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19/02/1998.
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Revisão: Ana Christie
Capa: Ds Design
Diagramação digital: DS Design
Adornos: Freepik.com
1ª EDIÇÃO
Sumário:
Magia do Natal
Feliz Natal, papai!
Amor em alto-mar – Festa de Natal
Após a guerra
Agradecimento
Editora Angel
Magia do Natal
(Autora Deby Incour)

É meu primeiro Natal em um reino, e longe da minha família. Não me


arrependo da escolha que fiz, mas me arrependo por não ser mais corajosa e lutar por
aquilo que eu quero e acredito. Há um ano minha vida mudou, e eu estou contente por
essa mudança. Sempre gostei de aventuras, arriscar-me, tentar novas coisas e nunca
me importei com isso, mas agora que escolhi esse “mundo”, eu não sou mais assim,
minhas escolhas não são mais “minhas”.
Ao olhar dos demais, estou feliz, e estou. Amo meu marido e não quero
perdê-lo nunca, mas o quanto terei que perder para não perder aqueles que amo? São
escolhas as quais nunca imaginei, mas também nunca imaginei viajar para
“Landypring”, um país da Europa, e me apaixonar por um príncipe, e logo depois me
casar com ele.
Deixei minha vida em “Mortilin” para viver outra vida da qual tenho orgulho,
mas, para isso, deixei meus pais, e exatamente há um ano não os vejo.
— Ei, estão nos esperando, meu amor. — Olhamo-nos pelo espelho que
encaro.
— Perdão, me distraí um pouco. — Levanto-me e ajeito meu vestido.
Ele tranca a porta e caminha até mim.
— O que houve? Não parece feliz.
Sorrio.
— Estou feliz. Apenas me preparando para ser receptiva a todos que nos
esperam.
Ele sorri.
— A cada dia mais está mudando. Agora fala como uma verdadeira princesa.
— Antes eu não parecia uma? — pergunto sorrindo.
— Parecia, só que estava mais para uma... — ele acaricia meu rosto —
princesa rebelde.
— Obrigada por sua sinceridade somente agora, alteza.
Rimos. Uma batida à porta nos interrompe.
— Entre — digo.
A porta se abre, revelando Melissa, minha dama de companhia.
— Com licença. A rainha pediu para que os avisasse que ela os espera para
dar início ao baile.
— Obrigada, Melissa, já estamos indo ― falo.
Ela sorri e se retira.
Olho para meu marido, que franze o cenho sorrindo.
— Conseguiu convencê-la a não fazer mais reverência a nós dois quando não
estivermos em frente a visitas? — pergunta ele surpreso.
— Tenho meus truques.
— Nossa, estou impressionado. Tento fazer Leonard parar de me chamar de
Alteza desde os meus 10 anos e nunca consegui. Poderia falar com ele?
Rio.
— Irei pensar. — Dou uma piscadela. — Agora vamos, pois não quero ver a
fúria de sua mãe.
— Nem eu. — Ele ri. — Meu pai chega hoje, e terei um pouco mais de tempo
com você.
— Que ótimo, mas tenho certeza que sua mãe arranjará muitos afazeres para
mim.
— Não tenho dúvidas, mas “tenho meus truques”.
— Seu plagiador!
Ele ri e me dá um beijo na bochecha.
— Vamos, minha princesa.
— Claro, meu príncipe.

***

Adentramos o salão de festas junto a sua mãe, rainha Elizandra lll.


