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Frederick Copleston

História da filosofia
Volume IX
ÍNDICE

PREFACIO

PARTE I
DESDE A REVOLUÇÃO FRANCESA ATÉ AUGUSTE COMTE

I. A REAÇÃO TRADICIONALISTA À REVOLUÇÃO

II. OS IDEÓLOGOS E MAINE DE BIRAN

III. O ECLECTICISMO

IV. A FILOSOFIA SOCIAL NA FRANÇA

V. AUGUSTE COMTE

PARTE II
DESDE AUGUSTE COMTE ATÉ HENRI BERGSON

VI. O POSITIVISMO NA FRANÇA

VII. NEOCRITICISMO E IDEALISMO

VIII. O MOVIMENTO ESPIRITUALISTA

IX. HENRI BERGSON - I

X. HENRI BERGSON - II

PARTE III
DE BERGSON ATÉ SARTRE

XI. A FILOSOFIA E A APOLOGÉTICA CRISTÃ

XII. O TOMISMO NA FRANÇA

XIII. FILOSOFIA DA CIÊNCIA

XIV. FILOSOFIA DOS VALORES, METAFÍSICA, PERSONALISMO

XV. DOIS PENSADORES RELIGIOSOS

XVI. O EXISTENClALlSMO DE SARTRE - I


XVII. O EXISTENClALlSMO DE SARTRE - II

XVIII. A FENOMENOLOGÍA DE MERLEAU-PONTY

APÉNDICE

BREVE BIBLIOGRAFÍA
Prefácio

Com os volumes VII e VIII desta obra pretendi em princípio dar conta da filosofia do século
XIX na Alemanha e na Grã-Bretanha respetivamente. O VII sim responde a este plano, pois
acaba ocupando-se de Nietzsche, que morreu em 1900 e cuja atividade literária pertence por
inteiro àquele século. Em mudança, o volume VIII contém tratamentos de G. E. Moore, de
Bertrand Russell e do filósofo norte-americano John Dewey; os três nasceram no século XIX, e
Dewey e Russell publicava já dantes de que começasse o XX, mas indo este muito avançado
ainda seguiam os três em ativo. Russell vivia ainda ao se publicar o referido volume, do que teve
a bem fazer um comentário apreciativo em carta ao autor. O presente volume IX extrema esta
tendência a sair da limitação ao pensamento do século XIX. Originariamente pensei expor em
suas páginas a filosofia francesa produzida desde a Revolução até a morte de Henri Bergson.
Mas, de fato, inclui ademais um tratamento bastante extenso de Jean-Paul Sartre, uma exposição
mais breve de algumas das ideias de Merleau-Ponty e umas quantas anotações sobre o
estructuralismo de Lévi-Strauss.

Este ter alargado as explicações sobre a filosofia francesa posterior à Revolução passando a
ocupar-me de pensadores cuja atividade literária desenvolve-se já no século XX e alguns dos
quais ainda vivem significa nem mais nem menos que fui incapaz de cumprir meu plano
originario, que era tratar também no presente volume o pensamento do século XIX na Itália,
Espanha e Rússia. fiz referência a algum que outro pensador belga, por exemplo a Joseph
Maréchal; mas, pelo demais, centrei meu interesse na França. Seria mais exato dizer que me
ocupei de filósofos franceses que não da filosofia na França. Assim, Nikolai Berdiaef se
avecindó em Paris em 1924 e exerceu uma vigorosa atividade de escritor em solo francês, mas
considero impropio adjudicárselo a França, pois pertence à tradição religiosa do pensamento
russo. Claro que quiçá tenha mais razão para anexar a Berdiaef à filosofia francesa que a que
teria para contar a Karl Marx entre os filósofos britânicos pelo fato de que viveu em seus últimos
anos em Londres e trabalhou no British Museum. Mas os escritores russos que pelo mesmo
tempo viviam e escreviam exilados na França seguiram sendo pensadores russos.

Deixando aparte aos estrangeiros exilados, França é de todos modos rica em escritores
filosóficos, já sejam filósofos profissionais já literatos cujas obras pode ser dito que têm
significação filosófica. E a não ser que o historiador propusesse-se fazer uma reseña completa,
o que equivaleria a pouco mais que uma lista de nomes ou requereria vários tomos, lhe é
impossível incluir a todos. Há, desde depois, filósofos que evidentemente têm de ser tidos em
conta em qualquer exposição da filosofia francesa posterior à Revolução. Por exemplo, Maine
de Biran, Auguste Comte e Henri Bergson. É também óbvio que ao tratar de uma determinada
corrente do pensamento temos de nos referir por força a seus principais representantes. Seja qual
for a estima que se faça dos méritos de Victor Cousin como pensador, resultaria absurdo escrever
envelope o eclecticismo na França sem dizer algo a respeito de seu máximo expoente, em
especial se se considera a posição que ocupou durante um tempo na vida acadêmica de seu país.
Parecidamente, uma exposição do neocriticismo implica o ocupar-se algo do pensamento de
Renouvier. Mas embora há um número considerável de filósofos aos que pode com razão se
esperar que o historiador da filosofia os inclua aqui, já por seu interesse intrínseco e sua fama,
contemporânea ou póstuma, já por ser representantes de uma determinada corrente de
pensamento, há muitíssimos outros entre os que se tem de fazer uma seleção. E toda seleção está
exposta, por muito diversos conceitos, às críticas, Assim, ao hojear este volume, alguns leitores
talvez se inclinem a pensar que se outorgou a metafísicos e idealistas dos que se andam pelas
nuvens um espaço que se teria dedicado mais provechosamente à filosofia da educação ou à
estética, ou a um tratamento mais extenso da filosofia social. E se tem-se de dar realçe a um
pensador religioso como Teilhard de Chardin, por que não se menciona aqui a Simone Weil,
escritora de muito diferente tom, certamente, mas que teve tantos leitores? Assim mesmo, já que
no volume dá-se cabida ao tratamento não só de pensadores políticos franceses decimonónicos
senão também da versão do marxismo por Sartre, como não se diz nada, por exemplo, envelope
Bertrand de Jouvenel e Raymond Aron?

Nos casos de alguns filósofos talvez valha a pena advertir que sua reputação e influência em
seu próprio país pode muito bem justificar sua inclusão, apesar de que em países de diferente
tradição filosófica sejam pouco conhecidos ou lidos. O leitor deseja provavelmente que se lhe
diga algo de pensadores que desfrutaram de certa notoriedad na França, embora na Inglaterra
quase se lhes desconheça. Precisamente o que seus nomes resultem pouco conhecidos na
Inglaterra poderia ser alegado como excelente razão para os incluir. O pensamento de Louis
Lavelle, por exemplo, lhe teria deixado sem dúvida perplejo a G. E. Moore, e dificilmente lhe
teria parecido meritorio a J. L. Austin. Mas não há maior razão para ignorar a Lavelle ao estudar
a filosofia francesa mais recente que a que viria a ser, para excluir o nome de Austin de uma
exposição do pensamento filosófico atual na Grã-Bretanha, a escassa simpatia que é provável
que muitos filósofos franceses sentiriam com respeito à preocupação de J. L. Austin pela
linguagem ordinária.

Ao mesmo tempo tenho de reconhecer que há vazios ou ausências no presente volume. Isso
se deve em parte, naturalmente, a considerações de espaço. Mas a honradez exige-me acrescentar
que também se deve às circunstâncias em que foi escrito este volume. Se um é diretor de um
Colégio da Universidade de Londres, o tempo de que dispõe para ler e pesquisar é
inevitavelmente muito limitado, e para escrever tem de empregar os momentos livres soltos. Daí
que tenda, sem dúvida, a escrever envelope filósofos dos que já tinha bom conhecimento, e que
ignore a pensadores que muito bem pudessem ser tido incluído. Isto cabia o considerar como
uma razão muito séria para pospor a terminação da obra. Mas, segundo indiquei já, é meu desejo
empregar o tempo que o retiro ponha ao meu dispor em redigir outro volume bastante diferente
deste.

Ainda após ter decidido, para bem ou para mau, sobre que filósofos se propõe um escrever,
não deixam de se apresentar problemas de classificação ou etiquetado. Por exemplo, a Jules
Lachelier trato-lhe aqui dentro do capítulo que versa envelope o que costuma se descrever como
o movimento espiritualista. Embora há precedentes para fazê-lo assim, no entanto, a obra mais
conhecida entre as de Lachelier é um tratado a respeito dos fundamentos da indução, pelo que
poderia parecer mais apropriado examinar suas ideias baixo o epígrafe de filosofia da ciência.
Senão que também é verdade que as desenvolve de tal modo que o conjunto de sua filosofia dá
pé para que se lhe classifique como idealista. A sua vez, enquanto no texto considerou-se a
Meyerson como a um filósofo da ciência, sua teoria da identidade poderia ser tratada igualmente
como uma filosofia especulativa de tipo idealista.

Falar de problemas de classificação quiçá pareça expressar um errôneo desejo de meter a


todos os filósofos em um casillero perfeitamente quadriculado e etiquetado, ou uma
incapacidade para apreciar as complexidades da vida e do pensamento humano. Ou talvez se
interprete como se um fosse vítima do mágico influjo da linguagem e se imaginasse possuir
domínio conceptual sobre aquilo ao que põe um nome. Mas a questão não é, nem muito menos,
tão singela. Pois a indecisión com respeito a pendurar etiquetas ou qualificativos pode indicar
não tanto uma paixão pelos encasillamientos rígidos e exactistas quanto uma autêntica
dificuldade no decidir que feição ou feições do pensamento de um homem se têm de considerar
como os mais significativos. E aqui surge de novo espontânea a pergunta: significativos ou
importantes desde que ponto de vista? Examinemos o caso de Berkeley na filosofia inglesa: O
historiador que queira expor o desenvolvimiento do empirismo inglês clássico recalcará
provavelmente aquelas feições do pensamento de Berkeley que fazem plausible o ver como um
elo entre Locke e Hume. Este proceder foi bastante comum. Mas se ao historiador interessam-
lhe mais os fins declarados pelo próprio Berkeley e o que este pensava da significação de sua
filosofia, insistirá sobretudo nas feições metafísicos do pensamento berkeleyano e em sua
focagem religiosa. Semelhantemente, se um historiador trata de patentizar um movimento de
ideias que leva até a filosofia de Bergson, é provável que qualifique de “espiritualista” a um
escritor como Lachelier, cujo pensamento, de por si, poderia ser classificado com outra etiqueta.
Assim mesmo, no presente volume a filosofia de Brunschvicg foi tratada baixo o título geral de
idealismo. Mas quem estimasse que o idealismo não é merecedor de atenção poderia incluir a
Brunschvicg entre os filósofos da ciência, pois certamente teve algo que dizer neste campo.

Os problemas clasificatorios se evitariam desde depois tratando o desenvolvimento do


pensamento filosófico em termos de problemas e de temas, como o fez Windelband, mais bem
que tomando aos filósofos sucessivamente e tratando o pensamento da cada um deles como um
bloco. Tal procedimento poderia parecer especialmente apropriado no caso dos filósofos
franceses, cujos interesses são com frequência amplísimos e cujos escritos versam envelope
muito variados tópicos. Mas embora este procedimento tem muito de recomendável, seria
também desventajoso para aquele leitor que, desejando dedicar ininterruptamente a atenção a
um filósofo determinado, não poderia achar nenhuma visão de conjunto envelope o pensamento
do mesmo. Em todo caso, preferi seguir neste volume IX o mesmo método que, para bem ou
para mau, segui nos volumes precedentes. O projetado volume X e último me brindará espaço
para outra focagem diferente.

Acima fez-se referência aos brumosos metafísicos. Por certo esta alusão não deverá ser
entendido como um julgamento a respeito da filosofia francesa. Ao autor das presentes páginas
não lhe impressiona em verdade tanto como parece lhes impressionar a alguns o comum aserto
de que o pensamento francês se destaca por sua estrutura lógica e sua clareza. Isto pode ser
sustentado do de Descarte, o mais eminente dos filósofos franceses; e os escritores da Ilustração
foram, indubitavelmente, claros. Mas alguns escritores franceses mais recentes diríase que
fizeram quanto estava de sua parte por emular a escura linguagem que tendemos a associar com
a filosofia alemã a partir de Kant. E não é que sejam incapazes de escrever claramente. Pois com
frequência fazem-no. Mas em seus escritos filosóficos profissionais parece que prefiram
expressar suas ideias em retorcida jerga. O de Sartre é um caso extremo. E quanto aos
metafísicos, falar de l ’être não é necessariamente mais esclarecedor que ter sempre nos lábios
dá Sein. Ao mesmo tempo, seria do todo errôneo supor que a filosofia francesa se ocupa
predominantemente de escuridões metafísicas. Rasgo seu bem mais marcado é o de um interesse
pelo homem. O primeiro filósofo notável do que se tratará neste volume, Maine de Biran,
abordou a filosofia por médio da psicologia; e foi a reflexão sobre a vida interior do homem o
que lhe conduziu à metafísica. O último filósofo do que nos ocuparemos com algum
detenimiento, Jean-Paul Sartre, é um pensador que centrou suas reflexões no homem enquanto
agente livre e cujo compromisso pessoal no campo sociopolítico é bem conhecido.

Evidentemente os filósofos podem ser interessado pelo homem de diferentes modos. Alguns
fixaram sua atenção na atividade espontânea e na liberdade do homem, como ocorre com Maine
de Biran e com o que comummente se descreve como a corrente espiritualista dentro da filosofia
francesa, enquanto outros, tais como Lhe Senne, fizeram questão do reconhecimento dos valores
pelo homem e em seu trascender o empiricamente dado. Outros filósofos meditaram mais bem
sobre a vida do pensamento e envelope a atividade reflexiva da mente humana segundo se
manifesta na história. Brunschvicg destaca muito entre eles. Estas diversas focagens tenderam a
alargar-se até converter-se em interpretações gerais da realidade. Ravaisson, por exemplo,
começou refletindo sobre o hábito e foi parar a uma visão geral do mundo, e Bergson refletiu
sobre as experiências humanas da duração e da atividade voluntária e desenvolveu toda uma
filosofia do universo orientada religiosamente. No caso daqueles que centraram sua atenção na
autocrítica da mente e refletiram sobre sua própria atividade assim que manifestada em diversas
esferas, a visão geral decorrente tendeu a ser de tipo idealista.

Outros pensadores insistiram preferencialmente sobre o homem em sociedade. Esta


insistencia pode tomar a forma de investigação objetiva e desapasionada, como acontece, por
exemplo, na sociologia de Emile Durkheim ou na antropologia estructuralista de Lévi-Strauss.
A reflexão sobre o homem em sociedade pode ser feito também com um espírito de
compromisso, tendo em vista promover a ação ou a mudança mais que com simples finalidade
de entendimento. Assim foi como se fez, naturalmente, a seguida da Revolução. No primeiro
capítulo deste volume prestamos atenção a um grupo de pensadores que se interessaram
profundamente pela reconstrução da sociedade e acharam que não se conseguiria senão mediante
a manutenção de certas tradições ameaçadas. No capítulo quarto passamos breve revista a outro
grupo de pensadores que estavam convencidos de que, conquanto a Revolução dava ao fracasso
com o antigo regime, os ideais revolucionários tinham que se realizar ainda na construção e o
desenvolvimento positivos da sociedade. A este respecto, Auguste Comte, o sumo pontífice do
positivismo, interessou-se a fundo pela organização da sociedade, embora com uma fé bastante
ingênua no aperfeiçoamento da sociedade mediante o desenvolvimento do conhecimento
científico. Em um período posterior acharemos parecidos ânimos, manifestados no afã de
transformar a sociedade já seja mediante um revolucionarismo de inspiração marxista, como em
Sartre, já pelo desenvolvimento de um socialismo mais personalista, como em Emmanuel
Mounier.
Nem que dizer tem que estas bem discernibles linhas de pensamento não se excluem todas
elas mutuamente. Pode-lhas achar em diferentes graus de combinação. O pensamento de Sartre
é um exemplo óbvio. Por uma parte este filósofo tem recalcado com grande énfasis os temas da
liberdade humana e da eleição pelo indivíduo de seus próprios valores, bem como o do modo de
dar um significado a sua própria vida. Por outra parte fez hincapié em que a cada um deve ser
comprometido na esfera sociopolítica e em que há que transformar a sociedade. O esforço por
combinar estas duas linhas de pensamento, a individualista e a social, levou-lhe a apresentar uma
versão do marxismo que incorpora a este uma insistencia existencialista na liberdade humana.
A ninguém terá de lhe surpreender, pois, que a Sartre lhe tenha custado bastante combinar seu
convencimiento, de que é o homem quem faz a história e lhe dá sentido, com a tendência
marxista a ver a história como um processo dialéctico e teleológico, ou combinar seu rasgado
existencialismo do “a cada homem é uma ilha” com um énfasis marxista em torno do grupo
social. Mas o verdadeiro é que no pensamento de Sartre a insistencia na liberdade humana, que
vinha sendo um rasgo característico da linha de pensamento iniciada com Maine de Biran, se
junta com a linha de pensamento que faz questão do tema do homem em sociedade e que
considera a Revolução francesa simplesmente como uma etapa de um inacabado processo de
transformação social.

Assegurar que o interesse pelo homem foi uma feição muito notorio da filosofia francesa
não equivale, naturalmente, a dizer que na França a filosofia se tenha interessado tão só pelo
homem. Tal aserto seria às claras falso. Mas se comparamos o pensamento filosófico francês
recente com a filosofia inglesa também de agora, salta à vista que o que Georges-André Malraux
descreveu como “a condição humana” ocupa naquele um já que certamente não ocupa na atual
filosofia inglesa. E temas que foram tratados, por exemplo, por Gabriel Marcel e por Vladimir
Jankélévitch mal assomam sequer no pensamento inglês de hoje. Com respeito às ideias sociais
e políticas os filósofos britânicos costumam adotar uma atitude de neutralidade que a um escritor
como Sartre se lhe faria a todas luzes inaceitável. Em general, quanto ao homem e à sociedade,
o pensamento francês produz uma impressão de contato direto que não é produzida pela linha
de pensamento que recentemente predomina na Grã-Bretanha.

Estas observações não implicam necessariamente um julgamento comparativo de valores.


Como avalie um a situação depende em grande parte de como conceba a natureza e as funções
da filosofia. Bertrand Russell não duvidava em se comprometer em assuntos morais e políticos;
mas os escritos em que o fazia não considerava que pertencessem à filosofia em sentido estrito.
Quem ache que ao filósofo lhe compete refletir envelope a linguagem da moral e da política, e
que se se compromete em assuntos de entidade o faz como homem e como cidadão mais bem
que como filósofo, é óbvio que não terá por falhanço ou falta dos filósofos o que mantenham em
seus escritos uma atitude predominantemente decolada e analítica. O autor das presentes páginas
não pretende respaldar, como Bertrand Russell, a arremetida contra os principais filósofos
ingleses a que se lançou o professor Ernest Gellner em seu provocador e divertido, embora
exageradamente polêmico, livro titulado Words and Things (As palavras e as coisas). Mas isto
não altera o fato de que entre França e Inglaterra há uma diferença, por assim o dizer, de ambiente
filosófico. Na Inglaterra a filosofia chegou a ser um trabalho de investigação altamente
especializada, no que se cuidam muito a clareza e a precisão e molestam as linguagens
carregadas de emotividad e ambigüedades e as argumentaciones ao pouco mais ou menos. Na
França a filosofia está muito intimamente interligada com a literatura e com a arte. Por suposto
que também pode ser achado na França, como em qualquer outro sítio, especialização filosófica
e isso que alguns consideram “filosofia de torre de marfim”. Mas o âmbito em que se
interrelacionan filosofia e literatura parece se estender bastante mais por França que por
Inglaterra. Quiçá tenha algo que ver com isto o fato de que no sistema educacional francês se
introduz já aos estudantes desde o lycée, ou seja desde o segundo ensino, nos rudimentos da
filosofia. Quanto ao compromisso político, há claras razões históricas e sociopolíticas pelas que
a partir, por exemplo, da Segunda Guerra Mundial existiu na França uma preocupação pelo
marxismo que certamente não se dá na Inglaterra na mesma proporção.

Ao indicar um pouco mais acima que o homem foi um tema muito destacado na filosofia
francesa o fiz tendo em vista contrarrestar qualquer impressão, que pudessem produzir os
bilhetes que neste volume se dedicam a metafísicos como Lavelle e a idealistas como Hamelin,
de que a filosofia aqui estudada se tivesse ocupado sobretudo de “escuridões metafísicas”. Mas,
embora o tema do homem seja comummente considerado mais concreto e relevante que o de l
’être ou dá Sein, deverá ser reconhecido que o falar a respeito do homem não constitui nenhuma
garantia de clareza e precisão. O autor da presente obra opina que é bem mais fácil entender a
Bergson e sua visão geral do mundo que captar que é o que querem dizer alguns escritores
franceses mais recentes acerca, ponhamos por caso, da fenomenología da consciência humana.
E conste que não estou pensando em Sartre, cuja jerga é simplesmente irritante: se o que diz
parece às vezes extremamente escuro, não é porque seja ininteligible o que está dizendo, senão
porque preferiu expressar em linguagem difícil o que poderia ser tido dito bem mais lisa e
claramente. Há, empero, alguns outros filósofos cujo modo de escrever resulta tão impresionista
e confuso que o autor deste volume concebeu poucas esperanças de conseguir resumir as linhas
principais de semelhante pensamento de maneira conveniente para apresentar em uma história
da filosofia. Desde depois cabe replicar que “tanto pior para as histórias da filosofia”. Pode ser
este um comentário ingenioso. Mas é de saber que, no caso de alguns filósofos, as exposições
de seu pensamento com que contamos resultam ainda menos esclarecedoras que os textos
originais. Merleau-Ponty está muito no verdadeiro quando diz que os filósofos não têm de
duvidar em se lançar a arduas investigações e empresas exploratorias que requerem conceitos e
expressões de novo cuño. Exigir que não se diga nada exceto o que possa ser manejado com
precisão por médio dos utensilios já disponíveis equivaleria a postular o abandono do
pensamento criador e a petrificación da filosofia. Mas isto não tira que o que ainda está em
processo de gestación e ainda se encontra relatório seja um material pouco apto para o historiador
da filosofia.
Perte I
Desde a Revolução Francesa até Auguste Conte
Capítulo I
A reação tradionalista à revolução.

1. Observações introdutórias.

Para nós a Revolução francesa é um acontecimento histórico cujo desenvolvimento, efeitos


e causas podem ser pesquisados desapasionadamente. Na época em que ocorreu os julgamentos
a respeito dela iam, sem dúvida, acompanhados e com frequência afetados de fortes sentimentos.
A muita gente parecia-lhe óbvio que a Revolução era não só uma libertação nacional e um
impulso regenerador da sociedade francesa, senão também um movimento destinado a levar
igualmente a luz e a liberdade a outras nações. Por certo que o Terror podia deplorarse, ou quiçá
excusarse; mas os ideais revolucionários aprovavam-se e engrandeciam como uma afirmação da
liberdade humana e, em ocasiões, como uma muito esperada extensão da Reforma às esferas
política e social. Teve, no entanto, outras gentes às que lhes pareceu não menos óbvio que a
Revolução foi um evento desastroso que pôs em perigo de quebra as bases da sociedade, mudou
a estabilidade social por um anárquico individualismo, deu alocadamente ao fracasso com as
tradições da França e expressou a rejeição dos princípios religiosos da moral, da educação e da
coesão social. Evidentemente a hostilidade à Revolução podia estar alentada em grande parte
por motivos egoístas; mas também podia o estar o apoio a ela. E do mesmo modo que ao
idealismo se lhe podia enrolar do lado da Revolução, não menos possível era que se desse uma
oposição ao espírito revolucionário sinceramente convencida de que tal espírito era destructivo
e impío.

Uma oposição acérrima à Revolução foi expressada no plano filosófico pelos chamados
“tradicionalistas”. Tanto os autores como os oponentes da Revolução tendiam a ver nela o fruto
da Ilustração, embora as avaliações desta e as atitudes ao respecto diferiam muito, naturalmente,
em uns e outros. É fácil, desde depois, despachar aos tradicionalistas como a reaccionarios cheios
de nostalgia do passado e cegos para com o movimento da história.[1] Mas, por muito miopes
que fossem em certas feições, foram também escritores destacados e influentes e não se lhes
pode passar simplesmente por alto em uma exposição do pensamento francês das primeiras
décadas do século XIX.

2. De Maistre.

O primeiro escritor do que deve ser feito menção é o famoso monárquico e ultramontano
conde Joseph de Maistre (1753-1821). Nascido em Chambéry, na Saboya, estudou leis em Turín
e chegou a ser senador de sua pátria. Invadida esta por França, de Maistre se refugiou primeiro
em Aosta e depois em Lausanne, onde escreveu suas Considérations sul a France
(Considerações sobre a França, 1796). sentia em tempos alguma simpatia pelos liberais; mas
nesta obra mostrou-se claramente oposto à Revolução e deseoso de que se restaurasse a
monarquia francesa.

Em 1802 de Maistre foi nomeado ministro plenipotenciario do rei de Cerdeña ante o corte
do zar em San Petersburgo. Permaneceu na Rússia catorze anos e escreveu ali seu Essai sul lhe
principe générateur dê constitutions politiques (Ensaio sobre o princípio gerador das
constituições políticas, 1814). Trabalhou também na redação de sua obra Du Pape (Do Papa),
que terminaria em Turín e saiu ao público em 1819, e na das Soirées de Saint-Pétersbourg
(Veladas de San Petersburgo), que apareceu em 1821. Seu Exame da philosophie de Bacon foi
publicado póstumo em 1836.

Em sua juventude tinha estado de Maistre associado a um círculo masónico de Lyón que se
inspirava algo nas ideias de Louis-Claude de Saint-Martin (1743-1803), a quem lhe tinham
estimulado a sua vez os escritos de Jakob Boehme.[2] Aquele círculo era oposto à filosofia da
Ilustração e inclinado a doutrinas metafísicas e místicas que representavam uma fusão de crenças
cristãs e neoplatónicas. E Saint-Martin via na história o despliegue da divina Providência. A
história era para ele um processo contínuo inteiramente vinculado a Deus, ao Um.

Quiçá não seja tão absurdo o querer perceber a toda costa ecos de tais ideias nas
Considerações sobre a França de De Maistre. Lhe horrorizan aí a Revolução, o regicidio, os
ataques contra a Igreja, o Terror; mas ao mesmo tempo sua concepção da história mantém-se na
linha de uma avaliação exclusivamente negativa da Revolução. Tem por bellacos e criminosos
a Robespierre e aos demais dirigentes, mas vê-os também como inconscientes instrumentos da
divina Providência. Os homens “atuam ao mesmo tempo voluntária e necessariamente”.[3]
Fazem como querem fazer, mas ao o fazer assim secundan os desígnios da Providência. Os
cabeças da Revolução estavam convencidos de que a controlavam; mas não eram senão
instrumentos que se utilizam e depois se eliminam, pois a Revolução mesma foi o instrumento
de que Deus se serviu para castigar o pecado: “Jamais se tinha manifestado tão às claras a
divinidad em um acontecimento humano. Se emprega os mais viles instrumentos, é porque trata-
se de castigar tendo em vista regenerar”.[4] Se as fações implicadas na Revolução pretendiam
destruir a Cristandade e a monarquia, “síguese que todos seus esforços só darão por resultado a
exaltação da Cristandade e da monarquia”.[5] Pois há uma “força secreta”[6] que atua na história.

A ideia de De Maistre de que a história patentiza o fazer da divina Providência, cujos


instrumentos são os indivíduos, não era em si uma novidade, embora ele a aplicou a um
acontecimento ou a uma série de acontecimentos muito recentes. A ideia é obviamente objetable.
Aparte o difícil que resulta conciliar a liberdade humana com a infalible realização do plano
divino, o conceber as revoluções e as guerras como castigos divinos dá local à reflexão de que
em modo algum são somente os culpados (ou quem aos olhos humanos pareçam o ser) os que
padecem esses terríveis cataclismos. Mas de Maistre tenta sair ao passo a tais objeciones
mediante uma teoria da solidariedade da nação, e em definitiva de toda a raça humana, como
constituindo uma unidade orgânica. E esta teoria é o que ele opõe ao que considera o errôneo e
pernicioso individualismo da Ilustração.
A sociedade política — insiste de Maistre — não é certamente um conjunto de indivíduos
unidos mediante um pacto ou contrato social. Nem a razão humana pode conceber a priori
nenhuma constituição viável prescindiendo das tradições nacionais e das instituições que se
foram desenvolvendo ao longo dos séculos. “Um dos grandes erros de um século que professou
todos os yerros foi o de achar que uma constituição política podia ser criado e se redigir a priori,
sendo de modo que a razão e a experiência mostram de consuno que uma constituição é obra
divina e que precisamente o mais fundamental e essencialmente constitucional nas leis de uma
nação é algo que não poderia ser posto por escrito.”[7] Se fixamo-nos na constituição inglesa
veremos que é a decorrente de um grande número de fatores e circunstâncias convergentes que
serviram de instrumentos da Providência. Uma constituição assim, que certamente não foi
construída de um modo a priori, está sempre aliada com a religião e adota uma forma
monárquica. Não é, portanto, surpreendente que os revolucionários, que querem estabelecer uma
constituição por decreto, ataquem à religião e à monarquia.

Em termos gerais de Maistre opõe-se violentamente ao racionalismo dieciochesco, por ver-


lhe ocupar-se de abstrações e menospreciar as tradições que, em sua opinião, manifestam a obra
da divina Providência. O abstrato ser humano de lhes philosophes, que não é em essência nem
francês, nem inglês, nem membro de nenhuma outra unidade orgânica, é só uma ficção. E o é
também o Estado quando se lhe interpreta como o produto de um contrato, pacto ou convenção.
Sempre que de Maistre faz alguma observação complementar sobre um pensador da Ilustração
é porque parece-lhe que trasciende a estreita mentalidade do racionalismo apriórico, Por
exemplo, Hume é elogiado por seu ataque contra a artificiosidad da teoria do contrato social. Se
de Maistre remonta-se a dantes da Ilustração e ataca a Francis Bacon é porque, em sua sentir, “a
filosofia moderna é toda ela filha de Bacon”.[8]

Outra ficção racionalista, segundo de Maistre, é a da religião natural, se por este termo tem-
se de entender uma religião puramente filosófica, construção deliberada da razão do homem.
Em realidade a crença em Deus vem-se transmitindo a partir de uma revelação primitiva que se
lhe fez à humanidade, sendo o cristianismo outra nova revelação mais completa. Isto é, que só
há uma religião revelada; e tão impossível é-lhe ao homem construir uma religião a priori como
construir uma constituição a priori. “A filosofia do século passado, que aparecerá aos olhos da
posteridad como uma das épocas mais oprobiosas do espírito humano [...] não foi aliás outra
coisa que um autêntico sistema de ateísmo prático.”[9]

Segundo de Maistre, a filosofia do século XVIII achou sua expressão na teoria da soberania
do povo e na democracia. Mas aquela teoria carece em absoluto de fundamento, e os frutos da
democracia são a desordem e a anarquía. Para remediar estes males há que voltar ao
reconhecimento da autoridade historicamente fundada e providencialmente constituída. Isto na
esfera política significa a restauração da monarquia cristã, e na esfera religiosa a aceitação da
suprema e única soberania do Papa infalible. Os seres humanos são tais que é necessário que
tenha governo, e o poder absoluto é a única alternativa verdadeira para evitar a anarquía. [10]
“Nunca disse eu que o poder absoluto, seja qual for a forma de sua existência no mundo, não
entranhe grandes inconvenientes. Dantes ao invés, reconheci expressamente o fato, e não tenho
o propósito de atenuar esses inconvenientes. Dizia tão só que nos achamos entre dois
abismos.”[11]
Na prática, o exercício do poder absoluto é restrito inevitavelmente por diversos fatores. E
em qualquer caso os soberanos políticos estão, ou deveriam estar, submetidos à jurisdição do
Papa, no sentido de que este tem direito a julgar as ações daqueles desde os pontos de vista
religioso e moral.

A de Maistre conhece-se-lhe sobretudo por seu ultramontanismo e porque insistiu muito na


infalibilidad do Papa bastante tempo dantes de que esta doutrina fosse definida pelo Concilio
Vaticano I. Mas tal insistencia não lhes pareceu muito aceitável a todos os que compartilhavam
a hostilidade de De Maistre à Revolução e simpatizaban com seu desejo de ver restaurada a
monarquia. Algumas de suas reflexões a respeito das constituições políticas e os valores da
tradição eram similares às de Edmund Burke (1729-1797). Mas como mais se lhe recorda é
principalmente como autor da obra Du Pape.

3. De Bonald.

Figura mais notável desde o ponto de vista filosófico foi a de Louis Gabriel Ambroise,
vizconde de Bonald (1754-1840); Antigo oficial da guarda real, foi membro da Assembleia
Constituinte em 1790; mas em 1791 teve de emigrar e viveu na pobreza. Em 1796 publicou em
Constanza seu Théorie du pouvoir politique et religieux dans a société civile (Teoria do poder
político e religioso na sociedade civil). Voltado a França foi partidário de Napoleón, no que via
o instrumento para a unificação política e religiosa da Europa. Mas com a Restauração declarou-
se em favor da monarquia. Em 1800 publicou um Essai analytique sul lhes lois naturelles de
l’ordre social (Ensaio analítico envelope as leis naturais da ordem social). A esta obra seguiu-
lhe em 1802 A législation primitive (A legislação primitiva). Entre seus restantes escritos
incluem-se Recherches philosophiques sul lhes premiers objets dê connaissances morais
(Investigações filosóficas a respeito dos primeiros objetos dos conhecimentos morais, 1818) e
uma Démonstration philosophique du principe constitutif da société (Demonstração filosófica
do princípio constitutivo da sociedade, 1827).

