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INSTITUTO DE PSICOLOGIA

RELATÓRIO DE RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA

Relatório final da Residência Pedagógica


ETEC Guaracy Silveira

Alunos: André Shinya Imai nº USP 11848326


Camila dos Santos Paulo nº USP 6840669
Luan Ricardo Pereira de Souza nºUSP 12692986
Luana Santos nº USP 11220413
Mariana Rocha Teramoto nº USP 10735840

Orientadora: Profa. Dra. Mirella Gualtieri

São Paulo
2024
1. Introdução
Em maio de 2023 foi disponibilizada a realização de uma Residência Pedagógica para
os alunos do Instituto de Psicologia, orientado e organizado pela professora doutora Mirella
Gualtieri. Em uma primeira etapa, os alunos interessados entraram em contato com a
professora e se inscreveram no portal do SCBA (Sistema de Controle de Bolsas Auxílios) do
CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Posteriormente,
em uma reunião do dia 07 de agosto de 2023, os inscritos se reuniram com a professora
Mirella, que explicou a organização da Residência Pedagógica: cada grupo de cinco alunos
deveria escolher uma das escolas disponíveis para realizar a residência, sendo que cada grupo
seria acompanhado por um preceptor responsável. O grupo deste trabalho, composto por
André Imai, Camila Paulo, Luan Ricardo, Luana Santos e Mariana Rocha, escolheu a ETEC
(Escola Técnica Estadual) Guaracy Silveira, localizada na rua Ferreira Araújo, número 527,
no bairro Pinheiros de São Paulo. O preceptor responsável foi o psicólogo e professor Welson
Dorta, de modo que o grupo acompanhou suas aulas lecionadas para a turma de
Eletroeletrônica, durante às quartas-feiras, no horário de 21h às 22h30, no período de 23 de
agosto até 29 de novembro de 2023. Também, durante o período, foram realizadas
supervisões semanais intercaladas entre a professora Mirella (em que se reuniam pessoas dos
diferentes grupos), bem como reuniões do preceptor com o seu próprio grupo, ambas via
videoconferência. As reuniões com a professora Mirella ocorreram nas terças-feiras, às 19h30
e com o preceptor Welson nas segundas-feiras, às 20h. Assim, seguiu-se com essa
organização até o final da Residência Pedagógica na ETEC Guaracy.

2. Objetivo
O objetivo geral da referida Residência Pedagógica é oferecer um espaço de reflexão
e de prática na promoção da inclusão (partindo do reconhecimento das diferenças), com
enfoque na formação de professores de psicologia, contribuindo para a atuação profissional
em aulas e eventos extra-aulas.
Sobre os objetivos específicos, tem-se firmado (i) o estudo dos temas propostos pela
professora Mirella, bem como o preparo para as discussões, que foram mais interativas; (ii) a
participação na supervisão com o preceptor e com a professora; (iii) a visita de observação e
interação na escola durante o período estabelecido pelo cronograma e, por fim, (iv) a escrita
de um relatório semestral.
3. Descrições e reflexões acerca da Residência Pedagógica

3.1 - Relato da Residência Pedagógica - André


3.1.1 - Reflexão sobre o texto “Profissionalização docente e identidade - a
invenção de si” (Maria Helena Abrahão): as pessoas que compõem a minha história
Eu não era um aluno muito estudioso. Não era o aluno exemplar que sentava a bunda
na cadeira e estudava por conta própria em casa. Deixava muitas lições de casa por fazer, às
vezes até mesmo perdia nota por conta disso. Tive uma criação muito rígida e que exigia
muito de mim por parte dos meus pais. As raízes japonesas em minha família vinham
carregadas de muita cobrança pela perfeição. Creio que essa educação também me levou a
um caminho de não gostar muito de estudos no geral.
No entanto, embora não fosse o melhor em fazer a lição de casa, eu ia
consideravelmente bem nas provas e avaliações, e isso eu atribuo ao fato de que meu triunfo
no ambiente escolar era na transmissão oral de conhecimento. Nas aulas, eu participava e
prestava muita atenção no conteúdo transmitido. Contudo, essa aptidão possui uma
fragilidade: dependia da habilidade do professor que estava transmitindo em cativar seus
alunos.
Dessa forma, os professores em minha jornada de escolarização foram muito
importantes. Foram figuras que passaram a ser fruto da minha admiração, por serem canais
de acesso ao conhecimento do mundo. Essa visão se consolidou no cursinho, quando eu
realmente desenvolvi uma paixão pelo conhecimento de forma geral. Assim, a escola para
mim tem uma visão muito peculiar: as pessoas que a compõem.

