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Artigo de Revisão
Gastroparesia diabética
P.R. CESARINI, *S.R.G. FERREIRA, S.A. DIB
Disciplinas de Endocrinologia e Metabologia e de *Epidemiologia Clínica da Universidade Federal de São Paulo — Escola Paulista de
Medicina, São Paulo, SP.
sência do IMMC). Diante desse achado, especula- Discute-se o papel da insulinopenia na GPD. A
se sobre a possibilidade de uma deficiência colinér- insulina promove o esvaziamento gástrico, prova-
gica dificultar a ação da motilina 14 . A colecis- velmente, por aumento do tônus vagal, enquanto
toquinina inibe o esvaziamento gástrico em indiví- que o glucagon tem efeito contrário. Um estado
duos normais 15. Em indivíduos diabéticos, foram insulinopênico em indivíduos diabéticos, associado
verificados níveis elevados desse hormônio, que à presença de glucagon, poderia contribuir para a
foram, ainda, maiores naqueles portadores de redução da motilidade gástrica 6.
neuropatia autonômica16. O polipeptídio pancreático
e a somatostatina diminuem a secreção e a FISIOPATOLOGIA
motilidade gástricas. A hipoglicemia induzida pela
insulina promove a liberação desses hormônios. Nos A motilidade gástrica é regulada pelo sistema
indivíduos com neuropatia diabética, essa resposta nervoso entérico, por enervação extrínseca simpá-
se encontra abolida, sugerindo a existência de papel tica e parassimpática (vagal), sendo submetido a um
fisiopatológico ainda pouco compreendido 6. controle endócrino e parácrino6.
A hiperglicemia retarda o esvaziamento gástri- Do ponto de vista funcional, o estômago pode ser
co, tanto em indivíduos normais como em diabéti- dividido em duas partes: o estômago proximal (fundo
cos 17,18. Horowitz 17 encontrou relação inversa entre e porção superior do corpo) e o estômago distal (por-
o esvaziamento gástrico e a glicemia, quando esta ção inferior do corpo, antro e piloro) 6. O estômago
ultrapassa 180mg/dL. A atividade contrátil interdi- proximal funciona como um reservatório de alimen-
gestiva (IMMC) é inibida nos estados hipergli- tos. Sua musculatura é responsável pelo relaxamen-
cêmicos, podendo levar à retenção de material não to adaptativo do estômago, importante elemento no
digerível na luz gástrica 19. controle do gradiente pressórico e da pressão intra-
Não foi observada correlação entre níveis de gástrica. O esvaziamento de líquidos é controlado
hemoglobina glicosilada e o grau de gastroparesia, pelas contrações proximais, que atuam sinergica-
sugerindo que a contratilidade gástrica seria mais mente com o antro, o piloro e o duodeno. No esvazia-
afetada pelas variações agudas da glicemia do que mento de líquidos ocorre um relaxamento da muscu-
pelos estados hiperglicêmicos mantidos 1. latura gástrica, seguida de contrações da porção
A retenção de alimentos no estômago pode levar a proximal do estômago. O estômago distal retém e
um retardo da absorção de glicose e, por conseqüên- “tritura” alimentos sólidos em partículas menores
cia, a picos tardios de hiperglicemia. Assim, estabele- que 2mm, antes de permitir a passagem para o
ce-se um “descompasso” entre os picos da ação da duodeno. As contrações da musculatura antral têm
insulina e os períodos de glicemia mais alta. Desta mínima atuação no esvaziamento de líquidos ingeri-
forma, o pior controle do DM levará ao agravamento dos, mas são fundamentais no esvaziamento de sóli-
da GPD 6. Ao lado disso, Groop e DeFronzo 20 demons- dos6. As partículas alimentares não digeríveis (fi-
traram uma diminuição de absorção da glipizida nos bras em geral) são eliminadas do estômago entre as
estados hiperglicêmicos em indivíduos normais. Tal refeições no período dito “interdigestivo”. Durante
fenômeno, segundo os autores, poderia ser explicado esse período, estabelece-se um ciclo de atividade
pela gastroparesia induzida pela hiperglicemia. As- contrátil, o chamado interdigestive migratory motor
sim, a ocorrência de picos hiperglicêmicos tardios e a complex — IMMC. Esse ciclo é constituído de três
provável diminuição na absorção de hipoglicemiante fases distintas, na terceira das quais ocorrem con-
oral apontam a GPD como um fator de piora do trações de grande magnitude, responsáveis pelo
controle metabólico. deslocamento de partículas “não digeríveis” em di-
Embora o estômago seja descrito como “prote- reção ao duodeno. As contrações dessa fase III ocor-
gido” contra a isquemia, do ponto de vista anatômico, rem em salvas de 5 a 10min a cada uma ou duas
foram descritos casos da chamada “gastropatia is- horas, seguidas de abertura do piloro5,6,14,23-25.