Disse-se às vezes que de Bonald recusa toda filosofia. Mas isto não é exato. Verdadeiro que
recalca a necessidade de que a sociedade se assente envelope uma base religiosa, e que contrasta
esta necessidade com a insuficiencia da filosofia como fundamento social. A seu parecer, uma
união da sociedade religiosa com a sociedade política é “tão necessária para constituir o corpo
civil ou social como necessária é a simultaneidad da vontade e a ação para constituir o ego
humano”,[12] enquanto à filosofia lhe falta autoridade para ditar leis e impor sanções. Também
é verdade que depois de ter examinado a sucessão dos sistemas conflictivos conclui que “Europa
[…] está esperando ainda uma filosofia”[13]. Ao mesmo tempo mostra de Bonald evidente
admiração a alguns filósofos. Fala, por exemplo, de Leibniz como do “gênio talvez mais capaz
(vaste) de quantos apareceram entre os homens”.[14] Por outra parte, distingue entre os homens
de ideias ou conceitos, que de Platón em adiante “esclareceram o mundo”,[15] e os homens “de
imaginação”, tais como Bayle, Voltaire, Diderot, Condillac, Helvétius e Rousseau, que têm
desorientado à gente. O descrever a escritores do tipo de Bayle e Diderot como homens de
imaginação pode parecer chocante; mas é que de Bonald não se está referindo a pensadores de
inclinação poética, senão em princípio àqueles que derivam todas as ideias da experiência
sensível. Quando, por exemplo, Condillac fala de “sensações transformadas”, a frase quiçá aluda
à imaginação, que pode fingir a sua capricho transformações e mudanças. “Mas esta
transformação, quando se aplica às operações da mente, não é mais que uma palavra carente de
significado, e Condillac mesmo se teria visto em grande aperto se tivesse que lhe dar uma
aplicação satisfatória.”[16]

Pelo geral os homens “de imaginação”, segundo entende de Bonald o termo, são sensistas,
empiristas e materialistas. Os homens de ideias ou conceitos são em princípio os que acham que
há ideias innatas e as atribuem a sua última fonte. Assim Platón “proclamou as ideias innatas ou
ideias universais, impressas em nossas mentes pela suprema Inteligência”,[17] enquanto
Aristóteles, pelo contrário, “humilhou à inteligência humana recusando as ideias innatas e
representando as ideias como se viessem à mente só por médio dos sentidos”.[18] “O reformador
da filosofia na França foi Descarte.”[19]

É verdade, sem dúvida, que de Bonald fala da ausência de filosofia entre os judeus dos
tempos do Antigo Testamento e em outras nações vigorosas, tais como os primeiros romanos e
os espartanos, e que conclui da história da filosofia que os filósofos foram incapazes de encontrar
uma base firme e segura para suas especulações. No entanto, rehúsa o admitir que devamos por
isso desesperar da filosofia e a recusar em bloco. Ao invés, o que devemos fazer é buscar “um
dado absolutamente primitivo”[20] que possa nos servir de seguro ponto de partida.

Nem que dizer tem que não foi de Bonald o primeiro homem que se pôs a buscar uma base
segura para a filosofia. Nem também não foi o último. Mas é interessante ler que encontra seu
dado ou “fato primitivo” na linguagem. Filosofia em general é “a ciência de Deus, do homem e
da sociedade”.[21] O dado primitivo que se está buscando deverá, pois, achar na base do homem
e da sociedade. E é a linguagem. Quiçá pareça que a linguagem não pode ser um fato primitivo.
Mas, segundo de Bonald, o homem não poderia o ter inventado para expressar seus pensamentos,
pois o pensamento mesmo, implicando como implica conceitos gerais, pressupõe alguma
espécie de linguagem. Dito de outro modo, para expressar seus pensamentos o homem tem de
ser já utilizador de linguagem. A linguagem é necessária para que o homem seja homem. E a
sociedade humana pressupõe também a linguagem e não poderia existir sem ele.

Ao considerar de Bonald a expressão simbólica como uma caraterística essencial do homem


não está dizendo nada que vá causar assombro hoje em dia, conquanto são várias as questões
embarazosas que podem ser formulado. Mas ele passa adiante arguyendo que o homem recebeu
o dom da linguagem ao mesmo tempo que o da existência, e que, portanto, “necessariamente
teve de existir, anteriormente à espécie humana, uma causa primeira deste maravilhoso efeito
(isto é, da linguagem), um ser superior em inteligência ao homem, superior a todo quanto somos
capazes de conhecer e ainda imaginar, do que o homem indiscutivelmente recebeu o dom do
pensamento, o dom da palavra [...]”.[22] Vale dizer, que se, segundo o fez notar Rousseau,[23] o
homem precisa a fala para aprender a pensar, mas não poderia ter construído a fala se não fosse
capaz de pensar, não pôde ser ele o inventor da linguagem; e este dado serve de base para uma
prova da existência de Deus.

Não há por que reprocharle naturalmente a de Bonald que não se detenha ante a multiplicidad
de línguas, nem ante o fato de que os homens podemos inventar e inventamos expressões
linguísticas. O que ele sustenta é que razoavelmente não pode ser figurado um ao homem como
se primeiro desenvolvesse este o pensamento e depois se pusesse, por assim o dizer, a inventar
a linguagem para expressar esse pensamento. Porque o genuíno pensar implica já a expressão
simbólica, embora não se pronunciem palavras.[24] Certamente de Bonald marca-se um bom
ponto recusando separar de maneira tajante o pensamento e a linguagem.[25] Outra questão é que
sua forma de explicar o relacionamento entre ambos possa servir de base para uma prova da
existência de Deus. Dá ele por suposto que enquanto nossas ideias dos objetos particulares do
mundo dependem da experiência sensorial, há certos conceitos básicos (por exemplo, o de Deus)
e certos princípios fundamentais ou verdades primeiras que representam uma revelação
primitiva feita por Deus ao homem. Como esta revelação não poderia ser captada ou apropriada
inicialmente sem a linguagem, este teve de ser um dom primitivo que lhe fez Deus ao homem
ao lhe criar. É óbvio que de Bonald pensa que o homem foi criado diretamente por Deus, quem
lhe teria criado como a “ser-utilizador-de-linguagem”, enquanto o mais provável é que nós
pensemos em termos de evolucionismo.

A filosofia social de De Bonald é triádica, no sentido de que, segundo ele, “em toda
sociedade há três pessoas”:[26] na sociedade religiosa, Deus, seus ministros e o povo, cuja
salvação é o fim ao que aponta o relacionamento entre Deus e seus ministros; na sociedade
doméstica ou família temos ao pai ou a mãe e o filho ou os filhos; na sociedade política estão a
cabeça do Estado (que representa o poder), seus oficiais de várias classes e o povo ou corpo dos
cidadãos.

Agora bem, se perguntamos se na família o poder lhe pertence ao pai a resulta de um acordo
ou pacto, a resposta, para de Bonald, deve ser negativa. O poder pertence-lhe ao pai
naturalmente, e deriva ou prove, em última instância, de Deus. Similarmente, na sociedade
política a soberania pertence-lhe ao monarca, não ao povo, e lhe pertence àquele por natureza.
“O estabelecimento do poder público não foi nem voluntário nem forçado: foi necessário, isto
é, conforme à natureza dos seres em sociedade. E suas causas e origens foram todos naturais.”[27]
Esta ideia é aplicável inclusive ao caso de Napoleón. A Revolução foi ao mesmo tempo
culminación de uma longa doença e um esforço realizado pela sociedade para voltar à ordem.
Era necessário, e pelo mesmo natural, que assumisse o poder alguém capaz de converter a
anarquía em ordem. Napoleón foi esse alguém.

Como de Maistre, insiste de Bonald na unidade do poder ou soberania. A soberania deve ser
uma, independente e definitiva ou absoluta.[28] Também deve ser duradoura, e desta premisa
deduze de Bonald a necessidade da monarquia hereditaria. Mas a caraterística peculiar de seu
pensamento é sua teoria sobre a origem da linguagem e da transmissão, por seu médio, de uma
primitiva revelação divina que está na base da crença religiosa, da moral e da sociedade. Não
acaba de se ver do todo claro como quadra esta teoria da transmissão de uma revelação primitiva
com o entusiasmo que sente de Bonald pela teoria das ideias innatas. Mas provavelmente pensa
que para poder ser feito cargo da revelação se requeria o innatismo das ideias.

4. Chateaubriand.

Tanto de Maistre como de Bonald foram palmariamente tradicionalistas no sentido de que


defenderam as velhas tradições políticas e religiosas da França contra o espírito revolucionário.
Precisando mais, de Bonald designadamente foi um tradicionalista no sentido técnico de que
propugnó a ideia de tradição, ou transmissão no gênero humano, de uma revelação primitiva.
Ambos combateram a filosofia da Ilustração, embora dos dois foi de Maistre o mais drástico e
indiscriminante ao a condenar. Em um dos sentidos da palavra “racionalismo”, ambos foram
antirracionalistas. Mas de nenhum dos dois pode ser dito com propriedade que represente
simplesmente ao irracionalismo, pois ambos ofereceram razonadas defesas de suas posições e
apelaram à razão em seus ataques contra o pensamento do século XVIII.

Em mudança, em Frangois-René, vizconde de Chateaubriand (1768-1848) achamos um tom


bastante diferente. Educado na filosofia dos Enciclopedistas, Chateaubriand marchou ao exílio
durante a Revolução e, vivendo com penúria em Londres, compôs sua Essai historique, politique
et moral sul lhes révolutions (Ensaio histórico, político e moral sobre as revoluções, 1797), obra
na que aceitou como válidas as objeciones dos filósofos dieciochescos contra o cristianismo, em
especial contra suas doutrinas da Providência e da imortalidade, e chegou a sustentar uma teoria
cíclica da história; nos ciclos históricos repetem-se em substância os mesmos eventos, embora
difiram as circunstâncias e os seres humanos implicados nelas. Por tanto, carece de fundamento
sólido o considerar a Revolução francesa como um começo totalmente novo e que reportará
contínuas vantagens. No fundo, repete as revoluções dos tempos passados. O dogma do
progresso é uma ilusão.

Posteriormente teria de dizer Chateaubriand, sem dúvida com razão, que, apesar de sua
anterior rejeição ao cristianismo, seguia conservando ainda um natural religioso. Em todo caso,
se sentia atraído para a religião cristã, e em 1802 publicou sua famosa obra A Génie du
Christianisme (O gênio do cristianismo). O subtítulo, Beautés da religião chrétienne (Belezas
da religião cristã), expressa bem o espírito da obra, na que o autor apela sobretudo às qualidades
estéticas do cristianismo. “Todas as demais veias apologéticas estão esgotadas, e talvez até
seriam inúteis hoje. Quem leria atualmente uma obra teológica? Umas quantas pessoas piedosas
e alguns cristãos autênticos que já estão persuadidos.”[29] Em local de certas apologías ao velho
estilo, teria que tratar de fazer ver que “a religião cristã é a mais poética, a mais humana, a mais
favorável à liberdade, às artes e às letras, dentre todas as religiões que exista nunca”.[30]

Não parece senão que Chateaubriand pretendesse argüir que a religião cristã tem que ser
verdadeira porque é bela, porque suas crenças são consoladoras e porque alguns dos maiores
artistas e poetas foram cristãos! E aparte de que, de fato, possa ter quem não estejam de acordo
quanto à beleza do cristianismo, tal ponto de vista oferece um alvo à objeción de que as
qualidades estéticas e consoladoras do cristianismo não provam que seja verdadeiro. O que
Dante e Miguel Ángel fossem cristãos, que é o que prova exceto algo concerniente a suas
pessoas? Se as doutrinas da resurrección e da salvação celestial servem de consolo a muita gente,
se seguirá disso que sejam verdadeiras? Compreenda-se que a Chateaubriand se lhe tenha
acusado de irracionalismo ou de substituir a argumentación racional por apelações à satisfação
estética.

É innegable que em Chateaubriand os argumentos filosóficos tradicionais para provar a


credibilidade da religião cristã ficam relegados a um posto completamente subordinado, e que
se recorre principalmente a considerações estéticas, ao sentimento e às razões do coração. Mas
temos de ter presente também que ele está pensando em uns inimigos do cristianismo que
arguyen que a doutrina cristã é repulsiva, que a religião cristã impede o desenvolvimento da
consciência moral, que é contrária à liberdade humana e à cultura, e que, em general, seu efeito
sobre o espírito humano é paralizador e agostador. Chateaubriand põe bem em claro que não
escreve para “sofistas” que “nunca buscam de boa fé a verdade”,[31] senão para quem, seduzidos
por esses sofistas, deram no disparate de achar, por exemplo, que o cristianismo é inimigo da
arte e da literatura, e que é uma religião bárbara e cruel, destruidora da felicidade humana. Sua
obra pode ser considerado como um argumentum ad hominem que trata de mostrar que o
cristianismo não é o que essas gentes se pensam que é.

5. Lamennais.

Figura mais interessante resulta a de Félicité Robert de Lamennais (1782-1854). Natural de


St. Mau, seguiu Lamennais em sua juventude as doutrinas de Rousseau, embora retornou cedo
à fé cristã. Ao aparecer, em 1802, a Legislação primitiva de De Bonald, a Lamennais produziu-
lhe uma impressão muito profunda. Em 1809 publicou umas Reflexões sobre o estado da Igreja
na França durante o século XVIII e sobre sua situação atual nas que fez algumas sugestões para
a renovação da Igreja. Ordenado sacerdote em Vannes em 1816, publicou ao ano seguinte o
primeiro volume de seu Essai sul l’indifférence em matière de religion (Ensaio sobre a
indiferença em matéria de religião, 1817-1823), obra que lhe deu fama imediata como
apologista da religião cristã.

No primeiro volume insiste Lamennais em que, se tratando de religião, de moral e de política,


nenhuma doutrina é matéria de indiferença. “A indiferença, considerada como estado
permanente da alma, é oposta à natureza do homem e destruidora de sua ser.”[32] Tal tese baseia-
se nas premisas de que o homem não pode ser desenvolvido como homem sem a religião e de
que esta é necessária para a sociedade, pelo mesmo e na medida em que é o fundamento da
moral, sem a qual a sociedade degenerará até ser mero agrupamento de pessoas atenta só a seus
próprios interesses particulares. Em outras palavras, Lamennais faz questão da necessidade
social da religião e recusa a opinião, muito difundida no século XVIII, de que a ética possa ser
sustentado por si mesma, aparte da religião, e de que poderia existir uma sociedade humana
satisfatória sem religião. Com esta focagem, Lamennais arguye que a indiferença com respeito
à religião é desastrosa para o homem. Caberia manter, desde depois, que ainda que a indiferença
em general é indeseable, não se segue necessariamente que todos os artigos da fé religiosa
tradicional tenham importância e repercussão social. Mas, segundo Lamennais, a herejía prepara
o caminho ao deísmo, este lho prepara ao ateísmo, e o ateísmo dá passo à indiferença completa.
É, pois, no fundo um caso de ou tudo ou nada.

Talvez pareça que Lamennais atribui à religião um valor exclusivamente pragmático, como
se a única justificativa da crença religiosa fosse sua utilidade social. No entanto, esta
interpretação de sua atitude não é adequada. Recusa ele explicitamente o sentir de quem vendo
a religião tão só como instituição social e politicamente útil concluem que é necessária para o
comum do povo. As doutrinas cristãs, em opinião de Lamennais, não são só úteis, senão
verdadeiras. Mais exatamente, se são úteis é porque são verdadeiras. Esta é a razão pela que,
para ele, não é justificável o andar provando e elegendo, isto é, não há justificativa possível para
a herejía.
A dificuldade está em ver como se propõe Lamennais mostrar que as doutrinas cristãs são
verdadeiras, em um sentido de “verdadeiras” que vá para além do entendimento puramente
pragmatista do termo. Pois em sua opinião nosso razonamiento está tão submetido a diversas
influências, as quais podem lhe afetar ainda “sem que o saibamos”,[33] que é incapaz de adquirir
nenhuma certeza. Por mais que nos halaguemos nos achando capazes de sacar conclusões a partir
de uns axiomas evidentes por si mesmos ou uns princípios básicos, o fato é que o que a um
homem lhe parece verdade de seu evidente possa não lho parecer assim a outro homem. Em tal
caso, é muito compreensível que recuse Lamennais qualquer tentativa de reduzir a religião à
religião “natural” ou filosófica. Mas a questão segue sendo como se propõe ele fazer ver que é
verdadeira a religião revelada.

Sustenta Lamennais que o remédio contra o escepticismo consiste em confiar, não já no


próprio discurrir privado, senão no comum consenso da humanidade. Pois este comum sentir ou
sentiment commun é o que constitui a base da certeza. O ateísmo é o fruto da falsa filosofia e o
resultado de ater-se a cada um a seu próprio julgamento privado. Se olhamos a história da
humanidade, acharemos uma crença espontânea em Deus, comum a todos os povos.

Passando por alto a questão de se os fatos históricos são tais como assegura Lamennais,
advirtamos que incurriría em incoherencia se pretendesse que a maioria dos seres humanos,
discurriendo a cada um por sua conta, conclui que há Deus. Ou seja, se o suposto consentimento
comum equivalesse a uma soma de todas as conclusões a que chegasse os indivíduos, poderia
ser desafiado a Lamennais a que provasse que esse consentimento possuía maior grau de certeza
que o que se atribui ao resultado do processo individual de inferência. Mas Lamennais recorre,
de fato, a uma teoria tradicionalista. Por exemplo, conhecemos o significado da palavra “Deus”
porque pertence à linguagem que aprendemos; e esta linguagem é, em definitiva, de origem
divino. “Deve ser, portanto, que o primeiro homem que no-los tem transmitido (a saber, certos
conceitos ou palavras), os recebeu ele mesmo da boca do Criador. Assim encontramos na
infalible palavra de Deus a origem da religião e da tradição que a preserva.”[34]

Dizer isto equivale a dizer, efetivamente, que é por autoridade como conhecemos a verdade
da crença religiosa, e que em realidade só há religião revelada. O que se chamou religião natural
é realmente religião revelada, e foi comummente aceitada porque os seres humanos, quando não
se lhes expolia nem descarría mediante falsos razonamientos, compreendem que “o homem está
sempre obrigado a prestar obediência à maior autoridade que lhe é possível conhecer”.[35] O
comum sentir da humanidade a respeito da existência de Deus expressa a aceitação de uma
revelação primitiva;[36] e o achar o que ensina a Igreja Católica expressa a aceitação da ulterior
revelação de Deus em Cristo e através de Cristo.

Esta teoria origina numerosas questões muito embarazosas, das que aqui não nos podemos
ocupar. Passemos, mais bem, a examinar a atitude política de Lamennais: Dado o que faz questão
da autoridade na esfera religiosa, poderia ser esperado que engrandecesse o papel da monarquia,
à moda de De Maistre e de Bonald. Mas não é isto o que faz. Lamennais é ainda um monárquico,
mas se mostra muito em contato com a realidade de seu tempo. Assim, em sua obra Da religion
considérée dans ses rapports avec l’ordre politique et civil (1825-1826) observa que a restaurada
monarquia é “uma venerável lembrança do passado”,[37] enquanto França é em realidade uma
democracia. Verdadeiro que “a democracia de nossos tempos [...] baseia-se no dogma ateu da
primitiva e absoluta soberania do povo”.[38] Mas as reflexões que ia fazendo sobre este estado
de coisas lhe levavam para o ultramontanismo dentro da Igreja e não para um sentir falta a
monarquia absoluta. Na França contemporânea sua a Igreja é tolerada e até apoiada
financeiramente; mas este patronazgo estatal constitui um grave perigo para a Igreja, já que tende
a fazer dela um departamento do Estado e põe estorbos à liberdade que precisa para penetrar em
toda a vida da nação e cristianizarla. Só recalcando muito a suprema autoridade do Papa se
conseguirá evitar a subordinación da Igreja ao Estado e pôr em claro que a Igreja tem uma missão
universal. Com respeito à monarquia, Lamennais sente aprensiones e desconfiança. Em sua obra
Du progrès da révolution et da guerre contre l’Église (1829), faz observar que “para o final da
monarquia o poder humano chegava a ser, graças ao galicanismo, objeto de uma autêntica
idolatria”.[39] Lamennais pensa ainda que a Revolução foi um disolvente da ordem social e que
é inimiga do cristianismo; mas passou já a achar que o mau para a sociedade começou ao se
implantar a monarquia absoluta. Foi Luis XIV quem “fez do despotismo a lei fundamental do
Estado”.[40] A monarquia francesa debilitou a vida da Igreja ao subordinar esta ao Estado. E
seria desastroso que, em seu desejo da aparente segurança que tentam o patronazgo e a proteção
do Estado, o clero se resignase a viver em parecida subordinación ao Estado posrevolucionario
e posnapoleónico. Como salvaguardia contra isto se requer um claro reconhecimento da
autoridade do Papa na Igreja.

Apesar de seus contínuos ataques ao liberalismo e ao individualismo político, Lamennais


chegava a achar que o liberalismo continha um elemento valioso: “o invencible afã de liberdade
inerente às nações cristãs, que não podem suportar um poder arbitrário ou puramente
humano”.[41] E a revolução de 1830 convenceu-lhe de que não podia ser confiado nos monarcas
para regenerar a sociedade. Fazia-se necessário aceitar o Estado democrático tal como era,
assegurar uma separação completa da Igreja e o Estado, e, dentro da Igreja, fazer questão da
suprema autoridade do Papa infalible. Em outras palavras, Lamennais combinava a aceitação da
ideia de um Estado democrático e religiosamente não filiado com a insistencia no
ultramontanismo dentro da Igreja. Esperava, por certo, que a Igreja conseguiria cristianizar a
sociedade; mas chegava a achar que este fim não se atingiria em tanto a Igreja não renunciasse
do todo ao patronazgo do Estado e a seu estatuto de privilégios.

Em 1830 fundou Lamennais o periódico L’Avenir, que propugnó a autoridade e a


infalibilidad do Papa, a aceitação do sistema político francês daquele então e a separação da
Igreja e o Estado. Contou esta publicação com o apoio de alguns homens eminentes, tais como
o conde de Montalembert (1810-1870) e o célebre predicador dominico Henri-Dominique
Lacordaire (1802-1861); mas as opiniões que propunha não eram aceitáveis, nem muito menos,
para todos os católicos. Lamennais tratou de conseguir a aprovação do papa Gregorio XVI, mas
este publicou em 1832 uma encíclica (Mirari vos) na que censuraba o indiferentismo, a liberdade
de consciência e a doutrina segundo a qual a Igreja e o Estado deveriam estar separados. Não se
nomeava na encíclica a Lamennais. No entanto, embora a condenação papal do indiferentismo
podia ser entendido como um louvor do Essai sul l’indifférence de Lamennais, ao editor de L
’Avenir lhe afetou notoriamente a encíclica.

Em 1834 publicou Lamennais a obra Paroles d’um croyant (Palavras de um crente) na que
defendia a todos os povos e grupos oprimidos e sufrientes e abogaba por uma completa liberdade
de consciência para todo mundo. De fato recomendava os ideais da Revolução — libertem,
igualdade e fraternidad — interpretando em um contexto religioso. O livro foi censurado pelo
papa Gregorio XVI em junho de 1834, em uma carta dirigida ao episcopado francês; mais pára
então Lamennais estava já bastante distanciado da Igreja. E dois anos depois, no escrito Affaires
de Rome (Assuntos de Roma), recusou a ideia de que pudesse ser conseguido a ordem social
contando com os monarcas ou com o Papa. passava a crer na soberania do povo.

Em escritos posteriores arguyo Lamennais que o cristianismo, em suas forma organizadas,


sobrevivia a sua utilidade; mas seguiu mantendo a validade da religião, considerada como o
desenvolvimento de um elemento divino que há no homem e une a este com Deus e com seus
semelhantes. Em 1840 publicou um panfleto dirigido contra o governo e contra a polícia, em
consequência do qual teve de sofrer em um ano de cárcere. Depois da revolução de 1848, foi
eleito deputado pelo departamento do Sena. Mas quando Napoleón III assumiu o poder,
Lamennais se retirou da política. Morreu em 1854, sem ter-se reconciliado formalmente com a
Igreja.

6. O tradicionalismo e a Igreja.

Em um sentido muito geral ou amplo do termo, podemos descrever como tradicionalistas a


todos aqueles que viram na Revolução francesa um desastroso ataque às valiosas tradições
políticas, sociais e religiosas de sua pátria e abogaron por uma volta às mesmas. Mas no sentido
técnico do termo, isto é, no sentido em que se usa ao expor a história das ideias vigentes ao longo
das décadas que seguiram à Revolução, se entende por tradicionalismo a teoria segundo a qual
certas crenças básicas, necessárias para o desenvolvimento espiritual e cultural e para o bem-
estar do homem, não são mero resultado do humano razonar senão que se derivam de uma
revelação primitiva feita por Deus e se vieram transmitindo de geração em geração por médio
da linguagem. É óbvio que o tradicionalismo no sentido amplo não exclui o tradicionalismo no
sentido mais estrito. Mas também não inclui-o. Greve dizer que um francês podia muito bem
desejar a restauração da monarquia sem ter que admitir a teoria de uma primitiva revelação e
sem pôr restrições ao alcance da prova filosófica. Também era possível adotar teorias
tradicionalistas no sentido técnico e, no entanto, não pedir que se restaurasse l’ancien régime.
As duas coisas podiam ser dado juntas; mas não eram inseparáveis.

Quiçá pareça, a primeira vista, que o tradicionalismo no sentido técnico, com sua hostilidade
à filosofia da Ilustração, sua insistencia em uma revelação divina e sua tendência ao
ultramontanismo, seria sumamente aceitável para a autoridade eclesiástica. No entanto, embora
as tendências ultramontanas eram naturalmente gratas a Roma, a filosofia tradicionalista concitó
contra si as censuras eclesiásticas. Refutar algumas teses filosóficas do século XVIII
evidenciando que se baseavam em premisas gratuitas ou que seus argumentos eram pouco
sólidos estava muito bem: era uma atividade recomendável. Mas combater o pensamento da
Ilustração partindo da base de que a razão humana é incapaz de atingir verdades verdadeiras,
isto era já algo muito diferente. Se a existência de Deus só pôde ser conhecido por autoridade,
como se soube, a sua vez, que a autoridade era digna de crédito? E no que a isto atañe como
soube o primeiro homem que o que ele tomava por revelação era em verdade revelação? E se a
razão humana fosse tão impotente como os tradicionalistas mais extremados chegavam à
fazer,[42] de que modo poderia ser demonstrado que a voz de Cristo era a voz de Deus?
Compreenda-se que a autoridade eclesiástica, por muito que simpatizara com os ataques à
Ilustração e à Revolução, não se entusiasmasse em favor de umas teorias que enunciaban suas
demandas sem nenhum apoio racional, salvo discutibles apelações ao comum sentir da
humanidade.

Ponhamos um exemplo: o segundo volume do Essai sul l’indifférence de Lamennais exerceu


considerável influência em Augustin Bonnetty (1798-1879), o fundador dos Annales de
philosophie chrétienne. Em um artigo desta revista escreveu Bonnetty que a gente estava
começando a entender que a religião se fundamenta toda na tradição e não no raciocinio. Sua
tese geral era que a revelação era a única fonte da verdade religiosa, e daí sacava ele a conclusão
de que o escolasticismo que prevalecia nos seminários era expressão de um racionalismo pagano
que corrompia a mente da Igreja e tinha fructificado eventualmente na destructiva filosofia da
Ilustração. Em 1855 a Sagrada Congregación do Indice exigiu a Bonnetty que subscrevesse uma
série de tese, tais como a de que a razão humana pode provar com certeza a existência de Deus,
a espiritualidad da alma e a liberdade humana, a de que o discurso racional leva à fé, e a de que
o método empregado por Santo Tomás de Aquino, San Buenaventura e os escolásticos não
conduz ao racionalismo. Outras proposições similares era já subscritas em 1840 por Louis-
Eugène-Marie Bautain (1796-1867).

Talvez se lhe ocorra ao leitor que o fato de que a autoridade eclesiástica imponha a admissão
das teses de que a existência de Deus pode ser provada filosoficamente e outras deste tenor
contribui pouco a fazer ver como se provam tais coisas. Mas o que está claro é que a Igreja se
pôs do lado do que Bonnetty considerava racionalismo, E nesta matéria se fizeram declarações
definitivas no Concilio Vaticano I, em 1870, concilio que assinalou também o triunfo do
ultramontanismo. Quanto à ideia geral de que França só poderia ser regenerado mediante uma
volta à monarquia em aliança com a Igreja, esta ideia recebeu um novo impulso com o
movimento da Action française, fundado por Charles Maurras (1868-1952). Só que Maurras
mesmo era, como alguns de seus mais imediatos colaboradores, ateu[43] e não um crente como
o foram de Maistre ou de Bonald. Por tanto, não pode surpreender o que seu cínico tentativa de
se servir do catolicismo para fins políticos acabasse sendo condenado pelo papa Pío XI.
Recordemos, de passagem, que Lamennais, em seu Ensaio sobre a indiferença, incluía entre os
“sistemas de indiferença” o que consiste em ver a religião tão só como um instrumento social e
politicamente útil.
Capítulo II
Os ideólogos e Maine de Biran.

1. Os ideólogos.

Como vimos, os tradicionalistas combatiam o espírito e o pensamento da Ilustração, os


considerando em grande parte responsáveis da Revolução. Quem deram as boas-vindas à
Revolução opinavam aproximadamente igual sobre o relacionamento que teve entre o
pensamento do século XVIII e a Revolução. Claro que atribuir esta simplesmente ao influjo de
lhes philosophes seria um exagero palmaria e um cumprimento demasiado halagador para a
filosofia e seu poder. No entanto, o verdadeiro é que, conquanto os filósofos do século XVIII
não propugnaron a violência, o derramamiento de sangue e o terror, senão a difusão do saber e,
mediante tal difusão, a reforma da sociedade, contribuíram com suas ideias e escritos a preparar
o derrocamiento do ancien régime; e de todos é bem sabido que a influência da Ilustração se
prolongou bastante para além da Revolução. Tão cedo como chegava a se estabilizar
suficientemente a situação se desenvolviam e floresciam as tarefas científicas sócias a um
homem como d’Alembert (1717-1783).[44] As demandas de Condorcet (1743-1794)[45] em pró
de um sistema educativo baseado em uma ética laica e livre de orçamentos teológicos e de
influências eclesiásticas ficariam eventualmente satisfeitas na França com o programa de
educação pública. E embora Condorcet mesmo cairia vítima da Revolução,[46] sua visão da
perfectibilidad do homem e sua concepção da história como um processo de avanço intelectual
e moral, junto da interpretação da história exposta por Turgot (1727-1781),[47] prepararam o
caminho à filosofia de Auguste Comte, que examinaremos em seu local correspondente.

Os herdeiros diretos do espírito da Ilustração e designadamente do influjo de Condillac


(1715-1780)[48] foram os chamados ideólogos (lhes idéologues). Em 1801 publicou Destutt de
Tracy (1754-1836) o primeiro volume de seus Éléments d’idéologie (Elementos de ideologia),
e desta obra foi de onde se sacou o apodo de “ideólogo”, Além de De Tracy fizeram parte do
grupo o conde de Volney (1757-1820) e Cabanis (1757-1808).[49] Tiveram dois centros
principais, a École Normale e o Institut National, estabelecidos ambos em 1795. Mas os
ideólogos não demoraram muito em se fazer suspeitos a Napoleón. Embora a maioria deles era
favoráveis a sua subida ao poder, chegaram cedo à conclusão de que não mantinha nem
cumprido os ideais da Revolução. Molestou-lhes em especial que restaurasse a religião, coisa à
que eles se opunham. Por sua vez o imperador chegou a atribuir ao que considerava “escura
metafísica” dos ideólogos todos os males que estava padecendo a França, e em 1812 lhes teve
por responsáveis por uma conspiração contra ele.

Tal como o empregava Destutt de Tracy, o termo “ideologia” não tem de entender no sentido
em que hoje costumamos falar de ideologias. Nos acercaríamos mais àquele outro sentido
pensando que o termo significava um estudo da origem das ideias, de sua expressão na
linguagem e de sua combinação no raciocinio. Mas o que de Tracy mais estudou de fato foram
as faculdades humanas e suas operações. Estava convencido de que este era um estudo básico
que contribuía a fundamentar devidamente ciências como a lógica, a ética e a economia.
Podemos, pois, dizer que tratou de desenvolver uma ciência da natureza humana.

Temos mentado a influência de Condillac. Entenda-se bem, empero, que de Tracy recusava
o reductivo análise proposta por Condillac. Recordemos que este tentou provar que todas as
operações mentais, como a enjuiciación e a volición, podiam ser descrito como o que chamava
ele sensações transformadas. Dito de outro modo, Condillac tratou de emendar-lhe a plana a
Locke reduzindo afinal de contas todas as operações de nossa mente a sensações elementares e
sustentando que as faculdades humanas podem ser reconstruídas, tal cuales, a partir da só
sensação. Mas de Tracy opinava que isto era um processo artificial de análise e reconstrução,
uma explicação ingeniosa de como poderiam ter sido as coisas... sem atender para nada ao que
caberia descrever como a fenomenología da consciência. A seu parecer, Condillac confundia
umas vezes o que tinha que distinguir e separava outras vezes o que devia ser unido. Em qualquer
caso, a de Tracy importar mais descobrir as faculdades humanas básicas segundo revelavam-se
à observação direta e concreta, que não a génesis das ideias e a discussão de se eram todas
derivables de sensações.