3.1.2 - Relato da Residência


Ao iniciarmos o projeto junto ao professor Welson na ETEC Guaracy, a proposta
inicial era que assistíssemos a suas aulas e, de acordo com a ementa e o desenvolvimento de
seu plano de aulas, poderíamos pensar em atuações junto a ele, no lugar de docentes, para que
pudéssemos ter a experiência docente. Esta possibilidade, ao meu ver, já baliza muito de
como seria nossa experiência de estágio. A visão a partir da docência muda radicalmente da
visão a partir da discência – principalmente quando há uma preocupação real de se transmitir
algum conteúdo para os estudantes.
A disciplina era de “Ética e Cidadania Organizacional” para uma sala de estudantes
do curso de Eletroeletrônica, uma sala com poucos alunos (tínhamos, em média, sete
estudantes a cada aula), todos homens cis. Em um primeiro instante, foi possível perceber
como os alunos e o professor já tinham uma relação estabelecida. Não havíamos
acompanhado a turma desde o começo do semestre, mas isso não nos impediu que
pudéssemos nos inserir naquela sala de aula – embora estivéssemos em 5 pessoas, número
próximo ao de alunos.
Na primeira aula em que estivemos presentes, o prof. Welson abordou a temática da
“Ética”. Esta aula foi ambivalente para mim e muito intensa, apesar de ser a primeira. No
início, o prof. Welson começou a falar sobre o surgimento da Ética enquanto disciplina,
remetendo à Grécia – o que gostei e apreciei bastante. No entanto, em seguida, já prosseguiu
para uma concepção de ética muito voltada para o ambiente de trabalho, e fechada em si
mesmo, sem relativizações.
Claro que estou simplificando o raciocínio que ele fez em aula, mas acho pertinente
trazer desta forma, pois foi aí que surgiu a ambivalência: entendido que aquele era o lugar de
docência dele e que ele estava transmitindo conhecimento da forma que achava pertinente,
me surgia internamente uma comoção de como eu transmitiria o conteúdo de forma
radicalmente diferente. Neste ponto, eu já estava com as ideias fervilhando, pensando em
dinâmicas, autores que poderia mobilizar, questionamentos que poderia trazer para os
estudantes, etc.
Creio que esta é uma questão que a mim foi muito importante na residência
pedagógica: entender como os diferentes docentes possuem diferentes estilos e conteúdos que
prezam e acham importante trazer em sala de aula. Na minha concepção, o trabalho em sala
de aula também é um trabalho político. Quais temas você irá mobilizar, como irá mobilizar e
como proporcionará a reflexão daqueles que estão se propondo a escutar-lhe.
As outras aulas, pessoalmente, foram atravessadas por esse olhar e esse
questionamento, onde constantemente pude refletir sobre qual era o meu estilo e identidade
enquanto docente. Foi na aula em que demos que esse questionamento tomou forma.
Pudemos fazer uma dinâmica de debate em relação a uma notícia que levamos sobre
as operações policiais no Guarujá. A aula foi dinâmica, os estudantes tiveram que seguir
regras de um debate estruturado – o que, na minha opinião, também é um exercício de
cidadania e respeito ao outro –, opinaram em relação ao assunto, necessitando construir
criticamente o espaço e, claro, refletir sobre ética.
Desta forma, a experiência da residência pedagógica foi muito importante para mim
para pensar em perspectivas para a docência em minha vida e enquanto possibilidade de
carreira. Eu diria, no fim desta experiência, que a docência é não apenas um ofício, mas uma
arte, onde o transmitir é o canal de expressão dessa arte. Que nasçam sempre novos artistas.
3.2 - Relato da Residência Pedagógica - Camila
3.2.1 - Reflexão sobre o texto “Profissionalização docente e identidade - a
invenção de si” (Maria Helena Abrahão): a escrita autobiográfica como uma
compreensão da identidade docente
A escola é um lugar de muitas facetas para mim que ganham novos contornos com o
passar dos anos. No ápice do meu desespero enquanto docente já me perguntei inúmeras
vezes como fui parar ali. Nesses momentos, eu entro numa máquina do tempo e me recordo
que foi a escola que salvou. Apesar de todas as suas contradições e todos os sofrimentos que
ela também me causou, foi ali que eu entendi desde cedo que eu poderia ser outra coisa,
furar uma bolha do meio familiar, do determinismo social, romper com a lógica de
reprodução de desgraças a que minha família estava presa sabe-se lá desde quando. Por
mais clichê que seja, a escola me permitiu sonhar.
Longe de mim querer dizer, com isso, que aquele espaço com carteiras enfileiradas é
um paraíso. A escola pode ser o inferno. Muitas vezes, sem perceber, é ali onde se reproduz a
barbárie. Foi ali que entendi rápido que era preta e pobre. No entanto, de um jeito que não
sei explicar, todas essas possibilidades coexistem e a escola se abre como um simulacro para
o mundo, com todas as suas contradições, suas belezas e suas desumanidades. E isso me deu
gosto de viver porque me trouxe realismo. Talvez por isso, sem perceber, nunca quis sair
dela, só fui alterando os papéis. Quis, dentro dela, fazer parte daqueles que descortinam o
mundo para os pequenos sem iludi-los do tamanho do desafio que os espera, mas que, ao
mesmo tempo, acredita na potência deles de transformação nem que seja da própria história.
Esse foi o modo que encontrei de estar sempre em contato com o real, com aquilo que ainda
não sei sobre o outro, sobre o mundo e até sobre mim. Nem sempre esse encontro se dá de
forma harmoniosa. Às vezes ele me choca. Mas uma coisa é inegável: sempre me põe em
movimento.

