determinado assunto. Além dessas, tínhamos acesso a outras disciplinas “regulares” como matemática, inglês etc e as nossas preferidas como dança, fotografia, teatro. A minha host mother (mãe-anfitriã em tradução livre) era professora dessa escola e sua filha, que também estudou lá, é formada em teatro por essa escola e já apareceu em diversos filmes conhecidos. Isso mostra que, sim, é possível um modelo de educação diferente do tradicional industrial e que uma vez que a escola está aberta a disciplinar para instruir, iluminar, e não para repreender, ela se torna um berço de cidadãos protagonistas.