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INSTITUTO FEPI
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE PSICOLOGIA
ITAJUBÁ
2024
Thainá Cardozo Arantes de Oliveira
ITAJUBÁ
2024
1. INTRODUÇÃO
O filme "Nell", dirigido por Michael Apted e lançado em 1994, gira em torno de uma mulher
de cerca de 30 anos chamada Nell, cuja vida é confinada a uma existência solitária na floresta.
Criada apenas por sua mãe, que possuía paralisia facial, Nell cresceu sem exposição à
linguagem convencional e aos padrões de comportamento da sociedade. Com a morte de sua
mãe, tem início a supervisão do médico Dr. Jerry e da psicóloga Paula Olsen, que ficam
intrigados com o comportamento singular da personagem. Esse encontro marca o início de uma
jornada de descobertas e compreensão.
O filme Nell retrata a história de uma mulher de aproximadamente 30 anos de idade cuja vida
é extremamente restrita socialmente. Nell vive no meio da floresta isolada de todos; convivia
apenas com sua mãe, que possuía paralisia facial, e que morre bem no início do filme. Dessa
forma, a protagonista não havia desenvolvido a habilidade da fala nem da escuta, portanto da
linguagem convencional como a conhecemos na civilização. Além disso, ela possuía o
comportamento e os hábitos bem distintos dos nossos. Aos olhos de muitos, ela era vista
como uma mulher selvagem.
Quando sua mãe morre, Nell passa a ser supervisionada e observada pelo médico Dr. Jerry e
pela psicóloga Paula Olsen, que também acham seu comportamento bastante surpreendente.
Graças a esses dois personagens, Nell tem uma chance de mostrar que consegue sobreviver
sozinha e que não precisa ser internada em um hospital psiquiátrico, como alguns médicos
diziam que precisava ser feito.
Ao ser vista como selvagem, como deficiente mental ou até mesmo como um “animal de
circo” por muitas pessoas, Nell teve uma primeira experiência com a sociedade de maneira
muito desagradável. As pessoas a julgam sob um viés de superioridade, e podemos notar
desde então o olhar etnocêntrico, de quem só enxerga como válido o modo convencional de se
viver na civilização e com tudo o que esta propõe, com os recursos e tecnologias que esta
desenvolve. Nell vivia uma rotina à sua maneira, com hábitos que ela mesma havia
desenvolvido junto de sua família; tomava banho à sua maneira, se esquentava do frio à sua
maneira, se alimentava da sua maneira. Por viver um estilo de vida diferenciado, Nell foi
invalidada por aqueles que possuíam um olhar fechado ao “diferente”, que não levavam em
consideração a existência de outros tipos de vivência que podem não estar ao nosso alcance
ou conhecimento.
Ao fazer uma ligação entre a Psicologia e a Antropologia - pelo motivo de ambas as áreas do
conhecimento estarem preocupadas com o comportamento humano, a cultura e a sociedade –
podemos perceber como o conceito de relativismo cultural se encaixa nessa análise sobre o
filme. Esse conceito é a ideia de que os valores, normas e práticas de um determinado grupo
cultural devem ser avaliados e entendidos dentro do contexto cultural específico em que
ocorrem. Assim, para realmente entender o comportamento de Nell, os observadores
precisavam adentrar sua cultura, seus costumes, sua linguagem, sua vida cotidiana e muito
mais, e foi isso que o Dr. Jerry e a psicóloga Paula Olsen fizeram com excelência.
Quanto aos conceitos aprendidos em sala, a prática dos dois personagens poderia ser
relacionada à Observação participante. Ela é tida como o processo no qual o investigador
estabelece um relacionamento multilateral e de prazo relativamente longo com o objeto
observado na sua situação natural, com o intuito de desenvolver um entendimento científico
sobre aquele objeto. Esse método também é utilizado por antropólogos ao se observar
comunidades e grupos. Ao imergirem no ambiente de Nell profundamente, Dr. Jerry e Paula
Olsen puderam ter uma compreensão mais autêntica de sua experiência e sua singularidade, e
isso até mesmo permitiu que os dois desenvolvessem por ela a compaixão e a empatia. Além
disso, ao usar a observação participante, os pesquisadores puderam complementar suas
descobertas por meio de interações diretas com Nell, como por exemplo através da
comunicação própria que foram estabelecendo com ela ao passar dos dias. Ademais, eles
obtinham informações de diversas maneiras, como entrevistas, registros médicos e relatos de
testemunhas, e também observavam a relação que ela tinha com outras pessoas, como com o
médico local e a jornalista. Com esse método multifacetado, foi permitida uma compreensão
abrangente da protagonista e do contexto que ela estava inserida.