3.2.2 - Relato da Residência - Camila


As atividades da Residência Pedagógica – realizadas a partir da inserção nas aulas do
professor Welson, durante as noites de quarta-feira, no curso noturno de eletrônica –, tinham
como tema central de observação, análise e prática a temática da diversidade estabelecida em
diálogo com os demais grupos sob a supervisão do professora Mirella.
Ao adentrar o ambiente educacional da ETEC Guaracy Silveira já tive um
estranhamento daquele espaço. Isso porque ele era distante e familiar, ao mesmo tempo:
familiar, porque era a arquitetura típica das escolas do estado que eu estudei ao longo de toda
a minha educação básica, com alunos que, assim como eu, em sua maioria, são pardos e
negros, e que vem cansados para um curso noturno. Eu, ali, me sentia muito mais conectada a
eles do que a instituição a qual eu representava. Apesar disso, eu estava ali a partir de outro
lugar, com outros interesses. Assim, essa divisão ficou escancarada na organização da sala
desde o primeiro dia. Quando nós, os residentes, sentávamos em um lado da sala, todos os
alunos sentavam em outro. Tentávamos trocar de lado na expectativa que um grupo
heterogêneo se formasse, mas, de certo modo, essa divisão persistiu até o final.
O grupo de alunos era composto por homens, de modo que somente havia três
mulheres considerando as residentes. Isso parece estar dentro de uma “tradição” do curso de
eletrônica que, assim como outras áreas voltadas à tecnologia tem – por um incentivo da
cultura patriarcal –, uma adesão maior por homens do que por mulheres.
Dessa forma, múltiplos eram os fatores que compunham um certo “perfil” da turma
como pouco participativa (com exceção de alguns alunos) e envolvida no debate proposto
pelo professor Welson durante as aulas de Ética, Moral e Cidadania. Dentre eles, o fato de
serem alunos trabalhadores – que muitas vezes vinham cansados e tinham pressa para serem
liberados da aula, até por questões de mobilidade urbana –; de estarem com algumas
frustrações em relação ao ensino da eletrônica, ao ponto de afirmarem que não entendiam
porque tinham que entender os conteúdos da aula de ética e cidadania se ainda não sabiam
eletrônica. Além disso, deve-se considerar também que o engajamento dos alunos pode ter
relação com as escolhas didáticas do docente, já que a participação variava frente às
diferentes estratégias pedagógicas.
Durante as reuniões com o professor Welson ele buscava discutir com o grupo de
residentes algumas dinâmicas da aula, conflitos emergiram, relevância de determinados
conteúdos na formação profissional dos estudantes, sempre atribuindo bastante liberdade de
participação e colocação dos resistentes. Já durante as aulas, a postura do docente era mais
contida em relação a nossa participação, de modo a dar mais voz aos alunos e de, talvez, não
provocar inibição dos alunos com a nossa “fala excessiva”. No entanto, acredito que essa
mediação entre residentes e alunos poderia ter se dado de uma forma mais horizontal se nós
não tivéssemos sido colocados nessa posição de “sabermos mais”.
Nesse sentido, o professor Welson propôs a nós a elaboração de uma atividade com
alunos que envolvesse os conceitos de ética, direitos e cidadania. Assim, sob orientação, o
grupo planejou uma dinâmica que consistia em levar textos com visões opostas a respeito da
