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INTRODUÇÃO

No primeiro e-book do curso “Introdução à


Escola Austríaca de Economia”, focamos nossa
atenção em conceitos basilares da teoria econômica,
bem como em abordagens mais especificamente
austríacas, como é o caso da subjetividade. Além
disso, fomos apresentados aos aspectos met-
odológicos que distinguem a escola austríaca das
demais escolas de pensamento econômico.
Neste livro, iremos aprofundar nosso conhe-
cimento acerca da praxiologia de Mises, principal
respaldo axiomático da escola austríaca e seu prin-
cipal respaldo acadêmico para entender a economia.
Depois de estabelecida esta fundamentação, poder-
emos prosseguir a uma interligação epistemológica
da ação humana, do indivíduo, com isso que vivemos
em nosso dia a dia, a economia na prática: comprar;
vender; alocar; por que os preços sobem? por que
eles caem? Além disso, também compreenderemos
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o que são os mercados a partir da ótica austríaca.
INTRODUÇÃO

Uma vez mais, destaca-se que você não precisa


se preocupar caso não esteja entendendo plena-
mente esses termos neste momento. Afinal, é justa-
mente o objetivo desse curso fazer com que todas
essas palavras se tornem inteligíveis ao seu fim.

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O MÉTODO E A PRAXIOLOGIA

Conforme informado em nossa introdução, nosso


enfoque, hoje, priorizará a compreensão do mercado
a partir de uma perspectiva austríaca. Um dos
maiores problemas nas análises econômicas que as
pessoas fazem cotidianamente é a realização de uma
análise distorcida de mercados. Na visão austríaca
de entender o mundo, a esquerda e a Academia
também não conseguem compreender mercados
corretamente, fazendo com que haja uma dificuldade
abissal de entender o capitalismo e os mercados. Os
austríacos, por outro lado, conseguem desenvolver
uma percepção mais acurada acerca dos mercados
devido ao seu intenso tratamento epistemológico
para compreender o ser humano, o que permite a
ampliação posterior dessa visão para o todo.
Quando estamos refletindo sobre mercado,
ficamos intrigados por algumas questões: o que
ocorre com o mercado, em termos epistemológicos,
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que as coisas não dão certo? Qual é a compreensão
O MÉTODO E A PRAXIOLOGIA

epistemológica que a escola austríaca concede aos


mercados, em termos de ação, que faz com que
alguns mercados,tal como o dos países desenvolvidos,
apresentem uma tendência maior ao equilíbrio
(trabalhar melhor, produzir melhor, ganhar mais) e
outros, como é o caso do Brasil, apresentem maior
desequilíbrio (trabalhar mais, produzir pior, ganhar
menos)? O que acontece para que haja tamanha
diferença? Por que não podemos simplesmente
copiar o modelo de outro país e aplicá-lo aqui?
Essas diferenciações têm uma raiz epistemoló-
gica, mas, para respondermos a todas essas perguntas,
precisamos, antes, ter alguns conceitos e perspectivas
econômicas e austríacas claramente delineados,
principalmente, no âmbito da metodologia.
Para os austríacos, a área mais importante
no estudo econômico é a metodologia, porque
se não utilizamos o método correto para produzir
avaliações, inexoravelmente, as conclusões a que
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iremos chegar serão equivocadas, por partirem de
O MÉTODO E A PRAXIOLOGIA

premissas erradas. Vejamos o caso de Karl Marx.


Embora a cadeia dedutiva de Karl Marx não estivesse
necessariamente errada, Marx adotou premissas
incorretas que fizeram da Teoria do Capital e suas
previsões uma leitura imprecisa da realidade.

A premissa é a pedra basilar de


uma teoria econômica.

É a partir da premissa que o restante da teoria


será elaborado. No entanto, as escolas econômicas
não costumam lhe ofertar muita atenção, aceitando o
axioma sem antes exauri-lo. Os austríacos salientam
que a premissa, o axioma, a base inicial da análise,
precisa ser exaustivamente discutido até atingir um
determinado patamar de certeza. Enquanto não
há certeza sobre o axioma, não é possível iniciar
o processo dedutivo e fazer inferências.
Por isso, neste e-book, iremos construir o
axioma econômico maior, no qual está envolto
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a praxiologia e, a partir da evolução do axioma,
O MÉTODO E A PRAXIOLOGIA

vamos entender o mercado, o capitalismo, os ciclos


econômicos. Nos três primeiros e-books vamos
erigir uma forte base teórica, para que possamos
aplicar esses conhecimentos de forma incisiva nas
questões empíricas no quarto e último e-book.
Antes de prosseguirmos para o conteúdo,
gostaria de ressaltar a importância fundamental de
refletir sobre os conhecimentos que estão sendo
transmitidos e de testá-los no dia a dia a partir da
análise lógica. Nós iremos trabalhar com o axioma
da ação humana. Apenas depois de múltiplos testes,
podemos evoluir na cadeia de dedução lógica para
buscar compreender os mercados e as demais
questões. Vamos ao estudo da praxiologia.
O que é a praxiologia? Mises dizia que

A praxiologia fornece aprioristicamente


o axioma da ação humana.

O primeiro axioma da ação humana é


que as pessoas agem.
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Nós dizemos que esse axioma é incontestável
O MÉTODO E A PRAXIOLOGIA

e autodedutível? Porque para refutá-lo, você terá


que agir. A partir desse axioma, Mises deduziu que

As pessoas, sempre que agem de


forma racional, de forma deliberada,
agem necessariamente para
diminuir o desconforto.

A ponderação sobre a diminuição do des-


conforto, no entanto, não se dá necessariamente no
curto prazo. Há uma cadeia de meios e fins nesse
ínterim que é importante que entendamos.
Por exemplo: Você está lendo este livro.
Por algum motivo, como cansaço ou preguiça,
a experiência não está sendo animadora. No
entanto, você decidiu continuar lendo. Por quê?
Porque por mais que esse momento de leitura
possa estar sendo desagradável, você vislumbra
algum ganho em fazer isso. Caso você, durante
a tomada de decisão, vislumbre um aumento de
desconforto ao final da leitura, não lerá o livro.
Para os austríacos, não há ação humana em
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que o indivíduo pense em piorar. Deste modo, se
O MÉTODO E A PRAXIOLOGIA

a pessoa vislumbrar um aumento de desconforto,


durante a tomada de decisão, não agirá. Ela não irá
suportar a dor. Por isso, quando compõe a cadeia
lógica e o axioma da ação, os austríacos não
estão interessados no aumento de desconforto
circunstancial, mas sim na motivação por trás
da ação. É por isso que as pessoas decidem
fazer uma graduação É por isso que, às vezes,
chegamos a trabalhar de 13 horas no início de
um emprego, por vislumbrar um ganho futuro ao
fazê-lo. Se ao final da ação, não vislumbrarmos
uma diminuição do desconforto, não passamos
por momentos de ardor.
Estamos utilizando incessantemente a palavra
vislumbrar porque você não tem certeza se
realmente vai ter um ganho futuro com a sua ação.

Esse é o componente da incerteza ao agir:


o ser humano, quando delibera, vislumbra
uma melhora de vida ou a diminuição de seu
desconforto na tomada de decisão para uma
ação específica, mas ele não tem certeza.

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A composição de incerteza porventura é o que
O MÉTODO E A PRAXIOLOGIA

trava a tomada de decisão ou faz com que a ação, de


fato, não ocorra. Em função disso, a incerteza humana
é uma área de estudo primordial que também está
presente em Mises.
Além disso, precisamos esclarecer o que é
aprioristicamente, o que significa aprioristicamente
fornecer o axioma? Acerca disso, Mises escreveu
em seu livro “Ação Humana”: eu sei que você age
para diminuir o desconforto. Toda ação que você
delibera tem essa presença, ou seja, você vislumbra
que diminuirá o desconforto ao agir. Mais do que
isso. Eu sei que não só você, mas todos os seres
humanos e todas as gerações futuras também agirão
para diminuir o desconforto. Eu não preciso ver a
ação de cada um ocorrendo. Eu já posso afirmar, a
priori, que todos agirão para diminuir o desconforto.
Essa premissa, extremamente forte em Mises, é
responsável por afastá-lo da preferência acadêmica
de muitas escolas de pensamento econômico.
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Essa assunção é muito contundente, porque muda
O MÉTODO E A PRAXIOLOGIA

completamente o método em economia.