Posicionamo-nos à entrada do mesmo. Leonard fica ao nosso lado. Elizandra me olha
e dá o seu sorriso diplomático, e retribuo com um igual.
— Por favor, abram as portas — diz Frederico, meu marido.
As portas duplas são abertas.
Leonard olha para o papel em suas mãos.
— Poderia ter decorado, seria muito mais interessante, assim não tem graça,
porque você não erra e não terei como me divertir — cochicho rindo ao seu ouvido.
— Princesa! — ele diz e logo em seguida limpa a garganta. Sorrio.
Olho para a porta e vejo uma fila de pessoas para entrar.
— O duque Leonel Amorel Lince, de Landypring, e sua esposa, a duquesa
Luiza Canavari Lince...
Cumprimentamos a todos os que estavam naquela infinita lista.
Tento ser o mais educada possível, pois já estou cansada do “sorriso
diplomático” e das reverências.
Só percebo que a lista terminou quando Leonard me cutuca disfarçadamente e
diz “pode descansar o sorriso, princesa”.
A rainha dá início ao baile de Natal.
Músicas começam a tocar, e as pessoas vão dançar com seus pares. A
primeira dança é destinada ao meu marido e sua mãe. Agradeço mentalmente, porque
assim a atenção de todos não estará em mim e nas minhas trapalhadas.
A música para, e Leonard anuncia a chegada do rei. Todos aplaudem e fazem
reverência a ele. A rainha vai rapidamente ao seu encontro, a saudade e o grande
amor é evidente nos olhos de ambos.
— Me concede esta dança, princesa Lindiana? — Frederico diz sorrindo.
— Claro, príncipe, mas não tenho certeza se seus pés sairão vivos.
Ele ri alto, atraindo a atenção de alguns curiosos.
Leonard para ao seu lado.
— Alteza, telefone no escritório de seu pai, é o primeiro-ministro.
— Obrigado, estou indo. — Leonard se afasta.
— Me desculpa, meu amor, mas eu tenho que ir.
— Tudo bem, irei ficar aqui e ver como posso me divertir.
Ele sorri e se afasta.
Não queria demonstrar minha tristeza e acho que consegui. É Natal, e nem
assim essas pessoas dão folga ao meu marido!
Elizandra e George, o rei, param a minha frente.
— O que faz sozinha aqui? Vá caminhar e se enturmar com todos — diz
Elizandra.
— Querida, por favor! É o primeiro baile dela como princesa, deve ser muito
complicado.
— Tudo bem, não se preocupe, senhor. O Natal não tem como ser mais
perfeito junto à pessoa que mais me detesta no mundo, e tenho certeza que todos
perceberam pelos olhares que me lança. — Afasto-me, indo em direção a algumas
pessoas que já conheço.
Não aguento mais essa mulher me tratando sempre com descaso ou com
grosserias. Só porque ela é a rainha, acha que pode pisar nas pessoas? Comigo ela
não vai mais ter esse gostinho, não vai mesmo.
Fico conversando com os que eu conheço e com alguns que acabo de
conhecer. 90% pensam apenas em seus títulos e em como ser esnobes, e isso chega a
me enjoar.
— Princesa, o seu marido a espera no escritório para tratar de um assunto de
negócios.
Olho para Leonard e assinto.
Peço licença a todos e caminho até o escritório.
Entro, e ele me olha sorrindo.
— Pelo visto algo lhe agradou — digo.
— E vai lhe agradar também.
— E por quê? — pergunto curiosa.
— Porque arrumamos correndo as malas, uma vez que nos avisaram que um
jatinho da família real nos aguardava — diz uma voz. Viro-me para porta e meus
olhos se enchem de lágrimas.
— Mamãe, papai! — corro até eles, abraçando-os.
— Oh, meu anjo. Eu e seu pai sentimos tanto sua falta. Mas seu marido e o
senhor Leonard nos deram este presente.
Olho para Frederico e sorrio.
— Eles são as melhores pessoas do mundo — digo sorrindo.
A rainha entra no escritório, assustando-nos.
— O que está havendo aqui? — diz enfurecida.
— Pedi para que os pais de Lindiana viessem para fazer uma surpresa a ela.
— E sem minha autorização?!
Meus pais me olham.
— Mãe, não comece, por favor! — Frederico diz alterado.
— Eu ainda sou a rainha, e qualquer decisão deve ser dirigida a mim. Já fui a
favor deste casamento, o qual não me agrada nem um pouco, mas não deixarei que se
esqueçam quem é a rainha! — ela grita.
— Olha aqui, rainha, nunca vamos esquecer quem é você, porque você faz
questão de lembrar a cada cinco minutos. Você sobe nesse seu pedestal de diamantes e
olha para todos que são plebeus ao seu redor com indiferença, mas se esquece que
são os “pobres”, assim melhor dizendo, que apoiam a senhora em todas as suas
decisões e que a amam. Gosta de tratar mal aqueles que não lhe agradam, mas quer
saber? A senhora nunca me agradou, mas eu nunca precisei lhe tratar mal, e sabe por
quê? Porque eu posso não ter “sangue azul”, mas tenho muito mais educação, amor e
dignidade do que a senhora e toda sua tropa de esnobes ― falo, sentindo um misto de
tristeza e raiva pela forma como ela me tratou. ― Um dia a senhora não estará mais
aqui, e toda essa sua pose de “rainha poderosa” virará cinzas, estátuas e quadros, que
ficarão velhos e, com o passar dos anos, ninguém mais dará importância, a não ser
uma página velha qualquer de um livro de história no qual muitas coisas serão dadas
como mitos. E aquilo que era para ficar guardado em meu coração e no de muitos, que
seria seu amor, seu carisma, não ficará, tudo o que restará, será rancor e mágoas da
rainha Elizandra lll.
Ela me olha boquiaberta. Seus olhos estão marejados. Não tive escolhas, eu
não aguentava mais toda essa soberania dela.
— Vamos, pedirei que os ajudem a se aprontar e desceremos para curtir o
baile — digo aos meus pais.
— Meus parabéns, mãe, ou devo dizer rainha?! — Frederico se retira junto
conosco, deixando-a sozinha.
Após meus pais se arrumarem, eu retorno junto com eles e Frederico para o
salão de baile. Quando chegamos, todos olham para nós.
— Senhoras e Senhores, eu lhes apresento os pais da princesa Lindiana,
senhor e senhora Whinder.
Todos aplaudem.
— Se acostumem, eles adoram aplaudir e se curvar — cochicho para meus
pais, que sorriem.
— Será difícil, mas podemos aguentar por alguns dias — diz meu pai,
sorrindo.
— Agora, se me derem licença, irei dançar com minha esposa — diz
Frederico aos meus pais.
Caminhamos para o centro do salão, quando nossa dança é anunciada.
Começamos a dançar. Tento me concentrar para não aleijar o pé dele.
— Você está linda, eu já disse?
— Na verdade, não, você não disse.
— Isto é um crime, deveria me denunciar por não dizer o quão linda você é.
Sinto minhas bochechas corarem.
— Me perdoa pelo que eu disse a sua mãe.
— Não se desculpe, meu amor, você tinha todo o direito. Eu que tenho que te
pedir perdão, pois minha mãe te trata mal, e muitas vezes não digo nada, ou não estou
por perto.
— Fred, eu sei que não diz nada para não complicar mais as coisas, mas o seu
olhar para mim ou para ela quando essas coisas acontecem me ajuda a me manter
firme, porque vejo a minha proteção não só em seus braços, como também em seu
olhar.
— Obrigado por sacrificar sua vida para viver a minha, que é uma loucura.
Eu te amo.
— Eu te amo!
A música termina, e todos aplaudem.
Frederico sela nossos lábios com um beijo repleto de ternura.

