Você está na página 1de 18

.

Ana Paula Hey :i

REITOR Oswaldo Baptista Duarte Filho


VICE·RE1T0RA
Maria Stella Coutinho de Alcântara Gil
l.>IRF.'l'OR DA EdUFSCAR
0.~waldo Mário Serra Truzzi

EdUFSCar ·Editora da Universidade Federal de São Carlos

CONSELHO El>ITORIAL José Eduardo dos Santos


José Renato Coury
Nivaldo Nale ESBOÇO DE UMA SOCIOLOGIA
Paulo Heali Nunes
Oswaldo Mário Serra Truzzi (Presidente)
DO CAMPO ACADÊMICO
Sf.CRE'J'ÁRIA llXEC\ITIVA Maria Cristina Priore
A EDUCAÇÃO SUPERIOR. NO BRASIL

UNJVERSIDAD!i FEDERAL Df' sAo CARLO~


Editora da l:nivcrsidadc f'-.ieral tle S;io Carlos
Via Washington Luí.<, km 235 ..~;.--~~:.;;
13;65-905 - São Carlo.h SI~ llrasil :;.~~ ...·
'Jelefux ( 16) 3,15.1-8137
http://www.edilora,ufscar.br
i:i:i U ~'::; C;:$f
cdut$car@ufs..::~u:br
São C:irlos, 2008
Capítulo i

BaTaLHas CLaSSIFICaTor1as
e ProDução acanêm1ca

\.

Classificar não é apenas constituir grupos: é dispor estes grupos


segundo relações muito especíais. Nós os representamos como
. coordenados ou subordinados uns aos outros, dizemos que estes
estão incluídos naqueles . Há os que dominam, outros que são
dominados, outros que são independentes entre si. Toda clas-
sificação implica uma ordem hierárquica da qual nero o mundo
sensível nem nossa consciência nos oferecem o modelo.

Émile Durkheim & Marcel Mauss, 1903

As batalhas geradas no espaço de produção a cadêmica no Brasil, erh educação


superior, estão determinadas por suas estruturas objetivas, sendo caracterís-
tica de tal espaço a falta de autonomia em relação à esfera da política, em sua
configuração mais recente. São essas estruturas objetivas que determinam
a força do grupo dominante' no que concerne à construção da agenda, das
retóricas, das cumplicidades ou dos antagonismos existentes no espaço de
produção acadêmica.
A configuração desse espaço em educação superior' permite demonstrar
um jogo de lutas entre grupos explicitamente distintos. A identificação do
grupo dominante foi possível por intermédio da análise da estrutura do es-
paço de produção acadêmica em educação superior no Brasil, no padrão da
. institucionalização existente, assim como pela exploração da lógica das lutas.
de concorrência nesse espaço, s'e ndo que estas se dão em torno do jogo.p ara
a imposição de um discurso legítim o sobre a temática.
Os agentes que compõem esse espaço acadêmico assumem diferentes

