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Memórias:

Sua cabeça começa a ferver. Você sente como se ela estivesse inchando, prestes a explodir, e nesse
misto de dor e agonia algo se abre em sua mente. Uma memória a muito perdida, um momento
esquecido e enterrado por gerações, uma lembrança que não o pertence.

1 Você se vê com uma garota de pele morena e cabelos vermelhos em uma cozinha, iluminada pelas
baixas chamas de uma fornalha. Vocês estão rindo. Você se sente feliz. Ela te conta piadas ruins e
você se diverte com isso. Um soldado chega na bancada da cozinha e pede por comida, assim como
os outros fizeram. Você abaixa sua cabeça e pega um prato já montado diante de você. Seus braços
brancos como neve contratam com a madeira escura da mesa, e uma mecha de seu cabelo castanho
cai sobre seu rosto enquanto você o entregava para o homem. Você o ajeita logo depois.

2 Você estava cozinhando mais um dia quando, de repente, um guarda chegou ordenando para que
todos saíssem. Você e sua amiga obedeceram. Quando estavam prestes a subir a rampa da saída,
este mesmo guarda foi apunhalado diante de vocês por uma sombra viva. Você ficou em choque,
porém sua amiga a forçou a continuar correndo. Enquanto passavam pelo jardim, você conseguiu
ver o Ancião passando por vocês. Seja lá o que estava acontecendo, você tinha certeza de que ia
acabar bem.

3 Você se vê costurando mais um dia em sua casa. O cheiro do seu almoço era familiar, e te trazia
boas memórias que a inspirava a continuar trabalhando em seu presente. Você termina de fazer seu
avental e vai se encontrar com sua amiga no restaurante dela. As ruas são menos movimentadas
depois daquele dia. Você a encontra ocupada como sempre, porém ao te ver, ela volta sua atenção
para você de imediato. Você entrega seu presente. Ela se alegra. Vocês ainda eram felizes.

4 Você vê sua amiga vestindo seu presente, quando de repente, um estralo é ouvido do centro da
cidade. Pessoas começam a gritar e correr. Vocês vão para as ruas ver o que estava acontecendo,
encontrando uma névoa vermelha surgindo de baixo da torre do sábio. Você se pergunta se era a
mesma que o Mago usou, mas a descrição dos boatos batia exatamente com o que seus olhos lhe
mostravam. A névoa avançava rápido, e dela, uma nuvem de insetos surgiu, sobrevoando a caverna
acima de vocês. Eles ficavam maiores e maiores a cada instante que se aproximavam. Sua amiga a
puxa com força quando um deles avança contra vocês, revelando ser uma criatura bem maior do
que um homem. Os gritos ecoavam pela cidade.

5 Vocês estão correndo com a multidão. Os guardas estão lutando, porém, eles não param de surgir.
Uma das criaturas aterrissa com o corpo diante de vocês, derrubando casas na queda; ela mesmo
era maior do que uma. A multidão onde começa a correr no sentido contrário, atropelando você e
sua amiga no processo. Você não consegue se equilibrar e é derrubado. Sua amiga é levada pelas
pessoas. Elas não te vêm. Elas não te sentem. Seus gritos de socorro são sufocados pela sua marcha
desesperada. Ninguém vai salvá-lo. Seu corpo é deixado como uma carcaça sangrenta, largada aos
abutres e aos vermes que o esperam. Sua mente se torna um turbilhão de angústia, desespero e
uma erronia anestesia causada pelos seus membros destruídos. Um calafrio reverbera em sua alma:
a névoa lhe encontrou.

6 Você estava mais um dia costurando solitário em sua casa, até que um dos Homens da Lenda
passou pela sua porta; era sua chance de conhecê-lo. Ele estava à procura de corda, você tinha, mas
em troca você queria alguém para poder deixar os dias menos sozinhos. Ele voltou naquela mesma
tarde dizendo que arrumou um jantar para você. A noite chegou, e você estava sozinho na mesa
daquele restaurante. Você não gostava muito da dona dele, o jeito animado dela lhe causava dor de
cabeça. Você esperou, e esperou, mas ninguém veio. No fim você sabia que estava fadado a estar só.
Porém, enquanto voltava para casa, alguém lhe parou. Era aquele Homem da Lenda. Ele o convidou
para jantar. Ele conversou com você por horas. Ele lhe mostrou o que era amar, e com isso, sua casa
nunca mais foi solitária, pois mesmo sozinho, você o tinha em seu coração. Ele não podia te ver pois
estava ocupado protegendo a todos da cidade. Ele até mesmo abriu a antiga porta e liberou aquilo
que um dia fora uma escola mágica! Mesmo com o descontentamento das pessoas, você sabia que
eles eram bons, que ele era bom. Você se dedicou a estudar sobre as artes místicas apenas para
provar para ele que também poderia ajudar, que também era útil. A solidão nunca mais o
perturbaria.

7 Ela veio com uma proposta, a proposta que você tanto sonhara em receber. Era seu momento de
mostrar do que era capaz. Mas, no momento em que você se deparou com aquilo, você se
acovardou. Ela o lançou para dentro da abominação. Você gritou por ajuda mais uma vez, enquanto
uma cascata de dores e sofrimentos passados inundava sua mente. Você clamou o nome dele,
Edward, mas ele não veio. Você chamava e chamava, mas ninguém respondia. Ele tinha que vir, ele
era o seu herói, ele tinha que te salvar. Ele era bom e você o amava. Sim, de fato você o amava.
Edward, sim, você ama a ele. O Edward, ele é tão doce, tão belo. O Edward. O Edward. Edward. E
esse nome, atrelado a tais sentimentos, é tudo o que você consegue sentir, ouvir e pensar.

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