***

Todos estão reunidos ao redor da mesa para a ceia. Elizandra se levanta,


pedindo a atenção de todos.
— Meus queridos amigos, todos estamos aqui hoje para celebrarmos mais um
Natal. Essa época é para ser cheia de amor e união, mas para mim não está sendo. —
Abaixo a cabeça. Frederico segura minha mão, colocando-a em seu colo e a
acariciando. — Na verdade, há um ano tenho percebido quem eu realmente era, mas
não admitia. Hoje, após mais uma vez tornar um inferno a vida de minha nora, a
Princesa Lindiana, ela disse algumas verdades para as quais eu tapei os olhos. Eu
peço perdão a ela perante todos e assumo que errei e não fui uma boa sogra, ou
rainha, amiga e segunda mãe para ela. Eu sempre vivi em uma bolha onde só os
importantes eram especiais, mas hoje essa linda jovem me ensinou o que é amor ao
próximo, pois suas atitudes foram ensinamentos para mim. Lindiana, me perdoe por
tudo, prometo que tudo será diferente. E aos pais dela, perdão, eu errei. Filho, perdão.
Perdão a todos os que já feri de alguma maneira. Obrigada por tudo, e agora vamos
jantar, porque em breve serão disparados os fogos. Por favor, sirvam-se. — Ela se
senta.
Todos estão emocionados, inclusive eu. Olho para ela e sorrio, e ela retribui.
O George beija seu rosto carinhosamente e sorri para mim.
Eu acredito na magia do Natal, e esta foi mais uma prova dela. Surpresas
acontecem. Agora estou ao lado de meus pais, meu marido, pessoas de muitos lugares
distintos, e parece que ganhei uma nova mamãe.
E viva o Natal!
Feliz Natal, papai!
(Autora Deby Incour)

— Elisa, ele quer te ver! ― diz Samantha.


Reviro os olhos.
— Se ele não faz nada, eu faço. Amanhã é véspera de Natal, e quero adiantar
tudo hoje, para não ter preocupações com serviço depois.
— Se você não for, ele me demite! — diz desesperada.
— Ok, Samantha, eu vou.
Ela sorri.
— Obrigada! — Sai toda contente da minha sala.
Abaixo a tela do notebook e logo em seguida saio da minha sala.
Caminho pelos corredores, e todos que não faziam nada começam a fazer. Rio
internamente, pois eles fazem o que eu faço quando meu "Chefe controlador" vem me
ver.
Pego o elevador até a sala da presidência. A insuportável da sua secretária
não está, o que já me anima, pois essa mulher é uma vulgar, e “meu santo não bate
com o dela”.
Entro em sua sala, e ele está concentrado no computador. Testa franzida,
cabelos loiros desarrumados por passar várias vezes a mão, gravata solta e óculos de
grau que não escondem a beleza de seus olhos azuis, mesmo sendo grau forte.
— Queria me ver?
Ele ergue a cabeça, só agora notando minha presença.
— Demorou! — Está nervoso.
— Perdão, da próxima vez eu pego um avião! — ironizo, e ele me olha feio.
— Sabia que eu poderia demiti-la por isso?
Rio e me aproximo dele, que vira a cadeira, deixando-me entre suas pernas.
— Sabia, mas você não faria isso, porque não vive sem mim.
Ele sorri.
— Eu mandaria você embora da empresa, não da minha vida. — Ele mostra a
aliança dourada em sua mão esquerda. — Prometi não te abandonar nunca. E seu pai
Ryan Evan não aceita devoluções, e sua mãe Natasha me dá belos presentes.
— Então já pensou em me devolver, seu alemão gostoso que quero matar
neste momento! — Ele ergue a sobrancelha esquerda e dá um sorriso. — Lucca!
Ele ri.
— Nunca pensei, mas seu pai já me disse isso quando começamos a namorar.
Sento-me em seu colo.
— Enfim, por que me queria aqui?
— Baixinha... — Olho feio. — Meu amor, eu vou ter que ir para a Alemanha
nesta madrugada.
— O quê?! — Levanto-me rapidamente de seu colo.
— Meu amor, eu sinto muito, mas a empresa precisa fechar uma proposta
imperdível, e eles querem para amanhã.
— Lucca Schultz, você não vai me deixar sozinha em nosso primeiro Natal
como marido e mulher!
— Eu não tenho escolhas! Teremos muitos outros. Podemos ficar nos falando
pelo telefone ou skype.
— A droga de uma proposta vem primeiro que a família?
— Eu não disse isso, Elisa! Entenda que isso é importante. — Ele se altera.
— Quer saber? Vai, não vou discutir com você, porque vejo meu pai quando
discuto com você, um homem que me ama, mas que é controlador e suas vontades não
podem ser discutidas porque ele fica louco.
— E eu vejo em você sua mãe, uma mulher linda, carinhosa, divertida, mas
que, quando não se faz aquilo que ela quer, fica louca! — Ele se levanta.
— Falou o cara que nunca aceita as escolhas do outros. — Rio com sarcasmo.
— Não vou ficar discutindo com você, algo que não fiz porque eu quis.
— Fez porque quis, sim, seu idiota! Porque era apenas dizer não, porque a
família deve sempre vir em primeiro lugar.
Saio da sua sala sem olhar para trás. Vou até minha sala, pego minhas coisas e
vou embora.
Chego em casa, tomo um banho, coloco algo mais casual e pego uma mala.
Arrumo as roupas e tudo o que o Lucca precisa para viajar. Pego um papel e uma
caneta e escrevo um bilhete.

Mesmo não aceitando sua decisão, você é meu marido, e eu tenho que cuidar
de você. Tem tudo o que precisa aqui dentro. Boa sorte com os negócios, e Feliz Natal
adiantado.
Beijos, Elisa.