quêmica” secundária a lesões arterioscleróticas difu- No diabetes melito, o acometimento da moti-
sas dos vasos que o irrigam. Esse processo leva a lidade gástrica é progressivo. Inicialmente, ocorre a
quadros de gastrite, ulcerações da mucosa e atonia perda da fase III do IMMC, levando à retenção de
gástrica 21. Em diabéticos com neuropatia autonômi- alimentos sólidos não digeríveis, predispondo a for-
ca e gastroparesia, não foi observado o aumento mação de bezoares. Posteriormente, observa-se a
fisiológico do fluxo sanguíneo pós-prandial nas arté- diminuição da contratilidade antral com retenção
rias mesentérica superior e celíaca 22. Também não de sólidos digeríveis. A retenção de líquidos é mais
foram evidenciadas alterações sugestivas de oclu- tardia, revelando deficiência na motilidade da por-
sões arteriais, sugerindo que distúrbios funcionais ção proximal do estômago 6. Além das alterações
hemodinâmicos podem ter papel na patogênese da GPD. motoras, nota-se diminuição da secreção ácida,
candidíase esofágica, úlcera péptica e gastrite por seguir, e algumas drogas, como a eritromicina e a
refluxo biliar6,19. Também é útil no diagnóstico e na clonidina, têm sido objeto de recentes estudos
retirada de bezoares. quanto à sua utilidade.
A avaliação clínica do sistema nervoso autônomo A metoclopramida, pela sua ação antidopaminér-
é fundamental, já que a presença de anormalidades, gica, acelera o esvaziamento gástrico, inibe o relaxa-
nos reflexos autonômicos, é de regra nos pacientes mento fúndico e coordena a motilidade gástrica,
portadores de GPD 31. Vários testes de função pilórica e duodenal com efeito propulsivo (efeito pró-
autonômica têm sido descritos, e, dentre estes, os cinético). A metoclopramida tem, também, efeito
adotados pelos estudos de Ewing e Clarke são os antiemético central 36. Estudos clínicos mostraram
mais comumente utilizados 6. Entretanto, não tem melhora significativa no esvaziamento gástrico por
sido verificada relação entre a severidade do GPD e curtos períodos de utilização. Porém, tal efeito não
a intensidade da disfunção autonômica31. foi observado após período de uso continuado 37. É
possível que a melhora dos sintomas referida em uso
crônico seja devida tão-somente ao seu efeito central
COMPLICAÇÕES DA GASTROPARESIA
antiemético. A dosagem preconizada consiste em 5 a
DIABÉTICA
20mg, uma hora antes das refeições e antes de
O retardo de esvaziamento para partículas não dormir. São descritos efeitos colaterais, como irri-
digeríveis pode determinar a formação de bezoares5,8. tabilidade, sonolência, mioclonias, galactorréia e
O paciente com GPD tem uma maior tendência de manifestações extrapiramidais6.
desenvolver dilatação gástrica aguda durante os epi- O domperidona é um antagonista dopaminérgico
sódios de cetoacidose6, podendo requerer aspiração específico, com a vantagem de praticamente não
por sonda nasogástrica por longos períodos. ultrapassar a barreira hematoencefálica, causando
A candidíase esofágica acomete cerca de 15% des- menos efeitos adversos que a metoclopramida. Cur-
ses pacientes, possivelmente devido à estase e ao tos períodos de uso melhoram o esvaziamento gástri-
refluxo gastroesofágico secundário à GPD33. co, porém, administrado por mais de 30 dias, perde
Como outras complicações diretas ou indiretas, significativamente seu efeito, apesar de persistir
ainda podem ser citadas: o enfisema gástrico, absor- alguma ação em nível de estômago proximal, facili-
ção errática de medicações, piora da êmese gravídica, tando o esvaziamento para líquidos38.
perda de peso, desnutrição, pneumonias por aspira- O cisaprida é um agente pró-cinético que facilita a
ção e o mau controle do diabetes melito6. liberação de acetilcolina em nível de plexos nervosos
do trato gastrointestinal e poucos são seus efeitos
colaterais do trato gastrointestinal. Não apresenta
TRATAMENTO efeito antidopaminérgico39. A melhora do esvazia-
mento gástrico parece ser mantida ao menos por um
a) Dietético
ano de uso contínuo40,41. McHugh et al.42, comparando
Recomenda-se uma dieta fracionada, evitando-se o cisaprida com metoclopramida, demonstraram
alimentos gordurosos e líquidos hipertônicos, que uma equivalência de efeito aguda após infusão endo-
retardam o esvaziamento gástrico 19,34. Os suplemen- venosa. Porém, o cisaprida, na sua dose máxima, foi
tos de fibra devem ser evitados, pois possibilitam mais efetivo no esvaziamento gástrico do que a
formação de bezoares5,8. Nos casos graves, pode ser metoclopramida. Neste estudo não foi comparada a
indicada dieta líquida. Nos casos refratários ao tra- eficácia dessas drogas em uso prolongado ou admi-
tamento clínico e nas exacerbações prolongadas, nistração por via oral. Champion43 avaliou nove paci-
pode ser necessária nutrição enteral ou mesmo entes com GPD sintomática, submetendo-os a dois
parenteral 6. A dieta por jejunostomia é opção em esquemas terapêuticos por quatro semanas de trata-
muitos desses casos 35. mento com cisaprida e domperidona, intercalados
por período de quatro semanas sem medicação, para
b) Tratamento medicamentoso comparar o esvaziamento gástrico e a melhora dos
Uma vez indicado o tratamento farmacológico, há sintomas. A melhora no esvaziamento gástrico
o consenso de que as medicações devem ser minis- foi semelhante com ambas as drogas, e, em relação
tradas, preferencialmente, na forma líquida e antes à sintomatologia, o cisaprida parece ter trazido
das refeições 6,19. O rodízio de drogas a cada 3 ou 4 maiores benefícios no que diz respeito à sensação
semanas ou associações de medicações merecem ser de distensão abdominal, náuseas e dor epigástrica.
