Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Acórdão Nº 1818795
EMENTA
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta por GISELE ALVES GUEDES, ora autora/apelante, em face de r.
sentença proferida pelo Juízo da Vara Cível de Planaltina que, em ação indenizatória proposta em
desfavor de GENERAL MOTORS DO BRASIL LTDA, ora ré/apelada, julgou improcedentes os
pedidos deduzidos na petição inicial.
“(...) GISELE ALVES GUEDES ajuizou ação de indenização contra GENERAL MOTORS DO BRASIL
LTDA.
A autora relata que no dia 20/10/2017 o veículo de sua propriedade, Chevrolet Sonic LTZ HB AT
2013/2014 chassi 3G1J86CD0ES506600, abalroou o caminhão Volkswagen 13.190 CRM 4X2/2012,
de propriedade de CALE Eletricidade Construções e Serviços LTDA, empresa que realizava serviços
terceirizados à CEB. Alega, em síntese, que o evento ocorreu por falha no acionamento dos airbags, e
frisa que sua decisão pela compra do veículo deu-se pelos equipamentos de segurança prometidos.
Destaca ter ocorrido fato do produto, nos termos do CDC, que é aplicável ao caso. Assevera ainda
não ter havido prescrição, nos moldes do art. 27 do CDC, pois somente tomou ciência do problema no
sistema de airbags a partir do recebimento de notificação de recall, postada em 13/12/2021 e, na
oportunidade, lembrou-se que nenhum dos airbags foi acionado no momento da colisão. Argumenta
que o caso compõe um conjunto de omissões da ré para com os consumidores, que reiteradamente são
expostos a risco de morte, dadas as questões de segurança de seus veículos. Alega que o evento
noticiado não constitui fato isolado tendo em vista a quantidade de recalls praticados e, nesse sentido,
a indenização fixada deve servir como consequência ao fato do produto. Relata que, em razão do
evento, seu noivo, Fernando Mendonça Vieira de Brito, faleceu e, diante disso, relata ter sofrido
traumas psicológicos, que envolvem também os danos físicos experimentados. Alega que, no momento
do fato, era cantora e estava em ascensão de carreira e que que auferia renda mensal de R$ 5.407,00.
Todavia, em face dos danos físicos experimentados e das dores, não pode mais exercer seu ofício,
sofrendo de incapacidade quotidiana e laborativa. Narra ter sofrido danos estéticos e morais. Além
disso, não tem condições financeiras para sustentar os seis filhos, dependendo da ajuda de amigos e
familiares.
Requer gratuidade de Justiça; a concessão de tutela de urgência para determinar à ré que pague
pensão mensal em seu favor, no valor de R$ 9.515,35, com 13º salário, gratificação de férias e FGTS a
ser corrigido segundo o IGPM; no mérito, pede a confirmação da liminar para condenar a ré
definitivamente ao pagamento de pensão mensal vitalícia de R$ 9.515,35, acrescidos de 13º salário,
gratificação de férias e FGTS durante o período de sobrevida, corrigido segundo IGPM, e também ao
pagamento de pensões vencidas e demais encargos desde a data do evento danoso até a data do
ajuizamento da ação, bem como as demais parcelas vincendas no curso da ação; ao pagamento de
reparação pelos danos materiais emergentes no valor de R$ 1.542,00; ao pagamento de indenização
por danos morais no valor de R$ 450.000,00 e ao pagamento de indenização por danos estéticos no
valor de R$ 450.000,00; e a custear todos os tratamento médicos da requerente que se fizerem
necessários para reparar o dano estético decorrente do evento danoso. Solicita, por fim, a formação
de capital garantidor a fim de possibilitar o pagamento das pensões conforme a Súmula 313 do STJ.
instruiu com documentos.
Contestação no ID 123401087. A ré inicia alegando não haver provas de que o procedimento de recall
tem qualquer relação com o acidente sofrido pelos ocupantes do veículo ou com os danos
experimentados. Ressalta que tal comprovação somente poderia ocorrer por perícia de engenharia
mecânica no veículo. Alega, em síntese, que o problema que ocasionou a campanha de recall a que se
refere a autora decorre de um defeito apresentado quando o airbag é acionado, com a possibilidade
de um fragmento de metal romper-se e atingir o motorista. Todavia, no caso concreto os airbags não
foram acionados. Sustenta não ter responsabilidade, pois não há defeito no veículo, motivo por que
não contribuiu para a ocorrência do evento danoso. Formula impugnação ao pedido de Justiça
gratuita. No mérito, repisa não haver nexo de causalidade entre a campanha de recall do veículo e o
acidente. Destaca que na fabricação do veículo foram realizados todos os testes e estudos, com
aprovação do CONTRAN e do DENATRAN. Argumenta que, nos termos do art. 12 do CDC, somente
pode ser considerado defeito aquele que decorrer diretamente do projeto, fabricação ou montagem do
produto e que seja anterior à introdução do bem no mercado. Discorre sobre as hipóteses em que os
airbags são acionados. Alega que a autora não comprovou a regular e adequada manutenção do
veículo. Alega culpa exclusiva da vítima, alegando que a perícia deverá apurar se os ocupantes do
veículo utilizavam cinto de segurança e se haviam consumido bebidas alcóolicas. Alega serem
incabíveis os pedidos de indenização formulados pela autora. Requer a improcedência dos pedidos.