Deixo o bilhete em cima de sua mala aberta, que está em cima da nossa cama.
Pego algumas coisas e vou para a casa dos meus pais, onde era para eu estar
indo junto com meu marido e, depois, com todos reunidos, irmos para o Alasca, casa
dos meus avós maternos, pois o meu avô e tios paternos foram para o Brasil.
Chego a casa deles e vou direto para meu antigo quarto deixar minhas coisas.
Logo em seguida sento-me no sofá da sala e ligo a TV, esperando os meus pais
chegarem do serviço.
Alguns minutos depois a porta se abre e entra apenas meu pai.
— Princesa, já por aqui!
Levanto-me sorrindo e vou até ele para abraçá-lo.
— E a minha mãe? — pergunto, sentando-me no sofá. Ele revira os olhos e
sorri.
— Fazendo compras de Natal, deixei-a na loja, depois vem de táxi. — Rio.
— E o ladrão de filhas, quero dizer, o Lucca?
— Ele não vem. — Sorrio, tentando parecer calma.
— Por quê?! — O tom de sua voz muda
— Uma viagem de negócios.
— Pensei que ele te tinha feito algum mal, e ninguém encontraria o corpo dele
— diz nervoso.
— Meu Deus, pai!
Ele dá uma piscadela.
— Vou tomar um banho.
Concordo, e ele se retira da sala.
Dez minutos depois minha mãe chega de mãos vazias.
— O pai disse que você foi às compras, cadê?
Ela se joga frustrada no sofá.
— Odiei tudo que vi. Oh, lojinhas para ter coisas todas cheias de "frufru".
Para que tanto brilho em roupas? Isso é um absurdo.
Rio.
Meu pai aparece na sala.
— Nem pergunte! — diz ela quando ele olha procurando sacolas. Ele ergue as
mãos em sinal de defesa, fazendo-me rir.
— Não me atreveria — ele diz rindo.
— Mas e você, filha, por que brigou com o Lucca? — Franzo cenho. —
Brigou que eu sei, na verdade seu pai sabe e me ligou, falando.
— Como? — pergunto confusa.
Meu pai cruza os braços e me analisa.
— Elisa, eu te conheço. Você, quando briga com alguém que gosta muito, fica
do mesmo jeito que sua mãe, dando sorrisos forçados e achando que consegue me
esconder. E quando perguntei do Lucca, você ficou pálida e nem percebeu.
Eu às vezes esqueço que meu pai me conhece muito bem. Nós brigamos muito,
porque temos o mesmo gênio, mas ele sempre sabe quando estou mal.
— Não foi nada, briga de casal apenas.
— Diz para a gente, meu amor. Temos experiência, podemos te ajudar, na
verdade eu posso, porque seu pai tentará ajudar matando o Lucca e depois surtando
com você e dizendo "eu avisei"!
— Natasha, estou aqui! — ele diz, e ela sorri.
— É que este Natal seria nosso primeiro como marido e mulher, e ele me
deixa por uma viagem à Alemanha, porque tem uma proposta irrecusável para a
empresa.
Minha mãe acaricia minhas mãos.
— Filha, existirão vários outros Natais. Talvez mais especiais que este.
— Mãe, entenda, isso é muito importante para mim, pois eu... — mudo o que
eu iria falar — você e meu pai nunca passaram o Natal longe um do outro depois de
casados, e vejo no olhar dos dois o quanto isso os deixa felizes.
— Eu nunca passaria o Natal longe da sua mãe, e nem a deixaria passar longe
de mim. E se ela quisesse passar longe de mim, eu a amarraria na cama. Somos
marido e mulher e não um casal de namorados adolescentes!
Sinto lágrimas escorrerem pelo meu rosto.
— Ryan Evan! Você não está ajudando! — minha mãe diz nervosa.
— Eu sou o pai dela, não tenho que ajudar!
— Como não?! — minha mãe pergunta irritada.
— Quando envolve um pênis e minha filha única, eu realmente não tenho que
ajudar. Por mim a mandava para um convento! — ele grita, percebendo apenas
depois, quando pede desculpas apenas por gritar.
— Pai, muito obrigada por ser sentimental! — Levanto-me aborrecida do sofá
e saio da sala.
Vou para meu quarto, onde deito na cama e ligo a TV.

***

Eu e meu pai nunca nos demos 100% bem, mas nunca deixei de amá-lo, porém
alguns comentários dele machucam, pois vêm quando eu mais preciso dele, que faz
"gracinhas" desnecessárias. Da mesma forma que ele odeia quando precisa de mim e
fico distante ou sou grossa, eu também odeio isso nele. Temos o mesmo gênio, e isso
às vezes dificulta nossa convivência.
Pego no sono e acordo com os gritos da minha mãe me chamando para jantar.
Se tem uma pessoa louca e escandalosa, essa é minha mãe!
Não desço para jantar, estou sem fome. Não recebi uma ligação do Lucca, e
isso está me deixando cada minuto pior. Uma coisa muito forte eu herdei da minha
mãe: o orgulho. Não irei ligar para ele, não mesmo!

***

Chegamos a casa dos meus avós, e a primeira coisa que vovó me pergunta é:
Cadê o Lucca e os netinhos? Eu estou com vontade de chorar, mas me contenho, e
minha mãe muda de assunto.
Subo para o meu quarto na casa deles e deixo minha mala; estou exausta.
Ultimamente ando muito cansada, com sono, mas tem um motivo para isso, e essa é a
razão para eu querer o Lucca aqui, mas infelizmente não será possível.
— Entra logo, Ryan! Você precisa se desculpar, porque não quero passar o
Natal com esse clima entre os dois — diz minha mãe do outro lado da porta.
— Eu não fui grosso, Natasha, ela que anda muito sentimental ultimamente,
está parecendo você quando grávida!
Arregalo os olhos. Abro a porta, e eles se assustam. Minha mãe sorri e
empurra meu pai para entrar no quarto. Ele entra, e o acompanho.
— Pai, não precisa se desculpar, já sabemos que sempre seremos como cão e
gato, mas nunca deixaremos de nos amar.
— Preciso, sim. Eu tenho sido ausente, mas é que não sei lidar com você e
sua mãe ao mesmo tempo, vocês me enlouquecem, e a qualquer momento vou ter um
ataque cardíaco. — Rio. — Desculpa, meu amor, mas sou ciumento, não tenho como
mudar isso! E saber que tem um cara que dorme toda noite com minha filha e pode
colocar certa coisa dentro dela me deixa louco!
— Pai! — digo constrangida.
— Vem cá, minha pequena.
Abraço-o.
— Não sou pequena, você que é alto demais.
— Sua mãe falava a mesma coisa. — Ele ri.
— Pai, obrigada, mesmo sendo difícil de lidar com você, nunca vou deixar de
te amar.
Ele me abraça.
— Te amo, meu amor!

***

A noite chega, e todos estamos reunidos ao redor da mesa da sala de jantar


dos meus avós. A lareira está acesa e tudo está enfeitado para a véspera de Natal, mas
falta algo, e é o Lucca. Eu quero tanto fazer uma surpresa para ele, mas não vai ser
possível. Talvez não seja para ser feita aqui.
Estamos todos jantando. A tradição daqui é jantar antes da meia-noite e, nesse
horário, ir ver os fogos e fazer a troca de presentes.
A campainha toca, e Marielly, a governanta, vai atender.
— Chamou mais alguém, mãe? — minha mãe pergunta a vovó.
— Não.
Todos franzem o cenho, desconfiados, menos minha mãe, que olha sorrindo
para algo atrás de mim.
Viro-me rapidamente e sorrio de forma automática. Meu coração acelera
como se fosse a primeira vez que nos conhecêssemos.
— Lucca! — Levanto-me rapidamente e corro até ele, que sorri e me agarra.
— Desculpa, meu amor. — Ele me beija. — Será que esse marido chato que
apenas pensa nos negócios pode ficar aqui?
Sorrio.
— Claro, meu filho! — diz meu avô, respondendo por mim.
— Coloque mais um prato, por favor — diz minha mãe a Marielly.
Ele se senta ao meu lado. O olhar do meu pai acaba fazendo todos rirmos.
— Sogrinho — Lucca provoca.
— Agregado! — diz meu pai com o sorriso irônico.
— Ryan, ciúmes agora, não! — diz minha mãe, e minha avó concorda. Já meu
avô apenas ri.
Jantamos o montante de comida que minha avó nos obriga a comer. O jantar
está sendo divertido, com meu pai e o Lucca se alfinetando como duas crianças
birrentas, mas o que é o Natal sem um drama familiar?
A meia-noite chega, e a queima de fogos é linda e emocionante, se bem que
apenas eu choro igual a uma criança, ando emotiva demais. Lucca fica sem entender
meu ataque de choro, mas não deixa de ficar abraçado a mim em nenhum momento.
Depois de todos se cumprimentarem, a troca de presentes chega. Ganho um
colar lindo da minha avó, e do meu avô, uma bolsa Prada que amo. Minha mãe ganha
do meu pai um carro novo, mas não sabemos qual, já que só veio a chave aqui, e dos
meus avós ganha um anel de família, que é muito lindo por sinal. Meu pai ganha da
minha mãe... bom, ela diz que o dele é especial e mais tarde vai entregar, ou seja, é
desnecessário a família saber disso. Ganho dos meus pais uma pulseira cheia de
pingentes de diamante, cada um carregando um significado. Do Lucca ganho um
vestido e sapatos de saltos combinando, que já tinha visto e amado, mas não tive
coragem de pagar o absurdo que valiam. Bom, meus avós não ganham nada, pois não
aceitam de jeito algum; para eles, receber presentes tem que ser em qualquer dia
normal e sem dizer que é presente.
Meu presente para o Lucca vem agora:
— Bom, eu tinha um motivo muito grande para querer que o Lucca estivesse
conosco. Nesse Natal eu não comprei nada material para ele, e esse presente talvez
seja para todos. Quando eu descobri simplesmente fiquei louca, com medo, pensei
que iria morrer de tanto medo, afinal, o que eu sei sobre isso? Sou louca, desastrada
e, às vezes, pior que criança, mas aí eu lembrei que, sozinha, eu poderia não
conseguir, mas ao lado dele, meu marido, eu iria, sim, e seríamos muito felizes. —
Seguro a sua mão e a coloco na minha barriga. Ele e meu pai me olham estranho, mas
meus avós e minha mãe já sorriem e choram emocionados.
— Amor, o que foi? — ele pergunta.
— Feliz Natal, papai!
Ele sorri.
— Elisa, eu vou ser p-pai?
Concordo sorrindo.
— Gostou do presente? — pergunto emocionada.
— Eu amei! Meu amor, não acredito! — Ele me abraça e me beija.
— NATASHA, EU VOU SER AVÔ! EU NÃO ESTOU BEM! CHAMA O
MÉDICO! ESTOU SENTINDO UMA PONTADA NO CORAÇÃO! POR QUE VOCÊ
ESTÁ GIRANDO?! — meu pai começa a dizer à minha mãe.
Lucca me solta, e só escuto o estrondo. Meu pai desmaiou.
Amor em alto-mar – Festa de Natal
(Autora Cláudia Pereira)