“Operação Policial Escudo", ocorrida em meados de 2023 no Guarujá/SP. Na dinâmica, foi
feita a leitura coletiva dos textos e, posteriormente, os alunos foram posicionados, mediante
sorteio, em grupos que defendiam pontos divergentes. O objetivo era promover uma atividade
de debate, participativa, que mobilizasse a alteridade e a escuta. Ao final, os alunos
mostraram grande engajamento na proposta, flexibilidade de posicionamento, capacidade de
consideração da fala do outro, além de maior interação dos estudantes com os residentes.
A experiência da residência pedagógica na Etec Guaracy Silveira possibilitou a
compreensão do papel do psicólogo no ensino. No caso específico do curso de eletrônica, os
debates relacionados ao conteúdo da ementa de “Ética e Cidadania” se mostram ser frutíferos
no desenvolvimento de competências críticas e reflexivas por parte dos alunos e do
desenvolvimento da capacidade de debate. Além disso, refletindo sobre o próprio curso e
expectativas em relação às suas trajetórias individuais e profissionais, tornando a sala de aula
um espaço importante de elaboração.
Ademais, as atividades de supervisão com a professora Mirella foram muito
importantes como espaço de troca e de elaboração das experiências dentro das escolas tanto
individual como coletiva. Foram nesses momentos que situações de difícil deciframento
apareciam e propostas de intervenção eram pensadas. Assim, a diversidade de situações e de
relatos que apareciam na supervisão mostram quão desafiador é o ambiente escolar para o
psicólogo.

3.3 - Relato da Residência Pedagógica - Luan


3.3.1 - Reflexão sobre o texto “Profissionalização docente e identidade - a
invenção de si” (Maria Helena Abrahão)
As histórias da vida cotidiana sempre me encantaram. De alguma forma, sempre
estamos falando sobre ela, sentindo sobre ela, vivendo-a. A escola, por ser um dos lugares de
passagem comum de grande parte da humanidade, resguarda em si uma poética atemporal
de construção da realidade cotidiana de muitas pessoas. Dentre seus prós e contras, é
sempre um lugar que permite potência - é ali que começam as primeiras identificações fora
do seio familiar, as manifestações mais espontâneas e o contato com a realidade abstrata,
pensada e transferida a partir da figura do professor. Ensinar e aprender. Lembro que, em
certa conversa que tive com uma psicóloga, cheguei à conclusão de que a escola acolheu o
meu ser mais íntimo - talvez, por isso, eu escolhi ficar tanto tempo com meus colegas de
classe, tanto tempo estudando. Ser aluno me permitiu conhecer, sonhar e questionar acerca
da realidade que me cercava. Do outro lado, na experiência do ensino (em que fui professor
de matemática no Cursinho da Psicologia), tive contato com o meu melhor e com o meu pior
dessa posição. Em algumas aulas, me sentia nervoso e com uma alta carga de
responsabilidade que atrofiava o meu senso de espontaneidade (para mim, essencial na
transferência de conhecimentos); em outras, era como se eu estivesse apropriando e
brincando junto com os colegas, em que, passo a passo, concluímos o assunto do aula.
Assim, eu terminava algumas aulas exausto; já outras, renovado. Creio que é uma
ambivalência que pode acompanhar a vida de muitos professores - mas sem dúvidas, a
escola é sempre um lugar de potencialidade.

3.3.2 - Relato da Residência


No primeiro encontro, o professor Welson Dorta forneceu a ementa da disciplina
obrigatória para o curso técnico e noturno de Eletroeletrônica do curso, que abordaria temas
como “Ética”, “Moral” e “Cidadania”. Nas primeiras visitas, em que o grupo ficou
predominante observando a aula, percebeu-se questões marcantes acerca da vida do trabalho
e da classe social, visto que a maior parte dos alunos do curso são homens mais velhos,
trabalhadores, alguns também são pais de família. Entendeu-se que a realidade dos alunos era
indissociada ao “entrar na sala de aula”, pois o conhecimento construído em “Ética e
Cidadania”, em conjunto com o professor Welson, fazia-se principalmente através da
discussão de casos cotidianos e de opiniões pessoais dos alunos acerca da moral, da ética, do
trabalho, da política e dos direitos humanos. Com o passar das aulas e das supervisões, o
professor Welson trouxe uma queixa, também observada pelo grupo, acerca do excesso de
opinião pessoal dos estudantes que inevitavelmente colocava em detrimento um olhar mais
crítico e abrangente da realidade. Essa queixa também foi reforçada por algumas discussões
acaloradas em sala de aula acerca do posicionamento político divergente entre os alunos.
Assim, com o auxílio das supervisões semanais, o grupo propôs uma intervenção em
sala de aula visando trabalhar a perspectiva dos alunos acerca dos temas propostos na
disciplina, de forma que tais opiniões fossem menos particularizadas e dicotômicas. Nesse
sentido, o grupo se articulou em uma reunião para pensar “o que” e “como” poderia ser
realizada tal intervenção. Surgiu a ideia de realizar uma dinâmica em espécie de debate
eleitoral, com dois grupos opostos que deveriam defender diferentes versões de um mesmo
fato, de modo que os residentes prepararam e levaram duas publicações antagônicas (de
jornais diferentes) acerca da “Chacina no Guarujá”; o tempo de fala de cada grupo também
foi cronometrado para trabalhar o limite de fala. Outro aspecto interessante foi que os alunos
tiveram a liberdade de escolher o lado que queriam defender; porém, de forma descontraída,
os residentes trocaram as pessoas de seus grupos escolhidos para os grupos opostos, de
maneira que os alunos precisaram defender perspectivas opostas às de sua primeira escolha.
Implicitamente, entendeu-se que precisava ocorrer uma espécie de trabalho mental
dos estudantes, de modo que a opinião “bruta” não fosse necessária. Privilegiou-se o
momento de fala de todos os alunos, e não uma exposição exaustiva do tema, sem deixar de
lado a escuta ativa, afinal, eles precisavam argumentar e defender suas perspectivas na
dinâmica, e, portanto, precisavam ouvir os posicionamentos contrários antes de formular e
opinar sobre os seus próprios. O clima descontraído e em forma de uma espécie de jogo
facilitou a interação de todos os participantes, que puderam se apropriar do tema com
desenvoltura. Percebeu-se que alguns alunos, geralmente quietos nas aulas anteriores,
mostraram ter um grande potencial elucidador para os temas da disciplina. Também, ao final,
os alunos e os residentes agradeceram uns aos outros de maneira amigável e leve, algo que
até então não havia ocorrido no decorrer do curso. Cabe observar que após o evento, as
relações entre os residentes e os alunos não se estreitaram; os alunos continuaram se sentando
perto uns dos outros, geralmente no canto esquerdo da sala, enquanto o grupo de residentes
sentavam-se, também juntos, no canto direito. Porém, a separação da sala parecia não ser
mais um problema como nos primeiros dias quando quase não ocorria contato entre os dois
grupos; tem-se que a dinâmica, dentre outras consequências, foi um passo importante no
processo da relação confortável entre os participantes da aula e que deveria ser mais
reforçada por aqueles que criam e pensam formas de didática.