O filme também nos mostra um pouco sobre o desenvolvimento da linguagem no ser humano.
Nell, quando criança, começou a assimilar e desenvolver os conceitos linguísticos na relação
que possuía com sua mãe e sua irmã gêmea falecida. Porém, pelo motivo da paralisia facial da
mãe e sua incapacidade de fala, Nell não aprendeu de forma devida a pronúncia das palavras.
Ela tinha o aparato cognitivo funcionando corretamente, mas um dialeto muito atípico e com
certo grau de limitação. Ela sabia identificar linguisticamente os objetos da sua maneira, por
exemplo. Mas a “linguagem” que a personagem tentava estabelecer não podia ser entendida à
princípio por outras pessoas, o que fazia com esta ferramenta se limitasse somente ao seu
próprio entendimento e de mais ninguém.
É importante registrar que não havia outro caminho que não o desenvolvimento da linguagem
para Nell - mesmo que este não fosse realizado em sua plenitude – apesar de toda a barreira
de convivência, pois a linguagem no ser humano é inata. Isso quer dizer que ela é natural e
instintiva. Não é como a escrita e a leitura, por exemplo, que podem ser adquiridas ou não.
Pode ser trazida à análise do filme a teoria de Noam Chomsky, da Gramática Universal. Essa
teoria afirma que os seres humanos têm uma estrutura inata na mente que determina as regras
fundamentais da linguagem, ou seja, há uma predisposição biológica para o desenvolvimento
desse fenômeno. É provável que a linguagem de Nell não estivesse plenamente formada, pois
há a postulação de regras universais para que esta seja chamada de tal forma, mas o dialeto de
Nell já mostra uma inclinação à teoria de Chomsky.
Deve ser levado em consideração que o ambiente e a interação com o meio são muito
importantes, pois contam com diversas variáveis que colaboram para o desenvolvimento da
linguagem. No caso de Nell, era claro que a personagem carecia de tais estímulos. Talvez, se
estivesse em grupo ou pelo menos com a presença de sua irmã, Nell tivesse desenvolvido
melhor a linguagem, talvez esta fosse mais contida de regras e princípios, com estrutura
gramatical básica e ordem ou concordância na formação de frases, por exemplo. Ao contrário
disso, Nell cresceu isolada de companhia que estimulasse sua fala e escuta.
No dia da audiência no Tribunal, que tinha como objetivo decidir se Nell seria internada ou
não, é interessante notar o quanto a comunicação entre ela e seus observadores foi
desenvolvida. Dr Jerry Lovell realiza a tradução do dialeto de Nell para os demais
participantes da audiência, e assim eles conseguem mostrar a autonomia e maturidade dela.
Fica decidido que ela teria o direito de continuar morando sozinha em sua casa. É intrigante
perceber a quão rica foi a troca cultural entre os personagens do filme; o médico protagonista
e a psicóloga conseguem mostrar a Nell um pouco da vida em civilização, da mesma forma
como Nell consegue compartilhar com eles a sua linguagem, seus costumes, sua cultura, seu
cotidiano de maneira excelente.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, "Nell" é muito mais do que apenas um filme sobre uma mulher isolada na floresta; é
uma exploração profunda da condição humana e das influências que moldam nossa
compreensão do mundo. Ao destacar a importância do meio ambiente e da convivência social
no desenvolvimento da linguagem e na formação da identidade, o filme nos convida a refletir
sobre a diversidade cultural, a empatia e a necessidade de compreender e valorizar as
experiências de vida únicas de cada indivíduo. Ao fazer uma ligação entre a psicologia, a
antropologia e teorias como a Gramática Universal de Chomsky, "Nell" nos desafia a questionar
nossas próprias suposições e preconceitos e a reconhecer a complexidade e a riqueza da
diversidade humana. Também somos desafiados a refletir o quanto é importante o convívio em
grupo, a existência das relações grupais para os seres humanos. Da mesma forma, fica
registrado o papel da presença do outro no desenvolvimento da linguagem.
Por fim, o filme nos lembra da necessidade de uma abordagem sensível e compassiva para
entender e interagir com aqueles que são diferentes de nós, uma lição que ressoa profundamente
em nossa compreensão do mundo e de nós mesmos.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS