Você está na página 1de 87

FORMAÇÃO

HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política

SISTEMA DE ENSINO

Livro Eletrônico
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Apresentação..................................................................................................................3
Teoria Geral do Direito e da Política.................................................................................4
Parte I: Teoria Geral do Direito........................................................................................4
1. Direito Objetivo e Direito Subjetivo.. .............................................................................4
2. Fontes do Direito. ....................................................................................................... 11
3. Eficácia da Lei no Tempo...........................................................................................35
Parte II: Teoria Geral da Política. ....................................................................................59
1. Noções Introdutórias: Conceitos Básicos. . ..................................................................59
Referências...................................................................................................................83

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 2 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Apresentação

Olá, pessoal!
Dando seguimento ao nosso curso, na aula de hoje estudaremos a Teoria Geral do Direito
e da Política, pautando-nos no sumário abaixo!
Ótima leitura a todos vocês.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 3 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA


Parte I: Teoria Geral do Direito

1. Direito Objetivo e Direito Subjetivo

Tratando-se de institutos basilares, cujos conceitos são aprendidos logo nos primeiros
semestres do curso de Direito, é importante destacar que o direito objetivo e o subjetivo não
subsistem como institutos autônomos e independentes, sendo, em verdade, conceitos in-
trinsecamente interligados – algo como as duas faces de uma mesma moeda –, devendo
ser analisados de forma conjunta, afinal o aspecto subjetivo do direito somente se manifesta
quando ele estiver objetivamente previsto e garantido.
Explico melhor!
É que o direito objetivo é aquele relacionado à positividade, isto é, corresponde ao direito
posto, contido em normas jurídicas, podendo ser apontado como a própria norma ou o con-
junto de normas de conduta positivadas, ou, ainda, como a própria ordem jurídica, fruto da
atividade legislativa.
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, o direito objetivo traduz “o comando estatal, a norma
de ação ditada pelo poder público, e é nesta acepção que se repete secularmente que ius est
norma agendi1”.
Para fins didáticos, é comumente classificado em Direito Público e Direito Privado.
Noutra via, o direito subjetivo deriva da aplicação do direito objetivo a uma situação con-
creta, consistindo no direito-poder ou direito-prerrogativa, ou seja, na faculdade de exercer,
em favor do titular, o comando contido na norma. Ele é, assim, o “poder que a ordem jurídica
confere a alguém de agir e de exigir de outrem determinado comportamento”2
Caio Mário da Silva Pereira esclarece ser “o poder de ação contido na norma, a faculdade
de exercer em favor do indivíduo o comando emanado do Estado, definindo-se ius facultas
agendi3”.
1
Numa tradução livre, o Direito é a norma de agir.
2
Francisco Amaral, Direito civil: introdução, p. 181.
3
Numa tradução livre, O direito é a faculdade de agir

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 4 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Direito objetivo Direito subjetivo


(norma agendi) (facultas agendi)
Corresponde ao direito posto. É o poder que a ordem jurídica confere a alguém de
É a própria norma ou o conjunto de normas de con- agir e de exigir de outrem determinado comporta-
duta positivadas, ou, ainda, a própria ordem jurídica, mento previsto na lei, isto é, no direito objetivo.
fruto da atividade legislativa.

1.1. Direito Subjetivo: Natureza Jurídica

Definido o conceito, apontamos que, ao longo dos anos, surgiram algumas teorias (dou-
trinas negativistas) rechaçando a existência do direito subjetivo. Ganham destaque aquelas
postuladas por Duguit e Kelsen (Teoria Pura do Direito), defendendo este último que:

A obrigação jurídica não é senão a própria norma jurídica. Sendo assim, o direito subjetivo não é
senão o direito objetivo. Reconhece ele somente a existência deste, não aceitando o dualismo di-
reito objetivo-direito subjetivo, que encerra um componente ideológico.4

Não obstante, prevalecem as doutrinas afirmativas, aquelas que admitem a existência do


direito subjetivo, e que podem ser divididas em: a) teoria da vontade; b) teoria do interesse; e
c) teoria mista.
Conforme Tércio Sampaio Ferraz Júnior, o ponto central da discussão promovida pelas
citadas teorias estava em conseguir definir a natureza jurídica do direito subjetivo, a fim de
saber se este, a exemplo do direito objetivo, constituiria um dado por si ou se derivaria do di-
reito objetivo5, sendo necessário apontar, desde já, que nenhuma delas conseguiu esgotar de
maneira satisfatória o debate.
De acordo com a teoria da vontade, defendida por Savigny, Windscheid e outros, a von-
tade do sujeito é o elemento essencial e característico do direito subjetivo, este entendido
como o poder da vontade. Para esta teoria, o direito subjetivo é o poder originário da vontade
humana, reconhecido pela ordem jurídica.6
Critica-se o entendimento por não ser possível admitir que a eficácia de um direito confe-
rido a alguém pelo ordenamento jurídico fique condicionada à vontade do seu titular, único juiz da
4
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
5
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação. 4ª ed. São Paulo: Atlas,
2003. P. 147.
6
LORDELO, João Paulo. Noções Gerais de Direito e Formação Humanística. Salvador: JusPODVIM, 2017. p. 216.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 5 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

conveniência de sua utilização. Ademais, existem direitos em que não existe uma vontade real
do titular, a exemplo dos incapazes, que possuem direitos subjetivos, podendo herdar ou ser
proprietários, muito embora não possuam vontade em sentido jurídico.
Na teoria do interesse protegido, criada por Ihering, o direito subjetivo passa a ser definido
como o interesse juridicamente protegido, de modo que a posição também não passou ilesa a
questionamentos, uma vez que confunde o direito subjetivo com o seu conteúdo.
Por fim, a teoria mista, ou eclética, apoiada por Jellinek, Saleilles e Michoud, define o di-
reito subjetivo como o interesse protegido que a vontade tem o poder de realizar e, em razão
de mesclar os elementos básicos das duas posições anteriormente estudadas, recebe, igual-
mente, as mesmas críticas.
Corretamente, Carlos Roberto Gonçalves, apoiado em Luigi Ferri, elucida que:

O direito subjetivo, em verdade, não constitui nem poder da vontade, nem interesse protegido, mas
apenas “um poder de agir e de exigir determinado comportamento para a realização de um interes-
se, pressupondo a existência de uma relação jurídica. Seu fundamento é a autonomia dos sujeitos,
a liberdade natural que se afirma na sociedade e que se transforma, pela garantia do direito, em
direito subjetivo, isto é, liberdade e poder jurídico”.
Na realidade, direito subjetivo e direito objetivo são aspectos da mesma realidade, que pode ser
encarada de uma ou de outra forma. Direito subjetivo é a expressão da vontade individual, e direito
objetivo é a expressão da vontade geral. Não somente a vontade, ou apenas o interesse, configura
o direito subjetivo. Trata-se de um poder atribuído à vontade do indivíduo, para a satisfação dos
seus próprios interesses protegidos pela lei, ou seja, pelo direito objetivo7.

Não confunda:

7
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 6 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Teoria Defensores Tese Críticas


Teoria da Vontade Savigny, Windscheid Direito subjetivo é o poder Não é correto condicionar a efi-
e outros originário da vontade cácia de um direito conferido a
humana, reconhecido pela alguém pelo ordenamento jurí-
ordem jurídica. dico à vontade do seu titular.
Existem direitos em que não
existe uma vontade real do
titular.
Teoria do interesse Ihering Direito subjetivo é o Confunde o direito subjetivo
interesse juridicamente com o seu conteúdo.
protegido.
Teoria mista, ou eclética Jellinek, Saleilles e Direito subjetivo é o inte- Por conjugar os elementos
Michoud resse protegido que a básicos da teoria da vontade e
vontade tem o poder de da teoria do interesse, recebe
realizar. as mesmas críticas aplicadas a
estas.

O tema já foi objeto de prova.

Questão 1 (JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO DO TJ/PR/2017) O direito objetivo contempla o


direito subjetivo? Fundamente.

Certo.
Padrão de resposta oficial:
1. Resposta
Sim. Direito objetivo como conjunto de normas impostas e direito subjetivo como a permis-
são de agir conforme o direito objetivo. Um não pode existir sem o outro. O direito objetivo
existe em razão do direito subjetivo, para revelar a permissão de praticar atos. O direito sub-
jetivo constitui-se das permissões dadas pelo direito objetivo. Teoria circular.
2. Ideia central do conceito

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 7 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Direito objetivo é o complexo de normas jurídicas que regem o comportamento humano, as re-
lações entre as pessoas e entre elas e o Estado. Direito posto. É a norma de agir (norma agen-
di), a qual abrange o direito existente e concretizado em forma de leis. Compreende a série de
direitos existentes e implantados. Conjunto de normas que a todos se dirige e a todos vincula.
Direito subjetivo refere-se à posição do sujeito frente ao direito objetivo. Facultas agendi. É o
poder que a ordem jurídica confere a alguém para agir e exigir de outrem determinado com-
portamento. Permissão dada por meio da ordem jurídica para um sujeito fazer ou deixar de
fazer alguma coisa. Direito de forma concreta.
3. Elementos de definição
Direito objetivo: norma, norma agendi, direito existente e concretizado em normas ou leis,
direito implantado, regulamentação da conduta humana, conjunto de regras que rege os mais
variados setores da vida, previsão abstrata, erga omnes.
Direito subjetivo: invocação da norma, facultas agendi, prerrogativa do sujeito frente à norma,
poder de exigir que vigore a norma; permissão dada por meio da norma jurídica para fazer ou
não algo; previsão concreta. Classificação de direito subjetivo comum da existência (permis-
são de fazer ou não fazer, de ter o u não ter – sem violação de preceito normativo) e direito
subjetivo de defender (autorização de assegurar o uso do direito subjetivo, de modo que o
lesado pela violação da norma está autorizado a opor resistência, a fazer cessar o ilícito, re-
clamar a reparação do dano e processar os violadores da norma com imposição de sanção ou
pena).
4. Abordagem teórica
Dentro do direito subjetivo, são apontamentos teóricos pertinentes:
• Hans Kelsen nega a existência autônoma do direto subjetivo. Estabelece que o direito
deve ser visto como um sistema de normas e o direito subjetivo nada mais é do que o
reflexo de um dever jurídico que existe por parte dos outros em relação ao indivíduo de
que se diz ter um direito subjetivo. Como o dever jurídico é a própria norma, o direito
subjetivo é o fenômeno normativo colocado à disposição do sujeito.
• Três teorias que procuram definir a natureza do direito subjetivo: 1) TEORIA DA VON-
TADE de Savigny e Windscheid: direito subjetivo é o poder da vontade reconhecido pela

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 8 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

ordem jurídica (críticas: há direitos sem vontade do titular; há casos em que há uma
vontade real, porém o que o ordenamento jurídico protege não é a vontade do titular,
mas seu direito; o direito pode existir sem a vontade). 2) TEORIA DO INTERESSE de Ihe-
ring: direito subjetivo é o interesse juridicamente protegido (críticas: há interesses pro-
tegidos que não se confundem com direitos subjetivos; direitos subjetivos em que não
existe interesse por parte do titular). 3) TEORIA MISTA de Jellinek, Saleilles e Michoud:
direito subjetivo seria o poder da vontade reconhecido e protegido pela ordem jurídica,
tendo por objeto um bem ou interesse. Críticas: igual a acima. Direito não é objeto.

1.2. Direito Subjetivo: Classificação

Os direitos subjetivos classificam-se em...


Absolutos ou relativos: absolutos são os direitos que podem ser exercidos contra um
sujeito passivo indeterminado, isto é, têm eficácia erga omnes. Pode-se citar como exemplo
o direito de propriedade8. Já os direitos subjetivos relativos são aqueles exercidos contra um
sujeito passivo determinado, com eficácia inter partes. Um exemplo seria o direito de crédito
exercido pelo credor contra o seu devedor.

 Obs.: sob uma outra perspectiva, a classificação em absolutos ou relativos pode estar asso-
ciada ao fato de o direito em questão estar, ou não, sujeito à exceção. Nesse sentido,
absoluto seria o direito subjetivo que não admite exceção, enquanto o direito relati-
vo comportaria exceção. Há quem sustente, por exemplo, que a vida seria um direito
subjetivo absoluto. No entanto, prevalece na doutrina o entendimento de que não há
direito absoluto, inclusive o direito à vida, porque, em casos de guerra declarada, por
exemplo, admite-se a pena de morte

Reais e pessoais: reais são os direitos que o homem exerce sobre a coisa (a exemplo do
direito de propriedade, da posse, entre outros) e pessoais são os direitos que atuam necessa-
riamente sobre uma pessoa. O direito real pode ser definido como o poder jurídico, direto e

8
Nos termos do art. 1.228 do Código Civil: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de
reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 9 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

imediato, do titular sobre a coisa. Já o direito obrigacional, ou pessoal, consiste num vínculo
jurídico pelo qual o sujeito ativo pode exigir do passivo determinada prestação.
Transmissíveis e intransmissíveis: aqui a classificação diz respeito à aderência do direito
ao seu titular. Nessa esteira, no direito subjetivo transmissível, como a própria terminologia
revela, a titularidade é suscetível de alteração, como é o caso dos direitos reais, que são susce-
tíveis de transferência. Nos intransmissíveis, a titularidade é imutável, a exemplo dos direitos
personalíssimos, que, por serem inerentes a cada pessoa, não podem ser repassados a outrem.
Públicos e privados: direitos públicos são aqueles exercidos em face do poder público.
São os direitos relativos à liberdade, ao direito de ação, direito de petição e direitos políticos.
O direito subjetivo privado, por sua vez, é exercido contra um particular e, nesse sentido, pode
ser patrimonial ou não patrimonial.
Principais ou acessórios: principais são os direitos que possuem existência autônoma,
independente de outro. Já os acessórios dependem da pré-existência de outro direito e com
ele se relaciona. Por exemplo, no contrato de compra e venda que possua uma cláusula de
pagamento de multa diante do inadimplemento, o direito principal seria o direito ao pagamen-
to do valor da dívida, enquanto o pagamento da multa seria um direito acessório ao contrato.

1.3. Direito Subjetivo x Direito Potestativo

É importante que não sejam confundidos os conceitos de direito subjetivo e direito potes-
tativo.
Direito subjetivo é a possibilidade (faculdade) de o indivíduo valer-se da lei para defender
seus interesses, podendo exercer este direito com liberdade dentro da legalidade. É aquele
direito cujo exercício enseja um dever imediato de outrem.
O direito potestativo, diferentemente, além de ser unilateral, pois derivado da vontade de
uma só das partes envolvidas, é incontroverso, não admitindo contestações. Destarte, cabe a
outra parte tão somente sujeitar-se ao seu exercício.
Enquanto o direito subjetivo se contrapõe a um dever, o direito potestativo é o mesmo que
uma sujeição, na medida em que faz imposições a uma das partes sem que a outra tenha
contrapartidas a cumprir.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 10 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Outra distinção é o fato de o direito potestativo extinguir-se pela decadência, enquanto o

direito subjetivo extingue-se pela prescrição.


Para uma melhor compreensão, que tal compilar as informações estudadas?

Direito Subjetivo Direito Potestativo


É o direito a uma prestação. É o direito à formação de uma nova situação jurídica,
Ao direito subjetivo corresponde um dever. Logo, de sendo que a ele não corresponde um dever.
um lado há o direito e, de outro, o dever. Consequentemente, não está sujeito à violação
Os direitos subjetivos estão sujeitos à violação porque a outra parte apenas se põe em estado de
porque dependem da cooperação do devedor. sujeição. Logo, de um lado, há o direito e, do outro,
Extingue-se pela prescrição. uma sujeição
Extingue-se pela decadência.

2. Fontes do Direito

2.1. Teoria das Fontes

A teoria das fontes assume relevância quando o direito passa a ser entendido mais como

um produto cultural e menos como um dado da natureza ou sagrado. Falar em fonte do direito

é perquirir a origem do fenômeno jurídico. Em outras palavras, é dizer a forma pela qual as

normas jurídicas se originam e manifestam.

A expressão “fonte do direito”, portanto, pretende significar origem, gênese, sob a pers-

pectiva histórica e sociológica e, também, a busca pelo fundamento do direito, em uma aná-

lise filosófica.

Contudo, por ser vago e ambíguo, o termo “direito” acaba por conferir à teoria das fontes

uma certa dose de imprecisão, porque tanto pode abranger a origem das normas jurídicas

(isto é, do direito objetivo), como pode se referir ao direito subjetivo e também à própria nas-
cente da ciência jurídica e sua produção teórica (fontes da ciência do Direito).
Para fins de concurso, vamos nos ater aqui a tratar das fontes do direito objetivo e a dou-
trina, classicamente, costuma tratar o tema a partir de duas concepções: fonte material (fonte
de cognição) e fonte formal (fonte de produção jurídica).

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 11 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Sob o ponto de vista material, as fontes consistem nos “elementos econômicos, políticos
e ideológicos que perfazem a realidade social e servem de substrato para a produção, inter-
pretação e aplicação da normatividade jurídica”9.
Usando termos mais simples, é possível definir as fontes materiais como todas as moti-
vações de natureza social, econômica, ética, filosófica, entre outras, que tenham influenciado
o legislador na formulação da norma jurídica (direito objetivo).
De outra sorte, as fontes formais correspondem aos modos de formação e de revelação
das normas jurídicas. Em suma, são as estruturas que dão forma ao direito objetivo, a exem-
plo da lei.
Em que pese inexistir consenso quanto à classificação das fontes formais, predomina
em âmbito doutrinário que, a parir do disposto no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro (LINDB), devem ser assim consideradas a lei, a analogia, os costumes e os
princípios gerais do direito, devendo a primeira (lei) ser reputada como fonte formal principal
e as demais como fontes formais acessórias ou secundárias.
Como fontes não formais, por seu turno, temos a doutrina e a jurisprudência, destinadas
a auxiliar o operador do Direito na utilização das fontes formais.
Usualmente, costuma-se, também, separar as fontes do direito em diretas ou imediatas e
em indiretas ou mediatas. São diretas a lei e o costume, uma vez que gozam de aptidão para,
por si só, gerarem a regra jurídica. São indiretas a doutrina e a jurisprudência, que não sendo
capazes de elaborarem a regra jurídica de pronto, contribuem para a sua elaboração.
Atente-se ao esquema!

