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A RELIGIÃO EM FREUD A PARTIR DO ESTUDO DE ATOS OBSESSIVOS E


PRÁTICAS RELIGIOSAS (1907) -TOTEM E TABU (1913)

Article in REVISTA CIENTÍFICA COGNITIONIS · May 2023


DOI: 10.38087/2595.8801.185

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Lucio José Borba Escobar


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v.6 n.1 (2023) p. 171-183


Digital Object Identifier (DOI): 10.38087/2595.8801.185

A RELIGIÃO EM FREUD A PARTIR DO


ESTUDO DE ATOS OBSESSIVOS E PRÁTICAS
RELIGIOSAS (1907) - TOTEM E TABU (1913)
Martha Manso Staub1
Marilene Carvalho Ricciardi 2
Lúcio José Borba Escobar3

RESUMO
Este artigo abordará, primeiramente, alguns fatos relacionados ao universo
religioso que Sigmund Freud vivenciou desde a sua infância e que podemos supor
que tenham embasado a sua teoria e como este a desenvolveu dentro do tema.
Em seguida, sua visão sobre a religião, utilizando duas de suas obras: Atos
obsessivos e Práticas Religiosas, de 1907, sendo o primeiro estudo sobre o
assunto, em que ele faz uma analogia dos ritos religiosos com as atitudes propícias
à neurose obsessiva. Totem e Tabu, de 1913, apresenta a origem do fenômeno
religioso, nas religiões primitivas e a interpretação freudiana do sentimento deste.
Esses apresentam fundamentos de como a psicanálise interpreta dois aspectos
da experiência religiosa, principalmente, no que se refere à origem e natureza do
fenômeno religioso, além da análise dos rituais.

Palavras-chave: Freud. Religião. Psicanálise. Rituais.

ABSTRACT
This article will address, firstly, some facts related to the religious universe that
Sigmund Freud experienced since his childhood and that we can assume that
supported his theory and how he developed it within the theme. Then, his view on
religion, using two of his works: obsessive Acts and Religious Practices, from 1907,
this being the first study on the subject, in which he makes an analogy of religious
rites with the propitious attitudes to obsessive neurosis and Totem and Taboo, from
1913, in which he presents the origin of the religious phenomenon in primitive
religions and the Freudian interpretation of this feeling. These present fundamentals
of how psychoanalysis interprets the psychic motivations of the religious experience,
mainly with regard to the origin and nature of the religious phenomenon and analysis
of rituals.

Keywords: Freud. Religion. Psychoanalyst. Ritual.

1 Mestranda em Psicanálise pela Logos University International (UNILOGOS), Instituição: Logos


University International (UNILOGOS), E-mail: marthastaub@hotmail.com
2 Mestranda em Psicanálise pela Logos University International (UNILOGOS), Instituição: Logos

University International (UNILOGOS), E-mail: marilenericciardi@gmail.com.br


3 Doutorando em Psicanálise pela Logos University International (UNILOGOS). Instituição: Logos

University International (UNILOGOS), E-mail: lescobar35@gmail.com


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1 INTRODUÇÃO
A fé e a religiosidade estão presentes, no mundo contemporâneo, de forma
crescente e abrangente. As religiões oferecem ao ser humano a procura de se
entender e ao mundo ao seu redor, cada uma delas na sua diversidade de crenças,
ritos, expressões de religiosidade que se encontram cada vez mais presentes no
nosso cotidiano.
Apesar de ser um ateu convicto, as questões religiosas foram de grande
interesse de Freud, tornando-se um dos grandes estudiosos sobre o assunto. Ele
buscou trazer, através de sua teoria psicanalítica, a interpretação da origem e da
natureza da religião.
Este artigo irá, a princípio, apresentar fatos de sua vida, relacionados ao
universo religioso que ele vivenciou desde sua infância, seu percurso mediante ao
conhecimento acadêmico e paralelamente, a compreensão de sua forma peculiar da
religião, que podemos supor que a tenha fundamentado e de como desenvolveu seu
posicionamento acerca do tema. Em seguida, a visão freudiana sobre a religião
utilizando duas de suas obras.
Essas apresentam justificativas de como a psicanálise interpreta através das
motivações psíquicas inconscientes, no que refere à origem e à natureza do
fenômeno religioso. Utilizando duas de suas obras, Freud inicia seus estudos sobre
a religião com a publicação do texto Atos obsessivos e Práticas Religiosas (1907) e
nele aponta, a conformidade, que existe entre os rituais praticados pelas pessoas
religiosas e os atos desenvolvidos pelas pessoas obsessivas.
Em Totem e Tabu, de 1913, Freud, em síntese, apresenta a relação entre o
totem e a exogamia, explora o conceito de tabu e suas diferentes formas, a proibição
do incesto, sua notória influência na formação das civilizações e a de elucidar a
origem do fenômeno religioso, tanto das religiões primitivas quanto da religião
monoteísta judaica cristã.
Este artigo tem como finalidade realizar uma breve análise destas duas obras,
apresentando as contribuições freudianas quanto aos temas religiosos baseados em
manifestações do inconsciente.