3.4 - Relato da Residência Pedagógica - Luana


3.4.1 - Reflexão sobre o texto “Profissionalização docente e identidade - a
invenção de si” (Maria Helena Abrahão)

3.4.2 - Relato da Residência


A experiência da Residência Pedagógica na Etec Guaracy tem grande importância na
minha formação na licenciatura, justamente por ser uma possibilidade de ver na prática o que
debatemos em aulas e discutimos com nossos colegas no curso. Entrar no ambiente escolar
não mais como discente, mas em outra posição e com objetivos outros ainda é para mim uma
situação de estranhamento, e é a segunda vez que me acontece na minha graduação. A
primeira foi em um estágio para a disciplina de PEPI (Psicologia Escolar e Práticas
Institucionais), no qual acompanhei uma turma de crianças da educação infantil por um
semestre. É visível a diferença da minha experiência em comparação com a vivida na
residência neste semestre. Começando pelos perfis de turma completamente diferentes (dado
que uma delas eram 30 crianças entre 4 e 5 anos e a outra eram 9 homens adultos de idades
variadas), e também o próprio objetivo da escola nos dois casos diferem de maneira muito
significativa, fazendo com que, nesse sentido, ocupar um papel mais próximo ao de docente
nos dois casos tiveram impactos diferentes na minha experiência no programa de licenciatura.
Na ETEC, acompanhamos mais de perto a realidade de uma turma com evasão
extremamente significativa, fazendo com que uma turma que deveria ter 40 pessoas contasse
com apenas 9 alunos frequentando o curso com certa consistência, uma turma com pouco
engajamento e interações e com críticas em relação ao curso, ao formato e às aulas. Foi
interessante ver a forma como o professor Welson lidava com essas situações que com
certeza influenciavam sua vida como docente, e a forma como ele encara o processo
educacional. Muitas das aulas tinham um teor expositivo, mesmo com tentativas do professor
de engajar os alunos através de perguntas e instigá-lo com questões, e quando eram bem
sucedidas, havia uma grande exposição de opiniões pessoais e cristalizadas, o que por vezes
gerava certos atritos entre os próprios estudantes. Ademais, não havia uma participação muito
significativa no geral.
Como proposta de intervenção em sala de aula, nosso grupo propôs um debate no qual
dividimos a sala em dois grupos que deveriam defender pontos de vista diferentes em relação
à “Chacina do Guarujá” a partir de duas reportagens com abordagens distintas do
acontecimento. Nós pedimos que escolhessem um lado para defender e depois
propositalmente trocamos, para que eles tivessem que pensar a partir de uma perspectiva
diferente da própria e construir argumentos a partir dai. A atividade gerou resultados
positivos e muito interessantes, ao passo que mesmo os alunos mais resistentes à ideia no
início se envolveram ao longo da aula e os que normalmente são mais retraídos se soltaram
também. Isso mostrou como esses alunos podem sim se engajar nas discussões em sala frente
a diferentes atividades, o que pode ser uma oportunidade a ser aproveitada pelos decentes.
A partir disso, fiquei pensando em como as aulas poderiam ser aproveitadas de jeitos
melhores, de maneiras a dialogar mais com a realidade dos alunos e seus interesses, bem
como no próprio curso de eletroeletrônica, para que se tornasse algo mais atrativo a seus
olhos ou que ao menos fizesse mais sentido para eles. Senti também algumas vezes que as
aulas não pareciam ter um trajeto claro ou um objetivo a vista, o que interfere no modo como
a aula é conduzida e apresentada, bem como é recebida pelos discentes. Esses são aspectos
que me fizeram refletir, principalmente mais para o fim do período e que sinto que me
acompanharão ao longo do meu percurso na graduação em licenciatura.