1 A oposição dominante-dominado não significa a luta entre classes dominante e subordina-


da, mas sim o valor e o potencial relativos das várias espécies rivais de capital que compõem a
estrutu ra de um determinado espaço- social.
2 O Capítulo 3 explora o grup o de agentes que co mpuseram essa análise e o. tratamento
estatístico dos dados utilizados.
posições, as quais vão comandar o espaço homólogo das tomadas de posição, José Goldemberg formou-se na USP em 1950, na área de Física, tendo oblido
isto é, as visões de mundo, as estratégias e as ações. Nesse caso, o espaço os graus de doutorado e de livre-docência na mesma insti tuição. Porém, antes
fi cou estruturado em fun ção das propriedades que ali são atuantes e válidas. de obter os títulos, estudou como bolsista no Canadá e cm Illinois/Estados
De um lado está o capital escolar- ou capital cultural adquirido - , dado pela Unidos. Em sua trajetória acadêmica, como fís ico, voltou a estudar no Canadá e
trajetória de formação acadêmica, e de outro está o capital de poder político nos Estados Dnidos (Princcton e StanfOrd). Posteriormente, quando se dirigiu
e o prestígio científico, sendo que estes dois últimos caminharam juntos para a área de ·energia e meio ambiente, estudou em Genebra e novamente em
na determinação da posição privilegiada do agente no espaço de produção Stanford. É professor da USP desde 1965, onde assumiu vários cargos adminis-
acadêmica em educação superior. trativos. Foi diretor do Instituto de Física e chegou a ser reitor da instituição, no
O pressuposto da análise é de que o poder na instituição de uma agenda período entre i986 e i990. Sua trajetória fora da universidade é marcada pela
acadêmica em educação superior é representado pela confluência nas batalhas ocupação de altos postos, como o de presidente da Companhia de Energia de
dassificatórias,~ que foram travadas no espaço de produção acadêmica, pelo gru- São Paulo (entre 1983 e 1986) e, depois, como secretário de Estado do Meio
po que conseguiu dominá-lo, nesse momento específico. Em tal jogo, o grupo Ambiente; no governo federal foi Ministro da Educação (entre 1991 e1992), se-
dominante mobiliza os instrumentos próprios da atividade científica, mas sobre- cretário de Ciência e Tecnologia (1990) e secretário interino de Meio Ambiente
tudo os recursos extracientíficos, os quais permitem a realização do trabalho de (1992). Foi, também, presidente da Sociedade Brasileira de Física e da Sociedade
imposição do conhecimento e reconhecimento do produto dito acadêmico. Brasileira p~·a o Progresso da Ciência (SBPC). Nesta última instituição atuou
ao lado da professora Carolina Bori, que foi, posteriormente, presidente do
A CONSTRUÇAO DA AGEl\OAACADÊMlC/1 COMO RF.ALllt\ÇÂO UF. CM PROJETO NuPF.S. Na SBPC, José Goldemberg direcionou suas ações para que a sociedade
POLÍTICO DE SOClEDADE fosse uma organização para a "defesa da ciência e dos cientistas"; Carolina Bori
o ajudou nessa empreitada "para trazer a SBPC ao seu leito natural, que é de
Neste dado momento, o grupo que ocupa a posição dominante no espaço uma associação de cientistas e não de cidadãos" (G OLDF.MBER<l, i99&). Pela
acadêmico da temática é composto por pesquisadores que fundaram e com- importância estratégica que tem esse pesquisador em outros espaços sociais
puseram o NuPJ;s, no final dos anos i980, e que são originários do campo e em função de seu trabalho ligado às questões de energia, meio ambiente e
disciplina r das Ciências Sociais, como é o caso de Simon Schwartzman e desenvolvimento sustentável - o que o inclui no mercado <la expertíse inter-
Eun ice Durham , mas também pelo f ísico José Goldemberg-este com desta- nacional nesse setor - a Larefa da produção acadêmica em educação superior é
cada trajetória tant0 aca<:\êmica quanto profissional no campo di.sciplinar de delegada a outros membros elo grupo.
origem. bem como na esfera política, uma vez que assumiu altos postos no Esse grupo inicial, do qual constam José Goldemberg, Simon Schwartz-
governo e no meio empresarial, no pólo estatal. É justamente tal pesquisador man e Eunice Durham, conseguiu, em gran de medida, impor a agenda de
que pode nuclear o grupo, na medida em que apresenta uma trajetória exem - pesquisa da área, ou melhor, dizer o que merece ser pesquisado e como deve
plar no que se refere ao aproveitamento das vantagens in iciais em termos de ser pesquisado, estendendo tal padrão a outros grupos e agentes do mesmo
form ação acadêm ica, de redes de relação social, de altos postos ocupados no espaço. podendo ser qualificado com.o composto por um aJto dero, 4 no uni-
espaço acadêmico e em outr as esfera s sociais. verso da produção acadêmica brasileira. Esse alto clero goza de um eminente
prestígio acadêmico e de um elevado capital de relações sociais. Os agentes
do grupo participam de espaços sociais altamente influentes nas defi nições
3 Segundo Bourdieu (1992; 199 7b; i998), os sistemas de classificação constituem uma batalh a legítimas da sociedade brasileira, atuando para a produção de uma ideologia
de lutas que opõe1n indivíduos e grupos nas interações rotineiras da vida cotidiana, da mesma
dominante, que será explorada logo adiante. Os fu ndadores do N uP ES, por
forma que nos combates individuais e cole tivos aos quais os agentes se consagram nos campos
exemplo, escrevem na Revista do CEBRAP, centro de pesquisas e estudos que
da política e da prod ução cultural. Os próprios agentes tentam m odificar as clas sificações
que eles recebem ou os princípios segundo os quais elas siio produzidas, daí as batalhas. ;\s congrega- ou congregou-importantes pesquisadores, alguns dos quais se
oposições do mundo social estilo sempre estruturando os espiritos, ma~ se apresentando sob a tornaram políticos atuantes na sociedade brasileira e uniram-se política e
forma de classificações cognitivas, éticas, es tt!ticas etc. As lutas de classificação ajudam a dar o ideologicamente em torno de um partido político: o PSDB. São exemplos,
valor aos bens. Por exemplo, o ato cognitivo que revela ;is classificações sociais entre as teorias
filosóficas, os kantianos em oposição aos marxistas.etc. Ver, tambem , por exemplo, o trabalho
sobre a eficácia das classifica~·õ es escnlarcs, justamente por elas consagrarem as classificações }~ Aqui utíli.-.o a classificação indígena empregada por eles próprios. Na nomenclatura que
• I• .J • .J ••• . J ... _,..4.:,.. .....,.~ ,~ .:. "H"t;,.lr,.,oC' t"l'2t11r•.\1C
.·~:•doto, eles compõem o p ólo doú1inantc <lesse universo.
dentre outros, Fernand<.l Henrique Cardoso, José Serra, Paulo Renato Souza, Na medida em que o PSDB se fortalecia em âmbito federal, o que culminou
Luiz Carlos Bresser Pereira, Francisco v\!effort. Outros pesquisadores atuantes com a eleição presidencial de 1994, fosé Goldemberg assumia altos postos nos
no universo do Cr.BRA P são José Arthur Giannotti, Reginaldo Prandi e forge governos Collor de Melo e Itamar Franco, como o de Ministro da Educação e
Balán (d a Arnérica Latina), os quais escreveram também, cm momentos 0
de Secretário Nacional de Ciência e Tecnologia, entre outros. Nos governos
específicos, sobre a tem ática da educação superior. estaduais dirigidos por esse novo partido, notadamente em São Paulo, assu-
O CEHHAl> é composto por uma geração de intelecniaís em torno da Facul - m iu postos de Secretá1io de Estado da Educação e do Meio Am biente.
dade de Filosofi a, Ciên cias e Let ras, da conhecida "Maria Antôn ia': os quais O quadro esquemático que será apresent ado a seguir mos tra a atuação de
carregam uma peculiar concepção da vida acadêm ica. Esta, nas palavras de Fernan do Henrique Cardoso e dos principais membros do NuPES em alguns
Giannotti (1989, p. 3), era encarada como "um processo de recolhi ment o, momentos-chave <la polít ica recente brasileira.
espécie de exercício espiritual que domasse nossas vidas e melhorasse nossas
convivências". Desta forma, o Centro é formado para "preservar aqui lo que
éramos: intelectuais por vocação". Essas palavras evidenéiarn o ponto de
partida do grupo para o estabelecimento da distinção em relação a oulros
grupos de acadêmicos e são reforçadas nas críticas feilas ao intelectual que
se burocratiza enquanto func ionário público. Mas também são empregadas
na defesa do antigo intelectual, aquele que é o pastor do conhecimento em
oposição ao especialista, dominador de uma técnica e, ainda, no sentido
ª.ª~º à carreira acadêmica, considerada como uma forma de vida, em opo-
s1çao ao mtelectual de hoje que é o bom negociador de suas opiniões e de
suas orações. É na posição de dominantes, social e acadcrnicarncnte, que os
participantes do Centro vão atuar, principalmente a partir da década d e 1980,
no período da abertura política no Brasil. diretamente no campo da política
ou parLicipar de seus b astidores, como ideólogos incumbidos de propagar
uma nova visão de sociedade.
A rede de relações de J9sé Goldemberg é comp atível com uma nova elite
pol.íti~.que v inha se const.Üuindo e se fortalecendo e que se personificou pela
t ra,1cton a daquele que veio a se tornar o Presidente da República,s Fernando
Henrique Cardoso. Esle acadêmico é um dos membros fundadores do PMDB
e interlocutor de seu presidente, Ulisses Guimarães. Em tal partido FHC atuou
ao lado de franco Montoro, no Estado de São Paulo, primeiro como suplente
de ~enador e, posteriormente, como senador. Foi também nesse governo que
Josc Gol<lemberg assumiu a presidência das empresas de energia elétrica do
Estado,_que figuram entre as empresas mais importantes do país. Em seguida,
n~ gestao do governador Orestes Quércia, Goldemberg assumiu o posto d e
A rede composta por acadêmicos <la universidade brasileira contr!buiu
re1to~ da USf>, 6 no mes mo período em que foi criado o PSDI3 - por Fernando
para o fortalecimento de uma elite polltica, interessada na construçao de
Henrique Cardoso7 e outros - em função de desacordos no interior do PMDB.
um novo espaço de poder, que foi gcstado a partir do Ílm da década de t970.
A proposição essencial é de que esse grupo de agentes tem a intenção de
5 O trabalho de Garcia )r. (1004) moslra, por meio da trajetória social do presidente, o dcsl(l·
camento de seus invcstimt:ntt>s e de seus capilais ;idquiridos como pesquisador cm dire~:fo ao
campo da política.
Mário Covas e josé llicha, o único de fora do &tado de São Paulo, político paranaense intluen·
6 Nesse posto ele pcrmanec~ ~m um espaço inteiramen1e controlado pelo poder acadêmico,
te e com ocupação de importantes postos tanto no~ govi:rnos militares quanto democrátl_co~;
ao passo que isso não aconteceria se ele ficasse na esfera da política ou da economia.
Nos embates do campo político da época, o grupo era qualificado corno "a turma do voto util ·
7 Além do .iá citado, também foram rnemhros f\m <ladores do PSDP, em w88: Franco Montoro,
determinar como a sociedade brasileira deve ser; para isso foram escolhidas que vale a pena ser jogado pelos que aceitam a illusio, ou melhor, o interesse
pessoas significativas capazes de dar uma representação de um projeto específicc como reconhecimento implícito das apostas empenhadas no jogo
de sociedade e que fossem atuantes em diversos setores sociais como, por e como domínio prático das regras que o regulam, a partir desse universo
exemplo, na educação, em seus vários níveis. No caso da educação superior, específico e com princípios de visão do mundo social correspondentes.'"