O método mais usado em economia é


chamado de positivista, empirista ou indutivo

Essas diversas derivações servem para


denominar um método que prefere verificar
o fenômeno ocorrendo para, a partir de sua
verificação, extrair conclusões ou teorias.

Por exemplo: para elaborar uma teoria sobre


a forma dos americanos trabalharem, eu preciso
observar os americanos trabalhando. Será a partir
das observações dos americanos trabalhando que a
teoria será esboçada.

Para os austríacos, deve-se fazer o


caminho inverso. Primeiro, é preciso
construir o axioma teórico e a teoria,
sem que seja feita qualquer observação.

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Depois que o axioma e a teoria foram for-
O MÉTODO E A PRAXIOLOGIA

mulados, é necessário testá-los através de um


confronto com a realidade. Se o axioma está
presentemente correto, ou seja, se o axioma foi
avaliado corretamente, nos casos em que eu
confrontá-lo com a realidade e essa confrontação
não fornecer uma compatibilidade, eu devo refazer
o teste, não o axioma. A certeza sobre o axioma
em escola austríaca é tão forte, mas tão forte, que
a prática não desmonta a teoria. É a teoria que
desmonta a prática. Será preciso refazer a prática,
retestar, pegar outro exemplo, porque provavelmente
você não está utilizando o exemplo correto para
uma teoria que está correta.
Por isso, reforçamos constantemente a
importância de exaurir o axioma, porque um axioma
robusto será suficiente para construir uma teoria
econômica correta, capaz de aguentar fenômenos
da realidade, ou seja, capaz de explicar o correto
funcionamento da economia. A Academia abomina
a sobreposição da teoria relação ao exemplo.
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A QUESTÃO DO CONHECIMENTO E A
COMPLEXIDADE FENOMENOLÓGICA
Podemos compreender melhor esse fenômeno
a partir da questão do conhecimento em Hayek,
que o ajudou a ganhar o prêmio Nobel. Para o
Hayek, o problema de fazer uma análise fenome-
nológica complexa do mundo é que

o ser humano tem uma limitação de


conhecimento que lhe é inerente.

O conhecimento do ser humano está disperso


na sociedade, ou seja, nem todo mundo tem todo
conhecimento em si;

cada um tem uma pequena


parcela do conhecimento, imensurável,
que só consegue ser ampliada por
meio detrocas de informação.

Por exemplo: em uma sala com professor e


alunos, o professor detém uma parcela de conhec-
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imento específico, desconhecido pelos alunos, e os
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alunos detêm uma parcela de conhecimento espe-


cífico que, do mesmo modo, também é desconhe-
cida pelo professor. Quando, por vias de mercado,
há trocas de conhecimento, a sociedade melhora.
Hayek contribui ao afirmar que se eu não tenho
conhecimento suficiente para entender o mundo
complexo de 7 bilhões de pessoas que trocam dia-
riamente bens, qual será a certeza que eu tenho ao
analisar um fenômeno complexo de que eu estou
fazendo a análise correta?
O professor A.F. Chalmers, em seu livro “O que
é ciência afinal?”, também traz um debate interes-
sante sobre metodologia em economia que colabora
com a nossa exposição.
Por exemplo: imagem que vocês estão em
uma sala e têm uma radiografia do meu pulmão. A
radiografia é a informação da realidade, é o fenômeno
complexo. Há uma informação nela: o estado do meu
pulmão. Na sala, há um médico e nove não-médicos
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e a informação (radiografia) passa por cada uma das
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pessoas presentes. A informação é a mesma, mas


você deve concordar que a capacidade de lê-la cor-
retamente está presente naquele que tem o conhe-
cimento para fazer isso, que é o médico. Essa situ-
ação nos coloca uma questão: em ciências sociais,
toda vez que olhamos para a realidade a fim de
tentar extrair uma teoria econômica, qual certeza
temos de que estamos captando as informações
corretas, ou melhor, que estamos interpretando as
informações corretas sobre aquela realidade? Sele-
cionemos o caso da economia norte-americana de
1930-1940. Qual certeza eu tenho de que a inter-
pretação de X pessoa é a mais correta a ponto de
a teoria extraída ser a adequada para elaborar uma
teoria econômica? Quase nenhuma.
Por quê? A complexidade fenomenológica da
economia é muito maior do que das demais áreas
das ciências naturais. O corpo físico, quando estu-
dado, confere um conhecimento mais preciso acerca
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daquela realidade. Além disso, nas ciências naturais,
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há a possibilidade de realizar mais de um teste exata-


mente nas mesmas condições. Se eu misturar cálcio
e potássio, mais de uma vez, nas mesmas condições
de temperatura e pressão, o resultado da mistura será
o mesmo. Neste caso, a minha observação da reali-
dade vai me informar uma teoria. Em economia, não
podemos fazer essa afirmação categórica, pois sig-
nificaria dizer que basta exportar políticas que fun-
cionaram em outro país para o Brasil que obteremos
exatamente o mesmo resultado. Isso não funciona
dessa forma. Não somos iguais as pessoas do outro
país, não temos a mesma área geográfica e nem o
mesmo nível de conhecimento.
Para os austríacos, isso é um grande prob-
lema, porque as demais escolas de pensamento
econômico adotam continuamente a metodologia
dedutiva de procurar regularidades na análise empírica
para, a partir das regularidades, construir uma teoria
econômica. Do seu ponto de vista, um fenômeno que
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se manifestou oitenta anos nos últimos dois séculos,
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irá se manifestar novamente.


A escola austríaca aponta que não há certeza
sobre a manifestação do fenômeno e que não é viável
elaborar teorias econômicas a partir da observação
da realidade. Para os austríacos, o foco deve estar na
construção de um sólido axioma, do qual decorrerão
as deduções sobre como funciona a economia para,
a partir desse funcionamento, fazer verificações com
a realidade para encontrar regularidades. O Mises se
refere a esses aspectos quando diz que a realidade não
presta para fazer teoria. Isso não significa dizer que a
realidade não presta. São coisas distintas. Mises, por
ser lido sem a devida honestidade intelectual ou por ser
mal compreendido, é criticado por rejeitar o empirismo.
Mises rejeita, de fato, a análise prática e dos exemplos
para construir teorias. Mas é o fenômeno complexo
do mundo real que ajuda as pessoas a encontrarem
regularidades e a tomarem decisões. Caso contrário,
o mundo viveria no completo caos.
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Por exemplo: digamos que um ser humano queira
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diminuir seu desconforto e, para atingir esse objetivo,


decidiu estudar com a Brasil Paralelo. No entanto, se
não encontrasse correspondência na realidade com
isso, ou seja, se não pudesse usar da realidade para
tomar a decisão, não a tomaria. O que é usar a real-
idade? É perceber que as pessoas que estudaram
com a Brasil Paralelo cresceram academicamente,
melhoraram sua capacidade de raciocínio. Se não
houvesse a capacidade de olhar para o mundo real
para tomar essa decisão, viveríamos em um completo
caos, em um relativismo completo do ser humano.
Imagine se não fosse possível olhar as rotinas
do dia a dia, saber que horas as coisas começam
e terminam. O ser humano se consulta com a reali-
dade para diminuir o nível de incerteza na tomada de
decisão. Mas isso é absolutamente distinto de tirar um
padrão dessa realidade. O que seria tirar um padrão?
Chegar à conclusão de que assistir às aulas da Brasil
Paralelo vai me fazer chegar exatamente no mesmo
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lugar que outras pessoas que já as assistiram. Isso
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está errado, pois a experiência de assistir às aulas


