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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA E GESTÃO DO


CONHECIMENTO (PPGEGC)

DISCIPLINA: MÉTODOS DE PESQUISA EM EGC – EGC5006

METODO QUALITATIVO (ABORDAGEM INTERPRETATIVA)

“Discussion Paper”

Bruno Henriques Watté (Doutorando)

Introdução

O método qualitativo é aquele onde o interesse do pesquisador está centrado


na busca pelo significado dos fenômenos e não na identificação das relações de causa
e efeito entre os fatos. É aquele onde se busca levantar hipóteses a partir da
observação dos fatos, ao invés de testar as hipóteses previamente obtidas a partir da
teoria. É também aquele utilizado quando se quer entender um fenômeno em
profundidade ou quando é preciso lidar com uma grande quantidade de variáveis
durante o estudo. Todas essas são questões melhor compreendidas a partir da
utilização das abordagens qualitativas de pesquisa (SUKAMOLSON, 2007)

Vale destacar, entretanto, que a escolha da metodologia mais apropriada deve


levar em consideração não apenas seu alinhamento aos objetivos e à questão de
pesquisa, mas também à orientação filosófica do pesquisador (BRYMAN, 2012;
CRESWELL, 2007). Enquanto o método quantitativo tem como base o paradigma
positivista do pensamento, com o entendimento central de que há uma verdade
concreta e real a ser desvendada, os métodos qualitativos partem da premissa oposta.
Eles têm como base o paradigma interpretativo, a partir do qual a realidade, longe de
estar previamente dada, é construída pelos agentes sociais ao longo de sua relação
com o mundo em que vivem. Por consequência, torna-se impossível separar o
pesquisador da pesquisa que está sendo realizada, estando ele completamente
inserido no processo (MAXWELL, 2008; MERRIAM, 1998).

Compreender os principais conceitos, as principais características e técnicas


associadas à aplicação dos métodos qualitativos de pesquisa, permitirá ao
pesquisador fazer a correta avaliação acerca de sua utilização como melhor estratégia
para responder à questão de pesquisa por ele formulada, sempre em alinhamento
com sua orientação filosófica.

Desenvolvimento

Aquilo que é comumente chamado de metodologia qualitativa de pesquisa é,


na verdade, um grande guarda-chuva conceitual. Ele abriga diversas abordagens que
possuem atributos comuns, mas que também “possuem cada qual um foco
ligeiramente diferente, resultando em variações relacionadas a questão de pesquisa,
a seleção da amostra, à coleta e análise dos dados e ao relatório final” (MERRIAM,
1998).

Conforme aponta Merriam (1998), não existe um consenso sobre quantas e


quais seriam, precisamente, essas diferentes abordagens vinculadas a metodologia
qualitativa. Mas, a partir da proposta apresentada por ela e na revisão dos demais
artigos apresentados na bibliografia, esse discussion paper vai apresentar um
detalhamento a respeito de 5 abordagens: 1) Pesquisa narrativa; 2) Etnografia; 3)
Fenomenologia; 4) Grounded Theory; 5) Pesquisa qualitativa básica. Antes de passar
ao detalhamento de cada uma dessas abordagens, entretanto, é importante destacar
as principais características comuns a todas elas, que permitem abriga-las sob o
mesmo guarda-chuva conceitual.

Uma dessas características centrais é o fato de que nas metodologias


qualitativas a relação entre a pesquisa e a teoria está ancorada na estratégia indutiva,
ou seja, o ponto de partida do estudo não é uma teoria pré-existente. A pesquisa parte
da observação dos fatos e, a partir dela, gera descrições, levanta hipóteses ou mesmo
propõe teorias em função da identificação de padrões recorrentes nessas
observações (BRYMAN, 2012). Isso não quer dizer que não exista a necessidade de
uma revisão aprofundada da literatura, com o objetivo de identificar os gaps de
pesquisa. Mas que, após feita essa revisão, o pesquisador precisa ser capaz de se
distanciar adequadamente de qualquer eventual premissa a respeito do estudo,
operando em consonância com a visão de Morgan, de que “a aquisição de novos
pontos de vista depende de um desprendimento do ponto de vista anterior”
(MORGAN, 1980).