2 FREUD DIANTE DA RELIGIÃO


Freud nasceu em um ambiente familiar religioso, na cidade de Freiburg,
Morávia, no dia 06 de maio de 1856. O primeiro nome de Freud era Sigmund
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Schlomo Freud, obtendo a mudança do seu nome em 1878. Era filho de Jakob
Freud e Amalia Nathansohm e o primogênito de oito filhos do casal, todos judeus.
Seu nome foi dado pelo pai, em homenagem ao avô paterno, que falecera
semanas antes do seu nascimento. Seu pai era um comerciante mal-sucedido, de
um clã mais pobre em que ocorriam alguns problemas entre os familiares. Da sua
ordem religiosa, preservou apenas alguns rituais como o hábito de ler a Bíblia em
hebraico e a Páscoa. A intenção familiar era a de estar, de alguma forma,
oferecendo os princípios da religião judaica.
Seu pai apresentava uma afetividade especial por Freud que registrou, na
página inicial da Bíblia, seu nascimento e circuncisão, rito judaico a que o mesmo
foi submetido, no oitavo dia de nascido, como de costume em toda a família judaica.
Apesar de ser criado nesse ambiente, seus próprios pais não foram
incentivadores da crença e da religião, mediante uma postura educativa em relação
à religiosidade. Sem o incentivo e a prática, Freud cresceu “um judeu sem Deus”,
como ele mesmo declarava. “Sempre fui um descrente e fui educado sem nenhuma
religião, embora não sem respeito pelo que se denomina de padrões “éticos da
civilização humana”. (FREUD,1941[1926], p.315).
Na sua juventude, Freud vivenciou os conflitos e a rejeição a sua
descendência, devido ao antissemitismo que existia em sua época. “Quando, em
1973, ingressei na Universidade, experimentei desapontamentos consideráveis.
Antes de tudo, verifiquei que se esperava que eu me sentisse inferior e estranho,
porque era judeu. Jamais fui capaz de compreender por que devo sentir-me
envergonhado da minha ascendência, ou, como as pessoas começavam a dizer, da
minha raça.” (FREUD, 1925 [1924] p.19).
Foi no ingresso, na Universidade, com 17 anos, que ele percebeu que o fato
de ser judeu influenciaria a sua vida acadêmica. Por mais que ele se destacasse
intelectualmente, era obrigado a conviver com o antissemitismo, sempre lembrando-
o do fato de ser judeu.
No período de formação médica, Freud passou por uma fase da doutrina
filosófica do célebre professor Frauz Brentano, que era ex-padre e filósofo que
nunca negou sua crença em Deus. Em encontros que frequentava, na casa de
Brentano, debatia-se sobre as possibilidades de se fazer ciência sem desacreditar
da existência de Deus. Brentano considerava que a ciência e a religião poderiam
caminhar juntas e Freud teve grande respeito sobre suas lições, porém, suas
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convicções ateístas não concordavam com a possibilidade de ciência e religião