9
SOARES, Ricardo Maurício Freire. Elementos de teoria geral do direito, 3.ed. São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 63.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 12 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

2.1.1. Lei

Conceito

A lei, sobretudo nos sistemas de origem romano-germânico (“civil law”), é a fonte do di-
reito por excelência, instrumento próprio para a promoção de inovações na ordem jurídica.
Em verdade, diante dos reclames por maior certeza e segurança nas relações jurídicas
hodiernas, até mesmo nos países anglo-saxões, de tradição “common law”, vem se notando
uma ascensão da influência do processo legislativo.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 13 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Tomada em seu sentido estrito, “lei é a norma jurídica elaborada pelo Poder Legislativo,
por meio de processo adequado.”
Aprofundando um pouco mais, podemos apontar ser a norma geral e abstrata, com cará-
ter obrigatório, emanada do Poder Legislativo, conforme um processo legislativo específico,
e expressa mediante uma fórmula escrita.

Características

Uma vez conceituada, nota-se que a lei tem como características principais:
• A forma escrita;
• A generalidade, pois, dotada de um comando abstrato, não se digere a um indivíduo
específico, mas, sim, a todos os cidadãos indistintamente;
• A imperatividade, impondo deveres e condutas aos membros da coletividade, não sen-
do próprio das leis aconselhar ou ensinar;
• A permanência, sendo criada para vigorar por tempo indeterminado, enquanto não re-
vogada por outra. Há, contudo, leis temporárias, destinadas a viger somente durante
certo período, tal como ocorre com as leis orçamentárias;
• A complexidade, tendo em vista que a sua edição depende da manifestação de vontade
dos Poderes Legislativo e Executivo;
• É o resultado da manifestação de vontade da autoridade competente, conforme as
competências e os processos legislativos estampados na Constituição Federal;
• Contém um autorizamento, ou seja, a norma jurídica destina-se a autorizar ou não au-
torizar determinada conduta, restando superada a tese defendida por Hans Kelsen pela
qual não haveria norma sem sanção.

Norma e lei não são expressões sinônimas.

 Obs.: a norma é uma prescrição, proibindo, permitindo ou exigindo determinada prática,


podendo ser revelada por meio dos mais diferentes instrumentos, a exemplo das
regras, dos princípios, das decisões judiciais e das leis.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 14 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

 A lei é, portanto, apenas uma das formas pelas quais se reveste uma norma ou um
conjunto de normas dentro do ordenamento jurídico – a lei, para alguns doutrinado-
res, é considerada como o veículo da norma.
 Diferenciam-se, também, pelo modo como se revelam aos seus destinatários, uma
vez que a lei possui caráter explícito, informando de modo claro a conduta exigida ou
esperada, ao passo que a norma se revela implicitamente, sendo o fruto da interpre-
tação do texto em que está estampada.
 Com efeito, nem toda norma é jurídica, a exemplo das disposições de cunho religioso,
porém, quando expressadas na estrutura de lei, assim serão classificadas.
 Destarte, podemos arrematar que toda lei é uma norma, mas nem toda norma é
uma lei.

Reflexões Necessárias

Não se pode olvidar ser a lei uma importante expressão do regime democrático, pois
quanto mais democrático o Estado, maior será a predominância do Poder Legislativo na ela-
boração das leis, porque, se tal poder é exercido pelos representantes do povo, infere-se que
é o próprio povo que está assumindo as rédeas do sistema legislativo, nele refletindo as suas
vontades.
O maior desafio na produção legislativa é formar um conteúdo justo para solucionar os
dissensos sociais, ou seja, é conseguir fornecer critérios materiais, de conteúdo determinado,
para decisões de conflitos atuais ou futuros. Nesse contexto, embora a norma moral também
possa servir à regulação social, apenas a norma jurídica possui caráter cogente, de tal sorte
que uma vez violada enseja consequências jurídicas aos infratores. Ademais, apenas as nor-
mas jurídicas se sujeitam a um processo formal, legal ou constitucional, para serem criadas
e adquirirem validade jurídica.
É válido destacar que estamos analisando a lei em sua acepção estrita, cuja principal pe-
culiaridade é o fato de, por ser expressão da vontade política do povo, poder inovar no sistema
jurídico, elencando novos direitos e/ou obrigações. Por essa razão, a lei somente deverá ser

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 15 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

entendida como fonte se for constitutiva de direito, isto é, quando introduzir algo de novo no
sistema jurídico vigente.
Assim, na acepção estrita do termo, não é possível considerar decretos e regulamentos
como se leis fossem, já que não podem ir além dos limites colocados pela norma legal (lei)
que lhe servem de fundamento.

Integração

A lei, embora seja o principal ato normativo do nosso ordenamento, não é capaz de prever
e regular todos os pormenores da vida social, surgindo, inevitavelmente, casos em que será
omissa.
Diante disso, o que fazer?
Constatadas omissões, deveremos utilizar as técnicas de integração (colmatação das
lacunas legais).

Maria Helena Diniz, citada por Flávio Tartuce, assevera que “O Direito não é lacunoso, mas há
lacunas.”
A frase, a princípio contraditória, demonstra uma premissa que precisa ser devidamente com-
preendida pelos operadores do Direito. Conforme a lição da doutrinadora, o sistema jurídico
é estruturado de maneira aberta (é um sistema aberto) no qual existem lacunas. Todavia,
as lacunas não são do direito em si, mas da lei, que é omissa em determinadas situações
concreta.10

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) estabelece que, quando a lei
for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios ge-
rais de direito.

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.
10
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 8. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
MÉTODO, 2018.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 16 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Brevemente, vejamos cada um desses institutos:


• Analogia: é valer-se da disciplina legal de uma determinada situação para aplicá-la a
uma situação semelhante. A analogia pode ser legal (quando o operador do direito se
vale de norma jurídica para a integração da lei) ou jurídica (quando, não existindo nor-
ma que regule situação semelhante, o julgador extrai do conjunto de normas existentes
uma conclusão coerente);
• Costumes: prática reiterada de uma conduta com caráter obrigatório;
• Princípios gerais de direito: diretrizes genéricas que orientam todo o ordenamento jurí-
dico, seja na elaboração das normas jurídicas, seja na aplicação ou interpretação delas.

A integração também pode ser feita pela equidade, desde que isso seja expressamente auto-
rizado por lei. A equidade, em suma, seria a realização do sentimento do justo no caso concreto.
Por já ter sido objeto de prova, é válido verificarmos a distinção proposta por Tércio Sam-
paio Ferraz Júnior, que classifica os modos de integração do Direito em instrumentos “quase-
-lógicos” de integração, que são aqueles que exigem alguma forma de procedimento analíti-
co, tendo uma aparência de raciocínio formal, e instrumentos “institucionais” de integração,
que são aqueles que buscam apoio na concepção de instituição, manifestando argumentos
materiais. Os primeiros consistem na analogia, na indução amplificadora e na interpretação
extensiva e os segundos nos costumes, nos princípios gerais do direito e na equidade.

Instrumentos “quase-lógicos” de integração Instrumentos “institucionais” de integração


Exigem alguma forma de procedimento analítico, Buscam apoio na concepção de instituição, manifes-
tendo uma aparência de raciocínio formal. tando argumentos materiais.
São eles: São eles:
Analogia; Costumes;
Indução amplificadora; Princípios gerais do direito;
Interpretação extensiva. Equidade.

A indução amplificadora, conjugando os métodos da indução e da dedução, visa, a partir


de casos particulares, alcançar um princípio geral aplicável a outras situações concretas.
Nas palavras do próprio autor:

A indução amplificadora é procedimento mais complexo que a analogia. Exige não apenas um juízo
empírico de semelhança e um juízo de valor sobre o caráter mais significativo da coincidência para
efeitos jurídicos, mas também que se extraia da comparação e da valoração um princípio geral.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 17 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Portanto, a distância entre a norma (ou normas) de que se parte e o caso omisso é maior. Por exem-
plo, constatamos que os estatutos sociais de quatro diferentes sociedades preveem o princípio da
maioria para suas deliberações. No entanto, num contrato que as une para a consecução de uma
tarefa comum, não foi prevista essa regra. O contrato é omisso. Por indução amplificadora, constru-
ímos, então, o seguinte raciocínio: se os estatutos, isoladamente tomados, preveem o princípio da
maioria, é possível generalizar a regra geral segundo a qual, com base na lealdade negocial, todas
as partes certamente admitem aquele princípio mormente quando nenhuma delas o exclui para as
deliberações internas. Generalizado o princípio, este é, então, aplicado ao caso omisso. Sentimos
que, na indução amplificadora, cresce a liberdade do intérprete. A força persuasiva do procedimento
depende de consenso menos evidente do que ocorre na analogia sobre a semelhança.11

Já na interpretação extensiva, segundo Ferraz Júnior, “partimos de uma norma e a esten-


demos a casos que estão compreendidos implicitamente em sua letra ou explicitamente em
seu espírito.”
Reconhecendo não ser pacífico na doutrina a inclusão da interpretação extensiva como
método de integração do Direito, esclarece que:

A admissão da interpretação extensiva como meio de integração depende, assim, da possibilidade


de se caracterizar sua distinção em face da analogia e da indução amplificadora. Em tese, discri-
miná-las parece simples. Na interpretação extensiva partimos de uma norma e a estendemos a
casos que estão compreendidos implicitamente em sua letra ou explicitamente em seu espírito. Na
analogia e na indução amplificadora, o caso é omisso, tanto na letra, quanto no espírito de qualquer
norma do ordenamento. Apesar da simplicidade, como vimos, a distinção traz dificuldades.

Questão 1 (JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO/TJ-RR/2015) “Em suma, pode-se dizer que, na


verdade, a questão da lacuna e dos limites à integração é uma espécie de invenção do pen-
samento dogmático que permite, de um modo controlado, a decidibilidade de conflitos não
regulados de forma positiva. O direito positivado pressupõe uma tendência em estreitar, em
nome de valores da certeza e da segurança, o campo de atuação do intérprete. Ora, o conceito
dogmático da lacuna, dos meios de integração e dos seus limites confere ao intérprete a pos-
sibilidade de se valer de fatores extra-positivos como se fossem positivos ou, ao menos, positiváveis.

11
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 10. ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Atlas, 2018.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 18 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Ou seja, o conceito de lacuna alarga o campo da positividade a partir dele próprio. Ele funcio-
na como uma regra permissiva, doutrinária, que autoriza o intérprete a se valer dos meios de
integração nos limites que a própria doutrina parece reconhecer, mas na verdade estabelece:
em caso de lacuna pode o intérprete... Assim, embora a lacuna seja definida como omissão ou
falta de norma no ordenamento os fatores extra-positivos, como os ideais de justiça, as exi-
gências de equidade, os raciocínios quase-formais. Ou seja, embora o conceito designe falta,
ele oculta a superabundância de normas, assegurando-se, destarte, um dos princípios carac-
terizadores do legislador racional: a omnicompreensividade” (Tércio Sampaio Ferraz Júnior,
introdução ao Estudo do Direito. São Paulo, Atlas, 1996, 2ª edição, p. 307). Em sua abordagem
do tema da interpretação do Direito, Tércio Sampaio Ferraz Júnior, no trecho acima citado,
faz referência à questão da integração do Direito. Relativamente ao entendimento deste autor
sobre o assunto, responda:
a. A que se refere a integração do Direito? Explique.
b. Considerando os diferentes modos de integração do Direito, identifique e explique os cha-
mados instrumentos “quase-lógicos” de integração.
c. Considerando os diferentes modos de integração do Direito, indique e explique os chama-
dos instrumentos “institucionais” de integração.
(Elabore sua resposta definitiva em até 30 linhas).

Padrão de resposta oficial:


a. A integração do Direito refere-se à possibilidade de, por via hermenêutica, suprirem-se
as lacunas do ordenamento. Segundo a dogmática hermenêutica, admita a incompletude do
sistema normativo, ou seja, admita a existência de lacuna no ordenamento, caberá perguntar
pelos modos de integração do direito e pelos limites impostos ao intérprete na tarefa de rea-
lizar esta integração.
b. Indicação e explicação, segundo a caracterização realizada por Tércio Sampaio Ferraz Jú-
nior, dos três instrumentos “quase lógicos” de integração do Direito: a analogia, a indução
amplificadora e a interpretação extensiva. A analogia se dá quando uma norma, estabelecida

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 19 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

para uma determinada situação fática, é aplicável a uma conduta para qual não há norma,
havendo entre ambos os supostos fáticos uma semelhança. A indução amplificadora, conju-
gando os métodos da indução e da dedução, parte de casos particulares para obter uma ge-
neralização, da qual resultam princípios que serão aplicados, dedutivamente, a outros casos.
A interpretação extensiva parte de uma norma existente na sua própria letra ou explicitamen-
te no seu espírito. Estes três instrumentos exigem alguma forma de procedimento analítico e
têm uma aparência de raciocínio formal.
c. Indicação e explicação, segundo a caracterização realizada por Tércio Sampaio Ferraz jú-
nior, dos três instrumentos “institucionais” de integração do Direito: os costumes, os prin-
cípios gerais do direito e a equidade. O costume, que envolve tradições, crenças e opini-
ões, consiste na força conferida ao tempo e ao uso reiterado como reveladores de normas.
Os princípios gerais do direito, diferentemente das normas, não são elementos do repertório
do sistema normativo, mas fazem parte de suas regras estruturais, ou seja, dizem respeito à
relação entre as normas no sistema, ao qual conferem coesão. A equidade pode ser caracte-
rizada como o sentimento do justo concreto, em harmonia com as circunstâncias e adequado
ao caso a que se refere. Estes três instrumentos apoiam-se na concepção de instituição e
expressão argumentos materiais.

2.1.2 Costumes

Conceito

O costume é a fonte mais antiga do direito, gozando de grande expressão no período an-
terior às codificações.
Por meio dele, cria-se, forma-se e impõe-se normas de conduta, de modo que o principal
diferencial em relação aos hábitos sociais é a convicção de sua obrigatoriedade.

 Obs.: não há costume se a coletividade não reconhece o seu caráter obrigatório.

Carlos Roberto Gonçalves explica que:

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 20 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

O costume é composto de dois elementos: o uso ou prática reiterada de um comportamento (ele-


mento externo ou material) e a convicção de sua obrigatoriedade (elemento interno ou psicológico,
caracterizado pela opinio juris et necessitate). Em consequência, é conceituado como sendo a prá-
tica uniforme, constante, pública e geral de determinado ato, com a convicção de sua necessidade.
Essa convicção, que é o fundamento da obrigatoriedade do costume, deve ser geral, cultivada por
toda a sociedade ou observada por uma parcela ponderável da comunidade, ou ao menos mantida
por uma categoria especial de pessoas.

 Obs.: costume é a prática uniforme, constante, pública e geral de determinado ato, com a
convicção de sua necessidade.

Elemento externo ou material Elemento interno ou psicológico


 O uso ou prática reiterada de um comporta-  Convicção de sua obrigatoriedade (opinio juris et
mento. necessitate).

Não sendo o fruto de um processo legislativo ou da imposição de uma autoridade, di-


z-se que o costume possui menor grau de objetividade, tendo em vista o caráter difuso da
formulação das suas normas. Apesar disso, o costume, enquanto fonte, capacita as normas
consuetudinárias de validade e eficácia, dando a elas impositividade. No entanto, como não
há um marco temporal que nos permita aferir o exato momento em que o costume se tornou
obrigatório, a exemplo do que acontece com as leis, é fundamental que aquele que o alega
prove a sua existência.

Classificação

Em relação à lei, os costumes são tradicionalmente classificados em três espécies.


Contra legem, quando se opuserem à lei.

 Obs.: os costumes contra legem não são considerados fontes do direito.

Praeter legem, quando destinados a suprir as lacunas presentes na lei, disciplinando ma-
térias não albergadas por esta.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 21 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

 Obs.: os costumes praeter legem são utilizados como normas de integração do ordena-
mento jurídico, colmatando lacunas legais.

Secundum legem, quando expressamente reconhecidos na lei, que faz menção a eles.

 Obs.: os costumes secundum legem assumem caráter de lei, devendo deixar de serem con-
siderados costumes propriamente ditos.

2.1.3. Doutrina

Conceito

A inclusão da doutrina no âmbito das fontes do direito não é pacífica entre os teóricos.
Para aqueles que assim o fazem, deve ser considera fonte não formal, pois destinada a fa-
cilitar e orientar a aplicação do direito, sendo definida como o conjunto de obras e pareceres
produzidos pelos juristas de um determinado ordenamento jurídico.

Características

A doutrina não influi de forma direta na criação de normas jurídicas, possuindo caráter
meramente opinativo. Portanto, por não haver obrigação de os tribunais se renderem ao en-
tendimento por ela indicado, tampouco de os legisladores acatarem as sugestões dos teóri-
cos, diz-se que ela é uma fonte mediata.
Fato é que a doutrina é um fundamental antecedente lógico para o surgimento da principal
fonte do direito: a lei. A sua missão é desenhar o quadro fático subjacente ao ordenamento
jurídico, traçando as perspectivas e os caminhos a se percorrer juridicamente.

2.1.4. Jurisprudência

Conceito

A jurisprudência, de acordo com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, é:

(...) o conjunto de decisões judiciais proferidas em determinado sentido, afirmando a existência de


uma linha de orientação sobre determinados temas. Pressupõe dois elementos: conhecimento do
Direito (pelos aplicadores) e sua aplicabilidade no caso concreto.12
12
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. 15. ed. rev., ampl. e atual.
Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. p. 121-122.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 22 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Para João Paulo Lordello:

É a reiterada aplicação do entendimento firmado em um precedente. Em palavras mais palatáveis,


a jurisprudência consiste no entendimento reiterado dos tribunais sobre determinado assunto.13

Não confunda jurisprudência com precedente.


Lordello esclarece que, em um sentido amplo, precedente “é a decisão judicial tomada à luz de
um caso concreto, que pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos simila-
res”14, não exigindo reiteração de decisões, sendo composto por duas partes:
• as circunstâncias de fato que embasam a controvérsia;
• a tese assentada na motivação (ratio decidendi).
Noutra via, sob um ponto de vista estrito, indica que o precedente “consiste exatamente na
ratio decidendi (ou holding para os Americanos), assim compreendida como os fundamentos
jurídicos que sustentam determinada decisão”.
A jurisprudência, por sua vez, é a reiteração do precedente. Exige, portando, a repetição de
julgados em um mesmo sentido, valendo-se da mesma ratio decidendi.