Além do foco na estratégia indutiva, Merriam (1998) propõe outras três


características marcantes da metodologia qualitativa e comum a todas as abordagens:
1) Foco na busca de significado e compreensão (em especial na compreensão de
como os indivíduos pesquisados interpretam os fatos que estão experimentando ou a
realidade que estão construindo, a partir de sua própria perspectiva); 2) Pesquisador
como instrumento de pesquisa (a coleta e análise dos dados é feita pessoalmente,
pelo pesquisador, que tem seu modelo mental e seu valores. Isso pode dar origem a
um viés na pesquisa, que precisa ser destacado); 3) Descrição como produto final
(descrição rica, por vezes densa, baseada em palavras e imagens, que tem por
objetivo fazer o leitor entrar no “mundo” desvendado pelo pesquisador).

Creswell (2010) adiciona algumas outras características, além das propostas


por Merriam (1998). Segundo ele, as pesquisas qualitativas são normalmente
conduzidas em campo (e não em laboratório) e costumam empregar múltiplas fontes
de dados (como entrevistas, documentos e observações). Ele ressalta ainda que o
projeto de pesquisa qualitativa é normalmente “emergente”, ou seja, que qualquer
planejamento feito previamente pode (e muitas vezes deve) ser revisitado, à medida
em que o pesquisador sai a campo e começa a coletar e analisar os dados. Maxwell
(2008) corrobora esse aspecto, afirmando que todas as atividades de uma pesquisa
qualitativa “normalmente avançam juntas, cada uma influenciando as demais”.
Segundo ele, até mesmo a questão de pesquisa deve ser revisada após o início da
pesquisa de campo.

Uma vez observadas essas características comuns a todas as abordagens


qualitativas de pesquisa, é possível entrar nas especificidades de cada uma delas,
buscando um melhor entendimento de sua aplicação.
Pesquisa Narrativa

A principal característica da pesquisa narrativa é que ela está ancorada numa


história que é vivida (ou narrada) pelos indivíduos que representam a amostra da
pesquisa. Essa amostra é normalmente muito pequena, muitas vezes baseada na
história de um ou dois indivíduos (CRESWELL, 2007), que é analisada e
compreendida pelo pesquisador. Segundo Merriam (1998) as histórias, que são os
dados essenciais dessa pesquisa, são a “forma como fazemos nossa experiência ter
sentido, como nos comunicamos com os outros e como entendemos o mundo em que
estamos inseridos (MERRIAM,1998). Creswell (2007) e Merriam (1998) concordam
ainda com a categorização de cinco tipos de pesquisa narrativa: biografia,
autobiografia, história de vida e história oral.

Pesquisa Etnográfica

É a abordagem de pesquisa tipicamente utilizada quando ser quer


compreender a cultura de um determinado grupo ou sociedade, entendendo-se cultura
como um conjunto de crenças, de valores e linguagens compartilhados por este grupo.
Em função do objetivo vinculado à caracterização de um grupo completo, o número
de participantes envolvidos na pesquisa é normalmente maior do que as demais
abordagens qualitativas. Afinal de contas, o que se objetiva é identificar aquilo que é
comum, que é compartilhado. (MERRIAM, 1998).

Para que todos os aspectos e traços da cultura sejam identificados,


normalmente a coleta de dados envolve a imersão do pesquisador junto ao grupo, de
modo a atingir um nível de observação exaustivo, rico em detalhes, complementado
por entrevistas formais e informais (CRESWELL, 2007). O produto final não é apenas
descritivo, mas envolve também um aspecto interpretativo construído pelo
pesquisador a partir de suas observações (MERRIAM, 1998)