Réplica no ID 126943594, em que a autora destaca ofensa ao direito de informação, pois não
encontrou no manual informações suficientes sobre o funcionamento do sistema de airbags. Destaca
ainda que a própria ré assumiu que o airbag não funcionou porque não foi projetado para funcionar
em tal situação. Ressalta ter havido um erro de projeto, pois o equipamento de segurança não foi
capaz de oferecer segurança em situação para o qual foi projetado. Reitera os termos da petição
inicial.
“(...) Gizadas estas considerações e desnecessárias outras tantas, julgo IMPROCEDENTE o pedido.
Declaro resolvido o mérito, com fundamento no artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil.
A autora arcará com as custas e honorários, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos
moldes do art. 85, §2º, do CPC.
A cobrança das despesas processuais fica condicionada ao disposto no artigo 98, §3º, do CPC. (...) ”
Irresignada, a autora interpôs apelação cível (ID 51553004), objetivando, primeiramente, a anulação da
sentença, por suposta falta de fundamentação (violação aos os preceitos do artigo 93, IX, da
Constituição Federal e do artigo 489 do CPC/2015). Como pedido subsidiário, requereu a reforma da
sentença para julgar procedentes todos os pedidos formulados na petição inicial.
Dispensado o recolhimento de preparo em razão da autora se encontrar sob o pálio da justiça gratuita.
Contrarrazões foram oferecidas pela ré, pugnando pelo desprovimento do recurso (ID 51553007).
É o relatório.
VOTOS
A Senhora Desembargadora ANA MARIA FERREIRA DA SILVA - Relatora
Acerca dos elementos essenciais da sentença, assim dispõe o § 1º, do artigo 489, do Código de
Processo Civil:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação
com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência
no caso;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a
conclusão adotada pelo julgador;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem
demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.”
O texto normativo citado considera não fundamentada a decisão que não enfrenta todos os argumentos
deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.
Entretanto, a decisão contrária aos interesses da parte apelante não se confunde com a ausência de
fundamentação do ato decisório recorrido.
No caso em tela, o juízo de origem expôs de forma clara e inequívoca os motivos do seu
convencimento, afirmando expressamente que não se poderia imputar à requerida a responsabilidade
pelo dano sofrido no acidente automobilístico, o que já é suficiente para afastar o apontado vício.
Sobre o tema da fundamentação das decisões judiciais, destaco o seguinte julgado da 3ª Turma Cível
do Eg. Tribunal de Justiça:
“(...) 1. A fundamentação contrária aos interesses das partes não se confunde com a ausência de
motivação do ato decisório recorrido, não havendo que se falar em nulidade da sentença por ofensa
aos arts. 93, IX, da CF e 489 do CPC. (...).” (Acórdão 1241009, 07196566320198070001, Relator:
ROBERTO FREITAS, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 25/3/2020, publicado no DJE: 4/5/2020.
Pág.: Sem Página Cadastrada.)
2. DO MÉRITO RECURSAL
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo, que é recebido no duplo efeito, nos
termos do art. 1.012, caput, do CPC.
Em suas razões recursais, alega que houve falha no acionamento dos airbags em veículo fabricado
pela Ré quando da ocorrência de acidente grave, a justificar a indenização requerida.
Sustenta a condenação da ré/apelada, com base no nexo causal entre o “confessado” defeito de
fabricação do airbag (submetido a recall) e o dano sofrido pela autora/apelante em acidente
automobilístico.
Em defesa de sua tese, impugna o laudo pericial no qual se baseou a sentença, afirmando estar
equivocada a conclusão do perito, sobretudo por ter realizado perícia indireta, com as fotos do veículo
e demais documentos que instruem o processo.
Requer, a reforma da sentença para que a ré seja condenada ao pagamento de danos materiais e
morais.
Sabe-se que o magistrado não está adstrito às conclusões declaradas pela perícia técnica, visto que é
livre para formar seu convencimento mediante apreciação do conjunto de elementos e fatos
apresentados nos autos.
