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DIREITO ADMINISTRATIVO. Prof. Dr.

Marcelo Lamy

SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO Vs. PONDERAÇÃO

Diversas fórmulas lógicas justificaram a supremacia do


interesse público.
O pensamento organicista, por exemplo, apontava que o
indivíduo é parte do todo social e o bem de cada um só se
realiza quando assegurado inexoravelmente o bem comum
(matriz lógica do totalitarismo) - o todo está acima do
individual.
O utilitarismo, por sua vez, justificava o interesse
público como uma fórmula de maximizar o ganho da maior parte
de pessoas.
Ocorre que, desde o pensamento kantiano, cada pessoa
deve ser vista como um fim em si mesmo (segundo imperativo
categórico), pois a dignidade humana não se compadece com a
instrumentalização da individualidade em proveito de um
organismo superior.
A lógica dos direitos fundamentais – estritamente
vinculada ao pensamento kantiano – não é a da maximização ao
maior número de indivíduos (coletivista), pois funda-se na
preservação de valores, especialmente da dignidade de cada
pessoa. Não incorpora, por outro lado, a ótica estritamente
individualista, pois prescreve a convivência. Stuart Mill já
apontava que há um limite: a esfera alheia.
Como apontava Stuart Mill: o único motivo que justifica
a interferência da lei ou da opinião na esfera individual é
a demonstração de que tal conduta concreta (comissiva ou
omissiva) causará danos a outrem ou afetará interesse
legítimo de outrem. Na parte que diz respeito a si mesmo, a
independência de atuação deve ser absoluta (John Stuart Mill.
Da Liberdade. Trad. Jacy Monteiro. São Paulo: Ibrasa, 1963).
O direito moderno, construído sob a matriz dos direitos
fundamentais, funda-se no caráter pluralista e
compromissório – não admite a priori qualquer relação de
prevalência dos interesses individuais ou dos coletivos.
Em verdade, a cada previsão de direito, a Constituição
moderna prescreve explícita ou implicitamente a
relativização (não a abolição) de seu conteúdo pela lei ou
pela Administração, em prol de outros direitos ou interesses
individuais ou gerais.
A restrição funda-se em uma permissão constitucional
não na supremacia a priori do interesse público. Mais ainda,
seu matiz compromissório exige que a restrição se dê apenas
minimamente e somente quando necessário para a preservação
de outro direito. A medida da restrição será o resultado da
ponderação concreta e não o da prevalência a priori.
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Salvo onde for explícita em regras de prevalência, esta


deve ser estabelecida somente pela ponderação, conforme as
circunstâncias (fáticas e jurídicas).
A Constituição traz exemplo lapidar de ponderação pré-
estabelecida normativamente ou de prevalência a priori.
Frente à desapropriação, apresenta três soluções diferentes
para três circunstâncias diversas: como regra geral, a
indenização se dá em dinheiro e de forma prévia; em
decorrência do descumprimento de sua função social, dá-se
pela indenização em títulos da dívida pública; para os
infratores que utilizaram o bem pra desenvolver a atividade
ilícita de cultivar psicotrópicos, retira-se o direito à
indenização (ver artigos 5º, XXII e XXIII e XXIV; 182, §4º,
III; 184, caput; 185, I e II; 243, caput).
Ademais, faz parte do interesse público, dos fins do
Estado, a proteção de interesses privados (direitos
fundamentais). A promoção destes constitui um fim público
(não constitui desvio de finalidade). Abarca a ambos os
interesses, os individuais e os coletivos.
Mais ainda, a centralidade que os direitos fundamentais
ocupam no universo jurídico atual, reverte, em verdade, o
que deve ser a priori dotado de prevalência:
“no cotejo entre direitos fundamentais e bens
jurídicos coletivos de estatura constitucional,
pode-se falar, com Alexy, numa precedência prima
facie dos primeiros (superável, conforme as
circunstâncias, por juízos de ponderação
proporcional que conduzam à prevalência dos
últimos), tal precedência não merece guarida
quando em jogo direitos individuais não
fundamentais”.
(Gustavo Binenbojm. Uma teoria do direito
administrativo: direitos fundamentais,
democracia e constitucionalização. RJ: Renovar,
2006. p. 123).

Sob outra ótica, pode-se dizer que “interesse público”,


em realidade, constitui caso típico de conceito jurídico
indeterminado densificável apenas após a ponderação de
interesses em jogo, frente às circunstâncias concretas
normativas e fáticas. Assim sendo, o problema verdadeiro não
seria o da prevalência, mas o do conteúdo que deve
prevalecer. Desta forma, a prevalência seria o resultado de
um longo processo de aplicação do direito, não um
pressuposto. E o caminho para a sua definição seria o da
aplicação do princípio da proporcionalidade.
De qualquer forma, havendo autorização constitucional
para a restrição normativa infraconstitucional, deve-se
observar ainda se a hipótese é de simples reserva legal
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(autorização para a lei – v.g. art. 5, VI) ou de reserva


legal qualificada (autorização estabelece fins e meios –
v.g. art. 5, XII e XIII).
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Ato Vinculado e Discricionário X Graus de Vinculação