Pesquisa Fenomenológica

A pesquisa fenomenológica busca compreender a essência de um fenômeno


em estudo, a partir do entendimento da percepção de diversos indivíduos que
compõem a amostra. A amostra, nesse tipo de pesquisa, não pode ser pequena pois
é importante para o pesquisador ser capaz de abstrair as particularidades das
percepções de cada indivíduo para compreender a essência do todo, o significado
essencial do fenômeno. (CRESWELL, 2007)

Segundo Merriam (1998), essa é a abordagem mais adequada para se estudar


e compreender a essência de fenômenos vinculados a experiências intensas vividas
pelas pessoas, em especial experiências emocionais como a raiva, o amor, a traição.
Para isso, as entrevistas são o método mais comum de coleta de dados e o produto
final é uma descrição detalhada sobre a essência do fenômeno, ou seja, sobre a parte
que não varia dentre as percepções coletadas dos diversas indivíduos da amostra.
(CRESWELL, 2007)

Grounded Theory

É abordagem qualitativa que se caracteriza essencialmente por seu produto


final ser uma teoria que surge ou que é fundamentada na análise dos dados coletados.
Questões de pesquisa que visam compreender “como” determinado processo ou
interação acontece são aquelas mais conectadas ao uso da grounded theory. Para
chegar a seu objetivo, é comum que pesquisador utilize estratégias indutivas e
dedutivas em sequência, em diferentes fases de ida a campo, com o objetivo de propor
e ir extraindo a teoria dos dados.

Das abordagens qualitativas, a grounded theory é aquela posicionada mais ao


centro do modelo proposto por Morgan (1980) sendo, dentre as abordagens
qualitativas, aquela que é mais próxima do quadrante funcionalista.

Pesquisa Qualitativa Básica

Quando uma pesquisa qualitativa não se enquadra em nenhum dos tipos


“clássicos” acima descritos, quando se trata de um estudo interpretativo que contém
apenas as características gerais comuns a todas as abordagens qualitativas (já
descritas no início desse texto), ela pode ser caracterizada como pesquisa qualitativa
básica.
Segundo Merriam (1998), o objetivo central desse tipo de pesquisa é apenas o
de entender de que forma os participantes interpretam sua relação com o mundo, suas
experiências, a partir de uma intepretação conduzida pelo pesquisador.

Em função de sua popularidade, cabe ainda um breve comentário a respeito da


abordagem “Estudo de Caso”. Há certa discussão na literatura acerca de seu
enquadramento. Alguns autores o classificam como sendo mais um tipo de pesquisa
qualitativa, que se juntaria aos cinco tipos acima descritos. Outros autores, entretanto,
defendem que se trata apenas de uma forma de delimitar o campo de pesquisa para
uma das abordagens anteriormente descritas, devendo-se falar, por exemplo, em um
estudo de caso etnográfico ou em um estudo de caso fenomenológico.

Como visto anteriormente, independente da abordagem qualitativa


selecionada, o pesquisador assume um papel central no processo de pesquisa, uma
vez que ele é o instrumento primário de coleta e análise dos dados. Na condição de
agente participante, ele também aporta para o estudo seus valores, seu modelo
mental, sua visão de mundo, o que, somado a outras características da pesquisa
qualitativa acaba por exigir do pesquisador algumas competências específicas para
essa realização. Dentre as várias competências necessárias, Merriam (1998) destaca
a importância de ele ser tolerante à ambiguidade (uma vez que nem todos os passos
das abordagens qualitativas são conhecidos a priori), de ser bom observador,
questionador e escritor (dado que entrevistas, observação atenta e produção de
relatórios de campo são técnicas onipresentes nas pesquisas qualitativas).