serem compatíveis.
O interesse de Freud pelo mestre durou pouco e não foi suficiente para que
ele se assumisse enquanto ateu, e se entusiasmasse pelo conhecimento empírico.
Na Universidade, ele encontrou um ambiente ideal para aderir ao pensamento
científico, ou seja, o ambiente acadêmico era de cunho ateísta, o que foi de grande
importância para sua descrença em Deus. A teoria sobre a religião fica marcada
mediante a postura ateísta de Freud: “Visto que Freud considerava a fé religiosa -
toda a fé religiosa, inclusive o judaísmo - como tema do estudo psicanalítico, só
poderia abordá-la da perspectiva ateísta” (GAY,1989, p.545).
Dois aspectos norteiam sua visão ateísta: o fato de ter visto a religião, sem a
prática das suas crenças e rituais, e o de não falar de uma experiência que não
havia vivido, sem acreditar nela, o que influenciou no seu estudo da religião. Nesta
mesma época, outro grande professor teve influência cientificista sobre Freud, o
fisiologista Ernest Brüke. Este pesquisador conquistou-o : “...até que, afinal , sob a
influência de Brüke, que teve mais influência sobre mim, do que qualquer outra
pessoa em toda a minha vida, fixei-me em fisiologia, embora, naqueles dias, ela
estivesse, muito estreitamente restrita, à histologia”.(FREUD,1925 [1924] p.292)
Quando Freud completa trinta e cinco anos, ele ganha um valioso presente
de seu pai: uma Biblía Philippson, que pertencia à família. Este livro que se
apresentava em pequenos fascículos, foi comprado pelo pai em uma viagem.
Quando pequeno, folheava e se interessava pela quantidade de figuras que ela
possuía, além da apresentação científica que existia na escrita do autor. Como, na
cultura judaica, a idade de 35 anos é muito significativa, por ser considerada a
transição da maturidade, Jakob mandou encaderná-la em couro para presentear o
filho.
A dedicatória que o pai de Freud fez, na Bíblia, foi interpretada por muitos
estudiosos: “Meu filho Schlomo (Salomom), no sétimo dia da sua vida, o espírito do
Senhor começou a te impedir (comp. Juízes 13,25), e eu te disse: vai, lê no meu
livro que escrevi e se abrirão para ti as fontes do entendimento, do saber
(reconhecimento) e da compreensão (...)” (THEO PFRIMMER, 1994, p.19). Várias
significações são analisadas, uma delas, se o pai de Freud não pediria ao filho para
refletir sobre a religiosidade, retomando suas crenças e tradições de seu povo?
Pelo que parece Freud não realizou esse desejo paterno, desenvolvendo seu
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estudo sobre religião e psicanálise. Jakob Freud faleceu, em 26 de outubro de 1896,


aos 81 anos. Além da dor da perda e do luto vivido, Freud foi escolhido para
organizar o funeral pela família, mas chega atrasado à cerimônia que o antecedia,
causando desagrado aos familiares. Freud realizou, meses após esse
acontecimento, três atividades: a elaboração de “A interpretação dos sonhos”, sua
autoanálise e a coleção de antiguidades, das quais citaremos as duas últimas.
A coleção de antiguidades de Freud era formada de estátuas de deuses e
gravuras que pareciam, até mesmo, serem idênticas às ilustrações da Biblía
Philippson. Com isso, percebemos que “aquilo de que a coleção carece é tão
importante quanto a que inclui” (RIZZUTO, 1998, p.34), pois, nenhuma peça fazia
alusão ao culto fálico ou à sexualidade. Antiguidades gregas, romanas e egípcias
faziam parte da coleção cercada de divindades de diferentes religiões; talvez
fossem sua fonte de inspiração e reflexão; mantinham viva, de certa forma para
Freud, a presença de seu pai Jakob que o deixara.
Freud cultivou, ao longo de sua trajetória, várias amizades que foram
importantes para a construção de sua obra, das quais citaremos uma, por estar
relacionada à temática religiosa, com o Pastor Oskar Pfister. Não se tem precisão de
como e quando Freud iniciou esta amizade. A probabilidade é de que tenha
acontecido quando aquele lhe enviara “um dos seus primeiros artigos, a respeito de
suicídio de meninos em idade escolar” (GAY, 1989, p.185). Freud leu e gostou do
artigo, respondendo-lhe e, daí por diante, nasceu uma amizade de mais de um quarto
de século.
Em suas correspondências com o amigo religioso, revela-se um Freud muito
diferente, pois demonstrava respeito e admiração pela vida do religioso a quem se
referia como “caríssimo Homem de Deus”. Pfister considerava Freud um cristão, do
ponto de vista prático, pela dedicação de toda uma vida: a de buscar ajuda para o
sofrimento humano. Esse sabia lidar com a descrença de seu amigo, sem perder sua
crença e postura religiosa.
Não podemos deixar de citar a admiração e identificação de Freud com o líder
do povo judeu, Moisés. Em seu artigo publicado em 1914, ele faz uma análise da
obra-prima da escultura, “O Moisés”, de Michelangelo, em que ele não esconde o
interesse que essa obra de arte exerce sobre sua vida. Ele a visitou em Roma, na
Igreja de San Pietro in Vincoli, pela primeira vez em 1901. Observa diversos aspectos
da estátua: a forma como Moisés segura as tábuas, sua obra, a flexão das pernas,
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se o líder estava a sentar-se ou estava se levantando, detalhes que intrigavam um