Para de Tracy as faculdades básicas são as de sentir, recordar, julgar e querer. À operação
de julgar cabe ter pelo fundamento da gramática (considerada esta como o estudo dos signos que
se empregam no discurso) e da lógica, que versa envelope os modos de obter certeza no
julgamento.[50] A reflexão sobre os efeitos da vontade é a base da ética, considerada
principalmente como o estudo das origens de nossos desejos e de sua conformidade ou falta dela
com nossa natureza, e é também a base da economia, entendida esta como investigação das
consequências de nossas ações no fazer frente a nossas necessidades.

Passando por alto os detalhes da ideologia, fixemo-nos nos dois pontos seguintes: Primeiro,
ao sentar as noções fundamentais da ideologia, de Tracy apartou-se do reductivo análise de
Condillac para dedicar à observação direta de si mesmo; eliminou a hipotética reconstrução da
vida psíquica do homem a base da sensação elementar e pôs-se a refletir no que, de fato,
percebemos que ocorre em nós quando pensamos, falamos e atuamos voluntariamente. Segundo
ponto: de Tracy manteve que se a psicologia de Condillac, que somente prestava atenção à
receptividad, fosse verdadeira, nunca poderíamos saber se existia um mundo exterior a nós. Se
nos deixaria com o insoluble problema de Hume. De fato, a base real de nosso conhecimento do
mundo exterior é nossa atividade, nosso movimento, nossa ação voluntária que tropeça com
resistências.

Tendo apresente estes pontos, resulta mais fácil compreender como pôde influir de Tracy em
Maine de Biran, que foi o precursor do que foi chamado movimento espiritualista na filosofia
francesa do século XIX. Os ideólogos ajudaram-lhe a desembarazarse do empirismo de Locke e
Condillac e estimularam-lhe a empreender seu próprio caminho pelo campo do pensamento.

Vale a pena mencionar que Thomas Jefferson (1743-1826), que tinha uma alta opinião dos
ideólogos franceses, sustentou correspondência com Destutt de Tracy desde 1806 até 1826. Em
1811 publicou Jefferson uma tradução do comentário de De Tracy à obra de Montesquieu De
l’esprit dê lois. Publicou também uma edição do Tratado de Economia Política composto por
de Tracy (1818).

2. Maine de Biran: vida e escritos.

Francois-Pierre Maine de Biran (1766-1824) nascia em Bergerac e fez os estudos de


humanidades em Périgueux. À idade de dezoito anos marchou a Paris e se enroló na guarda real.
Foi ferido em 1789, e não muito após a dissolução da guarda, em 1791, se retirou ao castelo de
Grateloup, cerca de Bergerac, e dedicou um tempo ao estudo e à reflexão. Em 1795 foi designado
administrador do departamento da Dordoña, e em 1797 elegeu-se-lhe membro do Conselho dos
Quinhentos. Em 1810, baixo Napoleón, foi nomeado membro do Corps législatif, mas no final
de 1813 fez parte de um grupo que manifestou em público sua oposição ao imperador.
Restaurada a monarquia, foi reeleito deputado pela Dordoña. Em 1816 atuou de conselheiro de
Estado e trabalhou em vários comitês.

Em 1802 publicou Maine de Biran anonimamente um ensaio titulado Influence de l’habitude


sul facultei-a de penser (Influência do hábito sobre a faculdade de pensar), com o que ganhou
um premio do Instituto da França. Este escrito era uma versão revisada de outro que apresentava
já ao Instituto em 1800 e que, embora não lhe granjeó o premio, chamava a atenção dos ideólogos
Destutt de Tracy e Cabanis. Em 1805 obteve outro premio com um ensaio no que se ocupava da
análise do pensamento (Mémoire sul a décomposition da pensée) e foi eleito membro do
Instituto. Em 1812 recebeu um galardão da Academia de Copenhague por uma Mémoire sul lhes
rapports du physique et du moral de l’homme (Memória sobre os relacionamentos do físico e o
moral do homem). Nenhum destes dois trabalhos foi publicado por Maine de Biran. Em
mudança, em 1817 publicou, de novo anonimamente, um Exame dê leçons de philosophie de M,
Laromiguière, e em 1819 redigiu um artigo sobre Leibniz (Exposition da doctrine philosophique
de Leibniz) para a Biographie universelle.

Segundo vê-se pelo que acabamos de dizer, Maine de Biran mal publicou nada ele mesmo:
o Ensaio de 1802, o Exame (ambos anônimos) e o artigo sobre Leibniz. Deu também ao público
alguns escritos soltos, principalmente sobre questões de política. No entanto, sua obra é muito
extensa, e parece ser que para o final de sua vida estava planejando compor algo mais importante,
uma espécie de tratado científico da natureza humana ou uma antropologia filosófica,
incorporando versões revisadas dos anteriores ensaios. Esta obra principal ficou inacabada, mas
uma grande parte dos materiais manuscritos[51] parece representar várias fases da tentativa de
realização de seu projeto. Por exemplo, o Essai sul lhes fondements da psychologie (Ensaio
sobre os fundamentos da psicologia), no que de Biran estava trabalhando pelos anos 1811 e
1812, é, sem dúvida, uma fase redaccional da obra inconclusa.[52]

Em 1841 Victor Cousin publicou uma edição (incompleta) dos escritos de Maine de Biran
em quatro volumes.[53] Em 1859 E. Naville e M. Debrit apresentaram em três volumes as
Oeuvres inédites de Maine de Biran. Em 1920 Tisserand começou a publicação das Obras
completas em XIV tomos (Oeuvres de Maine de Biran accompagnées de note et d’appendices).
Tisserand mesmo chegou a publicar doze dos volumes (1920-1939). Os dois últimos foram
publicados pelo professor Henri Gouhier em 1949. Gouhier publicou também uma edição do
Diário de Maine de Biran em três volumes (Journal intime, 1954-1957).

3. Desenvolvimento filosófico.

Por temperamento, Maine de Biran era muito propenso à introspección e ao diálogo consigo
mesmo. E em sua juventude, enquanto esteve naquele retiro do castelo de Grateloup, se deixou
influir poderosamente por Rousseau, considerado mais como o autor das Confessions, as
Rêveries du promeneur solitaire e a Profession de foi du vicaire savoyard que como o expositor
da teoria do contrato social, “Rousseau me fala ao coração, mas às vezes seus erros me
afligem.”[54] Por exemplo, enquanto Maine de Biran simpatizaba com a ideia de Rousseau de
que o sentido ou sentimento íntimo nos move a crer em Deus e na imortalidade, recusava com
decisão a modesta teología natural que propunha o vicaire savoyard. No concerniente ao
razonamiento, a única atitude adequada era o agnosticismo.[55]

Outro ponto no que a Maine de Biran lhe parece que Rousseau erra é o da opinião de que o
homem é essencialmente ou por natureza bom. Do qual não se segue que Maine de Biran veja
ao homem como essencialmente mau ou como inclinado ao mau por efeito de uma Queda. O
pensa que o homem tem um impulso connatural a buscar a felicidade, e que a virtude é uma
condição indispensável para conseguir a felicidade. Mas isto em modo algum implica que tenha
que concluir que o homem é virtuoso por natureza. Tem, isso sim, o poder de se fazer virtuoso
ou vicioso. E é a só razão a que pode descobrir a natureza da virtude e os princípios da moral.
Em outras palavras, Maine de Biran critica a teoria rousseauniana da bondade natural do homem,
porque parece-lhe que implica a doutrina das ideias innatas. E em realidade “todas nossas ideias
são aquisições”.[56] Não há ideias innatas do verdadeiro e o falso, do bom e o mau, Mas a ética
pode ser estabelecido por médio da razão, por um processo de raciocinio ou de reflexão, isto é,
baseado na observação ou experiência. E isto é exequível sem dependência alguma da fé
religiosa.

Dada sua ideia da razão, era natural que ao tratar de desenvolver uma ciência do homem
Maine de Biran fosse à psicologia “científica” contemporânea, que fazia profissão de se basear
em fatos de experiência. Além de Locke, os autores com que desde depois se podia então contar
eram Condillac e Charles Bonnet (1720-1793). Mas Maine de Biran demorou pouco em advertir
o extremamente artificiosas que eram a redução, por Condillac, da vida psíquica do homem às
sensações causadas desde fora e a pretensão de reconstruir nossas operações mentais a partir de
semelhante base. Pelo que fosse, a Condillac se lhe passava por alto o fato evidente de que a
sensação exteriormente causada afeta a um sujeito dotado de apetito e instinto. Dito de outro
modo, Condillac era um teórico que construía ou inventava uma psicologia seguindo um método
cuasi matemático e estava perfeitamente disposto a ignorar, por bem, o fato evidentísimo de que
no homem há muitas coisas que não podem ser explicado em termos do que lhe vem do
exterior.[57] Quanto a Bonnet, de Biran primeiramente tinha-lhe em alto conceito e até pôs uma
frase dele como epígrafe ao começo de seu ensaio sobre a Influência do hábito.[58] Mas, igual
que no caso de Condillac, de Biran acabou vendo em Bonnet ao construtor de uma teoria
insuficientemente baseada na evidência empírica. Afinal de contas, Bonnet não observava nunca
os movimentos do cérebro e suas conexões com as operações mentais.
De Condillac e Bonnet passou Maine de Biran a Cabanis e a Destutt de Tracy. Verdadeiro
que Cabanis fazia algumas afirmações de um materialismo bastante tosco, tais como seu famoso
aserto de que o cérebro segrega pensamento o mesmo que o hígado segrega bilis. Mas estimava
que a imagem condillaciana da estátua gradualmente provista de um órgão sensorial depois de
outro representava uma teoria sumamente inadequada e unilateral da génesis da vida mental do
homem. Para Cabanis, o sistema nervoso, as sensações internas ou orgânicas, a constituição
fisiológica herdada e outros fatores pertencentes à “estátua” mesma eram muito importantes.
Cabanis era, sim, reduccionista, no sentido de que tratava de achar bases fisiológicas para todas
nossas operações mentais; mas estudava cuidadosamente os dados empíricos de que se dispunha,
e tentava explicar a atividade humana, a qual dificilmente poderia ser explicada em termos da
estátua-modelo de Condillac. Quanto a de Tracy, indica Maine de Biran na introdução a seu
ensaio sobre a Influência do hábito: “Eu divido todas nossas impressões em ativas e pasivas”[59]
e em uma nota rende tributo a de Tracy por ser o primeiro autor que viu claramente a importância
de nossa faculdade de nos mover ou “motilidad” (motilité), como de Tracy a chamou. Por
exemplo, de Tracy compreendeu que o julgamento a respeito da existência real de uma coisa ou
de nosso conhecimento da realidade exterior era inexplicable sem a experiência da resistência,
a qual pressupunha já a “motilidad”.

Em fim, que Maine de Biran reagiu contra a psicologia de Condillac a base de fixar na
atividade humana. “Sou eu quem se move ou quem quero me mover, e eu também quem sou
movido. Tenho aqui os dois termos do relacionamento que fazem falta para fundar o primeiro
simples julgamento de personalidade: eu sou.”[60] Maine de Biran está repetindo em um sentido
real o convencimiento de Rousseau, que na primeira parte de seu Discurso sobre a origem da
desigualdade afirmou rotundamente que o homem difere dos animais por ser um agente livre.
Mas entre os psicólogos fisiologistas de Biran foi estimulado pelos escritos dos ideólogos. E era
natural que, quando apresentou a versão revisada de seu primeiro ensaio ganhador de um premio,
Cabanis e de Tracy, que estavam entre os juízes, acolhessem com calurosa bem-vinda ao
concursante e seu trabalho.

No entanto, embora os ideólogos olharam a Maine de Biran como a um deles, nosso pensador
chegou em seguida à conclusão de que Destutt de Tracy não sabia explodir seu próprio
acrescentado à psicologia de Condillac, isto é, a ideia do poder ativo do homem. Em um princípio
talvez se visse de Biran a si mesmo como o corretor das concepções dos ideólogos ali onde estes
tendiam a recair na psicologia condillaciana, mas depois se foi apartando gradualmente da
tradição reduccionista, à que os ideólogos pertenciam de fato, apesar das melhoras que
introduziram nela. Sua Memória sobre a descomposição do pensamento, com a que ganha um
premio em 1805, a escreve de Biran ainda como ideólogo; mas já pergunta se não teria que
distinguir entre ideologia objetiva e ideologia subjetiva. Uma ideologia objetiva se basearia
principalmente “nos relacionamentos que vinculam o ser sensitivo às coisas externas, com
respeito às quais se acha situado em um relacionamento de essencial dependência, já pelas
impressões afectivas que delas recebe, já pelas imagens que delas se forma”,[61] A ideologia
subjetiva, “encerrando na consciência do sujeito pensante, trataria de penetrar os íntimos
relacionamentos que ele tem consigo mesmo no livre exercício de seus atos intelectuais”.[62]
Não nega de Biran a importância da psicologia fisíologista. Nem é sua intenção refutar a Cabanis
ou eliminar suas obras. Mas está convencido de que faz falta algo mais, algo que cabe descrever
como a fenomenología da consciência. O eu se experimenta a si mesmo em suas operações; e
podemos dar a uma reflexão na que o conhecedor e o conhecido são uma mesma coisa.

Quiçá soe isto como se Maine de Biran estivesse empenhado em reintroducir o conceito
metafísico do sujeito ou próprio eu como substância, a substância pensante de Descarte. Mas ele
faz hincapié em que não é nada disto o que se propõe. O esforço muscular, vale dizer, o esforço
querido, voluntário, é um fato primitivo. E a existência real do ego ou próprio eu se constata “na
apercepción do esforço, do que um mesmo se sente sujeito ou causa”.[63] Certamente é-nos difícil
pensar ou falar a respeito do ego ou próprio eu sem distinguir do esforço voluntário ou a ação
como se distingue a causa do efeito. No entanto, não devemos nos deixar induzir pelo metafísico
a postular um eu que seja como uma coisa, uma alma “que exista dantes de atuar e que possa
atuar sem conhecer seus atos, sem se conhecer a si mesma”.[64] Com o esforço querido,
voluntário, surge no ser humano a apercepción ou consciência, e com esta a existência pessoal
assim que diferente da existência de um ser meramente senciente. “O fato de um poder de ação
e de volición próprio do ser pensante é-lhe, sem dúvida, tão evidente a este como o fato mesmo
de sua própria existência; em realidade, o um não difere do outro.”[65] E “aqui está o ser sensitivo
sem ego; aí começa uma personalidade constante, e com ele, com o eu, começam a se dar todas
as faculdades da inteligência e do ser moral”.[66] Em outras palavras, que a consciência não pode
ser explicada simplesmente em termos de “sensações transformadas” como lho figurou
Condillac. Tem-se de recorrer ao esforço voluntário, à atividade humana que encontra
resistência. E se pergunta-se por que então a personalidade não é intermitente, presente tão só
no momento em que realizamos o esforço voluntário, de Biran contesta que é errôneo supor que
tais esforços ocorram só ocasionalmente ou de vez em quando. De uma forma ou outra, o esforço
é contínuo durante a existência vígil e está na base da percepción e do conhecimento.

Quiçá possa ser dito que mediante um processo de reflexão, primeiro sobre a psicologia de
Condillac e Bonnet, depois sobre a de Cabanis e de Tracy, chega Maine de Biran a reafirmar
aquilo de Rousseau de que o homem se diferencia dos animais por ser um agente livre. Mas
temos de acrescentar que a reflexão sobre a psicologia contemporânea a efetua de Biran sempre
à luz dos fatos, dos fenômenos, tal como ele os vê. Em sua opinião, os ideólogos tiveram em
conta feitos para os que Condillac esteve cego, ou cujo significado, ao menos, não compreendeu
bem. E remete-se a Cabanis e a de Tracy como a quem convêm em que o ego ou eu reside
exclusivamente na vontade.[67] Mas de aqui não se segue em modo algum que Maine de Biran
se senta de acordo com os ideólogos. Pois à medida que veio-se percatando reflexivamente da
distância que agora lhe separa de Condillac, foi chegando, de rejeição, à conclusão de que de
Tracy, em vez de explodir ou desenvolver suas próprias intuiciones, tem estado retrocedendo e
reincidiendo em tese inaceitáveis. Por muito que Maine de Biran se considere a si mesmo
herdeiro dos ideólogos, suas cartas atestiguan sua crescente convicção de que suas sendas
divergen.

4. Psicologia e conhecimento.

As ideias expressas na Memória sobre a descomposição do pensamento foram reelaboradas


no manuscrito do Ensaio sobre os fundamentos da psicologia, que Maine de Biran levou consigo
a Paris em 1812. Neste ensaio, metafísica, no sentido em que é aceitável para o autor, é realmente
o mesmo que psicologia reflexiva. Se entendemos por metafísica o estudo das coisas em si (dos
noumena, para empregar a terminología kantiana), das coisas mesmas, aparte de sua aparecer
em nossa consciência, a metafísica fica excluída. O qual significa que a filosofia não pode
proporcionar conhecimento da alma como de uma substância “absoluta”, que exista aparte da
consciência. Em mudança, se por metafísica entende-se a ciência dos “fenômenos internos”[68]
ou a ciência dos dados primitivos do sentido íntimo (sens intime), então não só é possível senão
necessária. A metafísica assim entendida revela a existência do sujeito como ativo ego ou eu no
relacionamento do esforço voluntário que encontra resistência. Ademais o sujeito percebe-se a
si mesmo como um poder ou uma força ativa que encontra uma série de resistências, e se percebe
como eu idêntico assim que que é um sujeito em relacionamento ao mesmo organismo.

Pode dar a impressão de que Maine de Biran sustenta, em definitiva, que o eu se percebe
intuitivamente a si mesmo como uma substância. Mas em realidade o que diz é que o eu é
consciente de si como causa. “Envelope a base do fato primitivo do sentido íntimo, pode-se um
mesmo assegurar de que todo fenômeno relativo à consciência, toda modalidade em que o eu
participa ou à que se une ele mesmo de alguma maneira, inclui necessariamente a ideia de causa
. Esta causa é eu se o modo é ativo e é percebido como o resultado atual de um esforço querido;
é não-eu se é uma impressão pasiva, que se sente como oposta a esse esforço ou como
independente de qualquer exercício da vontade.”[69] Ou seja, que é fundamental a apercepción
do ego ou eu enquanto agente causal. O conceito da alma como substância “absoluta”, que exista
aparte desta consciência do eu, é uma abstração. Ao mesmo tempo, Maine de Biran trata de
incluir a consciência da identidade pessoal na intuición da eficiência causal.

Parte do Ensaio sobre os fundamentos da psicologia parece que estava já a ponto para sua
publicação quando Maine de Biran chegou a Paris em 1812. Mas em conversas e
correspondência com seus amigos, entre os que se contavam Ampère,[70] Dégerando[71] e Royer-
Collard,[72] se convenceu de que devia dedicar mais atenção ao desenvolvimento de suas ideias.
E o resultado foi que nunca acabou nem publicou a obra.

Se a existência do ego ou sujeito como causa ativa se intuye imediatamente, é natural que se
conceba que esta causa persiste, ao menos como causa virtual, ainda que não se tenha
consciência atual de sua eficiência causal no esforço voluntário. E em tal caso é natural concebê-
la como uma substância, a condição tão só de que o conceito de substância se interprete em
termos de força ativa ou causalidad e não como sustrato inerte. De modo que não há por que se
surpreender de que Maine de Biran escrevesse a Dégerando lhe dizendo que “acha” no sujeito
ou ego metafenoménico. “Se perguntarem-me por que ou com que fundamento o acho, vos
responderei que estou feito de tal maneira que me é impossível não ter esta persuasión, e que
seria preciso mudar minha natureza para que cessasse da ter.”[73] Em outras palavras, nós
percebemos ou intuimos o ego ou eu como uma causa ou força que atua em nossos
relacionamentos com as coisas concretas, e temos uma tendência natural e irresistible a crer em
sua existência metafenoménica ou nouménica como permanente força substancial que existe
aparte da apercepción atual. O fenoménico é objeto de intuición, enquanto o nouménico ou
“absoluto” é objeto de crença. Expressando de outro modo: o sujeito ou eu que se revela no
esforço voluntário é “a maneira fenoménica de se manifestar minha alma à visão interior”.[74]
No Ensaio sobre os fundamentos da psicologia Maine de Biran concebia a metafísica como
a ciência dos princípios, princípios que buscava e achava nos fatos primitivos ou dados intuitivos
básicos. Agora está buscando princípios fora dos objetos de intuición, Pois o ego ou eu da
consciência é considerado como a manifestação fenoménica de uma alma substancial,
nouménica, do “absoluto” que no relacionamento consciente aparece como o sujeito ativo. Cabe
perguntar, por tanto, se a existência do eu nouménico, que é objeto de crença e não de
conhecimento, é algo inferido. De fato, Maine de Biran neste contexto fala às vezes de “indução”
e também de “dedução”. Mas o que parece querer dizer é que tal crença é o resultado de um
movimento espontâneo da mente mais bem que uma operação inferencial que se faça
deliberadamente. “O espírito do homem, que não pode conhecer ou conceber nada senão baixo
certos relacionamentos, aspira sempre ao absoluto e ao incondicional.”[75] Esta aspiração pode
parecer que equivale a um ultrapassar as fronteiras do conhecimento para sumir na esfera do
incognoscible. Mas de Biran pergunta-se também se “do fato de que não possa ser concebido
um ato ou seu resultado fenoménico sem conceber um ser em si pelo que o ato é produzido, não
se segue necessariamente que o relacionamento de causalidad inclui a noção de substância”.[76]
Em qualquer caso, a metafísica parece ultrapassar os limites de um estudo dos fatos primitivos
ou dados da intuición ou sentido íntimo e abarcar também a reflexão sobre as condições
metafenoménicas desses fatos.

Para chegar a suas novas ideias estimularam-lhe a Maine de Biran, além da conversa e a
correspondência com seus amigos, as reflexões sobre as obras de filósofos eminentes tais como
Descarte, Leibniz e Kant. Segundo vimos, seu filosofar se incardinó primeiro durante algum
tempo na tradição de Francis Bacon, Locke, Condillac e Bonnet. E ia muito pouco aos defensores
da teoria das ideias innatas ou aos que tratavam de provar a existência de realidades
metafenoménicas. No entanto, com o tempo chegou a convencer-se de que em Descarte e em
Leibniz tinha mais do que ele se tinha imaginado, e embora parece ser que não teve um
conhecimento de primeira mão dos escritos de Kant, adquiriu em fontes secundárias alguma
familiaridad com o pensamento do filósofo alemão e foi claramente influído por ele.

Na medida em que o Cogito, ergo sum (Penso, depois existo) de Descarte pudesse ser
entendido que expressa não uma inferência senão uma aprehensión intuitiva de um fato primitivo
ou dado de consciência, Maine de Biran chegou a apreciar a intuición cartesiana. Naturalmente
ele preferia a fórmula Volo, ergo sum (Quero, depois existo), já que opinava que o eu consciente
surgia na expressão do esforço voluntário ao encontrar resistência. Mas certamente pensava que
a existência do ego se dava em seu aparecer na consciência enquanto agente causal. Agora bem,
a existência do sujeito ou ego que se dava como uma realidade fenoménica era precisamente sua
existência “para si mesmo”, como sujeito ativo, isto é, dentro da consciência ou apercepción. O
grave erro de Descarte, em opinião de Maine de Biran, foi que confundiu o eu fenoménico com
o eu nouménico ou substancial. Pois do Cogito, ergo sum Descarte sacou conclusões a respeito
do ego ou eu “em si”, se saindo com isso da esfera dos objetos do conhecimento. Em mudança
Kant evita a confusão mediante sua distinguir entre o eu da apercepción, o ego fenoménico ou
que aparece e existe para si mesmo, e o nouménico, princípio substancial. Não é que a posição
de Maine de Biran coincida em tudo com a de Kant. Assim, enquanto para Kant o livre agente
pressuposto pela eleição moral à luz do conceito de obrigação era o eu nouménico, para Maine
de Biran a liberdade é, o digamos em linguagem bergsoniano, um dado imediato da consciência,
e o livre agente causal é o eu fenoménico. Mas isto não tira o que de Biran veja alguma afinidad
entre sua ideia da alma permanente como objeto de crença mais que de conhecimento e a ideia
kantiana do eu nouménico. Afirma, por exemplo, que “o relativo supõe algo que preexiste
absolutamente, mas como este absoluto deixa do ser e assume por força o caráter de relativo
assim que chegamos a ter conhecimento direto dele, implica contradição dizer que nós temos
algum conhecimento positivo ou alguma ideia do absoluto, embora não possamos deixar de
achar que existe ou deixar do admitir como um primeiro dado inseparável de nosso espírito,
preexistente a todo nosso conhecimento”.[77] Dizer isto é inclinar do lado de Kant mais que do
de Descarte.

Mas Maine de Biran não se contenta com postular um “absoluto” que exista com
independência da consciência atual e sustentar que a respeito dele não pode ser dito senão que
existe ou que nós achamos que existe. Após tudo, como podemos afirmar a existência de algo
quando somos incapazes de dizer que é isso que se supõe que existe? Aqui vem Leibniz em
ajuda de nosso pensador. Voltando a conceber a substância em termos de força, entende-se mais
facilmente que a alma substancial se manifesta na consciência, a saber, como o sujeito ativo no
relacionamento da consciência, e que o conceito requerido para pensar a alma, ou seja, o conceito
de substância, está incluído na explicitación da experiência interior da atividade causal ou
eficiência. Com isso se alarga ao campo da “metafísica”, e Maine de Biran pode dizer que “Kant
erra quando nega ao entendimento o poder de conceber algo para além dos objetos sensíveis, ou
seja, fora das qualidades que constituem esses objetos sensíveis, e quando sustenta que as coisas
em si são incognoscibles por médio do entendimento”.[78]

5. Níveis da vida humana.

A ideia de ver no eu fenoménico a automanifestación de um “absoluto” ou alma substancial


pode sugerir a ideia de ver todos os fenômenos como manifestações do Absoluto ou a Deus
como seu último fundamento ou como a causa de sua existência. Mas embora Maine de Biran
chegou de fato a considerar todos os fenômenos como relacionados com Deus, não parece
provável que chegasse a esta posição de não ter sido por seu natural meditativo e orientado para
a religiosidad, e pela necessidade que de Deus sentia. O argüir, ao modo da metafísica
tradicional, dos fenômenos internos ao eu nouménico e dos fenômenos externos, ou de todos os
fenômenos, ao Absoluto ou Incondicionado, era realmente alheio a sua mentalidade.[79] Tratava-
se, mais bem, de uma espécie de ampliação da ideia que de Biran se fazia da vida interior do
homem. Bem como acabou vendo no eu (moi) da consciência a alma substancial que se
manifesta a si mesma em um relacionamento e com isso se oferece ao conhecimento, de parecido
modo chegou a ver em certas feições da vida do homem uma manifestação da realidade divina.
E segundo foi avançando em idade, sua filosofia foi ganhando em profundeza religiosa. Mas
seguiu sendo sempre um filósofo da vida interior do homem. E a mudança em sua perspetiva
filosófica foi expressão de uma mudança em suas reflexões sobre essa vida interior, não uma
repentina conversão à metafísica tradicional.

Já se fez referência ao que insistiu de Biran, durante sua retiro em Grateloup, no tema de que
não é necessário crer em Deus para levar uma vida moral, senão que o homem tem em si a força
que se precisa para viver moralmente. Um ateu pode muito bem reconhecer valores morais e
tentar realizar com suas ações. A de Biran influiu-lhe o estoicismo; admirava a seus heróis, tais
como Enquadramento Aurelio; mas naturalmente pôs em conexão suas ideias éticas com sua
psicologia na medida em que isto era possível. O fim ou meta é a felicidade, e uma condição
para atingí-la é que o homem consegua harmonizar e equilibrar suas potências ou faculdades.
Isto significa, de fato, que o ativo sujeito pensante da consciência tem de reger ou governar os
apetitos ou impulsos daquela parte da natureza do homem que é orçamento necessário para a
vida consciente. Dito de outro modo, a razão deverá reger os impulsos do sentido. Para dar
conteúdo, empero, às ideias de virtude e vício, temos de considerar ao homem em seus
relacionamentos sociais, ao homem influindo nos demais homens e sendo a sua vez influído pela
sociedade. “Do sentimento da ação livre e espontânea que, de seu, não teria limites, se deriva o
que chamamos direitos. Da necessária reação social, que segue à ação do indivíduo e não se
conforma exatamente a ela (pois os homens não são como as coisas materiais, que reagem sem
atuar ou originar ação), e que com frequência se antecipa a ela, forçando ao indivíduo a
coordenar sua atuação com a da sociedade, surgem os deveres. O sentimento de obrigação
(dever) é o sentimento dessa coerción social da que todo indivíduo sabe bem que lhe é
impossível se livrar.”[80]

No entanto, Maine de Biran foi cobrando a cada vez mais consciência das limitações da razão
e a vontade humanas quando lhas deixa a si mesmas. “Esta moral estoica, ainda sendo tão
sublime, é contrária à natureza do homem na medida em que tende a pôr baixo o domínio da
vontade afectos, sentimentos ou causas de excitação que não dependem dela em modo algum, e
assim que que anula uma parte do homem da que este não pode ser apartado. A razão só é
impotente para fornecer à vontade os motivos ou princípios da ação. É menester que estes
princípios dimanen de uma fonte superior.”[81] Aos dois níveis da vida humana que distinguiu
já, o da vida do homem como animal, como ser sensitivo, e o da vida do homem precisamente
como homem, isto é, como sujeito consciente, pensante e livre, Maine de Biran se vê assim
levado a acrescentar um terceiro nível, outra dimensão: a vida do espírito, que se carateriza pelo
amor comunicado pelo Espírito divino.[82]

A concepção dos três níveis da vida humana cabe expressar desta maneira: ao homem é-lhe
possível permitir que sua personalidade e sua liberdade se afundem no abandono “a todos os
apetitos, a todos os impulsos da carne”.[83] Em tal caso o homem volta-se pasivo, cede e entrega-
se a sua natureza animal. Ao homem é-lhe possível, pelo contrário, manter, ou ao menos tratar
de manter, o nível ao qual “exerça todas as faculdades de sua natureza humana, ao qual
desenvolve sua energia moral, lutando contra os desenfrenados apetitos de sua natureza animal
[...]”.[84] E, finalmente, ao homem é-lhe possível também elevar ao nível da “absorción em
Deus”,[85] ao nível em que Deus é para ele tudo em todas as coisas. “O eu (lhe moi) está entre
estes dois termos.”[86] Isto é, o nível da existência pessoal e autosuficiente está entre o nível da
pasividad, do autoabandonarse ao impulso do sentido, e o nível da pasividad que implica o viver
em Deus e baixo seu influjo. Mas o segundo nível está ordenado ao terceiro, à divinización do
homem.

Se examina-se antes de mais nada a psicologia exposta na Memória sobre a influência do


hábito e consideram-se depois as ideias que constam no Diário de 1815 em adiante, ou em
escritos de De Biran tais como os Novos ensaios de antropologia, talvez se saque a impressão
de que na mente do autor se produziu uma mudança enorme e de que aquele ideólogo, tão
influído pelo pensamento da Ilustração, passou a se converter em um platónico e um místico.
Até verdadeiro ponto, tal impressão estaria justificada. Certamente teve uma série de
mudanças.[87] Ao mesmo tempo, importa muito compreender que quando Maine de Biran
concebeu e desenvolveu a ideia da vida do espírito, mais que recusar suas teorias psicológicas
anteriores, o que fez foi lhes acrescentar algo. Por exemplo, não recusou sua teoria da
consciência como relacionamento, nem sua tese de que a vida do sujeito consciente livre e ativo
é a peculiar do homem e é o nível em que surge a existência pessoal. Depois veio a achar que,
bem como há uma pasividad que é orçamento ou condição para a vida consciente, assim também
há uma receptividad acima do nível da existência pessoal autosuficiente, uma receptividad com
respeito à influência divina, que se manifesta, por exemplo, na experiência mística e na atração
que exercem os grandes ideais do bem e da beleza de que fala Platón e que constituem os modos
de se manifestar o Absoluto divino.

Claro que, ao falar de um “acrescentado”, temos de reconhecer que este implica um


perceptible mudança de perspetiva. Pois a vida do sujeito autônomo, que segundo o philosophe
do século XVIII era a vida mais elevada para o homem, fica agora subordinada à vida do espírito,
na que o homem depende em seu interior da ação divina.[88] Evidentemente de Biran dá-se
perfeita conta da mudança de perspetiva. Assim, em um bilhete que se cita com frequência,
observa que ele passou sua juventude estudando “a existência individual e as faculdades do
próprio eu (moi) e os relacionamentos, baseadas na pura consciência, deste eu com as sensações
externas ou internas, as ideias e todo o que é dado à alma ou à sensibilidade e recebido pelos
órgãos, os diferentes sentidos, etc,”.[89] E diz a seguir que agora dá “a primacía da importância
aos relacionamentos com Deus e com a sociedade de seus semelhantes”.[90]

Mas na mesma anotação do Diário diz também Maine de Biran que ainda segue achando
que “um cabal conhecimento dos relacionamentos entre o eu (moi) ou a alma do homem e o ser
humano inteiro (a pessoa concreta) deveria preceder, na ordem do tempo ou do estudo, a todas
as investigações sobre os dois relacionamentos primeiras”.[91] Mais ainda, “é a psicologia
experimental ou uma ciência ao começo puramente reflexiva a que deverá nos conduzir, no
devido ordem, a determinar nossos relacionamentos morais com o supremo ser infinito, do que
procede nossa alma e ao que tende a retomar mediante o exercício das mais sublimes faculdades
de nossa natureza”.[92] Em outras palavras, o estudo psicológico do ego constitui a base para a
reflexão que tenha de fazer nas esferas ética e religiosa, e o método que há que empregar
constantemente é o que de Biran chama “psicologia experimental”, embora seria preferível o
chamar “psicologia reflexiva”. O ponto de partida constituem-no todos os fenômenos da vida
interior do homem. Referindo à vida do espírito afirma de Biran que “a terceira divisão, a mais
importante de todas, é aquela que a filosofia se sentiu até agora obrigada a deixar para as
especulações do misticismo, embora também lha pode reduzir a fatos de observação, tomados,
verdade é, de uma natureza elevada acima dos sentidos, mas não totalmente alheia ao espírito
que conhece a Deus e se conhece a si mesmo. Esta divisão compreenderá, pois, os fatos ou os
modos e atos da vida espiritual[…]”.[93] Conjeturamos que baixo o título de “psicologia
experimental” inclui de Biran um estudo psicológico dos efeitos fenoménicos ou do influjo do
que os teólogos chamaram a graça divina.