melhor avaliados. Não existe, até o momento, uma A posologia do cisaprida recomendada é de 10mg,
terapia clínica comprovadamente efetiva, a longo três vezes ao dia, 30 a 60 minutos antes de cada
prazo 6. As opções disponíveis são mencionadas a refeição 6,19 .
Estudos têm mostrado a eficácia da eritromicina junoanastomose em “Y” de Roux parece alcançar
na melhora do esvaziamento gástrico na GPD. A melhores resultados, embora estes sejam muito
eritromicina atua sobre receptores da motilina aquém dos desejados. A jejunostomia tem-se mos-
como um agonista, promovendo contrações seme- trado útil em alguns casos na tentativa de garantir
lhantes às da fase III do IMMC24,44,45. Em estudos bom aporte nutricional para aqueles casos em que o
clínicos, a eritromicina tem mostrado aumentar o tratamento clínico fracassou 50.
esvaziamento gástrico, tanto para líquidos como
para sólidos, em indivíduos normais e em diabéti- CONCLUSÃO
cos. Otterson et al. estudaram em detalhes os efeitos
da eritromicina na motilidade gastrointestinal. Foi Apesar dos avanços na compreensão de sua fisio-
evidenciado que a eritromicina, na forma de patologia, a gastroparesia diabética ainda se cons-
lactobionato, inicia e aumenta a mobilidade apenas titui num problema de difícil abordagem clínica,
quando administrada em pequenas doses endo- com sucesso terapêutico limitado. A dificuldade é
venosas de 1,0mg/kg, diluídas em solução salina, ainda maior devido à ausência de uma nítida corre-
infundidas em 30 minutos, e não com doses maiores. lação entre os sintomas e os achados obtidos dos
Doses acima de 25mg/kg desencadeiam contrações exames subsidiários. Para uma interpretação cor-
retrógradas gigantes, vômitos complexos e períodos reta dos testes de esvaziamento gástrico, é impor-
de inibição generalizada de toda a atividade motora tante afastarmos outras possíveis etiologias do
gástrica 46. Janssens et al. 45 relataram melhora do processo (tabela). Uma avaliação precisa do caso
esvaziamento gástrico, tanto utilizando estearato dependerá de um bom controle glicêmico e dados de
de eritromicina, em dose única diária de 500mg/dia, anamnese que indiquem uso de medicação que
como com a posologia de 250mg, três vezes ao dia, 30 altere a motilidade gástrica 6.
a 60 minutos antes das refeições. Doses mais eleva- O rigoroso controle glicêmico, ao lado de medidas
das como 2g ao dia têm-se mostrado pouco toleradas, dietéticas, constitui o ponto de partida na terapêuti-
havendo incidência considerável de efeitos cola- ca da GPD. O uso de agentes pró-cinéticos estará
terais, tais como cólicas abdominais44. Seu uso tem indicado nos pacientes que, após terem atingido um
sido sugerido como alternativa nas agudizações da bom controle metabólico, evidenciarem clínica de
GPD, podendo ser útil no tratamento crônico 44,45. No retardo no esvaziamento gástrico.
entanto, em cães, foi observado fenômeno de tole-
rância ao tratamento com eritromicina a longo pra- AGRADECIMENTO
zo, provavelmente por mecanismo de down-regu-
lation dos receptores da motilina. Estudos pros- Os autores agradecem o professor L. Chehter, da Disci-
pectivos são necessários para se estabelecer o lugar plina de Gastroenterologia Clínica da Escola Paulista de
Medicina, pelas sua colaboração na execução deste artigo.
de eritromicina no arsenal terapêutico da GPD.
A clonidina, utilizada no tratamento da diarréia
crônica dos diabéticos47, tem sido empregada em REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
casos isolados de gastroparesia diabética, com alívio
significativo da sintomatologia 48. Rosa-e-Silva et 1. Horowitz M, Harding PE, Maddox AF, Wishart JM. Gastric
and esophageal emptying in patients with type II diabetes
al.49 observaram que, de quatro diabéticos com gas-
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