Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
POEB
POEB
POEB
Relatório de estágio
A democracia precisa ser vista, portanto, como um procedimento que pertence não
somente a esfera política, mas que é capaz de conduzir a convivência civil. Importante
ressaltar, aqui, as diferenças entre uma escola democrática e um regime democrático. Como
afirma Aquino (2004), quando se trata da organização de instituições políticas, a democracia
baseia-se em princípios diferentes daqueles que constituem instituições sociais democráticas.
Isso porque, em instituições políticas, os procedimentos democráticos são tomados pelos
conceitos de maioria e de representatividade, que estão associados à premissa da igualdade
dos cidadãos. Vence a vontade da maioria simples. Enquanto isso, em instituições sociais
democráticas, segundo o autor, a equidade deve assumir o lugar da igualdade direta, dada a
diferença inevitável dos lugares sociais dos quais partem seus protagonistas. Ou seja, são
lugares assimétricos que não devem ser nivelados, como ocorre no plano político. Propõe-se
que, aplicado ao plano social, o projeto democrático leve em consideração a maioria absoluta,
ao invés da maioria simples que configura a democracia no plano político. Dessa forma,
Aquino (2004) defende que a democratização dos espaços sociais não seja pautada pelo
nivelamento dos diferentes lugares dos quais partem seus protagonistas. É preciso deixar de
suprimir a diversidade que constitui determinada comunidade para promover o
compartilhamento dessa mesma diversidade, com o intuito de gerar o respeito necessário para
construir uma vida coletiva democrática.
Considerando os aspectos levantados até então, é possível analisar a EMEF Des.
Amorim Lima a partir dos cinco âmbitos da democratização escolar definidos por Sacristán
(1999): formal, curricular, organizativo, intra-institucional e interinstitucional. Explorarei,
sobretudo, os dois primeiros âmbitos, sobre os quais tenho algumas críticas devido à
experiência de estágio. Quanto aos outros três, não presenciei nenhuma contradição
substancial e, por isso, apenas reforçarei o que significam através de exemplos do que pude
presenciar.
Sobre o âmbito organizativo, que diz respeito à concepção de uma gestão coletiva,
pautada na equidade e na participação de todos os envolvidos no processo educativo, destaco
a Assembleia Estudantil como exemplo de um dos mecanismos democráticos efetivos na
Amorim Lima. O âmbito intra-institucional corresponde às relações interpessoais entre os
pares escolares que, em uma escola democrática, seriam justas e respeitosas. Tomo como
exemplo a Carta de Princípios de Convivência, concebida pelos próprios estudantes para
fortalecer a prática desses princípios. Quanto ao âmbito interinstitucional, reitero a forte
participação das famílias e da comunidade em geral no processo de democratização da EMEF.
Segundo Sacristán (1999), o âmbito curricular, em uma escola democrática, deve ser
composto de atividades contextualizadas e críticas quanto à realidade. Os Roteiros Temáticos
de Pesquisa, embora amplamente defendidos dentro e fora da comunidade da Amorim Lima
como sendo uma prática inovadora, apresentam uma configuração discutível. Alguns docentes
têm reclamações acerca das apostilas entregues aos alunos, afirmando que “os roteiros são
muito tarefistas”. De fato, muitos temas presentes nos roteiros possuem, com frequência,
tarefas que se apoiam diretamente no livro didático, ao ponto de existirem atividades como
“leia da página x à página y”. A escola, no entanto, não esconde esse fato. Na verdade, o
Projeto Político-Pedagógico é bem claro ao dizer que os roteiros são apoiados nos livros
didáticos e paradidáticos, reconhecendo o Programa Nacional do Livro Didático como uma
importante base prática e conceitual. A EMEF argumenta que as perguntas que o estudante
deve responder nos roteiros exigem que ele pesquise em vários livros ao mesmo tempo,
acessando diversas disciplinas simultaneamente e num contexto predominantemente grupal.
Ao que parece, a reconfiguração do livro didático seria suficiente para compor o
currículo de uma escola democrática. Devo pontuar que a Amorim Lima conta com outras
atividades em seu cotidiano que ultrapassam os roteiros e, além disso, nem todos os roteiros
são “tarefistas”. Entretanto, os estudantes passam a maior parte da semana lidando com essas
atividades de pesquisa. Não creio que a forma particular e não sequencial com que recorrem
ao livro didático, em uma “transversalidade temática”, seja suficiente para contemplar o
projeto democrático da escola. É, afinal, uma maneira diferente de aplicar um mesmo
conteúdo. Mesmo que não integralmente, a escola acaba compactuando com a
homogeneização curricular, caracterizada pelas crescentes tentativas de se instituir um
currículo comum para todo o território nacional. De acordo com alguns alunos, os roteiros são
atualizados anualmente e são suscetíveis a adaptações e mudanças, sendo possível, inclusive,
a criação de novos roteiros. Acredito, então, que seja possível considerar alterações na
concepção das atividades de pesquisa, com o caráter contextual e crítico que se espera do
currículo de uma escola democrática.
Quando um aluno acaba de preencher determinado roteiro, ele deve apresentar ao seu
professor tutor o que a escola chama de portfólio. A Amorim Lima não aplica provas, o que é
coerente com seu projeto. Os portfólios, então, são utilizados como a principal maneira de
avaliar os alunos, que devem registrar tudo que aprenderam com determinado roteiro. Dessa
forma, o progresso do estudante é avaliado pela qualidade de seus portfólios e por sua
participação na escola. A utilização de portfólios tem como intuito fomentar a autoavaliação,
espera-se que o aluno tome consciência de sua aprendizagem, que ele possa reconhecer suas
capacidades e dificuldades. Apesar de não aplicar nenhuma avaliação tradicional interna, a
escola ainda precisa responder às avaliações educacionais externas, como as sondagens
bimestrais da Secretária Municipal de Educação (SME):
Referências bibliográficas
CANÁRIO, Rui. “Uma inovação apesar das reformas”. In: TRINDADE, R.; MATOS, F.;
CANÁRIO, Rui. (Org.). Escola da ponte: defender a escola pública. Porto: Profedições, 2004.
p. 31-41.
CÁSSIO, Fernando. “Existe vida fora da BNCC?” In: CÁSSIO, F.; CATELLI, R. (Orgs.).
Educação é a Base? São Paulo, Ação Educativa, 2019, p. 13-39.