Pretendeu-se que de Biran se converteu do estoicismo ao platonismo mais que ao


cristianismo, e que conquanto a meditação de uma literatura como a Imitação de Cristo e os
escritos de Fénelon lhe trouxe certamente mais cerca do cristianismo, foi bem mais atraído pela
ideia do Espírito Santo que pela de Cristo como Filho de Deus em um sentido único. Parece que
há bastante porção para valer nesta discutida tese. No entanto, em seus últimos escritos expressa
de Biran o convencimiento de que a religião cristã é “a única que revela ao homem uma terceira
vida, superior à da sensibilidade e à da razão ou da vontade humana. Nenhum outro sistema de
filosofia elevou-se a tanta altura”.[94] Em todo caso, o verdadeiro é que o autor agnóstico de
Grateloup morreu como católico, ainda que quiçá sua religião seja um cristianismo platonizante.

Maine de Biran não foi um pensador sistemático no sentido do que cria um sistema filosófico
desenvolvido. Mas exerceu muito considerável influência sugeridora e estimulante na psicologia
e no movimento filosófico que, passando por Ravaisson e Fouillée, culmina em Bergson e se
conhece como movimento ou corrente de pensamento espiritualista.[95] No plano religioso, o
tipo de apologéticas “desde a interioridad do homem”, representadas, por exemplo, por Ollé-
Laprune e depois por Blondel teve alguma dívida com Maine de Biran. Senão que a influência
deste, se fazendo sentir mais pela via do estímulo à reflexão pessoal em diversos campos (tais
como a psicologia da volición, a fenomenología da consciência, o conceito de causalidad e a
experiência religiosa) que não mediante a criação de discípulos, está tão difundida e misturada
com outras influências que se requerem estudos especializados para rastrear suas sutil
impressões.
Capítulo III
O eclecticismo.

1. Significado deste termo.

Maine de Biran inspirou-se em diversas fontes. Tinha plena consciência disso, e por algum
tempo defendeu em verdadeiro modo o que chamava a prudência do eclecticismo. Agora bem,
quando se faz referência aos ecléticos na filosofia francesa durante a primeira metade do século
XIX, se alude antes de mais nada a Royer-Collard e a Cousin, mais que a Maine de Biran.
Verdade é que de Biran era amigo de Royer-Collard e que Cousin publicou uma edição de seus
escritos. Também é verdade que a Royer-Collard e a Cousin pode lhe lhes considerar
representativos do movimento espiritualista cujo iniciador na filosofia francesa posterior à
Revolução foi de Biran. Mas a influência deste só chegaria a ser muito notoria bastante mais
tarde, nos campos da psicologia e da fenomenología, enquanto Cousin desenvolveu uma
filosofia explicitamente eclética, que constituiu durante algum tempo uma espécie de sistema
acadêmico oficial e depois foi em seguida esquecida. Cousin desfrutou em vida de uma fama
incomparavelmente maior que a que nunca tinha de Biran; mas seu prestígio declinaba já quando
o de De Biran começou a ir em aumento. E enquanto a Royer-Collard e a Cousin conhece-se-
lhes especificamente por seu eclecticismo, Maine de Biran é conhecido por sua reflexão sobre a
consciência humana.

Dar uma definição precisa do eclecticismo não é tarefa fácil. O termo, em sua raiz, tem uma
significação suficientemente clara. Deriva-se de um verbo grego (eklegein) que quer dizer
“escolher” ou “eleger” algo. E, em general, filósofos ecléticos são aqueles que selecionam ou
elegem entre as doutrinas de diferentes escolas ou sistemas as que a eles lhes parecem bem e as
combinam. O orçamento de um proceder assim é, obviamente, que a cada sistema filosófico
expressa, ou é provável que expresse, alguma verdade ou várias verdades, ou alguma feição da
realidade, ou alguma perspetiva ou maneira de ver o mundo ou a vida humana que é menester
que seja tomada em conta em uma síntese que pretenda o abarcar tudo.[96] Mas os envolvimentos
de semelhante presuposición podem ser ou não ser compreendidas integralmente. Em um
extremo estão os filósofos que, carecendo da força do pensamento original, criador, adotam
como tática um sincretismo: dedicam-se a combinar ou yuxtaponer doutrinas logicamente
compatíveis (a sua parecer, ao menos), tomando-as de diferentes escolas ou tradições, mas sem
ter uma ideia muito clara dos critérios que se estão seguindo e sem conseguir, portanto, dar ao
conjunto decorrente uma unidade orgânica. A tais filósofos é aos que lhes corresponde
propriamente o apelativo de “ecléticos”. No outro extremo estão aqueles filósofos que, como
Aristóteles e Hegel, vêem o desenvolvimento histórico da filosofia como o processo pelo que o
pensamento filosófico mais cabalmente posto ao dia e mais adequado a sua época, ou seja, seu
próprio sistema de filosofia, cobra ser, subsumiendo em si todas as intuiciones dos pensadores
pretéritos. Qualificar a tais filósofos de ecléticos seria desacertado. O que um filósofo beba sua
inspiração em várias fontes não lhe converte sem mais em um eclético. E se só por isso se lhe
chama também eclético, o significado do termo resultará tão amplo que sua utilidade será já
escassa. Provavelmente convirá mais reservá-lo para designar àqueles filósofos que combinam
ou yuxtaponen à toa doutrinas tomadas de diversas fontes, sem criar com elas uma unidade
doctrinal orgânica. Porque se um filósofo consegue isto último a base de juntar consistentemente
princípios fundamentais e ideias profundas, construirá um sistema reconocible, que é algo mais
que uma coleção de doutrinas yuxtapuestas.

Claro que pode ter casos discutibles. Por exemplo, o de quem escolhendo de vários sistemas
os elementos que em sua opinião possuíssem valor para valer pensasse os ter fundido
devidamente e lhes ter dado unidade orgânica, enquanto seus críticos poderiam estar
convencidos de que sua pretensão era injustificada e de que ele não era mais que um eclético.
Em tal caso, os críticos estariam dando ao termo “eclecticismo” o sentido que propúnhamos
linhas acima como o mais apropriado. Cousin, por sua vez, proclamou-se eclético e tratou após
distinguir entre o eclecticismo segundo ele o entendia e a mera yuxtaposición de ideias tomadas
de sistemas diferentes. Mas embora ele tentou criar um sistema unificado, suas pretensões do ter
conseguido foram objeto de persistentes críticas.

Disse-se com frequência que o eclecticismo francês representava, ou pelo menos estava
muito vinculado a, uma atitude política. Isto não é simplesmente expressão da geral tendência a
interpretar os movimentos filosóficos com categorias políticas. Aqui há algo mais. Os dirigentes
do eclecticismo atuaram e comprometeram-se em política. Achavam desejável uma constituição
que combinasse todos os elementos valiosos da monarquia, a aristocracia e a democracia. Em
outras palavras, eram partidários da monarquia constitucional. Por um lado opunham-se não só
a qualquer afã de volta da monarquia absoluta senão também ao governo de Napoleón como
imperador. Por outro lado, eram opostos a quem pensavam que a Revolução não ia até onde
devesse e que fazia falta a renovar e a alargar. Disse-se deles que foram os representantes de um
espírito de compromisso burguês. Eles mesmos estavam persuadidos de que sua teoria política
era a expressão de um são eclecticismo, de uma capacidade para discernir os elementos valiosos
que há em sistemas contrapostos e para os combinar de maneira que formassem uma estrutura
sociopolítica viável.

Na esfera religiosa sua atitude era similar: opunham-se ao materialismo, ao ateísmo e ao


sensismo de Condillac. Ao mesmo tempo, enquanto criam na liberdade religiosa e não
desejavam ver à Igreja submetida a perseguição, certamente não admitiam a pretensão da Igreja
de ser ela a única guardiã da verdade nas esferas religiosa e moral; nem simpatizaban nada com
a ideia de um sistema educativo eclesiasticamente inspirado e controlado. Tratavam de promover
uma religião de base filosófica, que existisse junto à religião oficialmente organizada e
colaborasse com esta nos assuntos importantes, mas sem estar sujeita à autoridade eclesiástica,
e cujo destino seria talvez substituir ao catolicismo tal como então lho conhecia.

Em fim, que enquanto os tradicionalistas como de Maistre sonhavam com a volta de uma
monarquia forte e pregavam o ultramontanismo, e enquanto os teóricos sociais que depois
mencionaremos pediam a extensão da Revolução,[97] os ecléticos tratavam de orientar o rumo
por no meio desses dois extremos, propondo que se combinassem os diferentes elementos
valiosos das posições em conflito. Até que ponto as atitudes políticas influíam nas teses
filosóficas e até que outro as ideias filosóficas exerciam alguma influência nas convicções
políticas fica aberto, como é óbvio, à discussão. Em todo caso, não é questão que possa ser
resolvida puramente em abstrato, senão considerando detidamente à cada pensador. Mas o que
parece claro é que o que se chamou o eclecticismo expressava uma atitude que se manifestava
fora do âmbito da filosofia acadêmica.

2. Royer-Collard.

Paul Royer-Collard (1763-1845) nasceu em Sompuis, no departamento do Marne. Em 1792


foi membro da Commune de Paris e em 1797 fez parte do Conselho dos Quinhentos. Embora
não tinha muita formação filosófica, chegou a ser professor de filosofia na Sorbona em 1811 e
conservou o posto até 1814. Não via com bons olhos a Napoleón; mas o imperador encomió
muito a lição inaugural em que Royer-Collard atacou a Condillac. No sentir de Napoleón, o
pensamento de Royer-Collard seria um instrumento aprovechable para desbaratar e derrotar aos
ideólogos. Vencido definitivamente o imperador, foi Royer-Collard deputado pelo Marne e
converteu-se em um dos mentores dos chamados “doctrinarios”, que achavam que suas teorias
políticas podiam ser deduzido de princípios puramente racionais.

Aparte de uma lição inaugural de seu curso sobre história da filosofia, só possuímos de
Royer-Collard alguns fragmentos filosóficos que foram recolhidos por Jouffroy. Pelo que mais
se lhe conhece é porque introduziu na França a filosofia do sentido comum de Thomas Reid.[98]
Em 1768 tinha-se publicado em Amsterdã uma tradução do Inquiry de Reid ao francês, mas
recebeu escassa atenção. Royer-Collard introduziu a seus oyentes ao entendimento daquela obra
e depois acrescentou algumas ideias de sua própria colheita, embora o alvo principal de suas
críticas era Condillac, enquanto Reid tinha-se dedicado a combater o escepticismo de Hume.

A réplica de Reid a Hume não estava muito bem concebida que digamos. Mas uma das
distinções que fazia era entre as ideias simples de Locke e as impressões de Hume por um lado
e a percepción por outro. Para Reid, aquelas ideias-impressione não eram os dados positivos em
que se baseia o conhecimento, senão, mais bem, postulados aos que se chegava através de uma
análise do que realmente se dá na experiência, que é a percepción. A percepción implica sempre
um julgamento ou crença natural, por exemplo sobre a existência da coisa percebida. Se
empenhamo-nos em tomar por ponto de partida impressões subjetivas, permaneceremos
encerrados na esfera do subjetivismo. Em mudança, a percepción traz já consigo um julgamento
a respeito da realidade exterior. Este julgamento não precisa nenhuma demonstração[99] e é
connatural a toda a humanidade, de maneira que é um dos princípios “de sentido comum”.

Royer-Collard, em seu ataque ao sensismo de Condillac, utiliza a distinção de Reid. O


desacierto iniciou-o Descarte ao tomar por ponto de partida o ego encerrado em si e tratar de
provar depois a existência real dos objetos físicos e das demais pessoas. Mas Condillac
completou o desenvolvimento do “idealismo” ao reduzí-lo tudo às fugaces sensações, que são
por natureza subjetivas. Baseando-se em seus premisas, foi incapaz de explicar nossa faculdade
de julgar, a qual manifesta de um modo palmario a atividade da mente. Na percepción vai
envolvido o julgamento, pois quem percebe julga de maneira natural, espontânea, que há um eu
permanente e que atua como causa, e julga também que o objeto da percepción dirigida para fora
do percipiente existe em realidade. “Sensações” significa, para Royer-Collard, os sentimentos
de prazer e de dor. São, claramente, experiências subjetivas. Em mudança, a percepción dá-nos
objetos que existem independentemente da sensação. O cético teorizante poderá manter suas
dúvidas a respeito da existência de um eu ou sujeito permanente e dos objetos físicos, o
reduzindo tudo à sensação; mas ele, o mesmo que qualquer outro, atua conforme aos julgamentos
primitivos e naturais de que há um eu causalmente ativo e permanente e de que há objetos físicos
realmente existentes. Tais julgamentos pertencem ao domínio do sentido comum e constituem a
base para toda operação ulterior da razão, a qual pode desenvolver a ciência inductiva e pode
argüir até chegar à existência de Deus como última causa. Não há necessidade de nenhuma
autoridade sobrenatural que lhe revele ao homem os princípios fundamentais da religião e a
moralidad. O sentido comum e a razão são scripts suficientes. Dito de outra forma, recusar o
sensismo de Condillac não supõe recorrer ao tradicionalismo ou a uma Igreja autoritaria. Há
uma via intermédia.

O pensamento de Royer-Collard tem algum interesse assim que que associa um seguir o
caminho intermédio em filosofia com o o seguir em política. A julgar, no entanto, pelos
fragmentos filosóficos que nos ficam, suas teorias requereriam uma clarificación que não
acabam de receber. Por exemplo, opina Royer-Collard que o eu e sua atividade causal são dados
imediatos da consciência ou da percepción interna. Assim, no fenômeno da atenção deliberada,
eu me estou percatando imediatamente de mim mesmo enquanto agente causal. Poderíamos
esperar, por tanto, que nosso pensador opinasse também que temos conhecimento intuitivo da
existência dos objetos percebidos e constancia imediata de que no mundo se dão
relacionamentos causales. Mas só se nos diz que a cada sensação é um “signo natural”[100] que,
de um modo misterioso, sugere não só a ideia de um existente exterior a nós, senão também a
irresistible persuasión de sua realidade. Assim mesmo Royer-Collard supõe que nosso
percatarnos do próprio eu enquanto agente causal nos induze/induz inevitavelmente a achar
atividade causal (não voluntária) no mundo externo. Como fizeram notar os críticos, Hume
admitiu explicitamente que há em nós uma tendência natural, e, na prática, irresistible, a achar
que, independentemente de nossas impressões ou percepciones, existem na realidade corpos. Ele
poderia, pois, muito bem ter dito que esta crença era de sentido comum. Mas embora Hume
pensava que a validade da crença não era demostrable, inquiriu de todos modos seu génesis,
enquanto a Royer-Collard se lhe fazem ingratas tais questões e deixa em dúvidas a seu auditório
precisamente a respeito do que está sustentando. O que está bastante claro é que recusa a redução
do ego e do mundo externo a sensações e a tentativa dos reconstruir a partir de tal base. Também
fica claro que faz questão da ideia de que a percepción é diferente da sensação e é um médio de
superar o subjetivismo. Mas sua maneira de tratar o modo em que a percepción confirma a
existência do mundo externo resulta ambigua. Parece como que queira dar local a uma inferência
inductiva que leve a uma conclusão cuja verdade seja não só provável senão verdadeira. Mas
este ponto não o desenvolveu.

3. Cousin.

Victor Cousin (1792-1867) pertencia a uma família de pobres artesãos avecindada em Paris.
Cuéntase que em 1803, quando andava brincando pelo ribeiro, interveio em ajuda de um aluno
do Lycée Charlemagne ao que perseguia uma quadrilha de pilletes, e que, em agradecimiento, a
mãe daquele rapaz decidiu proveer à educação de Cousin.[101] No Lycée Charlemagne obteve
Cousin todos os premio, e ao terminar ali ingressou na Ecole Nórmale. Imediatamente de ter
acabado os estudos nomeou-se-lhe professor ayudante de grego, quando tinha vinte anos. Em
1815 deu classes na Sorbona, substituindo a Royer-Collard, sobre a filosofia escocesa do sentido
comum. Na Escola Normal assistia a conferências de Laromiguière[102] e de Royer-Collard; mas
seus conhecimentos de filosofia eram ainda, por então, muito limitados. Também o eram, neste
campo, os do mesmo Royer-Collard.

Cousin aplicou-se então a aprender algo envelope Kant, cuja doutrina cedo dominou... ao
menos em sua própria opinião, já que não na da posteridad. Em 1817 foi a Alemanha para
conhecer aos filósofos poskantianos. Nesta visita entrevistou-se com Hegel, e em outra que fez
em 1818 chegou a conhecer a Schelling e a Jacobi. Em uma terceira visita a Alemanha, em 1824,
Cousin teve a oportunidade de alargar seus conhecimentos da filosofia alemã enquanto estava
no cárcere, apresado pela polícia prusiana, que suspeitou que fosse um conspirador.

Em 1820 foi fechada a Escola Normal e Cousin perdeu sua cátedra. Então dedicou-se a editar
as obras de Descarte e de Proclo e começou a traduzir a Platón. Em 1828 restituiu-se-lhe a
cátedra e, com a subida ao trono de Luis Felipe, chegou por fim sua grande ocasião: em 1830
era conselheiro de Estado, em 1832 membro do Conselho Real e diretor da Escola Normal, em
1833 par da França e em 1840 ministro de Instrução Pública. Durante seus anos de glória foi,
em todos conceitos, não só o filósofo oficial da França senão também um verdadeiro ditador que
pretendeu submeter a seu “regime” filosófico a todos os pensadores franceses e excluiu do
claustro docente da Sorbona a quantos ele desaprovava, por exemplo a Comte e a Renouvier.
Mas a revolução de 1848 pôs fim à ditadura filosófica de Cousin, quem teve de retirar à vida
privada. Quando tomou o poder Luis Napoleón, Cousin foi tratado como professor emérito e
recebeu uma pensão.

À teoria sensista de Condillac e seus afins chamou-a Cousin “sensualismo”. Daí o título de
sua obra: A Philosophie sensualiste au XVIII siècle (A filosofia sensualista no século XVIII,
1819). Entre outros escritos seus mencionaremos os Fragments philosophiques (1826); Du vrai,
du beau et du bem (1837) (tradução espanhola: Da verdade, da beleza e do bem, Valencia 1837;
embora a tradução exata do título seria, melhor: Do verdadeiro, do belo e do bem); Cours de
l’histoire da philosophie moderne, 5 volumes (1841) e Études sul Pascal (1842).

Cousin estava convencido de que no século XIX precisava o eclecticismo. Precisava-o na


esfera política, no sentido de que monarquia, aristocracia e democracia deveriam funcionar como
elementos complementares na constituição. Na esfera filosófica chegava o tempo oportuno para
seguir sistematicamente uma orientação eclética, para fundir os elementos valiosos conteúdos
nos diferentes sistemas. O homem mesmo é um ser composto, e bem como no homem é de
desejar que se harmonizem e integrem as diferentes faculdades e atividades, assim também na
filosofia precisamos uma integração das diferentes ideias, a cada uma das quais se presta a ser
recalcada ao máximo por um ou outro dos sistemas.

Segundo Cousin, a reflexão sobre a história da filosofia revela que há quatro tipos básicos
de sistemas que são “os elementos fundamentais de toda filosofia”: [103] em primeiro lugar, o
“sensualismo”, a filosofia “que confia exclusivamente nos sentidos”;[104] vem depois o
idealismo, que acha a realidade no âmbito do pensamento; em terceiro local está a filosofia do
sentido comum; e em quarto local o misticismo, que se voltando de costas aos sentidos se refugia
na interioridad. A cada um destes sistemas ou tipos de sistema contém algo para valer, mas
nenhum deles abarca a verdade toda ou é unicamente verdadeiro. Assim, por exemplo, a filosofia
da sensação deve de expressar, obviamente, alguma verdade, já que a sensibilidade é uma feição
real do homem. Não é, no entanto, o homem inteiro. Portanto, com respeito aos tipos de sistema
básicos teremos de ter cuidado de “não recusar nenhum, nem nos deixar enganar também não
por nenhum de eles”.[105] Temos de combinar os elementos verdadeiros: fazê-lo assim é praticar
o eclecticismo.

Cousin apresenta o eclecticismo como a culminación de um processo histórico. “A filosofia


de um século resulta de todos os elementos de que se compõe nesse século.”[106] Isto é, que a
filosofia é o produto dos complexos fatores que compõem uma civilização, embora, uma vez
surgida, cobra vida própria e pode exercer influência. O novo espírito que surgiu, segundo
Cousin, ao final da Idade Média tomou primeiro a forma de um ataque contra o poder medieval
predominante, a Igreja, e portanto apareceu como uma revolução religiosa.

Veio depois uma revolução política: “A revolução inglesa é o grande acontecimento de finais
do século XVIII”.[107] Ambas revoluções expressaram o espírito de liberdade, que se manifestou
depois na ciência e na filosofia do século XVIII. O espírito de liberdade dos libertinos e dos
librepensadores levou de fato aos excessos da Revolução francesa; mas seguidamente deu-se
uma expressão equilibrada do mesmo em um sistema político no que se combinam os elementos
da monarquia, a aristocracia e a democracia, vale dizer, na monarquia constitucional. Está claro
que a filosofia que requer no século XIX é um eclecticismo que combine a independência da
Igreja com a rejeição do materialismo e do ateísmo. Em fim, precisa-se um espiritualismo
eclético, que trascienda a filosofia da sensação que professou no século XVIII e não caia outra
vez na servil ou pupilar sumisión ao dogma eclesiástico.

Seria incómoda para Cousin a indicação de que se lhe escapa o fato evidente de que esta
espécie de interpretação sua do desenvolvimento histórico está pressupondo já uma filosofia,
uma postura definida quanto aos critérios para valer e falsidade. Por muito que nos fale, quando
a ele lhe convém, como se fosse um observador imparcial que julgasse a filosofia desde uma
terra de ninguém, o verdadeiro é que também admite, às vezes explicitamente, que não podemos
separar a verdade do erro nos sistemas filosóficos sem uns critérios decorrentes da prévia
reflexão filosófica, e que por isso o eclecticismo “assume um sistema, parte desde um
sistema”.[108]

A rejeição por Cousin do sensismo de Condillac não inclui em modo algum uma rejeição do
método de observação e experimentación em filosofia, nem o de tomar por ponto de partida a
psicologia. Em sua opinião, Condillac fez um uso deficiente da observação. Segundo viu-o
Laromiguière, a observação oferece-nos fenômenos, tais como o da atenção ativa, que são
irreducibles a impressões passivamente recebidas. E Maine de Biran clarificou algo, por médio
da observação, o papel ativo do sujeito percipiente. Se Condillac esteve no verdadeiro ao afirmar
a existência e a importância da sensibilidade humana, não o esteve menos de Biran ao afirmar a
existência e a importância da volición, da atividade voluntária. Mas nós — insiste Cousin — nos
servimos da observação para ulteriores averiguaciones. Pois ela nos revela a faculdade da razão,
que não é reducible nem à sensação nem à vontade e que vê a verdade necessária de certos
princípios básicos, tais como o princípio de causalidad, que são implicitamente reconhecidos
pelo sentido comum. Portanto, a psicologia revela a presença no homem de três faculdades, a
saber: sensibilidade, vontade e razão. E os problemas filosóficos repartem-se, por
correspondência a elas, em três grupos, versando respetivamente sobre o belo, o bom e o
verdadeiro.

Para desenvolver uma filosofia da realidade temos de sair, por certo, da esfera puramente
psicológica. E o que nos capacita para o fazer é a faculdade da razão. Pois com ajuda dos
princípios de substância e de causalidad podemos referir os fenômenos internos do esforço
voluntário ao próprio eu e as impressões que recebemos passivamente a um mundo externo ou
natureza. Estas duas realidades, o eu e o não-eu, se limitam uma a outra, como sustentava Fichte,
e não podem constituir a realidade ultima. Ambas devem ser atribuído à atividade criadora de
Deus. Assim, a razão nos capacita para emergir da esfera subjetiva e desenvolver uma ontología
na que o eu e o não-eu se vêem como referidos à atividade causal de Deus.

Os tradicionalistas recalcaban a impotencia da razão humana nas esferas metafísica e


religiosa quando funciona com independência da revelação. A Igreja católica pronunciou-se na
contramão desta tese, pelo qual poderia parecer que desse por boa a metafísica de Cousin. Mas
esta vinha a ser um caminho intermédio entre o catolicismo por um lado e o ateísmo e o
agnosticismo do século XVIII por outro. Compréndese, pois, que suas focagens e opiniões não
fossem do todo aceitáveis para quem achavam que pertencer ao seio da Igreja era a única
alternativa viável e própria em frente à infidelidad. Acrescente-se que a Cousin se lhe acusou de
panteísmo sobre a base de que representava o mundo como uma atualização necessária da vida
divina. Isto é, que pensava que Deus se manifesta de um modo necessário no mundo físico e nas
consciências finitas. Em sua opinião, o mundo era-lhe tão necessário a Deus como Deus o é para
o mundo; e falava de Deus como se este voltasse sobre sim na consciência humana.[109] Cousin
negou que tais modos de falar entranhassem panteísmo; mas a semelhante negativa deram-lhe
pouco valor uns críticos que estavam convencidos de que a filosofia tende de seu à irreligiosidad.
O aconselhava, por verdadeiro, aos filósofos que evitassem falar de religião, entendendo por esta
antes de mais nada o catolicismo; mas falava de Deus, e a seus religiosos críticos parecia-lhes
que sua forma de falar não era conforme ao que eles achavam ser a religião verdadeira, senão
que lhes confirmava em suas suspeitas contra a filosofia.

Como expoente de uma via média, de uma política de compromisso, Cousin foi naturalmente
criticado pelos dois flancos. Seu metafísica não era aceitável nem para os materialistas e os ateus,
nem para os tradicionalistas. Suas teorias políticas não satisfaziam nem aos republicanos e
socialistoides, nem aos autoritarios realistas. Seus críticos mais acadêmicos têm-lhe objetado
que a transição que faz da psicologia à ontología não se justifica. Designadamente, Cousin não
explica claramente como uns princípios de validade universal e necessária, aptos para fundar
uma ontología e uma metafísica, possam ser derivado da inspeção dos dados da consciência.
Afirma que “como for o método de um filósofo, tal será seu sistema”, e que “a adoção de um
método decide o destino de uma filosofia”.[110] Aqueles críticos que tachan de incoerente o
eclecticismo de Cousin é provável que convenham com ele em isto, embora acrescentando que,
se for o caso, brilhava por sua ausência um método bem definido.
No entanto, embora ao pensamento de Cousin tem-se-lhe solido criticar em um tom de
condescendiente suficiencia e até de desprezo, é indiscutible que supôs uma notável contribuição
ao desenvolvimento da filosofia acadêmica na França, especialmente quiçá no campo da história
da filosofia. Sua tese de que tinha verdade em todos os sistemas incitava naturalmente aos
estudar; e ele deu exemplo com seus escritos de historiador. É demasiado fácil e simplista
descrever-lhe como a uma personagem que deu expressão teórica ao reinado de Luis-Felipe. É
também innegable que deixou marcada seu impronta na filosofia universitária da França.

4. Jouffroy.

Um dos discípulos de Cousin foi Théodore Simon Jouffroy (1796-1842). Ingressou em 1814
na Escola Normal e, finalizados seus estudos, ficou ali de ayudante até que, em 1833, foi
nomeado professor de filosofia antiga no Colégio da França.[111] Desde 1833 foi também
deputado na Câmera. Entre seus escritos destacam duas séries de ensaios filosóficos (Mélanges
philosophiques, 1833, e Nouveaux mélanges philosophiques, 1842) e dois cursos, um sobre a lei
natural (Cours de droit naturel, 2 vols., 1834-1842) e outro envelope estética (Cours
d’esthétique, 1843). O segundo destes cursos, publicado postumamente, consiste em notas de
suas lições tomadas por um oyente.

Com respeito à filosofia, ou pelo menos aos sistemas filosóficos, manifesta Jouffroy um
marcado escepticismo. Em 1813 caiu na conta de que perdia sua fé cristã. Isto é, encontrou-se
com que as respostas dos dogmas cristãos aos problemas sobre a vida e o destino humanos não
eram já válidas para ele. Em seu sentir, a filosofia substituiria, ou ao menos poderia, andando o
tempo, substituir aos dogmas cristãos para resolver umas questões às que não podia ser seguido
respondendo com os autoritarios ditados de uma religião que pretende contar com a revelação
divina.[112] Nesta matéria Jouffroy era mais expeditivo e tajante que Cousin, o qual, pensasse o
que pensasse, tendeu sempre a recomendar a coexistencia da filosofia com a religião e não a
substituir esta por aquela.[113] Mas embora Jouffroy continuava estando convencido de que a
cada indivíduo tinha, de fato, uma vocação, uma tarefa por realizar na vida, não achava que
ninguém pudesse saber com certeza qual era sua vocação, nem também não que a filosofia, tal
como existia, pudesse proporcionar respostas definidas a problemas deste tipo. Em sua opinião,
os sistemas filosóficos refletiam os lincamientos, as ideias, as circunstâncias e as necessidades
históricas e sociais de suas respetivas épocas. Dito de outro modo, os sistemas expressam
verdades relativas, não absolutas. O mesmo que a religião, podem ter um valor pragmático; mas
o sistema filosófico definitivo é um remoto ideal, não uma realidade atual.

Combinava Jouffroy seu parcial escepticismo com respeito aos sistemas filosóficos com a
crença de que há uns princípios de sentido comum que são anteriores à filosofia explícita e
expressam a sabedoria coletiva da raça humana. Royer-Collard e Cousin acordaram nele o
interesse pela filosofia escocesa do sentido comum, interesse que deu por fruto sua tradução ao
francês dos Outlines of Moral Philosophy de Dugald Stewart[114] e das obras de Reid. Refletindo
sobre a filosofia escocesa, chegou Jouffroy à conclusão de que há uns princípios de sentido
comum que possuem um grau para valer e de certeza do que não desfrutam as teorias filosóficas
dos indivíduos.[115] Claro que estas teorias não podem ser simples produtos individuais, se as
filosofias expressam o espírito de suas épocas. Mas os princípios do sentido comum representam
algo mais permanente, a sabedoria coletiva da humanidade ou da raça humana, à que pode ser
apelado para contrarrestar a unilateralidad de um sistema filosófico. Por exemplo, um filósofo
expõe um sistema materialista, enquanto outro filósofo considera que a única realidade é o
espírito. Pois bem, o sentido comum reconhece que existem ambas coisas, matéria e espírito.
Portanto, cabe presumir que uma filosofia adequada ou universalmente verdadeira terá de ser
uma explicação de sentido comum que se base na sabedoria da humanidade, mais bem que nas
ideias, opiniões, circunstâncias e necessidades de uma determinada sociedade particular.

São bastante óbvias, desde depois, as objeciones que se lhe podem fazer a uma distinção tão
neta entre as opiniões e teorias individuais por um lado e a sabedoria coletiva da humanidade
pelo outro. Assim, por exemplo, se diz que o sentido comum se expressa em umas proposições
verdadeiras e evidentes por si mesmas que estão na base da lógica e da ética. Mas a verdade de
tais princípios é captada pelas mentes individuais. E em suas reflexões psicológicas, ao tratar
das faculdades humanas, de seu desenvolvimento e cooperação, Jouffroy certamente descreve a
razão como capaz de prender a verdade. Talvez em certa medida a tensão entre o individualismo
e o que, a falta de melhor termo, poderíamos chamar colectivismo, se superasse representando
ao ser humano plenamente desenvolvido como partícipe do sentir ou sabedoria comum. Mas
essa tensão segue-se dando no pensamento de Jouffroy. Assim, sua maneira de entender o
sentido comum como expressão da solidariedade humana podia ser esperado, segundo o
indicaram os historiadores, que influísse em suas ideias políticas as orientando para o socialismo,
enquanto, de fato, ele falou ocasionalmente da sociedade como de uma mera coleção de
indivíduos. No entanto, talvez Jouffroy mantivesse que a integração do comum e o individual é
um ideal para o que a humanidade vai avançando. No caso da filosofia, de todos modos, achava
ele que a divergência entre os sistemas unilaterais e o sentido comum chegaria por fim alguma
vez a se superar. E parece ter pensado também que o nacionalismo ia em caminho de dar passo
ao internacionalismo como expressão da fraternidad humana.

Temos visto que Cousin tratava de fundamentar a ontología na psicologia. Jouffroy não lhe
seguiu em isto, senão que fez questão de que a psicologia devia ficar solta da metafísica e devia
ser estudado com o mesmo desapego científico com que se estuda a física. Ao mesmo tempo,
recalcó a distinção entre a psicologia e as ciências da natureza.[116] Quando o físico observa uma
série ou um conjunto de fenômenos, não se pergunta simultaneamente pela causa ou as causas
dos mesmos. Requiérese um ulterior inquirir. Em mudança, na observação íntima ou percepción,
a causa, isto é, o próprio eu, é um dado. Isto talvez pareça uma incursão na metafísica; no entanto,
diríase que Jouffroy, mais bem que a uma alma substancial, se está referindo, de um modo que
recorda o de Maine de Biran, ao eu que se percata de si mesmo na consciência ou apercepción.

Em seus disertaciones sobre a lei natural dedicou longamente Jouffroy sua atenção aos temas
éticos. O bem e o mau são em verdadeiro sentido relativos. Pois a cada homem tem sua própria
vocação na vida, seu cometido particular; e são boas aquelas ações que contribuem ao
cumprimento desta vocação ou tarefa, e más as que não se compadecen com tal cumprimento.
Cabe sustentar, por tanto, que o bem e o mau são relativos à autorrealizadón do indivíduo
humano. Mas isto não é todo o que aqui pode ser dito. Subjacentes a quaisquer códigos e sistemas
legais estão os princípios básicos que pertencem ao sentido comum. Ademais parece que
Jouffroy considera que todas as vocações individuais contribuem ao desenvolvimiento de uma
comum ordem moral. E se um ideal moral unificado não pode ser realizado plenamente nesta
vida, quiçá seja verdadeiro que terá de se realizar em outra.
Capítulo IV
A filosofia social na França.

1. Observações gerais.

Os tradicionalistas, como vimos, se preocuparam pelo que consideravam o hundimiento da


ordem social manifestado na Revolução e subsiguiente a ela, e atribuíram a Revolução mesma
em grande parte ao pensamento e à influência dos filósofos do século XVIII. Pintar aos
tradicionalistas como se fossem tão reaccionarios que desejassem a restauração do regime pré-
revolucionário junto de todos os abusos que tinham fato inevitável sua ruína equivaleria a
cometer com eles uma injustiça. Mas o que sim achavam certamente era que, para reconstruir a
sociedade sobre uma base firme, tinham de se reafirmar os princípios tradicionais da religião e
do governo monárquico. Neste sentido olhavam preferencialmente para atrás, embora um
escritor como de Maistre, segundo o temos já notado, fosse decidido defensor do
ultramontanismo e nada amigo da tradição galicana.

Os ideólogos, considerados por Napoleón como pestilentes “metafísicas”, não foram muito
dados às pronúncias políticas. Mas seus métodos tinham envolvimentos no campo social.
Insistiram, por exemplo, em analisar cuidadosamente os fenômenos empíricos e em educar por
médio da discussão. O imperador pensava, sem dúvida, que os ideólogos se ocupavam de
trivialidades e de investigações inúteis ou pouco aprovechables; mas, em realidade, a questão
era que se opunham à ideia de moldar à juventude conforme a um padrão e não queriam admitir
o sistema educativo segundo o concebia Napoleón, nem também não a restauração por este da
religião católica na França.

Os ecléticos propugnaban a monarquia constitucional e um regime de compromisso,


aceitável para a burguesía. Tomaram eles mesmos parte ativa na vida política, e pode ser dito
que representavam a uma classe que, tendo melhorado de posição graças à Revolução, não
desejava ulteriores experimentos drásticos, já fossem conquistas imperialistas ou programas de
mudanças socialistas.

Era, no entanto, o mais natural que tivesse também outros pensadores que estivessem
convencidos de que a Revolução devia ser levada adiante, não no sentido de novos
derramamientos de sangue, senão no de que os ideais revolucionários tinham que se fazer
realidade em uma reforma da estrutura social. Com a Revolução poderia ser tido conseguido a
liberdade, mas a igualdade e a fraternidad não eram, nem muito menos, tão evidentes. Estes
supostos reformadores sociais, convencidos de que a obra da Revolução devia ser alargada, eram
uns idealistas,[117] e suas proposições positivas foram qualificadas com frequência de utópicas,
em especial por Marx e seus seguidores. Em alguns casos, desde depois, tal qualificação tem
óbvio fundamento nos fatos. Se os tradicionalistas eram sonhadores, também o eram seus
contrários. Mas admitir esta realidade tão evidente não obriga, no entanto, a sacar a conclusão
de que o marxismo seja científico assim que oposto ao socialismo utópico.[118] Em qualquer
caso, uma distinção demasiado marcada tende a ocultar o fato de que as ideias dos reformadores
sociais franceses da primeira metade do século XIX contribuíram ao desenvolvimento da teoria
política em sentido socialista.

2. O utopismo de Fourier.

Há que admitir que não era injustificada a opinião de Karl Marx segundo a qual François
Marie Charles Fourier (1772-1837) foi um bem intencionado socialista utópico criador de mitos.
Pois embora certamente Fourier chamou a atenção sobre um problema real, a solução que propôs
continha elementos que com frequência frisaban no fantástico. Suas opiniões eram
frequentemente excêntricas, e algumas de suas profecias, como as que fez sobre as funções que
poderiam chegar a desempenhar os animais, vinham a ser uma espécie de ciência-ficção
altamente imaginativa. Mas, como pessoa, Fourier era encantador e estava inspirado por um
autêntico desejo de regenerar a sociedade.

Natural de Besanon, onde foi aluno dos jesuitas, Fourier era filho de um comerciante e se
ganhou a vida trabalhando no comércio. Aparte desta ocupação, dedicou-se a propagar suas
ideias a respeito da sociedade humana. Seus escritos incluem uma Théorie dê quatre
mouvements et dê destinées générales (Teoria dos quatro movimentos e dos destinos gerais,
1808), uma Théorie de l’unité universelle (Teoria da unidade universal, 1822) e uma obra
titulada Lhe nouveau monde industriel et sociétaire (O novo mundo industrial e societario,
1829). Excetuada o ensino secundário, que recebeu em Besançón, foi em todo o demais um
autodidata dotado de poderosa inteligência, viva imaginação e multidão de conhecimentos
superficiais envelope muito diversos temas.

Fourier foi um crítico sincero e imparcial da sociedade estabelecida que conheceu. Mais
precisamente, seguiu a Rousseau no achacar à civilização os males da humanidade. Ali onde
tenha sociedade civilizada encontraremos, segundo Fourier, egoísmos e mesquinhos interesses
disfarçados de serviços à humanidade. Por exemplo, os médicos enriquecem-se a base de que
entre suas conciudadanos se estendam as doenças, as indisposiciones; os clérigos desejam a
morte de suas parroquianos mais ricos para obter maiores rendimentos dos funerais.[119] Mais
ainda, a sociedade civilizada é afligida por hordas de parasitas. Assim, as mulheres e os meninos
são parasitas domésticos, e os soldados e os comerciantes são parasitas sociais. Claro que nem
sequer a excentricidade de Fourier chega a tanto como a sugerir que se elimine às mulheres e
aos meninos. O que ele quer dizer é que na sociedade civilizada as mulheres e os meninos vivem
de maneira improductiva. Em sua opinião, as mulheres deveriam emanciparse e libertar-se para
tomar parte no trabalho produtivo, enquanto aos meninos, que gostam de jogar no ribeiro, sugere
graciosamente que bem se lhes poderia empregar na limpeza das ruas. Tal como estão as coisas,
só um setor comparativamente pequeno da população se dedica ao trabalho produtivo. Os
exércitos não produzem senão que destroem; em tempo de paz são parasitas da sociedade.
Quanto aos mercaderes e traficantes, “o comércio é o inimigo natural do produtor”.[120] Disso
não se segue de nenhum modo que os produtores sejam felizes ou estejam livres do prevaleciente
egoísmo. Suas condições de vida são, com frequência, deplorables, e “a cada trabalhador está
em guerra com a massa e abriga má vontade com respeito a ela em virtude de seu interesse
pessoal”.[121] Em fim, que à sociedade civilizada lha acha por todos os lados corrompida, cheia
de egoísmos, discórdias e dê harmonias.

Qual é a origem dos males da sociedade civilizada? Segundo Fourier, a repressão das
paixões, da que é responsável a civilização. O mundo foi criado por um Deus bom que implantou
no homem certas paixões, as quais, portanto, devem de ser boas em si mesmas. Entre as treze
paixões implantadas por Deus inclui Fourier, por exemplo, os cinco sentidos, paixões sociais
tais como o amor e os sentimentos familiares, paixões distributivas tais como o afã de variar (a
paixão “borboleta”), e a cimeira paixão pela harmonia, que une ou sintetiza as outras.[122] A
civilização reprimiu estas paixões de tal modo que fez impossível a harmonia. O que se precisa
é, pois, uma reorganização da sociedade que assegure a livre solta das paixões e, portanto, tanto
o desenvolvimento dos indivíduos como o lucro da concordia ou harmonia entre eles.

A organização social em que cifraba Fourier suas esperanças era o que chamou uma
“falange”, grupo de homens, mulheres e meninos que somariam ao todo entre milhar e médio
ou dois milhares de indivíduos.[123] Os membros de uma falange seriam pessoas de diferentes
temperamentos, capacidades e gostos. Se agrupariam segundo sua ocupação ou tipo de trabalho;
mas a nenhum membro se lhe daria um trabalho para o que não fosse idóneo ou que lhe
repugnasse. Se seus gostos mudassem ou sentisse a necessidade de outro trabalho, poderia
satisfazer a paixão “borboleta”.[124] Deste modo a cada membro de uma falange teria plena
oportunidade de desenvolver seus talentos e paixões ao máximo, e entenderia o significado de
seu trabalho particular no plano geral. Teria concorrência entre subgrupos, mas reinaria no
conjunto a harmonia. Sem dúvida que só com que uma falange se estabelecesse com sucesso, a
evidente harmonia, felicidade e prosperidade de seus membros estimularia inevitavelmente à
imitação. Os relacionamentos entre as diferentes falanges seriam elásticas, embora se tentaria
que tivesse alguns grupos de trabalhadores dispostos a realizar temporariamente diversos
trabalhos especiais em diferentes falanges. Por certo que não teria guerra nenhuma. Em vez de
guerras se celebrariam concursos gastronômicos.[125]

À maioria dos leitores algumas das ideias de Fourier não poderão menos de lhes parecer
estrambóticas ou extravagantes. Achava ele, efetivamente, que a regeneração da sociedade
humana repercutiria notoriamente não só no reino animal senão até nos corpos celestes. Mas o
extravagante de algumas de suas ideias não altera o fato de que viu com penetração um problema
real que hoje em dia está sendo já muito grave, a saber, o da necessidade de humanizar a
sociedade e o trabalho industriais e superar o que se descreve como alienación. A solução
proposta por Fourier adolece obviamente dos defeitos do utopismo, tais como o de conceber que
só há uma forma ideal de organização social. Ao mesmo tempo, tinha seus detalhes certeros. Era
até verdadeiro ponto uma solução socialista; mas não preconizava a abolição da propriedade
privada, pois Fourier a achava necessária para o desenvolvimento da personalidade humana. O
que sugeria era que se fizesse o experimento de uma sociedade cooperativa cujos membros se
repartissem os benefícios em proporção ao trabalho, ao capital contribuído e ao talento da cada
qual, e na que percebessem o mais alto interesse aqueles que obtivessem assim menor soma de
bens.
Fourier mesmo nunca conseguiu realizar seu projeto. Mas após sua morte um discípulo seu
chamado Godin fundou um “falansterio” na França, e outro discípulo, Victor Considérant,
experimentou em Texas seguindo as diretrizes fourieristas. As doutrinas de Fourier atraíram-se
grande número de adictos tanto na França como na América, mas se compreende que seu influjo
fosse limitado e passageiro. Fourier tinha-se a si mesmo pelo Newton do pensamento social, o
descobridor das leis do desenvolvimento social e, designadamente, do trânsito da “civilização”
à sociedade harmônica e perfeita que viria a realizar o plano divino. Esta valoração sua de seus
próprios méritos não foi aceitada. Mas embora é compreensível que suas ideias se considerem
em grande parte como mera curiosidade histórica, ele não careceu em modo algum de
perspicacia. Evidentemente problemas como os que propõe a organização das estruturas sociais
e industriais ao servido do homem e os do harmonizar as necessidades individuais ou as coletivas
nos seguem acuciando ainda hoje.

3. Saint-Simon e o desenvolvimento da sociedade.

Precursor mais influente do socialismo foi-o Claude-Henri de Rouvroy, conde de Saint-


Simon (1760-1825). Ramo de uma família nobre algo vinda a menos, foi educado Saint-Simon
por preceptores privados, um dos quais foi o filósofo e cientista d’Alembert.[126] Seguramente
seria d’Alembert quem inculcó em Saint-Simon a fé na ciência como fonte de ilustração. À idade
de 17 anos exercia Saint-Simon no exército como oficial e tomou parte na guerra da
independência de Norteamérica. Ao estallar a Revolução, apoiou-a até verdadeiro ponto, embora
sua colaboração parece ter consistido principalmente em adquirir a pouco aprecio propriedades
confiscadas. Em 1793 foi detido, com o nome que adotava para suas empresas lucrativas, mas
em seguida se lhe deixou em liberdade. Esteve ativo politicamente baixo o Diretório, mas depois
dedicou-se por completo ao desenvolvimento e à publicação de suas ideias sociais, vivendo às
vezes em situação de grave penúria econômica.[127] Em 1807-1808 publicou seu Introduction
aux travaux scientifiques du XIXe siècle (Introdução aos trabalhos científicos do século XIX), e
em 1813 seu Mémoire sul a Science de l’homme e Travail sul a gravitation universelle (Memória
sobre a ciência do homem e Trabalho sobre a gravitación universal). De 1814 a 1817 colaborou
com Augustin Thierry; e a obra intitulada Réorganisation da société européenne
(Reorganização da sociedade européia, 1814) apareceu a nome dos dois. Desde 1818 Auguste
Comte atuou de secretário e colaborador seu, até que os dois riñeron em 1824, no ano anterior
ao da morte de Saint-Simon. Comte era-lhe deudor em muitas coisas a Saint-Simon e assim o
reconheceria em algumas ocasiões; mas, em general, preferiu não o fazer.

Saint-Simon qualificou a filosofia do século XVIII de crítica e revolucionaria, enquanto a


filosofia do século XIX estaria destinada a ser inventiva e organizadora. “Os filósofos do século
XVIII fizeram uma Enciclopédia para derrubar o sistema teológico e feudal. Os filósofos do
século XIX terão de fazer também uma Enciclopédia para dar ser ao sistema industrial e
cientista.”[128] Isto é, os pensadores do século XVIII submeteram o antigo regime e as crenças
em que se fundava a uma crítica destructiva. Em opinião de Saint-Simon, se os últimos reis da
França tivesse o bom sentido de aliar-se com a ascendente classe industrial em vez de com a
nobreza, seria possível a transição pacífica a um novo sistema. Mas, de fato, o antigo regime foi
varrido por uma revolução violenta. Claro que um sistema político não pode desaparecer do
tudo, a não ser que na profundidade tenha, por assim o dizer, aguardando um novo sistema capaz
de ocupar seu posto. No caso da Revolução francesa, o novo sistema destinado a ocupar o posto
do antigo não estava a ponto. Nada tem pois de surpreendente que, ao cabo de algum tempo, se
restaurasse a monarquia. No entanto, no século XIX estava destinado a ser um período de nova
construção e organização social. E no cumprimento desta tarefa iam ter um papel importante
aqueles pensadores que, como o mesmo Saint-Simon, pudessem assinalar as linhas a seguir pelo
processo de organização construtiva.

Mas embora Saint-Simon recalcó as feições, críticos e destructivos da dieciochesca filosofia


da Ilustração, tinha outra feição desta que ele considerou que proporcionava a base para a
construção ulterior: a exaltação do espírito racional e cientista. Em opinião de Saint-Simon, era
a ciência o que socavava a autoridade da Igreja e a credibilidade dos dogmas teológicos. Ao
mesmo tempo, a aplicação da focagem científica da física e a astronomia ao homem
proporcionou a base para reorganizar a sociedade. “O conhecimento do homem é o único que
pode conduzir a que se descubram os modos de conciliar os interesses das gentes.”[129] E o
conhecimento do homem só pode ser conseguido tratando ao homem como uma parte da
natureza e desenvolvendo a ideia, preparada já por alguns escritores da Ilustração e por Cabanis,
de que a psicologia é um apartado da fisiología. Claro que a psicologia deve incluir também o
estudo do organismo social. Em outras palavras, precisa-se uma nova ciência, descrita por Saint-
Simon como fisiología social.[130] A sociedade e a política ou, mais em general, o homem em
sociedade, podem, pois, estudar-se não menos cientificamente que os movimentos dos corpos
celestes. A aplicação, em fim, da ciência newtoniana ao homem mesmo, a sua psicologia, a sua
conduta moral e a sua política, é base indispensável para solucionar os problemas sociais da
Europa.

Ciências como a astronomia, a física e a química estão já bem estabelecidas sobre uma “base
positiva”,[131] isto é, sobre a observação e o experimento.[132] Agora chegou o tempo de pôr a
ciência do homem sobre uma base similar.[133] Isto trará a unificação das ciências e a
consecución do ideal que inspirou a Enciclopédia. Verdade é que um conhecimento científico
completamente unificado e definitivo a respeito do mundo segue sendo um ideal ao que a mente
humana pode ser aproximado mas que nunca atingirá do tudo, enquanto o avanço no
conhecimento científico é sempre possível. Ao mesmo tempo, Saint-Simon pensa em uma
extensão da focagem e do método da física clássica, considerada como definitiva em suas linhas
principais, ao estudo do homem. E acha que esta extensão completará o trânsito do estádio do
pensamento humano em que a teología e a metafísica passavam por ser conhecimento ao estádio
do verdadeiro conhecimento positivo ou cientista.

Alguns escritores viram uma discrepância entre o ideal de Saint-Simon de unificar as


ciências e seu posterior insistencia na superior dignidade da ciência que se ocupa do homem.
Isto é, se tem argüido que o ideal em questão implica que todas as ciências estão ao mesmo nível,
enquanto adscribir uma dignidade superior à ciência do homem é dar por suposto que há uma
diferença cualitativa entre o homem e os demais seres e recair na concepção medieval de que a
dignidade de uma ciência depende da focagem de seu estudo ou “objeto formal”.[134]

Pudesse ser assim. Mas não parece necessário postular nenhuma mudança radical na posição
de Saint-Simon. Ele, afinal de contas, veio a sustentar que a fisiología social tem uma matéria
de estudo específica, a saber, o organismo social, que é mais que uma coleção de indivíduos;
mas pede que a sociedade seja estudada mediante o mesmo tipo de método que se emprega em
outras ciências. E se acrescenta um julgamento de valor, isto não lhe força necessariamente a
nenhuma mudança radical de posição, pelo menos se lhe interpretamos como que se refere à
importância da ciência do homem e não como se supusesse que o homem difere qualitativamente
dos demais seres até o ponto de que resulte impossível o estudo científico da sociedade humana.
Obviamente este envolvimento não era a que ele pretendia.

Desde depois, Saint-Simon não trata a sociedade de um modo puramente abstrato. As


instituições sociais e políticas desenvolvem-se e mudam; e Saint-Simon supõe que tem de ter
uma lei que governe tais mudanças. Estudar cientificamente a sociedade humana implica, pois,
a descoberta da lei ou as leis da evolução social. E se admitimos que tal lei só pode ser descoberto
inductivamente, pesquisando os fenômenos históricos e refletindo sobre eles, não cabe dúvida
de que o desejável é que o campo de observação seja o mais amplo possível. Ou, se o
estabelecimento preliminar da lei da mudança social baseia-se na investigação de um campo
limitado, terá que pesquisar também outros campos para ver se a hipótese se confirma ou há que
a eliminar. Mas embora Saint-Simon faz bastantees observações gerais envelope os estádios
históricos do processo da evolução social, o que em realidade interessa é como entende o passo
da civilização medieval à moderna, aparte do que se lhe oferece dizer a respeito do futuro.

Em suas visões gerais do passo das crenças teológicas e da especulação metafísica a era-a
do saber positivo ou cientista, da necessidade de uma ciência da sociedade humana e das
mudanças históricas como regidos por uma lei, é palmario que Saint-Simon se antecipa ao
positivismo de Auguste Comte. Os discípulos deste último tenderam a minimizar a influência
daquele; e alguns até tentaram fazer achar que foi Saint-Simon o influído por Comte e não
precisamente ao revés. Mas semelhante pretensão não pode ser defendida com sucesso. O
verdadeiro é que ambos tiveram precursores no século XVIII, autores, por exemplo, como
Turgot e Condorcet.[135] E durante seu período de colaboração Saint-Simon receberia, sem
dúvida, estímulos de Comte. Mas é indudable que Saint-Simon concebeu suas ideias básicas
bastante dantes do período de sua associação com Comte. E por muito que possa dizer alguns
de seus discípulos, Comte mesmo chegou em ocasiões a reconhecer, embora só em sua
correspondência, a dívida que tinha para com Saint-Simon. Também é indiscutible que Comte
elaborou suas ideias a seu próprio modo. Mas cabe perguntar-se até que ponto recebeu estímulos
de Saint-Simon e foi influído por ele em feições importantes, embora não se apropriasse
servilmente de suas ideias. Dada a reputação de Comte como fundador do positivismo clássico,
não vem mau chamar a atenção sobre o importante papel que em isso lhe coube a Saint-Simon.

Ao explicar as mudanças sociais insiste muito Saint-Simon na importância fundamental das


ideias. As crenças e os ideais da Idade Média exerceram um influjo determinante nas instituições
sociais e políticas daqueles tempos,[136] enquanto o desenvolvimento das ciências e a transição
ao estádio do saber positivo requer e conduz à criação de novas estruturas sociais e políticas.
Neste recalcar o papel básico que desempenham as ideias, Saint-Simon tem mais conexões com
Comte que com Marx. Põe também de realçe Saint-Simon a importância da vida econômica do
homem com o que se lhe ocorre dizer envelope a ascensão da classe dos mercaderes e dos
artesãos. Em sua opinião, a sociedade feudal da Idade Média atingiu seu ponto culminante no
século XI. Depois emergiram já dentro dela dois fatores que viriam a ser os remotos presságios
de sua dissolução. Foi um a introdução das ideias científicas provenientes do mundo islâmico, e
o outro, o surgimiento dos municípios, que representavam a uma classe de produtores em um
sentido que nem a Igreja nem a nobreza feudal o foram.[137] Dentro da mesma época medieval,
nenhum fator chegou a ser o bastante forte como para construir uma autêntica ameaça contra a
autoridade existente. No entanto, no século XVI o poder da Igreja foi debilitado pelo desafio dos
reformadores, pelo que o clero decidiu aliar com a monarquia ou subordinarse a ela em vez de
ser, como na Idade Média, um rival dos poderes temporários. O saber científico ia em aumento
e supunha uma ameaça para as crenças teológicas, pois com frequência induzia aos intelectuais
a questionar qualquer autoridade ou doutrina estabelecida. Acrescente-se que, como os monarcas
franceses se associaram insensatamente com a nobreza assim que a tiveram reduzida a
sometimiento, mais bem que com os interesses da ascendente classe dos produtores, a revolução
violenta chegou a ser, ao fim, inevitável. A Revolução francesa foi tão só o resultado de um
processo que se tinha ido desenvolvendo “durante mais de seis séculos”.[138] Pôs em liberdade
à classe ascendente e possibilitou o trânsito à sociedade industrial.

Para Saint-Simon, a sociedade contemporânea sua achava-se em uma fase intermédia entre
o antigo regime e o estabelecimento de uma sociedade nova baseada no conhecimento científico
e na indústria. As condições para uma nova sociedade estavam-se dando já. Importaria pouco
que França ficasse sem monarquia, sem bispos e sem terratenientes; mas o que sim seria
certamente grave é que perdesse a única classe útil em realidade, a dos produtores ou
trabalhadores. (Os cientistas devem ser incluídos também, naturalmente, entre os elementos
indispensáveis da sociedade) Mas de aqui não se segue de nenhum modo que Saint-Simon
postulara o desenvolvimento da democracia social ou se interessasse pela ampliação da liberdade
a todos os cidadãos ou por sua participação no governo. O que ele contempla e propugna é o
governo dos cientistas e dos dirigentes da indústria. Em L ’Organisation (1819) propôs que
tivesse três câmeras de experientes. A primeira, ou câmera da invenção, estaria formada por
engenheiros e artistas, que traçariam planos ou projetos, os quais teriam de ser examinados
depois pela segunda câmera, formada por matemáticos, físicos e fisiólogos.[139] A terceira
câmera seria responsável por que se executassem os projetos propostos pela primeira câmera e
examinados e aprovados pela segunda. Saint-Simon chamou a este terceiro corpo “câmera dos
deputados”. Constaria de representantes selectos da agricultura e a indústria; mas o electorado o
formariam só os produtores.

Não há que dar demasiada importância a estas propostas. Em sua obra Du systéme industriel
(Do sistema industrial, 1821-1822) Saint-Simon contentava-se mais ou menos com pedir que as
finanças fossem postas em mãos de uma câmera de indústria e que o Instituto da França
assumisse com respeito à educação o papel que em tempos desempenhava a Igreja. Em todo
caso, as propostas concretas são expressão de uns quantos orçamentos gerais. Por exemplo,
pressupõe-se que os cientistas chegaram a ser a elite intelectual e que pode lhe lhes confiar a
elaboração e aprovação de planos beneficiosos para a sociedade. Pressupõe-se também que na
sociedade contemporânea os interesses que vinculam aos homens entre si e lhes chamam a
deliberar e a atuar em comum não são já teológicos ou militares, senão econômicos. O governo,
quando não se lhe entende como coercitivo e em conexão com aventuras militares, anda em via
de se transformar em uma gerencia administrativa dedicada a promover os interesses reais da
sociedade.
A sociedade industrial, segundo Saint-Simon, seria uma sociedade pacífica, pelo menos
quando se tivesse desenvolvido plenamente e tivesse a forma apropriada de governo ou
administração. O que chama ele a classe industrial inclui não só aos dirigentes da indústria, senão
também aos operários. E Saint-Simon supõe que seus interesses coincidem ou harmonizam uns
com outros. Mais ainda, a classe industrial, digamos, na França, tem muitas mais coisas em
comum com a classe paralela a ela na Inglaterra que não com a nobreza francesa. A ascensão da
classe industrial proporciona, pois, a base para a solidariedade humana e para a superação das
inimizades entre as nações. Verdadeiro que os governos, tal como existem na atualidade,
representam um prolongamento do antigo regime, um lastre, por assim o dizer, derivado de uma
estrutura social obsoleta. No entanto, o passo a uma forma de administração apropriada à nova
sociedade industrial e dedicada a seus interesses justificará a confiança em que se consiga a paz
internacional. Esta meta não pode ser atingido por médio de alianças ou conferências entre uns
governos que não representam propriamente os interesses da classe produtiva, que é a classe
naturalmente pacífica. Requiérese primeiro um desenvolvimento mais pleno da sociedade
industrial.

Karl Marx mostrou considerável respeito por Saint-Simon. Mas obviamente não estava de
acordo com a suposição deste segundo a qual os interesses reais ou verdadeiros dos dirigentes
da indústria coincidiam com os dos operários. Desde o ponto de vista de Marx, Saint-Simon,
ainda compreendendo a importância que tem para o homem a vida econômica, não chegava a
compreender que há um hiato entre os interesses da burguesía e os do proletariado nem que se
dá uma conexão entre a sociedade burguesa e a guerra. Resumindo, Saint-Simon foi um utopista.
Pode que tendamos a pensar que também Marx foi a seu modo um utopista, e que quem tem o
telhado de vidro faria bem em não se pôr a atirar pedras a ninguém. Mas mal cabe negar que
Saint-Simon era exageradamente otimista com respeito à natureza pacífica da sociedade
industrial.

No entanto, para fazer-lhe justiça, reconheçamos que soube ver que a ignorância não é a
única barreira que obstaculiza o progresso, e que a difusão do conhecimento científico e o
governo por experientes não bastariam para assegurar a realização do ideal da fraternité humana.
Tinha que contar com o egoísmo e as mezquindades do homem. Não é que recomendasse a volta
ao sistema de dogmas cristão, que, em sua opinião, era suplantado vantajosamente pelo positivo
conhecimento científico do mundo. Mas estava convencido de que o ideal cristão do amor
fraterno, que era escurecido pela estrutura do poder eclesial e pela política de intolerância e
perseguições religiosas, possuía um valor e uma importância permanentes. O sistema católico
estava passado de moda, e o luteranismo tinha posto demasiado énfasis em uma interioridad
divorciada da vida política. O que agora se precisava era fazer realidade a mensagem do
evangelho cristão na esfera sociopolítica.

Como Saint-Simon expressou seu insistencia na motivação ético-religiosa em uma obra que
apareceu no ano anterior ao de sua morte, se pensou às vezes que tal insistencia representava
uma mudança radical de seu pensamento e quase uma retractación do positivismo. Mas este
julgamento é inexacto. Saint-Simon não parece que fosse nunca completamente positivista, se
entendemos que tal termo implica a rejeição de toda crença em Deus. Achava, ao que parece,
em uma Deidad inmanente e impersonal, concebida ao modo panteísta, e pensava que esta crença
era perfeitamente compatível com sua positivismo. Ademais, sempre considerou ao cristianismo
com respeito. Verdadeiro que não aceitava os dogmas cristãos, mas estimava que a focagem
teológico da Idade Média não foi lamentável superstição, senão necessidade histórica. E embora,
em sua opinião, o estádio teológico do pensamento era substituído pelo estádio científico, não
pensava que esta transição supusesse o abandono de todos os valores morais cristãos. Em
realidade, chegou a estar convencido de que a nova sociedade precisava uma nova religião, para
superar tanto o egoísmo individual como o nacional e para recrear em uma forma nova a
sociedade “orgânica” da Idade Média. Mas a nova religião era para ele a religião antiga, isto é,
quanto ao que ele considerava ser o elemento essencial e permanentemente válido da antiga
religião. Quiçá possa ser dito que Saint-Simon preconizou um cristianismo “secularizado”. O
“novo cristianismo” era o cristianismo assim que aplicável e apropriado à idade da sociedade
industrial e da ciência positiva.

Saint-Simon não era um pensador sistemático. Avançava por numerosas linhas de


pensamento mas tendia a deixá-las quando só estavam desenvolvidas em parte, e não fazia
nenhum esforço prolongado pelas combinar sistematicamente. Mas suas ideias suscitaram amplo
interesse, e após sua morte alguns de seus discípulos fundaram para as propagar o jornal Lhe
producteur. Em 1830 uma publicação periódica intitulada Lhe globe converteu-se também em
órgão do sansimonismo. Saint-Amand Bazard (1791-1832), um dos principais discípulos de
Saint-Simon, tratou de apresentar a doutrina de seu maestro em forma sistemática, prestando
especial atenção a suas feições religiosas. Suas conferências sobre Saint-Simon suscitaram
bastante interesse. Mas pouco dantes de morrer riñó com outro dos pais fundadores, Barthélemy
Prosper Enfantin (1796-1864), quem pouco faltou pára que transformasse o sansimonismo em
uma seita religiosa, e não precisamente austera, pois Enfantin tinha ideias muito amplas com
respeito ao amor entre homens e mulheres. Bazard era um pensador bem mais lógico; Enfantin
era um publicista apasionado e tendia a traçar incessantemente novos projetos e a encarregar-se
de novas causas. No entanto, pese a toda sua atividade, a escola sansimoniana começou a
declinar após o rompimiento entre ele e Bazard.

A influência de Saint-Simon não se limitou ao círculo dos que podem ser classificado como
seus discípulos. Fora de suas filas, os dois pensadores mais importantes que foram estimulados
por seu pensamento são, sem dúvida, Auguste Comte e Karl Marx. Tanto Marx como Engels
admiraram a Saint-Simon. Verdade é que Marx lhe criticou, como já dissemos, de não ter sabido
entender o antagonismo de classes entre os capitalistas e os operários e de se ter concentrado,
assim o opinava Marx, em glorificar à sociedade burguesa por sua contraste com o feudalismo.
Ao mesmo tempo pensava Marx que, no Novo Cristianismo, Saint-Simon falava em pró da
emancipación do proletariado. Sabemos, por Engels, que Marx acostumava a expressar
geralmente seu aprecio por Saint-Simon, enquanto tinha a Comte por reaccionario e lhe
considerava um pensador de pouca valia.

4. Proudhon: anarquismo e sindicalismo.

Fourier e Saint-Simon achavam, a uma com os tradicionalistas, que depois do derrocamiento


do antigo regime pela Revolução era necessária uma reorganização da sociedade. Claro está que
os dois grupos tinham ideias diferentes sobre a forma em que deveria ser feito tal reorganização.
Os tradicionalistas olhavam para atrás, no sentido de que faziam questão da permanente solidez
e no valor de certas crenças e instituições tradicionais, enquanto Fourier e Saint-Simon olhavam
para adiante propugnando a criação daquelas novas forma de organização social que achavam
ser exigidas pela marcha da história. Mas ambos grupos recalcaban a necessidade de uma
reorganização social. Poderia parecer, pois, que Proudhon, como anarquista declarado, diferiria
muito dos tradicionalistas e dos socialistas, já que o termo mesmo de anarquía sugere uma
ausência ou, mais bem, uma rejeição de toda organização social. No entanto, embora Proudhon
aceitou a qualificação de “anarquista” em 1840, não entendia por anarquismo um caos social
generalizado, ou seja a anarquía no sentido popular do termo, senão mais bem a falta de um
governo autoritario e centralizado. O que ele desejava era uma organização social sem governo.
Dito em terminología marxista, preconizava a eliminação do Estado. Até verdadeiro ponto,
portanto, tinha uma afinidad entre Proudhon e Saint-Simon, já que este último propunha a
transformação do “governo” em “administração”. E, ao mesmo tempo, Proudhon ia para além
que Saint-Simon, pois esperava que a forma de organização social que considerava desejável
faria desnecessária a administração centralizada.

Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) nasceu em Besançon. Depois de um breve período de


educação escolar, passou a ser aprendiz na imprenta diocesana de sua cidade natal[140] e depois
entrou a fazer parte de uma sociedade de impresores. Mas embora teve que deixar a escola para
se ganhar a vida, seguiu formando por sua conta, e em 1838 ganhou uma bolsa que lhe permitiu
ir a Paris. Em 1840 publicou seu ensaio Qu’est-ce que a propriété? (Que é a propriedade?) no
que fez seu famoso aserto de que a propriedade é um roubo. A este ensaio seguiram-lhe outros
dois envelope o mesmo tema (1841 e 1842), o segundo dos quais foi considerado como
propaganda incendiaria pelas autoridades civis.[141]

Em 1843 publicou Proudhon uma obra titulada Da création de l’ordre dans l’humanité
(Sobre a criação da ordem na humanidade). Mantinha nela que a mente humana progride
passando pelos estádios sucessivos da religião e a filosofia ao estádio científico. Neste terceiro
estádio faz-se-lhe possível ao homem descobrir a série de leis que operam no mundo, tanto no
infrahumano como no humano. À ciência que mostra como deve aplicar o homem o
conhecimento destas leis na sociedade o lume Proudhon “dialética serial”, Ao manter que no
desenvolvimento social nos regem umas leis que podem ser descoberto mediante o estudo,
Proudhon está obviamente de acordo com Saint-Simon e também, neste ponto, com
Montesquieu.[142]

Durante algum tempo Proudhon manteve-se trabalhando em Lyon, desde onde fazia visitas
a Paris. Em Lyon frequentou aos socialistas, e em Paris conheceu a Marx, a Bakunin e a Herzen.
Introduzido nas ideias de Hegel, empreendeu a tarefa de aplicar a dialética hegeliana à esfera da
economia.[143] O resultado disso foi seu Systéme dê contradictions économiques ou Philosophie
da misère (Sistema das contradições econômicas ou filosofia da miséria, 1846). A contradição
ou antítese entre o sistema da propriedade destruidora da igualdade, por uma parte, e o
socialismo (comunismo) destruidor da independência, por outra, se resolve no “mutualismo” (ou
“a anarquía”), sociedade de produtores unidos mediante contratos livres. Marx, que dava bom
acolhimento ao primeiro ensaio de Proudhon sobre a pobreza, como se representasse o
“socialismo científico”,[144] se apressou a impugnar esta nova obra em seu escrito Misère da
philosophie (Miséria da filosofia, 1847). O rompimiento entre os dois homens não tem por que
surpreender, pois Proudhon nunca foi comunista, e aos olhos de Marx expressava os interesses
da pequena burguesía.
Ao ser derrubada a monarquia, em fevereiro de 1848, Proudhon somente prestou à revolução
um apoio muito enfatizado.[145] Não obstante, mostrou-se ativo de diversos modos, fazendo uma
campanha em favor do estabelecimento de um Banco do Povo, pronunciando discursos
populares e fundando o jornal anarquista Lhe représentant du peuple (O representante do povo).
Em junho de 1848 foi eleito membro da Assembleia Nacional. Mas um ataque em seu jornal
contra Luis Napoleón, à sazón Presidente, foi causa de que lhe condenassem a prisão por três
anos.[146] Em 1849 escreveu Lhes confessions d’um révolutionnaire (Confesiones de um
revolucionário), e em 1851 publicou seu Crie gera-lhe da révolution au XIXe siécle (Ideia geral
da revolução no século XIX), escrito no que expunha sua concepção da sociedade livre ideal.

No final de 1851 Luis Napoleón proclamou-se imperador, e quando Proudhon saiu do


cárcere em 1852, esteve submetido a controle policial. Em 1853 publicou seu Philosophie du
progrès (Filosofia do progresso) na que negava a existência de todo absoluto e de toda
permanência e sustentava uma teoria do movimento ou mudança universal o mesmo a larga
escala para o universo inteirou que em domínios particulares como os da moral, a política e a
religião. Mas quando publicou Da justice dans a révolution et dans l’église (Da justiça na
revolução e na igreja, 1858), se viu em um aperto. Não, por verdadeiro, porque recusasse agora
a ideia da resolução da tese e a antítese em uma síntese e a substituísse por uma expressão de
sua crença em contínuas antinomias que produzem um equilíbrio dinâmico embora instável entre
as forças ou os fatores, senão porque se lhe acusou de atacar à religião, a moral e a lei. Para
escapar de outro encarceramento, fugiu a Bélgica, onde permaneceu até que conseguiu ser
perdoado, em 1860. Estando em Bruxelas escreveu várias obras, por exemplo A guerre et a paix
(A guerra e a paz).

De volta em Paris, em 1862, publicou Proudhon sua obra Du principe fédératif (Do princípio
federativo, 1863) e também a Théorie da propriété (Teoria da propriedade), que era uma revisão
de seus pensamentos sobre o tema. Este escrito foi publicado póstumo, como também o titulado.
Da capacité politique dê classes ouvrières (Da capacidade política das classes operárias, 1865).

Proudhon descia de uma família de camponeses e sempre esteve do lado do pequeno


produtor, já fosse rústico ou artesão. Ao dizer que a propriedade era um roubo,[147] não queria
sugerir que o labrador que possuísse e trabalhasse uma porção de terra e vivesse do fruto de seu
trabalho, ou o homem que vivendo de fazer e vender cadeiras tivesse por seus os instrumentos
de seu quehacer fossem ladrões. Por “propriedade” entendia Proudhon realmente o que ele
considerava como um abuso, o que ele chamou o direito à ganga ou aubana. Por exemplo, o
terrateniente que sem trabalhar ele mesmo a terra não por isso deixava de perceber os benefícios
produzidos pelos labradores era um ladrão. Na linguagem de Proudhon podia ter um direito à
“posse”, ao uso exclusivo; mas não um direito de “propriedade”, já que equivaleria a um direito
a explodir a outro. “Posse” significa direito a usar um objeto, seja este terra, sejam utensilios. E
como “propriedade” significa mau uso ou abuso de objetos (como significa exploração), não
pode ter direito a ela: implica roubo.

É importante compreender que quando Proudhon denunciava a propriedade não estava


denunciando simplesmente a exploração por terratenientes e capitalistas individuais. Achava ele
que, para a manutenção da independência e a dignidade humanas, os camponeses e os artesãos
deveriam “possuir” a terra que trabalhassem e os utensilios que empregassem, e deveriam
perceber o fruto de seus trabalhos. Daí que se opusesse a qualquer sistema de propriedade
coletiva, que significaria que o Estado ocupava o posto do proprietário, do terrateniente ou
capitalista não produtivo. Referindo-se posteriormente a sua rejeição da propriedade, no ensaio
de 1840, faz questão de que “a recusei tanto para o grupo como para o indivíduo, para a nação e
para o cidadão, e assim, não estou abogando nem pelo comunismo nem pela propriedade
estatal”.[148]

Se temos isto em conta, resulta mais fácil entender como pôde Proudhon seguir sustentando,
em seu Sistema das contradições econômicas, a ideia da propriedade como roubo e, ao mesmo
tempo, oferecer uma nova definição dela como liberdade. Constantemente há a possibilidade de
abuso, de exploração, que é ao que ele chama roubo. Mas, ao mesmo tempo, a propriedade é
uma criação espontânea da sociedade e uma defesa contra a sempre amenazante invasão do
poder estatal. Proudhon acabou duvidando se sua distinção prévia entre propriedade e posse seria
tão útil como o tinha crido em tempos. Chegou à conclusão de que “a propriedade é o único
poder que pode atuar como um contrapeso do Estado”.[149] É compreensível que Marx, que em
sua análise do capitalismo utilizou a ideia proudhoniana do roubo, combatesse depois ao escritor
francês como a um mantenedor dos interesses da pequena burguesía. No entanto, embora
Proudhon mudasse seu terminología, esteve sempre do lado do pequeno produtor e foi
constantemente inimigo das teorias comunistas.

A revolução, produto do conflito entre forças ou fatores opostos, tem evidentemente feições
negativas, no sentido de que nega, destrói ou derruba algo. Mas esta é só uma de suas caras: se
a revolução nega, também tem de afirmar. A Revolução francesa afirmou os ideais de liberdade,
fraternidad e igualdade, mas no lado positivo foi incompleta, foi em parte um falhanço: produziu
certa medida de liberdade e igualdade política, mas não pôde produzir liberdade e igualdade no
plano econômico. “A sociedade deveria ter sido organizada depois em termos de trabalho e não
nos de política e guerra”;[150] mas foi isto segundo o que ocorreu. A tarefa da Revolução, o
estabelecimento de “um regime industrial igualitario”,[151] não foi cumprida. E o teorizar social
e econômico de Proudhon propõe-se contribuir a este cumprimento. Nem que dizer tem que pára
Marx é Proudhon um utopista. E já sabemos por que o diz Marx. Mas vale a pena advertir que
Proudhon não acha que tenha soluções permanentes para os problemas sociais. A democracia
industrial, tal como ele a entende, deve acontecer ao feudalismo industrial.[152] Mas nenhum
planejamento da organização da sociedade pode ser absoluta e definitivamente verdadeiro.
Porque no seio de toda sociedade humana late sempre algum tipo de oposições, e a emergência
destas implica ulteriores mudanças.

A propriedade (ou a “posse”) devidamente distribuída salvaguarda a independência e a


igualdade. Mas é óbvio que nenhuma sociedade humana pode existir sem uma ou várias forma
de organização. Tal organização pode ser imposta desde acima, pela autoridade do Estado assim
que representada pelo governo. Mas o que Proudhon preconiza é o passo da organização política
à econômica quando a organização ou as forma de associação econômica não sejam dadas desde
acima senão produzidas por convênios ou contratos livremente feitos pelos produtores. A isto é
ao que chama ele “anarquía”. Confia em que o governo estatal centralizado chegará a se eliminar,
e que seu posto o ocupará uma ordem social decorrente de associações livremente formadas por
motivos econômicos, tais como as demandas de produção, as necessidades do consumo e a
segurança dos produtores. “A noção de anarquía em política é tão racional e positiva como
qualquer outra. Significa que, uma vez releve as funções industriais às políticas, só as transações
comerciais e os negócios produzirão a ordem social.”[153] Em um de seus últimos escritos declara
Proudhon que ele sempre teve “particular horror à regimentación”.[154] Em seu sentir, a liberdade
só pode florescer quando as associações e federações se baseiam em contratos livres, sendo a do
contrato “a ideia dominante da política”.[155] Como ele o indica, a justiça conmutativa ou
regulação mediante contrato deve substituir aos velhos sistemas de justiça distributiva,
associados à regulação da lei e ao regime de governo centralizado.

Na medida em que Proudhon contempla a existência do automantenimiento de uma


sociedade industrial coerente e estável na forma de um sistema elasticamente travado de
associações de produtores, com contratos em vez de leis e companhias industriais em vez de
exércitos, pode lhe lhe qualificar com toda razão de utópico. Porque figura-se a todos os cidadãos
cooperando harmoniosamente, como se fossem uns mesmos os interesses privados e os
coletivos, e comportando do modo que ele considera racional. Recorde-se, empero, que o lema
preferido de Proudhon é o progresso, a mudança contínua. Não pretende que tenha forma alguma
de organização social que esteja livre de quaisquer antinomias ou tensões e que possa ser
considerado como a meta última, que será atingida por completo e que, uma vez atingida,
representará a perfección. Está muito disposto a admitir que “o que chamamos anarquía e outros
chamam fraternidad”[156] é, mais ou menos, um símbolo mítico, um acicate para estimular aos
homens a realizar o ideal revolucionário da fraternidad, que em opinião de Proudhon só pode
ser conseguido mediante a transformação do regime intermédio subsiguiente à revolução em
uma sociedade industrial do tipo da que ele contempla. Deseja, sim, uma sociedade mais justa;
mas precisamente porque a autoridade mesma muda e evolui, também o ideal de justiça é
“sempre cambiante”.[157] “É-nos impossível ver para além da antítese que nos está sugerindo o
presente.”[158] O utopismo de Proudhon e sua ideia das leis da mudança social estão
contrarrestados por sua convencimiento de que não existem absolutos e não podemos fazer
julgamentos infalibles envelope o futuro.

Pense-se o que se queira sobre a viabilidad do tipo de sociedade industrial contemplada por
Proudhon, o verdadeiro é que algumas de suas concepções são bastante atinadas. Por exemplo,
suas propostas a respeito da educação dos operários, para superar a profunda divisão entre as
classes cultas e as incultas e facilitar o uso proveitoso do lazer, bem como as relativas a que aos
aprendices se lhes ensinem diversos oficios para aminorar a monotonia da servil repetição de
uma tarefa determinada. E, a dizer verdade, não eram menos certeras suas ideias sobre um
sistema crediticio e um Banco do Povo. Quanto a influência, durante seus últimos anos em Paris
teve muitos seguidores entre os operários; e em 1871 grande parte da Comuna de Paris constava
de proudhonianos. A seguir passou ao primeiro plano o comunismo marxista; mas as ideias de
Proudhon, pelo menos algumas delas, seguiram exercendo influência nas mentes de muitos
socialistas e sindicalistas franceses. Ademais, pode ser dito que Proudhon influiu no movimento
anarquista através de Michael Bakunin (1814-1876).

5. Marx e os socialistas franceses.


É óbvio que, se tomássemos em si mesmos os planos de Proudhon para um Banco do Povo
e as propostas de Fourier para o estabelecimento de falanges, não se justificaria nossa
apresentação destes dois pensadores como filósofos. Mas os dois tiveram também suas teorias
gerais a respeito da história e do progresso histórico; embora em isto as ideias de Proudhon eram
mais vadias que as de Fourier.[159] Quiçá possam ser considerado as proposições concretas de
Fourier sem fazer referência a sua teoria dos estádios pelos que tem de ir passando a autoridade.
Mas a teoria está aí, e, se interpretamos a palavra “filosofia” em um sentido amplo, pode ser dito
que Fourier esboçou uma antropologia filosófica e uma filosofia da história. Quanto a Proudhon,
seu negar-se a admitir absolutos equivale, provavelmente, a uma teoria filosófica. Sem dúvida,
um e outro se saem dos padrões de precisão e argumentación estrita a que caberia esperar que
aspirassem os filósofos. Mas a questão é que lhes classificar simplesmente como sociólogos, ou
como científicos da política ou como economistas, seria um tanto equivocante. Dito em outros
termos, não parece do todo gratuito o fazer menção deles em uma história da filosofia, pelo
menos se estamos dispostos a contar entre as partes da filosofia a teoria da política e a teoria da
sociedade.

Há que admitir, empero, que a teoria sansimoniana da mudança histórica e social é mais
notável que a de Fourier, para não falar da de Proudhon. Ademais, segundo notaram-no os
críticos do socialismo francês dos começos,[160] sua maneira de conceber o modo em que deve
mudar a sociedade está em conexão com sua ideia de que o movimento da história o rege uma
lei. Em outras palavras, dos três escritores é Saint-Simon o que dá uma visão mais coerente e
em general mais desenvolvida do modelo de mudança histórico e social. Não temos que nos
esforçar para pensar nele como em um predecessor de Auguste Comte e de Karl Marx.

Referimo-nos já mais de uma vez a que Marx e Engels qualificam aos primeiros socialistas
franceses de utópicos. O termo “utópico” — ou “utopista” — sugere naturalmente a ideia de um
reformador irreal ou nada prático, alguém que propõe para solucionar os problemas sociais e
políticos algum estado de coisas ideal que parece impracticable e talvez fantástico. Neste sentido,
o termo pode muito bem lhe lhes aplicar a Fourier e a Proudhon, mas é óbvio que poderia lhe
lhe aplicar também ao mesmo Marx, ainda que este fosse muito menos dado que Fourier a
descrever em detalhe a futura utopia. No entanto, embora esta significação fizesse parte da que
davam ao termo Marx e Engels, não foi em tal elemento no que eles puseram maior énfasis. Ao
qualificar de utópicos aos socialistas franceses, no que pensavam antes de mais nada Marx e
Engels era na incomprensión por aqueles da natureza do antagonismo entre as classes e do
irreconciliable de seus interesses. Embora os primeiros socialistas achavam, sem dúvida, que os
ideais que achava expressão na Revolução francesa só parcial e muito imperfectamente se
tinham feito realidade e era necessária uma transformação ulterior da sociedade, tendiam
também a pensar que esta transformação poderia ser levado a cabo de um modo pacífico, à
medida que os homens fossem compreendendo os problemas e necessidades da sociedade e as
maneiras mais apropriadas de resolver esses problemas e satisfazer essas necessidades. Em
mudança, Marx e Engels estavam convencidos de que a desejada transformação da sociedade só
poderia ser conseguido mediante a revolução, isto é, mediante uma guerra entre as classes na
que o proletariado, conduzido pelos intelectuais, se alçasse com o poder. Em sua opinião, não
passava de ser uma expressão de “utopismo” o que alguém pensasse que os interesses da classe
ou as classes dirigentes e os das explodidas poderiam ser reconciliado de um modo pacífico com
só que se difundissem os conhecimentos e o entendimento. Porque à classe dominante o que lhe
interessava era precisamente conservar em vigor o atual estado de coisas, enquanto à classe
explodida lhe interessava, pelo contrário, que o atual estado de coisas mudasse radicalmente.
Pedir uma transformação da sociedade sem ver que só poderia ser conseguido mediante uma
revolução proletaria era irreal e utópico.

Para que a revolução proletaria propugnada por Marx e Engels tivesse local era um
prerrequisito necessário que tivesse homens que, compreendendo o movimento da história,
pudessem transformar à classe explodida em um todo unido consciente de si, em uma classe não
só “em si” senão também “para si”. Tinham, pois, bastante respeito a Saint-Simon, não só porque
este concebeu a história como um movimento regido por uma lei (também Fourier a tinha
concebido assim) senão ademais porque, se for o caso, tinha uma conexão muito maior que no
de Fourier entre sua teoria da história e sua ideia da desejável transformação da sociedade. Mais
ainda, Saint-Simon, com sua noção da fisiología social, podia ser dito que expunha uma
interpretação “materialista” do homem. Ao mesmo tempo, se temos em conta o papel que atribui
Saint-Simon aos dirigentes da indústria na transformação da sociedade, está claro que seria
também culpada de utopismo aos olhos de Marx e Engels. Pois embora os dirigentes da indústria
pudessem aceitar mudanças dentro da trama social existente, não lhes interessaria contribuir à
radical transformação que se requeria.

Dada a grande importância histórica do marxismo, é bastante natural enjuiciar aos primeiros
socialistas franceses em termos de seus relacionamentos com Marx e Engels. Mas embora esta
focagem seja facilmente compreensível, não deixa de ser um tanto unilateral se se faz questão
dos considerar simplesmente como predecessores de Marx. Em qualquer caso, eles fizeram ver
com bastante clareza que, embora a revolução destruía o antigo regime, não trazia a paz e a
harmonia entre os indivíduos, os grupos e as nações. Assim o compreenderam também, desde
depois, os tradicionalistas. Mas enquanto estes adotaram uma atitude negativa para a Ilustração
e a Revolução, os socialistas trataram de alargar e de aplicar mais satisfatoriamente os ideais que
inspiraram aqueles movimentos. Evidentemente, se supomos com Saint-Simon que o curso da
história está regido por leis, em um sentido ao menos que faça o progresso histórico inevitável
e as mudanças sociais em princípio previsíveis, embora de fato só muito difusas ou vadias
predições possam ser feito, plantéase então o problema de como harmonizar esta visão da
história com a importância que seria de esperar se desse nos escritos de todo reformador social
ao papel da iniciativa e a ação humanas. Mas este é um problema que se propõe também no caso
de Marx e Engels. Se consideramos só as ideias dos socialistas franceses a respeito das mudanças
desejáveis, salta à vista que não lhes agradava a ideia de um Estado burocrático centralizado.
Verdade é que Saint-Simon compreendeu a necessidade do planejamento econômico; mas
preconizava a transformação do “governo” em uma “administração” por gerentes, e, neste
sentido, pode ser dito que se antecipou à doutrina da eliminação do Estado. Quanto a Fourier e
Proudhon, está claro que ambos viam com desagrado e desconfiança o crescente poder do
Estado, a autoridade política centralizada. De fato, é innegable que o controle exercido pela
burocracia estatal aumentou muito na sociedade moderna. Mas resulta irônico que tenha de ser
este um dos rasgos mais visíveis do comunismo soviético. Apesar das ideias mais bem
fantásticas de Fourier e Proudhon, achamos nos socialistas franceses um respeito ao indivíduo e
uma notoria desaprobación da violência. Desde depois que Marx pensou que eram
exageradamente otimistas por sua convicção de que poderiam ser produzido mudanças radicais
sem violências revolucionárias. Mas este é um otimismo com o que muita gente simpatizaría,
sem lhes importar as propostas concretas que fizessem aqueles escritores franceses.
Capítulo V
Auguste Comte.

1. Vida e escritos.

O impacto do desenvolvimento da ciência natural na filosofia deixou-se sentir durante o


século XVII e foi-se acentuando mais no XVIII. Como vimos já, no século XVIII começou a
demanda, feita na Inglaterra por Hume e na França por outros vários filósofos, de uma aplicação
extensiva do método “experimental” ao estudo do homem, de sua conduta e de sua vida social,
e nas últimas décadas do século manteve Kant que a reflexão sobre o contraste entre os seguros
e a cada vez mais numerosos conhecimentos conseguidos na área científica por um lado e os
conflictivos sistemas metafísicos por outro levava inevitavelmente a questionar a fundo aquela
pretensão da metafísica tradicional de proporcionar algo que pudesse ser chamado propriamente
conhecimento da realidade. À ciência tinha-lhe sido possível até então coexistir com as crenças
teológicas e com a especulação metafísica, segundo foi o caso na mente de Newton. Mas ao ir
cobrando força o sentido do desenvolvimento histórico resultou bastante natural que se
concebesse a ideia de uns estádios sucessivos do pensamento humano, isto é, a ideia de um
progressivo desenvolvimento no que às crenças teológicas e à especulação metafísica viriam aos
substituir a explicação científica e o conhecimento positivo. Uma ideia assim era proposta por
Turgot e por Condorcet no século XVIII, e no capítulo anterior nos ocupamos já da teoria de
Saint-Simon sobre os estádios ou épocas da história. Mas é o nome de Auguste Comte (1798-
1857), o mais destacado expositor e representante do positivismo clássico,[161] o que se deu em
associar tradicionalmente com a teoria do desenvolvimento da mente humana desde uma fase
teológica, passando por outra metafísica, até chegar à do conhecimento científico positivo.

Nascido em Montpellier, Comte foi educado como católico e monárquico. Mas à idade de
catorze anos declarou que já não queria ser católico e parece que, pela mesma época, se fez
republicano. De 1814 a 1816 estudou na Escola Politécnica baixo a direção de eminentes
científicos. Foi sem dúvida durante este período quando adquiriu o convencimiento de que a
sociedade deveria ser organizada por uma elite de cientistas.

Em 1816 foi expulso Comte da Escola Politécnica, na que se fez uma depuração monárquica.
Mas ficou em Paris e prosseguiu seus estudos, que incluíam o pensamento dos ideólogos, por
exemplo o de Destutt de Tracy e o de Cabanis, e as obras de economistas políticos e historiadores
como Hume e Condorcet, Ademais, no verão de 1817 começou a ser secretário de Saint-Simon.
A associação entre os dois prolongou-se durante sete anos, e enquanto cabe discutir em que
proporção seja Comte deudor de Saint-Simon, não há dúvida de que a colaboração com este
desempenhou um papel importante na formação e no desenvolvimento do pensamento de
Comte. É coisa averiguada que Saint-Simon foi o primeiro que propôs algumas das ideias que
reaparecem na filosofia de Comte. Também é innegable que Comte desenvolveu estas ideias a
seu próprio modo. Por exemplo, enquanto Saint-Simon tendia a pensar em termos de um método
científico universal e da aplicação deste método ao desenvolvimento de uma nova ciência do
homem, Comte considerava que a cada ciência desenvolve seu próprio método no processo
histórico de sua emergência e de seu avanço.[162] Mas um e outro buscavam a maneira de
reorganizar a sociedade valendo da ajuda de uma nova ciência do comportamento humano e dos
relacionamentos sociais do homem.

Produziu-se entre os dois uma enojosa disputa, que acabaria por lhes separar, quando Comte
chegou à conclusão de que tinha motivos para achar que Saint-Simon estava tratando de publicar
um trabalho de Comte como se fosse a parte conclusiva de um trabalho seu, sem nem sequer
reconhecer na portada ao verdadeiro autor. Em 1826 começou Comte a dar lições sobre sua
filosofia positivista a um auditório privado. O curso destas lições teve de interrompê-lo porque
o excesso de trabalho e o esgotamento consiguiente aos desgostos de um desafortunado casal
quebrantaram-lhe a saúde. Teve até uma tentativa frustrada de suicídio. Em 1829, pôde retomar
aquelas lições, que foram a base de sua Cours de philosophie positive (Curso de filosofia
positiva, 6 volumes, 1830-1842). O programa estava já traçado em um Plano dê travaux
scientifiques nécessaires pour réorganiser a société[163] que escrevia em 1822. O título deste
bosquejo ou esquema da filosofia positiva expressa com clareza que o interesse de Comte era
fundamentalmente social.

No Discours sul l’esprit positif (Discurso sobre o espírito positivo, 1844) e no Discours sul
l’ensemble du positivisme (Discurso sobre o positivismo em conjunto, 1848) faz seu
aparecimento a ideia de Comte de uma religião da humanidade. Alguns biógrafos vêem neste
desenvolvimento a influência da educação religiosa que recebia Comte, com a diferença de que
Deus é substituído, como objeto de devoción, pela Humanidade. No entanto, outros o viram,
quiçá um tanto fantasiosamente, como uma extensão do afeto que sentia o filósofo por Madame
Clothilde de Vaux, mulher cujo marido desaparecia para evitar o encarceramento por desfalco e
da que Comte se apaixonou rendidamente em 1844.[164]

Comte não ocupou nunca uma cátedra universitária, e durante algum tempo, para se manter,
teve que dar lições particulares aos alunos da Escola Politécnica. Em 1851-1854 publicou sua
obra, em 4 volumes, Système de politique positive (Sistema de política positiva) e em 1852 o
Catéchisme positiviste (Catecismo positivista). Por esta época estava tratando de unificar as
feições científicas e religiosos de seu pensamento. Em 1856 deu a luz o primeiro volume de uma
Synthèse subjective ou système universel dê conceptions propres à l’état normal de l’humanité
(Síntese subjetiva ou sistema universal das concepções próprias do estado normal da
humanidade). Mas esta tentativa de realizar uma síntese de todas as ciências em termos de seus
relacionamentos com as necessidades humanas normais foi interrompido pela morte de Comte,
em 1857. Seus meios de vida vinha consistindo principalmente em subvencione que lhe
proporcionavam suas fervientes seguidores.

2. Os três estádios do desenvolvimento da humanidade.


Em um prefacio a seu Curso de filosofia positiva faz notar Comte que a expressão “filosofia
positiva” é empregue sempre em suas lições “em um sentido rigorosamente invariável” [165] e
que, por isso, seria supérfluo dar outra definição que a que se contém neste uso uniforme do
termo. Não obstante, passa a explicar que por “filosofia” entende ele o que entendiam os antigos,
e designadamente Aristóteles, por esta palavra, a saber: “o sistema geral dos conceitos
humanos”;[166] e por “positiva” entende a ideia de que as teorias têm por finalidade “coordenar
os fatos observados”.[167] No entanto, esta afirmação de Comte, tomada em si mesma, é algo
equívoca. Pois em sua opinião as ciências que subsumen os fenômenos ou fatos observados
baixo leis gerais são descritivas e não explicativas, enquanto a filosofia examina a natureza dos
métodos científicos e faz uma síntese sistemática das diversas ciências particulares. Mas sua tese
é aceitável se tomamo-la no sentido de que a filosofia coordena indiretamente os fatos
observados, já que aspira a uma síntese geral das coordenações parcialmente conseguidas pelas
ciências.

Para Comte, conhecimento positivo o é só o conhecimento dos fatos ou fenômenos


observados e o das leis que coordenam e descrevem os fenômenos. O uso por Comte da palavra
“fenômenos” expressa seu convencimiento de que unicamente conhecemos a realidade tal como
nos aparece, mas não deve ser suposto que implique que, para ele, a mente humana conhece tão
só impressões subjetivas. Em ocasiões refere-se a Hume com respeito; mas o escepticismo
humeano é realmente alheio à mentalidade de Comte, exceto relativo às crenças teológicas e às
pretensões da metafísica de proporcionar-nos/proporcioná-nos conhecimento sobre o que
trascienda o nível fenoménico. Comte está mais cerca de seus predecessores franceses do século
XVIII que do empirismo de Hume. Isto é, faz questão de que a genuína filosofia adota a forma
de uma extensão sistemática do uso do que d’Holbach chamava “bom sentido” ou “ideias
naturais”.[168] E para ele isto significa que só conta como conhecimento o que pode ser
submetido à prova empírica. A formulación de leis gerais nos capacita para predizer, e, portanto,
para comprovar. Que este seja o modo de adquirir autêntico conhecimento é para Comte algo de
sentido comum ou “bom sentido popular”.[169] Bom sentido que elimina “as absurdas dúvidas
metafísicas”[170] envelope, por exemplo, a existência de objetos físicos exteriores à mente.
Comte tem pouca paciência com as especulações de tal cariz. Sua “filosofia positiva” não é uma
filosofia cética no sentido de que sugira que nosso conhecimento se limita aos dados sensíveis.

O espírito ou focagem positiva pressupõe, naturalmente, que existem e estão já avançadas as


ciências naturais, e é o resultado de um desenvolvimiento histórico da mente humana. Em
opinião de Comte, este processo depende da natureza do homem, e é, pelo mesmo, necessário.
Em seu desenvolvimento histórico através dos séculos, a mente humana vai passando por três
fases ou estádios principais: o teológico, o metafísico e o positivo. Estes três estádios do
desenvolvimiento intelectual da humanidade têm, empero, suas análogos na vida do indivíduo
humano, que vai passando da infância à adolescencia e à maturidade. “Quando contempla sua
própria história não repasa a cada um de nós o que foi sendo sucessivamente [...] teólogo em sua
infância, metafísico em sua juventude e físico em sua maturidade?”.[171] Se não morre
prematuramente, o indivíduo normal passa da infância à maturidade através da adolescencia. E
estas três fases refletem-se no desenvolvimiento intelectual da humanidade toda inteira. Se a
raça segue existindo, as fases ou estádios do desenvolvimento mental acontecem-se uma a outra
em uma ordem determinada, pois o homem é o que é. Neste sentido, é necessário que assim
aconteça; hipoteticamente necessário, poderíamos dizer.
Desde depois que é bastante óbvio que, a não ser que o indivíduo morra ou que intervenha
algum fator que impeça o curso natural de seu desenvolvimento, irá passando da infância à
adolescencia e à adultez. Mas embora Comte possa ser tido visto a si mesmo como teólogo em
sua infância e como metafísico em sua adolescencia, não por isso terá que interpretar todo mundo
seu próprio desenvolvimento mental do mesmo modo. A teoria dos estádios de Comte faz-se
bem mais admissível quando lha aplica ao desenvolvimento intelectual da humanidade em
general. É evidente que a principal influência que levou a Comte a formular sua teoria é a da
reflexão sobre a história humana,[172] por mais que ele queira a ligar também com as fases da
vida da cada indivíduo e pretenda ver estas fases escritas com grossos traços na história. Em
qualquer caso, examinar como explica Comte os três estádios principais da história da
humanidade, não deixa de ser um bom modo de abordar sua filosofia positivista.

O primeiro estádio, o teológico, entende-o Comte como aquela fase do desenvolvimento


mental do homem na que este busca as causas últimas dos acontecimentos e as acha nas vontades
de uns seres pessoais sobrehumanos ou na vontade de um só ser dessas caraterísticas. Trátase,
em general, da idade dos deuses ou do Deus. Claro que se requer uma subdivisión. Na infância
da raça, o homem tratava de explicar-se instintivamente os fenômenos, cujas causas lhe eram
desconhecidas, os atribuindo a objetos, a paixões e afectos análogos aos dos seres humanos. Dito
com outras palavras, o homem dotava aos objetos físicos de vida, paixões e vontade, de uma
maneira vadia. Esta mentalidade animista representou o que Comte descreve como o estádio do
fetichismo. Com o transcurso do tempo, as forças que animavam inmanentemente os objetos
foram projetadas ao exterior na forma dos deuses e deusas do politeísmo. Mais adiante, as
divinidades da religião politeísta foram fundidas no contexto do Deus único do monoteísmo.
Estes três subestadios sucessivos do fetichismo, o politeísmo e o monoteísmo, constituem juntos
o estádio teológico.