da Brasil Paralelo não será igual para todo mundo,
mesmo que haja similaridades.
Embora muito rejeitado pelos demais, para os
austríacos, o método indutivo deveria ser o método
em economia, ou seja, elaborar uma boa teoria, fun-
damentada em um axioma, para, a partir dessa teoria,
desenvolver uma boa prática econômica. As demais
escolas buscam analisar a realidade para extrair um
padrão e, a partir desse padrão, tecer teorias e práticas
econômicas. Experimentamos, igualmente, um mau
uso da estatística como ferramenta pelos econo-
mistas, que, através da econometria, a empregam
para identificar regularidades. Os austríacos recon-
hecem a existência de regularidades, mas apontam
que devem ser usadas para verificar uma boa teoria
e não para construí-la. O que é construir uma teoria
econômica a partir das regularidades? É construir uma
teoria econômica a partir da verificação de que um
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fenômeno apresenta regularidade, como, por exemplo,
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as pessoas comprando todos os Natais. Os austríacos


se opõem a essa metodologia, sob a alegação de
que as teorias desenvolvidas com essa metodologia
podem facilmente ruir a partir do esfacelamento da
prática. Ou seja, diante do esfacelamento da prática,
haverá o inevitável desmonte da teoria.
Isso ocorreu com a curva de Phillips. Desco-
berta há uns 50 anos, alicerçada na teoria keynes-
iana, a curva de Phillips estabeleceu uma correlação
(trade-off) entre desemprego e inflação: toda vez que
o desemprego está baixo, a inflação está alta. Toda
vez que a inflação está baixa, o desemprego está alto.

CURVA DE PHILLIPS
Taxa de
desemprego
A

B
Curva de Phillips

Taxa de inflação

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A explicação para o trade-off desemprego versus
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inflação é a seguinte: se o desemprego está baixo, as


pessoas estão ganhando bem e consumindo muito.
Como o consumo geralmente rápido que a produção, a
inflação sobe, os preços sobem. E o contrário também
é verdadeiro: quando a atividade econômica está mal,
ou seja, o desemprego está alto, consequentemente,
o consumo não está aquecido. Se o consumo não
está aquecido, os preços necessariamente estarão
mais baixos. Deste modo, um alto desemprego obrig-
atoriamente gera uma baixa inflação. Essa teoria se
manteve como referência por cerca de 20 anos, até o
fenômeno da estagflação do petróleo, nos anos 1970,
um cenário caracterizado por uma alta inflação con-
jugada com alto nível de desemprego. Embora fosse
uma teoria observável anteriormente, a curva de Phil-
lips se desmonta, porque estava alicerçada na reali-
dade. Os keynesianos, neste momento, perderam seu
Deus, porque isso não fazia o menor sentido para eles.
Esta correspondência empírica para tentar extrair
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teoria é problemática por essas questões. Isso faz toda
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diferença na hora de fazer a análise econômica. Em


resumo, não conseguimos extrair da realidade uma
boa teoria econômica, pois o ser humano não tem
conhecimento suficiente para fazê-lo. A questão nova-
mente é a epistemologia. A resposta está no estudo da
ação humana, pois quando você compreende a ação
humana, você compreende esse processo inteiro.
Esclarecida esta questão, retornemos à praxi-
ologia de Mises, que é fornecer aprioristicamente o
axioma da ação humana. Apenas para retomarmos,
o axioma da ação humana diz que mesmo antes das
pessoas agirem, sabemos que agirão para diminuir
o desconforto. Isso se dá de forma racional, delib-
erada. Com isso, parte-se do princípio de que o
ser humano está sempre em alguma zona de des-
conforto. Teoricamente, quando a pessoa consegue
atingir o conforto pleno - se é que isso é possível
- não tem porque agir. Também é preciso ressaltar
que não agir também é agir.
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Por exemplo: você é convidado para tomar uma
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cerveja na sexta-feira à noite e você recusa o convite


para ficar em casa, assistindo ao Netflix. Você pode
estar deitado sem se locomover, mas, para Mises, ao
deliberar, você agiu. Há efeitos econômicos, por trás
de sua decisão, como a abstenção no consumo da
cerveja e a concessão de audiência para o Netflix.
Além disso, para Mises, toda deliberação
é racional e toda a racionalidade é utilizada para
diminuição do desconforto. Há uma distinção entre
neoclássicos e austríacos neste ponto. Enquanto
para os neoclássicos a racionalidade é composta de
plena conhecimento, para os austríacos, você não
tem certeza ao agir. O ser humano age de forma
subjetiva, sem ter convicção se está agindo de forma
correta. Caso tivéssemos certeza de nossas ações,
toda teoria do conhecimento do Hayek se provaria
infundada, porque nós teríamos pleno conhecimento
e o conhecimento falível não seria o problema que,
de fato, é para o ser humano.
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4
O TEMPO REAL DA ESCOLA AUSTRÍACA

Mises também aponta que a ação ocorre em


determinadas condições físicas. A primeira condição
física é que essa ação ocorre no tempo real. O
tempo real é o tempo de verdade. É preciso uti-
lizar essa expressão pois o tempo em economia,
conforme comentado na aula passada, é muito
mal usado. Como exemplo, podemos empregar
o gráfico de quantidade por preço. Digamos que
uma pessoa goste muito de banana. Para algumas
escolas econômicas, quando o quilo da banana
está R$10,00, essa pessoa consome 10 unidades.
Quando o preço do quilo da banana cai para R$5,00,
a pessoa dobra o consumo de bananas para 20
unidades. A partir disso, constrói-se uma curva de
demanda de banana dessa pessoa em um gráfico
Preço (P) x Quantidade (Q).

10

10 20 Q 24
Essa curva de demanda fundamenta uma teoria
O TEMPO REAL DA ESCOLA AUSTRÍACA

econômica: uma pessoa consome mais unidades


de banana quando o preço do quilo da banana cai
e consome menos unidades de banana quando o
preço do quilo da banana aumenta.

(t1) 10

(t2) 5

10 20 Q
(t1) (t2)

Esse gráfico se processa no tempo: o quilo da


banana custa, no tempo 1, R$10,00 e R$5,00 no
tempo 2. Isso é o que chamamos de tempo mecânico
ou tempo newtoniano, que não é o tempo real.
Isso não representa a realidade, porque nin-
guém se comporta sempre da mesma forma. Se
isso de fato ocorresse no tempo tal como prevê
essa teoria, isso significa que a pessoa em questão
fica se comportando como no tempo 1 e no tempo
2 indefinidamente, de acordo com a variação no
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preço da banana. Isso não existe, inclusive, porque
O TEMPO REAL DA ESCOLA AUSTRÍACA

o gosto das pessoas se altera ao longo do tempo.


Além disso, as pessoas vão acumulando conheci-
mento conforme vão vivendo. Elas percebem por
exemplo, que passam mal ou enjoam ao comer
uma quantidade excessiva de banana. Isso as faz
entender que quando houver uma nova queda de
preço, não é necessário comprar tantas bananas
como na primeira vez.
O tempo traz valor porque permite aprender
e, assim, corrigir erros associados a escolhas.
Uma vez que há a correção de erros associados
à escolha, o tempo não pode ser tratado em um
curva conforme o gráfico exposto acima, em que
uma pessoa reprisa exatamente o mesmo com-
portamento à medida que os preços se alteram.
Esse gráfico expressa o que acontece com essa
pessoa tanto em 2018 quanto em 2060.
Isso não representa a realidade, pois os seres
humanos não fazem escolhas assim. Há um mal
uso da estatística, da ferramenta estatística e até
da própria matemática. Por quê? Porque a partir de
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regularidades no todo, produz-se o gráfico acima
O TEMPO REAL DA ESCOLA AUSTRÍACA

e dele é extraída uma teoria. E o que é encontrar


regularidades no todo? Significa que, na média, é
aquilo que ocorre. Na média, quando o preço cai
de R$10,00 para R$5,00, o consumo dobra. E
quando o preço sobe, na média, o consumo cai pela
metade. Então, na média, eu posso inferir isso, mas
a média não consome e não se alimenta. A média é
a média e o ser humano tem dispersões da média.
Enquanto outras escolas de pensamento
econômico não olham para as expressões e se
mantém fixadas nas médias para ganhar regu-
laridade e fugir da instabilidade das individuali-
dades, os austríacos vão declarar que isso não
é economia e que é imperioso encontrar uma
forma de olhar para as expressões individuais.
Por isso, os austríacos buscam entender por
que uma pessoa não se comporta como a média,
porque, talvez, daqui a algum, outro indivíduo
adote exatamente a mesma postura dessa pessoa.
Além disso, apontam que é preciso olhar para
todas as expressões e entender a complexidade
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fenomenológica, pois, caso contrário, estaremos
O TEMPO REAL DA ESCOLA AUSTRÍACA

falando de uma pseudo-economia que não vai


funcionar. O desenvolvimento de teorias a partir
de médias irrita profundamente os austríacos,
porque o exemplo acima é tolo, mas existem
muitas coisas mais sofisticadas na Academia real-
izadas em cima desse raciocínio.