Reflexões Necessárias

Nos regimes jurídicos que adotam o sistema do “common law”, o direito é revelado pela
utilização sucessiva dos precedentes pelo Poder Judiciário. Assim, a jurisprudência ocupa
papel de destaque como fonte do direito. De toda sorte, mesmo no caso do Brasil, que adota
o sistema do “civil law”, lastreado na lei como fonte primordial do direito, (embora parte da
doutrina já aponte para uma aproximação com o sistema do “commom law”), a jurisprudência
e os precedentes judiciais estão assumindo uma importância crescente, de modo que não há
como negar que a jurisprudência vem despontando como genuína fonte jurídica, suplemen-
tando e aperfeiçoando a própria legislação.
13
LORDELO, João Paulo. Noções Gerais de Direito e Formação Humanística. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. p. 226.
14
LORDELO, João Paulo. Noções Gerais de Direito e Formação Humanística. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. p. 225.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 23 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Esse apreço maior aos precedentes judiciais pode ser atribuído ao neoconstitucionalismo,
que, dentre tantas mudanças, ao redimensionar o papel do Poder Judiciário provocou, por con-
sequência, a reconfiguração do papel da jurisprudência como fonte formal secundária do direito.
No que tange ao neoconstitucionalismo, esclareço que em tópico específico iremos estu-
dar mais profundamente as modificações que provocou na teoria das fontes.
Fato é que se até pouco tempo a ideia da vinculabilidade dos precedentes judiciais era
um traço peculiar à tradição jurídica do modelo do “common law”; hoje existe uma recíproca
aproximação entre este e o sistema do “civil law”.
No Brasil, a valorização da jurisprudência como fonte do direito pode ser verificada no
Novo Código de Processo Civil que, em seu artigo 927, estabeleceu rol de precedentes de ob-
servância obrigatória por todos os juízes e tribunais:

CPC/2015, art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:


I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repeti-
tivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Su-
perior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Outro fator que evidencia a crescente influência da jurisprudência em terrae brasilis é a


positivação no texto constitucional, por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004, da possi-
bilidade de o Supremo Tribunal Federal editar súmulas vinculantes.
Tais súmulas, consagradas no art. 103-A, da Constituição Federal15, permitem ao Poder
Judiciário elaborar compreensões que vincularão não apenas os seus órgãos, mas também
15
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus
membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na
imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta
e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabe-
lecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004) (Vide Lei n. 11.417, de 2006).
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja con-
trovérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e
relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. (Incluído pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004)
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provo-
cada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. (Incluído pela Emenda Constitucional n. 45,
de 2004)

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 24 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

a Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, operando
efeitos imediatos desde a sua publicação oficial.

A vinculação produzida pela súmula não alcança o Poder Legislativo (função legislativa), sob
pena de grave violação à separação dos Poderes. Logo, continua reservado ao legislador edi-
tar leis com redação contrária ao disposto em enunciado de súmula vinculante.

O que se está procurando demonstrar é que a partir das súmulas vinculantes rompeu-se
com a tradição jurídica brasileira, pelo menos desde o início da República, de que os enuncia-
dos de súmula tinham apenas caráter persuasivo, não vinculando.
Sobre o tema, é de grande valia a lição de Carlos Roberto Gonçalves:

Malgrado a jurisprudência, para alguns, não possa ser considerada, cientificamente, fonte formal de
direito, mas somente fonte meramente intelectual ou informativa (não formal), a realidade é que, no
plano da realidade prática, ela tem-se revelado fonte criadora do direito. Basta observar a invoca-
ção da súmula oficial de jurisprudência nos tribunais superiores (STF e STJ, principalmente) como
verdadeira fonte formal, embora cientificamente lhe falte essa condição. Essa situação se acentuou
com a entrada em vigor, em 19 de março de 2007, da Lei n. 11.417, de 19 de dezembro de 2006, que
regulamentou o art. 103-A da Constituição Federal e alterou a Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999,
disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supre-
mo Tribunal Federal.

2.1.5. Princípios Gerais de Direito

Conceito

Conforme já estudado, os princípios gerais de direito encontram previsão expressa no


art. 4º da LINDB.
Vamos relembrar a sua redação:

LINDB, Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costu-
mes e os princípios gerais de direito.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá
reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão
judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 25 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Nesse dispositivo, os princípios gerais são consagrados como um dos mecanismos de


integração legislativa, isto é, como uma técnica para colmatar lacunas (omissões legais).
É por isso que Carlos Roberto Gonçalves indica que eles são regras de caráter genérico
que “orientam a compreensão do sistema jurídico, em sua aplicação e integração, estejam ou
não incluídas no direito positivo.”
No geral, os princípios gerais de direito estão consagrados de forma implícita no sistema
jurídico, correspondendo a “ideais ligados ao senso de justiça” 16, sendo possível citar os se-
guintes como exemplo:

“Ninguém pode valer-se da própria torpeza”;


“Lesar a ninguém” (neminem laedere);
“Dar a cada um o que é seu” (suum cuique tribuere);
“A boa-fé se presume”;
“Ninguém pode transferir mais direitos do que tem”;
“Viver honestamente” (honeste vivere); e
“Se deve favorecer mais aquele que procura evitar um dano do que aquele que busca realizar
um ganho”;

Princípios Gerais de Direito x Princípios Fundamentais de Direito

Muito embora o art. 4º, da LINDB, tenha atribuído aos princípios gerais de direito função
meramente integrativa, não se deve pensar que todos os princípios jurídicos se limitam a este
papel secundário de técnica de solução de lacunas ou antinomias. Isso porque, com o ad-
vento do neoconstitucionalismo, aos princípios foi reconhecida natureza jurídica normativa,
como já ocorria com as regras, devendo ser reconhecidos como normas materiais de obser-
vância obrigatória que se impõe aos destinatários como medida principal e não simplesmen-
te acessória.

 Obs.: o neoconstitucionalismo alterou a teoria da norma, de modo que as normas jurídicas


passaram a ser compreendidas como o gênero do qual os princípios e as regras são
16
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. 15. ed. rev., ampl. e atual.
Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. p. 121-122.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 26 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

espécies. Consequentemente, aos princípios foi reconhecida força normativa e, assim


como as regras, “passaram a ser tomados como normas jurídicas, expressando um
conteúdo deôntico (ou seja, um dever no sentido de que estabelecem obrigações, per-
missões ou proibições de condutas).”17
 Quando se trata de diferenciar regras e princípios, Canotilho, recorrendo a uma plêia-
de de autores (Larenz, Esser, Borowsky, Alexy, Dworkin, entre outros) irá nos apresen-
tar excelente síntese sobre os principais critérios diferenciadores entre essas normas,
sendo eles: “a) Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abs-
tração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração
relativamente reduzida; b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto:
os princípios por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretiza-
doras (do legislador ao juiz), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação direta;
c) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes do direito: os princípios são
normas de natureza estruturante ou com um papel fundamental no ordenamento jurí-
dico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios consti-
tucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.: princípio
do Estado de Direito); d) Proximidade da ideia de direito: os princípios são “standards”
juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na “ideia
de direito” (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo
meramente funcional; e) Natureza normogenética: os princípios são fundamentos de
regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas,
desempenhando, por isso, um a função normogenética fundamentante”.18
 Em que pese a importância do resumo fornecido pelo jurista português, na teoria do
direito as duas teses que adquiriam maior destaque na missão de separar as espé-
cies normativas em estudo foram aquelas baseadas numa distinção quantitativa,
designada por Robert Alexy de tese fraca, ou numa distinção qualitativa, apoiada por
Robert Alexy, que a denomina de tese forte.

17
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. rev., ampl. E atual. Salvador. JusPODIVM, 2017. p. 231.
18
CANOTILHO, Gomes: Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, p. 1159-1162, 2003 apud FERNANDES,
Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. rev., ampl. E atual. Salvador. JusPODIVM, 2017. p. 231.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 27 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

 A primeira (tese fraca) considera que regras e princípios se distinguem pela sua gene-
ralidade, sendo os princípios normas dotadas de um grau de generalidade e abstra-
ção maior do que as regras.
 A segunda (tese forte), proposta por Alexy amparado na construção de Ronald
Dworkin, postula um critério de diferenciação qualitativo fundando no modo de apli-
cação de cada espécie de norma, isto é, no modo pelo qual o “conflito” é solucionado.
 Assim, regras são diferentes dos princípios porque funcionam como mandamentos de
definição, aplicando-se no modelo do tudo-ou-nada (all-or-nothing-fashion). Nesse
sentido, Alexy esclarece que “se uma regra é válida, então há de se fazer exatamente o
que ela exige, sem mais nem menos”19. Havendo conflito entre regras, uma terminará
por invalidar a outra, que deverá ser retirada ordenamento jurídico, salvo se estabe-
lecido que esta regra representa uma situação que excepciona a outra (cláusula de
exceção).
 Os princípios, porém, correspondem a mandados de otimização, normas que ordenam
que algo seja realizado na maior medida possível conforme as possibilidades fáticas
e jurídicas do caso concreto. Surgindo colisão entre princípios, deverá ser utilizada a
técnica da ponderação, devendo ser aplicado aquele que possuir maior peso frente a
situação analisada, sem que isso implique a invalidação do princípio entendido como
de peso menor. Portanto, “nenhum desses princípios em choque ostenta primazia
definitiva sobre o outro. Nada impede, assim, que, em caso diverso, com outras carac-
terísticas, o princípio antes preterido venha a prevalecer.”20

Para que fique mais claro, vamos entender melhor o que foi o neoconstitucionalismo.
Não se ignorando a ausência de uma uniformidade de teorias de viés neoconstitucionalista,
apontamos que o neoconstitucionalismo, também conhecido como constitucionalismo contem-
porâneo, constitucionalismo avançado ou constitucionalismo de direitos, é o fenômeno jurídico
surgido num cenário pós Segunda Guerra Mundial como reposta aos regimes totalitários até
19
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 87.
20
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2017.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 28 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

então dominantes e cujo fundamento precípuo é a dignidade da pessoa humana, reconhecendo


à Constituição força normativa e papel central no ordenamento jurídico, além de promover uma
reaproximação entre o direito e a moral na medida em que extenso rol de valores morais passa-
ram a ser adotados pelo direito, sendo nele inseridos, sobretudo, por meios dos princípios.
De acordo com o Ministro do STF Luís Roberto Barroso, um dos pioneiros da tese no Bra-
sil, o neoconstitucionalismo surge a partir de três grandes marcos.
1) Marco histórico: a formação do Estado Constitucional de direito.
Segundo o autor, “(1): O marco histórico do novo direito constitucional, na
Europa Continental, foi constitucionalismo do pós-guerra, especialmente na Alemanha e na
Itália. No Brasil foi a Constituição de 1988 e o processo de redemocratização que ela ajudou a
protagonizar. (...) A reconstitucionalização da Europa, imediatamente após a 2ª grande guerra
e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência
do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. A aproximação das ideias de
constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma de organização política, que
atende por nomes diversos: Estado democrático de direito, Estado constitucional de direito,
Estado constitucional democrático.”21
2) Marco teórico: um conjunto de alterações, dentre as quais destacam-se o reconheci-
mento da força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e inova-
ções na teoria das normas, na teoria das fontes e na hermenêutica constitucional.
Conforme o Ministro, “a) sobre a força normativa: Uma das grandes mudanças de para-
digma ocorridas ao longo do século XX foi a atribuição à norma constitucional do status de
norma jurídica. Superou-se, assim, o modelo que vigorou na Europa até meados do sécu-
lo passado, no qual a Constituição era vista como um documento essencialmente político,
um convite a atuação dos Poderes Públicos. A concretização de suas propostas ficava inva-
riavelmente condicionada à liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade
do administrador. Ao judiciário não se reconhecia qualquer papel relevante na realização do
conteúdo da Constituição. Com a reconstitucionalização que sobreveio a 2ª Guerra mundial,
este quadro começou a ser alterado. (...) Atualmente, passou a ser premissa do estudo da
21
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do Direito Constitucio-
nal no Brasil.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 29 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Constituição o reconhecimento da sua força normativa, do caráter obrigatório e vinculante


de suas disposições; b) Antes de 1945 vigorava na maior parte da Europa um modelo de su-
premacia do Poder Legislativo, na linha da doutrina inglesa da soberania do Parlamento e da
concepção francesa da lei como expressão da vontade geral. A partir da década de 40, todavia
a onda constitucional trouxe não apenas novas constituições, mas também um novo modelo,
inspirado pela experiência americana: o da supremacia da Constituição. A fórmula envol-
via a constitucionalização dos direitos fundamentais, que ficavam imunizados em relação ao
processo político majoritário: sua proteção passava a caber ao judiciário. Inúmeros países
europeus vieram a adotar um modelo próprio de controle de constitucionalidade, associado
à criação de Tribunais Constitucionais; e) (...) a especificidade das normas constitucionais
levaram a doutrina e a jurisprudência, já de há muitos anos, a desenvolver ou sistematizar
um elenco próprio de princípios aplicáveis a interpretação constitucional. (...) São eles, na
ordenação que se afigura mais adequada para as circunstâncias brasileiras: o da supremacia
da Constituição, o da presunção de constitucionalidade das normas e atos do Poder Público,
o da interpretação conforme à constituição, o da unidade, o da razoabilidade e o da efeti-
vidade. (...) Essas transformações (...) tanto em relação à norma quanto ao intérprete, são
ilustradas (...) pelas diferentes categorias com as quais trabalha a nova interpretação. Dentre
elas incluem-se as cláusulas gerais, os princípios (e o novo papel assumido pelos mesmos
diferenciando-se qualitativamente das regras), as colisões de normas constitucionais, a pon-
deração e a argumentação.”
3) Marco filosófico: o pós-positivismo, que defende a reaproximação entre direito e moral
e a centralidade dos direitos fundamentais.
Barroso esclarece que o pós-positivismo buscava superar o jusnaturalismo e o positivis-
mo, explicando que:
“A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram ca-
minho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do direito, sua função
social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não
despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do direito, mas sem recorrer
a categorias metafisicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 30 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismo ou personalis-
mos, sobretudo os judiciais. No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo
nesse paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e
a sua definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da
argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvol-
vimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade
humana. Nesse ambiente promove-se uma reaproximação entre o direito e a filosofia.”
Nesse ponto, é necessário aprofundarmos um pouco mais nossos estudos, razão pela
qual iremos, agora, examinar a trajetória de teorizações até o reconhecimento da força nor-
mativa dos princípios, passando pelas fases naturalista, positivista e a atual fase pós-positi-
vista, que, como visto, é o fundamento jusfilosófico do neoconstitucionalismo.
Escola jusnaturalista: consagra a denominação princípios gerais de direito. Para seus se-
guidores, os princípios gerais identificam-se com o direito natural, sendo, então, princípios de
justiça formadores de um direito ideal, caracterizados como valores completamente abstra-
tos e ausentes de normatividade. Com isso, prevalecia que não possuíam aptidão para regu-
lar, por si mesmos, as relações jurídicas, apenas atuando como vetores gerais da produção
normativa.
Os princípios, tomados em sua característica jusnaturalista, tiveram forte influência até o
advento da escola histórica do direito no século XIX.
Concepção positivista: define os princípios gerais de direito como aqueles destinados a
servir de fundamento para a instituição da norma. Na fase juspositivista, os princípios são
normatizados, porém, mais para funcionar como válvulas de segurança para o sistema jurídi-
co do que como algo que fosse superior às leis, de modo que somente adquiriam relevância
quando contemplados expressamente pela norma escrita. Não sendo este o caso, a eles era
reservado somente o papel de suplementar a lei. De um modo geral, restringiam-se a atuar
como pautas genéricas, dotadas de alta abstração, que serviam de norte ao legislador e ao
intérprete. Paulo Bonavides elucida que o juspositivismo:

Ao fazer dos princípios na ordem constitucional meras pautas programáticas supralegais, tem as-
sinalado, via de regra, a sua carência de normatividade, estabelecendo, portanto, a sua irrelevância
jurídica.”

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 31 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Pós-positivismo: considera os princípios instrumentos que veiculam valores morais, éti-


cos ou filosóficos, a pedra de toque com que se aferem os conteúdos constitucionais em sua
dimensão normativa mais elevada. Ocorre aqui a ascendência dos denominados “princípios
fundamentais de direito”, que trazem em seu bojo os valores maiores de um determinado sis-
tema jurídicos, em torno dos quais estão os direitos, as garantias e as competências regentes
da sociedade e do Estado.
Há, portanto, para parte da doutrina, duas espécies de princípios:
• Princípios gerais (ou informativos) de direito: são aqueles que não dispõem de força
normativa, uma vez que o seu conteúdo traduz meras recomendações, devendo ser
utilizados como método integrativo (mecanismo de colmatação) das lacunas legais;
• Princípios fundamentais (ou institucionais) de direito: refletem as opções ideológicas
de um sistema jurídico, gozando de força normativa e aplicação direta.