A centralidade do pesquisador traz também à tona também questões


relacionadas à ética e à validade da pesquisa realizada, que precisam ser tratadas
com transparência nos relatórios produzidos. No que se refere à ética deve-se estar
atento em especial para questões vinculadas à relação existente entre o pesquisador
e os participantes, ao acesso e tratamento de dados confidenciais e à influência
decorrente de relações previamente existentes do pesquisador com patrocinadores
ou empregadores (CRESWELL, 2007; MAXWELL, 2008)

A importância dada ao tema das ameaças à validade da pesquisa nas


metodologias qualitativas pode ser medida pelo fato de ela ser um cinco dos
componentes centrais do modelo metodológico proposto por Maxwell (2008), num
nível de relevância equivalente à dos objetivos e questão de pesquisa, ao do
framework conceitual ou à definição do método para coleta e análise dos dados. As
ameaças à validade, segundo ele, estão relacionadas essencialmente ao viés trazido
pelo pesquisador (fruto de seus valores e crenças) e à tentativa de controlar esse viés
(o que é, segundo ele, tarefa praticamente impossível).

Diversas técnicas são propostas por diferentes autores para minimizar as


ameaças à validade da pesquisa. As técnicas de triangulação (coleta de dados
semelhantes em diferentes fontes), envolvimento de longo prazo (que garante um
envolvimento profundo com o tema), alta densidade de dados (quantidade e qualidade
de dados, de modo a viabilizar uma descrição rica e densa), validação ou revisão dos
dados por respondentes e pares estão entre aquelas comuns às propostas
apresentadas por Creswell (2010) e Maxwell (2008).

Conclusão

As metodologias qualitativas têm como base o paradigma interpretativo do


pensamento e são utilizadas fundamentalmente em objetivos e questões de pesquisa
que tenham na busca do significado, do entendimento pormenorizado, da essência de
um fenômeno seu tema central. O foco na profundidade dos estudos traz, como
consequência, o fato de as amostras serem normalmente pequenas: grupos com
pouco indivíduos, ou mesmo um único indivíduo, são tamanhos de amostras
comumente encontradas. Essa característica tira dos estudos qualitativos a
preocupação com generalização que, normalmente, não está citada como objetivo da
pesquisa (MAXWELL, 2008; CRESWELL, 2010).

O alto grau de envolvimento pessoal do pesquisador, que é o principal


instrumento de coleta e análise de dados, traz consigo algumas questões importantes
relacionadas à ética e à validade, que precisam ser tratadas com atenção e
transparência. Mas é esse mesmo envolvimento que proporciona uma imersão
completa no trabalho de campo, e que garante a riqueza necessária nos processos
de coleta e análise dos dados e na produção do relatório final.

Por fim, tão mais rica e fidedigna será a pesquisa quanto maior for a capacidade
do pesquisador de abstrair seu conhecimento prévio, seus valores e crenças e
mergulhar de mente aberta na busca do entendimento de como os participantes estão
compreendendo suas próprias experiências. Quanto mais profunda e genuína for essa
compreensão, maior a probabilidade de se encontrar ali padrões recorrentes nos
resultados, que darão vida a novas teorias decorrentes da observação de campo.

Bibliografia

BERNARD, H. R. Research methods in anthropology: qualitative and quantitative


approaches. 4. ed. New York: Altamira Press, 2006. p. 28-68
BRYMAN, A. Social Research Methods. 4. ed. Oxford: Oxford University Press,
2012. p. 379-414
CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: Métodos qualitativo, quantitativo e misto.
3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 206-237
CRESWELL, J. W. Qualitative Inquiry and Research Design: choosing among
Five Approaches. 2. ed. Thousand Oaks CA: Sage, 2007.
MAXWELL, J. A. Designing a qualitative study. In: BICKMAN, L; ROG, D. (Ed.)
Handbook of Applied Social Research Methods. Thousand Oaks CA: Sage, 2008.
p. 214-253
MERRIAM. S. B. Qualitative research and case study applications in education.
San Francisco (CA): Jossey-Bass. 1998.
MORGAN, G. Paradigms, Metaphors, and Puzzle Solving in Organization Theory.
Administrative Science Quarterly, v. 25, 1908. p. 605-622, 1980.
SUKAMOLSON, S. Fundamentals of quantitative research. 2007. Disponível em:
<http://www.culi.chula.ac.th/Research/e-Journal/bod/SuphatSukamolson.pdf>.
Acesso em: 11 abr. 2017.

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