os encarregados dessa missão foram os pesquisadores em torno do NuPES e Os diversos agentes assumirão diferentes posições no espaço de produção
da USP. A cientista política da UKICAMP, Maria Helena Guimarães de Castro,fi acadêmica, sendo essas posições determinadas conforme a trajetória de cada
presidente do INEJ:> (1995-2002, instituto responsável pela implantação do um e a relação com a illu.sio. Segundo Bourdieu (1998, p. i73):
Exame Nacional de Cursos/Provão, atual EN'ADF. - Exame Nacional de De-
sempenho dos Estudantes-, e do ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio) [ ... 1 os grupos unidos por uma forma qualquer de conluio (como os
e, posteriormente, envolvida com propostas de reformulação da educação conjuntos de colegas) fazem da discrição e do segredo acerca de tudo o
básica (membro do conselho do Fu::.inEF- Fundo Nacional de Manutenção que diz respeito às crenças íntimas do grupo um imperativo fundamental.
e Desenvolvimento da Educação Fundamental), será o destaque desse Eles condenam com a máxima violência certas manifestaçües de cinismo
mesmo universo de agentes, os quais são dotados de esquemas de percepção quando elas se fazem notar no exterior mas que, entre os iniciados, são
e de ação semelhantes sobre o mundo social. Esses agentes têm cm comum perfeitamente admitidas porque não podem, por definição, tocar na crença
não apenas o fato de serem oriundos do mundo acadêmico, mas de serem fundamental sobre o valor do grupo, sendo a liberdade a respeito dos
acadêmicos altamente qualificados, que participaram do espaço universitário valores freqüentemente vivida como um testemunho suplementar de valor.
brasileiro desde os anos t950 e 1960, e de passarem a atuar no espaço político, Mas os grupos não desconfiam menos daqueles que, levando demasiado a
aproveitando-se das várias espécies de capitais adquiridos e reconvertendo-os sério os valores proclamados, recusam os compromissos e os comprometi-
em beneficio da produção de idéias sobre o mundo social e sobre a realização mentos, os quais são a condição da existência real do grupo.
dessas mesmas idéias.9
Os intelectuais que participam de tal universo têm a concepção de A luta que opõe os pesquisadores desse espaço acadêmico adota a forma
excelência da universidade a que pertenceram, aquela anterior à acirrada de uma luta pelo poder propriamente simbólico de fazer ver e fazer crer, de
massificação na década de i970. Essa definição constitui como excelentes predizer e de prescrever, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, que é ao
as qualidades apropriadas por aqueles que são socialmente dominantes, mesmo tempo uma lula de distribuição do poder sobre os poderes públicos e
capazes de consagrar sua maneira de ser e seu estado. Sendo assim, é por da administração do Estado (BounDIEU, 1998, p. 174).
isso que o CERRAP comporia este universo como o "instituto conservador de No jogo de forças desse espaço, os dominantes vão assumir várias insti-
um ideal que nos fez civilizados e, por isso mesmo, ideal subversivo diante tuições pertencentes ao Estado, relacionadas ao aparato do ensino superior.
dum projeto intelectual que separa a produção e a intenção de melhorar sua Sendo assim, José Goldemberg, como Ministro da Educação entre 1991 e
própria vida por meio do fazer" (GIANNOTTI, 1989, p. 5). Para esse grupo, a 1992, tem a seu lado, como Secretária Nacional de Educação Superior, a
universidade, antes de 1964, era o lócus da "vida acadêmica como exercício antropóloga Eunice Durham. Ambos já haviam atuado no âmbito da USP,
espiritual que domasse nossas vidas e melhorasse nossas convivências'' quando o primeiro era reitor da instituição e a segunda, assessora para po-
(GIANNOTTI, p. 3). Dessa forma, os agentes que dominam o espaço de lítica universitária, hem como participava de movimentos de reestruturação
produção acadêmica cm educação superior vão estabelecer o jogo, aquele das instituições de educação superior, inclusive ao lado da antropóloga Ruth
Cardoso e do filósofo José Arthur Giannotti, entre outros agentes desse
universo. Paralelamente, Simon Schwartzman atuava em comissões fazendo
8 Braço direito do Ministro da Educaç.âo, Paulo Hcnato Souza (1995-2002), presidente do
lNEP durante esse período e responsável pela reformulação dessa instituição em direção à
produção de informações educacionais, uma das estratégias de dominação simbólica usadas 10 Vale a pena enfatizar mais uma vez a visão do mundo social do grupo, ainda na concep-
pelo grupo dom inank, como .será visto a .~eguir. ção de Giannolti (1989, p. 6): "Os estudos sobre as ideologias mostrarnm que sob o véu das
9. ~ que os caracteriza, ainda, é a representação de pertencimenro exclusivo ao campo teorias mais generalizantes quase sempre se escondem interesses particulares, mas neste
c1enhfico, como explicitado nessa fala de José Goldemberg (2002): "Jamais pertenci a nenhum inorncnto é preciso não esquecer que nenhuma teoria seria montada se nela não estivesse
partido político, de modo que a minha presença no ministério se devia a ra:i:ões técnkas e não embutida uma intenção de vir a ser geral. Na esfera do conhecimento a privacidade de fato
políticas. Jarnais tive qualquer apadrinhamento político, meu apadrinhamento é ter presidido se concilia com a intenção de direito de vir a ser universal. Se esta universalidade é limite a
a SBPC, porl.anto, u111 represcntanl:e legítimo da comunidade científü:a e universitária''. ser assintomalicamentc perseguido, isto é da lógica do próprio conhecimento".
a ponte entre as políticas nacionais de ciência e tecnologia e as tendências de Almeida, José Alberto Magno de Carvalho, Lorene Yap, Pedro Malan,"
internacionais. Pérsio Arida e Simon Schwartzman . Como resultado das discussões foi
Nos an os i990, o grupo passou a contribuir p ara a reestruturação de publicado, em 1986, um livro organizado por Edmar Bach a e Herbert Klein,'~
diversas instituições, inclusive assumindo as direções da CAPES, do f NEP que pode ser considerado um manual da situação da sociedade brasileira, em
(transformado em autarquia em 1997, tendo a estatística e a avaliação como diversos setores. No livro são estudados a população, o emprego, a agricultura,
competências principais), do CNE (que substitui o antigo Conselho Federal a urbanização, a desigualdade social, a saúde, a previdência social e a educa-
de Educação, apropriando-se da função de regulação das políticas educacio- ção, sendo este último aspecto analisado pelo economista Cláudio de Moura
nais), do próprio MEC, que passou por várias reorganizações em direção à Castro.
ampliação de sua estrutura de competências, entre elas a da Política Nacional No âmbito econômico, o consenso expresso pelos organizadores do livro
de Educação, o que reforça a idéia de política pública como sinônimo de pla- e que, grosso modo, anunciam as conclusões dos participantes da conferên-
nejamento, termo este desgastado por seu uso no periodo do regime militar. cia., é o de que o período pós-segunda guerra mundial, com um modelo de
Ressalta-se a existência de conflitos no interior do grupo responsável pela rápido crescimento e de evolução econômica, trouxe mudanças e_strutur_ais
educação superior em relação ao cumprimento do projeto de sociedade da fundamentais para a sociedade brasileira e com importantes transform açoes
elite política gue assumiu o poder. Por exemplo, com a entrada de Paulo sociais. Porém, estas foram ao mesmo tempo profundas e incompletas,
Renato Souza e sua permanência no MEC houve o afastamento de Eunice porquanto os contrastes entre urna sociedade regional e de classes e um.a
Durham dos postos diretos da administração pública, mas não da arena das outra, mais pobre e rural, continuaram marcantes. São unânimes quanto à
discussões em torno das políticas de educação superior. Houve, também, ruptura que esses 40 anos (ou seja, de l945 a 1985) significaram em relação
um conflito entre essa pesquisadora e Bresser Pereira quanto às reformas à "sociedade do passado': no tocante à mudança estrutural básica ocorrida,
no CNPq, propostas por ele, as quais diminuiriam as atuações da instituição, mas que, entretanto, não ocorreram as intervenções necessárias na esfera
conforme as críticas da pesquisadora. Esses exemplos evidenciam elementos so~ial, daí o caráter incompleto das transformações dadas. ·
das guerras palacianas" travadas entre os agentes dessa nova elite política A análise dos autores é a de que as medidas fundam entais <lo governo - a
com os vários espaços sociais implicados na produção e na manutenção do substituição de importações e a manipulação das taxas de câmbio - já ha-
poder sim bólico. viam sido adotadas na década de 1950 e voltariam a entrar cm vigor em 1960
e 1970, sendo que o governo militar tendia a reforçar medidas introduzidas
A DETERMIN:\ ÇÃO F.XTF.RKA AO CA.MPO ACADFMfCO por governos anteriores. A recessão ocorrida entre i981 e 1984 marcou um
NA CONSTRUÇ.í\O D/\ AGF.~DA . retorno ao modelo de crescimento mais tradicional, que imperou no Brasil
no início do século XX, ou seja, com a economia ingressando em uma nova
A agenda acadêmica, que foi imposta nos estudos da educação superior no era de restrições cambiais. Para esses autores, a crise atual repousa sob a
Brasil, nos últimos 25 anos, teve sua provável gênese em dois momentos- ameaça de uma elevada taxa de inflação e de déficits públicos extremamente
chave e em dois universos diferentes, que aq ui são entendidos como lugares grandes; em compensação, a crescente sofisticação da indústria brasileira
neutros (BOURDIEU & BoLTANSK t, i976 , p. 10), ou seja, laboratórios ideológi- facilita a integração do país no mercado mundial, ao mesmo tempo em
cos onde se prepara, por intermédio de um trabalho coletivo, a filo sofi a social que permite uma resposta mais flexível às flutuações da economia mundial
dominante. (BACHA & KLEIN, 1986, p. 18) . O questionamento dos autores prossegue na
O prime iro momento-chave foi a organização da "Conferência sobre direção da inevitabilidade dos resultados desse crescimento, especialmente
Evolução Social no Brasíl desde 1945", realizada na Columbia University, em em termos de conseqüências sociais. Comparam os resultados favoráveis
dezembro de 1984, e patrocinada por esta mesma universidade, pela Ford obtidos em outros países semelhantes ao Brasil, porém, com conseqüências
Foundation e pela lnter-American Foundation. Nessa conferência participa-
ram como comentaristas; Amaury de Souza, Bela Bianco, Ana Lui~a Osório 12 SegWldO Dezalay & Garth (20001 p. i 67), este economista de segunda geração, juntame~t~ a
outros com base na PUC-RJ, usaram a economia norte-americana e a legit imidade da maternalJca
contra o Estado forte e as políticas de Delfim Netlo, nos ano s i970, promotoras de taxas de infla-
11 Conceito usado por Bourdieu e ta mbém nas análises de Dezalay & Garth (2000; 2002 ) que ção relativamente altas. Mais adiante, a crise da dívida externa fortaleceu a pn-sição do grupo.
di~ respeito âs lutas pelos valores relativos dos indívíduos e dos conhecimen to.~ que dão forma 13 Cf. Bacha & Klein (1986). Na época, o conselho edi torial era composto por Antonio Când ido.
e direção ao F.st~do, as quais ultrapassam apenas o controle do Estado. Celso Furtado, Fernando Gasparian e Fernando Henrique C<u:doso.
p.!P'