Diante do exposto, o art. 4º, da LINDB, deve ser lido com adaptações. Onde está escrito
“quando a lei for omissa”, leia-se: quando a norma jurídica for omissa, pois a norma jurídica
pode ser a norma-regra ou a norma-princípio. Ademais, os princípios citados no dispositivo
seriam os princípios gerais ou informativos, única compreensão que não tornaria o diploma
legal em voga contrário a teoria da força normativa dos princípios.
Também visando afirmar o papel dos princípios como efetiva fonte do direito e não como
simples técnica de integração, há autores que costumam distinguir os princípios gerais de
direitos dos denominados princípios constitucionais, estes, sim, dotados de força normativa.
O neoconstitucionalismo, “teoria desenvolvida para um modelo específico de organização
jurídico-politica (constitucionalismo contemporâneo) característico de determinado tipo de
Estado (Estado constitucional democrático)”22, destaca-se, especialmente, pelo(a)23:
• Reconhecimento da força normativa da Constituição e o papel central desta no sistema
jurídico, ocorrendo a constitucionalização do direito por meio da irradiação das normas
e valores constitucionais, principalmente aqueles relacionados aos direitos fundamen-
tais, para todos os ramos do ordenamento jurídico, condicionando a interpretação e a
aplicação do direito como um todo;
22
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 11. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2012. p. 214.
23
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. rev., ampl. E atual. Salvador. JusPODIVM, 2017. p. 31.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 32 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

• Reconhecimento da força normativa dos princípios jurídico, influenciando a teoria da


norma que passou a definir a norma jurídica como o gênero do qual decorem as regras
e os princípios;
• Rejeição do formalismo mediante a utilização mais frequente de técnicas e métodos
mais abertos de raciocínio jurídico, a exemplo da ponderação, da tópica e da metódica
estruturante;
• Reaproximação entre o direito e a moral incentivada pelo pensamento pós-positivista,
formando aquilo que alguns autores denominam de um “moralismo jurídico” ou uma
“leitura moral da Constituição”;
• Judicialização da política e das relações sociais, fruto da atribuição de um papel de
maior destaque ao Poder Judiciário, que se tornou o principal responsável por garantir
o respeito dos demais Poderes (Executivo e Legislativo) ao conteúdo normativo cons-
titucional, coibindo omissões e excessos destes e atuando, primordialmente, em favor
da efetivação dos direitos fundamentais. Aqui, denota-se, também, a ascensão da téc-
nica do controle de constitucionalidade para a consecução de todos estes fins;
• Releitura da teoria das fontes, com o reconhecimento da jurisprudência e dos princípios
jurídicos como efetivas fontes formais do direito;
• Releitura da teoria da interpretação, devido à necessidade de serem adotadas novos
métodos hermenêuticos diante do novo papel assumido pela Constituição em relação
à sua centralidade e força normativa.

2.1.6. Fonte Negocial

Noções Iniciais

Para Miguel Reale, as fontes do direito são estruturas normativas que pressupõem a exis-
tência de alguém com poder de decidir. A partir disso, o autor defende que existiriam quatro
fontes do direito:
• Fonte legal: resultado do poder estatal de legislar;

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 33 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

• Fonte consuetudinária: expressão do poder social inerente à vida coletiva;


• Fonte jurisdicional: resultado da atuação jurisdicional do Poder Judiciário;
• Fonte negocial: ligada ao poder que tem a vontade humana de instaurar vínculos regu-
ladores do pactuado com outrem.

Conceito

O sistema jurídico não é composto apenas de normas de caráter abstrato e genérico,


como a grande maioria das leis, mas também por normas específicas, particulares e individu-
alizadas, frutos da autonomia da vontade dos indivíduos.
Dentre as normas individuais destacam-se as fontes negociais, cuja maior expressão são
as cláusulas contratuais. Aqui, observa-se que a autonomia da vontade assume importante
papel na regulação da vida social, dela podendo se originar normas tão cogentes e imperati-
vas quanto às leis.
Em verdade, as fontes negociais só não podem violar as disposições legais, porque a elas
deve obediência. A autonomia da vontade, portanto, não é absoluta e deve ser exercida nos
limites da moldura da lei.
Para Miguel Reale, a fonte negocial deve abrigar quatro aspectos essenciais:
• Ser a manifestação de vontade de pessoas legitimadas a fazê-lo;
• Girar em torno de um objeto lícito;
• Utilizar forma que não contrarie a exigida em lei;
• Respeitar uma paridade ou, ao menos, uma devida proporção entre os partícipes da
relação jurídica.

A autonomia da vontade só tem prestígio quando a relação entre as partes for igualitária.
Se, de alguma forma, houver desproporção entre elas, evidenciada pela vulnerabilidade de
quaisquer dos participantes, não será possível caráter normativo às disposições da vontade.
Por fim, importante evidenciar que os atos negociais são comumente utilizados com ca-
ráter praeter legem, isto é, visam a preencher lacunas legais, tornando-se verdadeiras normas
a regularem casos concretos, avocando o papel integrador e disciplinando as relações sociais
carentes de regulação legal.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 34 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

3. Eficácia da Lei no Tempo


3.1. Vacatio Legis

A Constituição consagra, em seu art. 5º, que:

Art. 5º Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

À vista disso, cabe examinar o marco temporal que torna a lei uma norma de observância
obrigatória por toda a sociedade.
Nesse sentido, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) estabelece em
seu art. 1º, caput e § 1º, que:

LINDB, Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e
cinco) dias depois de oficialmente publicada.
§ 1º Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia 3
(três) meses depois de oficialmente publicada.

Assim:

Prazo para a vigência de lei no território brasileiro: Prazo para a vigência de lei brasileira no território
estrangeiro:
45 dias 3 (três) meses
Obs.: Não confundir com 90 dias; aqui o prazo é con-
tado em mês, não em dias.

O prazo acima é um prazo material, o que implica dizer que a sua contagem deve incluir
o dia do começo e desprezar o dia final24. Além disso, o prazo é contado de forma igual em
todo o território nacional, de sorte que a lei entrará em vigor ao mesmo tempo em todo o país.
Fala-se aqui do princípio da vigência única, sincrônica ou simultânea.
Observem que o prazo para a entrada em vigor de uma lei sempre terá início a partir da sua
publicação e o período que intermedeia a publicação e a sua entrada em vigência é chamado
de vacatio legis.
24
LC 95/98, Art. 8º, § 1º. A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á
com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação
integral.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 35 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

 Obs.: vacatio legis é o intervalo de tempo entre a publicação de uma lei e o início da sua
vigência. Se a lei não trouxer disposição em sentido diverso, o prazo de vacatio legis
será de 45 (quarenta e cinco) dias.
 Nos estados estrangeiros que admitam a produção de efeitos por lei brasileira, o prazo
de vacatio será, em regra, de 3 (três) meses.

A regra é as leis observarem o período de vacatio legis, até para que a população tome
conhecimento e se adapte à norma. Alinhando-se a essa perspectiva, o art. 8º, da LC n. 95/98,
prevê que devem ser reservadas apenas às leis de pequena repercussão a cláusula “entra em
vigor na data da sua publicação”25. A lógica é simples: se a lei vai gerar pequeno ou irrelevan-
te impacto na vida das pessoas, é desnecessário o período de adaptação, de forma que ela
poderá entrar em vigor tão logo seja publicada. Esse raciocínio, no entanto, não costuma ser
observado na prática. Não é raro ver leis de grande repercussão entrando em vigor na data da
sua publicação.

3.2. Correção da Lei Publicada

Publicada uma lei, pode acontecer de ela conter incorreções e erros materiais. Se a lei
publicada ainda não tiver entrado em vigor, a sua correção se fará com a repetição da sua pu-
blicação, sanando-se os erros. Nesse caso, o prazo de vacatio legis será reaberto em relação
aos artigos corrigidos, na forma do art. 1º, § 3º, da LINDB.

LINDB, Art. 1º, § 3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, des-
tinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova
publicação.

Por outro lado, se a lei a ser corrigida já estiver em vigor, a sua correção só poderá acon-
tecer com a publicação de uma nova lei, denominada “lei corretiva”. Aqui, a vacatio legis de-
penderá do que estiver previsto na lei corretiva, que poderá, por exemplo, dispensar a vacatio,
entrando em vigor no dia da sua publicação, consoante art. 1º, § 4º, da LINDB.

LINDB, Art. 1º, § 4º As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.
25
Art. 8º A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha
amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena repercussão.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 36 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Ao promulgar uma lei, o Presidente da República não pode acrescentar ou modificar os dis-
positivos aprovados pelo Poder Legislativo, devendo limitar-se a suprimi-los, pois, no Brasil,
é vedado o veto aditivo ou translativo, admitindo-se apenas o veto supressivo.
Quanto ao veto parcial, embora seja admitido, ele somente poderá abranger texto integral de
artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. Aqui, portanto, cuidado para não confundir o veto
parcial com o controle de constitucionalidade realizado pelo STF. Na última hipótese, a decla-
ração de inconstitucionalidade parcial pode se restringir à fração de artigo, parágrafo, inciso
ou alínea, ou até mesmo sobre uma única palavra da lei ou do ato normativo.

3.3. Princípio da Continuidade da Lei

Geralmente, a lei nasce para viger por período indeterminado, isto é, as leis têm efeitos
permanentes, falando-se aqui no princípio da continuidade das leis.
Excepcionalmente, contudo, poderão ser editadas leis de vigência temporária.
Destarte, preceitua o art. 2º, da LINDB, que:

LINDB, Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique
ou revogue.

Nisso consiste o princípio da continuidade das leis: não se destinando a vigência tempo-
rária, uma lei se manterá em vigor até que seja por outra revogada.
Deveras, firmado o sistema jurídico brasileiro na supremacia da lei escrita, tem-se que o
costume e o desuso não possuem aptidão para revogar ou retirar a eficácia de uma lei.

Revogação

Podemos conceituar a revogação como sendo a perda da vigência de uma lei provocada
pela edição de outra.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 37 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Quanto à extensão, poderá ser total (ab-rogação) ou parcial (derrogação):


• Revogação total (ab-rogação): ocorrerá quando toda a lei perder a sua vigência diante
da edição de uma nova;
• Revogação parcial (derrogação): ocorrerá quando apenas parte da lei perder a sua vi-
gência, permanecendo em vigor a restante.

Quanto ao modo, a revogação total e a parcial poderá ser expressa (ou por via direta), tá-
cita (ou por via oblíqua) e global (por assimilação):
• Revogação expressa (ou por via direta): existirá quando a lei revogadora indicar expres-
samente os dispositivos da lei revogada que pretende rechaçar. Dispõe o art. 9º, da LC
n. 107/2001, que:

A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revoga-


das”, de modo que o legislador não deve mais se valer daquela vaga expressão “revogam-se as
disposições em contrário;

• Revogação tácita (ou por via oblíqua): surge quando, não havendo disposição expressa
determinando a revogação, a nova lei se revelar incompatível, no todo ou em parte, com
a lei anterior, contrariando-a de forma absoluta. A revogação tácita não se presume,
sendo preciso demonstrar a incompatibilidade entre as normas;
• Revogação global (ou por assimilação): será global quando a lei nova regular inteira-
mente a matéria de que tratava a lei anterior, independentemente de existir compatibili-
dade ou não entre elas. É por isso que nesse caso os dispositivos legais não repetidos
serão revogados, ainda que compatíveis com a nova lei.

Podemos esquematizar o tema da seguinte maneira:

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 38 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Não confunda a revogação tácita ou global com a situação prevista no § 2º, do art. 2º da
LINDB, que assim dispõe:

LINDB, Art. 2º, § 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existen-
tes, não revoga nem modifica a lei anterior.

O dispositivo acima consagra o princípio da conciliação ou das esferas autônomas, que


consiste na possibilidade de convivência das normas gerais com as especiais que versem
sobre o mesmo assunto.
O citado princípio, no entanto, não é absoluto! Pode acontecer de uma norma geral ser
completamente incompatível com uma norma especial, hipótese em que haverá revogação
tácita da norma especial.
De todo modo, alerta-se que tal incompatibilidade não se presume. Logo, sobrevindo uma
norma especial ou geral, deve-se presumir que a norma antiga e a nova são conciliáveis, co-
existindo ambas.
Então, muito cuidado com afirmações já prontas de que “a lei posterior geral não revoga
lei especial” e, igualmente, “a lei especial não revoga a geral”. Em regra, não revogam, mas
pode ser que elas sejam incompatíveis e, assim, haverá revogação tácita.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 39 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Repristinação

Repristinação é a restauração da vigência de uma lei anteriormente revogada em virtude


da revogação da lei que a revogou. Pode parecer confuso, mas veja o seguinte exemplo:

A Lei A estava em vigor até que a Lei B a revogou. Em seguida, a Lei C revogou a Lei B.
Nesse caso, a Lei A restaura a sua vigência diante da revogação da Lei B?
Bem, inicialmente, reiteramos que essa possibilidade é chamada de repristinação (o re-
torno da produção de efeitos de uma norma anterior, em razão da revogação da norma que lhe
havia revogado). Como regra, a repristinação é vedada no nosso ordenamento jurídico, po-
rém, admite-se que a lei contenha disposição em sentido contrário. Nesse sentido, vejamos
o art. 2º, § 3º, da LINDB:

LINDB, Art. 2º, § 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revo-
gadora perdido a vigência.

Logo, em regra, a revogação da lei revogadora não faz com que a lei revogada restaure a
sua vigência, salvo expressa disposição legal em contrário.
No exemplo dado, revogada a Lei A pela Lei B, e posteriormente revogada a Lei B (lei revo-
gadora) pela Lei C, não se restabelece a vigência da Lei A, salvo se a Lei C, ao revogar a norma
revogadora (Lei B), determinar a repristinação da Lei A.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 40 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Não devemos confundir repristinação com o efeito repristinatório.


O efeito repristinatório advém do controle de constitucionalidade. Assim, em regra, se uma
lei revogadora é declarada inconstitucional, a lei que foi por ela revogada deverá voltar a pro-
duzir efeitos. Isso acontece em atenção ao princípio da nulidade do ato inconstitucional. De
acordo com este princípio, o ato inconstitucional nasce eivado de nulidade (ele não é apenas
anulável!). À vista disso, a decisão que reconhece a inconstitucionalidade de uma norma é
declaratória de sua nulidade com efeito ex tunc. Em outros termos, significa dizer que a norma
declarada inconstitucional nasceu nula e, portanto, não poderia ter revogado a anterior vali-
damente, razão que justifica a restauração da vigência da norma revogada.
Pontua-se, todavia, a possibilidade de o efeito repristinatório ser afastado por expressa deter-
minação do Supremo Tribunal Federal.

3.4. Princípio da Segurança e da Estabilidade Social

Uma lei nova entra em vigor tão logo esteja superado o seu período de vacatio legis (caso
exista) e uma vez que isto venha a ocorrer o dispositivo legal terá efeito imediato e geral, pro-
duzindo efeitos prospectivos (a partir da data do início de sua vigência), devendo respeitar o
ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
Trata-se das previsões contidas no art. 6º, da LINDB, e no art. 5º, XXXVI, da Constituição
Federal:

LINDB, Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito
adquirido e a coisa julgada.
CF, Art. 5º, XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Essa restrição aos efeitos da lei nova se justifica pelo princípio da segurança jurídica. José
Afonso da Silva explica que:

A segurança jurídica consiste no conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhe-
cimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da
liberdade reconhecida. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 41 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar
ainda quando tal norma seja substituída.

 Obs.: o princípio da segurança jurídica visa proteger as relações jurídicas constituídas sob
a égide da lei revogada, bem como as legítimas expectativas dos participantes destas
relações, assegurando a certeza, a segurança e a estabilidade do ordenamento jurí-
dico-positivo.
 Destarte, a regra é que as leis são elaboradas para valerem para o futuro (são irretro-
ativas!), sendo a retroatividade (aplicação da lei nova às situações formadas antes da
sua vigência) a exceção.

Mas, antes de nos aprofundarmos no tema, questiono: em que consiste o ato jurídico per-
feito, o direito adquirido e a coisa julgada?
Vamos entender melhor!
Ato jurídico perfeito: explicitado no § 1º, do art. 6º, da LINDB, é o ato já concluído segundo
a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

LINDB, Art. 6º, § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo
em que se efetuou.

Direito adquirido: é o que pode ser exercido desde já pelo seu titular por já ter sido incor-
porado ao seu patrimônio jurídico. Nos termos do § 2º, do art. 6º, da LINDB:

LINDB, Art. 6º, § 2º Consideram-se adquiridos os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa
exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida
inalterável, a arbítrio de outrem.

Coisa julgada: é a decisão judicial de que não caiba recurso. Refere-se, pois, à imutabili-
dade da decisão judicial.

LINDB, Art. 6º, § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba
recurso.

Alerta-se que a preservação do direito adquirido, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito
não impede a edição de leis retroativas. Contudo, a aplicação da lei aos fatos ocorridos antes
da sua vigência apenas é admissível quando atendidos os seguintes requisitos:

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 42 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

• Cláusula expressa de retroatividade: o legislador, expressamente, ainda que não utilize


a palavra “retroatividade”, deverá ordenar a aplicação da nova lei aos casos pretéritos;
• O direito adquirido, o ato jurídico perfeito e à coisa julgada devem ser respeitados.

A LINDB e a Constituição Federal de 1988 adotaram o princípio da irretroatividade das leis,


como regra, e o da retroatividade, como exceção. Alinharam-se, também, a teoria subjetiva de
Gabba, de completo respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e a coisa julgada26.
Destarte, “como regra, aplica-se a lei nova aos casos pendentes (facta pendentia) e aos
futuros (facta futura), só podendo ser retroativa, para atingir fatos já consumados, pretéritos
(facta praeterita), quando: a) não ofender o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa
julgada; b) quando o legislador, expressamente, mandar aplicá-la a casos pretéritos, mesmo
que a palavra “retroatividade” não seja usada.”
Assim, temos que a retroatividade não se presume, devendo resultar de texto expresso em
lei e respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. No entanto, abre-se
exceção à lei penal benéfica, cuja retroatividade é automática por expressa determinação
constitucional (art. 5º, XL) e, inclusive, tem prevalência sobre a coisa julgada.

CF, Art. 5º, XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Além disso, a lei interpretativa também goza de retroatividade como regra.


Define-se como interpretativa a lei que esclarece o conteúdo de outra lei, tornando obri-
gatória uma exegese, já plausível antes da sua edição. Trata-se da chamada interpretação
autêntica ou legislativa, sendo importante consignar que a lei interpretativa não inova na re-
gulação da matéria, mas apenas torna obrigatória uma das linhas de interpretação já possí-
veis antes da sua edição.
A aludida lei retroage até a data da entrada em vigor da lei que pretende esclarecer, apli-
cando-se, inclusive, aos casos pendentes de julgamento, mas deve respeitar a coisa julgada.
A ideia é que, se a lei interpretativa existe para dar interpretação à lei anterior, é preciso consi-
derar, numa espécie de ficção, que a lei interpretativa tem o mesmo momento de vigência que
a lei a que ela visa interpretar.