3.5 - Relato da Residência Pedagógica - Mariana


3.5.1 - Reflexão sobre o texto “Profissionalização docente e identidade - a
invenção de si” (Maria Helena Abrahão)
Desde muito cedo, foi instaurado em mim um senso da importância da educação e,
consequentemente, da escola. Afinal, foi esse espaço que permitiu a ascensão social de meus
pais e tios, de famílias migrantes e imigrantes. Senti, também, a responsabilidade de
aproveitar as oportunidades que minha educação privada oferecia, jà que era a primeira da
família a ter acesso a esse ambiente.
A escola se tornou um espaço muito especial - nele, pude experimentar, falhar em um
ambiente protegido e sentir que havia conquistado triunfos e êxitos propriamente meus.
Também foi um espaço por vezes violento, que me fez negar parte da minha identidade racial
por anos, já que residia ali a fonte da minha diferença para com meus pares que motivava
provocações. Acredito que parte da relevância da escola esteja também nisso, em ser um
microcosmos do mundo real, incluindo suas partes menos agradáveis.
Por muito tempo considerei a ideia de uma carreira na educação - meu primeiro
emprego, inclusive, foi como professora de inglês. Sempre me senti muito atraída pela
possibilidade de troca com o outro, e a docência permite enxergar os impactos e
potencialidades dessas trocas mais do que qualquer outra profissão.

3.5.2 - Relato da Residência


A primeira reunião com o professor responsável pela disciplina, Welson, ocorreu em
23 de agosto. Nesse primeiro momento, o docente nos apresentou a ementa da disciplina de
Ética e Cidadania Organizacional, enviada pelo Centro Paula Souza. Nela, estavam descritas
as competências, habilidades e bases tecnológicas que deveriam ser desenvolvidas pelo
professor ao longo do semestre.
Também nesse primeiro contato, o professor Welson nos alertou sobre o
esvaziamento do curso técnico de Eletroeletrônica, que iríamos acompanhar. Segundo ele, há
alguns anos o curso não cumpria os requisitos mínimos exigidos pelo Centro Paula Souza,
como porcentagem de alunos formados em relação aos alunos matriculados, e corria o risco
de ser encerrado.
A disciplina de Ética era ministrada todas as quartas-feiras, das 21h às 22h30.
Realizei o acompanhamento nos dias 30/08, 06/09, 20/09, 27/09, 11/10, 18/10, 25/10, 22/11 e
29/11. Ademais, realizamos supervisões quinzenalmente com o professor da disciplina. A
turma era composta por 10 alunos, mas raramente estavam todos presentes. Todos eram
homens, de idades bastante variadas. A maioria já estava inserida no mercado de trabalho,
frequentando a ETEC após o expediente.
Durante as primeiras semanas, o professor focou em apresentar o conteúdo de forma
bastante rígida e expositiva, utilizando-se da lousa ou de apoio visual via PowerPoint. Foram
introduzidos os conceitos de ética e moral, sua etimologia e aplicação na constituição
brasileira. Os alunos interagiram muito pouco, raramente respondendo questionamentos do
professor, e frequentemente pediam para sair mais cedo da aula por questões diversas ("o
último ônibus está prestes a passar", "trabalho cedo amanhã").
Foi apenas na terceira aula que pudemos observar um engajamento maior dos alunos.
O professor preparou uma atividade na qual os alunos deveriam comentar, em grupos, sobre
certos casos de julgamentos nos Estados Unidos envolvendo liberdade de expressão,
refletindo se as sentenças haviam sido justas. Dentro deste modelo de atividade, os alunos
pareceram mais à vontade para expressar suas opiniões.
No entanto, na aula da semana seguinte, pareceu não haver nenhuma atividade
preparada. O professor buscou comentar sobre a atividade passada, mas os alunos iniciaram
discussões paralelas, sem conexão com o assunto da aula, e o professor falhou em intervir e
redirecionar o foco de volta ao tópico proposto.
Na semana seguinte, o professor solicitou que planejássemos uma aula para ministrar
aos alunos. Na discussão para formular a aula, eu e os demais alunos da licenciatura que
acompanhamos essa disciplina decidimos por um modelo de atividade bastante organizado,
de forma a prevenir que os alunos se dispersassem, mas que também fomentasse a discussão
entre eles, tendo em vista que isso pareceu engajar os alunos em aulas passadas.
Notamos, ao longo das aulas, que os alunos demonstravam maior engajamento e foco
em aulas bem estruturadas. No entanto, apesar de compartilhar essas impressões com o
professor, as demais aulas do semestre pareceram não ter um tema pré-definido ou
atividade-foco. Na maioria das vezes, um tema de discussão era proposto, mas a conversa era
sempre direcionada para tópicos paralelos e havia uma falha em comunicar como esses temas
se relacionavam com o tópico da disciplina.
Antes do fechamento da disciplina, sugerimos ao professor que utilizasse uma aula
para fazer uma sessão de feedback com os alunos, para que eles compartilhassem sugestões e
impressões sobre as aulas ministradas pelo professor Welson e por nós, porém essa sugestão
não foi acatada.
Acredito que a experiência de acompanhar as aulas na ETEC foi bastante proveitosa.
Neste semestre, ficou claro para mim como a produção do fracasso escolar envolve inúmeros
fatores externos ao aluno, e como é importante levar em consideração o contexto no qual eles
estão inseridos. O baixo engajamento dos alunos da disciplina de Ética pareceu
extremamente atrelado ao horário da disciplina e à rotina de trabalho dos alunos.