observador tão fascinado pela mesma, como era Freud por Moisés.
Freud escreve a um amigo, Ernest Jones, que estava visitando Roma: “Invejo-
o por ver Roma tão logo e tão cedo na vida. Leve minha mais profunda devoção a
Moisés e escreva-me sobre ele” (FREUD apud Gay, 1989, p. 293).
O fascínio por essa obra, certamente, trouxe a imagem do grande líder do seu
povo que, acreditando ou não, faria parte sempre da sua existência. Em 1939, já com
83 anos, agravado pela doença e próximo da morte, destina seus últimos 5 anos de
vida a teorizar sobre a temática religiosa, publicando seu derradeiro livro “O homem
Moisés e a religião monoteísta”, um dos seus trabalhos mais importantes sobre
religião. “Não há a menor dúvida de que Moisés ocupou um lugar privilegiado na vida
de Freud, certamente, ele foi o maior de todos os heróis de sua infância e de sua
adolescência.” (ROCHA, 1994, pg. 371).
Este trabalho trata da história e do sentimento religioso judaico. Em 23 de
Setembro de 1939, Freud faleceu, sendo imortalizado por toda a sua obra
psicanalítica. Apresentamos, em sua análise, seus diferentes percursos: a sua
formação religiosa judaica recebida desde sua tenra idade, as experiências religiosas
em sua vida acadêmica, o estudioso da Bíblia e sua história, a admiração pela história
de Moíses e do povo hebreu, amizade que foi construída com o Pastor Oscar Pfister,
foram trajetórias que o levaram, apesar do seu ateísmo, a ser um dos pesquisadores
que mais se interessou pelo tema religião, trazendo contribuições para o pensamento
psicanalítico e religioso até o momento presente.

3 ANÁLISE DAS DUAS OBRAS DE FREUD


3.1 ATOS OBSESSIVO E PRÁTICAS RELIGIOSAS (1907)
Atos obsessivos e Práticas Religiosas foi escrito em 1907 e assim ele inicia
seus estudos sobre a religião. Neste texto, ele chama a atenção para a analogia que
existe entre os rituais praticados pelas pessoas religiosas e os atos praticados pelas
pessoas obsessivas.
A semelhança encontrada entre a neurose obsessiva e as práticas religiosas
é a questão da culpa para o neurótico e do pecado que intensifica a culpa para o
religioso. A culpa como sentimento estruturante da neurose obsessiva no sujeito e a
ideia de penitência com a qual a religião trabalha. Esta forma de lidar com a culpa no
neurótico obsessivo se dá através da repetição ou do recalque e na religião pela
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repetição dos diferentes ritos religiosos, como nos mantras para os budistas, nas
orações para os católicos e nas oferendas das religiões de matrizes africanas.
Freud afirma que a religião concede a um Deus, atributos da figura paterna
mencionando à infância, quando a criança se sentia exposta, desamparada,
abandonada, em perigo e recorria aos pais na procura de proteção. A religião,
portanto, trabalha com a proibição associada à punição, reproduzindo a ideia
obsessiva de que um é capaz de anular outro ato praticado, anteriormente, através
da reparação dos pecados. Quando se confessa os pecados, ou seja, aquilo que
provoca a culpa, é como se o que a originou desaparecesse, já que se busca o alívio
e o perdão de Deus. Na realidade, o que a religião oferece, através das práticas
religiosas, é que as pessoas se moldem a Deus, à imagem do Pai. Deus como figura
de um pai glorificado, uma purificação, uma cópia do pai: Deus é o pai!
Na neurose obsessiva, os sintomas são uma formação cujo objetivo é conciliar
as pulsões contrastantes (amor/ódio, vida/morte). Já a religião, trabalha com a
oposição (céu/inferno, pecado/redenção, Deus/Diabo). Para o obsessivo, qualquer
desvio das ações, dos ritos, é acompanhado por uma ansiedade intolerável. E, essa
ruptura, essa lacuna na estrutura, gera a angústia.
Um recalque insatisfatório na dinâmica psíquica do neurótico obsessivo,
ocasiona um enorme sentimento de angústia. Na busca para livrar-se desta, se
apropria de defesas secundárias, entre as quais estão os rituais obsessivos.
De forma análoga, o homem religioso, está também sujeito aos conflitos, que
se origina da luta entre o desejo e a interdição do desejo que nele existe, se
defendendo também desse conflito através do mecanismo do recalque. Este lança
mão de cerimoniais de práticas religiosas, a fim de neutralizar a forma pulsional dos
seus desejos já que o recalque não é suficientemente eficaz para anular a angústia.
Segundo Freud, o grande conflito enfrentado pelo religioso é o de obedecer
às pulsões e desobedecer a lei ou obedecer a lei e abrir mão das pulsões, assim os
rituais têm a função de proteção diante do conflito. " Assim, os atos e cerimoniais
obsessivos surgem, em parte, como proteção contra o mal operado". (FREUD, 1907,
p.115)
É importante pontuar que alguns religiosos utilizem os cerimoniais e rituais
para este objetivo, porém, isso não quer dizer que todo religioso assim o faça, ou
mesmo, que essa seja a finalidade de toda prática religiosa.
Freud descreve muito bem nesta obra, a analogia entre os cerimoniais
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religiosos e atos obsessivos em que mostrou que existem vivências religiosas que
podem ser incentivadas por razões inconscientes que seguem a lógica da neurose
obsessiva. O cerimonial religioso pode prestar-se a ser usado de modo obsessivo,
mas não termina seu verdadeiro significado.
Freud vai desenvolver melhor esta ideia, em Totem e Tabu, quando percebe
que algumas limitações podem ser suspensas, se certas ações forem realizadas,
tornando-se atos compulsivos que se repetirão, indefinidamente: a remição, a
penitência, os ritos de purificação, etc.

4 O TOTEM, O PAI E A ORIGEM DO SENTIMENTO RELIGIOSO


Nesta obra, Totem e Tabu (1913), que se desenvolve sobre as concepções
freudianas do surgimento das religiões, sua organização social e hierárquica das
comunidades primitivas que influenciaram a nossa atual configuração de sociedade.
Esclarecendo a proibição do incesto, sua grande influência na formação das
civilizações e a tentativa de elucidar a origem do fenômeno religioso, tanto nas
formações primitivas quanto da religião monoteísta judaica cristã e o sentimento
religioso.
A obra apresenta o sistema totêmico presente em diversos povos primitivos
em diferentes localidades geográficas, que consistia em uma forma de estrutura de
sociedade no modelo hierárquico e religioso de um determinado clã.
O totem de onde deriva o termo totemismo é um objeto sagrado que pode ser
uma pessoa, geralmente de diferentes naturezas, animal e mais raramente, um
vegetal ou fenômeno natural. Existia um grande respeito por este objeto que não
deveria ser caçado, ferido ou comido, na grande maioria das ocasiões, se tornando
um símbolo de devoção e que assegura a prosperidade do clã mediante sua crença,
invocando-o no auxílio do totem na caça, nas doenças, catástrofes e nas guerras.
Estes povos já acreditavam na imortalidade da alma que era representado
pelos totens e, por isso, o respeito com que deveria ser tratado. Além deste, há
também a interdição do incesto, sendo assim, proibida a prática de endogamia, ou
seja, membros do mesmo clã, mesmo que sendo aparentados, não deveriam se
relacionar sexualmente com os membros deste clã, pois, desrespeitariam o próprio
totem, e este rege as leis, fomentando a exogamia entre aqueles que a adotam.
Com o desenvolvimento da sociedade totêmica, o próprio totem ganha uma
representação cada vez mais religiosa e sagrada, assumindo outras
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representatividades como espíritos de antepassados que protegiam ao clã, o tabu de