Todavia, no caso em tela, nota-se o insucesso da autora/apelante na apresentação de razões para
infirmar a qualidade do laudo pericial e, muito menos, as conclusões ali declaradas.
A perícia realizada por engenheiro mecânico nomeado pelo Juízo apresentou conclusões claras e
objetivas a respeito do objeto em análise, sendo categórica quanto à ausência das condições técnicas
necessárias à deflagração dos airbags, quando da análise da dinâmica do acidente e dos estragos
provocados no veículo periciado.
Destaca-se que, embora o veículo tenha sido objeto de recall, o defeito que implicou a convocação
dos consumidores não se referia a problemas ligados ao acionamento do dispositivo de segurança, mas
sim ao rompimento inadequado do deflagrador do airbag, dada a suspeita de que a explosão
exagerada poderia machucar o passageiro, não havendo, assim, nexo causal entre a convocação do
recall e o acidente narrado nos autos.
E, malgrado as alegações da recorrente, a questão foi bem explicitada pelo perito na complementação
do laudo pericial, conforme se verifica do ID 145152386, pág. 25.
“(...) É importante ressaltar que a ausência de acionamento dos airbags no momento da colisão não
guarda nenhuma pertinência com o recall convocado pela ré, pois o problema que ensejou o recall
decorre de possível falha quando do acionamento dos airbags. No caso concreto, não houve
acionamento dos airbags, fato repetido inúmeras vezes nos autos.
Ao manifestar-se sobre o laudo pericial, a autora questiona a falha no dever de informação por parte
da ré, alegando que o manual de instruções do veículo não continha informações sobre o acionamento
dos airbagsfrontais no caso de colisão lateral.
Destaco que o perito judicial foi incisivo em suas conclusões no sentido de que não havia defeito no
sistema de airbags do veículo da autora e de que caso houvessem sido acionados os airbags frontais
estes teriam sido de pouca ou de nenhuma eficácia frente as condições do acidente.
Assim, conforme tudo o que consta dos autos, impõe-se reconhecer que não há o nexo de causalidade
entre a falta de acionamento dos airbagsdo veículo da autora e os danos por ela experimentados, pois
a colisão deu-se na lateral direita do veículo.
Com efeito, os argumentos genéricos alegados pela autora/apelante em sua peça recursal não são
capazes de infirmar as conclusões do laudo pericial e, consequentemente, os fundamentos da r.
sentença.
Note-se que o perito não se furtou aos questionamentos feitos pela autora, respondendo com
objetividade e precisão todas as questões levantadas, restando claro que o objeto da perícia foi
satisfeito a contento, tomando como norte o preenchimento ou não das condições mínimas para a
deflagração dos airbags, não sendo necessário aferir sobre o funcionamento dos sensores.
E, com isso em mente, foi esclarecido que o impacto oriundo do acidente não foi bastante para que o
dispositivo de airbag fosse acionado, uma vez que não ocorreu a desaceleração nem choque frontal
severo, paradigmas necessários para o acionamento do sistema em referência.
A bem da verdade, o que se extrai das razões recursais é o mero inconformismo da autora/apelante
com o resultado da perícia, não havendo, contudo, qualquer substrato fático, técnico ou jurídico que
desabone o trabalho realizado, cuja conclusão, convém salientar, não é fruto de avaliação
discricionária do profissional encarregado, ou de simples "achismo", mas decorrente de observação
técnica pormenorizada e estudo das informações colacionadas no processo.
Desse modo, em que pese a argumentação em sentido contrário, considerando todo o conjunto
probatório dos autos, notadamente a perícia técnica realizada, é de se constatar a inexistência de
defeito no sistema de airbag do veículo objeto da lide, já que a deflagração do dispositivo de
segurança demanda, conforme as informações colhidas dos autos, impacto frontal severo, dentro de
determinado ângulo de colisão, acima de determinada velocidade e contra barreiras fixas e
indeformáveis, circunstâncias não verificadas no caso em tela.
Logo, deve incidir, na espécie, a excludente de responsabilidade prevista no art. 12, §3º, II, do CDC,
que afasta o dever de indenizar em virtude do rompimento do nexo de causal que se exige entre o
dano alegado e a conduta do fornecedor, não havendo margem, assim, para acolher o pedido
dereparação por danos materiais e morais.
A propósito, cito precedente deste e. TJDFT na mesma vertente, quando da análise de caso
semelhante:
DISPOSITIVO
Ante todo o exposto, conheço do presente recurso e, no mérito, nego-lhe provimento, mantendo
incólume a r. sentença.
Majoro os honorários de advogado para 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos
termos do art. 85, §11, do CPC, cuja exigibilidade prosseguirá suspensa ante a concessão de
gratuidade de justiça, nos termos do artigo 98, §3º, do CPC.
É como voto.