Já faz seis meses que vivo eternamente apaixonado, Julia transformou minha
vida. Quando imaginava somente curtir a minha vida rodeado de mulheres, descubro
que, por ela, posso até beijar o chão aonde ela passa.
Agora estou aqui em meu escritório, olhando fixamente as águas azuis do mar.
Estamos navegando nas aguas da Grécia, e a minha família e a dela estão reunidas
para comemorar o Natal, por isso estou nervoso.
Minha mãe é só sorrisos e trata a Julia como se ela fosse um cristal delicado
que ninguém pode danificar. Minha Vó, então... chega até a ser engraçada a forma
como ambas – ela e Julia – trocam receitas, principalmente com Vovó ensinando a ela
receitas para as mulheres se tornarem mais férteis. Abro um sorriso ao lembrar as
caras que a Julia faz.
Sinto braços que conheço muito bem circularem minha cintura e uma cabeça
deitar em minhas costas.
— Você está distante, meu amor, nem me percebeu entrando.
Antes de me virar, respiro fundo, sentindo aquele aroma delicioso que vem
dela.
— Apenas estou pensando na gente, no que vivemos nesses últimos três
meses.
Abraço-a com mais força e a beijo com todo carinho e paixão. Não aguento
muito e a levanto. Ela enrola suas pernas em volta de minha cintura, e caminho até
minha mesa, depositando-a com todo carinho sem desgrudar nossas bocas.
— Amor, não podemos fazer nada aqui no seu escritório, nossas famílias
estão lá em cima.
— Minha chef mais gostosa, terá que fazer silêncio e não gemer meu nome
alto, pois pode ter certeza que irei te foder aqui e agora.
Não a deixo responder, e já tiramos nossas roupas. Logo eu estou fundo
dentro dela, e para não gritar, ela morde forte meu ombro, e com isso me deixa com
mais tesão.
Quando chegamos juntos ao clímax, abafo seu grito com minha boca.
— Eu te amo muito, Derek.
— Não mais que eu, Julia.
Horas mais tarde, estamos todos em volta da mesa, rindo. Já é perto da meia-
noite, e eu havia preparado uma queima de fogos para a chegada do Natal. Estou
muito nervoso para entregar a Julia o seu presente, pois é muito grande a minha
insegurança sobre se ela vai gostar do mesmo ou até negá-lo.
Nesses três meses juntos, aprendi muito com ela, e não tenho nenhuma dúvida
de que ela é a mulher que passará o resto da vida ao meu lado. Ela me ensinou muito,
e ainda ensina a cada dia que passa.
— Amor... Derek — uma voz doce me chama.
— Oi, amor.
— Nossa, Derek, hoje você está tão calado, distraído. Aconteceu algo?
Pego suas mãos e as beijo.
— Não aconteceu nada. É que fazia anos que eu não passava o Natal com
minha família, sempre estava com meus amigos, e hoje percebo o que perdi.
Seus olhos lacrimejam.
— Espero que, deste ano em diante, possamos passar assim, juntinhos e com a
nossa família ao nosso redor.
— E nossos filhos, futuramente, Julia.
Ela sorri e me dá um selinho.
Combinamos de trocar nossos presentes somente nós dois. Acho que isso está
me matando, pois ela não me dá dicas sobre o meu presente, e quando fala algo sobre
o mesmo, deixa claro que eu poderei amar ou odiar a ideia.
À meia-noite, acontecem muitos abraços, beijos e muitas trocas de presentes.
Quando todos estão distraídos, arrasto-a para a proa do barco, e ficamos ali
abraçados. Como a primeira vez que nos beijamos foi ali, onde se iniciou nossa
história, esse cantinho é especial para a gente.
— Julia, está vendo esta imensidão que não tem fim? É a mesma coisa o meu
amor por você. Se hoje você terminar nosso namoro, sinceramente não saberei como
continuar a minha vida, não terei forças para ter uma vida após isso. Sou grato a cada
dia por uma chefe de cozinha ter entrado neste barco, mudando quem eu era aqui, no
meu coração. Eu não acreditava no amor, mas hoje não sei dizer como vivi anos sem
ele. Então te pergunto, Julia Zandra, quer ser chef do meu coração pelo resto de
nossas vidas? Aceita formar uma família comigo?
Tiro o anel de meu bolso e o seguro bem próximo ao seu rosto. Suas lágrimas
escorrem pelo seu rosto.
— Derek Kosta, não quero nem imaginar mais minha vida sem estar ao seu
lado, então sem nenhuma dúvida quero ser, sim, a chef do seu coração pelo resto de
nossas vidas.
Aperto-a mais ainda em meus braços e a beijo com todo amor que há em meu
coração. Só paramos de nos beijar quando ambos já estamos sem ar.
— Eu te amo, Julia.
— Também te amo, Derek.
Deslizo o anel em seu dedo e o beijo demoradamente.
— Por isso estava pensativo? ― ela pergunta.
— Tinha medo de levar um não.
Ela dá risada.
— Jamais falaria “não” para um cara lindo, gostoso e, ainda por cima, rico.
— Então está comigo por interesse? — Faço uma voz de espanto, pois sempre
que ela pode, fala isso para mim.
— Estou com você porque te amei assim que coloquei meus olhos quando
entrou todo arrogante na minha cozinha.
Dou uma gargalhada, pois ela nunca havia confessado isso.
— Eu já sabia.
Ficamos namorando por horas, até que eu me lembro do presente que ela ia
me dar.
— Não querendo cobrar, mas a senhorita me prometeu um presente.
Ela dá um leve sorriso, pegando minha mão e a beijando na palma. Em
seguida leva ambas as nossas mãos a sua barriga.
— Aqui está seu presente.
— Sério?
— Sim.
— Julia, é isto mesmo que estou pensando?
— O que você está pensando, Derek?
— Vamos ter um filho?
— Um, não, mas três, sim. Estou grávida de trigêmeos.
Acho que devo ter perdido a cor do meu rosto. Não sei se grito, pulo no mar
ou agarro e não solto mais a mães de meus filhos.
— Três? Três?!
— Amor, você foi tão bom de mira que estão vindo logo três.
Não aguentando mais, caio de joelhos e começo a beijar sua barriga.
— Papai já ama vocês, meus amores.
— Nós também te amamos, Derek.
Levanto-me e a beijo novamente. Agora sinto uma mistura de felicidade e de
todos os sentimentos juntos.
Volto a me abaixar.
— Feliz Natal, meus filhos.
Após a guerra
(Autora Cláudia Pereira)