Dizer que as ações ocorrerem no tempo


real significa não utilizar esse raciocínio
mediano linear. Do ponto de vista do
tempo real, não haverá previsão de
um comportamento embasado nos
comportamentos anteriores.

Se, quando a banana estava custando


R$10,00/kg, no tempo 1, eu consumi 5 unidades,
e, no tempo 2, quando estava custando R$5,00, e
eu consumi 10 unidades, no tempo 3, quando a
banana voltar a custar R$10,00 não significa que
eu consumirei 5 unidades novamente. Não sig-
nifica nada. Essa passagem do tempo apenas vai
indicar que há mais conhecimento associado e que
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este provavelmente vai mudar algumas relações e
O TEMPO REAL DA ESCOLA AUSTRÍACA

escolhas associados a tomada de decisão.


Isso complexifica a análise econômica. Quando
o tempo é pensado a partir dessa perspectiva, tor-
na-se um problema em economia, porque é subje-
tivo, agrega conhecimento e faz com você aprenda
e mude a tomada de decisão.

A tomada de decisão muda com o tempo

Façamos novamente uma breve revisão: a


praxiologia diz que aprioristicamente você age para
diminuir o desconforto. Para os austríacos, você faz
isso de forma racional, deliberada e isso te con-
cede o axioma da diminuição do desconforto: o ser
humano age assim sempre. Ele faz isso num tempo
que é real, que agrega conhecimento e altera a
tomada de decisão. O ser humano também faz isso
com o uso da causalidade, que é a análise tele-
ológica: é a correspondência com a realidade que
nos permite tomar uma decisão. Caso contrário,
viveríamos no intenso relativismo. Mas não vivemos,
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pois sabemos que há algumas regularidades. Deste
O TEMPO REAL DA ESCOLA AUSTRÍACA

modo, o meu conhecimento importa para a tomada


decisão, mas a realidade me traz informações que
ajudam a diminuir minha incerteza. O que é diminuir
a incerteza? Quando você quer pegar um ônibus de
um lugar para outro, você tem uma ideia do tempo
que esse trajeto vai levar com base nas experiências
pregressas. Nem sempre você acerta o tempo exato,
porque, conforme estamos sempre ressaltando, há
incerteza, mas você calcula um tempo hipotético com
base nas suas experiências predecessoras e toma
uma decisão levando isso em consideração.
Agora, imagine se você não pudesse usar
a informação. O que é a informação? Você já fez
aquele trajeto várias vezes e, por isso, faz ideia
do tempo que leva para completá-lo. O uso do
conhecimento associado à informação ajuda em
algo fundamental para agir, que é a diminuição da
incerteza. Ou seja, a diminuição da incerteza mre
auxilia para a tomada de decisão.

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O processo de tomada de decisão ocorre
O TEMPO REAL DA ESCOLA AUSTRÍACA

em um tempo real, genuíno, que usa de


causalidade, com a ponderação por parte
do indivíduo dos meios e fins.

Assim surge

a escala de meios e fins, que é a


ponderação acerca de quais são as
etapas que é preciso vencer para
alcançar uma dada finalidade.

Se os meios forem muito difíceis, é possível que


o indivíduo não perceba uma recompensa na ação
e a tranque. Se a incerteza aumenta, a tendência
é que o indivíduo não execute a ação. Por outro
lado, caso perceba que os meios para alcançar
sua finalidade não são tão complexos, a tendência
é que o indivíduo tome a decisão de agir. Isso
mostra teoricamente a regularidade. Mises afirma
toda essa cadeia lógica antes de haver ação por
parte de qualquer indivíduo. Isso é impactante, pois
ele faz essa afirmação para as 7 bilhões de pes-
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soas no planeta e também para todas as próximas
O TEMPO REAL DA ESCOLA AUSTRÍACA

gerações de seres humanos que virão.

*PRAXIOLOGIA

Fornece aprioristicamente
O AXIOMA DA AÇÃO HUMANA

de forma racional Ocorre no tempo real


(deliberada)
Pelo uso da prática
para diminuir o (meios e fins)
desconforto
Causalidade

Diminuir Regularidade
a incerteza

Tomada de decisão

Esse processo apriorístico da praxiologia é


muito renegado em economia justamente por tra-
balhar com uma metodologia complexa. Além disso,
a diminuição da incerteza, a causalidade, todo esse
processo dificulta ao observador fazer uma análise
econômica, porque torna tudo muito subjetivo.

Assim, a escola austríaca se caracteriza


por uma subjetividade da análise.
32
Esse processo praxiológico é o principal
O TEMPO REAL DA ESCOLA AUSTRÍACA

alicerce teórico para a construção da ciência


econômica e é dele que Hayek deriva toda a
estrutura das demais ciências sociais. Para Mises,
também derivam da praxiologia todas as demais
ciências sociais, como psicologia, administração,
direito, filosofia, etc..

33
5
A INSUFICIÊNCIA DA PRAXIOLOGIA

No entanto, a praxiologia não é perfeita e


impecável. À medida que começamos a ler outras
teorias, como as dos institucionalistas, percebemos
algumas correspondências que a metodologia
proposta por Mises não consegue contemplar pre-
cisamente.
Por exemplo: digamos que eu quero ser médica
e, para isso, eu decido fazer uma faculdade de
medicina. Os cinco anos de estudo e os dois anos
de residência, que totalizam sete anos, são apenas
meios para chegar na finalidade, que é a formatura
para exercer a medicina. Mises afirma que o impor-
tante nesse processo é a tomada de decisão baseada
na utilidade. Os meios - esses sete anos de estudo -
são apenas pedras no caminho que não são de inter-
esse na análise do estudo. No entanto, há um detalhe:
durante esses sete anos, houve deliberações, eu fiz
escolhas econômicas, eu me alimentei, estudei, me
34
mudei, namorei, casei. Para o Mises, não é preciso
A INSUFICIÊNCIA DA PRAXIOLOGIA

estudar todas essas decisões dos meios. Isso diz muito


sobre o método misesiano e sua possível incapaci-
dade de contemplar essa miríade de fenômenos,o
que constitui em um ponto problemático.
Isso não significa dizer que a praxiologia está
errada, mas sim que ela não consegue alcançar sua
pretensão. Talvez ela não seja uma ciência geral da
ação humana, mas sim uma boa ciência da ação que
explica, aprioristicamente bem, a tomada de decisão
em relação aos meios e fins. No entanto, ela não con-
segue contemplar esses meios e fins, a teleologia.

A teleologia é a análise dos meios


e fins, de tudo que você faz para
chegar ao seu objetivo final.

Mises não tem um bom tratamento teleológico.