que o totem é invulnerável.
Freud analisa o conceito de tabu que constitui a algo entre o sagrado e o
profano, ou seja, desrespeitá-lo era desonroso por ser sagrado. A proibição do
incesto e a do assassinato do animal totêmico, também é um tabu, assim Freud
desenvolve as relações entre o totemismo e o tabu nestas primeiras sociedades
humanas.
No comportamento das comunidades totêmicas, o principal tabu é o do “horror
do incesto” que, segundo Freud (2006), é análogo do seu termo do Complexo de
Édipo, vivenciado por toda criança, em que o bebê, tem como primeiro objeto de
desejo sua mãe, porém, inconscientemente, não pode tê-la para si, pois, existe a
figura paterna interferindo nesta relação e ao ter o seu desejo reprimido, teoriza que
é incestuoso o primeiro objeto de desejo da criança.
Quem controlava para que não houvesse nenhuma transgressão da lei da
exogamia, era o chefe da tribo, uma espécie de pai supremo do clã, porém, segundo
Freud (2006), este exerce uma chefia autoritária e arbitrária sob aqueles que estavam
sob seu domínio. Considerava-se o direito de transgredir todos os tabus, bem como,
o direito de transgredir as leis, inclusive de possuir sexualmente as mulheres do seu
clã. Era o chefe e representante do seu próprio totem, no caso um animal divino.
Outros integrantes e até os próprios filhos deste governante/pai supremo, não
concordando com este abuso, o matam. Com isso, sem mais esta liderança
despótica, os integrantes da tribo podem possuir suas mulheres, cometer o incesto,
transgredindo o totem.
Freud (2006) relatou o assassinato do chefe da tribo que representa o totem
sagrado e a violação das leis, fizeram que surgisse, em toda comunidade, um
sentimento de culpa pela morte e pela profanação do animal totêmico. Com o medo
de que o espírito do pai morto viesse atormentá-los, os integrantes da tribo decidem
reprimir o fato acontecido e o pai morto passou a ser, então, adorado e venerado
como um grande totem.
A culpa pela sua morte está na origem da religião, pois, o pai morto foi depois
divinizado. O pai torna-se o Pai, ou seja, Deus que fora adotado pelas religiões
monoteístas. No ritual em honra ao Pai morto, os primitivos decidem em que se
dariam no afixamento deste novo ritual como banquete totêmico, lembrando que este
tipo de refeição ja existia antes da morte do Pai.
180

Este banquete dedica-se ao Pai morto, em que todos do clã deveriam comê-
la que era, geralmente, um animal, para que todos assimilassem o poder e se
redimissem do pecado pelo assassinato.
O mito do Pai morto, tornou-se a fonte da religião, da moral e da vida em
sociedade, todavia, as motivações psíquicas da experiência religiosa seriam
provenientes do recompor deste sentimento oriundo da culpa, do assassinato do pai
primitivo e que foi transmitido ao longo da história da humanidade.
Nesta citação, Freud resume o relato do texto apresentado pelo artigo:

“A religião totêmica surgiu do sentimento filial de culpa, num esforço para


mitigar esse sentimento e apaziguar o pai por uma desobediência a ele que
fora adiada. Todas as religiões posteriores são vistas como tentativas de
solucionar o mesmo problema. Variam de acordo com o estágio da
civilização em que surgirão e com os métodos que adotam”. ( 1913/1976e
p. 173)

Sua análise amplia-se também para as religiões monoteístas, como por


exemplo, o monoteísmo judaico e o cristianismo.
Freud se utilizou do assassinato do pai primevo para entender a origem da
religião cristã. O sacrifício de Cristo, seria também, uma reparação do mal praticado
diante do Deus Pai. O assassinato é cometido sobre a figura do filho e não do pai,
com isso, ao longo da história, o cristianismo deixa de ser a religião do pai para ser
a religião do filho.
Freud também pontua as semelhanças entre o banquete totêmico dos
primitivos e a comunhão cristã, comumente, denominado este ritual como a Ceia do
Senhor. " A cerimônia cristã da Sagrada Comunhão, na qual o crente incorpora o
sangue a carne do Salvador, repete o conteúdo da antiga refeição totêmica,
indubitavelmente, apenas em seu sentido afetuoso, expressivo de veneração, e não
em seu significado agressivo". (FREUD, 1939/1976c, p.107). Com isso, ele se
encarrega, nesta citação, de evidenciar a diferença na semelhança a propósito da
analogia, que cria entre um e outro.
Se o dever assumido perante a divindade não for cumprido, uma expectativa
ansiosa aparece sob a forma de medo do castigo divino, que surge de forma casual.
Ela fica anulada até encontrar uma forma de se manifestar e deixar o sujeito à
disposição do perigo que ela provoca. Para que isso não ocorra, os cerimoniais
deverão ser efetivados. “Assim o cerimonial surge como um ato de defesa ou de
segurança, uma medida protetora” (FREUD, 1907/2006, p.114).
181

Neste texto Totem e Tabu, Freud considera ter encontrado, a partir da


psicanálise, o entendimento para a origem do monoteísmo. A culpa, provocada pelo
assassinato do grande líder, levará seus agressores a voltarem para sua crença, na
esperança de manter, metaforicamente vivo, aquele que mataram. Segundo Freud,
o domínio do monoteísmo judaico permanece até os dias atuais.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sem conseguirmos dar um fim diante da grandeza do tema proposto,
devemos concluir que, as duas obras apresentadas neste artigo, têm como objetivo
principal o de desenvolver o fenômeno religioso através da psicanálise. Este
percurso nos auxiliou a elucidar o pensamento de Freud sobre a religião.
Inicialmente, expomos alguns fatos relacionados a sua vida, no que diz
respeito ao universo religioso em que admite ter uma animosidade pessoal com o
tema. Mesmo demonstrando admiração pelo judaísmo, formação religiosa que
recebeu de seus pais, bem como, o contexto cultural e científico de sua época sua
forma peculiar de entender a religião.
Apesar de ter professado seu ateísmo, ele respeitou os valores éticos da
religião judaica. Freud foi um grande estudioso sobre o assunto. Dentre suas obras,
relatamos sobre “Atos Obsessivos e Práticas Religiosas”, escrito em 1907, que
iniciou suas pesquisas no campo da psicologia da religião e “Totem e Tabu” de 1913
que abordou de maneira mais ampla.
Neste trabalho, observamos que em Atos Obsessivos e Práticas Religiosas,
ele traz aproximação com a religião, através dos cerimoniais, pois esta se
fundamenta na dedução e na isenção de impulsos instintuais, geralmente, instintos
egoístas. Tal como a neurose obsessiva, o sujeito experimenta a ansiedade
expectante e o medo da punição, determinando um desempenho impróprio e
contínuo contra a tentação. A reincidência nesse caso, leva ao castigo, ao sofrimento
e à penalidade.
Em Totem e Tabu, ele apresenta a base da civilização e esta mesma renúncia
dos instintos constituintes produzida pela religião. Nesta, ele expõe o surgimento do
sentimento religioso, o sacrifício do sujeito diante da divindade no seu prazer
instintual, a proibição do incesto e a origem do fenômeno religioso, tanto na sua
forma primitiva quanto na sua forma mais evoluída.
A finalidade desse artigo através da Investigação dos posicionamentos de
182

Freud nessas duas obras, foi apresentar dois aspectos das contribuições dele. O
primeiro referente a como ele assemelha o rito religioso aos ritos obsessivos dos
neuróticos, e o segundo como ele assinala como sendo a origem do fenômeno
religioso.
Visualizamos com este trabalho a necessidade de ampliação dos estudos
nessa área, tendo esse artigo o objetivo incentivar novas reflexões, diga-se,
psicanalíticas, frente a um acontecimento humano tão cheio de mistérios e
complexidade: a experiência religiosa.
183

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. Atos obsessivos e práticas religiosas (1907). In:Edição standard


brasileira das obras psicológicas completas de S. Freud. Vol IX. Rio de Janeiro:
Imago,1976.

FREUD, Sigmund. Atos obsessivos e práticas religiosas (1907). In: FREUD,


Sigmund. “Gradiva” de Jensen e outros trabalhos (1906–1908). Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Volume IX. Rio de
Janeiro: Imago, 2006.

FREUD, Ernest. & MENG, Heinrich (orgs.) Cartas entre Freud e Pfister: um diálogo
entre psicanálise e a fé cristã. Viçoca: Ultimato, 1998.

FREUD, Sigmund. Moisés e o Monoteísmo, esboço de Psicanálise e outros


trabalhos, Rio de Janeiro, imago, 2006.

FREUD, Sigmund. O Moisés de Michelangelo (1914a). In:Edição standard brasileira


das obras psicológicas completas de S. Freud. Vol XIII. Rio de Janeiro: Imago,1976.

FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. (1927) In:Edição standard brasileira das
obras psicológicas completas de S. Freud. Vol XXI. Rio de Janeiro: Imago,1976.

FREUD, Sigmund. Totem e Tabu (1913 [1912]). In:Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de S. Freud. Vol XIII. Rio de Janeiro: Imago,1976.

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