26
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 43 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Podemos, então, elencar três situações de retroatividade da lei:

Relativização do Ato Jurídico Perfeito, do Direito Adquirido e da Coisa


Julgada

Em que pese a proteção constitucional e infraconstitucional reservada ao ato jurídico


perfeito, ao direito adquirido e a coisa julgada, em razão da crescente tendência de relativi-
zar princípios na atual ordem jurídica cada vez mais, consolida-se a ideia de que a proteção
conferida a estes três institutos não é absoluta, surgindo na jurisprudência decisões nesse
sentido.
Abaixo, vejamos alguns casos.
1) Relativização da coisa julgada alicerçada em lei declarada inconstitucional: prevalece
o entendimento de que é possível a mitigação da coisa julgada amparada em lei ou ato nor-
mativo inconstitucional.

 Obs.: é possível a mitigação da coisa julgada amparada em lei ou ato normativo inconsti-
tucional.

Nesse sentido, aliás, é o art. 525, § 12º, do CPC27, ao estabelecer que é inexigível o título
judicial fundado em lei ou ato normativo inconstitucional, assim reconhecido em controle
27
Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para
que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.§ 1º
Na impugnação, o executado poderá alegar: [...] III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; [...] § 12.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 44 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

concentrado ou difuso. Na mesma direção, o STF reconheceu a inaplicabilidade da sua súmu-


la n. 343 em matéria constitucional.
De acordo com o enunciado:

Súmula n. 343, STF


Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescin-
denda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

Para o STF:

(...) é cabível ação rescisória fundada em violação a literal dispositivo de lei (art. 485, V,
do antigo CPC), quando a decisão rescindenda tiver se baseado em interpretação cons-
titucional frontalmente contrária à própria Constituição Federal ou em interpretação tida
como incompatível pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que seja pela posterior decla-
ração de inconstitucionalidade superveniente da legislação que amparou o título execu-
tivo transitado em julgado, não se aplicando a ratio essendi da Súmula 343 do STF.
(AR 2.572 AgR, voto do min. Gilmar Mendes, red p/ o ac. min Dias Toffoli, P, j. 24-2-
2017, DJE 54 de 21-3-2017).

Ainda segundo a Suprema Corte:

A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação ado-


tada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da
máxima efetividade da norma constitucional. (RE 328.812 ED, rel. min Gilmar Mendes, P,
j. 6-3-2008, DJE 78 de 2-5-2008).

2) Relativização da coisa julgada nos casos envolvendo ações de investigação de pater-


nidade julgadas improcedentes por ausência de provas em momento em que não existia o
exame de DNA:
Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em
título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou
fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível
com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 45 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Em âmbito doutrinário, restou sedimentado no Enunciado n. 109, do Conselho da Justiça


Federal, da I Jornada de Direito Civil, que:

A restrição da coisa julgada oriunda de demandas reputadas improcedentes por insufici-


ência de prova não deve prevalecer para inibir a busca da identidade genética pelo inves-
tigando. (Destacamos)

Compartilhando da mesma posição, diversas são as decisões do Superior Tribunal de


Justiça. Transcreveremos aqui um dos mais famosos:

PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO ANTERIOR-


MENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE
PROVAS. COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍ-
LIA. EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO.
I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investi-
gação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficien-
tes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando
do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia
notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que
tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido.
II – Nos termos da orientação da Turma, ‘sempre recomendável a realização de perícia para
investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima pro-
babilidade, senão de certeza’ na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência
jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real.
III – A coisa julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investiga-
ção de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e
avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na
busca, sobretudo, da realização do processo justo, ‘a coisa julgada existe como criação
necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à
sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa
sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem
Justiça não há liberdade.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 46 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam
aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum.
(STJ, REsp 226.436/PR (199900714989), 414113, Data da decisão: 28.06.2001, 4.ª
Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 04.02.2002, p. 370, RBDF 11/73, RDR
23/354, RSTJ 154/403). (Destacamos)

No âmbito da Supremo Tribunal Federal, prevalece igual entendimento. Em decisão publi-


cada no seu Informativo n. 622, a Corte Constitucional confirmou a tendência de mitigação da
coisa julgada. Segundo o relator do julgado, Ministro Dias Toffoli:

Há um caráter personalíssimo, indisponível e imprescritível do reconhecimento do estado


de filiação, considerada a preeminência do direito geral da personalidade”; devendo este
direito superar a máxima da coisa julgada. Por conseguinte, corroborou que o “princí-
pio da segurança jurídica não seria, portanto, absoluto, e que não poderia prevalecer
em detrimento da dignidade da pessoa humana, sob o prisma do acesso à informação
genética e da personalidade do indivíduo (STF, RE 363.889/DF, Rel. Min. Dias Toffoli,
07.04.2011).

Apontamentos Gerais sobre a Aplicação da Lei no Tempo

De maneira genérica, elencamos as seguintes diretrizes que orientam a aplicação da lei


no tempo.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 47 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Façamos nos próximos tópicos um aprofundamento do tema, verificando os seus desdo-


bramentos no Direito Civil, no Direito Penal, no Direito Constitucional e no Direito do Trabalho.

3.5. Aplicação da Norma Civil no Tempo

Doutrina majoritária considera que o Código Civil de 2002 adotou o sistema consagrado
na LINDB, razão pela qual aplicam-se aqui as considerações estudadas no item 3.4.
Destarte, o que é realmente digno de nota no presente tópico é o art. 2.035, do CC/02, cujo
caput assim preceitua:

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 48 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

CC/02, Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada
em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os
seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se
houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. (Destacamos)

Por um lado, há quem defenda que o dispositivo acima nada mais fez do que positivar
uma hipótese de retroatividade mínima, impondo aos efeitos atuais de atos jurídico perfeitos
consolidados sob a égide do Código Civil de 1916 os novos regramentos elencados no Código
Civil de 2002. Tratar-se-ia de uma exceção ao regime geral consagrado na LINDB, correspon-
dendo a uma mitigação à proteção conferida ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.
Outros, porém, posicionam-se pela inconstitucionalidade da previsão. No parágrafo úni-
co, do art. 2.035, de forma ainda mais incisiva, temos que:

CC/02, art. 2.035. (...)


Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais
como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos con-
tratos. (Destacamos)

Na lição de Flávio Tartuce, a novel Lei Civil acolheu o princípio da retroatividade motivada
ou justificada, “pelo qual as normas de ordem pública relativas à função social da proprieda-
de e dos contratos podem retroagir.”28
Segundo o autor:

Não há qualquer inconstitucionalidade na norma, eis que amparada na função social da proprieda-
de, prevista no art. 5º, XXII e XXIII, da Constituição Federal. Quando se lê no dispositivo civil trans-
crito a expressão “convenção”, pode-se ali enquadrar qualquer ato jurídico celebrado, inclusive os
negócios jurídicos celebrados antes da entrada em vigor da nova lei geral privada e cujos efeitos
ainda estão sendo sentidos atualmente, na vigência da nova codificação.

Seria a norma, neste viés, mais um exemplo de relativização à proteção conferida ao direi-
to adquirido e ao ato jurídico perfeito.

3.6. Aplicação da Norma Penal no Tempo

Verificada a sucessão de leis penais no tempo, o primeiro passo para ser possível definir
qual norma deverá ser aplicada é saber o tempo do crime, isto é, quando se considera que um
28
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 8. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
MÉTODO, 2018.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 49 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

crime foi praticado. Adotada a teoria da atividade no art. 4º, do Código Penal, considera-se
que um crime foi praticado no momento da conduta (ação ou omissão), ainda que outro seja
o momento do resultado.
Assim, por exemplo, considera-se praticado o crime de homicídio no instante em que o
agente desferiu sequência de tiros contra vítima, mesmo que o resultado morte somente te-
nha ocorrido dias depois.
Vejamos:

Tempo do crime
CP, Art. 4º Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja
o momento do resultado

Feito isto, o segundo passo é compreender as regras gerais sobre a eficácia da lei penal
no tempo, que estão elencados nos artigos 1º e 2º, do CP.

Anterioridade da Lei
CP, Art. 1º Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.
Lei penal no tempo
Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em
virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos an-
teriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

Deve ser aplicada a lei que estava em vigor no tempo da conduta, salvo se a do tempo do
resultado for mais benéfica ao réu.

A lei penal posterior que seja mais benéfica (lex mitior ou novatio legis in mellius) é retroativa,
alcançando, inclusive, os fatos já definitivamente julgados (prevalece sobre a coisa julgada!).

A novatio legis incriminadora, aquela que passa a considerar típico um fato até então atí-
pico, é irretroativa.
A lei que provoca abolitio criminis (torna atípico um fato tido como típico) é retroativa.
A lex gravior ou novatio legis in pejus, lei posterior mais severa, é irretroativa.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 50 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Nos crimes permanentes, continuados e habituais, aplica-se a lei que estava em vigor
quando cessada a permanência, a continuidade e a habitualidade delitivas, ainda que no início
da atividade criminosa vigesse lei mais benéfica;
Sobre o tema, súmula n. 711-STF:

Súmula n. 711, STF


A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua
vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

3.7. Aplicação da Norma Trabalhista no Tempo

Na seara trabalhista, não há maiores ponderações a serem feitas, aplicando-se o sistema


geral previsto na LINDB. Logo, a regra é as leis trabalhistas são irretroativas, não podendo
alterar os contratos de trabalhos firmados na vigência de legislação anterior.

3.8. Aplicação da Norma Constitucional no Tempo

Efeitos Provocados pela Manifestação do Poder Constituinte Originário

Com a manifestação do Poder Constituinte Originário (PCO), por meio do estabelecimento


de uma nova ordem constitucional, ocorre, de imediato, a completa revogação da Constituição
anterior, por normação geral.
Anote, assim, o primeiro efeito a ser estudado.
A Constituição pretérita será totalmente revogada: no Brasil, não é aceita a tese da des-
constitucionalização, segundo a qual as normas da Constituição revogada continuariam vi-
gentes, porém com status de norma infraconstitucional. Alerta-se, no entanto, que, embora a
tese não seja aceita como regra, nada impediria que o próprio Poder Constituinte Originário
(PCO), em uma outra manifestação, dispusesse nesse sentido, agasalhando a teoria.
Merece ser destacado, porém, que a manifestação do PCO não representa uma “ruptura
integral com o edifício jurídico-normativo sustentado pela Constituição anterior.”29 Significa
29
SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo. Poder Constituinte e patriotismo constitucional. p. 60 apud FERNANDES, Bernardo Gonçal-
ves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. rev., ampl. E atual. Salvador. JusPODIVM, 2017. p. 129.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 51 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

dizer que nem todo diploma infraconstitucional perderá vigor com o advento de uma nova
Constituição.
Fala-se aqui no fenômeno da recepção, “que corresponde a uma revalidação das normas
que não desafiam, materialmente, a nova Constituição”30. Logo, um segundo efeito da imple-
mentação de uma ordem constitucional é:
A recepção das normas infraconstitucionais materialmente compatíveis com a nova Cons-
tituição: às vezes, a recepção será expressa, tal como ocorreu na Constituição brasileira de
1937. O mais frequente, contudo, é a recepção implícita, como se dá no atual sistema pátrio.
O pressuposto básico para a recepção é a existência de uma compatibilidade material, ou
seja, de conteúdo.
A compatibilidade formal, por seu turno, não é necessária. Nesse sentido, é válido apontar
que a recepção, a depender da vontade do PCO, poderá se dar com o mesmo status ou com
status diferente. A título de exemplo, se uma matéria tiver sido disciplinada em lei ordinária
na Constituição anterior, mas com o surgimento da nova Constituição passou a ser exigida a
sua regulamentação por meio de lei complementar, a lei ordinária (se materialmente compatí-
vel com a nova Constituição) será recepcionada com o status de lei complementar. Foi o que
ocorreu com o Código Tributário Nacional, originariamente uma lei ordinária, mas recepciona-
do no ordenamento constitucional de 1988 como lei complementar.
Não guardando a norma pretérita compatibilidade material com o novo texto constitucio-
nal, ela deverá ser revogada. Temos aqui o terceiro efeito da instalação de uma nova Consti-
tuição, qual seja:
As normas infraconstitucionais editadas na vigência da Constituição pretérita que forem
materialmente incompatíveis com a nova Constituição serão por ela revogadas: há aqui uma
revogação tácita e automática, não sendo necessário que a nova Constituição detalhe os
dispositivos que com ela são incompatíveis. Essa análise caberá aos operadores do direito.
Quanto a este terceiro efeito, a doutrina constitucional diverge, afirmando uma parte se
tratar de hipótese de não recepção (revogação) em oposição a outra que defende ser o caso
de inconstitucionalidade superveniente.
30
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2017.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 52 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

No Brasil, o STF rechaça a tese da inconstitucionalidade superveniente.


Para a Suprema Corte, a constitucionalidade de uma norma só pode ser aferida pelo seu
cotejo com a Constituição que lhe é contemporânea (princípio da contemporaneidade), isto é,
aquela em vigor quando da sua vigência.
Assim, as normas infraconstitucionais materialmente incompatíveis com a nova Consti-
tuição não deverão ser consideradas inconstitucionais, mas, sim, não recepcionadas.
É possível a recepção de “lei produzida por um ente da Federação no regime constitu-
cional anterior se, com nova ordem constitucional, a mesma competência legislativa fosse
transferida para figura federativa diversa?”31
A recepção apenas poderá ser permitida se houver alteração de competência de um ente
de maior grau para um ente de menor grau.

Exemplo: uma lei federal pode ser recepcionada como estadual pela nova Carta, mas o con-
trário não é possível, isto é, uma lei estadual não pode ser recepcionada como federal, pois
ensejaria cenário em que teríamos, possivelmente, 27 leis estaduais assumindo o status de
lei federal, o que geraria um caos.32

Outro importante tema diz respeito a recepção do direito pré-constitucional inconstitucio-


nal face à Constituição pretérita. Anote:

 Obs.: a norma pretérita considerada inconstitucional, quando comparada à Constituição


que lhe é contemporânea, não poderá ser recepcionada pela nova ordem constitucio-
nal, ainda que com ela seja materialmente compatível, pois é tida como juridicamente
inválida desde a sua origem.

Explico melhor!
Um dos requisitos essenciais para que uma norma seja recepcionada é que ela seja váli-
da formal e materialmente perante a Constituição de sua época. Nesse sentido, prevalece no

31
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. rev., ampl. E atual. Salvador. JusPODIVM, 2017.
p. 131.
32
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. rev., ampl. E atual. Salvador. JusPODIVM, 2017.
p. 131.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 53 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

âmbito da jurisprudência do STF também não ser possível o fenômeno da constitucionalidade


superveniente
Para ficar mais claro, visualize que “uma lei que fere o processo legislativo previsto na
Constituição sob cuja regência foi editada, mas que, até o advento da nova Constituição,
nunca fora objeto de controle de constitucionalidade”33, não poderá ser recebida pela nova
Constituição.
Pedro Lenza sintetiza que:

Para uma lei ser recepcionada pelo novo ordenamento jurídico, deverá preencher os seguintes re-
quisitos:
Estar em vigor no momento do advento da nova Constituição;
Não ter sido declarada inconstitucional durante a sua vigência no ordenamento anterior;
Ter compatibilidade formal e material perante a Constituição sob cuja regência ela foi editada (no
ordenamento anterior);
Ter compatibilidade somente material perante a nova Constituição, pouco importando a compati-
bilidade formal.

33
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 54 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Lei em período de vacatio legis e nova ordem constitucional.


Nesse caso, a doutrina considera que a lei vacante não poderá ser recepcionada pela nova or-
dem constitucional, ainda que plenamente compatível com ela. Isso acontece porque a novel
Constituição só poderá recepcionar as normas em vigor ao tempo de sua promulgação.

E o instituto da repristinação? É possível?


A repristinação somente é permitida quando houver previsão expressa nesse sentido.

Exemplo: imagine a seguinte situação: com o surgimento de uma nova Constituição, determi-
nadas normas infraconstitucionais editadas (e em vigor) sob a égide do ordenamento cons-
titucional revogado não foram recepcionadas. Ocorre que, posteriormente, mediante nova
manifestação do Poder Constituinte Originário, um novo sistema constitucional foi instaura-
do.

Nesse caso, as normas infraconstitucionais revogadas voltariam a vigorar?


Em regra, não. Contudo, a resposta poderia ser positiva se presentes dois requisitos:
• os dispositivos infraconstitucionais não contrariassem a nova Constituição;
• existisse manifestação expressa do PCO permitindo a repristinação, que não é auto-
mática.

Efeitos Provocados pela Manifestação do Poder Constituinte Derivado

Surgindo uma nova norma constitucional por meio de emenda à Constituição, é necessá-
rio saber que:

 Obs.: norma infraconstitucional pretérita incompatível com emenda constitucional consi-


dera-se como não recepcionada.

Trata-se de solução operada por meio do princípio da recepção.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 55 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Então, veja: se a norma pretérita for compatível materialmente com a emenda constitucio-
nal, ela será recepcionada e permanecerá em vigor. Por outro lado, se houver incompatibilida-
de material com a emenda constitucional, ela será revogada (não recepcionada).
Mas, tenha cuidado, pois a solução do conflito pelo princípio da recepção somente será
cabível quando estivermos diante de norma anterior à emenda. Se a norma for posterior à
emenda, a controvérsia se resolverá pelo controle de constitucionalidade.

Cabe ressaltar que não há direito adquirido em face de uma nova Constituição, já que o Poder
Constituinte Originário não está submetido a qualquer limitação jurídica. Aliás, quanto aos
efeitos da nova Constituição sobre os fatos que lhe são pretéritos, o STF faz uma distinção
entre três tipos de retroatividade: mínima, média ou máxima.
Vejamos cada uma delas:
• Retroatividade mínima (temperada ou mitigada): a nova Constituição alcançará os
efeitos futuros de atos passados. Um exemplo é a previsão inserta no art. 17, do ADCT,
de que os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os
proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Cons-
tituição serão imediatamente reduzidos aos limites nela impostos, não se admitindo,
neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título;
• Retroatividade média: a nova Constituição atinge efeitos pendentes de atos jurídicos a
ela anteriores (são as prestações vencidas e não pagas);
• Retroatividade máxima ou restitutória: a nova Constituição atinge atos consolidados,
consumados no passado.
De modo geral, conforme já estudamos, todas as normas jurídicas têm eficácia prospectiva.
A norma constitucional, no entanto, também surge com retroatividade mínima. E, se fizer ex-
pressa menção nesse sentido, também poderá ter retroatividade máxima ou média.
No que diz respeito ao Poder Constituinte Derivado, essa mesma possibilidade parece não
existir. Após a promulgação da Constituição de 1988, O STF nunca se pronunciou sobre a
eficácia retroativa das emendas constitucionais ou se elas devem reverência às clássicas

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 56 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

formas de estabilidade jurídica (ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido). Na
ordem jurídica anterior, o posicionamento da Suprema Corte era favorável à possibilidade de
retroação. No entanto, sob a vigência da atual Constituição, o tema ainda não foi revisitado.
De todo modo, o STF já manifestou que ao menos as Constituições estaduais e as respectivas
emendas devem resguardar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

3.9. Antinomias Jurídicas

Para que possamos finalizar a primeira parte da aula, precisamos estudar as antinomias
jurídicas.
Antinomias são as contradições, reais ou aparentes, entre normas jurídicas.
Na lição de Maria Helena Diniz, a antinomia é:

(...) o conflito entre duas normas, dois princípios, ou de uma norma e um princípio geral de direito
em sua aplicação prática a um caso particular. É a presença de duas normas conflitantes, sem que
se possa saber qual delas deve ser aplicada ao caso singular.