Embora tenha consciência de que há questões
entre a tomada de decisão e a finalidade, ele não
avança nesse sentido.
35
Outro ponto extremamente relevante que Mises
A INSUFICIÊNCIA DA PRAXIOLOGIA

não abarca na sua teoria da ação, é que o ser


humano não age de forma atomizada, ou seja, ele
não age sem se importar com o mundo. As pes-
soas são influenciáveis e suas tomadas de decisão
não são sempre únicas. Geralmente, o ser humano
age condicionado pelas estruturas sociais.
Por exemplo: quando eu tinha 13 anos, usava
o cabelo comprido e roupas pretas para poder par-
ticipar da turma do rock. Eu não gostava muito
de preto, mas usava para me enturmar. Isso é um
condicionamento social que faz com que as pes-
soas ajam.
Esse é outro aspecto problemático que Mises
também não aborda: os fatores sociais que per-
meiam essas escolhas. Embora soubesse que havia
condicionamento na tomada de decisão, Mises
declarava, com razão, que “o problema é que eu
não posso afirmar que as pessoas são condicio-
nadas aprioristicamente.”. Não é possível afirmar,
36
antes das pessoas agirem, que elas agem condi-
A INSUFICIÊNCIA DA PRAXIOLOGIA

cionadas. É preciso observar a ação. Nesse caso,


a teoria deixa de ser apriorística e passa a ser ex
post, ou seja, primeiro há a observação e depois a
análise teórica. Portanto, isso não pode ser inserido
no arcabouço apriorístico da praxiologia e, deste
modo, não pode ser tratado. Trata-se mais de uma
limitação metodológica da praxiologia do que de
um problema analítico de Mises.
É importante salientar que nem todos os aus-
tríacos trabalham com a praxiologia, que é a única
teoria da ação existente. É o caso de Hayek, pro-
eminente expoente da escola austríaca, ganhador
do prêmio Nobel, que admitiu não ser praxiologista.
Hayek não apresenta uma metodologia muito clara.
Ele gostava de incluir a psicologia dentro da teoria,
mas não podemos afirmar que sua teoria base-
ava-se nisso. Os praxiologistas, por sua vez, não
consideram a psicologia uma ferramenta ideal para
avaliar a ação humana, justamente por ser também
37
ex post e muito subjetiva. O psicologismo é descar-
A INSUFICIÊNCIA DA PRAXIOLOGIA

tado por Mises na análise econômica porque, ainda


que a motivação da qual trata auxilie na análise, não
é possível incluí-la na análise apriorística da ação.
Seria necessário analisar cada ação para avaliá-la.
A motivação dificulta a construção do edifício teóri-
co-metodológico.
Não há consenso sobre a praxiologia dentro da
escola austríaca. Há temos como referência pois não
encontramos nada que a refute. Não há uma alterna-
tiva melhor. É possível optar por outra metodologia
de trabalho. Frisa-se que toda corrente austríaca
sempre recomenda e utiliza o método praxiológico,
dedutivo, que é distinto da praxiologia. Ou seja, que
primeiro um axioma seja construído e estressado,
para, a partir disso, fazer deduções lógicas a fim de
chegar na resposta correta. O problema do dedu-
tivismo é que se o axioma foi mal construído, todas
as respostas estarão erradas.
Estamos nos encaminhando para o estudo
38
do mercado. Antes de adentrarmos na economia
A INSUFICIÊNCIA DA PRAXIOLOGIA

real, faremos uma última retomada de todo esse


composto para ser possível compreender os mer-
cados e a análises de processos conforme proposto
pela escola austríaca. A praxiologia define apri-
oristicamente a ação humana a partir de delib-
eração racional para tomada de decisão asso-
ciada à diminuição de desconforto. Isso ocorre em
um tempo real, através do uso de nexo causal.
O indivíduo observa a realidade, encontra corre-
spondências e isso ajuda na tomada de decisão.
Isso diminui a incerteza e aumenta o grau de reg-
ularidade, porque toda vez que o indivíduo observa
a realidade, encontra maiores regularidades. Esse
aumento de regularidade o ajuda na tomada de
decisão. Isso compõe a tomada de decisão. A partir
daí, é possível entender todo esse processo asso-
ciado a como o ser humano age.
Para os austríacos, entender esse processo é
fundamental, pois quando as trocas começam a
39
ocorrer, isso compõe uma coisa chamada mercado.
A INSUFICIÊNCIA DA PRAXIOLOGIA

É a partir da junção entre axiomas, metodologias e


o estudo da ação que encontramos a explicação
das trocas. De acordo com o tratamento austríaco,
as trocas nada mais são que a explicação de boa
parte dos mercados. Então, toda vez que estudamos
processos de mercado, começamos dessa análise
para compreender todo resto.

40
6
OS MERCADOS PARA OS AUSTRÍACOS

O que é mercado para os austríacos? Os


austríacos apresentam uma abordagem de mer-
cado diferente das demais escolas de pensamento
econômico. Para os austríacos,

o mercado é um processo e sua análise


é realizada no tempo real e dinâmico.

Isso faz toda diferença.


Do ponto de vista do tratamento microeco-
nômico, o mercado é uma estática comparativa.
A estática comparativa é o mesmo processo que
fizemos em relação à compra de bananas de acordo
com a variação do preço. Comparando períodos
de tempo que são discretos (tempo 1, tempo 2,
tempo 3, tempo…) é possível encontrar uma reg-
ularidade e, a partir dessa regularidade, encontrar
a análise de mercado para a teoria econômico
associada. Para essas escolas de pensamento, o
mercado é uma análise estática do tempo, como
se fosse uma fotografia de dado momento.
41
Por exemplo: detecta-se que há um monopólio
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

da Microsoft a partir de uma análise do tempo


estático. Analisa-se um período de tempo, estati-
camente, e, a partir disso, tiram-se conclusões e
são feitas inferências.
Os austríacos, por outro lado, não realizam
um corte temporal (tempo 1, tempo 2, tempo …)
para analisar o processo de mercado. Eles tra-
balham com o mercado contínuo.
Por exemplo: ao detectar um monopólio da
Microsoft, algumas questões são colocadas: como
se chegou a esse monopólio? Quais são as ori-
gens associadas às consequências, ou seja, isso
vem de um processo de mercado ou vem de inter-
ferências dos processos ao longo do tempo?
Os austríacos trabalham com o processo de
mercado a partir da análise de quatro itens:
Subjetividade;
Complexidade fenomenológica (fenômeno
tem que ser avaliado sob várias formas);
Dedutivismo;
Processo como análise.
42
A soma desses quatro itens é o mercado
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

para os austríacos.
É preciso compreender a subjetividade por
trás do mercado. Ele é feito por seres humanos
em que as regularidades - correspondências da
realidade -, não nos dão todas as informações.
Há uma análise temporal de algum tipo de regu-
laridade, mas isso não me dá a análise do todo.
Desse modo, a soma das partes não vai me dar
o todo. Se as regularidades todas não me dão
o todo, uma “fotografia” não comporta todas as
informações necessárias para fazer a análise.
Para os austríacos, sempre há dois problemas
ao fazer a análise do processo: a informação talvez
nunca esteja composto de toda informação pos-
sível e não é possível saber se está, porque os
indivíduos não têm capacidade de avaliar toda infor-
mação possível, porque não possuem todo con-
hecimento disponível. E, justamente, os indivíduos
não têm todo conhecimento para analisar a infor-
mação. Portanto, é um problema mais subjetivo do
que da escola de pensamento.
43
Os austríacos consideram errada a análise
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

de mercado feita pelas demais escolas de pensa-


mento econômico por causa desse processo sub-
jetivo de análise. Além disso, há a complexidade
fenomenológica. Os fenômenos são exagerada-
mente complexos. Imagine a dificuldade de anal-
isar e entender o mundo de 7 bilhões de pessoas
interagindo de forma global, interconectadas hoje
com a era da internet, para tentar encontrar res-
postas para esse fenômeno. Significa dizer que
estudar pode ajudar na compreensão, mas não há
certeza sobre as respostas, mesmo quando você
acha que encontrou algumas. Essa complexidade
é um alerta de humildade da escola austríaca
sobre a análise de processos e a capacidade
que existe de interferir nos fenômenos complexos
para obter determinados resultados.

“a curiosa tarefa da economia é


demonstrar para os homens o quão
pouco eles sabem sobre aquilo que
eles imaginam poder planejar.” Hayek.