A discricionariedade era configurada como um espaço de


livre decisão administrativa, como se fosse externa ao
direito. Desta forma, afastou-se qualquer possibilidade de
controle judicial.
Ocorre que não é possível pré-definir o que se pode ou
não controlar. Somente diante do ato concreto sabemos quais
enunciados normativos incidem, se procedimentos democráticos
são exigidos na sua formação, se algum direito fundamental
está sob restrição.
Genericamente, pode-se dizer apenas que: (a) quanto
maior o grau de restrição imposto a direitos fundamentais
(respeitados os espaços de conformação deixados para a lei),
mais intenso, em princípio, deve ser o controle; (b) quanto
mais técnica e quanto maior a participação democrática na
formação do ato final, menor deve ser, em princípio, o
controle judicial.
De qualquer forma, há muito se admitiu a juridicização
de Atos Administrativos através da “Teoria dos elementos do
Ato administrativo” (competência, forma, finalidade, motivo,
objeto), que aceitou a sindicabilidade dos três primeiros em
todos os casos e dos dois últimos somente nos atos
vinculados.
A “competência” refere-se à atribuição legal que
habilita o órgão administrativo a emitir determinado ato.
A “forma” refere-se ao revestimento exterior exigido
legalmente para o ato.
A “finalidade” refere-se ao resultado a ser alcançado
pelo ato que a lei entenda legítima.
O “motivo” é o elemento que indica os “pressupostos
fáticos ou jurídicos que determinam ou autorizam a realização
do ato”. Se os pressupostos estiverem expressos na lei, o
ato será vinculado e sindicável. Se não estiverem expressos,
o ato será discricionário e insindicável.
O “objeto” é o elemento que indica o “efeito jurídico
imediato”. Se os efeitos estiverem expressos na lei, o ato
será vinculado e sindicável. Se não estiverem expressos, o
ato será discricionário e insindicável.
Restou, de qualquer forma, segundo esta teoria, esfera
insindicável.
Agregou-se a “Teoria dos elementos do Ato
administrativo”, a “teoria dos motivos determinantes” que
admitiu outra forma de controle, a partir de parâmetros
implícitos da lei. A Administração Pública, no exercício de
sua discricionariedade, deve apresentar motivação expressa
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e clara e responder por esta (nesse sentido: MS 9.944-DF


STJ).
As teorias do “desvio de poder” ou do “desvio de
finalidade” ou do “excesso de poder” foram outras formas de
estabelecer critérios de controle. Da mesma forma, a teoria
dos conceitos jurídicos indeterminados indicou a
possibilidade do controle do núcleo do conceito, não da zona
periférica.
Mais atualmente, a teoria da vinculação direta dos atos
administrativos aos princípios constitucionais (nesse
sentido: REsp 79.761-DF), pode até reduzir a zero a
discricionariedade (nesse sentido: REsp 429.570-GO).
A soma dessas breves considerações permite-nos intuir
que é arriscado falarmos em “atos administrativos
discricionários”, deveríamos incorporar, como sugere Gustavo
Binenbojm, a expressão “graus de vinculação do ato
administrativo”.
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Executivo Unitário X Administração Pública Policêntrica

Convivemos em nosso país com realidade marcante,


diversos setores públicos são dirigidos não mais pela
Administração Pública Direta, mas pelas Agências Nacionais:
ANATEL (Telecomunicações – lei 9472/97), ANEEL (Energia
Elétrica – lei 9427/96), ANP (Petróleo – lei 9478/97), ANVISA
(Vigilância Sanitária – lei 9782/99), ANS (Saúde Suplementar
– lei 9961/00), ANA (Águas - lei 9984/00), ANTT (Transportes
Terrestres – lei 10223/01), ANTAQ (Transportes Aquaviários
– lei 10233/01), ANCINE (Cinema – MP 2.228/01), ANAC (Aviação
Civil – lei 11182/05).
Essas agências, além do mais, gozam de uma autonomia
reforçada – quase independência – política, técnica,
normativa, gerencial, orçamentária e financeira.
A independência política diz respeito a seus dirigentes
que são indicados pelo Executivo, aprovados pelo
Legislativo, e nomeados a termo fixo com estabilidade durante
o mandato (nos termos da lei 9986/00). Não são demissíveis
porque são nomeados a termo, apesar de seus mandatos não
coincidirem com os presidenciais (essa independência foi
confirmada na ADI 1.949-RS).
A independência técnica diz respeito a suas decisões
que não estão sujeitas ao recurso hierárquico.
A independência normativa é decorrência do domínio
regulamentar.
A independência gerencial, orçamentária e financeira
advém das taxas de fiscalização, regulatórias, da
participação em contratos e convênios.
Ademais, desempenham funções administrativas típicas do
Poder de Polícia, pois fiscalizam e aplicam sanções, e função
arbitral ou quase-jurisdicional para dirimir controvérsias
que envolvam o poder concedente, ou apenas entre empresas do
setor, ou até que envolvam usuários.
Essa realidade brevemente relatada permite-nos dizer
que o Direito Administrativo não pode mais ser explicado a
partir do pressuposto do Poder Executivo Unitário, mas sim
de uma Administração Pública Policêntrica.
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PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

1ª fase: Império da Lei

Com a separação do Estado da sociedade que propugnava


a auto-regulação da esfera social e uma racionalidade
universal que excluísse qualquer forma de arbítrio, restava
pendente a necessidade de se atingir o reconhecimento pelo
direito estatal daquela espontânea composição de
interesses1.
Para tanto era preciso superar a dicotomia da lei
entendida como ratio decorrente do justo natural
(Aristóteles e Tomás de Aquino), da concepção de que era
expressão incondicionada da vontade política do soberano
(Hobbes).
Rousseau e Kant resolveram o dilema, ao reconhecerem na
lei a expressão da vontade política geral (a participação de
cada um na construção da vontade geral resolvia o problema
da igualdade e da justiça – ninguém seria injusto para si
próprio, ninguém estaria sujeito a outrem, mas a si mesmo).
A vontade geral (face política que concilia liberdade
e autoridade) e a lei (face jurídica) tornam-se faces de uma
realidade que apresenta uma universalidade racional, impulso
voluntário que concretiza uma racionalidade.
A representação popular garantia uma justiça imanente
às autonomias individuais, a vontade racional do povo
expressa na assembleia é a fonte da imperatividade das leis.
A vontade geral é soberana no seu momento legislativo.
O poder se identifica com a lei, surge a soberania
parlamentar.

2ª fase: Princípio da Legalidade e Reserva Legal

Vigia a subordinação do Executivo (a não intervir na


liberdade e propriedade privada, limite externo às
atividades da Administração) e do Judiciário (independente
das pressões, para exclusivamente depender da lei) à lei. O
Judiciário deve realizar a lei, a autoridade administrativa
operar dentro da lei. As margens de atuação são diversas: o
primeiro encontra princípio íntimo de atuação, o segundo o
limite externo (contra legem), para este o princípio interno
é outro, o interesse (aí permanece sua liberdade). Somente
neste espaço de liberdade, sua atividade era irrelevante
para o Direito.
Frente a este perigo desenvolveu-se a ideia da reserva
de lei 2. Ou seja, de que há certos domínios – relativos à
liberdade e à propriedade – que só poderiam ser regulados
por lei formal – emitida pelo Parlamento (afasta-se a
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referida margem de liberdade aos regulamentos e atos


administrativos, a atuação praeter legem). Desta forma,
surge campo em que a legalidade deixa de ser mero limite
externo e torna-se fundamento necessário.
Em um primeiro momento, a divisão dos poderes foi vista
muito mecanicistamente, realmente como separação. Assim a
intervenção do Judiciário em atividades administrativas era
impensável (motivada também pelo papel contra-revolucionário
que os juízes franceses desempenharam nos anos 1790). Mas
apenas com a assunção do controle judicial da Administração
consolidou-se o ideário liberal.
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LEGALIDADE Vs. JURIDICIDADE

Perda do Sentido Original

Na atualidade, o sentido inicial do princípio da


legalidade está sensivelmente alterado. Não se pode falar
mais em plena autonomia privada, exceto no defeso em lei (o
particular poder fazer tudo o que não estiver proibido), nem
mesmo em poder limitado do Estado ao estabelecido em lei (o
Estado poder fazer apenas o que estiver permitido). Ambos os
lados foram alterados.
O Estado, com a assunção da gestão de interesses
públicos (como da saúde e da educação) requereu aparatos
organizacionais que possuem uma lógica intrínseca refratária
da normatização externa. Frente ao traslado de tarefas
públicas não amparadas pela sociedade, com a simples
indicação de suas finalidades ou objetivos, em geral
amplíssimos (o que não pode se dar de outra forma),
restabeleceu-se necessariamente a autonomia funcional da
Administração, com os poderes necessários para a sua
realização. No enfrentamento concreto com as questões
operacionais, que não podem ser previstas genericamente,
surge sua autonomia instrumental, com limites extremamente
fracos (apenas a finalidade das suas atribuições).
O particular, por sua vez, vê-se assolado por medidas
conformadoras de sua autonomia, que endereçam a liberdade
individual a fins coletivos (propriedade e atividades
econômicas) ou mesmo restringem sua possibilidade de atuação
livre que passa a ser vigiada e controlada (tudo o
relacionado às intervenções artificiais sobre a vida
humana). Basta pensar, neste sentido, em todas as necessárias
conformações públicas exigidas para o exercício de qualquer
atividade, mesmo as que não tenham razão especial para tanto,
como um escritório de consultoria administrativa montado em
nossa antiga residência (alteração da finalidade do imóvel
na Prefeitura, alvará do corpo de bombeiros, laudo para
verificar as condições físicas do trabalho, licença para
afixar anúncio, placa externa, Etc. Etc. Etc.)
São diversos os fatores que levaram à queda do sonho da
legalidade:
• Inflação legislativa do Welfare State que retirou o
código da centralidade do sistema e trouxe o
descrédito para lei que não mudava a realidade (lei
não é apta para resolver todos os problemas).
• Nazi-fascismo (constatação histórica: lei pode
veicular injustiça, barbárie): imperiosa necessidade
de se fixar limites para todos os poderes públicos,
inclusive os parlamentos. Razão pela qual surgem
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também as jurisdições constitucionais (limitação