Existem duas espécies de antinomia, a saber:


• Antinomia real: são conflitos insolúveis, para as quais não há, no ordenamento, qualquer
regra pronta para a solução do caso concreto. Cuida-se de situação em que inexiste
meta-critério para a solução do embate, o que não significa dizer que incidirá o non li-
quet para a hipótese, mas, sim, que cada caso precisará ser decidido de forma particular.
A solução se fará, por exemplo, por meios ab-rogatórios, com a edição de uma norma
que opte expressamente por uma das normas antinômicas, ou por meio da interpretação
equitativa, do recurso ao costume, à doutrina, aos princípios gerais de direito, entre ou-
tros expedientes;
• Antinomia aparente: são contradições para as quais há metacritérios (critério crono-
lógico, da especialidade e hierárquico) para a solução do conflito, que é meramente
aparente. Assim, existindo um mecanismo capaz de afastar a suposta contradição en-
tre as normas, significa que a alegada incongruência não existe; a contradição entre as
normas, como dito, é apenas aparente.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 57 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

A antinomia aparente se subdivide em:


• Antinomia de primeiro grau: quando apenas um dos critérios é suficiente para a solu-
ção do conflito normativo;
• Antinomia de segundo grau: quando é necessário a conjugação de mais de um critério
para solucionar o embate.

Vejamos, então, quais são os três critérios fornecidos pela hermenêutica clássica para a
solução das antinomias aparentes. São eles:
• Critério temporal (cronológico): é conhecido pela máxima “lex posterior derogat lex an-
terior”, que significa: lei posterior revoga a lei anterior. O critério cronológico é contem-
plado pela LINDB em seu art. 2º, §1º, que assim dispõe:

LINDB, Art. 2º, § 1º A lei posterior revoga a lei anterior quando expressamente o declare, quando
seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
(Destacamos)

• Critério da especialidade: é representado pela máxima “lex speciali derogat lex genera-
li”, segundo a qual a lei especial prevalece sobre a lei geral;
• Critério hierárquico: é definido pela expressão em latim “lex superior derogat lex infe-
rior”, ou, em português, lei superior revoga lei inferior.

A antinomia de segundo grau, como dito, não se satisfaz com a utilização de apenas um
desses critérios elencados acima. Ela representa um conflito heterogêneo, uma vez que en-
volve a utilização de dois critérios distintos, o que acaba implicando no conflito entre os pró-
prios critérios. Assim, podemos ter as seguintes possibilidades:

Antinomia de segundo grau


Conflito Solução
Critério da especialidade versus critério cronológico Prevalece a especialidade.
Critério hierárquico versus critério cronológico Prevalece a hierarquia.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 58 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Critério hierárquico versus critério da especialidade Nesse caso, como ensina Maria Helena Diniz, não há
uma meta-regra geral de solução do conflito, tratan-
do-se, em verdade, de antinomia real, cuja solução
dependerá da análise do caso concreto. De acordo
com Noberto Bobbio, “(...) no caso de um conflito no
qual não se possa aplicar nenhum dos três critérios,
a solução do conflito é confiada à liberdade do intér-
prete, poderíamos quase falar em um autêntico poder
discricionário do interprete, ao qual cabe resolver o
conflito segundo a oportunidade, valendo-se de todas
as técnicas hermenêuticas usadas pelos juristas por
uma longa e consolidada tradição e não se limitando
a aplicar uma só regra”. (BOBBIO, 1999, p. 100).

Nas antinomias de segundo grau, o critério cronológico se apresenta como o critério mais
“fraco” dentre os três, porque sempre cede lugar a outro.

Uma última consideração antes de encerrarmos o tópico: os critérios da especialidade,


cronológico e hierárquico, apenas terão lugar para afastar conflito aparente entre regras, não
valem, portanto, para solucionar contradições principiológicas. Se há conflito principioló-
gico, antinomia de valores ou antinomia axiológica, a solução hermenêutica é a técnica da
ponderação.

Parte II: Teoria Geral da Política

1. Noções Introdutórias: Conceitos Básicos

1.1. Poder

Buscar impor uma definição ao termo poder é tarefa árdua, uma vez que o conceito não é
uniforme, moldando-se conforme o tempo e a corrente de pensamento adotada.
Vejamos as principais definições utilizadas:

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 59 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

• Nicos Poulantzas, lastreado em Marx e Lênin, bem como na teoria da luta de classes,
define o poder como “a capacidade de uma classe social de realizar os seus interesses
objetivos específicos”. Essa é uma definição comum entre os adeptos da teoria política
marxista;
• Lasswell, por sua vez, conceitua o poder como “o fato de participar da tomada das de-
cisões”. A visão é recorrente nas teorias de decision-making process, sendo criticada
pelo fato de se apresentar como uma concepção muito voluntarista do processo de
tomada de decisões;
• Para Max Weber, poder é “a probabilidade de um certo comando com um conteúdo
específico ser obedecido por um grupo determinado”. A concepção weberiana se am-
para na visão de uma sociedade-sujeito, resultado dos comportamentos normativos
dos agentes sociais. Desse conceito, ganham destaque as ideias de “probabilidade” e
“comando específico”;
• Já Talcot Parsons parte da concepção funcionalista e integracionista do sistema social
para definir o poder como “a capacidade de exercer certas funções em proveito do sis-
tema social considerado no seu conjunto”.

1.2. Política

Derivado da palavra grega pólis, o termo política, originalmente, referia-se às relações


sociais aí ocorridas, isto é, às relações sociais ocorridas nas cidades-Estados gregas (pólis),
pequenas aglomerações compostas por cidadãos com o objetivo de firmar as diretrizes de
uma determinada comunidade, sendo consideradas, hodiernamente, como as células em-
brionárias daquilo que se convencionou chamar de Estado.
Assim, política dizia respeito a tudo que era urbano, civil, público, em resumo, a tudo que
era da cidade (da pólis).
Mas tal como ocorre com o termo poder, a política, igualmente, não tem significação unís-
sona. Dentre as diversas concepções apresentadas, porém, a definição cunhada por Aristóte-
les é a que assume maior relevância.

 Obs.: para Aristóteles, política seria o ramo do conhecimento destinado a examinar a forma
de governo mais apropriada para alcançar o bem comum.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 60 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Transpondo o conceito de pólis para a conjuntura da sociedade moderna, a política pode


ser entendida como o ramo do conhecimento cujo objeto são as relações interpessoais de-
senvolvidas no seio social, abrangendo, também, as decisões públicas efetuadas pelos res-
ponsáveis pela administração da coisa pública.

 Obs.: para facilitar os seus estudos, podemos apontar que, numa acepção moderna, a polí-
tica seria a atuação destinada à administração de uma determinada comunidade,
buscando fixar a sua estrutura e organização.

Observe que a política nada mais seria do que uma forma de atividade humana relaciona-
da ao exercício do poder. É por isso que Julien Freund a define como “a atividade social que se
propõe a garantir pela força, fundada geralmente no direito, a segurança externa e a concórdia
interna de uma unidade política particular...”. Essa possibilidade de fazer uso da força, aliás,
é o que distingue o poder político das outras formas de poder.
Para fins unicamente didáticos, destacamos outas definições mais específicas conferidas
ao termo:

a) política como tema genérico, em que se inserem os fatos cotidianos relativos às decisões toma-
das pelos governantes, na administração da coisa pública;
b) política como uma estrutura organizada para um determinado fim social de natureza pública,
confundindo-se com política pública (política educacional, política de saúde etc.);
c) política como a arte de conquistar, manter e exercer o poder, o governo (NICOLAU MAQUIAVEL);
d) política como os meios adequados à obtenção de qualquer vantagem (H0BBE5);
e) política como ciência política, que tem por objeto os sistemas de governo públicos e privados,
é dizer, os sistemas políticos e o comportamento político.

1.3. Ciência Política

Na lição de Norberto Bobbio, ciência política é entendida como:

(...) qualquer estudo dos fenômenos e das estruturas políticas, conduzido sistematicamente e com
rigor, apoiado num amplo e cuidadoso exame dos fatos expostos com argumentos racionais. Nes-
ta acepção, o termo ‘ciência política’ é utilizado dentro do significado tradicional como oposto à
‘opinião’.”

Gaetano Mosca afirma que a ciência política seria o estudo da formação e organização do
poder, tendo sido desenvolvida a partir do século XIX, correspondendo ao resultado da

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 61 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

evolução das ciências históricas. O método da ciência política seria, assim, a partir do estudo
das várias civilizações, o de apanhar o maior número possível de fatos históricos, de modo
que o cientista político deveria dominar toda a história da humanidade.
Destarte, os objetivos da ciência política, segundo o autor, consistiriam em:
• estudar as tendências que determinam o ordenamento dos poderes políticos;
• examinar as leis reguladoras da organização social;
• descobrir e conhecer as leis reguladoras da natureza social do homem e do ordena-
mento político das diversas sociedades humanas;
• examinar, como problema central, as formas pelas quais o poder político se organiza e
se desenvolve.

 Obs.: ciência política é a ciência social dedicada ao exame dos sistemas, instituições, pro-
cessos e fenômenos políticos em um determinado Estado.

1.4. Estado

O conceito de Estado é frequentemente confundido com as ideias de país, povo e nação,


razão pela qual listaremos a seguir a definição de cada um desses vocábulos, com o objetivo
de facilitar a compreensão.
• Estado: uma suscinta e correta definição de Estado é considerá-lo como a entidade
político-social juridicamente organizada para executar os objetivos reputados como
necessários ao bem comum.34

A formação do Estado demanda a presença de três elementos: povo, território e governo


soberano.
• Povo: é o componente humano, demográfico do Estado, caracterizado como o “con-
junto das pessoas dotadas de capacidade jurídica para exercer os direitos políticos
assegurados pela organização estatal.” 35 Importante saber que povo e população não
34
BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito Constitucional: Tomo I – Teoria da Consti-
tuição. Coleção Sinopses para Concursos. 7ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODVIM. 2017. p. 35.
35
BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito Constitucional: Tomo I – Teoria da Consti-
tuição. Coleção Sinopses para Concursos. 7ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODVIM. 2017. p. 35.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 62 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

se confundem, sendo população “conceito que envolve aspectos meramente estatís-


ticos do número total de indivíduos que se sujeitam ao poder do Estado, incluindo, por
exemplo, os estrangeiros, apátridas e os visitantes temporários.”
• Território: é base física, geográfica do Estado;
• Governo: é o elemento condutor do Estado, tratando-se do “conjunto das funções ne-
cessárias à manutenção da ordem jurídica e da administração pública.”

Para haver um Estado perfeito, o governo deve ser soberano, não encontrando limites ju-
rídicos no plano interno e submetendo-se no plano internacional às regras voluntariamente
aceitas.
Marcello Caetano, quanto à soberania, a define como o poder político supremo, porque,
na ordem interna, não encontra limitações por nenhum outro poder; sendo também um poder
político independente, porque perante a sociedade internacional não precisa acatar regras
que não sejam voluntariamente aceitas.
É o Estado que detém e exerce o poder absoluto de autodeterminação e auto-organização
emanado do povo, titular da soberania (art. 1º, parágrafo único, da CF36).
País: é o território que abriga uma coletividade.
Nação: é o grupo de indivíduos que, tendo a mesma origem ou religião, ou os mesmos in-
teresses econômicos e morais, e, principalmente, um passado comum de tradições, unem-se
em torno de ideais e aspirações comuns. Em resumo: “trata-se do conjunto homogêneo de
pessoas que se consideram ligadas entre si por vínculos de ‘sangue’, idioma, religião, cultura,
ideias, objetivos.”
Assim, não é sempre que um povo constitui uma nação. Além disso, é possível concluir que
a nação pode surgir antes mesmo do próprio Estado e, inclusive, subsistir sem ele, a exemplo
da nação judaica antes da criação do Estado de Israel.

Finalidade do Estado

Há um debate sobre qual seria a finalidade do Estado, se ele seria um fim em si mesmo ou
se seria um meio para o alcance da felicidade humana. Darcy Azambuja se alinha a Ataliba
36
CF, art. 1º. Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 63 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Nogueira ao dizer que o Estado “é um dos meios pelos quais o homem realiza o seu aperfei-
çoamento físico, moral e intelectual, e isso é que justifica a existência do Estado”.
De todo modo, é certo que, no plano jurídico, o fim do Estado é a consecução do bem pú-
blico, de sorte a atender às necessidades inadiáveis da população, que serão traçadas segun-
do a doutrina sobre a qual este Estado se embasa e se estrutura.
Pela doutrina abstencionista, também conhecida como laissez-faire, que tem cunho li-
beral e está ligada à corrente de pensamento econômico dos fisiocratas, ao Estado cabe tão
somente a tarefa de manter a ordem, seja ela interna ou externa, de modo que tudo aquilo que
fugir à manutenção da ordem caberá à iniciativa privada. Aqui, o Estado atuaria apenas como
um garantidor da autonomia privada e do livre jogo de interesses (Estado mínimo), apenas
agindo de forma policial para restabelecer, quando necessário, a normalidade. Nesse Estado
de tipo gendarme, há poucas leis regulamentadores e prevalece o livre direito de propriedade.
Outra forma de conceber o Estado é pela visão socialista. Nela, o Estado não só represen-
ta a coletividade, mas assume o papel de agente condutor (conformador) da realidade social,
passando a atuar em todos os ramos de atividade. Os mais radicais da doutrina socialista
defendem que o Estado deve deter a propriedade de tudo o que interessa à população, distri-
buindo-a a cada um conforme critérios fixados por ele mesmo. Aqui, o objetivo seria o fim da
propriedade privada e, em última análise, o fim do próprio Estado.
Uma terceira doutrina, tida por eclética, buscou um meio termo entre o laissez-faire e o
socialismo. Consoante G. Sortais37, o lema levantado pelos ecléticos seria: “em vez de fazer
tudo, como defendem os socialistas, ou de fazer o mínimo, como pregam os abstencionistas,
o melhor é ajudar a fazer”. Sendo assim, para os ecléticos, ao Estado competiria apenas ações
de caráter supletivo, isto é, só atuaria em áreas que aos indivíduos seriam inviáveis.
Dessarte, a partir dessas ideias e da crítica ao Estado forte dos socialistas e ao Estado
mínimo do laissez-faire­, emerge a proposta do Estado regulador e fiscalizador.

Estado regulador não é sinônimo de Estado mínimo.


Estado mínimo: é aquele que procura intervir o mínimo possível na economia do país, na ex-
pectativa de que tal procedimento maximize o progresso e as prosperidades. A sua função
37
Sortais, G. Andrea del Verrocchio. The Catholic Encyclopedia. Robert Appleton Company.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 64 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

resume-se a assegurar os direitos básicos da população por meio da promoção da segurança


pública, da justiça e do poder de polícia, devendo editar as leis necessárias para tanto.
Estado regulador e fiscalizador: visando a se desassociar da doutrina abstencionista, assim
como da doutrina socialista que pregava um Estado empresário que deveria atuar diretamen-
te na economia, além de prestar diretamente os serviços públicos, o Estado regulador e fis-
calizador é aquele que concentra a sua atuação na áreas denominadas “núcleo estratégico”
e “atividades exclusivas”, deixando ao setor privado as demais, de modo que sobre estas o
Estado atuaria de maneira regulatória e fiscalizadora, com objetivo de que sejam exercidas
pelos particulares com lisura e de forma a atender ao interesse público.

Ideologias

Observe que a missão de apontar o fim para qual um Estado se presta está umbilicalmen-
te relacionado a ideologia predominante.
E o que seria ideologia?
A origem do termo se deve a Destutt de Tracy, que criou a palavra e lhe deu o primeiro de
seus significados: ciência das ideias. Posteriormente, esta palavra ganharia um sentido pejo-
rativo quando Napoleão chamou os adeptos de “ideólogos” no sentido de “deformadores da
realidade”. No entanto, os pensadores da Antiguidade Clássica e da Idade Média entendiam
ideologia como o conjunto de ideias e opiniões de uma sociedade.
No geral, a palavra acaba por desembocar em duas concepções opostas: uma neutra e
outra crítica. Na primeira acepção, usualmente utilizada no senso comum, o termo ideologia é
sinônimo de ideário (em português), contendo o sentido neutro de conjunto de ideias, de pen-
samentos, de doutrinas ou de visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos,
orientado para suas ações sociais e, principalmente, políticas. Noutra via, para autores que
utilizam o termo sob uma concepção crítica, ideologia pode ser considerado um instrumento
de dominação que age por meio de convencimento (persuasão ou dissuasão, mas não por
meio da força física) de forma prescritiva, alienando a consciência humana.
Uma forma bastante conhecida, e crítica, de compreender a ideologia pode ser atribuída
a Karl Marx, por exemplo. Em sua obra “A Ideologia Alemã”, coescrita com Friedrich Engel,

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 65 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Marx concebe a ideologia como uma consciência falsa proveniente da divisão entre o traba-
lho manual e o intelectual. Nessa divisão, os ideólogos ou intelectuais operariam em favor da
dominação de uma classe social sobre a outra por meio de ideias que representavam uma
falsa compreensão sobre o modo como se processam as relações de produção. Com isso,
a ideologia, enquanto falsa consciência, camuflaria a realidade em prol dos interesses da
classe dominante.
Entretanto, não é apenas em “A Ideologia Alemã” que Marx trata do tema ideologia e, de-
vido a inconsistências entre seus escritos sobre o tema, não seria correto afirmar cabalmente
que possui uma única e precisa definição o sobre o termo.
Depois de Marx, vários outros pensadores se debruçaram sobre o tema, muitos comun-
gando do seu entendimento, mas outros abordando a ideologia como sinônimo de “visão de
mundo”, filiando-se a uma concepção neutra.

Ideologias Políticas Contemporâneas

A Revolução Francesa foi um importante marco histórico, uma vez que por meio dela se
deu o surgimento de diversas ideologias, havendo quem afirme ter sido a responsável por
uma “tripla” revolução, eis que, embutidas nos seus valores de liberdade, igualdade e frater-
nidade, acabou por lançar as sementes do liberalismo, do socialismo e do nacionalismo. Não
bastasse, ela também fomentou o aparecimento de ideologias contrarrevolucionárias, como
o conservadorismo. O anarquismo também se inspirou na Revolução Francesa.
Mas a Revolução Francesa não foi a única responsável por deflagrar tais ideologias. A Re-
volução Americana, a Revolução Industrial e a crise na Europa do século XX também tiveram
papel nesse processo.
A seguir, delineia-se, de forma sumária, as principais ideologias contemporâneas.
Conservadorismo: surgiu como reação à modernização da sociedade, na época do Ilumi-
nismo, e preza pela manutenção do status quo social (ou seja, é a favor de manter as coisas
como estão), valorizando as tradições, inclusive as de governo, sobretudo o monárquico. No
entanto, ante a impossibilidade de conter os avanços da modernidade, surgiu o Neoconserva-
dorismo, que não se opõe à modernidade, mas defende que as mudanças devem ser operadas

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 66 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

de forma gradual, com a preservação de valores morais e religiosos, especialmente da moral


cristã ocidental.
Liberalismo: consolidou-se no século XVII a partir da visão política de Jonh Locke. Defende
a liberdade e a existência de direitos naturais do indivíduo, sobretudo a igualdade jurídica e a
tolerância ideológica. Esses valores serviram, inclusive, de fundamento para a elaboração da
Constituição Americana e a para a insurreição da burguesia contra a nobreza durante a Revolu-
ção Francesa. O liberalismo pode ser vislumbrado em duas concepções distintas: uma burguesa,
defendida por Locke, e outra de viés mais popular/universal. O liberalismo clássico, de Locke,
fala de liberdade econômica (Adam Smith), de um Estado mínimo e de uma participação restrita
da população na vida política (voto censitário masculino). O liberalismo democrático ou radical
opõe-se ao clássico à medida que defende maior soberania popular (voto universal), maior inter-
venção estatal na economia e um governo com poderes controlados pelo povo (o que lembra as
ideias de Rousseau).
Socialismo: defende uma sociedade igualitária e fraterna em prol dos trabalhadores (ideal
coletivista). Seus ideais podem ser divididos em utópicos e científicos. O socialismo utópi-
co sustenta uma transição pacífica e gradual para o socialismo, por meio da implantação
de pequenas propriedades coletivas e uma posterior expansão dos ideais igualitários. Em
1848, com revoluções em toda a Europa (Primavera dos Povos), Marx e Engels publicam seu
“Manifesto Comunista”, chamando os socialistas anteriores de “utópicos” e convocando todo
o proletariado do mundo a se unir para combater, de forma violenta e repentina, as classes
dominantes. Nesse cenário, Marx autointitulou a sua tese de socialismo científico, porque
é calcado em profundos estudos sobre a sociedade capitalista e sobre a origem da desi-
gualdade entre as classes. Para Marx, aliás, tal desigualdade só seria desfeita com uma luta
violenta e uma revolução dos oprimidos contra os opressores. Sua ideologia (o Marxismo) se
dividiu ainda em duas frentes: a social-democracia, que é a instalação gradual da Ditatura do
Proletariado (acompanhada de um Estado democrata, que estabelecesse o bem-estar social
– Welfare State); e o comunismo, que é a revolução armada nos moldes do que aconteceu na
Rússia de Lênin e Stálin.
Anarquismo: é a ausência total de governo. O anarquismo tem origem desconhecidas e é
dividido em duas vertentes: anarquismo anticapitalista (ou coletivista) e o anarcocapitalismo

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 67 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

(ou individualista). O anarquismo anticapitalista defende o fim de qualquer tipo de governo e a


existência de uma sociedade fraterna na qual todos dividem tudo (como uma grande tribo, si-
milar ao socialismo). Por outro lado, o anarcocapitalismo adere ao capitalismo, sem governo,
mas considerando as individualidades de cada pessoa e permitindo a existência do comércio.
Nacionalismo: fundamenta-se na defesa dos “direitos” da nação, da raça ou dos costumes
de um povo. O nacionalismo surge com a criação dos Estados nacionais e com a identificação
do povo com seu país. Uma vertente conhecida é o fascismo, caracterizado pelo ultranacio-
nalismo em prol da reconstrução dos antigos Impérios Romano e Alemão em detrimento das
outras nacionalidades. Por mais que não tenham conseguido plenamente ser instauradas,
tais ideologias servem de base para muitos governos e para muitas outras ideologias (eco-
nômicas, sociais e até mesmo políticas).
Agora, um pequeno quadro resumindo as principais informações das ideologias políticas
contemporâneas:

Ideologia Principais Ideias Vertentes Origem


Conservadorismo - Manter o status quo, da Tradicionalista: se opõe a Séc. XVII (surgimento do
ordem social; modernidade. Iluminismo)
­- É contrário ao avanço da Neoconservadorismo: Séc. XIX (surgimento
modernidade. prega uma modernização do Capitalismo)
gradual, preservados os
valores morais e religiosos.
Liberalismo - Luta pelos direitos Clássico: defende um Séc. XVIII (EUA e Revolu-
naturais e pela liberdade Estado mínimo e o voto ção Francesa)
econômica, ideológica e censitário.
política do indivíduo. Radical ou Democrático: Revolução Francesa (2ª
fundamenta-se na inter- fase: popular e democrá-
venção estatal, na sobe- tica)
rania popular e no voto
universal.
Socialismo - Defende a criação de “Utópico”: revolução pací- Séc. XVIII
uma sociedade igualitária fica e gradual. (Rev. Francesa)
e fraterna (ideal coletivista)
em prol do proletariado
(classe trabalhadora).

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 68 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Ideologia Principais Ideias Vertentes Origem


Científico ou Marxista: Séc. XIX
divide-se em: (Primavera dos Povos e
- Social-Democracia; Manifesto Comunista de
- Comunismo. Marx em 1848)
Anarquismo - Pretende a instalação de Anticapitalista: quer a Desconhecida
uma sociedade igualitária implementação de uma
e sem governo; sociedade coletivista e
- O povo se “autogo- sem governo, na qual
verna”. todos dividem tudo, como
uma grande tribo.
Anarco-capitalismo: Desconhecida
defende uma sociedade
individualista e sem
governo, mas que respeita
as individualidades e o
comércio (adere ao capi-
talismo).
Nacionalismo - Almeja a defesa dos Fascismo é uma das Formação dos Estados
“direitos nacionais”: vertentes conhecidas. Nacionais
unidade (fraternidade),
raça forte e costumes
tradicionais.

Os Poderes do Estado e a Teoria da “Separação dos Poderes”

Uma vez examinada as suas possíveis finalidades e ideologias, vamos nos dedicar a en-
tender como o Estado atua para concretizá-los, ou melhor: como o poder político do Estado
se desenvolve?
Nas sociedades primitivas, o poder do Estado se concentrava em uma única pessoa ou
em um único grupo, de modo que todas as competências estatais eram deliberadas por um
único órgão supremo, a quem incumbia a tarefa de cuidar da defesa externa, da ordem interna
e do controle dos bens e serviços de caráter coletivo, inclusive das questões religiosas.
Acontece que o desenvolvimento da sociedade e o aumento de sua complexidade, aliados
à extensão territorial sob domínio de um único gestor, foram reclamando a necessidade de que
o poder fosse desenvolvido de maneira desconcentrada, até porque o exercício concentrado
deste motivou e justificou as mais diversas arbitrariedades no curso da história humana.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 69 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

É, assim, com o objetivo de garantir a construção de um Estado voltado, efetivamente,


à satisfação das necessidades coletivas e à preservação das liberdades individuais, que co-
meçou a ser debatido o modo pelo qual o poder deveria ser prestado. Aqui, os estudos de três
pensadores adquiriram relevância ímpar, quais sejam: Aristóteles, John Locke e Montesquieu.
Aristóteles, em sua obra “Política”, lançou na Antiguidade Grega as primeiras bases te-
óricas sobre à “tripartição de poderes”, ao perceber a necessidade de fracionar as funções
administrativas da pólis, discorrendo sobre a existência de três funções distintas exercidas
pelo poder soberano. São elas:
• edição de normas gerais que por todos deveriam ser cumpridas;
• aplicação das normas gerais editadas ao caso concreto;
• julgamento dos conflitos surgidos com aplicação das normas gerais ao caso concreto.

O filósofo, no entanto, justificado pelo contexto histórico em que estava inserido, defendia
a concentração das citadas funções nas mãos de uma única pessoa, o soberano. Com isso,
a sua grande contribuição na teorização dos Poderes do Estado foi ter constatado a existên-
cia de três funções estatais distintas.
Montesquieu, por seu turno, muitos anos após as ideias aristotélicas, mas partindo do
pressuposto de que três seriam as funções estatais, inovou em seu “O Espírito das Leis” ao
afirmar que estas não deveriam ser da competência de uma só pessoa ou órgão, mas, sim, que
estariam umbilicalmente ligadas a três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si.
Com efeito, defendia que o exercício do poder do Estado se dividiria em três órgãos: o Poder
Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário, cada qual responsável por uma função
estatal, assim definidas:
• Ao Poder Legislativo caberia a edição de normas gerais que por todos deveriam ser
cumpridas (função legislativa);
• Ao Poder Executivo caberia a aplicação das normas gerais editadas ao caso concreto
(função executiva);
• Ao Poder Judiciário caberia o julgamento dos conflitos surgidos com aplicação das
normas gerais, aplicando o direito ao caso concreto (função jurisdicional).

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 70 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

O objetivo era superar os ideais absolutistas até então vigentes, o que acabou servindo
de substrato para o surgimento dos mais diversos e importantes movimentos, a exemplo das
Revoluções Francesa e Americana.
Mas, tenha cuidado, pois, além das bases teóricas lançadas por Aristóteles, as ideias con-
sagradas por Montesquieu também encontraram (grande) respaldo nos escritos formulados
por John Locke, que contribuiu para a separação dos poderes por meio das instituições ado-
tadas pela Grã-Bretanha em razão da Revolução Gloriosa de 1968. Consoante lição de Mano-
el Gonçalves Ferreira:

(...) a divisão funcional do poder — ou, como tradicionalmente se diz, a ‘separação de poderes’ —
que ainda hoje é a base da organização do governo nas democracias ocidentais, não foi invenção
genial de um homem inspirado, mas sim é o resultado empírico da evolução constitucional inglesa,
qual a consagrou o Bill of Rights de 1689. De fato, a ‘gloriosa revolução’ pôs no mesmo pé a au-
toridade real e a autoridade do parlamento, forçando um compromisso que foi a divisão do poder,
reservando-se ao monarca certas funções, ao parlamento outras e reconhecendo-se a indepen-
dência dos juízes. Esse compromisso foi teorizado por Locke, no Segundo tratado do governo civil,
que o justificou a partir da hipótese do estado de natureza. Ganhou ele, porém, repercussão estron-
dosa com a obra de Montesquieu, O espírito das leis, que o transformou numa das mais célebres
doutrinas políticas de todos os tempos (Destacamos)38

O filósofo inglês, no entanto, ao defender a separação dos poderes, limitou-se a dividi-los


entre o Legislativo e o Executivo, não incluindo o Judiciário. Para ele, unir as funções legis-
lativas e executivas em um mesmo órgão “seria provocar uma tentação muito forte para a
fragilidade humana, tão sujeita à ambição...”39
“Com Montesquieu, sob inspiração de Locke, vislumbrou-se a necessidade de interconec-
tar as funções estatais, a fim de manter a autonomia e independência que lhes são típicas,
nascendo daí a famosa teoria dos freios e contrapesos (“checks and balances”).
Cada uma das funções estatais – Executivo, Legislativo e Judiciário – passaram a realizar
funções típicas (tradicionais) de sua natureza, mas, ainda, por dicção constitucional, funções
atípicas (não tradicionais), fiscalizando e limitando a ação dos demais.
A lógica aqui é que “apenas o poder limita o poder”, de modo que cada órgão tem, não ape-
nas que cumprir sua função essencial, como ainda atuar de modo a impedir que outro abuse
38
FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de direito constitucional, 34. ed., p. 135. apud LENZA, Pedro. Direito constitucio-
nal esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019
39
CAETANO, 2003. apud NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 11. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPo-
divm, 2016. p. 248.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 71 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

de sua competência. Por isso mesmo, mais que uma forma de racionalização da atividade es-
tatal, o projeto de Montesquieu traz uma preocupação política e de proteção da democracia.”

1.5. Governo

Governo é o conjunto de órgãos e as atividades por eles exercidas na condução política do


Estado, definindo suas diretrizes supremas com considerável discricionariedade.
Historicamente, o governo precedeu o Estado, que teve na Idade Moderna a origem de
como hoje é conhecido. Mas já na Antiguidade, assim como na Idade Média, era possível en-
contrar um governo das cidades-Estados e dos impérios feudais como formas pré-estatais
de organização política.

Sistemas de Governo

Os sistemas de governo surgem a partir das diferentes relações que podem ser estabele-
cidas entre os poderes políticos do Estado, sobretudo entre o Executivo e o Legislativo.
São as principais espécies de sistema de governo: parlamentarismo, presidencialismo e
diretorial.
O sistema de governo parlamentar (ou parlamentarismo), também conhecido como go-
verno de gabinete, tem origem na Inglaterra do século XVIII, caracterizando-se pela divisão
do Poder Executivo entre o Chefe de Estado e o Chefe de Governo, este último escolhido pelo
Poder Legislativo e cuja manutenção na função depende do apoio do parlamento, que poderá,
por motivos éticos ou políticos, exigir a sua destituição do cargo.
Ao Chefe de Estado incumbe funções protocolares, de representação simbólica do Estado,
podendo ser desenvolvidas pelo Presidente da República, se adotada a forma republicana de
governo, ou pelo Monarca, se adotada a Monarquia40.
Quanto ao Chefe de Governo, função em regra exercida pelo Primeiro Ministro, cabe o
efetivo exercício do governo, com o auxílio do seu gabinete (conselho de ministros), sendo,
assim, o responsável pela execução das políticas públicas, o gerenciamento da máquina pú-
blica e a liderança da política nacional.

40
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 11. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 643.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 72 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

O sistema presidencialista, por sua vez, tem origem nos Estados Unidos, em 1787, sendo
marcado pela existência de uma certa independência entre os poderes Executivo e Legislati-
vo, muito embora eles sofram interferências recíprocas, o que pode ser visto como expressão
da teoria dos freios e contrapesos.
O traço fundamental do sistema presidencialista é o exercício do Poder Executivo de ma-
neira autônoma pelo Presidente, que acumulará as chefias do Governo, do Estado e da Admi-
nistração Pública, sendo escolhido por meio de eleição direta (é a regra) ou indireta pelo povo,
o que denota a legitimação popular como uma das virtudes do presidencialismo.
Outra virtude, igualmente, é a definição de mandatos presidenciais com prazos fixos, re-
sultando numa maior estabilidade de governo.
Entre os pontos negativos, porém, está a concentração de poder num só agente, o que
pode fomentar regimes autoritários, bem como a necessidade de o presidente, a posteriori,
no curso do seu mandato, precisar formar uma maioria no parlamento para garantir uma boa
governabilidade.
Por fim, fala-se, também, no sistema diretorial ou governo de assembleia, regime identi-
ficado pela inteira subordinação do Poder Executivo ao Poder Legislativo, sendo o Executivo
constituído por uma comissão escolhida pelo Legislativo, correspondendo a um mero repre-
sentante deste.
No governo de assembleia, destarte, é o Legislativo o órgão que efetivamente dirige o
Estado.
Com origem na Revolução Francesa, hodiernamente esse peculiar sistema de governo
somente existe na Suíça, pelo menos de maneira formal. É que, apesar de a Constituição
determinar como responsabilidade da Assembleia Federal a eleição e a supervisão dos sete
membros do órgão Executivo, formado pelo Conselho Federal, este último paulatinamente
alcançou papel de destaque na direção do processo legislativo, além de sua atribuição na
execução da lei federal, surgindo uma forma de regime com muitas semelhanças com os Es-
tados parlamentares.
Resumindo:

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 73 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

1.6. Soberania: Teorias Teocráticas e Democráticas

A soberania pode ser percebida sob duas perspectivas: interna e externa.


Do ponto de vista interno, a soberania é o poder de supremacia que o Estado exerce so-
bre o seu povo. É o poder de normatizar as relações que se estabelecem entre os indivíduos

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 74 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

e grupos que habitam o interior do Estado, com imperatividade e força cogente. Embora tal
concepção carregue a ideia de “poder”, alguns autores rechaçam que a soberania seja um
poder, preferindo reconhecê-la como uma qualidade superior do Estado.
Por outro lado, a soberania externa é a autodeterminação e independência que determi-
nado Estado impõe em relação aos demais Estados; tem a ver, portanto, com a relação de
igualdade entre os Estados e com a ideia de não intervenção.
Duas teorias sobre a soberania ganham destaque: as teocráticas e as democráticas.
Para os teocráticos, amparados na teoria do direito divino, o poder soberano tem origem
em Deus e é pela vontade de Deus que há uma hierarquia entre governantes e governados.
Já a doutrina democrática, nascida na Idade Moderna, confere ao povo ou à nação o poder
soberano. São partidários desta concepção Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-
1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).
Para Thomas Hobbes, antes da vida em sociedade, o homem vivia em anarquia e violência,
no chamado estado de natureza. Era um cenário em que não havia hierarquia, mas um cons-
tante estado de beligerância, um guerreando contra o outro. O estado de natureza consistia
numa vida solitária, sórdida e brutal e só foi abandonado quando, por meio de um contrato
social, a soberania, antes dispersa, passou a ser exercida pela autoridade criada (o Estado).
Houve, portanto, uma transição entre o estado de natureza e o estado de sociedade.
O contrato social, segundo Hobbes, era irrevogável, sob pena de a humanidade retroceder
ao estado natural. O Estado, tal como o representou Hobbes, é um monstro alado – Leviatã –
que “abriga e prende para sempre o homem”. Na lição de Darcy Azambuja:

Hobbes partiu da doutrina da igualdade dos homens e terminou preconizando o absolutismo do


poder e, nesse sentido, suas ideias se acham no extremo da concepção da soberania, que ele con-
sidera ilimitada, colocando a política por cima da moral e da religião.