44
Isso nos enseja a reflexão sobre os governos
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

que interferem nos mercados através do ajuste de


preços, de política de subsídio, de taxação para pro-
teger, mexendo com as regras do jogo. Afinal, esse é
um fenômeno complexo para que se adotem políticas
de microgerenciamento. Políticas de microgerenci-
amento foram implementadas no governo de Dilma
Rousseff e os resultados foram catastróficos.
Por isso, para os austríacos, é preciso uma
não-intervenção na economia. Esse não é um
posicionamento necessariamente dogmático dos
austríacos a ponto de declarar que nunca nenhum
tipo de intervenção deve ser feita. No entanto, os
austríacos apontam para a necessidade de par-
cimônia, justamente porque o fenômeno é com-
plexo. Não é um laboratório: as políticas podem
ter efeitos que saem ao controle do governante.
Por exemplo: a indexação da economia bra-
sileira. A economia brasileira era extremamente
indexada. Com o plano real, teve início o processo
de desindexação da economia, mas este ainda não
foi finalizado. A PEC do teto de gastos foi indexada.
45
O salário mínimo é indexado. Ainda indexamos prati-
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

camente tudo na economia brasileira, porque depois


que um determinado fenômeno surge, retirá-lo é
muito difícil. É o caso do protecionismo de mer-
cado. Todos os austríacos são uníssonos quanto à
necessidade de realizar a abertura comercial para
aumentar a capacidade de concorrência, estimular
a inovação, identificar se o serviço é bem ou mal
prestado. No entanto, não é possível simplesmente
decretar a abertura comercial para o próximo mês.
É a lógica do intervencionismo de Mises, segundo
a qual uma vez feita a interferência, para deixar de
interferir, ou para as trocas não serem mais base-
adas em interferência, é extremamente complexo.
A maior parte dos economistas, por outro lado,
afirma que há a necessidade de intervenção, de
fazer políticas anticíclicas, ferramentais, etc..
O terceiro e quarto pontos são o dedutivismo
e o processo de mercado como análise, respec-
tivamente. A partir deste momento, entramos nas
estruturas de mercado.

46
Subjetividade
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S
Complexidade
PROCESSOS Fenomenológica Estruturas de
DE MERCADO Mercado!
Dedutivismo

“Processo
como análise”

As estruturas de mercado são:


1 Livre mercado ou concorrência perfeita;
2 Monopólios; Oligopólios;
3 Concorrência monopolística;

O que são esses processos para os austríacos?


Como evitá-los? Como estimulá-los? Como che-
gamos em situações como essa?

A concorrência perfeita é quando existe uma


gama de concorrentes disputando por preços. Há
outros elementos associados ao modelo, como pleno
conhecimento dos agentes, mas, em termos gerais,
podemos defini-la assim. Um exemplo é o mercado
de supermercados. Há uma variedade imensa de
supermercados em quase todas as cidades, com dois
ou três supermercados concentrando o mercado
47
e dezenas, centenas ou milhares de minimercados
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

de bairro. Ainda que haja um oligopólio nacional,


regionalmente falando, há uma certa concorrência
perfeita. O mercado de bares também é um ótimo
exemplo de concorrência perfeita ou próxima de
um concorrência perfeita: disputa por preço, nuance
específico e uma gama imensa de concorrentes.
No oligopólio, há uma forte concentração
de mercado.
No monopólio, a empresa é o mercado.
E na concorrência monopolística, há uma
intensa competição por diferenciação de pro-
dutos. No comércio internacional, as competições
globais são mais por concorrência monopolística.
O foco fundamental não é a definição. Mas
a compreensão de suas manifestações.
Por exemplo: de acordo com a teoria de
monopólios, adotada por escolas de pensa-
mento econômico divergentes da austríaca, há
um problema na existência do monopólio, pois
este permite que uma determinada empresa tenha
a capacidade inerente de dominar todo o mer-
48
cado, ofertando o produto ao preço que quiser,
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

na quantidade que quiser, com lucros extraor-


dinários, uma vez que somente ela o fornece,
ficando o consumidor à sua mercê.
Vamos refletir um pouco sobre essas afir-
mações, porque isso é interessante. O monopólio
de mercado ocorre quando uma empresa, sozinha,
devido à sua eficiência, consegue quebrar todos
os seus concorrentes e ficar como única ofertante
de um mercado inteiro. Teoricamente, agora essa
empresa tem uma condição privilegiada.
Um desafio: encontre um monopólio de mer-
cado no mundo globalizado de hoje. Além disso,
pense sobre quais são os privilégios de que essa
empresa usufrui.
Esta é a pergunta que precisamos nos fazer:
essa empresa realmente tem um privilégio nas
mãos? Ela realmente vai poder subir o preço e
disponibilizar a quantidade que bem entende do
produto, sem sofrer quaisquer efeitos por essas
medidas? Qual, de fato, no livre mercado, é o priv-
ilégio dessa empresa?
49
Para os austríacos, o monopólio é uma condição
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

de mercado como qualquer outra. Quem determina


o sucesso de uma empresa é o consumidor. Quando
uma pessoa decide comprar de uma empresa, está
dando a sinalização de que aquela empresa con-
segue lhe oferecer o melhor produto. Ao mesmo
tempo, o consumidor também está informando isso
para os demais ofertantes desse mesmo produto.
Quando vários consumidores começam a escolher
em massa uma empresa, estão votando na sua con-
tinuidade e no término das demais. Por isso, para
os austríacos, uma empresa conquista o monopólio,
quebrando todas as suas concorrentes, devido à sua
eficiência em ofertar algo bom. No livre mercado, é
isso. Empresas que fornecem produtos ruins rara-
mente prosperam no longo prazo. Será muito com-
plexo e difícil esse ofertante ficar sozinho no mercado
por muito tempo, porque outras pessoas/empresas
identificar uma lacuna no mercado e tentar ofertar
o mesmo produto. Para os austríacos, portanto, as
estruturas de mercado, sejam oligopólios, sejam con-
corrências monopolísticas, sejam monopólios, nada
50
mais são do que uma ponta de todo um processo.
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

Voltemos ao ponto do monopólio para per-


cebê-lo de uma outra perspectiva. Já compreen-
demos que uma empresa que monopoliza um deter-
minado mercado não apresenta todos privilégios
propagados. Além disso, essa empresa apresenta
uma baixa capacidade de me obrigar a consumir
somente dela, dada a facilidade de importação do
mundo globalizado. Há. no entanto, um grave prob-
lema atrelado ao entendimento de que empresas
que estão em situação de monopólio usufruem de
uma série de privilégios. Para boa parte das teorias
econômicas, o monopólio de mercado e os priv-
ilégios dele decorrentes são a justificativa para a
necessidade e a aplicação da regulação. Quando
há regulação, inserimos nesse contexto o governo.
O que acontece? Uma entidade semi-estatal, par-
aestatal, uma autarquia interfere nas regras do jogo,
negociando-as.
Em minha monografia, busquei compreender
o monopólio existente na telefonia brasileira na
época. Em 2011, nós tínhamos 4 operadoras:
51
Brasil Telecom, Tim, Vivo e Claro. No Brasil, a Anatel
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

é a reguladora da área. Eu fiz um estudo em que


comparei-a a Ofcom, que é a reguladora britânica,
que trabalha com todo o Reino Unido. Eu estudei
as regulações para tentar entender por que a reg-
ulação britânica era mais eficiente e funcionava
melhor do que a brasileira?
Eu descobri que, desde 2004, a área de tele-
fonia do Reino Unido estava passando por um pro-
cesso intenso de desregulamentação, que diminuiu
a interferência da Ofcom sobre as regras setoriais
específicas, assemelhando-a mais a uma árbitra do
jogo. Políticas de preços, privilégios para empresas
estabelecidas do setor, acabaram, assim, não havia
mais impedimentos deste tipo para a entrada e
saída de ofertantes do mercado de telefonia, con-
figurando uma plena concorrência. Por isso, havia
11 empresas atuando nesse mercado. No Brasil,
embora o mercado esteja se desregulamentando,
ainda estamos longe do modelo satisfatório, pois
até para realizar uma política de preços é preciso
da autorização da Anatel, caso contrário, pode ser
52
considerada uma política predatória.
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

O que a teoria econômica aponta sobre um


mercado monopolista é que ele pode fazer política
predatória, que é baixar os preços exageradamente,
levando à quebra de seus concorrentes. Mas, quanto
mais uma empresa consegue fornecer um produto
a preços baixíssimos, melhor é para o consumidor.
Diz-se, no entanto, que após monopolizar todo o mer-
cado, essa mesma empresa estará apta para subir
o preço em quanto quiser. É difícil encontrar uma
correspondência dessa teoria na realidade. Por quê?
Porque a manutenção de um preço extremamente
elevado por parte de um ofertante ocorre somente
durante um período de tempo, pois essa decisão
abre espaço para que novas entrantes tentem con-
correr com essa empresa com preços mais módicos.
Para os austríacos, para que isso aconteça, é indis-
pensável que o mercado seja móvel, dinâmico.
Na conclusão do estudo realizado na minha
monografia, há nove anos, os brasileiros pagavam
6x mais por uma internet 7x mais lenta em um país
2x mais pobre. Esse é o resultado da nossa regula-
53
mentação. Por quê? Falta de competição.
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

Essa perspectiva não é puramente austríaca.


A Escola de Chicago também criou uma teoria
para esse processo de regulação chamada Teoria
da Captura, segundo a qual, em mercados reg-
ulados, o regulador se torna um ente corruptível,
enquanto as empresas se tornam entes corruptores,
que começam a trabalhar não por competição, mas
por lobby junto aos reguladores. Só que, quando as
empresas entram no mercado preocupadas mais
em fazer lobby do que com competir, o mercado
não funciona. Deste modo, as empresas e os regu-
ladores ganham, enquanto os consumidores saem
prejudicados. É uma estrutura de mercado que não
nos ajuda a melhorar de vida, pois o foco não está
na eficiência. As empresas, no mercado, têm que
competir pelas escolhas do consumidor. Embora
este não seja um funcionamento perfeito, é a melhor
forma de o mercado funcionar. Essa é uma análise de
processo que está mais associada aos mecanismos
de incentivo, pois é claro que as empresas pref-
erem competir por lobby do que pelas escolhas do
54
consumidor. O consumidor precisa ser conquistado
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

na base da eficiência, oferecendo produtos bons e


inovadores, enquanto que o lobby é comprável. O
consumidor não é comprável em larga escala.
Portanto, em vez de se preocupar com a estru-
tura em si, é mais importante montar uma estrutura
que privilegie a livre concorrência. Voltando ao caso
da telefonia brasileira. Quando houve a privatização
da telefonia em 1997, existia o argumento de que
precisávamos criar uma empresa líder e uma empresa
espelho para estimular a concorrência. Por isso, a
Anatel trabalhava com fatias de mercado. Ela con-
cedia uma região para uma determinada empresa
e criava uma empresa espelho que competiria com
a líder. Não havia concentração de mercado, este
estava bem distribuído, mas havia cartelização. As
empresas fingiam que competiam entre si. Isso é
pseudo-competição e, portanto, pseudo-mercado.
Você não tem preços verdadeiros e os consum-
idores não estão sendo agraciados com as ben-
esses de mercado. Enquanto isso, no Reino Unido,
82% do mercado era controlado por uma mesma
55
empresa, mas havia competição.
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

Esse processo precisa ser bem compreen-


dido, porque boa parte das teorias de regulação se
preocupa mais com a concentração de mercado
do que com a existência ou não de concorrência.
Alguém pode ser inteiramente dono de um mercado
e ainda assim haver competição. E quatro empresas
podem dividir um determinado mercado e não haver
competição alguma. Esse é o efeito de um péssimo
processo de regulação. É tolo imaginar que a con-
centração de mercado diz muito sobre um processo
em questão, porque, se fosse assim, boa parte dos
países em que há fortes concentrações de mercado,
os consumidores estariam insatisfeitos. Isso não é
verdadeiro, pois não se confirma na prática.
Para os austríacos, portanto, o livre mercado, a
competição, servem para privilegiar o consumidor.
Mas essa não é a perspectiva padrão porque, infe-
lizmente, o mercado é mal compreendido.
Como exemplo dessa má compreensão, há o
argumento de que o livre mercado é bom para o
empresário, pois permite que ele lucre e enriqueça.
56
Para o empreendedor, a regulação é melhor, pois
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

diminui a concorrência. Todo competidor prefere ser


protegido e o lobby é a proteção do competidor às
custas do consumidor. No livre mercado, a empresa
que entende bem o consumidor é premiada e a que
não compreende, é punida. Às vezes, o consum-
idor pode comprar errado e ser enganado por uma
empresa, mas a questão é: por quanto tempo uma
empresa é capaz de enganar toda a sociedade?
Contudo, essa percepção dos mercados só é
possível quando o analisamos como um processo.
Os economistas, em geral, utilizam a análise estática.
É como se a observação das estruturas de mercado
e do mercado como processo fosse um filme sem
início e sem filme e, para as escolas que adotam a
análise estática, como uma fotografia. Acontece que
uma fotografia te dá informações limitadas. Assim,
essas escolas trabalham apenas com um contexto
e não sobre o todo e, para os austríacos, o todo é
fundamental.
Essa é, resumidamente, a teoria de estrutura de
mercados. Mercados, quando livres, são processos.
57
Para os austríacos, temos muito pouca capaci-
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

dade de intervir neles com sucesso, para não


dizer nenhuma. Por isso, é preciso deixar que a
competição flua.
Outro elemento fundamental que também deve
ser levado em consideração é a concorrência por
substitutos próximos, que auxilia no controle do
processo de concentração.
Por exemplo: é o caso do ramos das bebidas.
Digamos que haja um monopólio do suco de lar-
anja, ou seja, somente uma empresa colhe, sabe
fazer e vende o suco de laranja. As pessoas adoram
o suco de laranja produzido. Em tese, essa seria
uma situação privilegiada, mas há outras opções
de bebida como a cerveja, a água e até os sucos
de outros sabores. Para ter um monopólio, neste
mercado, é preciso produzir água, todos os refrig-
erantes e sucos de todos os sabores. A Coca Cola
faz isso, que se chama diferenciação e diversifi-
cação. Reflita: quais são os reais privilégios que
ela tem em relação aos mercados?
Os monopólios realmente perversos são aqueles
58
cuja concentração do mercado é oriunda de leis,
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

que são os monopólios estimulados ou protegidos


por governos. Geralmente, são nesses monopólios
ruins que pensamos, como a Petrobras, os Correios,
etc.. Em sua monografia, a professora Mariana Piaia
Abreu fez uma análise de processos de mercado
para os neoclássico e para os austríacos. Ela anal-
isou as leis antitruste dos EUA, o caso Ambev, o
caso Nestlé-Garoto e vários outros cases em que
demonstra que a regulamentação mais fomentou
processos de dissonância de mercados e concen-
trou privilégios do que ajudou os consumidores a
não serem expropriados por monopolistas e con-
centradores de mercado. Mesmo que as intenções
do governo sejam, de fato, boas, suas práticas têm
sido pouco efetivas.
Portanto, para os austríacos, é importantíssimo
compreender, quando detectado, se um monopólio
surgiu por mecanismos de mercado ou por lobby.
Caso tenha sido gerado devido ao lobby, é preciso
entender esse lobby para, a partir do seu entendi-
mento, confrontar o problema.
59
Nem tudo é consenso entre os austríacos
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

quando se trata de mercados. A partir daí, há a


migração para um debate mais acadêmico sobre
se os mercados, quando livres, tendem ou não ao
equilíbrio. Pois, de acordo com o que falamos até
agora, os mercados parecem praticamente per-
feitos, sendo suficiente deixá-lo fluir para que as
trocas livres se ajustem. Há dissonâncias nessa
perspectiva, que está dividida basicamente em
duas grandes vertentes:
Uma está associada ao Mises e ao professor
Israel Kirzner da New York University. O equilíbrio
no mercado é quando a oferta corresponde exata-
mente à demanda. Essa vertente argumenta que os
mercados possuem, quando livres, uma tendência
ao equilíbrio, que nunca é alcançado. Em vários
momentos, segundo alguns austríacos, os mercados
tendem a rumar, quanto mais livres forem, para pro-
cessos equilibradores, que, ali na frente, devido a
erros, se desequilibram novamente gerando prob-
lemas no mercado.