jurídica ao parlamento).
• Percepção de que o Executivo controla o processo
legislativo: > reservas de iniciativa (61, §1º e
63), > trancamento de pauta (64, §§1º e 2º; 62, §6º),
> sólidas bases parlamentares que conduzem o
processo.

Modificações no pensamento

Com a expansão das tarefas das Constituições


contemporâneas, estas deixaram de ser meros estatutos do
Estado para tornarem-se de toda a sociedade. Os princípios
deixaram de ser meios de integração do direito (frente as
lacunas) e converteram-se em normas situadas no patamar mais
elevado da ordem jurídica. Admitiu-se a aplicação direta da
Constituição, especialmente dos direitos fundamentais
(independente da lei). A Constituição tornou-se espaço
normativo primário para o Executivo (critério imediato de
decisões administrativas).
Os princípios tornaram-se instrumento de ductibilidade
do Direito, pois em uma sociedade em permanente mudança,
infunde conteúdo ético dinâmico ao ordenamento (os valores
são continuamente e não estaticamente densificados pelos
princípios constitucionais, que os irradia para todo o
ordenamento). O caráter normativo do princípio, por outro
lado, sepultou o mecanicismo da subsunção e do silogismo,
resgatando a argumentação e a racionalidade prática no
domínio do direito.
Incorporou-se definitivamente o paradigma da filtragem
constitucional, segundo o qual as leis têm de ser re-lidas
pela ótica constitucional (interpretação conforme a
constituição), para evitar conflitos com a hierarquia
superior e para potencializar valores e objetivos que a
Constituição consagra.
Começa a se aceitar a inaplicabilidade da lei pelo
Executivo em razão da inconstitucionalidade (não há dever de
aplicação cega), fundado no seguinte raciocínio: intérprete,
aplicador e garantidor da Constituição são todos (última
palavra só que é do STF)3.
Por fim, reforçou-se o ideário democrático na feição
“legitimação”: necessidade de procedimentos formativos da
vontade administrativa, respeitando-se o direito dos
interessados (contraditório e ampla defesa), aperfeiçoando
o nível de informação sobre as repercussões fáticas e
jurídicas de qualquer medida que se alvitre (direito à
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informação), buscando-se o maior grau de consensualidade


possível (democracia participativa).

Admissão constitucional de uma pluralidade de fontes


normativas primárias

Por outro lado, o poder da lei como decorrência do poder


da representação popular, viu-se matizado já pela nossa
Constituição, pois não há apenas o modelo de produção
legislativa pelos representantes parlamentares.
É certo que nossa Constituição faz do Congresso o editor
por excelência dos atos normativos primários (inovadores) e
da lei o seu instrumento precípuo. No entanto apresenta
outras formas de inovação jurídica de igual legitimidade e
hierarquia impositiva.
Para o Senado Federal, os incisos VII, VIII e IX do
art. 52 e as alíneas “a” e “b” do inciso V do §2º do art.
155.
Para o Executivo, as medidas provisórias (artigo 62).
Para os Tribunais, seus regimentos internos, no que
tange à competência e ao funcionamento dos órgãos
jurisdicionais e administrativos de cada um deles (art. 96,
I, a). O mesmo se diga para o Tribunal de Contas da União,
dos Estados e dos Municípios (arts. 73 e 75).
Para o Poder Executivo da União, os regulamentos
autônomos do art. 84, VI, “a”.
De qualquer forma, não se pode ignorar a reserva de lei
quando a Constituição prescreve literalmente que determinada
questão seja regulada por lei e só por lei, o que exclui
quaisquer outras fontes normativas4.
Além disso, as leis produzidas pelo nosso Congresso
perderam o sentido codicista (sistema lógico) e a própria
racionalidade generalizante e abstrata (são voltadas muitas
vezes a resolver problemas de um grupo em determinado
período).
Como vivemos no pluralismo de forças, leis são
negociadas com um plexo de setores (as leis converteram-se
em negócios, há lei para tudo).
E ainda, por refletirem em si uma pluralidade de acordos
são em geral contraditórias, caóticas e confusas.
Neste mar de profusões legais é ilusão querermos
continuar a buscar o direito ancorado exclusivamente nas
leis como um sistema lógico, hierárquico e coeso – a unidade
do ordenamento jurídico.
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Novo Princípio da Juridicidade

As transformações do Estado contemporâneo (agente


ativo, prestador de serviços, regulador de atividades,
realizador dos fins constitucionais) e a normatização
(admissão da sua força normativa) de todos os dispositivos
constitucionais trouxeram sensível revisão do clássico
princípio da legalidade, que pode ser lido hoje como
princípio da juridicidade.
A Constituição como fonte unificadora da balbúrdia do
pluralismo mal conduzido, aponta o que mais interessa, os
princípios e valores nela consubstanciados, mesmo que
contrários ao estabelecido em lei.