socia ~s ?1.ais positivas, para demonstrarem a influência das diferentes políti- como resultado dos campos de forças e d e lutas entre os grupos, seu caráter
cas e 101c1at1vas do governo, com maiores realizações no campo social. ideológico continua evidente.
A nova agenda política brasileira apropria-se das políticas públicas como 0
Foram as políticas adotadas ou rejeitadas pelos respectivos governos duran- jogo que merece e só pode ser jogado por aqueles com chances de participar
te o período de rápido crescimento que exerceram papel crucial no tocante desse espaço. Tendo as lutas pelas políticas públicas como o fim pelo qual a
ao bem-estar e à distribuição da renda em cada um deles. O que o Brasil sociedade deve ser mobili7..ada, os conflitos por uma mudança estrutural em
realizou ou <lcLxou de realizar nessa área, portanto, tem a ver diretamente prol de uma sociedade mais igualitária transfonnam-se em um discurso fora
co m as medidas adotadas pelo governo. Muitas delas poderiam ter sido di- de moda. Este é substit uído por outros, que se dão em torno d e quem vai
ferentes e produzir diferentes resultados. Como o demonstra a experiência fazer mais pelos m enos favoreddos, por intermédio das políticas públicas
de países asiáticos maiores e de regime autoritário, nenhum resultado em nas diversas esferas so ciais, mesmo que isso n ão garanta a mudança da
termos de renda e de bem-estar estaria predetenninado .pelas meras dimen- estrutura social que causa as desigualdades. É por isso que questões como a
sões do Brasil, sua rápida taxa de crescimento, seus governos autoritários ou distribuição e a concentração de renda saem da agenda p olítica dos agentes
sua dependência externa (BACHA & KLEIN, 1986, p . 21) . que dominam ou que vislumbram o p o der - mesmo daqueles considerados
mais "progressistas': na classificação ordinári a do termo.
É neste diagnóstico que eles se fund amentaram p ar a avaliar as mudanças Na idéia d e política pública, que se torna obrigatória para os projetos das
estruturais e as medidas governamentais que deram à sociedade brasileira ações do Estado, já está a própria ideologia que a en cobre como ideológica,
contemporânea o seu caráter atual. O tema predominante é a enormidade das visto que ela pressupõe o esquema de uma ação racional e coerente do Estado,
mudanças e a natureza incompleta do p rocesso, justamente p ela falta de politi- nem sempre p ossível nas relações d e forças e de lutas inerentes ao campo
cas governamentais que atendessem à esfera social. Torna-se relevante lembrar da política. Uma representação das decisões políticas, como produtos de
gue os controles da ínflação e do câmbio foram as bandeiras que elegeram estratégias de atores em concorrência pela definição de critérios da ação
Fernando Henrique Cardoso como Presidente da República e que permitiram pública, poderia contribuir mais diretamente p ara o entendimento dos jogos
sua reeleição. ineren tes à imposição e à legitimação d e uma visão de mundo social e de suas
A ênfase da análise empreendida pelo grupo e que merece ser retida, uma implicações na vida prática.
vez que vai prevalecer ~~s anos posteri~res, centra-se nas poüticas p úblicas Na Conferência da Columbia University, a análise em relação à educação
~mo a forma de ~t_u~çao- dos governos por excelência e a luta que será foi empreendida p or Cláudio d e Moura Castro. No tocante ao Ensino supe-
nn~~sta e1~tr~ os vanos grupos em torno do poder para a sua definição. As rior, o d iagnóstico apresentado pelo autor parte de uma crise de identidade e
poht1cas publicas tornaram-se a tônica dos anos i990 e a razão das reformas do conflito nesse nível de ensino, os quais remontam aos períodos históricos
estrutur ais e sociais, signifi cando a necessidade de um governo para realiza r anteriores, desde a formação d as primeiras universidades, e à natureza arti -
tal intuito. Na lógica da elite política, que aspira ao poder nesse período, está ficial dessas mesmas instituições. Segundo Castro, alguns problemas atuais
o pressuposto de que se no governo atuarem pessoas altamente qualificadas,'4 de tal nível de ensino seriam: a uruversidade por decreto e não por vocação;
as ~olíticas implementadas podem propiciar o bem-estar so cial. Isso po de os diferentes papéis desempenhados pela universidade brasileira e o sistema
assmalar a passagem da sociedade d o plan ejamento para a sociedade das de incentivos em cada um; a desprofissi onalização das carreiras profissio-
políticas públicas, com um caráter profundamente mais democrático. Porém, nais; as dificuldades impostas pela situação financeira; a ineficiência das
como a polít~ca é representada por mn projeto de .sociedade que é gestado, universidades brasileiras; a perda de legitimidade perante a sociedade; e a
num deternunado momen to histórico, p elo grupo que domina o poder e politização dos professores e a questão do igualitarianismo, sobre os quais
argumenta que o n ovo ativismo não su rgiu entre os grandes cientistas e
1 membros da intelligentsía d a era anterior, mas sim pelos professores m ais
4 Essa lógica é visível na ascens;io dos economistas como detentores do monopólio para a
claboraça· · ' · d a {1·JV1sao
. . o e difusão do pnnc1p10 · • [cg1t11na
' · du m undo social. Ao lado deles também jovens e de m en or distinção acadêmica.•; Aponta, ainda, a estrutura de p oder
participam cientistas políticos e outros especialistas, denominad os técnico-políticos ou da universidade, sendo composta de três grup os: as oligarquias burocráticas,
1'.Xperts, .porquanlo aliam conhecimento técnico sofisticado com sensibilidade política. Estes
caracter1U1rão a composi<;ào dos go~·emos brasilcü-os desde os anos i 960, acirrando-~ a partir
º· ('.an 11 (20 00; :wo2), De%alay (2004) e, especificamente sobre o
dos anos. 1970· C f· D. cza!·ay "'
5 A mesma idéia de alto d ero e baixo clero aplicada por Gian notti em suas análíses ~obre a
1
. •• . ~l • ""· · --.:--. J', "'"'r'
Universidade brasileira, de~cnvolvidas no mesmC> pcrlodo.


.

os jovens turcos e os igualitários raivosos (mesma dassilicação adotada por


Simon Schwartzman).
As críticas desenvolvidas pelo referido autor cm relação ao ensino füperior
vão se rcfori r à fragilida de da coerência interna das universidades no que
concerne a seus objetivos organizacionais, estilos e lealdades; à centrali1..a-
ção governamental e, conseqüente, controle fede ral; ao m odelo único da
"
'•f