60
oferta
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S P

demanda

A outra vertente, alinhada com o professor


Clackmnnan, argumenta que o mercado não se
aproxima do equilíbrio e que os mercados, na ver-
dade, são grandes processos nebulosos em que
o desequilíbrio está mais presente, sendo a for-
mação de expectativas futuras um problema para o
empreendedor. O tratamento sobre o empreendedor
da escola austríaca será abordado de forma mais
profunda no último e-book. O empreendedor é fun-
damental nos ciclos econômicos porque ele faz a
leitura da taxa de juros, toma a decisão de empregar
e produzir. E há um outro debate presente entre os
austríacos que busca entender os mecanismos de
incentivo sobre a leitura futura.

Qual a relação do empreendedor com os pro-


cessos equilibradores e desequilibradores?
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Para Hayek, que trabalha com a linha do con-
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

hecimento, nós aprendemos ao longo do tempo. E


esse aprendizado é fundamental para o empreend-
edor, porque é utilizado para tentar obter sucesso
no mercado. À medida que o tempo vai passando,
mais conhecimento tende a ser agregado. Com o
aumento no nível de conhecimento dos empreend-
edores de uma determinada área, a alocação e a
leitura dos mercados ficam mais corretas a ponto
de, na terceira ou quarta tentativas, o empreend-
edor acertar e abrir uma empresa produtiva. O
empreendedor é aquele que tem uma capacidade
de ler o mercado por aprendizado, através de ten-
tativas e erros sucessivos. Quando um empreend-
edor abre uma empresa e quebra, esta quebra é
causada pelo desequilíbrio que sua empresa gerou
no mercado. Quando um empreendedor abre uma
empresa e consegue torná-la rentável, significa que
a presença dessa empresa gerou um equilíbrio no
mercado. Assim, dizemos que no primeiro caso o
empreendedor desequilibrou o mercado e que, no
segundo, ajudou a equilibrar o mercado.
62
Para o Kirzner, esse empreendedor está em
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

um constante estado de alerta (alertness) que


faz com que fique atento a oportunidades e as
preencha. Toda oportunidade que está presente é
um desequilíbrio, portanto, o empreendedor age
como um equilibrador do mercado.
Por exemplo: os iPhones são um caso de opor-
tunidade presente no mercado. O iPhone foi inven-
tado em 2008, mas poderia ter sido inventado três
anos antes. Isso significa que, antes do iPhone ser
produzido, os recursos estavam sendo utilizados de
forma errada. Isso é uma espécie de desequilíbrio.
O Hayek e o Kirzner estão alinhados com a
vertente que afirma a tendência do mercado ao
equilíbrio, pois, para ambos, essas oportunidades
tendem a ser identificadas ao longo do tempo
por estratégias, por conhecimentos e por estado
de alerta.
O Clackmannan afirma que isso não é verdade,
e que nessa análise os teóricos não contemplam
a diferença entre empreendimentos de curto e de
longo prazos.
63
Por exemplo: Se deixarmos de lado a buro-
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

cracia, é necessário cerca de dois ou três meses


para abrir um bar. Por outro lado, para construir
um empreendimento de 20 bilhões de reais, preci-
sa-se de pelo menos 3 anos. Durante este tempo
o empreendedor não sabe o que vai ocorrer com a
demanda futura.
Clackmannan está chamando atenção para o
nível de incerteza presente nas duas operações: é
mais fácil ter certeza sobre qual é a minha demanda
para daqui a três meses do que para daqui a 3
anos. O nível de incerteza na tomada de decisão
de um empreendimento de 3 anos é muito maior,
assim como a possibilidade de cometer um erro na
escolha. Deste modo, o papel das expectativas é
fundamental na tomada de decisão. E o papel das
expectativas muda à medida que você vai errando,
porque entra um processo associado ao aumento
de incerteza. Para Clackmannan, o empreendedor
que errou a primeira e a segunda vezes, é dese-
stimulado a fazer uma terceira tentativa.
Assim, há uma dissonância gigante entre as duas
64
vertentes. Para o Kirzner, o erro traz informação e
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

é um estímulo para novas tentativas. Para o Clack-


mannan, o erro gera aumento de incerteza e é uma
incapacidade de ler corretamente as expectativas
futuras. Significa dizer que se um empreendedor
erra em suas primeiras tentativas, é mais provável
que ele erre mais ao longo do tempo do que acerte.
Se as pessoas, em grupo, erram mais ao longo do
tempo do que acertam, os mercados tendem a estar
mais em desequilíbrio do que em equilíbrio.
Esse debate ainda está em aberto na escola
austríaca, pois não há consenso. Há uma tendência
maior a concordar com o processo de equilíbrio
de Kirzner, mas há vários teóricos que argumentam
no sentido da tendência ao desequilíbrio de Clack-
mannan.
Há consenso, no entanto, na oposição ao pro-
cesso de regulação estatal. Mesmo que Clack-
mannan aposte que os mercados tendem e estão em
desequilíbrio, para a escola austríaca, a intervenção
estatal só aumenta o processo desequilibrador, pois
não existe capacidade de fazer uma leitura correta
65
do mercado e nem de realizar uma convergência
O S M E R C A D O S PA R A O S A U S T R Í A C O S

equilibradora. Se o empreendedor que tem custos


e prejuízos, tem perdas e lucros associados, já se
equivoca em sua análise, esse quadro é pior para o
governo, que não tem esse mecanismo de incentivo
presente. O governo, quando erra, não paga o erro
e, quando acerta, não ganha grandes louros. Não
há, portanto, esse mecanismo de erro-acerto pre-
sente. Por isso, para os austríacos, se o empreend-
edor está errando, é muito mais provável que algum
agente externo (governo) que entre e não tem lucros
e perdas associados ao processo, erre tanto quanto
ou mais.
É importante ressaltar dois pontos de todo
esse apanhado. É fundamental que façamos
análise de processo para mercado para que
seja possível entender se há uma tendência ao
equilíbrio ou não para, a partir disso, forjar uma
teoria de mercado. Além disso, para que seja pos-
sível fazer o alerta correto sobre as estruturas
intervencionistas existentes.

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7
PERGUNTAS

1- Quais governos já se pautaram na escola


austríaca?
A escola austríaca esteve na mainstream
econômica até anos 1930, em que disputava com
a teoria clássica. Mises foi conselheiro econômico
na Áustria nos anos 1920. O debate entre Hayek
e Keynes nos anos 1930 também desempenhou
um papel na formulação de políticas econômicas.
Mesmo depois, com os monetaristas, nos anos 1970
e 1980, havia algum diálogo com a escola aus-
tríaca. A escola austríaca perde muita relevância no
ciclo de ouro do capitalismo, no pós-guerra, devido
ao “bom funcionamento” do keynesianismo.
Hoje, a escola austríaca apresenta ingerência em
alguns aspectos da economia americana. No par-
tido libertário, há alguns elementos que a defendem,
como é o caso do Rand Paul, um político famoso
pela difusão de ideias austríacas junto a governos.
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Mas não podemos dizer que há algo efetivo.
P E R G U N TA S

No Brasil, há alguns parlamentares que chamam


atenção para a escola austríaca, mas não há nada
de efetivo como a ocupação de um cargo impor-
tante no Banco Central por um austríaco.

2- A Praxiologia de Mises era difundida nas uni-


versidades?
Não era difundida. Sua inserção na Academia
ocorreu de fora para dentro, à medida que alguns
estudantes começaram a aprender sobre escola aus-
tríaca em outras instituições e locais externos. Há um
pouco de Menger, da Revolução Marginalista e, na
pós-graduação, há um certo diálogo com o Hayek.
O Mises ainda continua pouco estudado e é encon-
trado, prioritariamente, em trabalhos acadêmicos,
não tanto em disciplinas e no ensino didático.

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