Ao segundo estádio geral chama-o Comte o estádio metafísico. Mas esta qualificação presta-
se a equívocos. Pois o que Comte tem em sua mente é a transformação das deidades pessoais ou
do Deus único em abstrações metafísicas, e não, por exemplo, as metafísicas teístas dos
pensadores medievais como Tomás de Aquino ou, posteriormente, a do bispo Berkeley. Isto é,
que no estádio metafísico, em vez de explicar os fenômenos em termos da atividade de uma
vontade divina, a mente recorre a ideias fictícias tais como as do éter, os princípios vitais, e
assim sucessivamente. O passo do estádio teológico ao metafísico produz-se quando o conceito
de uma deidad sobrenatural e pessoal é substituído pelo conceito da omniabarcadora natureza e
quando as explicações se fazem já em termos de entidades abstratas de um ou outro tipo, tais
como força, atração e repulsión.[173]

O terceiro estádio é o positivo, ou seja, o da focagem madura ou mentalidade científica. Aqui


não se tenta já encontrar últimas causas explicativas nem discutir a “real” mas inobservable
essência íntima dos seres. A mente interessa-se pelos fenômenos ou fatos observados,
subsumiéndolos baixo leis gerais descritivas, tais como a lei da gravidade. Estas leis
coordinantes e descritivas possibilitam as predições. O que connota ao conhecimento real e
positivo é, precisamente, a capacidade de predizer e, assim, dentro de uns limites, a de controlar.
O conhecimento positivo é real, verdadeiro e útil.
Mas embora Comte qualifica de verdadeiro ao conhecimento positivo, insiste também em
que, em um sentido, é relativo. Porque não conhecemos o universo cabal ou totalmente, senão
só tal como nos aparece. O conhecimento positivo é conhecimento de nosso mundo, e a extensão
de nosso mundo, o mundo tal como nos aparece, não é algo fixo e determinado de uma vez por
todas. O conhecimento positivo é também relativo no sentido de que se abandonou já a busca de
absolutos. Ainda supondo que tenha causas últimas, nós não podemos as conhecer. O que
conhecemos são os fenômenos. Por isso, a mente que aprecie a natureza e a função do
conhecimento positivo não perderá o tempo em inúteis especulações teológicas e metafísicas.

Segundo acabamos de resumí-la, quiçá pareça que a teoria dos três estádios tem pouco que
ver com um interesse pela reorganização da sociedade. No entanto, de fato, a cada estádio é
associado por Comte a uma forma diferente de organização social. Ao estádio teológico associa-
o com a crença na autoridade absoluta e no direito divino dos reis e com uma ordem social
militarista. Isto é, que a ordem social se mantém mediante a imposição da autoridade desde
acima, e a classe dos guerreiros tem a preeminencia. No estádio metafísico o regime anterior é
submetido a uma crítica radical; passa ao primeiro plano da crença em direitos abstratos e na
soberania popular, e é substituída a autoridade dos reis e dos sacerdotes pelo império da lei.
Finalmente, o estádio positivo é associado com o desenvolvimento da sociedade industrial.
Agora passa a ser o centro da atenção a vida econômica do homem e surge uma elite de cientistas
que têm por vocação organizar e regular a sociedade industrial de um modo racional. Este tipo
de sociedade é considerado por Comte, o mesmo que por alguns de seus contemporâneos, como
naturalmente pacífico.[174] Mas para seu devido desenvolvo requer-se uma nova ciência: a
sociologia. As ciências naturais permitem ao homem controlar, dentro de uns limites, seu meio
físico. A ciência do homem lhe permitirá organizar em paz a sociedade industrial. A emergência
do espírito ou mentalidade positiva irá, assim, acompanhada de uma reorganização da sociedade.

Para Comte, o mundo antigo e a Idade Média representaram a visão ou mentalidade


teológica, e a Ilustração representou o estádio metafísico. No mundo de seu tempo via o começo
do estádio positivo. Ademais, do mesmo modo que considerava a adolescencia como um período
de transição entre a infância e a maturidade, estimava também que o estádio metafísico era um
período de transição no que as crenças e as instituições do estádio teológico se submetiam a
críticas e se ia preparando o caminho para o desenvolvimento da mentalidade positiva.

Se contentamo-nos com as impressões de conjunto, a teoria dos três estádios de Comte é


óbvio que pode parecer plausible. Vale dizer, se consideramos tão só a posição dominante que
teve a teología entre os temas de estudo durante a Idade Média, ou atendemos a certas feições
do pensamento da Ilustração dieciochesca e ao subsiguiente desenvolvimento da convicção de
que a ciência é o único modo viável de aumentar nossos saberes a respeito do mundo, poderá
então parecer perfeitamente razoável o dividir a história européia nos estádios teológico,
metafísico e positivo. Mas assim que pomo-nos a considerar a história européia com maior
detenimiento, em seguida faz-se claro que se as divisões de Comte se tomam em sentido estrito
não lhas pode adaptar aos fatos. Vemos, por exemplo, que a filosofia floresceu já na antiga
Grécia, onde também atingiram grande desenvolvimento as matemáticas. Assim mesmo, a
ciência natural tinha fato surpreendentes progressos muito dantes de que terminasse o que Comte
descreve como o período metafísico. Nem que dizer tem que Comte é muito consciente disso. E
faz quanto possa para encaixar esses dados entre as linhas gerais de seu esquema. Reconhece,
por exemplo, que na Idade Média a teología ia acompanhada de metafísica, mas pensa que tal
metafísica estava forjada à medida da mentalidade teológica e formava, em realidade, parte da
teología. Também não pretende Comte que a ciência começasse somente com o estádio positivo.
Sabe muito bem que os gregos cultivaram as matemáticas. Mas mantém que no desenvolvimento
da ciência teve um progresso desde a ciência mais abstrata, a matemática, à mais concreta, a
sociologia, que é a contribuição peculiar do estádio positivo. Quanto à física, certamente
começou a desenvolver-se muito dantes do estádio positivo, mas durante um tempo expressou a
mentalidade metafísica, ao postular como causas explicativas entidades abstratas. Só ao se
iniciar o estádio positivo se chegou a entender a natureza real da ciência física e a de seus
conceitos e leis.

Assim mesmo, Comte está perfeitamente disposto a reconhecer alguns encabalgamientos


entre os diferentes estádios. “Deste modo, teremos que considerar, por exemplo, que a época
teológica ainda segue existindo na medida em que as ideias morais e políticas conserve um
caráter essencialmente teológico, apesar da transição das demais categorias intelectuais ao
estádio puramente metafísico, e ainda que comece já o estádio autenticamente positivo com
respeito às mais simples de tais categorias. Parecidamente, será necessário prolongar a época
metafísica, falando com propriedade, dentro da fase inicial do positivismo. [...] Procedendo desta
maneira, a feição essencial da cada época se seguirá destacando tanto como seja possível,
enquanto se prepara, de seu, o claro aparecimento da época seguinte.”[175] No caso de um
indivíduo concreto, os rasgos psicológicos pertencentes a uma fase anterior de seu
desenvolvimento podem persistir no homem adulto coexistiendo com outros rasgos
característicos da maturidade. Analogamente, as expressões da mentalidade de uma época
histórica prévia podem ser distinguido em um estádio posterior. “Ainda em nossos dias que é
em realidade, para uma mente positiva, este nebuloso panteísmo do que se orgulham tantos
profundos metafísicos, especialmente na Alemanha, senão um fetichismo generalizado e
sistematizado?”[176]

Algumas das observações de Comte, tomadas em si mesmas, resultam bastante certeras.


Mas, em general, produz a impressão de quem tenta a toda costa fazer com que os fatos encaixem
em um esquema interpretativo baseado em certa visão da história européia. Naturalmente Comte
está em todo seu direito ao abordar a história da Europa provisto de um plano geral de
interpretação e olhar se encaixam nele os fatos. Mas quantos mais ajustes vê-se obrigado a fazer,
tanto mais elástica vai-se fazendo a divisão em estádios ou épocas. E se se sobreentiende que a
sucessão dos estádios representa um progresso nas esferas intelectual e social, é innegable que
se pressupôs um julgamento de valor ou toda uma série de julgamentos de valor. Em outras
palavras, Comte lê a história da Europa desde o ponto de vista de um positivista convencido. O
qual não é, por verdadeiro, nenhum crime; mas o resultado não é simplesmente uma descrição
neutra, senão mais bem uma reconstrução feita desde um determinado ponto de vista. Em outras
palavras, a verdade do positivismo parece ser um orçamento da interpretação comtiana da
história. Comte não estava preparado para considerar a possibilidade de um estádio pós-
positivista do desenvolvimento intelectual. É indudable que tratou de apoiar sua teoria dos
estádios históricos em uma explicação psicológica do despliegue da vida mental do homem
dentro do processo de seu crescimento para a maturidade. Mas parece estar bastante dar ou que
esta explicação pressupõe também a verdade do positivismo, no sentido de que depende da
suposição de que a mente madura e a mentalidade científica, tal como as entende Comte, são
uma mesma coisa.

Dantes de ocupar da classificação das ciências por Comte, quisesse fazer notar dois pontos.
O primeiro atañe à crença religiosa. O modo corrente de entender a Comte é interpretar-lhe como
se sustentasse que, bem como o homem deixa de crer em duendes e em hadas assim que
compreende que não há nenhuma boa razão para pensar que existam tais seres, assim abandona
progressivamente a crença em um Deus trascendente, não porque se tenha demonstrado a não-
existência de Deus, senão porque não há nenhuma razão positiva para achar que exista um Deus
trascendente. Dito de outro modo, a difusão do ateísmo é um dos rasgos do avanço da
inteligência humana para a maturidade, não o resultado de uma prova filosófica da inexistência
de Deus. Mas embora este é um modo natural de interpretar a teoria de Comte dos três estádios,
no que ele realmente insiste é em apresentar como a cada vez mais relegado à cuneta no caminho
do progresso o recorrer a Deus como a uma hipótese para explicar os fenômenos. Isto é, que
quanto mais vem o homem a buscar “explicações” científicas dos fatos, menos se contenta com
os explicar sobrenaturalmente. E quando a mente madura ignora a explicação científica de um
fato, espera que tenha alguma e pesquisa para a encontrar, em vez de recorrer a Deus para tampar
o buraco de sua ignorância. Mas, ao mesmo tempo, Comte não faz profissão de ateísmo. Em seu
sentir, o teísmo e o ateísmo interessam-se por problemas que não podem ser resolvido. Porque
aí não é possível nenhuma comprovação empírica. Quiçá tenha uma ou muitas causas últimas.
Mas, seja disso o que for, nem o sabemos nem poderemos o saber nunca. O segundo ponto
refere-se ao modo de correlacionar Comte três tipos principais de organização social com os três
estádios principais do desenvolvimento intelectual do homem. Está perfeitamente disposto a
admitir que o avanço intelectual do homem pode ser adiantado a seu progresso social, e que o
espírito positivista, por exemplo, pode fazer seu aparecimento dantes de que se tenha
desenvolvido a forma correspondente de organização social. Aparte toda outra consideração, a
insistencia de Comte na necessidade de planejamento social a cargo de uma elite de cientistas
lhe força a reconhecer o fato de que o avanço mental pode ir por adiante do progresso social. Ao
mesmo tempo, deseja manter a ideia da correlação entre as duas feições, o cognoscitivo e o
social, de um movimento histórico. Por isso faz questão de que, ainda que o progresso intelectual
do homem ultrapasse seu progresso social, poderemos distinguir igualmente os estádios
preparatorios do aparecimento de uma nova forma de organização social. Mais ainda, uma vez
tenha local a transição a uma sociedade industrial devidamente organizada, isto reforçará e
consolidará a visão positivista.

3. Classificação e metodologia das ciências.

Progredir é, para Comte, progredir no conhecimento científico. Mas a ciência adota a forma
de ciências particulares. Todas elas tentam coordenar os fenômenos, mas tratam, ou bem de
diferentes classes de fenômenos, ou de diferentes feições das coisas, tendo, como diriam os
escolásticos, diferentes “objetos formais”. Ademais seguem seus “procedimentos
característicos”[177] ou métodos. Dá-se, pois, uma verdadeira fragmentação da ciência. E entre
as tarefas do filósofo uma das principais é conseguir a síntese, sem apagar as diferenças, por
médio de uma classificação sistemática.
Se tem de fazer-se tal classificação, o primeiro requisito é averiguar quais são as ciências
básicas ou fundamentais. Para isso, devemos considerar “só as teorias científicas e em modo
algum sua aplicação”.[178] Isto é, não terá que ter em conta o uso que da teoria científica se faça
no campo tecnológico. Por exemplo, as leis gerais da física pertencem à física abstrata, enquanto
o estudo da terra designadamente é uma ciência concreta e implica a consideração de fatores
diferentes das leis abstratas da física. Semelhantemente, pertence à ciência abstrata formular as
leis gerais da vida, enquanto uma ciência como a botánica se ocupa de um tipo ou nível particular
de vida.

Em seu Curso de filosofia positiva descreve Comte seis ciências básicas, a saber: as
matemáticas, a astronomia, a física, a química, a fisiología e biologia, e a física social ou
sociologia. Note-se que na lista não aparece a psicologia. Isto se explica, por uma parte, porque
Comte recusa a psicologia introspectiva, e por outra, porque quando escreve ainda não cobrou
auge a psicologia empírica. A psicologia, tal como ele a entende, se divide, pois, entre a
fisiología e a sociologia. Atribuindo à fisiología, ou biologia, o estudo do homem como
indivíduo, Comte está seguindo as impressões de Condillac e de Cabanis. O estudo da natureza
e da conduta humanas como fenômenos sociais lho atribui à fisiología social, como Saint-Simon
a chamou, ou sociologia.

Em escritos posteriores achou Comte espaço para a ética como ciência adicional. No entanto,
a ética significava, para ele, não uma ciência normativa que se ocupasse de determinar valores
e regras morais, senão mais bem psicologia social, um estudo do comportamento do homem na
sociedade, tendo em vista formular as leis que nos capaciten para predizer e planificar a marcha
da sociedade.

Relativo à classificação sistemática, insiste Comte em que deveremos começar pelo mais
simples e mais geral ou abstrato e passar daí, seguindo a ordem lógica de dependências, ao mais
complexo e menos geral. As matemáticas, por exemplo, são mais abstratas que a astronomia, e
esta depende das matemáticas no sentido de que as pressupõe. De parecido modo, a fisiología
ou biologia, que trata das leis gerais da vida, é mais abstrata que a sociologia, a qual se ocupa
especificamente do homem em sociedade. Atendo a estas diretrizes, vamos parar à acima
mentada hierarquia das ciências básicas, dispostas em uma ordem no que a mente começa pelo
que é mais abstrato e está mais apartado dos fenômenos humanos concretos, vale dizer, pelas
matemáticas, e termina na sociologia, que se ocupa de tais fenômenos em maior grau que
qualquer das demais ciências.

Já mencionámos o fato de que, enquanto Saint-Simon tendia a pensar nos termos de um


método científico geral, Comte considerava que a cada ciência desenvuelve seu próprio método.
Mas esta afirmação há que a enfatizar. Se fixamo-nos no uso que faz Comte da palavra
“método”, ele reconhece só um método científico. “Pois toda ciência consiste em coordenar
fatos; se as diferentes observações estivessem inteiramente isoladas, não teria ciência.”[179] Se,
pois, por método entendemos o observar fatos ou fenômenos e o coordená-los mediante a
formulación de leis, há um método comum a todas as ciências. Em mudança, se fixamo-nos no
que Comte chama “procedimentos”, será verdade dizer, como ele pensa, que no processo de seu
desenvolvimento a cada ciência aperfeiçoa seu próprio procedimento ou técnica, seu próprio
modo de lhe as ter com os dados. Há, sem dúvida, procedimentos que não são exclusivamente
próprios de nenhuma ciência particular. Assim, o emprego de hipótese, a dedução e a
comprovação são casos destes. Mas ao mesmo tempo o experimento desempenha um papel,
digamos, na química que não pode desempenhar na astronomia, enquanto em sociologia se fez
uso de uma focagem histórica.

A afirmação de que Comte reconhece uma pluralidad de métodos requer ulterior matización.
Ao classificar as ciências básicas, insiste Comte em que está seguindo uma ordem lógica, pois a
cada uma das sucessivas ciências pressupõe logicamente a sua predecessora na hierarquia. Ao
mesmo tempo, está convencido de que “uma ciência não se conhece por completo enquanto não
se conhece sua história”.[180] Isto é, que a verdadeira ou real natureza de uma ciência se revela,
mais que em suas origens, na proporção em que está desenvolvida, pelo grau de perfección que
atingiu.[181] Por exemplo, as matemáticas têm como dados originais os fenômenos considerados
em suas feições cuantitativos, e passam daí a determinar os relacionamentos entre quantidades
dadas. Mas em seu desenvolvimento as matemáticas vão-se fazendo a cada vez mais abstratas,
até ser “completamente independentes da natureza dos objetos examinados e atender tão só aos
relacionamentos numéricos que esses objetos apresentam”.[182] Segundo vão-se fazendo
“puramente lógicas, racionais”,[183] e vão consistindo em “uma série mais ou menos longa de
deduções racionais”,[184] transformam-se no que denomina Comte a ciência do cálculo. E deste
modo constituem “a verdadeira base racional de todo o sistema de nosso conhecimento
positivo”.[185] Nesta forma puramente abstrata, as matemáticas nos capacitan para coordenar
fenômenos em outras ciências, de um modo que seria, se não, impossível. É verdadeiro, claro
está, que não podemos converter, por exemplo, a biologia em puras matemáticas. Mas a biologia
chega a ser uma ciência real enquanto os relacionamentos entre os fenômenos biológicos
determinam-se matematicamente.

Mais ainda, em seu estado desenvolvido ou perfeito as matemáticas são uma ciência
puramente deductiva e Comte as considera como o modelo do método científico.[186] A física,
por exemplo, vai aumentando em perfección à medida que prepondera nela o método deductivo.
Se, portanto, olhamos as ciências desde este ponto de vista particular, poderemos dizer que há
um método científico modélico, ejemplificado em sua maior pureza pelas matemáticas. No
entanto, Comte não pretende que toda ciência básica possa ser transformado em uma ciência
puramente deductiva. Quanto mais afastamo-nos das matemáticas puras na hierarquia das
ciências, menos possível faz-se tal transformação. Porque os fenômenos vão-se fazendo a cada
vez mais complexos. Na prática, pois, a cada ciência, à medida que avança, desenvolve seu
próprio “procedimento”, embora faça uso, sempre que possa-se, das matemáticas para obter
maior precisão. A sociologia não pode ser convertido simplesmente em matemáticas. Nem
também não pode proceder de um modo puramente deductivo. Mas fará uso das matemáticas
sempre que possa.

4. Tarefas do filósofo em era-a positiva.

notámos que, para Comte, uma das principais funções da filosofia é a de conseguir a
unificação ou síntese das ciências. Parte desta tarefa cumpre-se na classificação sistemática das
ciências de que acabamos de tratar na última seção. Mas Comte fala também de uma síntese
doctrinal ou de uma unificação do conhecimento científico. E aqui surge a questão de como
tenha de se entender esta síntese doctrinal. A meta da ciência é coordenar fenômenos de um
determinado tipo mediante a formulación de leis descritivas, tais como a lei da gravidade na
física newtoniana. A primeira vista, pois, pode parecer que, portanto, a meta da filosofia no
estádio positivo de seu desenvolvimento terá de ser coordenar todos os fenômenos em termos
de uma única lei Isto é, quiçá pareça se seguir que a filosofia positiva devesse aspirar a fazer ver
que as leis mais gerais das ciências particulares podem ser derivado de uma lei
omnicomprensiva, ou que a pressupõem. No entanto, Comte recusa explicitamente esta maneira
de conceber a função da filosofia. “De acordo com minha profunda convicção pessoal, considero
estas tentativas de conseguir a explicação universal de todos os fenômenos por médio de uma
única lei evidentemente quiméricos, ainda que tais tentativas os façam as inteligências mais
competentes. Acho que os meios de que dispõe o entendimento humano são demasiado débis e
o universo é demasiado complexo como pára que semelhante perfección científica possamos a
atingir nunca [...].”[187] Podemos unificar as ciências no sentido de que podemos achar um
método que esteja na base de seus diferentes procedimentos; mas não podemos conseguir uma
unificação doctrinal no sentido acima mencionado.

Isto quer dizer, de fato, que uma síntese doctrinal não podemos a conseguir seguindo um
método “objetivo”, alargando o processo de coordenar fenômenos que é comum a todas as
ciências, até o ponto de reduzir todas as leis a uma lei. Mas sim que podemos conseguir uma
síntese doctrinal seguindo um método “subjetivo”, isto é, vendo as ciências em seus
relacionamentos com a humanidade, com as necessidades do homem como ser social. O qual
significa que o princípio sintetizador há que buscar na sociologia. Uma vez que surgiu a ciência
do homem, se olhamos para atrás veremos o desenvolvimento da ciência como um progresso
desde a consideração dos fenômenos não humanos à consideração dos fenômenos humanos,
como um movimento desde o mundo externo até o homem mesmo. Podemos, pois, unificar as
ciências desde o ponto de vista do sujeito, quando o sujeito é já a humanidade em general e não
o sujeito individual da epistemología.

Claro que Comte não sugere com isto que a sociologia possa nem deva absorver a todas as
demais ciências. O que sugere é que a sociologia, tendo como tem por matéria de seu estudo ao
homem em sociedade, oferece o princípio organizativo para a unificação do conhecimento
científico, a saber, a ideia da humanidade e de suas necessidades. Desde o ponto de vista
histórico, a sociologia foi a última ciência que apareceu em cena. Mas uma vez que a teoria
sociológica se libertou das crenças teológicas e das suposições éticas e atingiu o estádio positivo
de seu desenvolvimento, temos direito, por assim o dizer, a investir a ordem histórica e a dar a
supremacía no ponto de vista humano ou “subjetivo”. Se tratava-se de obter conhecimento
científico, objetivo, o ponto de vista subjetivo tinha de ser desprezado. Mas quando as ciências
básicas, incluída a sociologia, se estabeleceram firmemente como disciplinas científicas, cabe
seguir a política das unificar em termos de seus diversos relacionamentos com as necessidades
humanas sem que diminua por isso sua objetividad científica, enquanto em uma etapa anterior
esta política seria perjudicial para o avanço das ciências.

Agora bem, a filosofia positiva não aspira simplesmente a realizar uma unificação teórica
das ciências. Tem também uma meta prática. Comte refere-se a “a imensa revolução social no
meio da qual estamos vivendo e com respeito à qual todas as revoluções precedentes não foram
outra coisa que um preliminar necessário”.[188] Requer-se uma reorganização da sociedade. Mas
esta tarefa não pode ser levado a cabo sem um conhecimento das leis da sociedade tais como as
formula a sociologia. Sem o conhecimento das leis que coordenam os fenômenos da natureza, o
homem não pode controlar nem moldar com eficácia seu meio natural. Semelhantemente, sem
o conhecimento das leis relativas ao homem em sociedade, não podemos promover nem
conseguir uma eficaz renovação progressiva da sociedade. Esta reorganização social é a meta
prática da síntese “subjetiva” das ciências, de sua unificação concebida em termos de seus
relacionamentos com a humanidade e as necessidades desta.

5. A ciência do homem: estática e dinâmica sociais.

A sociologia ou física social pressupõe, segundo Comte, as demais ciências básicas, e é a


culminación e o desenvolvimento da ciência e a especial contribuição do estádio positivo ao
avanço intelectual do homem. Divídese em estática social e dinâmica social. A estática social
estuda as leis gerais da existência comum às sociedades humanas, isto é, as condições essenciais
da solidariedade social. A dinâmica social estuda as leis do movimento ou desenvolvimento das
sociedades, as leis do progresso social. Em opinião de Comte, a estática social “constitui o nexo
direto entre a ciência definitiva e a totalidade das ciências preliminares, sobre todas elas a
biologia, da que parece ser aquela inseparável”.[189] A estática social é pressuposta por e tende
para a dinâmica social, cujas leis se nos diz que se aplicam antes de mais nada à política,
enquanto as da estática social “pertencem mais bem à moral”.[190] A sociologia em seu conjunto,
isto é, compreendendo a estática social e a dinâmica social, concebe “o progresso como o
desenvolvimento gradual da ordem”,[191] e também “representa a ordem como manifestado pelo
progresso”.[192]

A estática social acha a base da sociedade na natureza do homem como ser social e evidencia
que em toda sociedade tem de ter divisão do trabalho e coordenação dos esforços humanos tendo
em vista realizar um propósito comum. Evidência assim mesmo a necessidade e a natureza
fundamental do governo. Portanto, a estática social versa primordialmente sobre o elemento da
ordem que é essencial a toda sociedade; e neste campo Aristóteles fez uma notável contribuição
ao pensamento. Mas, conquanto a ordem é essencial a toda sociedade, o resultado de canonizar
uma forma dada de organização social é a petrificación. O grave defeito dos utopistas como
Platón consistiu em representar uma forma possível de organização social como a única forma
ideal da ordem. Certamente, ainda “a mais poderosa inteligência de toda a antigüedad, o grande
Aristóteles, esteve tão dominada por seu século que foi incapaz de conceber uma sociedade que
não estivesse necessariamente baseada na escravatura [...]”.[193]

A ideia de ordem é, pois, insuficiente. Requiérese também a ideia de progresso. E esta se


estuda na dinâmica social. No entanto, Comte faz questão da íntima conexão que se dá entre a
estática social e a dinâmica social. A ordem sem progresso ou desenvolvimento acaba em
petrificación ou em decadência; mas a mudança sem ordem costuma equivaler a anarquía.
Temos de ver no progresso a atualização da tendência dinâmica inerente à ordem social. “O
progresso segue sendo sempre o simples desenvolvimento da ordem”,[194] e isto significa que a
ordem social assume diferentes forma sucessivas. O progresso é “oscilante”[195] no sentido de
que inclui casos de retardamiento e até de retrocesso como momentos do movimento geral de
avanço.
Já fizemos notar que Comte alaba a contribuição de Aristóteles à estática social. No campo
da dinâmica social rende tributo a Montesquieu. “É a Montesquieu a quem devemos atribuir o
primeiro grande esforço direto por tratar a política como uma ciência de fatos e não de
dogmas.”[196] Mas, o mesmo que Aristóteles, também Montesquieu teve falhas: não conseguiu
libertar seu pensamento da metafísica; nem entendeu propriamente a necessária sucessão de
diferentes organizações políticas, e atribuiu exagerada importância às forma de governo. Para
encontrar um avanço autêntico devemos parar mente em Condorcet, que foi o primeiro que viu
com clareza que “a civilização se acha submetida a um avanço progressivo, cujos estádios estão
rigorosamente eslabonados entre si por leis naturais que pode revelar a observação filosófica do
passado [...]”.[197] No entanto, nem sequer Condorcet entendeu bem a natureza dos sucessivos
estádios ou épocas. Foi Comte mesmo quem contribuiu este entendimento.[198]

Segundo Comte, “a caraterística fundamental da filosofia positiva é considerar que todos os


fenômenos estão submetidos a invariáveis leis naturais”.[199] A expressão “todos os fenômenos”
inclui naturalmente os fenômenos humanos. Não pretende Comte que a coordenação dos
fenômenos humanos mediante a formulación de leis atinja igual grau de desenvolvimento na
sociologia que o que atingiu em algumas outras ciências. Mas, assim e tudo, sustenta que o
filósofo deverá considerar os fenômenos humanos como capazes de ser subsumidos baixo leis.
Isto quer dizer, de fato, que as sucessivas forma de organização político-social devem ser
correlacionado com os sucessivos estádios do desenvolvimento intelectual do homem. Segundo
vimos, Comte opina que na época teológica a sociedade era necessariamente uma sociedade
militar, organizada para a luta e a conquista, e a indústria não era mais que o que se requeria
para a mera manutenção da vida humana. Na fase metafísica, que foi um período de transição, a
sociedade se achava também em um estado de transição “não já francamente militar, nem ainda
francamente industrial”.[200] No estádio positivo a sociedade está organizada tendo em vista a
produção, e é por natureza uma sociedade pacífica, orientada ao bem comum. Em fim, estes três
modos sucessivos de atividade humana, “a conquista, a defesa e o trabalho”,[201] “correspondem
exatamente aos três estádios da inteligência: ficção, abstração e demonstração. Desta correlação
básica deriva-se antes de mais nada a explicação geral das três idades naturais da
humanidade”.[202]

Mas o homem não é simplesmente um ser intelectual e ativo. Está caraterizado também pelo
sentimento. “Em toda existência normal domina constantemente o afeto envelope a especulação
e a ação, embora a intervenção destas é indispensável para que tal existência seja capaz de sofrer
e modificar as impressões externas.”[203] O homem tem, por exemplo, um instinto ou sentimento
social. Na antigüedad, este instinto esteve dirigido para a cidade (a polis), e na Idade Média
achou expressão em vários tipos de corporaciones. Na época positiva ou industrial, o instinto
social, baixo a influência dos unificantes fatores que são a ciência e a indústria, tende a adotar a
forma de amor à humanidade em general. Esta cria lhe proporciona a Comte uma base para
assegurar que a terceira forma fundamental da organização social é intrinsecamente pacífica.

Mal há que dizer que bem como Comte trata de conciliar sua teoria dos três estádios do
desenvolvimento intelectual do homem com feitos com que parecem contrários à teoria, assim
também tenta conciliar com sua explicação das forma correlativas de organização social aqueles
fatos históricos que poderiam ser citado como provas contra a verdade de sua explicação.
Por exemplo, se apela-se à evidência para mostrar que até as nações mais industrializadas
podem incurrir em ações militares agressivas, Comte replica que é porque o processo de
industrialización começa e se desenvolve quando ainda seguem influindo os modos de pensar e
sentir característicos de épocas anteriores. Ele não pretende que uma sociedade na que se esteja
desenvolvendo a industrialización nunca manifeste um espírito agressivo ou nunca se lance à
guerra. O que ele afirma é que, à medida que a sociedade industrial vá chegando à maturidade,
a unificação da humanidade, promovida pelo comum conhecimento científico e pela
industrialización, dará como resultado, baixo o script de uma elite científica, uma sociedade
pacífica na que as diferenças serão dirimidas mediante discussão racional.

Não se lhe pode, naturalmente, reprochar a Comte que trate de encaixar os fatos na malha de
uma hipótese, desde que se mostre disposto a revisar e inclusive abandonar a hipótese se se prova
sua incompatibilidad com os fatos. Mas não está nada claro por que um aumento de
conhecimento científico tenha de levar a um aumento moral na humanidade, nem por que uma
sociedade industrial tenha de ser mais pacífica que uma sociedade não industrializada. Após
tudo, Comte não se limita a dizer o que, em sua opinião, deveria acontecer, desde um ponto de
vista ético; está dizendo o que acontecerá, em virtude da lei ou leis que regem o desenvolvimento
do homem. E custa evitar a impressão de que a lei dos três estádios tende a chegar a ser, para
Comte, mais que uma hipótese falsable, a expressão de uma fé ou de uma filosofia teleológica
da história, a cuja luz tenha que interpretar os dados históricos.

Se o processo histórico é regido por uma lei e o futuro é, pelo menos em princípio, previsível,
surge a pergunta de se fica algum espaço para o planejamento social. Que pode fazer, por
exemplo, uma elite científica para influir na sociedade e no curso da história? Desde um ponto
de vista, quiçá não tenha aqui nenhum problema particular. Como dissemos, Comte faz questão
de que, conquanto todas as ciências coordenam fenômenos subsumiéndolos baixo leis, estas leis
são puramente descritivas. Se achássemos que o homem pudesse produzir no mundo físico
efeitos que fossem incompatíveis com as leis físicas aceitadas até aqui, revisaríamos obviamente
as leis em questão. As leis, como generalizações descritivas, são em princípio revisables. De
parecido modo, assim que atañe à teoria por ele professada sobre as leis científicas, Comte
poderia manter perfeitamente bem que as leis da sociologia são suscetíveis de falsación e,
portanto, revisables em princípio. Uma lei poderia ser falsada pela ação humana. No entanto,
quando se trata da lei dos três estádios, Comte tende a falar como se fosse inviolable e como se
a sociedade tivesse de desenvolver da forma indicada por esta lei faça o homem o que faça.
Surge, pois, inevitavelmente a pergunta de se tem assim algum sentido pedir um planejamento
social a cargo de uma elite de cientistas.

Comte é plenamente consciente da necessidade de responder a esta pergunta. E arguye que


não há nenhuma incompatibilidad entre a ideia de que todos os fenômenos se regem por leis e a
ideia do planejamento e o controle pelo homem. Ao invés, o poder do homem de modificar toda
sorte de fenômenos só pode ser exercido se há “um real conhecimento de suas respetivas leis
naturais”.[204] Ponhamos um exemplo do mundo moderno; o conhecimento das leis físicas
relevantes é uma condição essencial para explorar com sucesso o espaço. Assim mesmo, o
conhecimento das leis da conduta humana é condição essencial para um planejamento social
inteligente e eficaz. Segundo Comte, os fenômenos sociais são mais complexos que os
fenômenos físicos, e isto significa que as leis formuladas em sociologia são menos precisas que
as leis físicas, menos suscetíveis que estas de formulación matemática. Não obstante, a
formulación de leis em sociologia permite a predição. Pois os fenômenos sociais são “tão
previsíveis como todos os demais tipos de fenômenos, dentro dos limites de precisão
compatíveis com sua maior complexidade”.[205] E assim, longe de ser incompatível com o
planejamento social, a predictibilidad é condição essencial para ela.