!
1
f
.
articiparam importantes nomes da universidade brasileira, começando
por seu relator, Simon Schwartzman, e outros, como Edmar Bacha - um
~os organizadores da Conferência na Columbia_ Univ~rsit~ - , José Arthur
Giannotti- que realizou uma estada na Columbia Unzversity entre 198o e
19 g2 - , Bolívar Lamounier, José Leite Lopes, ~uiz Edu~r.do Wandcrley, Rober-
to Cardoso de Oliveira, C arlos Nelson Coutinho, Guiomar Namo de Mello,
universidade de pesquisa-considerado um dogm a professado no tocante à
entre outros. '6
universidade brasileira; à nova legislação implantada com a reforma, colo-- Na comissão, o ponto de partida analítico foi a crise vivenciada pelo sis-
cando um novo sistema sobre unia velha est rutura, na qual a exceção são os tema de educação superior brasileiro e que deveria ser enfrentada pela Nova
cursos d e pós-graduação; e, por fim, ao descompasso entre a legislação e a
República. Essa crise será retratada, .aqu i, po~ inter~édio da ?b_jetiva~ào ~a
expansão que se dtí no ensino superior privado.
aralisação, em 1984, das universidades federais, a mais longa v1v1da ate entao.
Ao falar das mudanças que seriam necessárias para mudar o rumo da À greve ficou marcada pela inexistência d e di~c~ssões
no âmbito da socíe~ade
universidade brasileira, Castro (1986, p. 142) aponta prioritariamente que: civil da época e pela ausência de relevo na nudia sobre o problema da umver-
sidade brasileira e sua reestruturação organizacional, que foram agravados no
r... J a estratégia deveria começar com uma tentativa de desfazer () mito período do regime autocrático. Com a possibilidade de retomar discussões
da universidade brasileira. A {)piníão pública e os que lidam com o e nsino propiciadas pela abertura política, as universidades vão impulsioná-las em
superior devem reconhecer o mal que se perpetua através da ilusão de que seu próprio interior, gerando um fator desencadeador de estudos sobre essa
existe uma universidade braslleira. Tndepcndentemcnle da forma como se temática, que serão intensificados no final da década com discussões nas as-
deseje concebê-los, existe nãQ llm mas praticamente tantos modelos quantas sociações científicas e de classe, e, também, estimulando a criação dos grupos
são as inslituiçôes de Ensino superior - e, muitas vezes, a heterogeneidade
de pesquisa. '7 ·
dentro de uma mesma instituição é ainda maior que entre elas. A paralisação das universidades públicas federais foi emblemática ~o
entendimento do conflito, já instaurado no interior do sistema de educaçao
A análise do autor é balizada em dois pontos. No primeiro ele assinala a si- superior e que foi acirrado nos anos seguintes, entre grupos de poder distin -
tuação limítrofe das universidades públicas brasileiras, sobretudo aquelas do tos, marcados por uma hierarquia do poder em homologia a uma hierarquia
sis tema federal, com problem as gue foram agravados continuamen te, com o é do saber. A s questões da época estavam concentradas, entre outras, n a
o caso dos referente~ à estrutura organi7.-acionaJ, à adminis tração e aos gastos, democratização da universidade, n a competência do trabalho acadêmico e
todos apontando para a·ausência de desem penho nesse setor. No segundo, sua avaliação de desempenho e na função social da universidade. Entretanto,
em que se vislum bram os novos caminhos·para a educação sup erior, refere-se os problemas de fundo referiam-se às mudanças ocorridas na instituição
ao ensino privado e à necessidade de se observar o que está acontecendo em universitária, durante o período de autoritarismo, e que conformaram uma
tal segmento, como a realidade do sistema de educação superior atual, cujas determinada estrutura de organização universitária, sendo aceita ou rejeitada
principais vantagens são: a diversidade dos modelos institucionais para o conforme os grupos de poder atuantes nesse momento e nesse universo. Des-
atendimento dos diversos públicos e a criatividade ao fazê-lo; o custo menor sa forma, o conflito era pela imposição de uma nova maneira de ver o mundo
para a formação do aluno; a administração mais flexível e, portanto, mais social, com interesses diversos e conflitantes. A partir disso, um de seus pro-
orgânica e eficiente; o descolamento entre a pesquisa e o ensino; a pesquisa tagonistas foi o professor José Arthur G iannotti, cujos artigos produzidos no
como prestação de serviços, contribuindo para o aumento da rec~ita da insti-
tuição; a busca de fontes alternativas de sustentação; e a produção de serviços
e de produtos em escala comercial. 16 Os outros membros da comissão foram: Caio Tácito, presidente da comissão, Amílcar
Tupiassu, Clementino Fraga filho, Dom Lourenço de Almeida Prado, Eduardo de Lamônica
O segundo momento-chave identificado na gênese da construção da Freire, remando Jorge Lessa Sarmento, Francisco favier Alfaya, Haroldo Tavares, Ja1r ~creu~
agenda diz respeito à organização de uma comissão nacional voltada à ela - dos Santos, Jorge Gerdau Johanp eter, Marly Moisés Silva Araújo, Romeu Ritter dos Reis, Ub1-
boração de uma nova política para a educação superior brasileira: a chamada ratan .Borges de Macedo e José Eduardo Faria. , .
"comissão dos notáveis''. Esta foi instituída em 1985 pelo então presidente 17 Nos Capítulos 4 e 5 pode-se conferir os períodos de maior produção academ1ca e da
José Sarney e pelo Ministro da Educação Marco Maciel. Dessa comissão criação dos principais grupos de pesquísa na temática, concentrados a partir do final dos
anos 1980.
período geralmente polemizavam com o movimento. doc~.nte, tanto na USP signíficam apenas ônus ou sacerdócio. Mas convém desde logo ter em
como em âmbito nacional na ANDES (atual ANDEs/SN). Entre as propostas mente que se os grupos começarem por declarar suas intenções políticas,
elaboradas p~lo professor, representativas da perspectiva de todo um grupo estão propondo uma política da negociação, onde o poder deixa de ser a
de professores em torno da USP e de outras universidades de alto prestígjo encarnação dum bem comum abstrato para o exercício dum acordo feito
acadêmico, está a autonomia universitária, ligada à avaliação de desempenho ad hoc (GlANNOTl'l, 1984, p. 41).
da institujção e dos docentes; à valorização de certas forma s universitárias,
entre as quais a defesa de doutores em seu corpo professoral, com o forma A idéia explícita é a d e que há p essoas, organizadas em grupos específicos,
de garantir a autonomia no en si no e na pesquisa, uma vez que este é o único que podem elaborar um p rojeto d e sociedade e realizá-lo com a chegada ao
grupo capaz de exercer o poder acadêmico, entendido como a capacidade d e poder por intermédio da representação política. Encontra-se nessa proposta
conformar comportamentos e reforçar a vida acadêmica, sendo necessário, a concepção de uma filo sofia social, elaborada sob a orientação de uma
para tal, a democracia, desde que percebida como um processo permanente teoria e por pessoas distintas, as quais poderão levar a termo uma visão de
de negociação com o s representantes dos poderes existentes (GIANNOTTI, mundo social. Porém, esse grupo deveria exercer uma função de distinção,
1986a; i987; 1989). no sentido de afastarem-se de outros m enos preparados e menos dotados de
Uma concepção de vida acadêmica é explicitada na distinção de Giannótti competências para tal tarefa -'~ o baixo clero. O grupo legítimo para desem-
entre os ~'sabidos" que, com a transformação do saber no uso de uma qualifi- penhar tal papel seria o dos intelectuais ou acadêmicos que, tendo vivido
cação monopolizada, são aqueles que abusam do uso dessa qualificação e do a universidade dos sábios, aquela que entende o saber como um modo de
monopólio de um saber imaginário, cujos efeitos podem passar despercebidos vida, teria todas as ferramentas para elaborar e realizar o projeto de mundo
(GIANNOTTl, 1984, p. 37), e os "sábios': amigos da sabedoria autêntica e do social. Se estes acadêmicos foram perseguidos, expulsos da vida acadêmica
saber como forma de vida. Ess.a separação é correlata de uma divisão do ou obrigados ao ostracismo, mesmo que nã o tenham sido ativistas de uma
trabalho intelectual, em que os "sábios" são tomados como aqueles que fazem causa social,'9 era porque tinham possibilidades de fazê-lo e algo a dizer-o
um trabalho efetivo e os "sabidos': como aqueles que fazem do trabalho um alto clero.
faz de conta. Nesse texto Giannotti, na época presidente do CEBRAP, fornece O discurso produzido nesse embate assume a forma de uma linguagem
muitos elementos que refletem a concepção do grupo que vai compor uma performativa (BouRDIEV & BOLTANSKI , 1976), na qual, se existe uma
nova elite de poder nos anos 1990, .centrada no governo Fernando Henrique ciência política ou uma política científica, o único futuro é o da ciência
Cardoso e, mais especificamente, no grupo ligado à educação superior. Há a que pertence aos mais competen tes, justificados no seu monopólio da
confluên cia entre as proposições pretensamente ligadas à universidade e uma política p or seu monopólio da ciên cia. Essa idéia vai en cerrar a produção
visão de mundo social qàe vinha sendo forjada entre uma elite de intelectuais de uma ideologia que terá corno base um tipo de ciência, não como forma
provenientes de um universo social bastante homogêneo. l de representação dentre outras, mas como a única representação legítima
O autor, ao analisar os movimento s políticos das classes m édias, afirma • do mundo social, uma vez que é produzida pelo único grupo também
que dentro das ondas de renovação por que passa a política moderna, uma legítimo. Ao analisar a ciência econ ômica como science royale, Bourdieu &
delas pode se realizar se for orientada por uma "teoria política correta': que
é a do enfrentamento dos problemas de representação e a do abandono do
1
l . .
Boltanski (1976, p. 48) afirmam que esta - e depois de maio de i968, tam-
bém a ciência social - vai definir o universo do pensável e que, portanto,
mito da sociedade tran sparente. A primeira idéia é a de que há, ainda, na i .. ela é política na medida em que, sob a aparência de enunciar o ser, anuncia
universidade, grupos interessados cm um trabalho efetivo. o que deve ser. E, ainda,

Se os grupos dinâmicos da universidade, interessados cm ensinar e pes- [... ] conçu et appliqué par dcs gens qui, ayant exdu tout changement radi-
quisar bem e prestar bons serviços à comunidade, se organizarem desde cal d'axiomatiquc, sont convertis à J'idée qu'en maticre de polítique, comme
logo como um grupo político, propondo-se um projeto de universidade
nova e tendo e m vista o objetivo claro de chegar ao poder, ela passará por ~ 8 Especialmente aqudes ligados aos movimt:nlos sociais de origem cm sindicatos e assoda·
.~8 de categorias profissionais diversas, inclusive a dos prnfcssorcs universitários.
um período de profunda reformulação. É preciso, porém, desde logo, que
tais grupos compreendam que sem chegar ao poder da universidade nada
·. t O ~upo mencionado não era o dos intelectuais militantes cm partidos ilegais na época
: ade«:gtme m1htar. Eram os pensadores q ue, mesmo apropnando-se das teorias marxistas, uão
poderão fa:r.er. Vamos acabar com essa mistificação de dizer que os cargos · riam a elas como doutrina para ações políticas.
en d'autres temps en maticre de morale, il suffit de bíen juger p our bien faíre,
Ir póteses para estudos que revejam as próprias can onizações reinantes nessa
que le ur scicncc cst politique e t leur p o litique scicntifique. 'º
fF~r. disciplina. Aqui, o interesse é simplesmente mostrar como há inter-relações
entre esse último grupo e aquele que vem a dominar o espaço d e p rodução
Sendo assim, é propositadamente que o próprio Giannotti (1984) se refe- acadêmica em educação superior no período analisado.
rirá aos economistas como aqueles únicos capazes de verem a crise que afeta Da mesma forma, tal atrelamento é a constatação de que nas discussões
a sociedade e sobre a qual a universidade está calada, e a UNJCAMP como a sobre a universidade há a possibilidade de depreender a elaboração de uma
única universidade com demonstrações nesse sentido. 21 Convém lembrar que visão do mundo social. Entretanto, esta não é colocada em causa, mas sim as
os economistas tiveram participações importantes na conformação de uma especificidades da instituição universitária e os vários discursos daí d ecor-
visão de mundo social emergente no período. Essa concepção centrada em rentes. Tais embates tendem a simplificar e a escamotear a relação entre visão
u.m tipo de ciência, como método de percepção e de ação política, vai acom- de mundo social e universidade, Llln<l vez que contribui para a produção de
panhar o grupo independentemente dos espaços sociais implicados. uma ideologia do mundo social que é legitimada por intermédio do discurso
2
O grupo/ ao qual o próprio Giannotti é um tipo ideal. é aquele da antiga produzido sobre esse universo acadêmico.
Maria Antonia, o mesmo dos estudos interdisciplinares em torno d'O Capi- Em relação à comissão "dos notáveis': três idéias básicas revestem o
tal, realizados entre 1959 e 1964, o mesmo que qualifica os intelectuais do Rio . teor de suas proposições. Primeiramente, a saída d e um modelo único de
de Janeiro, no mesm o período, como menos dotados de compostura acadê- universidade, aquele da. universidade clássica tradicional. Tomando como
mica, os contrários ao "sincretismo" de Florestan Fernandes, o mesmo que parâmetros .a diversidade do sistema e a diversidade do público, o Relatório da
toma os intelectuais de 1930, em torno da USP, como aqueles com a tarefa de "Comissão dos Notáveis" sugere o imperativo de diversificação dos modelos
criar uma intelligentsia, ou melhor, como um grupo dotado de objetivos cla- institucionais. 2:• Para tal, é preciso que haja o reforço na questão da autonomia
ros e relacionados com outras forças sociais, ou com tantos outros esquemas acadêmica, administrativa e financeira para todas as instituições d e ensino
classificatórios que foram cunhados e legitimados no universo acadêm ico superior brasileiras, públicas ou privadas, e o fortalecimento da democracia
das Ciências Sociais brasileira. Todos esses elementos podem servir de hi- interna, tendo como contrapartida a responsabilidade pelos resultados obti-
dos e a necessidade de desempenho eficiente, que seria medido pela avaliação,
o próximo ponto levantado. Ainda em relação à autonomia, seu aspecto mais
20 "[ ... )Concebida e aplicada por pessoas que, tendo exdufdo toda mudança radical axiomá-
relevante é o estímulo à criação de instituições inovadoras e revolucionárias
tica, rnnverk ram -se à idéia de que em matéria de política (como em outros tempos cm matéria
de moral} é suficiente julgar bem para fazer bem, que sua ciência é política e sua política do·prisma acadêmico, científico e administrativo, objetivando mecanismos de
científica" (tradução da autora). auto-gestão, que devem ser livres de controles burocráticos e rotineiros e gozar
21 Dessa instituiç.ão d~stacam-sc os economistas José Serra e Paulo Renato Souza acadêmicos de liberdade também em sua politica de pessoal, comportando a fl exibilidade
aluantes no campo polítiro brasileiro, principalmente a partir dos anos 1990. ' na contratação de professore.e; (MEC, 1985, p. 21).
22 Essa idéia de grupo e as oposiçôes q ue ela engendra em termos de uma vi.~ão de mundo
A necessidade de acompanhar e avaliar o desempenho na educação superior,
social e sua aplicação .~ão reforçadas nos anos seguintes com a consolidação do governo FHC
e seus mernbro.~. Em entrevista sobre as eleições presidenciais então cm curso, o próprio
que perpassa vários itens, como a gestão e o controle social da universidade, o
Giannotti fornece alguns elementos para a compreensão desse universo (GAU l>cNZI, 2 002): financiamento e o corpo docente, é o segundo ponto enfatizado. A avaliação
"Probablcmente, si lo que pretendemos es el mayor rigor científico posíble, de ninguna de las é entendida pela comissão como um processo político, que exige um trabalho
dos cosas. Porque el Lula, virtual ganador, no es el Lula de siempre. "El barbudo simpatizan te . tecnicamente perfeito, mas legítimo por parte do sistema de educação superior
de la l<evolución Cubana y cnemigo acérri.m o de los Estados Unidos y el FMr no existe más, e pela opinião pública implicada. As modalidades que devem ser mo~ivo
aunque conser ve la barba'. 'Él, como el resto de los candidatos, se movió al ce11tro'. y porque
de avaliação comportam: os cursos; os alunos; os professores; as atividades
el verdadcro perdedor de estas elccciones no será José Serra. Ni siquit:'ra remando Henrique
Cardoso. Sino e! modelo neoliberal que en la úllima década impusieron los economistas de didático-pedagógicas de ensino; os servidores técnicos e administrativos; e
la Pontificia Universidad Católica (PUC), de Río de Janeiro, con el ex-presidente dei Banco as carreiras. A tarefa de avaliar deveria ser do Conselho Federal de Educação,
Cenlral, Gustavo Franco, a la cabeza. "Serra participó en el gobierno de Fernando Henrique
Cardoso desde un princípio, pero é! siempre fue critico de la polítka económica. f l sicmpre · 23 Proposição que se demonstra latente, pois apesar de discutirem recorrenlemt·ntc a 4u~stão
inlcntó una política más vinculada al mercado interno; una polítka de fomento industrial e citarem as un ivc·rsidadcs confessio nais como exemplo, elegem o trinômio ensino, pesquisa e
Cardoso, a ral1. de su opción por el equipo de la PUC, se inclinó por cl neoliberalismo, en extensão como parâmetros para a organização universitária. Contudo, no decorrer da década
con tra dei pcnsamiento de Serra. Es esa política económica la que se agotó. y tal vez Serra no de 1990, o trinômio é desfeito nas di.~cussóes promovidas nos diversos setores envolvidos com
supo diforendarse a tiempo y claramente'''. a problemática.
mas contando com a estrutura de renovaçã o sugerida pela Comissão, qual seja, superior; fortalecer a pesquisa científica e a pós-graduação; e ajustar o ensino
a de fürnr as diretrizes a serem executadas e a de estim ular outros órgãos em de graduação às necessidades presentes e futuras do pais. ·
sua execução, como o MEC, as universidades, as instituições e as equipes in - O léxico inerente ao relatório da comissão in clui palavras-chave como: de-
depen dentes. Como estratégias são sugeridas a auto-avaliação das institu ições mocratização, liberdade, a~tonomia, qualidade, desempenho, avaliação, gestão
de ensino superior; a avaliação governamental; a avaliação pela comunidade universitária, comunidade acadêmica, universidade de excelência, entre outras.
acadêm ica ou ligada à profissão; e as avaliações indepen dentes, feitas por Estas demonstram a função de categorias form ais de percepção e apreciação,
instituições autônomas em relação ao espaço governamental, à comunidade n a m edida em qu e são aplicadas aos mais diversos dados da educação superior
p rofission al e às universidades. e atuam na produção desse objeto sob a aparência de descrevê-lo.
E, por último, tem-se a questão do financiamento centrada na obtenção O processo de abertura política e democrática da sociedade vivido no país
de resultados e no desempenho, reladonan do-a à autonomia e à avaliação. A n ão permitiria a implantação de políticas de cima para baixo, sendo necessá-
responsabilidade do poder p úblico pela educação superior foi estabelecid a rio o uso de estratégias que pudessem implem entá-las com o aval de outras
como um princíp io da nova política. AoEstad o cabe financiar os setores mais esferas e que garantissem a realização de seu interesse. Segundo Bourdieu &
significativos da pesquisa e do ensino universitários, garantir a liberdade de Boltanski (1976, p. 145),
ensino e apoiar financeiramente as ink iatjvas educacionais de origem privada,
bem com o aprim orar a. q ualidade da ed ucação superior em tod os os seus [.. . ] à la façon çle la regle selon Weber, le plan n'agít que si l'intérêt à lui
aspectos e modalidades institucionais. Para atender a tal princípio, sugere-se obéir lemporte sur l'intérêt à lui désobeir. II doit son efficacité au fait qu'il
a utilização de recursos públicos par a fin anciamento de estabelecim entos est Je discours dans et par lequel la nouvelle classe dominante s'annonce
particulares, de reconhecida qualidade e d e interesse social; a expansão do à elle-même son intérêt, cet intérêt bien compris qui est la seulc loi d'une
sistema d e bolsas para o ensino privado; e o aumento do crédito educativo polítiquc ratíonelle.'•
para os estu dantes d a educação sup erior pública. Segundo o Relatório da Co-
missão, há n ecessidade d e reduzir custos por aluno e tal redução com eça pelo Dessa forma a comissão n ão propõe u ma nova lei da reforma,
quadro de professores.- nem todos precisam de tempo integral, só aqueles
que trabalham efetivam ente com pesquisa -. passando pela in fra -estrutura hcou claro, desde o in ício, que não existem fórmulas salvadoras; por isto,
de serviços, ambos os fatores a serem analisados para se estabelecer critérios não faria sentido propor uma nova lei da refo rma, que simplesmente subs-
para a dotação de recursos orçamentário,~. tituísse a de 1968. O importante é que se de::;cncadeie um processo de ampla
D e forma geral, a concepção da Co m issão pode ser entendida como a discussão e mobilização em torno dos grandes problemas do ensino supe-
abertura do sistema q ue, com a d iversifi cação dos modelos institucionais e a rior, do qual resulte uma nova política que possa ser conduzida com amplo
autonom ia das instituições, interna e externamente, possibilitaria a saída do apoio da comunidade universitária e do resto do país (MEC, 1985, p. 5) .
jugo governamental e a liberdade de ação, visto que quanto m ais diversifi cado
o sistem a, m ais difícil a tarefa d e centralizar parâmetros un ificadores. Daí Uma das m an eiras de esse discurso tornar -se eficiente seria o uso d a
o papel d o Estado q uanto ao controle, por inte rmédio da avaliação, e ao cooptação daqueles que estivessem envolvidos n a universidade ou q ue dela
fin an ciamento da educação superior. Porém, a rigidez nessas duas funções .
~
participassem - pesquisadores, professores, en tidades, comunidade. Por isso
. i
é atenu ada, considerando-se que a avaliação poderia ser desempenhada por a decisão de n ão se propor uma reforma do sistema - o que geraria polêmicas
várias instituições, n ão s.omen te pelo governo, e seu financiam ento ocorreria imensas, capazes de inviabilizar o mínimo de mudanças-, mas realizá-la por
de for ma indireta às instituições particulares, ao aluno, o que enfraqueceria a ~ .. intermédio de algumas estratégias. A primeira, elaborando políticas e implan-
,.. .
ingerência do Estado na instituição. No caso do ensino público, a autonomia ~

.~
tando-as. por m ediação d a S1::su - é unânime o uso dos decretos-lei na década
finan ceira das universidades tamb~m propiciaria essa flexibilização nas ações ' .. de i990 em relação às políticas d e educação su perior. Em seguida, mobilizando
~:
desenvolvidas. ;· .
As propostas para a n ova u n iversida de, também sugeridas pela Comis-
são, enquadram-se nos seguintes eixos: reformular o .Conselho f ederal d e
.i ·.·..:{?.: 24 "da mes ma forma que a regra para Weber, o plano [projeto, lei} somente produz eft:ito se o
Educação; consolidar a autonomia e a dem ocracia interna das universidades; ·
alterar os mecanismos de fin anciamento; democratizar o acesso à educação·
li interesse a lhe ob edecer suplanta o in teresse a lhe desobedecer, uma vez que sua eficácia reside
no fato de que é o discurso no e pelo qual a "º"" classe dominante anu ncia para ela mes ma seu
interesse, interesse esse que é a única lei de uma política racional" (t rad ução da autora).
a "comunidade acadêmica': Como muitos pesquisadores possuem redes de
relações com o governo ou assumem cargos no governo federal, uma estratégia
rr
'
deste para reforçar sua posição no cenário nacional. Com trajt:tória exemplar no
campo científico das Ciências Sociais, desde cedo se envolveu em pesquisas refe-
eficaz seria colocar uma concepção de sistema de educação superior como rentes ao desenvolvimento econômico brasileiTO e latino-americano, às políticas
parte da agenda acadêmica, ou melhor, tornando essa agenda decididamente governamentais e à ciência no Brasil: Se:1 livro sobre.ª for~ação .~ª c~muni.da~e
política em vontade acadêmica. Para tal, um trabalho de uso social do aparato científica nesse país tornou-se referencia para a soc1olog1a da c1encia bras1le1ra.
acadêmico precisou ser mobilizado, por meio da utilização dos argumentos Sua trajetória também foí balizada por uma forte circulação internacional,"6
acadêmicos, do tempo, dos debates com os pares e das pesquisas aplicadas, começando com a América Latina e fortalecendo-se em instituições acadêmicas
para tornar uma idéia-força em realidade inelutável. Essa estratégia relacio- dos Estados Unidos e da Inglaterra.
na-se com o perfil da elite dominante no período, qual seja, a de intelectuais No Brasil, Simon Schwartzman atuou em díversas in stituições universitá-
atuantes e saídos do universo acadêmico. rias, àssumindo, também, postos estratégicos no Estado, nos quais se destaca
sua participação na FINEP, que desempenhou o papel do MCT criado so-
Ü ALTO CLERO E A ELABORAÇAO DA A.GENDA -A DIRF.TRJZ mente em 1985, a partir do final dos anos 1960 e durante a década seguinte.
A FINEP é um órgão de suma importância para o financiamento da ciência e
Os elementos expostos anteriormente permitem compreender os fatores da tecnología no Brasil, tendo sido responsável pelo provim ento dos recursos
externos ao ambiente acadêmico que influenciaram a produção da agenda para a implantação do sistema de pós-gradu ação e para a expansão e conso-
acadêmica em educação superior. A agenda foi gerada no espaço des enjeux lidação do sistema.de ciência e tecnologia no país. A partir da última década
politiques e por ágentes determinados, sendo transposta por estes ao universo de i990 intensificou-se o financiamento da tecnologia e da inovação em
específico da educação superior. Tais agentes têm como padrão o pertenci- parcerias com o sistema produtivo. Outra atuação importante do pesquisador
mento ao alto clero, o qual exprime a composição do poder por uma elite, foi no IBGE, instituição responsável pela produção de estatísticas sobre a si-
cuja distinção se dá pelo uso de propriedades acumuladas de vários tipos, tuação social brasileir a, que vai adquirir importância crucial para a realização
constituintes de um novo modo de dominação. Essas propriedades diversas da filosofia social domin ante, haja vista o uso da previsão estatística para a
são, sobretudo, objetivadas na detenção de um capital cultural de espécie conformação de um tipo de sociedade ao qual se almeja implantar e tornar
particular, ou seja, aquele produzido no espaço acadêmico, em um dado "naturalizada': Bourdieu & Boltanski (1976, p. 148) assim se referem ao fatalis-
período de sua história, na vanguarda de seu desenvolvimento. Mas, também, mo do provável, que é o princípio dos usos ideológicos da estatística, tendo
pelo capital social que é pertinente.à rede de relações estabelecidas durante a por efeito fazer esquecer que o conhecimento do mais provável é também o
trajetória de formação acadêmica e profissional, principalmente marcada por que torna possível, em função de uma outra intenção política, a realização
um tipo de drculação internacional. do men os possível: a ciência das tendências estruturais. Esta vai comandar o
Os integrantes do Nui>Es, principalmente Simon Schwartzman e Eunice sucesso das ações políticas, na medida em que possa dirigir os possíveis. O
Durham, exemplificam o uso dessas du as diferentes espécies de capital no uso ideológico da estatística assume a função de dotar os homens políticos
trabalho de imposição, tanto da agenda política como da acadêmica no do conhecimento da estrutura, porém esse conhecimento não muda as ações
espaço de produção ein educação superior. Ao mesmo tempo, são vistos
como produtores de um discurso dominante sobre o mundo social, ao lado 26 ~ essa circulação que permite a sua posição acadêmica também nos Estados Unidos e o
de outros membros do alto clero. diálogo com os pares pertencentes àquele un iverso. Dessa forma, é interessante destacar como
Em relação à educação superior, o pesquisador Simon Schwartzman esse. pesquisador é visto em tal ambiente. A lílulo de exemplo, trm debate snbrc a questão cul-
configura um caso típico do expert na área,25 representando a visão brasileira turál entre Simon Schwartzman e Richard Morse, no q ual este vai assim se referir às posições
de Simon: "os seus heróis aparentemente são na maioria cientistas dedicados (sociais ou não),
da:educação superior no espaço da expertise internacional e utilizando-se com Ph.D.'s de respeitáveis universidades ocidentais. [ ... ] Sua profissão de fé exprime a con-
. fiança na capacidade técnica e cíentífica dos sistemas educacionais e na produção em massa de
25 Ultimamente atua como consultor internacional nas áreas educacional e social e é dircto r- Ph.D.'s para aliviar a doença, a fome e a catáslrofe ambiental. [ ... ] Sua posição pessoal parece
presidence do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETs), instituição privada e .sem enyolver a atração por uma tecnoburocracia modernizante que recusa o rótulo de corporati.vís-
fins lucrativos que desen'loive diagn ósticos e a\•allações na áre-.r <le desenvolvimento social vol- ta, m as que, apesar de uma vaga simpalia pela democracia, ainda não está disposta a solicitar
tados para a formulação de políticas públicas. Posição semelhante a do eronomista Cláudio de o contato direto com as massas. Abrir espaços para o povo a esta altma seria. segundo ~le
Moura .Castro, cujas ações se direciõnam para a educa.ção em todos os n íveis e para questões pres~ente, fechar as portas para a democracia, corn o abandono do dcsc1wolv1mento· m· d ustrial
de· formação para o trabalho. · e a inibição da pesquisa em ciências sociais" (J\·foRsn, 1989, pp. 168-173).