Secundum iuris e Contra legem

Deve-se reconhecer, atualmente, como válidos eventuais


efeitos produzidos por “atos administrativos
inconstitucionais ou ilegais” em função da segurança
jurídica, da boa-fé objetiva, em detrimento da legalidade.
Admite-se a tutela de expectativas legítimas do cidadão,
mesmo que ainda não constituam direito adquirido.
Nosso ordenamento veda a adoção de nova interpretação
legal com efeitos retroativos pela Administração Pública
(lei 9784/99 – art. 2º, parágrafo único, XIII). Admite a
flexibilização dos efeitos retroativos das decisões
proferidas no controle de constitucionalidade (lei 9868/99
– art. 27; lei 9882/99 – art. 11). Cede à possibilidade de
convalidação dos efeitos pretéritos de atos administrativos
geradores de benefícios eivados de ilegalidade (lei 9784/99
– art. 55). Impede a anulação de atos administrativos
ampliativos de direitos, se já decorridos mais de 5 anos de
sua prática (decadência), salvo se comprovada má-fé (lei
9784/99 – art. 54).
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O novo PODER NORMATIVO REGULAMENTAR

Previsão Constitucional de Entidades Reguladoras

Nossa Constituição prevê expressamente duas entidades


(agências nacionais) com poderes regulatórios
(telecomunicações e petróleo):
Art. 21. Compete à União: (...) XI -
explorar, diretamente ou mediante
autorização, concessão ou permissão, os
serviços de telecomunicações, nos termos da
lei, que disporá sobre a organização dos
serviços, a criação de um órgão regulador e
outros aspectos institucionais;
Art. 177. (...) § 2º A lei a que se refere o
§ 1º disporá sobre: (...) III - a estrutura
e atribuições do órgão regulador do
monopólio da União;
Permite ainda que lei complementar defina áreas de
atuação, inclusive regulamentar, para as autarquias,
empresas públicas, sociedade de economia mista ou fundações
que criar:
Art. 37 (...) XIX - somente por lei
específica poderá ser criada autarquia e
autorizada a instituição de empresa pública,
de sociedade de economia mista e de fundação,
cabendo à lei complementar, neste último
caso, definir as áreas de sua atuação;
Sendo certo que se estas entidades atuarem em atividades
econômicas possuirão poder regulamentar já autorizado pela
Constituição:
Art. 174. Como agente normativo e regulador
da atividade econômica, o Estado exercerá,
na forma da lei, as funções de fiscalização,
incentivo e planejamento, sendo este
determinante para o setor público e
indicativo para o setor privado.

Previsão Constitucional de Regulamento Autônomo

A Constituição francesa de 1958 estabelecia no artigo


34 um campo específico para a lei (rol taxativo) e no artigo
37 um domínio específico para o regulamento (residual). Um
instrumento normativo primário não podia invadir a esfera do
outro.
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O Conselho Constitucional, no entanto, entendeu que a


lei era dotada de universalidade temática devendo sobrepor-
se aos regulamentos. Para Favoreau, no entanto, havia um
núcleo irredutível do regulamento: a organização e
funcionamento interno dos serviços públicos.
Nossa Constituição de 1967, com a redação dada pela
Emenda Constitucional n. 01/69, na mesma toada, parecia
permitir o regulamento autônomo:
Art. 81. Compete privativamente ao
Presidente da República:[...] V – dispor
sobre a estruturação, atribuições e
funcionamento dos órgãos da administração
federal;
Essa tese, no entanto, nunca foi aceita em nossa
doutrina extremamente legalista. Embora a Representação 508-
4/88 tenha sido favorável a sua existência e Hely Lopes
Meireles nunca deixou de defendê-la.
Na redação original do artigo 84 da Constituição de
1988 houve evidente retração da teoria:
Art. 84. Compete privativamente ao
Presidente da República: [...] VI - dispor
sobre a organização e o funcionamento da
administração federal, na forma da lei;
Hely Lopes Meireles, nada obstante, manteve sua tese em
casos praeter legem, desde que não violasse reserva de lei
e a precedência da mesma:
Cabível regulamento autônomo nos espaços
normativos não sujeitos à reserva de lei,
assegurando-se a preeminência da lei
superveniente. Ou seja, não há uma reserva
de poder regulamentar. Possível regulamento
independente quando houver interesse
constitucional que lhe incumba preservar ou
promover (RE 208.220/1-CE).
O afastamento do regulamento autônomo ancorava-se no
seguinte raciocínio: Não há, em nossa Constituição,
“delegação legislativa inominada” que permitiria amplo
“poder normativo primário” ao Executivo. Quando a
Constituição quis, previu as hipóteses de delegação (art.
68).
Ademais, a Constituição previu expressamente (nas
Disposições Constitucionais Gerais) a revogação genérica de
quaisquer delegações legislativas vigentes no momento de sua
promulgação:
Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento
e oitenta dias da promulgação da
Constituição, sujeito este prazo a
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prorrogação por lei, todos os dispositivos


legais que atribuam ou deleguem a órgão do
Poder Executivo competência assinalada pela
Constituição ao Congresso Nacional,
especialmente no que tange a: I - ação
normativa;
Por outro lado, a preocupação constitucional sobre este
tema é tamanha que previu instrumento de controle congressual
de qualquer extravasamento dos limites do poder
regulamentar:
Art. 49. É da competência exclusiva do
Congresso Nacional: (...) V - sustar os atos
normativos do Poder Executivo que exorbitem
do poder regulamentar ou dos limites de
delegação legislativa;
A Emenda Constitucional n. 32/2001, no entanto,
modificou a trilha anteriormente apontada, pois criou fonte
normativa primária a ser veiculada por Decretos da
Presidência da República.
Não criou propriamente a figura geral do regulamento
autônomo, mas previu que no que se refere à “estruturação e
atribuições dos Ministérios e órgãos da administração
pública” há um domínio reservado ao Decreto Presidencial:
Art. 84. Compete privativamente ao
Presidente da República: [...] VI - dispor,
mediante decreto, sobre: a) organização e
funcionamento da administração federal,
quando não implicar aumento de despesa nem
criação ou extinção de órgãos públicos; b)
extinção de funções ou cargos públicos,
quando vagos;
Essa mudança é tão significativa em nosso sistema que
necessitou de diversas alterações em outros artigos
constitucionais:
Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a
sanção do Presidente da República, não
exigida esta para o especificado nos arts.
49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias
de competência da União, especialmente
sobre:
X - criação, transformação e extinção de
cargos, empregos e funções públicas;
(redação anterior)
X - criação, transformação e extinção de
cargos, empregos e funções públicas,
observado o que estabelece o art. 84, VI, b;
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(Redação dada pela Emenda Constitucional nº


32, de 2001)

XI - criação, estruturação e atribuições dos


Ministérios e órgãos da administração
pública; (redação anterior)
XI - criação e extinção de Ministérios e
órgãos da administração pública; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 32, de
2001)

Art. 61 (...) § 1º - São de iniciativa


privativa do Presidente da República as leis
que: (...) II - disponham sobre: (...)
e) criação, estruturação e atribuições dos
Ministérios e órgãos da administração
pública. (redação anterior)
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos
da administração pública, observado o
disposto no art. 84, VI (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

Art. 88. A lei disporá sobre a criação,


estruturação e atribuições dos Ministérios.
(redação anterior)
Art. 88. A lei disporá sobre a criação e
extinção de Ministérios e órgãos da
administração pública. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

A partir de então, nosso sistema abriu-se para nova


fonte normativa primária não parlamentar. Embora pontual
esta alteração representa uma modificação sensível do
Direito e de seus critérios de legitimidade.
Ressalva se faça apenas à figura do Regulamento de
Execução, instituto diverso do acima discutido.
O Regulamento de Execução (previsto no art. 84, IV)
coloca-se para garantir o fiel cumprimento da lei (desde a
Constituição de 1824, art. 102, XII). Seu âmbito é o de
detalhar ou explicitar os comandos legais, o de interpretar
os conceitos pré-estabelecidos na lei, o de dispor sobre os
procedimentos necessários para a aplicação dos comandos
legais. Não se pode dizer que não inovam o Direito, mas deve-
se dizer que inovam nos limites pré-estabelecidos pela lei,
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pois podem complementar os conceitos vagos e indeterminados


(nesse sentido: RE 343.446-SC/03).
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PODER REGULAMENTAR DECORRENTE DE PODERES IMPLÍCITOS

Outra forma pela qual nosso Direito admitiu o poder


regulamentar (como fonte normativa primária) decorre da
teoria dos poderes implícitos.
Na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 12 (rel.
Min. Carlos Ayres Britto, 18/02/2006), discutiu-se a
constitucionalidade da Resolução 705 do Conselho Nacional de
Justiça -CNJ, que fixava o que deveria se entender por
nepotismo.
Em primeiro lugar, há que se ter em conta que compete
constitucionalmente ao CNJ zelar pela observância do art.
37:
Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça
compõe-se de quinze membros com mais de
trinta e cinco e menos de sessenta e seis
anos de idade, com mandato de dois anos,
admitida uma recondução, sendo: [...] § 4º
Compete ao Conselho o controle da atuação
administrativa e financeira do Poder
Judiciário e do cumprimento dos deveres
funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de
outras atribuições que lhe forem conferidas
pelo Estatuto da Magistratura: [...] II -
zelar pela observância do art. 37 e apreciar,
de ofício ou mediante provocação, a
legalidade dos atos administrativos
praticados por membros ou órgãos do Poder
Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-
los ou fixar prazo para que se adotem as
providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, sem prejuízo da
competência do Tribunal de Contas da União;
Esse artigo agasalha em seu caput os princípios
regedores da atividade administrativa:
Art. 37. A administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e [...]
A vedação ao nepotismo é regra constitucional que
decorre do núcleo dos princípios da impessoalidade,
igualdade, eficiência e da moralidade administrativa.
As normas-princípio indicam fins a serem alcançados,
valores a serem preservados, as normas-regra, condutas
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determinadas. Os princípios gozam de estrutura bipartida,


núcleo (conjunto de efeitos determinados que decorrem
logicamente do princípio, e que, pela sua determinabilidade,
gozam de aplicabilidade imediata) e área não-nuclear
(indicam sentido e demarcam espaço no qual as maiorias
políticas poderão legitimamente fazer suas escolhas).
O Poder Público não está vinculado somente à legalidade
formal, mas à juridicidade, especialmente à constitucional.
A Administração não está vinculada apenas à lei formal,
mas a um bloco mais abrangente de juridicidade que inclui,
em seu ápice, a Constituição. A ausência de lei formal não
autoriza a Administração a ignorar deveres que decorrem do
núcleo de princípios constitucionais (cf. Luis Roberto
Barroso. Petição inicial da ADC 12, item 40).
A ausência de lei não isenta o agente público de dar
cumprimento do núcleo, do conteúdo essencial dos princípios.
Se pode apreciar a legalidade e desconstituir atos
ilegais (nos termos do art. 103-B, §4º, II da CF) em
concreto, pode antecipar, de forma pública e em caráter geral
e abstrato, aquilo que considera e considerará inválido.
Ao atribuir um dever, a Constituição deve admitir os
meios lícitos de se desincumbir deste. Quem determina os
fins, concede os meios (lógica da atuação regulamentar).
A doutrina dos poderes implícitos significa que há
poderes não outorgados expressamente por lei (mas que são
inferidos a partir da intenção da norma) que são decorrentes,
necessariamente, da necessidade de tornar eficazes os
poderes expressamente conferidos:
“outorga de competência expressa a
determinado órgão estatal importa em
deferimento implícito, a esse mesmo órgão,
dos meios necessários à integral realização
dos fins que lhe foram atribuídos” (ADI
2.797-2, trecho do voto do Min. Celso de
Mello).
“Embora considerada supérflua por LAURENCE
TRIBE, porque nada é mais evidente de que o
atendimento de certos objetivos está
condicionado à autorização dos meios
inerentes à consecução deles, a teoria dos
poderes implícitos permeia toda a
Constituição, a despeito de haver ou não
previsão normativa” (Item 36 da manifestação
do AGU na ADI 3.309-3).
Esta teoria nasce dos precedentes norte-americanos:
McCulloch v. Maryland (1819), reafirmada pelo mesmo
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tribunal, em 1926, na síntese do juiz Tatt: "O poder de


destituir é implícito no de nomear" (Myers x United States).
“Em 1819, no caso McCulloch v. Maryland,
decidiu-se que o Congresso tinha poderes
implícitos para implementar suas diretrizes
constitucionais. Foi nessa decisão que
Marshall escrevera “that the power to tax
involves the power to destroy”, isto é, quem
tem o poder de tributar, tem o poder de
destruir. O Estado de Maryland taxou em US$
15,000 os bancos que funcionavam no estado,
sem alvará específico de funcionamento, do
próprio estado. Era o caso do Banco dos
Estados Unidos, que tinha agência em
Maryland. O gerente da filial de Baltimore,
James McCulloch, recusou-se a pagar o
tributo. A Corte de Maryland manteve a
imposição. McCulloch apelou para a Suprema
Corte. O Juiz Marshall observou que além dos
poderes enumerados na Constituição, havia
outros implícitos no próprio texto, de
competência do Congresso. Se o governo
federal tem objetivos e responsabilidades,
detém os meios para realizar seus fins.
Trata-se do princípio da supremacia
nacional, que justifica a teoria dos poderes
implícitos, também chamada teoria dos
poderes resultantes. Embora não houvesse
autorização expressa para que a União
criasse bancos, implícita estava sua
necessidade, por imperativo de ordem
pública. O Congresso detém competência para
criar bancos e qualquer lei estadual que
direta ou indiretamente limitasse tal
competência seria inconstitucional. O estado
da federação, cobrando impostos, não pode
restringir aplicação de lei federal. O
estado não pode tributar instrumentos do
governo federal, concepção que justificará a
teoria tributária da imunidade fiscal. A
Constituição possibilitou lei federal que
institui banco federal nos EUA, invalidando
lei estadual que o tributava. Anulou-se a
lei estadual de Maryland que tributava o
banco federal. Formatou-se a doutrina dos
poderes implícitos ou dos poderes
resultantes. Garantiu-se ao Congresso
necessários e próprios poderes para a
condução dos negócios do governo norte-
americano”5.
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Neste sentido, Alexandre Santos de Aragão6:


Se, por exemplo, a Constituição estabelece
que a Administração Pública deve prestar
determinado serviço público (fim), não teria
sentido que ela, independente da existência
de lei ordinária, não pudesse regulamentar a
sua prestação (meio). Nestas circunstâncias
só alcançarão os seus propósitos se estas
(regulamentares) forem admitidas. Com isto,
não estamos 'forçando' o conteúdo da
Constituição, mas apenas aplicando o vetusto
princípio dos implied powers, por Marshall
concebido nos seguintes termos: 'legítimo o
fim e, dentro da esfera da Constituição,
todos os meios que sejam convenientes, que
plenamente se adaptem a este fim e que não
estejam proibidos, mas que sejam compatíveis
com a letra e o espírito da Constituição,
são constitucionais'.
Desta forma entendeu Carlos Ayres Britto na medida
cautelar da ADC 12, julgada em 16 de fevereiro de 2006.
Depois de explicitar o pensamento de que o inciso II do §4º
do art. 103-B é composto de mais de um núcleo normativo,
quatro deles expressos e um inexpresso, enfatiza:
o núcleo inexpresso é a outorga de
competência para o Conselho dispor,
primariamente, sobre cada qual dos quatro
núcleos expressos, na lógica pressuposição
de que a competência para zelar pela
observância do art. 37 da Constituição e
ainda baixar os atos de sanção de condutas
eventualmente contrárias à legalidade é
poder que traz consigo a dimensão da
normatividade em abstrato, que já é uma forma
de prevenir a irrupção de conflitos. O poder
de precaver-se ou acautelar-se para
minimizar a possibilidade das transgressões
em concreto.
Cuidado deve se tomar apenas para não criarmos uma
monstruosidade e na toada dos poderes implícitos autorizar
todo e qualquer poder e perpetrarmos em veias absolutistas:
Na aplicação da teoria dos poderes
implícitos devem ser observadas as seguintes
regras, conforme ensinamentos de Carlos
Maximiliano, que se baseou na doutrina
Americana: a) Onde se mencionam os meios para
o exercício de um poder outorgado, não será
lícito implicitamente admitir novos ou
diferentes meios, sob o pretexto de serem
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mais eficazes ou conveniente; b) Onde um


poder é conferido em termos gerais,
interpreta-se como estendendo-se de acordo
com os mesmos termos, salvo se alguma clara
restrição for deduzível do próprio contexto,
por se achar ali expressa ou implícita7.
A noção de que a Administração é uma mera aplicadora da
lei é anacrônica. Kelsen já afirmava que a atividade de
interpretação sempre comporta uma margem autônoma de
criação.
O Estado Providência criou uma série de atribuições
estatais que não foram detalhadas pela lei. A superação da
teoria da imprescindibilidade da lei para mediar a relação
entre a Constituição e a Administração (vinculação direta e
imediata) já está superada. Há critérios constitucionais
imediatos de fundamentação e legitimação da decisão
administrativa.

1 Cf. Jorge Reis Novaes. Contributo para uma teoria do Estado de


Direito: do Estado liberal ao Estado social e democrático de Direito.
Coimbra: Coimbra, 1987. p. 86 e ss.
2 Cf. Jorge Reis Novaes. Contributo para uma teoria do Estado de
Direito: do Estado liberal ao Estado social e democrático de Direito.
Coimbra: Coimbra, 1987. p. 90 e ss.
3 A tese contrária ancora-se no seguinte: deve-se aguardar a
manifestação do judiciário. E argumentam os a favor: se o artigo 102,
§2º determina que a ADC procedente obriga a todos os órgãos, quer
dizer que antes não havia esta obrigatoriedade.
4 Assim o STF já se manifestou na ADI-MC 2075-7 RJ (rel. MIn. Celso de
Mello), em 2001, relativamente a polêmica do teto remuneratório: O
postulado constitucional da reserva absoluta da lei e o princípio
constitucional da separação dos Poderes precisam ser respeitados. O
teto remuneratório (fundado na EC 19/98 que alterou a redação do art.
37, XI, da CF) somente limitará a remuneração dos agentes públicos
depois de editada a lei formal que instituir o subsídio devido aos
ministros do Supremo Tribunal Federal. A norma inscrita no artigo 29
da EC 19/98 é inaplicável até o surgimento da lei formal.
5 Arnaldo Moraes Godoy. Notas sobre o Direito Norte-Americano. In:
Revista da Procuradoria Geral do INSS. V. 7, N. 4, Jan-Mar 2001. p.
92-93. Disponível no site:
http://menta.dataprev.gov.br/publique/dat/doc/REV_7401.pdf
6 Alexandre Santos de Aragão. Princípio da legalidade e poder
regulamentar no Estado contemporâneo. Boletim de Direito
Administrativo 5:370, maio/2002, p. 380.
7 Célio Jacinto dos Santos. No processo penal, quem pode o mais não
pode o menos. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 416, 27 ago. 2004.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5631>.

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