Após anos na guerra, aqui estou eu sentado na sala VIP do aeroporto,


aguardando meu voo ser anunciado. Devido à grande quantidade de neve, todos os
voos estão atrasados. Em pleno dia 23 de dezembro, estou aqui, preso em um
aeroporto.
Não quis ir junto aos meus amigos no mesmo avião das Forças Armadas.
Antes de ir para a casa dos meus pais, precisava primeiro ver o túmulo do meu grande
amigo e companheiro de anos de guerra. Até hoje, após dois anos de seu falecimento,
ainda não aceito sua morte, pois era para ter sido eu em seu lugar. Por um momento,
eu vi uma criança, simpatizei com a mesma e fiquei conversando com ela, e ele
acabou pisando em uma bomba. Eu era o comandante, era para eu ser o primeiro na
fila, guiando meus homens. A cada dia durante todos estes anos a culpa me consome,
não sei mais o que é sorrir, não consigo olhar mais para uma criança. Simplesmente
me fecho e não tenho mais motivos para ser feliz, pois a cada dia eu vejo como é
viver em uma guerra e ver pessoas morrendo e morrendo.
Escuto um “droga” que me tira dos meus pensamentos, e aparece à minha
frente uma linda morena toda atrapalhada com bolsa, celular e um copo de café em
suas mãos.
Sorrio só ali, vendo-a reclamar sozinha por ser tão desorganizada. Ela se
senta e tenta se organizar da melhor maneira possível, mas sempre resmungando. Fixo
meu olhar nela; é como se ela precisasse de ajuda. Não sei o que é, mas algo dentro
de mim grita que eu preciso ajudá-la. Não sei como, pois ela é uma total
desconhecida para mim. Não há como explicar este sentimento totalmente novo.
— Precisa de ajuda? — quando dou por mim, já estou perguntando.
Ela levanta o rosto, meio que não acreditando que há um estranho falando com
ela. Aqueles olhos verdes se fixam em meu rosto. Eu quero sair correndo daqui,
totalmente arrependido da pergunta.
— Claro que pode me ajudar — ela responde simplesmente.
— Em que posso ser útil? — minha voz já está um pouco mais rouca que o
normal, como se eu quisesse chamar sua atenção.
— Simples, me arruma um marido, filho, cachorro, até mesmo um periquito
para eu apresentar para minha família no Natal. Assim que eu chegar à casa de meus
pais, vou poder apresentar algo assim: “Olha, família, este é meu marido, claro que eu
não poderia deixar de apresentar meus bichinhos também. Nós estamos treinando
muito para o bebê, quem sabe no ano que vem estaremos com um junto da gente, não é
mesmo, meu querido marido?”
Ela é mais rápida para falar que a minha metralhadora. Arregalo meus olhos,
e é impossível não dar uma grande gargalhada. Há anos eu não sei o que é sorrir, e
aquela “matraquinha” em pouco tempo me fez disparar em risada.
— Vai ficar rindo da minha cara? — ela pergunta brava.
— Desculpa, mas... — Penso antes de responder. — Não esperava esta sua
resposta.
— Claro que não esperava.
— Com todo respeito, você é bonita e ainda nova, não deveria se importar
com isso. Sua família tem que respeitar cada momento de sua vida e, principalmente,
cada etapa. — Eu não tenho mais meu sorriso no rosto e falo de uma forma séria para
ela.
De onde eu estou, vejo que ela respira fundo e solta todo o ar dos pulmões.
— Você não conhece minha família. Ela é tradicional, e sou a filha do meio.
Para meu pai o casamento acontece dos mais velhos para os mais novos; antes de um,
o outro não pode se casar.
— Em que século vive sua família? — a pergunta sai sem querer. Ela faz uma
cara de brava que a deixa ainda mais linda.
— Também queria saber. — Quanto mais ela fala, mais sua voz soa triste, e a
minha vontade de ir até ela e abraçá-la aumenta.
— Já conversou com sua família?
— Conversar? Só pode estar brincando. O último Natal foi um inferno, papai
e mamãe falando um monte de coisa em minha orelha porque eu ainda não arrumei um
bom marido; minha irmã mais nova me acusando de ser uma encalhada e dizendo que,
por minha causa, ela não pode viver feliz com seu noivo; meu irmão mais velho me
acusando de que, se eu não tivesse saído da nossa cidade com esta história de que na
cidade grande eu teria mais oportunidades, eu teria minha família há anos. Enfim, só
de pensar que, neste ano, nem namorado eu arrumei, tenho pena de mim mesma.
Também quem quer uma mulher que vive trabalhando, que não sabe nem se vestir?
Não sou vaidosa, não tenho corpo que faz os homens babarem por mim.
Fico aqui escutando-a desabafar e penso que ela não irá mais parar de falar
por nenhum instante. Nem fôlego eu a vejo tomando antes de falar. Quero dar risada,
porém sei que ela vai ficar mais triste.
— Meu Deus, calma, respira e fala devagar.
— Viu só, até um estranho está me pedindo para parar de falar, eu sei que falo
demais, ninguém suporta isso, qual homem vai me querer?
Não aguentando mais seu desabafo e vendo suas lágrimas escorrendo pelo seu
rosto, sento-me ao seu lado e a abraço, encostando seu rosto em meu peito. Encostei