4. Conclusões
A residência pedagógica foi uma rica experiência para a formação educacional dos
residentes e proporcionou contato direto com a realidade do ensino voltado para a psicologia
nas escolas. Por outro lado, foi possível perceber que o campo pedagógico da psicologia no
curso técnico estadual apresenta diversos problemas, inclusive referentes ao fracasso escolar.
Em primeiro lugar, mesmo que a escola tenha uma estrutura adequada para receber os alunos,
a realidade cotidiana de vários deles são impeditivos de um bom aproveitamento da
disciplina, que ocorre no último horário noturno de aula. Também há uma falta de coesão
elementar da disciplina, pois diversos assuntos foram tratados abruptamente, com excesso de
conversas paralelas e em certo ponto, distanciadas da formação do curso. Entende-se que, de
uma forma crítica e coerente, a disciplina deveria fornecer elementos básicos acerca da
formação humana e ética cidadã, relacionando com o trabalho e o cotidiano dos estudantes.
Em parte, isto ocorreu graças a virtude do professor Welson em trazer exemplos práticos,
incentivando a participação dos alunos, por outro lado, a disciplina pareceu vagar com
discussões paralelas sem objetivo claro e com pouca explanação de conteúdos que poderiam
fornecer uma bagagem mais crítica na atuação cotidiana e cidadã dos alunos.

Referências bibliográficas
ABRAHÃO, M. H. M. B. Profissionalização docente e identidade – a invenção de si.
Educação, 2007, 30(4). Recuperado de
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/3556

CORTELLA, M. S. A diversidade: aprendendo a ser humano Ed. 3DEA; 1ª edição (12 junho
2020).

MARTINEZ, A. P. D. ; RODRIGUES, L. A. D. . Cenários Linguísticos e práticas de


letramento em contextos multilíngues. In: Karina Soledad Maldonado Molina. (Org.). A
tessitura formativa e reflexiva - O PIBID na Universidade de São Paulo (2018-2020).
1ed.PIracicaba: Esalq-USP, 2022, v. 1.

Anexos

ANEXO I - COMPONENTE CURRICULAR

III.6 ÉTICA E CIDADANIA ORGANIZACIONAL


Função: Execução de procedimentos éticos no ambiente de trabalho
Classificação: Execução

Atribuições e Responsabilidades:

Atuar de acordo com princípios éticos nas relações do trabalho

Valores

Incentivar comportamentos éticos.


Comprometer-se com a igualdade de direitos.
Promover ações que considerem o respeito às normas estabelecidas.

Competências Habilidades

1. Interpretar as ações comportamentais


orientadas para a realização do bem
comum.
2. Analisar as ações comportamentais
no contexto das relações trabalhistas
e de consumo
3. Contextualizar a aplicação das ações
éticas aos campos do direito
constitucional e legislação
ambiental.
ANEXO II - PLANO DE AULA MINISTRADA PELOS ALUNOS DA RESIDÊNCIA

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