John Locke parte de uma premissa distinta. Para ele, o estado de natureza não era de
caos, mas de ordem e razão. Assim como Hobbes, Locke era contratualista, isto é, acreditava
que a sociedade política surgiu a partir de um contrato social. No entanto, a finalidade do Es-
tado seria a de assegurar a lei natural, bem como manter a harmonia entre os homens. Nesse
sentido, na pactuação do contrato, sustentava não ter havido qualquer abdicação ou cessão
de direitos naturais ao Estado.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 75 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Como visto, foi de Locke a primeira formulação da separação dos poderes Executivo, Le-
gislativo e Judiciário, cada qual assumindo uma função essencial ao Estado. Em relação à
forma de governo, Locke tinha predileção pela democracia, mas também era simpático à mo-
narquia em que o Poder Legislativo fosse independente do rei.
Jean Jacques Rousseau, igualmente, adere à premissa do estado de natureza. No entanto,
o estado de natureza não era de caos, tampouco ordeiro e racional, como queria Locke. No
estado de natureza de Rousseau, o homem era livre e feliz. O progresso da civilização é que
trouxe a divisão do trabalho e da propriedade, segregando o homem entre ricos e pobres, po-
derosos e fracos. Nesse contexto, a sociedade política surge como um mal necessário para
evitar o recrudescimento das desigualdades e manter a ordem.
Rousseau entendia que, ao criar o Estado, por meio do contrato social, o homem cedia
parte dos seus direitos naturais em nome de uma entidade superior a todos, detentora de uma
vontade geral. No entanto, ao participar das decisões do Estado, o indivíduo retoma a parcela
de soberania que transferiu por força do contrato social. Para Rousseau, portanto, o verdadei-
ro titular do poder de Estado é o povo.
As teorias de Hobbes, Locke e Rousseau inspiraram diversas outras teorizações. As ideias
de Hobbes serviram de fundamento ao poder absoluto dos reis. Locke, por seu turno, influen-
ciou as declarações de independência e as Constituições dos Estados Americanos, assim
como a construção do pensamento democrático e individualista. Já a compreensão de Rou-
sseau sobre o contrato social serviu de lampejo para a fase rigorosa da Revolução Francesa.

1.7. Relação entre Política e Direito

Chegamos ao último tópico da nossa aula e para encerrarmos, após termos examinado os
principais conceitos relacionados à política e os pontos de interseção nas teorias concernen-
tes ao Estado, vamos entender melhor a relação entre a política e o direito.
O homem é um ser que, por natureza, é social. A sociedade está na base do indivíduo, uma
vez que as pessoas só constroem e se tornam autônomas na relação com os outros. Não é
por menos que Aristóteles, há muito, já afirmava o homem como um animal político, porque é
da sua natureza viver em sociedade. Aliás, o que distingue a sociabilidade humana da animal
é o discernimento entre o bem e o mal, o justo e o injusto.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 76 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Posto isto, é da necessidade de regular a vida em sociedade que surge o direito, um con-
junto de normas cujo objetivo é harmonizar e disciplinar a convivência social. A sua existên-
cia, portanto, somente se justifica pela sua finalidade: solucionar os conflitos entre os indiví-
duos e os grupos sociais, promovendo o bem comum.
No Estado, o Direito define-se como o seu ordenamento jurídico, habitando num ambiente
onde prevalece a razão pública que, não raro, é contramajoritária e impositiva. Denota-se,
aqui, entre as finalidades do Direito, a imposição do respeito à ordem jurídica.
A política, porém, é a arte (porque requer sensibilidade e imaginação) ou ciência (porque
exige o uso de um método) de governar e direcionar os rumos do Estado. Com efeito, os fun-
damentos da política repousam sobre dois pilares: a soberania popular e o princípio majoritá-
rio. A política é pautada pela vontade (consenso) de uma maioria estabelecida.
Apesar das contradições teóricas, Direito e política se interconectam, especialmente em
dois momentos: na elaboração do direito e na aplicação do direito. O primeiro momento, que
envolve o processo legislativo de criação das normas jurídicas, tem maior destaque e dele
infere-se que a política é a raiz do direito. Nessa linha, a Constituição representa o ponto de
contato entre as duas searas, pois, em que pese ser o documento que alicerça toda a ordem
jurídica de um Estado, é fruto da política, tendo como missão instituir os poderes políticos e
demarcar o espaço de cada um deles.
Noutra via, não se discute que uma das marcas do mundo jurídico é a coerção, resultado
do poder político, que confere efetividade à ordem social de controle.
Assim, o direito é uma forma de dominação organizada pelo poder político, que também
sofre ingerências do poder econômico.
Para ficar mais claro, vamos nos debruçar sobre questão de concurso abaixo.

Questão 2 (JUIZ SUBSTITUTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO CEARÁ/2018) Entende-se por


judicialização da política o crescente fenômeno de utilização dos meios judiciais para o deba-
te e a decisão de questões concernentes a políticas públicas e controvérsias políticas acerca

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 77 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

de assuntos como liberdades individuais ou religiosas, processo eleitoral, direitos imigratório,


privado, trabalhista, previdenciário e da saúde. Isso ocorre em razão das muitas etapas do
processo decisório a que estão sujeitos os Poderes Legislativo e Executivo ou mesmo em
consequência das constrições orçamentárias que servem de obstáculo à provisão das ques-
tões de interesse público e privado, mas que, em tese, não impedem ou limitam a atuação do
Poder Judiciário. Então, confia-se no Poder Judiciário quando a questão está posta e neces-
sita de uma resposta imediata.
Considerando que o texto apresentado tem caráter unicamente motivador, redija um texto que
atenda às seguintes determinações: 1) caracterize política e direito e aborde a relação entre
esses conceitos; 2) discorra sobre a tipologia moderna das formas de poder estruturada por
Norberto Bobbio, abordando os três tipos de poder segundo esse autor; 3) apresente três es-
colas de pensamento jurídico essenciais ao debate contemporâneo sobre direito e relações
de poder, explicando cada uma delas.

Padrão de resposta oficial:


São muitas as concepções teóricas do Direito, em sentido objetivo e subjetivo. Na verdade,
o Direito, na sua essência, e como ciência social, é um conceito em constante mutação, dinâ-
mico e não estático ou hermético, até porque enraizado e consequente da própria condição
humana, que necessita de ajuste e adequação diuturnamente, seja com relação a seu habitat,
aos critérios e às normas de convivência, bem como às novas realidades construídas pelos
grupamentos humanos e à própria evolução do conhecimento científico e tecnológico. De
modo geral, o Direito, como instrumento de controle social, é aquilo que uma sociedade ou
um grupamento social compreende como ideal de retidão e correto para a sua coletividade.
A forma concreta de estabelecer os parâmetros da convivência social se materializa no con-
junto de leis e normativos, respeitada uma hierarquia normativa, exatamente para evitar que
direitos de maior abrangência não sejam suplantados por direitos e regramentos inferiores.
Em sentido geral, afirma-se que o Direito é o conjunto de normas vinculantes ou sistema nor-
mativo no qual se desenvolve a vida de um grupo organizado. Para Kelsen (em Teoria pura

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 78 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

do direito e Teoria geral do direito e do Estado), Direito é uma ordem de conduta humana,
um conjunto de normas que formam uma unidade, um sistema. Política é a esfera de ações
relacionadas à conquista e ao exercício do poder em uma comunidade de indivíduos sobre
um território. A Política, para Aristóteles, não é apenas a ciência do Estado, mas é a maior de
todas as ciências, a arquitetônica das ciências (REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19ª ed.
São Paulo, 2002, p. 625).
Para a Enciclopédia Jurídica da PUCSP:

Os termos “direito” e “política” referem-se a conjuntos distintos de fenômenos, embora relaciona-


dos entre si. Desde o século XIX, em especial sob a influência de F. C. von Savigny e seus suces-
sores, tornou-se pronunciada a tendência, entre juristas, de se separar radicalmente o direito da
política. Contudo, seria impossível tornar inexistentes as relações entre os fenômenos que cada
um dos termos designa. As relações entre direito e política ocorrem no plano empírico de maneiras
variadas, mas um ideal de subordinação da política ao direito tem sido cultivado desde tempos
remotos. (Marcos Faro de Castro. Direito e Política. In: Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito.
1ª ed., abril de 2017, disponível em https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/131/edicao-1/
direito-e-politica)

Leciona Miguel Reale que:

Desse modo, as conexões entre Direito e Moral, Direito e Política, ou Direito e Economia encontram
sua razão de ser, objetivamente, nos nexos que os comportamentos exteriores revelam; mas, de um
ponto de vista subjetivo e correlato, residem na própria unidade espiritual, razão última e verdadei-
ra daquelas conexões. (idem, p. 305).

Para Bobbio, política e Direito se envolvem, uma vez que a ação política se exerce por meio do
Direito, ao passo que o Direito delimita e disciplina a ação política. Assim, a ordem jurídica é o
produto do poder político. Não deve haver outro direito que não seja o estabelecido ou reco-
nhecido pelo poder político, segundo Bobbio.
Portanto, leva-se em consideração a abordagem feita pelo candidato quanto à caracterização
da política e do Direito, podendo-se utilizar de correntes doutrinárias e teorias variadas em
sua argumentação, desde que sempre faça essa caracterização distinta e a íntima relação
entre esses conceitos.
O poder é definido como uma relação entre dois sujeitos, na qual um impõe ao outro a própria
vontade ou mesmo os meios que permitem alcançar os efeitos desejados. A Segundo

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 79 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Norberto Bobbio, a tipologia moderna das formas de poder estabelece três tipos: o poder eco-
nômico, o ideológico e o político. O poder econômico é “aquele que se vale da posse de certos
bens necessários para induzir aqueles que não os possuem a terem certa conduta”. O poder
ideológico é o domínio sobre as ideias e funda-se na influência de algumas ideias sobre a
conduta dos consociados, quando formuladas de determinado modo, emitidas em certas cir-
cunstâncias por uma pessoa investida de autoridade e difundidas por meio de determinados
procedimentos. Cumpre-se, assim, o processo de coesão e integração do grupo. O poder po-
lítico assenta-se na posse dos instrumentos por meio “dos quais se exerce a força física”; é o
poder coativo, o uso exclusivo da força para condicionar os comportamentos. Essa tipologia
é apresentada por Norberto Bobbio, na obra Teoria Geral da Política (a Filosofia Política e as
Lições dos Clássicos. Trad. Daniela B. Versiani. 12ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000).

 Obs.: considerando que o enunciado da questão é expresso sobre “a tipologia moderna das
formas de poder estruturada por Norberto Bobbio, e os três tipos de poder segun-
do esse autor”, a abordagem de outras teorias ou de outros autores, como Niklas
Luhmann ou Max Weber, a exemplo, somente será levada em consideração para fins
argumentativos e de demonstração de domínio do conhecimento.

O professor Alysson Mascaro apresenta os três caminhos do pensamento jurídico contem-


porâneo, a saber: o juspositivismo, o não juspositivismo ou filosofia do direito do poder e a
perspectiva crítica. Os juspositivistas compõem a maioria da tradição filosófica que aceita e
legitima as instituições políticas e jurídicas. São eles que constroem uma ciência do direito a
partir da norma jurídica e que têm em Kant e Kelsen seus principais expoentes. O juspositivis-
mo divide-se em eclético, estrito e ético. Miguel Reale é um exemplo de juspositivista eclético,
que desenvolveu a Teoria Tridimensional do Direito. Os não juspositivistas vão além dos sis-
temas positivos para compreender as relações de poder em sua concretude e historicidade.
Seus principais representantes são Michel Foucault e Carl Schmitt. A perspectiva crítica bus-
ca uma investigação dos fatos históricos e estruturais do direito com base no pensamento
marxista, em busca de uma compreensão social do direito (Alysson Leandro Mascaro. Filoso-
fia do direito. 5.ª ed. Atlas, 2016).

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 80 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

Não obstante, aos pensamentos jurídicos acima, sem dúvida, no atual debate sobre a relação
entre Direito e Política, encontram-se as teses substancialistas, ou seja, na materialidade
dos direitos fundamentais e de teses procedimentalistas, as quais assegurem, de forma só-
lida, o processo democrático para que a própria participação defina as prioridades a serem
realizadas.
Colhe-se da doutrina:
Com efeito, muito embora procedimentalistas e substancialistas reconheçam no Poder Judi-
ciário (e, em especial, na justiça constitucional) uma função estratégica nas Constituições do
segundo pós-guerra, a corrente procedimentalista, capitaneada por autores como Habermas,
Garapon e John Ely, apresenta consideráveis divergências com a corrente substancialista,
sustentada por autores como Cappelletti, Ackerman, Tribe, Perry, Wellington, e, em alguma
medida por Dworkin, pelo menos na leitura que dele faz Robert Alexy, e no Brasil por juristas
como Paulo Bonavides, Bandeira de Mello, entre outros. Para mim – e por isto sou substan-
cialista – as teses procedimentalistas afastam o caráter dirigente-compromissário da Cons-
tituição (vejam-se as críticas de Habermas e Ely à legitimidade das decisões intervencionistas
dos Tribunais Constitucionais; já Garapon vai dizer que a invasão da sociedade pelo Judiciá-
rio serve para o enfraquecimento da democracia representativa). Por tudo isto, acredito que
temos que refletir acerca das tensões que exsurgem do embate entre procedimentalismo e
substancialismo e que consequência isto terá na sobrevivência da ideia de Constituição Diri-
gente (STRECK, L.L. Intervenção. In: J.N. MIRANDA COUTINHO (Org.). Canotilho e a Constitui-
ção Dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 80-81).
O debate entre as teses substancialistas e procedimentalistas também fazem refletir, de forma
interligada, sobre as correntes interpretativistas e as não interpretativistas, pois, para estes,
os juízes e os tribunais controlam a legislação por meio de opções valorativas do conteúdo
da Constituição, que só se revela por meio de procedimento que instaura o direito e lhe dá le-
gitimidade, e para aqueles as decisões judiciais devem ter como base o pensamento original
daqueles que elaboraram a Constituição.
Neste sentido, Bernardo Gonçalves Fernandes (In. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. Sal-
vador: Juspodivm, 2017, p. 195-225) relaciona correntes de pensamento que analisam o direito e

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 81 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

as relações de poder, especialmente no que diz respeito ao enunciado motivador (judicializa-


ção da política), citando: a) interpretativistas, segundo os quais o intérprete deve adotar uma
visão mais conservadora da interpretação constitucional, sendo o papel dos juízes limitado
à aplicação do texto, sem modificá-lo; b) não interpretativistas, os quais pregam uma atu-
ação proativa do magistrado, que deve desenvolver e atualizar o texto constitucional para
atender as exigências e as necessidades sociais; c) procedimentalistas, segundo os quais o
Judiciário deve atuar para assegurar a regular participação política de todos, sem qualquer
interferência no mérito das escolhas feitas pelos demais poderes; d) substancialistas, para os
quais a atuação do Judiciário deve, em linhas gerais, considerar os direitos substantivos das
constituições com os valores que lhe são inerentes, sobretudo na concretização dos direitos
fundamentais; e) pragmatismo jurídico, que, além de retratar uma atualização do realismo
jurídico, preconiza, em suma, que a decisão judicial adequada é aquela que adota a medida
que melhore as condições gerais das pessoas envolvidas no debate.

 Obs.: considerando que o enunciado da questão expressamente indica se refere ao “debate


contemporâneo sobre direito e relações de poder”, poderão ser aceitas outras escolas
de pensamentos, desde que corretamente justificadas e contextualizadas, apresen-
tando o nexo causal com o conteúdo e o comando da questão.

Por hoje, finalizamos os temas propostos.


Até a próxima!

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 82 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

REFERÊNCIAS

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. 15. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Domi-
nação. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

LORDELO, João Paulo. Noções Gerais de Direito e Formação Humanística. Salvador: JusPOD-
VIM, 2017.

SOARES, Ricardo Maurício Freire. Elementos de teoria geral do direito, 3.ed. São Paulo: Sarai-
va, 2016.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 8. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janei-
ro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB.
15. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. rev., ampl. E atual.
Salvador. JusPODIVM, 2017.

CANOTILHO, Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição, 2003.

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitu-
cionales, 1993.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 12.
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017.

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo


tardio do Direito Constitucional no Brasil.

NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 11. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed.
JusPodivm, 2012.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 83 de 87
FORMAÇÃO HUMANÍSTICA
Teoria Geral do Direito e da Política
Renato Borelli

SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo. Poder Constituinte e patriotismo constitucional. p. 60 apud


FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. rev., ampl. E atual.
Salvador. JusPODIVM, 2017.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva Educa-
ção, 2019.

BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito Constitucional:
Tomo I – Teoria da Constituição. Coleção Sinopses para Concursos. 7ª ed. rev., ampl. e atual.
Salvador: JusPODVIM. 2017.

Sortais, G. Andrea del Verrocchio. The Catholic Encyclopedia. Robert Appleton Company.

FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de direito constitucional. 34. ed.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva Educa-
ção, 2019.

O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 84 de 87
O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 85 de 87
O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.
www.grancursosonline.com.br 86 de 87
O conteúdo deste livro eletrônico é licenciado para Nome do Concurseiro(a) - 000.000.000-00, vedada, por quaisquer meios e a qualquer título,
a sua reprodução, cópia, divulgação ou distribuição, sujeitando-se aos infratores à responsabilização civil e criminal.

Você também pode gostar