meu queixo em sua cabeça e inalo esse cheiro delicioso de frutas de seu cabelo. O
pior é que ela está despertando desejo em mim, e isso não pode acontecer, pois não é
certo.
— Está mais calma?
— Sim. Nossa, como você tem um cheiro bom, Estranho. Não consigo confiar
em ninguém, mas o mais esquisito é que estou me sentindo segura. O pior de tudo é
que você é um estranho, e estou eu aqui, chorando e reclamando como se fôssemos
velhas comadres. ― Impossível não rir desta vez. Ela realmente ama falar. ― Ei,
Senhor Estranho, pode rir de mim, fica à vontade, se diverte a minha custa. Eu falo
demais. Que raiva! Pior, não consigo mais parar de falar, e se fico nervosa, falo mais
ainda, misturo tudo. Aqui estou, falando até demais com você.
— Matraquinha, é impossível não rir. — Não sou de falar muito, então sou
curto e objetivo.
— Matraquinha? Sério, isso? Não conhece minha vida e ainda me coloca este
apelido.
— Você me chamou de estranho. Nada mais justo que eu coloque um apelido
em você.
Ela sai de meu abraço e se ajeita no banco.
— Fala logo o que deseja falar, que falo demais, que sou desajeitada. ―
Antes de eu responder, ela volta a deitar a cabeça no meu peito. — Aqui está gostoso,
o pior é este seu cheiro tão bom. Dá vontade de dormir assim.
Ficamos conversando até que ela logo dorme ali, encostada em mim. Consigo
ajeitá-la para depois não ficar com o corpo dolorido. Alisando seus cabelos lisos e
pretos, sinto uma paz no meu coração. Fico perdido em meus pensamentos, até meu
voo ser anunciado.
— Matraquinha... Matraquinha... — chamo-a com uma voz bem baixa, e com
o susto, ela se levanta com tudo, atrapalhando-se e deixando cair a bolsa que estava
em seu colo.
— Eu dormi encostada em você? Que vergonha...
— Calma, foram só alguns minutos — minto, pois ela dormiu por uma hora e
vinte minutos em meus braços.
— Irei acreditar nisso — ela responde.
— Meu voo foi anunciado, preciso ir.
Acontece a segunda chamada.
— Meu voo acabou de ser anunciado também.
Quando ela termina de falar, percebo que estaremos no mesmo voo.
— Muito bom, então temos 15 horas de voo pela frente e vamos nos conhecer.
Ela olha espantada para mim.
— Você vai neste voo também?
— Vou, e vamos logo, que já está na segunda chamada.
Embarcamos e conseguimos nos sentar juntos. Claro que o passageiro não
quis trocar de lugar com ela, porém ela começou a falar tanto que rapidamente houve
a troca.
E assim acontece nosso voo, ela contando toda a sua vida: ela morava já há
12 anos em Nova York; é gerente de um Museu de Artes Plásticas e também é
professora de artes; tem 30 anos; nunca teve um relacionamento sério. Enfim, ela fala
praticamente o tempo todo, até da vida dos vizinhos sou informado.
E quando é minha vez de falar, sou objetivo: tenho 36 anos; sou soldado;
estava na guerra há mais de oito anos sem ir para minha casa ver minha família; estou
indo fazer uma surpresa; e não voltarei mais para guerra.
Quando desembarcamos, sinto uma dor no coração. Quero ir com ela, não
quero me separar nunca mais.
— Então é aqui que nos despedimos, Estranho. — Ela me abraça forte,
desejando-me “boas festas” junto à minha família.
— Verdade, Matraquinha, as últimas horas foram as melhores da minha vida.
Converse com sua família, não os deixem tirar este seu brilho pelo fato de quererem
ditar sua vida. — Dou um beijo em sua testa e saio andando para pegar minha mala
sem olhar para trás.
Pego minha mala sem me virar e sigo rapidamente para o banheiro. Preciso
jogar água no meu rosto. Meu corpo inteiro está quente, e eu preciso me acalmar. A
vontade de ir atrás dela está muito grande.
Ao sair no saguão, de longe eu a vejo com umas pessoas que deduzo serem
sua família. Percebo que o mais velho fala com ela com uma cara fechada, como se
estivesse dando um sermão. Não aguentando mais, vou até eles.
Ao chegar mais perto, minhas suspeitas se confirmam. Deixando minha mala
de lado, agarro sua cintura, depositando um beijo em seu pescoço, e falo em alto e
bom tom:
— Amor, eu não te pedi para você me esperar enquanto eu verificava com o
Dennis como estão nossos cachorros? E claro, não esqueci também da Filó, que está
dando trabalho para nossos amigos. Não sei onde eu estava com a cabeça para
comprar aquele periquito de presente para você.
Assim que paro de falar, todos estão de bocas abertas, olhando-me.
— Amor? — ela sussurra baixo.
— Meu amor, sabe que não suporto ficar longe de você nem por cinco
minutos, e muito menos do nosso filho. — Com isso, coloco minhas mãos em sua
barriga.
Viro-me para o mais velho.
— Desculpe minha indelicadeza, é que não sei ficar longe dela por muito
tempo. — Estendo minha mão e me apresento: — Prazer, sou Allen Miller, marido de
sua filha.
Agradecimentos
Cláudia Pereira e Deby Incour agradecem a todos que leram e desejam
muito sucesso, paz e alegria na vida de todos.
Editora Angel
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