J.o
políticas. Isso p o rque os h omens políticos não querem nada mais do que já """' sua notoriedade dentf fica no universo nacional, aliando trnnfos em relação aos
está implicado na estrutura, visto que o provável n ão aumenta as chances ~ . outros agentes, até do mesmo grupo. Estes elementos reforçam a sua posição
do possível. A utilização das estatísticas sobre a situação social brasileira l · distinta, chegando a p ossuir uma p osição profissional nos Estados Unidos e a
também se dará no m ercado internacional, con firmando tendên cias feitas ~ participar d e espaços transnacion ais de pro dução de conhecimentos técnicos
em outros espaços de dominação sim bólica ou aju dando em sua elaboração. .r sobre a educação superior.
As estatísticas cm relação à educação também são reforçadas, dai a própria , A p osição de Eun ice Durham, diferen tem ente da posição do agente anterior,
reformulação do lNEP para atin gir ta is objetivos. ( está vin culada às estratégias nacionais de imposição de um a diretriz única de
Schwartzm an tam bém tem imp ortância est ratégica na composição e na i enten dimento da educação s up erior brasileira. Com menor circulação no pla -
força que o Núcleo de Pesquisa ass ume, visto que escap a do estereótipo da l 00 internacional, particip ou diretamente de altos postos do governo federal,
dominação representada pela usp•; - apesar de nela ter atuado - e por seus t como secretária nacional de educação superior, secretária nacional de politi-
quadros, p ois de vem de Minas Gerais e tem posição acadêmica assentada n o cas públicas e presidente da CAPES. Sua t rajet ória acadêmica é demarcada pela
Rio de Janeiro, ao mes mo tempo em que possui um capital internacional de realização dos estudos em Antropologia na USP, onde se encontrou com Ruth
competências e de relações capaz de ser mobilizado no esp aço de poder bra- 1 . Cardoso, sua orientada de doutorado. Tendo como interlocutores legítimos
sileiro. Seus estudos em relação à educação superior não dispensam análises José Goldemberg, Ruth Cardoso e José Arthur Giannotti, a pesquisadora
que clamam o rigor acadêmico e o poder de argumentação científica, todavia f entrou em conflitos com o movim ento sindical da USP. Desde então, envolveu-
estas análises assumem um papel de convencimento dos pares para a causa d a se com os estudos da universidade brasileira, passando a porta-voz do grupo
qual ele é um dos porta-vozes. Dessa forma, ele dissimula o papel de delegado político dominante, para as reformulações do sistema de educação superior,
de um grupo, impondo o esquecimento ou a ignorância do comando por ele · nos anos t990. Inclusive, assu m iu maior visibilidade no espaço acadêmico
exercid o. A função de porta-voz é que lhe permite, entre outros, afirmar que nacional da temátka, apesar de apresentar produção acadêmica menor em
há "um a revolução silen ciosa não somente na educação m as em várias áreas, comparação à de Simon Schwa rtzm a n. Participou mais diretamente da
que, em conjunto, p oderão dar ao país uma nova e significativa inserção no . própria ANPOCS, de seminários e congressos nacionais na área acadêmica,
m u ndo contemporâneo. Na educação superior é preciso olhar o que está paralelamente aos encontros patrocin ados pelas associações de educação
ocorrendo com mais profundidade, p rocurar identificar os sinais positivos superior privadas e por empresas d e consultoria educacional, no âmbito d as
d e m u dança e t rab alhar a p artir deles para torná-los m ais reais e efetivos" disputas emin entemente p olíticas em relação à questão da educação superior.
(SCHWA R.TZMAN, 2000, p. 18), isso q uando se refere às tran sformações im - Esses elemen tos reforçam a anál.ise d a construção de um novo espaço
plantadas p elo govern ~ que ajudou a compor. de poder, em que experts em governab ilid ad e, pertencentes a um m ercad o
Ao analisar a construção de um m ercado p ara os produtores de saberes de internacional, imprim em d iretrizes p olit icas n o âm bito Jocal, atuand o ao
Estad o - aqueles relativos à regulação e à governan ça-e de um m er cado de lado e com o técnico-políticos, provenientes do universo acadêmico e cien -
importação- exp ortação simbólica desses saberes, Dezalay (200 4 ) assevera que tífico nacional. O capital acadêmico adquire um papel central n essa batalha,
os experts ou consu ltores internacionais são o produto de toda uma h istória de servindo de caução e de legitimid ade p ara as ações políticas práticas, bem
comp etição in ternacional dos saberes de Estado, sendo aqueles os herdeiros como o capilal social acu mulado durante a t rajetória de formação acadêmica
d iretos ou, m ais precisamente, os sucessores e concorrentes dos juristas e d os e profissional dos agentes e pela circulação d estes n o mercado internacional.
missionários que serviam de intermediários ao poder colonial. Dessa maneira, Na busca de legitimidade p elo Estado, as estratégias dos agentes dire-
Simon Schwartzm an apresenta o perfil adequado ao mercado d a expertise in- . cionam-se para a inserção em um mercado internacional de conhecimento
ternacional, desde sua fo rmação acadêmica, na área de administração pública técnico, dominado pelos Estad os Unidos e suas instituições legitimadoras
e política, passando p elo acúmulo de competências acadêmicas e língüíslicas, (DEZALAY & GARTII, 2000, p. i64). O un iverso dos produtores em educação
dadas pela precocidade de sua trajetória no âmbito internacional e, ainda, por superior reforça essa análise, como é possível observar no Quadro 2 a seguir.

17 A ü SP, com urnen tc tomada como respon sável pela formação das elites dirigente.ç do país,
deve ter seu papel relativi7.ado, haja vista que .só assume função de d istinção p ara alguns atores,
_j ustamente aqueles com circulação em outros espaços sociais capazes <le reforçar seu peso
distinti vo.
Quadro 2 Circulação i12ternacional dos pesquisadores.
P•~•lrisa4or/çirculafão Estados Unídu - -- i- - - --f>n-M
- pa_ls_es_· - - · - lítica da agenda, esta acabou sendo utilizada como agenda acadêmica única,
com a produção dirigida para corroborá-la. Isso reforça o trabalho simbólico
SctrNartz:mn F.ccte Pr?.licp.1e oo Ha~les f:ioo.:s; Sll-edist1
Colleii!u'll; S:. A~lhimy's/lhl<ir·~ de reconhecimento do objeto acadêmico pelos pares, o que propici ou a legiti-
Dur:iam mação da concepção por ela determinada.
Illinois; i'ri11c3•.:r·: SL'.iroford: WootlrowWilsui: U~;vf.rSi~3de de Paris: lo:crto
Nas alianças feitas pelo grupo representado pelo NUPF.S podem ser identi-
.O;::risXI ficados muitos dos participantes do próprio Grupo de Trabalho da ANPOCS,
coroo é o caso de Clarissa Baeta Nevcszt1 e o próprio grupo de pesquisa da
UnB, o NESUD, do qual participa, sobretudo, o pesquisador Carlos Benedito
O ~rupo dominante do espaço de produção acadêrnica em educação Martins. que desenvolveu muitas p esquisas de caráter aplicado na área da
sup~:ior monta t.1m aparato acadêmico para realizar estudos e pesquisas da si- educação superior e, principalmente, em relação à pós-graduação no Brasil.
tuaçao ge~al do sistema de educação superior e de sua avaliação, analisando-o Esses pesquisadores passam a legitimar a agenda do NUP ES ao utilizar a
tant,o. nacio~almente quanto em estudos comparativos com a situação da mesma agenda acadêmica que imporia uma concepção do sistema de Ensino
Amenca Latma. Em seguida, a pós-graduação, sendo um sistema autônomo superior e gue auxiliaria na implantação de politícas públicas para o setor,
em relação à edu~ção superior, e a profissão acadêmica também vão compor apesar de haver, entre seus membros, divergências quanto a posições político-
a ,agenda d: pesqu1sa.s do grup~. A ên fase i:ecai na produção de dados, ou seja, ideológicas em relação ao sistema de educação superior e a relação deste com
na ~roduçao da realidade conforme os interesses da visão de mundo social o Estado.
foqada. pelos agen:e~. Essa estr~tégia acadêmica é imbuída de uma lógica
e~pre~sa~nente ~oht1:a, qual seJa, a da realização de uma ampla avaliação APOSIÇAO CONTRA -HEGEMÔNICA f\ O ESPAÇO ACADÊMICO
diagnos~1ca da s1tuaçao da educação superior (e depois do sistema de pós-
graduaçao) para .posterior e concomitante i:eforma do sistema. O próprio Um grupo que poderia se contrapor ao dominante, em função das proprie-
Schwartzman assim se refere quanto a essa situação: . dades de alguns de seus agentes, em relação ao capital cultural, apresentarem
elementos semelhantes - falam de um 111 esmo patamar-, aparece na segunda
O Brasil já passou do t~mpo das reformas educacionais de primeira geração, metade da última d écada de 1990, tendo como protagonista um cientista
e~n que tudo se resum.1a a tratar de conseguir "mais" de tudo_ escolas, pré- politico e outros pesquisadores de disciplinas diversas, todos com forte par-
d10s, professores, eqmpamenlos e, sobretudo, dinheiro. Estamos vivendo ticipação em esferas universitárias locais. O CIPEDES constitui-se como um
os pro~le~1as de segunda geração, que requerem uma avaliação cuidadosa centro interdisciplinar e virtual, com sede no Instituto Latino-americano de
das pnondades dos investimentos que já existem; e estamos iniciando a Estudos Avançados, na UFRGS. Seus membros mais destacados são Hélgio
~~pa mais ~ecisiva e fundamenta l, as reformas de terceira geração, que Trindade (ex-reitor da UFRGS, atualm ente ex-presidente da Comissão
cxig~~- reexame p~ofundo dos pressupostos culturais, institucionais e pe- Nacional da Avaliação da Educação Superior e membro do CNE), José Dias
dagogicos que presidem o funcionamento de nossas instituições de ensino Sobrinho (ex-pró-reitor de Pós-Graduação da U:-rICA MP, ex-presidente da
(SCHWARTZMAN apud GJAMllJAGI, 2004, p. 214). Comissão Especial de Avaliação da SEsu que elaborou o SINAES, atualmente
presidente da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior e editor
Essa mesma agenda pode ser identificada como - d da Revista Avaliação), Dilvo Ristotf (atual diretor de estatística e avaliação da
- d · compon o as preocu-
paçoes o GT Educação e Sociedade d a ANPocs p · ·· 1 · educação superior do INEP) e Maria Beatriz Luce (atual m embro do CNE).
d ti l d • , , nnc1pa mente a partir
1
o ~~ . os ª.nos ~80, e tra~s.corren.do todos os anos seguintes corno pro- Esse grupo atuou com uma outra diretriz política, em relação ao anterior,
blematIC,\ obngatóna. A tematica mais discuti.da 11 G'f t: · d · d tendo seu cume com a eleição do atual governo petísta (Partido dos Traba-
_ . . . · ' .o tO • a o sistema e
educaçao supenor, mcJumdo análises globais do sisten1a q ·t lhadores), com alguns de seus membros assumindo postos no governo federal,
. - ·d · - ' , ue perm1 em sua
avaliaçao,
. a 1 . entificaçao
. . de. seus_problemas ' e partie-ui·an·d a d es e as pesquisas
· atnando na elaboração de um sistema de aval iaçào da educação superior e na
que comprovam sua d1vers1ficaçao com a coexistência da.s · ·d d , comissão para a reforma universitária.
. .
bl 1cas, · d • ' · · umvers1 a es pu-
M pnva as e de .outros generos_ organizacion
· ais
, de ·nst't · - ·
1 1 u içoes supenores.
1 esmo com pesquisadores que nao aderiram completamente à diretriz po-
28 A t rajetória sucinta dos pesquisadores que cmnpõem o espaço académico da temática
encontra-se flO Apêndice 2 .
.,
.'

Convém lembrar que a participação em comissões governamentais re-


presenta um alto prestígio junto à esfera da política. São dessas comissões
especializadas que provêm as diretrizes de como organizar o sistema, diretrizes
que são práticas, mas representativas d e uma visão de mundo social e de sua
elaboração. Mais do que assumir cargos diretos como, por exemplo, de Ministro
"
~
..
sões dessa reforma o governo só peca ao "dar demasiado poder aos grupos
de interesse contra as mudanças que existem no meio universitá rio~ Leia-se,
aos professores das universidades públicas fe derais e de alguns setores das
estaduais paulistas e as entidades de classe, como o A~ons/SN. Entretanto, o
grupo representado por Trindade, Dias Sobrinh~, Ri st~ff e Luce demonst:a
da Educação ou de .Secretário da Educação Superior, as comissões significam afinidades políticas, ou melhor, uma concepçao de sistema de educaçao
o lócus onde as forças estão concentradas e de onde podem sair trunfos para superior mais próxima às posturas da ANDIFES do que as do ANDES/SN. Este
serem utilizados na organização do espaço social global. exemplo demonstra as lutas no ínterior do espaço acadêmico cm torno da
Conforme Bourdieu (20ooa, pp. i30-134), as comissões governamentais definição legítima de sistema de educação superior e da visão única de sua
representam uma forma tipicamente burocrática de consulta. Os agentes forma e seu entendimento.
do Estado atuando como mestres da composição do grupo de part icipantes,
onde eles podem fazer entrar, ao lado de representantes· das organizações A POSJÇAO DE DOMINADOS NO ESPAÇO ACADÊMJCO
profissionais, personalidades isoladas prontas a sustentar suas iniciativas,
assumem também o papel de impor as regras que guiam a discussão e ore- Os grupos considerados na posição de dominados no espaço de produção da
gistro das conclusões (principalmente por meio da designação de presidentes temática são aqueles constituídos por agentes geralmente ligados ao campo
e relatores). Esses agentes podem dar e se dar as aparências de um confronto disciplinar da Educação. Há mesmo uma tentativa explícita de contraposição
aberto com o exterior conservando o monopólio da preparação das decisões ao grupo dominante, representada por uma rede de pesquisadores unidos
coletivas, da sua ação e da avaliação dos resultados. em torno da análise da produção na área e no estabeleci mento de uma
Nesse grupo, por exemplo, a grande força é concentrada no pesquisador agenda acadêmica. Porém, tal empreitada não atinge os pesquisadores em
Hélgio 'lrindade,"9 um dos que possui significativas propriedades tanto no Ciências Sociais, visto que a iniciativa parte de membros do GT da ANPEd,
campo t.ientífico quanto n a esfera da política. Sua trajetória revela um eleva- os quais praticamente não se relacionam com o CT da AN P OCS e com os
do capital acadêmico, a circulação internacional, notadamente na França, e a pesquisadores mais contíguos das Ciências Sociais. Nessa rede, o pressuposto
menor participação na esfera da política no âmbito federal, uma vez que sua é a não aceitação das políticas públicas geradas na última década de i990 e
participação política se dará mais no setor universitário local, como reitor da que foram, grosso modo, influenciadas pelo NUPF..S. Entretanto, a lógica dos
~FRGS e, nacionalmente'. por intermédio da ANDIFES. Ele é representativo, pesquisadores - que envolve vários grupos de pesquisa- não supera o nexo já
ainda, de um espaço acaqêmic;o localizado geograficamente no Rio Grande imposto pelo grupo dominante, o que torna a tentativa de ínversão do jogo
do Sul, com intenção explícita de contraposição à força hegemônica. repre- pelo poder do espaço, ou melhor, pelo poder da determinação das políticas
sentada pelo sudeste, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Há públicas para o setor, sem possibilidades reais de êxito.
um a homologia dessa dicotomia regional, expressa no campo acadêm ico, no Outros elementos podem corrobo rar para o entendimento da posição
espaço da política. Assim se refere o pesquisador ao movim ento em torno da de dominados desses agentes no espaço de produção em educação superior.
nova reforma universitária (2004, p. 104): "A caravana universitária da UNE Primeiramente, a Educação, como área disciplinar. já se forma como baixo
de hoje que percorre o Brasil retoma o papel mobilizador da UNE-volante clero em relação às Ciências Sociais em função da conjuntura da Reforma de
de 1961, ambas partindo simbolicamente da 'muy valorosa' Porto Alegre da 1968, com a criação superficial das faculdades e dos centros de educação nas
Legalidade e do Fórum Social Mundial''. universidades. Como corolário, tem-se a formação recente dessas faculdades
Trata-se do grupo ao qual o próprio Simon Schwartzman se refere em sua e o recrutamento dos docentes, o qual se dá com professores de diversos
crítica à reforma universitáda atual, quando diz que no processo de discus- campos disciplinares e da própria Educação, em outros níveis de ensino. ~m
seguida. agrega-se a natureza social da própria atividade, relacionada, m~1.tas
2
9.º. líder do grupo participa ati vamente das discussões desenvolvidas em diversos espaços vezes, aos diversos movimentos sociais, de cunho eminentemente pohtico.
sociais que analisam a situação da educação superior na América l atina, como to runs, con- o que favoreceria a participação cm associações e sindicatos de docentes,
gressos, colóquios, participação na Associação de lJniversidadcs Grupo Montevidéu e outras
r~des lati uo-am er icanas, ou, ainda, no circuito europeu, como o lHEAL (Jmtitut de.s Hautes
aqueles insurgidos nos anos i980. . .
f.tiufes en Amérique /.atine), a VNF.S<:o, tendo cont ato com o brasileiro Marco Antônio Dias,
O ethos do espaço acadêmico é difere~le, dado sua~ e~~ectfict~a~~s
que trabalhava na seção de educação superior da institLtiçâo, entre outros. como campo disciplinar mais ou menos autonomo, com h1stona e traJetona
p róprias. Entretanto, tal diferença é utilizada para determinar, na h ierarquia
do conjunto d as d isciplin as acadêm icas, a posição inferior em relação às
Ciências Sociais -o que é historicamente arbitrário. H á qu e se considerar,
para extrapolar esse arbitrário disciplinar, o campo disciplinar como relati-
vamente independente em relação a outros campos e ao ethos p róprio que o
"'
f
i
principalmente em relação à flexibilid ade institucional, e, ainda, ao propor a
balcanização para a escolha da instituição pela sociedade.
Em seguid a, há o trabalho de tomar reais e necessárias para o mundo
so cial global essa idéia d eterminada dele mesmo. Para tal, são usados os
embates entre a sociedade organizada e os planos do governo, objetivados
caracteriza, minimizando os julgam entos de valor em comparação a outros na elaboração de comissões de especialistas para fins específicos. Essas
campos disciplinares. comissões, representativas de um trabalho coletivo de elaboração de uma
No interior do próprio subespaço dos dominados pode-se identificar ou- nova filosofia social, trabalham no sentido de criar a unanimidade em rela-
tros agrupamentos, como aqueles ligados às atividades de classe, como o grupo ção à problemática específica, ou seja, na direção de torná-ia necesúria ao
dos pesquisadores Valdemar Sguissardi e de João dos Reis Silva Júnior; o dos desenvolvimento do mundo social. Na comissão apresentada, corrobora-se a
pesquisadores ligados à história das instituições de educação superior, como idéia de diversificação do sistema, da abertura para o mercado e do papel do
Maria de Lourdes Fávero, que p articipa desde o início da formação do espaço Estado como regulador.
de produção acadêmica na tem ática, por intermédio do GT da ANPEd; o dos Um terceiro momento é o da p ro dução de discursos dos reprodutores
pesquisad ores vinculados aos estudos d a educação superior, n os aspectos dessa visão de mundo social. que deve ser estendida ao m undo social global.
tanto políticos quanto pedagógicos, comó as pesquisadoras Maria Estela Dal Para tal. são·criados debates com grupos especiais, no senlido de interessan-
Pai Franco e Marília Morosini, entre outros. tes e de estratégicos, em diversos espaços sociais . É assim que debates em
torno da questão da universidade foram gerados em seus próprios muros,
A PRODLÇÂO DA IDEOLOGL\ DOMINA.'-'TE na tarefa de imposição d e mn a forma de pensar o mundo universitário
por intermédjo da ação. O embate instala-se em seu interior, permitindo
Por intermédio da análise dos agentes envolvidos com a temática da educação a imposição da visão desse espaço social por meio da d iscussão sobre ele,
superior no Brasil, nos anos i980 e i990, tornou-se possível evidenciar a principalmente considerando-se que os agentes que travam um jogo de lutas
configuração do espaço de produção acadêmica na área. Este possui um pólo entre si não fa lam de uma mesma posição, sendo que a tomada de posição do
dominante que desenvolveu, por meio de um trabalho coletivo, uma filosofia agente - expressa no discurso produzido - implica uma forma de classifica-
social dominante..io Isso corresponde a um novo m odo de produção ideoló- ção do mundo social. Em outras palavras, tais agentes agem aproveitando-se
gica, em que a id~ntíficação dos agentes, dos lugares e da produção de textos dos próprios conflitos existentes no interior do espaço u niversitário, os q uais
fornece as chaves'para o en tendímento da forma de realização dessa ideologia se faziam latentes no período da abe rtura à democratização da sociedade
dominante. Os agentes fazem um trabalho lento, elaborando um projeto de brasileira e da configuração que ele assumiu no período, com a luta entre
sociedade que vai sendo gradativamente naturalizado como o único possível, vários grupos, dotados de interesses distintos e posições delimitadas em re-
sendo q ue aí se estabelece a ideologia dominante. lação ao campo d o poder. Todos esses fatores contribuíram para a realização
Primeiramente, alguns agentes específicos, qualificados como profissionais de um novo modo de p rodução ideológica, visto que este se apropria das
da produção cultural e ligados a membros ativos da classe dominante, per- condições sociais de produção do discur so, dos produtores e dos lugares de
petram um trabalho de elaboração do arcabouço de temas e análises no qual sua produção.
se cunham preocupações específicas com uma nova ordem social. O que se A educação superior assume, então, uma posição emblemática nesse pro-
confirma na cqnferência cujas diretrizes ideológicas de u ma nova ordem so- cesso de reformul ação do mu ndo social, ha,ia vista a elite que insurge, nesse
cial, fundamentadas na condição singular de estruturação política do Estado momento de infl exões d a sociedade b rasileira, sair de se Lts próprios quadros.
e executadas por um tipo de agente, são evidenciadas. No caso d a educação O novo discurso dominante é determ inado, em suas propriedades mais espe-
superior, esses agentes tomam urna questão objetiva, porém que m ascara cíficas, por uma espécie de capital cultural particular, que é o acadêmiço, e o
uma tese política, ao analisar esse sistema contrapondo o ensino público e capital social, fruto das relações entre os agentes em universos mais ou menos
o privado, ressaltando os problemas do primeiro e as vantagens do segundo, homogêneos de produção cultural e política, os quais constituem o traço
distintivo de um novo modo de dominação. Essas duas espécies de capital
podem ser exemplificadas tanto na trajetória de Simon Schwartzman quan to
30 Esta análise é insp irada no trabalho d e Rourdieu & Bolranski (1976) sobre a produção da
ideologia dominante. na de Eunice Durham ou do próprio José Arthur Giannottí, protagonistas do
pólo dominante do espaço de produção acadêmica em educação superior e ;~ própria realização, porque aqueles que a produzem têm interesse em sua
dotados de um forte capital acadêmico, bem como provenientes e atuantes verdade e têm os meios de torná -la verdadeira (Bou RDIEU & HOLTA NSl<.1,
em universidades de alto prest ígio científico, com trajetórias de circulação 197
6, p. 149). O processo para sua implantação e efetivação no espaço de pro-
no universo científico nacional e, sobretudo, internacional, propiciadas pelo dução acadêmica exigiu estratégias específicas e, sobretudo, o uso de recursos
próprio período de ditadura militar. extra-acadêmicos para concretizá-la. A relação com a esfera da política e,
A produção acadêmica, na forma de livros, de capítulos de livros, de notadamente, com o espaço do poder não é característica específica desse
artigos de periódicos científicos, a organização mesma de sua tarefa, por espaço acadêmico, mas é a forma da realização política em si. A agenda pode
intermédio da criação de grupos de pesquisa que são gerados nesse universo ser entendida como uma nova escolha que a política dominanle conseguiu
e nesse momento, bem como as reuniões das associações científicas, irão impor e que contr!bui para restringir o universo dos possíveis. A ?fic.ácia na
assumir a lógica de uma produ ção condicionada por uma conj untura que sua efetivação repousa justamente no uso de um arcabouço academ1co que,
está acima da acadêmica. As reestruturações do próprio mundo acadêmico e por si só, já opera constrangimentos, em f~nção de o ethos .ª~dêmico em si
seu produto serão determinada s mais diretamente pela reestruturação social, já impor restrições e estar aliado a ~m ambiente extra~a~adenuco, dotado de
subordinando-o à lógica da esfera da política. Isso é emblemático para a forças inerentes e capazes de garantir suas chances de ex1to.
análise do espaço acadêmico e para sua relação com outros espaços sociais,
.: ,:.
sobretudo no tocante à autonomia. Os agentes que compõem o espaço de Q PODER DA AGE~DA ESTABELECIDA
produção acadêmica passam a compor também um jogo no qual o político
é que determina suas regras. Mesmo quando não são equipados para tal As estratégias do N t:P ES como grupo dominante para instituir a agenda
empreitada, submetem -se às normas impostas pela concorrência e pelos consistiram na utilização dos elementos que estruturam a tarefa acadêm ica,
modos de produção mais eficientes, ditos mais dotados de força política. De na forma que ela assume no período atual, em termos da organização de gru-
fato, estabeleceu-se um jogo no qual os agentes foram envolvidos, aceitando . -. pos de pesquisa, da participação ern associações científicas e nos colóquios
sµas regras, e àqueles que são contrários a esse jogo é vetada a participação acadêmicos, na produção de textos de cir culação nesse meio acadêm ico e
em tal espaço. As oposições em termos de visão do mundo social aparecem extra-acadêmico e da criação de uma rede de interlocutores legítimos. Isso
nas diferentes produções de discurso acadêmico, mas não sua ruptura com a caracteriza a transposição da ação, projetada por um grupo social, marcada-
lógica dominante-aquel.a da política, o que poderia impulsionar a busca de mente política, como uma ação acadêmica, ou seja, um mecanismo sutil que
autonomia do campo acadêmico. permite o estabe1ecimento do discurso dominante como válido, principal-
O enunciado desses.elementos permite entender a configuração do espaço mente no espaço de referê ncia acadêmico e no universo dos pares.
da educação superior com distintas posições e a compreensão do grupo que o A agenda imposta signífica que o discurso dominante sobre o mundo
domina no momento apresentado. Seus protagonistas constituem um grupo social não tem somente como função legitimar a dominação, mas também
real relativamente consciente dele mesmo, como visível em relação ao inter- a tarefa de orientar a ação destinada a perpetuá-la, de modo a transmitir
con hecimento,3' base das cooptações e das alianças. A relação desse grupo um moral e uma moral, uma direção e diretrizes àqueles que dirigem e que
com uma elite de poder que passa a dominar o campo da política brasileira executam essa dominação. É daí qu e o discurso dominante necessita se
nos anos 1990 demonstra o uso social do espaço acadêmico para .fins não impor como uma política realista, ou melhor, como um projeto de ação do-
necessariamente acadêmicos, corroborando a heteronomia:12 desse espaço. tado de chances de sucesso, na medida em que ele próprio impõe uma visão
O processo de estabelecimento de uma agenda acadêmica em educação enviesada - porque parcial e interessada - e realista, isto é, capaz de impor
superior e sua imposição por um grupo dominante, exemplifica a meta- sua própria necessidade a todos aqueles que se colocam no ponto de vista
morfose que transforma o discurso dominante em mecanismo atuante. Este de onde ela é tomada, à maneira de uma visão em perspectiva (BOVRPI EU &
é o acompanhamento de uma política, é a profecia que contribui para sua BüLTANSKI, 1976, p. 145).
A eficácia simbólica do discurso dominante, aqui materializado na agenda
acadêmica, é garantida pelo fato de que a lógica e o ajustamento ao real, que
31 Cf. o Capítulo 2, sobre a construção do espaço pelos próprios agentes. caracterizam este discurso, conferem-lhe o poder de im por-se a todos aqueles
32 Isso quer dizer a falta de autonomia do espaço cm relação o outros campos, notadam ente o que não dispõem de um sistema de classificação concorrente e, mais ainda,
político. A busca de autonomia do t:spaço acadêmico passa pela procura de um modo exclusivo
mesmo àqueles capazes de lhe opor uma perspecti\'a analítica constituída,
de fazer sua Larefa como forma de distinção de outros espaços e campos.
visto que utilizam, sem o saber, os esquemas que são seu princípio (BouRonm
& BoLTANSKI, 1976, p. 42). Desse modo, mesmo no grupo que poderia se
contrapor à agenda estabelecida pelo NuPES, verifica-se a submissão ou a
aceitação da mesma, o que se verifica igualmente no grupo dos dominados,
o espaço De ProDução acaDêm1ca
em que as discussões vão se dar em torno da agenda obrigatória. como um espaço De LUTas
A artimanha do grupo dominante em falar de fatos presentes e "naturaliza-
dos" no sistema universitário do período, ou seja, fatos pertencentes ao ethos do
espaço universitário, também assegura a eficácia do discurso, mesmo que ele
não contenha elementos inovadores ou revolucionários do ponto de vista da
análise. As polêmicas quanto ao discurso dominante se darão pela interferência
no sistema universitário, que é o único conhecido. Os opositores só têm esse
sist~ma existente c?mo oposição, por isso suas atuações se dirigem para negar Tout vérítable rapport de dominatíon comporte un minimum
o discurso produzido pelo grupo. Dessa forma, os dois pólos - dominados e de volonté d 'obéil:
dominantes-trabalham no plano da dominação simbólica. Par conséquent un intérêt, extérieur ou intérieur, à obéír.'
O po~ler do ~stabelecimento de uma agenda acadêmica, que imporia uma
co~c~pçao ,dº. sistema de Ensino superior e que ajudaria na implantação de Max Weber, 1956
pol~t~cas publicas para o setor, reside, basicamente, no poder propriamente
pohtico do grupo dominante. Tal poder está ancorado na exploração racional
das ten~êncías estruturais que, entretanto, não significam simplesmente a
adaptaçao a essas tendências e nem a imposição aleatória às medidas dire-
t_amente interessadas, mas, sobretudo, o uso dessas informações. Estas são 0
foco do NUPE.S tanto na elaboração dos diagnósticos sobre o Ensino superior
quanto nas pesquisas dos diversos aspectos que o compõem. Os dados A visão mais ou menos global, apresentada no capítulo anterior, do espaço
exercem aí um papeldetenninante, na medida em que permitem antecipar de produção acadêmica e do jogo que foi ali estabelecido, é reforçada pela
os futuros possíveis, medir a pretensão de existir e avaliar as chances de própria percepção dos agentes a respeito desse universo expressa em suas
sucesso e os custos da ação destinada a fazer acontecer os futuros possíveis falas. A prim.eira conclusão é de que o espaço é real, não somente pela
(BOURDIEU & BOLTANSKI, 1976, p. 146). estrutura objetiva que ele apresentou, mas, sobretudo, porque esta se vê
Vale ressaltar que este trabalho não tem o interesse de fazer um juluamento incorporada nas disposições dos pesquisadores. Segundo Pinto (1998, p. i37),
de valor da produção acadêmica em si, mas evidenciar o uso social d;aparato as condições de êxito das práticas repousam sobre crenças que são tanto mais
acadêmico para a realização da tarefa de atribuir uma visão única sobre 0 eficazes quanto refletem a cumplicidade das estruturas objetivas e das dispo-
mundo social. Nesse caso, a estratégia própria do campo científico seria sições subjetivas. As características estruturais permitem entender tanto as
busc~r ~ debate cakad~ na argumentação e na prática reflexiva da produção alternativas específicas quanto as modalidades de crenças correspondentes a
academ1ca, o que poderia gerar o estabelecimento de uma agenda na temática posições diferenciadas, que se distinguem e se enfrentam na própria defini-
qu~.r~prese~:ass.e um ~aminho para a construção- o que implica tempo-de ção do espaço. ·
nO\as experrenc1as (agir sobre o mundo) e de novas teorias (representações O entendimento do espaço acadêmico como um espaço de lutas diz res-
do mundo). peito a um universo de ação socialmente construído, lócus de afrontamentos
, ~os próxim~s. capítulo.s será possível adentrar no espaço da produção aca- visando conservar ou transformar as relações de força - a posição ocupada
dem1ca da tematica, analisando-se algumas partes do universo apresentado na estrutura - entre os pesquisadores dotados de recursos diferentes tanto
como um bloco. Essa estratégia expositiva visa a compreensão de elementos aqueles científicos quanto os extracientífkos. Os pesquisadores criam seu
com~~exos constitutiv~s desse espaço social e que se tenta recompor 110 plano
anaht1co, portanto mais abstrato.
1 Toda verdadeira relação de dominação contém um mínimn de vontade de obedecer.
Por conseqüência um interesse, exterior ou interior, para obedecer (tradução da autora).

Você também pode gostar