Isto parecerá, sem dúvida, bastante sensato. Mas, de fato, não responde do tudo à pergunta
de em que medida pode afetar a ação humana ao curso da história. A tal pergunta responde
Comte fazendo uma distinção: O homem não pode alterar a ordem dos sucessivos estádios do
desenvolvimento histórico; mas a ação ou a inacción humana sim que pode acelerar ou retardar
este desenvolvimento. A emergência do estádio positivo do pensamento e da correspondente
forma de sociedade é necessária, sendo o homem o que é; mas o desenvolvimento da sociedade
industrial pode ser acelerado mediante um planejamento inteligente. Porque os fenômenos
sociais são, “por sua natureza, ao mesmo tempo os mais modificáveis de todos e os que têm
maior necessidade de ser modificados utilmente segundo as indicações racionais da ciência”.[206]
Esta modificabilidad dos fenômenos sociais permite o planejamento efetivo; mas o que em
realidade pode ser conseguido é limitado pelo que, evidentemente, se considera o funcionamento
de uma lei inalterable. O desenvolvimento social é modificável “em sua rapidez, dentro de certos
limites, por um número de causas físicas e morais [...]. As combinações políticas pertencem ao
mundo dessas causas. Este é o único sentido em que lhe é dado ao homem influir na marcha de
sua própria organização”.[207] Certamente Comte deseja dar cabida à iniciativa e à ação
humanas. Mas o espaço que lhes deixa é limitado, dada sua interpretação da história humana
como regida por uma lei que o homem não pode alterar bem mais que o pouco que pode alterar
as leis físicas. E Comte está completamente seguro de conhecer a lei que rege o desenvolvimento
da história humana.[208]

6. O Grande Ser e a religião da humanidade.

Era firme convicção de Comte que a sociedade deveria ser organizada por quem possuíssem
autêntico conhecimento. Nesta matéria estava de acordo com Platón. Comte fazia escasso uso
da democracia, se entende-se que esta implica que a vontade do povo, seja qual for, tem de
prevalecer. Inclinava-se em favor do governo paternalista que atende a tentar o bem comum.
Bem como na Idade Média esperava-se que os indivíduos aceitassem o ensino da Igreja tanto se
entendiam como se não suas doutrinas e as razões em que se baseavam, assim também era de
esperar que os cidadãos da “política positiva” aceitariam os princípios sentados pela elite
positivista, isto é, pelos cientistas e os filósofos positivistas. Na sociedade comtiana do futuro,
esta elite controlaria a educação e formaria a opinião pública. Seria, de fato, o equivalente
moderno do poder espiritual do Medievo, e o governo, extraído das classes de técnicos
dirigentes, seria o equivalente moderno do medieval poder temporário. No exercício de suas
funções o governo consultaria (ou, por melhor dizer, “consultará” dada a lei dos três estádios) à
elite positivista, aos sumos sacerdotes da ciência. Embora Comte pensava que o período
medieval era substituído pelas era primeiro metafísica e depois positivista, não foi nem muito
menos um despreciador da Idade Média. Os cientistas e os filósofos positivistas ocupariam os
postos do Papa e dos bispos, e os membros da classe gestora exerceriam as funções dos monarcas
e dos nobres medievais.

Comte compreendeu, por suposto, que a Revolução francesa vinha a acabar com um regime
antiquado que era totalmente incapaz, de satisfazer as necessidades da naciente sociedade. Mas
simpatizaba pouco com a insistencia liberal nos supostos direitos naturais dos indivíduos. A
noção de que os indivíduos tivessem uns direitos naturais independentemente da sociedade e até
na contramão dela resultava estranha a sua mentalidade. Em sua opinião, semelhante noção só
podia provir de uma incomprensión do fato de que a realidade fundamental é a humanidade e
não o indivíduo. O homem como indivíduo é uma abstração, E a regeneração da sociedade
“consiste sobretudo em substituir os direitos por deveres, a fim de subordinar melhor a
personalidade à sociabilidad”.[209] “À palavra direito deveria fazer-lha desaparecer da
verdadeira linguagem da política tanto como à palavra causa da verdadeira linguagem da
filosofia Dito de outro modo; ninguém possui outro direito que o de cumprir sempre seu dever.
Só assim poderá finalmente subordinarse a política à moral, conforme ao admirável programa
da Idade Média.”[210] Na época positiva a sociedade garantirá, sem dúvida, certos “direitos” ao
indivíduo, pois isto se requer para o bem comum. Mas tais direitos não existem
independentemente da sociedade.

Comte não quer dar a entender, naturalmente, que a sociedade positiva se vá caraterizar pela
opresión dos indivíduos pelo governo. O que quer dizer é que, à medida que se desenvolva a
nova sociedade, a ideia do cumprimento dos próprios deveres para com a sociedade e de que há
que velar antes de mais nada pelos interesses da humanidade, prevalecerá envelope a concepção
segundo a qual a sociedade existe para servir aos interesses dos indivíduos. Em outras palavras,
confia em que o desenvolvimento da sociedade industrial, quando se organize propriamente, irá
acompanhado de uma regeneração moral que implicará a substituição dos interesses particulares
dos indivíduos pelo exclusivo interesse no bem-estar da humanidade. Bem podemos pensar que
há aqui algo de exagerado otimismo. Mas este consiste, não em que Comte espere a regeneração
moral, senão mais bem em sua confiança em que tal regeneração irá inevitavelmente
acompanhada do desenvolvimento de uma sociedade que se baseará na ciência e na indústria.
Quando o verdadeiro é que não se vê nada claro por que tenham que acontecer assim as coisas.

Seja disso o que for, é indudable que, para Comte, a forma mais alta da vida moral a
constituem o amor e o serviço à humanidade. Na fase positiva do pensamento, a humanidade
passa a ocupar o já que correspondia-lhe a Deus no pensamento teológico; e o objeto do culto
positivista é “o Grande Ser” (lhe Grand Être), a Humanidade. Certamente, a humanidade não
possui todos os atributos que em tempos se pregaram de Deus. Por exemplo, enquanto ao mundo
concebia-se-lhe como criação de Deus e como dependendo dele, a humanidade está “sempre
sujeita à totalidade da ordem natural, do que constitui só o elemento mais nobre”.[211] No
entanto, a “necessária dependência” do Grande Ser não afeta a sua relativa superioridad. E
Comte elabora um sistema religioso baseado, no fundo, no catolicismo em que ele se tinha
criado. Assim, o positivismo terá seus santos (os grandes bienhechores da humanidade), seus
templos, suas imagens, sua conminación dos principais inimigos da humanidade, sua
comemoração dos difuntos, seus sacramentos sociais, e assim sucessivamente.
John Stuart Mill, que simpatizaba com a atitude positivista general de Comte, criticou com
agudeza o modo em que o pensador francês aspirava a submeter à gente aos rigores de uma
religião dogmática exposta pelos filósofos positivistas.[212] Objetaba também Mill que a religião
positivista de Comte não tinha nenhuma conexão orgânica com seu pensamento genuinamente
filosófico, senão que era um acrescentado supérfluo e, a dizer verdade, repugnante. Estes dois
pontos críticos podem-se, desde depois, separar. Vale dizer, podemos muito bem considerar
repugnante o que se referindo ao de Comte descreveria T. H. Huxley como um catolicismo sem
cristianismo, e não por isso subscrever necessariamente a opinião de Mill segundo a qual a
religião comtiana não tinha conexão orgânica com o positivismo. De fato, esta opinião discutiu-
se. Mas, pese ao que digam os críticos de Mill, há um sentido importante no que sua acusação
parece plenamente justificada. Pois a ideia de que à teología e à metafísica lhes aconteceu a
ciência, e que só esta nos dá conhecimento autêntico e útil, não contém a elevação da
humanidade a objeto de culto religioso nem também não o estabelecimento de um elaborado
culto religioso. A religião positivista de Comte, que influiu em bastantees de seus discípulos e
chegou ao estabelecimento de uma Igreja positivista,[213] não é consequência lógica de uma
teoria positivista do conhecimento. Ao mesmo tempo, pode certamente argüirse que há uma
conexão psicológica entre a filosofia positivista de Comte e sua religião da humanidade. Parece
acertado dizer que Comte coincidia com os tradicionalistas em achar que fazia falta uma
regeneração moral e religiosa da sociedade. Mas, como achava também que Deus era uma ficção,
tinha que buscar em alguma outra parte um objeto de devoción. E pensando, como pensava, que
a realidade social básica era a humanidade mais bem que os diferentes indivíduos por separado,
e que estes somente podiam trascender o egoísmo dedicando ao serviço da humanidade,
compréndese que em seu Grande Ser encontrasse um substituto do que foi na Idade Média o
centro da devoción e do culto. Pôr de realçe o serviço à humanidade não implica, por verdadeiro,
que se estabeleça, nenhum culto religioso. Mas, evidentemente, Comte pensava que na sociedade
moderna a função unificante e elevadora desempenhada em outros tempos pela crença em Deus
só podia a cumprir uma devoción religiosa à humanidade. Sendo assim, pois, que Mill tem sem
dúvida razão ao assegurar que uma teoria positivista do conhecimento não implica a religião da
humanidade, vale a pena que recordemos que a Comte não só lhe interessava uma teoria do
conhecimento, senão também a regeneração social, e que sua religião positivista, por muito
extravagante que pareça, era para ele um dos fatores de tal regeneração.

Vem aqui, empero, ao caso perguntar se quando fala do Grande Ser não está recaindo Comte
no estádio do pensamento metafísico tal como ele o concebia. Seguramente estaria disposto a
admitir que o Grande Ser só atua através dos indivíduos. Mas parece claro que, para que lha
possa considerar como objeto próprio de culto pelos indivíduos, a humanidade tem que ser
hipostasiada, concebida como uma totalidade que seja algo mais que a sucessão dos seres
humanos individuais. Comte fala de “um ser imenso e eterno, a Humanidade”.[214] Quiçá não
tenha que tomar demasiado em sério tais frases. Poderia ser entendido que expressam uma
esperança de que a humanidade não será, de fato, destruída pelas “fatalidades cosmológicas”[215]
que ameaçam com a extinguir. Mas, ao mesmo tempo, está claro que a humanidade, como objeto
de culto comum, chega a ser uma abstração hipostasiada e, com isso, um exemplo do estádio
metafísico do pensamento tal como o descreveu Comte. Esta feição da questão é ilustrado pelo
que Comte diz a respeito da imortalidade. Em alguns bilhetes fala da existência continuada “no
coração e na mente dos demais”;[216] mas quando fala de que nossa natureza precisa “ser apurada
pela Morte”[217] e de que o homem se converte em “órgão da humanidade”[218] na segunda vida,
parece que esteja contemplando à humanidade como uma entidade persistente irreducible à
sucessão dos seres humanos que vivem neste mundo.

A questão pode ser proposto assim: No positivismo clássico de Comte, assim que diferente
do positivismo lógico de nosso século XX, não desempenha uma função destacada a noção de
carência de sentido. Segundo vimos, Comte queria defender ao positivismo da acusação de
ateísmo. O não sustentou dogmaticamente que não tivesse Deus. A tese que em general adotou
foi a de que a ideia de Deus se foi convertendo a cada vez mais em mera hipótese não verificada,
à medida que o homem foi substituindo as explicações teológicas dos fenômenos por explicações
científicas. Mas também poderia ser inferido, partindo de algumas das coisas que diz, que uma
hipótese inverificable careceria em absoluto de significação clara. Há ocasiões nas que esta
opinião a sustenta de um modo explícito. Por exemplo, assegura que “nenhuma proposição que
não seja reducible em definitiva à simples enunciación de um fato, já seja particular ou geral,
pode oferecer sentido algum realmente inteligible”.[219] Pois bem, de fazer hincapié em asertos
como este, resultaria difícil manter que a tese do Grande Ser (a Humanidade) objeto de culto e
de devoción religiosa tivesse algum sentido ou significação real e claramente inteligible. Pois se
o Grande Ser é reducible aos fenômenos e aos relacionamentos entre estes, a religião da
humanidade se converte em algo sumamente estranho. A religião positivista de Comte requer
que ao Grande Ser se lhe considere como uma realidade irreducible a uma mera coleção de
homens e mulheres individuais. Daí que, ao propor sua religião, pareça se deslizar outra vez
Comte para a mentalidade do estádio metafísico, se não, inclusive, para a do teológico.[220]
Parte II
De Auguste Conte até Henri Bergson
Capítulo VI
O positivismo na França.

1. É. Littré e suas críticas a Comte.

Auguste Comte, o mais famoso positivista francês do século XIX, teve fiéis discípulos que
aceitaram o pensamento de seu maestro como um tudo, incluída sua religião da humanidade. O
mais destacado entre eles foi Pierre Lafitte (1832-1906), que chegou a ser professor no Collége
de France em 1892 e foi reconhecido como seu mentor pelo Comitê Positivista de Londres,
fundado em 1881 e cujo presidente foi J. H. Bridges (1832-1906).[221] Teve, no entanto, filósofos
que aceitaram o positivismo como teoria epistemológica, mas se serviram pouco dele como culto
religioso e estimaram que as ideias políticas de Comte e sua interpretação teleológica da história
humana se apartavam do espírito genuíno do positivismo. Um representante eminente desta
maneira de pensar foi Émile Littré (1801-1881).

Littré estudou durante algum tempo medicina; [222] mas pelo que é mais conhecido é por seu
dicionário da língua francesa.[223] Em 1863, a sua candidatura para que lhe elegessem membro
da Academia francesa, se opôs veementemente Dupanloup, bispo de Orléans, que era já membro
da mesma; mas em 1871 Littré foi, por fim, eleito. Naquele mesmo ano chegou a ser deputado,
e em 1875 recebeu a nomeação de senador vitalicio. O que aqui importa-nos é seu pensamento
filosófico.

Quando chegou a ler Littré o Curso de filosofia positiva de Comte, abandonava já as crenças
teológicas e recusado a metafísica. O Curso proporcionou-lhe algo positivo e definido ao que se
ater. “Foi em 1840 quando cheguei a conhecer ao senhor Comte. Um amigo comum prestou-me
seu sistema de filosofia positiva; ao saber Comte que eu estava lendo o livro, me enviou uma
instância. [...] Sua obra conquistou-me. [...] A partir de então converti-me em um discípulo da
filosofia positiva, e tal permaneci, sem outras mudanças que os que me impôs o crescente esforço
por efetuar, no meio das demais tarefas obrigatórias, as correções e ampliações que dita filosofia
admite.”[224] Em 1845 reimprimió Littré vários de seus artigos reunindo-os em forma de livro,
intitulado Da philosophie positive (Da filosofia positiva).

Em 1852 Littré rompeu com Comte; mas seus desacordos com o sumo sacerdote do
positivismo não afetaram a sua adesão à focagem filosófico exposto no Curso. E em 1863
publicou Auguste Comte et a philosophie positive (Augusto Comte e a filosofia positiva), livro
no que defendia calurosamente o que considerava que eram as ideias principais e válidas de
Comte, embora criticando alguns pontos dos que disentía. Mais adiante, em 1874, escreveu um
prefacio[225] para a segunda edição do Curso de Comte, e em 1866 tentou defender a Comte
contra J. Séc. Mill. Em 1873 publicou Littré A science au point de vue philosophique (A ciência
desde o ponto de vista filosófico), incluindo vários artigos que aparecia na Revue de philosophie
positive. Em 1879 sacou uma segunda edição de sua Conservation, révolution et positivisme
(Conservação, revolução e positivismo), na que revisava algumas das ideias que expressava na
primeira edição da obra (1852).

Em opinião de Littré, Comte vinha a encher um vazio. Por uma parte, o entendimento
humano busca uma visão geral ou universal, e isto era precisamente o que proporcionava a
metafísica. Mas a dificuldade consistia em que o metafísico desenvolvia suas teorias a priori, e
a estas teorias lhes faltava uma sólida base empírica. Por outra parte, às ciências particulares, em
sua propor hipótese empiricamente comprováveis, não podia menos de lhes faltar a generalidade
que caraterizava à metafísica. Em outras palavras, o descrédito da metafísica deixava um oco
que só poderia ser enchido mediante a criação de uma nova filosofia. E foi Comte quem veio a
satisfazer esta necessidade. “O senhor Comte é o fundador da filosofia positiva.”[226] Saint-
Simon não possuía os necessários conhecimentos científicos. É mais, ao tratar de reduzir as
forças da natureza a uma força última, à gravidade, voltava a cair nos defeitos da mentalidade
metafísica.[227] Em mudança, Comte construiu o que ninguém dantes que ele construía: “a
filosofia das seis ciências fundamentais”,[228] e fez ver os relacionamentos entre elas.
“Discutindo a interligação das ciências e seu sistema hierárquico (Comte) descobriu ao mesmo
tempo a filosofia positiva.” [229] Comte mostrou também como e por que as ciências se foram
desenvolvendo historicamente, em sua determinada ordem, desde as matemáticas até a
sociologia. Os metafísicos poderão reprochar a outros filósofos o ter descurado a consideração
do homem, do sujeito do conhecimento; mas tal reproche não afeta a Comte, que estabeleceu a
ciência do homem, a saber, a sociologia, sobre uma base sólida. Mais ainda, excluindo todas as
questões “absolutas”[230] e dando à filosofia uma firme base científica, capacitó por fim Comte
à filosofia para dirigir “às inteligências na investigação, aos homens em sua conduta e às
sociedades em seu desenvolvimento”.[231] A teología e a metafísica tratavam de fazer isto, mas
como propunham questões que trascendían o saber humano, tiveram de ser ineficaces.

A filosofia positiva, sustenta Littré, considera que o mundo consta de matéria e de forças
inmanentes à matéria. “Fora destes dois termos, matéria e força, a ciência positiva nada
sabe.”[232] Não conhecemos nem a origem nem a essência da matéria. À filosofia positiva não
lhe conciernen absolutos nem também não o conhecimento das coisas em si mesmas. Interessa-
lhe simplesmente a realidade assim que acessível ao humano conhecimento. Portanto, se
pretende que os fenômenos podem ser explicado em termos de matéria e de forças a esta
inmanentes, tal posição não equivale à de um materialismo dogmático, que pretende nos dizer,
por exemplo, o que é a matéria em si mesma ou “nos explicar” o desenvolvimento da vida ou o
do pensamento. Se a filosofia positiva mostra que a psicologia pressupõe a biologia e esta
pressupõe as outras ciências, renúncia claramente a formular perguntas sobre a causa última da
vida ou envelope que seja o pensamento em si mesmo, aparte de nosso conhecimento científico
dele.

Mas embora Littré se afane por distinguir entre positivismo e materialismo, não está do todo
claro que o consiga, segundo deixamos dito mais acima, mantém que a filosofia positiva não
reconhece nada fora da matéria e das forças a ela inmanentes. Verdadeiro que esta tese a expressa
em termos de aserción sobre o conhecimento científico, e não sobre a realidade última ou
envelope o que seja “realmente real”. Ao mesmo tempo, Littré lhe reprocha a J. Séc. Mill que
deixe como questão aberta a existência de uma realidade sobrenatural; e critica-lhe a Herbert
Spencer que trate de reconciliar a ciência e a religião mediante sua doutrina do Incognoscible.
Parecem discernibles na mente de Littré duas linhas de pensamento: Há nele, por um lado, a
tendência a sustentar que a filosofia positiva se abstém simplesmente de propor questões a
respeito de realidades cuja existência não possa ser verificada pela experiência sensível. Em tal
caso, não há nenhuma razão pela que essas questões não devam ser deixado abertas, por mais
que lhas considere impossíveis de responder.[233] Por outro lado, há também nele uma tendência
a considerar como carentes de sentido os asertos sobre supostas realidades que trascienden a
esfera do cientificamente verificable. Neste caso, naturalmente, não faz sentido perguntar se tais
realidades existem ou não existem; as questões não podem então se considerar como questões
abertas, e a crítica de Littré a Mill resulta compreensível.

Mas embora Littré estava e seguiu estando sempre substancialmente de acordo com as ideias
expressas por Comte em seu Curso de filosofia positiva, achava que em seus últimos escritos
Comte se tinha desviado um tanto da focagem positivista. Por exemplo, Littré não utilizava o
“método subjetivo”, no que as necessidades humanas constituem o princípio sintetizador[234] tal
como o defendesse Comte em seu Sistema de política positiva e no único volume completo da
Síntese subjetiva. Por “método subjetivo” entendia Littré um processo de razonamiento que,
partindo de premisas afirmadas a priori, chegava a conclusões cuja única garantia era sua formal
conexão lógica com as premisas. Em sua opinião, este era o método seguido na metafísica, e não
tinha cabida na filosofia positiva. O que Comte fazia era introduzir uma confusão entre o método
subjetivo tal como o seguem os metafísicos e o método deductivo desenvolvido na era científica.
O método deductivo, neste segundo sentido, “está sujeito à dupla condição de ter adquirido
experimentalmente os pontos de partida e ter verificado experimentalmente as conclusões”.[235]
Reintroduciendo o método subjetivo, que se interessa pela conexão lógica entre as ideias ou
proposições sem prestar nenhuma atenção real à verificação empírica, Comte “se deixou ganhar
pela Idade Média”.[236]

Entre os pontos particulares criticados por Littré estão a identificação por Comte das
matemáticas com a lógica e sua subordinación da mente ao coração ou à feição afectivo do
homem. Uma coisa é fazer questão da colaboração do sentimento na atividade humana, e outra
muito diferente sugerir, como o faz Comte, que o coração deva dominar à inteligência ou lhe
impor seus ditados. Esta sugestão, insiste Littré, é totalmente incompatível com a mentalidade
positivista. Quanto à religião da humanidade, Littré não está nada disposto a convir com Comte
na necessidade da religião como diferente da teología. “Em minha opinião, Comte fez uma
dedução legítima ao atribuir à filosofia positiva da que é autor um papel equivalente ao das
religiões.”[237] Ou seja, se entendemos por religião uma concepção geral do mundo, a concepção
positivista do mundo pode, efetivamente, descrever-se como uma religião. No entanto, Comte
vai bem mais lá disto. Pois postula um ser coletivo, a humanidade, e propõe-no como objeto de
culto. O amor à humanidade é, certamente, um sentimento nobre e admirável; mas “não se
justifica o selecionar para a adoración já seja à humanidade já qualquer outra fração do conjunto
ou do mesmo grande tudo”.[238] O que em realidade lhe passa a Comte é que reincide na
mentalidade teológica. E “de tudo isto é responsável o método subjetivo”.[239]

Com respeito à ética ou moral, Littré reprocha a Comte o ter acrescentado a moral à lista das
ciências como um sétimo membro. Foi um erro, pois “a moral não pertence em modo algum,
como pertencem as seis ciências, à ordem objetiva”.[240] Resulta bastante curioso que Littré
acrescente, praticamente a seguir, que é necessária uma ciência da moral.[241] A aparente
contradição ficaria eliminada se déssemo-nos por satisfeitos interpretando que Littré lhe negava
a Comte que uma ética normativa pudesse ser uma ciência ou ter um posto na filosofia positiva
e, ao mesmo tempo, mantivesse ele mesmo que era necessário um estudo puramente descritivo
dos fenômenos éticos ou do comportamento moral do homem. Porque em outro sítio diz que “a
observação dos fenômenos da ordem moral, assim que revelados pela psicologia ou pela história
e a economia política”,[242] serve de fundamento para o conhecimento científico da natureza
humana. Mas refere-se também ao progresso humano, o concebendo, em termos positivistas,
como “fonte de profundas convicções, obrigatórias para a consciência”.[243]

Cabe concluir razoavelmente que Littré não elaborou suas ideias a respeito da ética de um
modo claro e consistente. Mas é bastante óbvio que seu geral desacordo com os últimos escritos
de Comte o baseia em que estes mostram graves desvios da convicção positivista de que o único
conhecimento autêntico do mundo ou do homem é o conhecimento empiricamente verificado.
Ou quiçá seja mais exato dizer que, em opinião de Littré, acabou Comte introduzindo na filosofia
positiva ideias que não tinham legítima cabida nelas e criou assim um estado de confusão. Pelo
qual era necessário voltar ao positivismo puro, do que o mesmo Comte era o grande expoente.

2. Claude Bernard e o método experimental.

A convicção de que a ciência experimental é a única fonte de conhecimento sobre o mundo


a compartilhou o célebre fisiólogo francês Claude Bernard (1813-1878), que foi professor de
fisiología na Sorbona e de medicina no Colégio da França. Sua obra mais conhecida é a
Introduction à l’étude da médecine expérimentale (Introdução ao estudo da medicina
experimental), publicada por ele em 1865. Três anos depois passou a fazer parte da Academia
francesa, e em 1869 foi nomeado senador.

Talvez pareça do todo inapropiado mencionar a Claude Bernard em um capítulo dedicado


ao positivismo. Pois não só foi ele quem disse que o melhor de todos os sistemas filosóficos é
não ter nenhum, senão que condenou também explicitamente à filosofia positivista por ser um
sistema.[244] O desejava fazer mais científica a medicina, e, para conseguí-lo melhor,
empreendeu uma investigação sobre a natureza do método científico. Não tratava de criar um
sistema filosófico, nem de defender nenhum dos já existentes. Fazia questão de que o método
experimental era o único que podia proporcionar conhecimentos objetivos da realidade. De fato,
falou de “verdades subjetivas” como absolutas, mas era referindo às matemáticas, cujas verdades
são formais, isto é, independentes do que acontece no mundo.

Bernard entende como método experimental a construção de hipótese verificables ou


comprováveis empiricamente, um método objetivo que elimine, na medida do possível, a
influência de fatores subjetivos tais como o desejo de que seja X mais bem que E o que ocorra.
Os teólogos e os metafísicos pretendiam que suas construções ideais inverificadas
representavam a verdade absoluta ou definitiva. Mas as hipóteses inverificables não representam
conhecimento. O conhecimento positivo do mundo, que é conhecimento das leis dos fenômenos,
só pode ser obtido seguindo o método científico. E este dá resultados que são provisórios, isto
é, em princípio revisables.

Verdadeiro que Bernard sustenta que há um “princípio absoluto da ciência”,[245] o princípio


do determinismo, segundo o qual todo conjunto dado de condições (que conjuntamente
constituem uma “causa”) produz infaliblemente um determinado fenômeno ou efeito. Mas o que
pretende dizer Bernard é que este princípio é “absoluto” simplesmente no sentido de que é um
suposto necessário no quehacer científico. O pesquisador supõe necessariamente que há no
mundo uma ordem causal regular. Este princípio não é “absoluto” no sentido de que seja uma
verdade metafísica a priori ou um dogma filosófico. Também não equivale, diz Bernard, ao
fatalismo. Nosso autor escreve às vezes como se o princípio do determinismo fosse, de fato, uma
verdade absoluta conhecida a priori. Mas embora seja discernible alguma inconsistencia em
suas diversas declarações, sua postura oficial, por dizê-lo assim, é que o determinismo em
questão é metodológico, vale dizer, inerente à focagem científica do mundo, e não uma doutrina
filosófica.

Temos visto que Bernard rehúsa o reconhecer que a teología e a metafísica sejam fontes de
conhecimento da realidade. Aqui sua atitude é claramente positivista. Ao mesmo tempo, com
respeito às que às vezes se qualifica como questões últimas, também não quer as eliminar a base
de dizer que carecem de significado ou que não devem ser formulado. E embora em matéria de
religião não era crente, fez questão de deixar um local para a crença junto ao do conhecimento.
Não tinha que os confundir, mas algum tipo de crença lhe é connatural ao homem, e a crença
religiosa é perfeitamente compatível com a integridade científica, sempre que se reconheça que
os artigos de fé não são hipótese empiricamente verificadas. Em consequência, Bernard critica
a doutrina de Comte dos três estádios. As crenças teológicas e metafísicas não podem, em rigor,
ser consideradas simplesmente como estádios pretéritos do pensamento humano. Há questões
importantes para o homem que trascienden o alcance da ciência e, pelo mesmo, se saem do
campo em que é possível o conhecimento; mas a crença em certas respostas é legítima, com a
condição que não lhas proponha como verdades seguras a respeito da realidade nem se tente as
impor a outros. Se pergunta-se, pois, se Bernard foi ou não foi positivista, temos que fazer uma
distinção. Sua ideia do que constituía o conhecimento positivo da realidade estava na mesma
linha das concepções de Comte. Podemos muito bem dizer que a focagem de Bernard era
positivista. Mas também recusou o positivismo como sistema filosófico dogmático, sem ter, pelo
demais, nenhum desejo do substituir por qualquer outro sistema filosófico. Certamente todo
aquele que escreva, como o fez Bernard, envelope o conhecimento humano, seus alcances e
limitações, se verá obrigado a fazer afirmações filosóficas ou que tenham envolvimentos
filosóficas. Mas Bernard tentou não cair na tentação de expor uma filosofia em nome da ciência.
Daí que fizesse questão de que seu princípio do determinismo não devia ser considerado como
dogma filosófico. Ademais, ainda sustentando que o organismo funciona em virtude de seus
elementos fisicoquímicos, admitia também que o fisiólogo deve ver o organismo vivente como
uma unidade individual cujo desenvolvimento é dirigido por uma “ideia creatriz” ou “força
vital”.[246] Isto quiçá soe a contradição. Mas o verdadeiro é que Bernard tentou sinceramente,
com sucesso ou sem ele — isso é já outra coisa —, evitar todo aserto filosófico sobre se há ou
não no organismo um princípio vital. Seu ponto de vista era que, embora os físicos e os químicos
devem descrever o organismo só em termos fisicoquímicos, o fisiólogo não pode deixar de
reconhecer o fato de que o organismo funciona como uma unidade vivente e não meramente
como uma coleção de diferentes elementos químicos. Em definitiva, Bernard tratava de
distinguir entre o pensar a respeito do organismo de um modo determinado e o fazer uma
afirmação metafísica envelope entelequias.

3. E. Renan: positivismo e religião.

Joseph Ernest Renan (1823-1892) é conhecido sobretudo por sua famosa obra A vie de Jésus
(Vida de Jesús, 1863), Em 1862 foi nomeado professor de hebreu no Colégio da França,[247] e
suas duas publicações principais foram sua Histoire dê origine du christianisme (História das
origens do cristianismo, 1863-1883) e seu Histoire du peuple d’Israel (História do povo de
Israel, 1887-1893). Escreveu também vários trabalhos sobre as línguas semíticas e realizou
versões ao francês, com introduções críticas, de alguns livros do Antigo Testamento. Talvez
pareça, por tanto, que não é muito oportuno mencionar a esta personagem em uma história da
filosofia. Mas embora não foi um filósofo profissional e distó muito de ser um pensador
consistente,[248] publicou no entanto alguns escritos filosóficos, tais como L’avenir da Science
(O futuro da ciência, redigido em 1848-1849, embora não se publicou até 1890), Essais de
morale et de critique (Ensaios de moral e de crítica, 1859) e Dialogues et fragments
philosophiques (Diálogos e fragmentos filosóficos, 1876). Seu pensamento filosófico foi uma
curiosa amalgama de positivismo e religiosidad, que terminou em escepticismo, o que aqui nos
interessa é seu relacionamento com o positivismo.

Ao sair-se Renán do seminário de Saint-Sulpice, em 1845, travou amizade com Marcelin


Pierre Eugéne Berthelot (1827-1907), que chegaria a ser professor de química orgânica no
Colégio da França e depois ministro de educação. Como Comte, achava Berthelot no triunfo do
conhecimento científico envelope a teología e a metafísica. E Renán, que perdia a fé no
sobrenatural (isto é, na existência de um Deus trascendente e pessoal), compartilhava até
verdadeiro ponto esta crença no conhecimento científico. Em suas Memórias de infância e
juventude, faz saber que desde os primeiros meses de 1846 “a clara visão científica de um
universo no que não há ação perceptible de uma livre vontade superior à do homem”[249] veio a
ser pára Berthelot e para ele mesmo uma base inamovible. De parecido modo, no prefacio à 13.
ª edição (1866) de sua Vida de Jesús, afirmava Renán ter recusado o sobrenatural pela mesma
razão pela que recusava a crença nos centauros, a saber, porque nunca era vistos. Em outras
palavras, o conhecimento da realidade obtém-se mediante a observação e a verificação de
hipótese empíricas. Esta mesma opinião expressou-a no futuro da ciência. Mas a visão científica
do mundo não significava simplesmente para Renán a visão do cientista natural. Recalcó (sem
que lhe tivesse de custar muito, dados seus próprios interesses intelectuais) o importante papel
que desempenham a história e a filología. No entanto, insistiu também em que o conhecimento
positivo da realidade tem de ter uma base experimental. Daí que o homem ilustrado não possa
crer em Deus. “Um ser que não se revela a si mesmo através de nenhuma ação é, para a ciência,
um ser inexistente.”[250]

Se isto fosse tudo, saberíamos a que nos ater. Mas isto dista muito de ser todo o que Renan
diz. Recusa a ideia de que um Deus pessoal intervenha na história: nunca se pôde provar que se
tenham dado intervenções divinas; e acontecimentos que às passadas gerações lhes pareciam
atos divinos foram explicados de outros modos. Agora bem, negar a Deidad trascendente e
pessoal não é abraçar o ateísmo. Desde um ponto de vista, Deus é a totalidade da existência em
desenvolvimento, o ser divino que se está fazendo, um Deus infieri . Desde outro ponto de vista,
Deus, considerado como perfeito e eterno, existe somente na ordem ideal como o fim ideal de
todo o processo do desenvolvimento. “O que revela ao verdadeiro Deus é o sentimento moral.
Se a humanidade fosse tão só inteligente, seria atea; mas as principais raças acharam em si
mesmas um instinto divino. O dever, a devoción, o sacrifício, coisas das que a história está cheia,
são inexplicables sem Deus.”[251] Afinal de contas, todas as afirmações a respeito de Deus são
simplesmente simbólicas. Mas não por isso deixa de se revelar o divino à consciência moral.
“Amar a Deus, conhecer a Deus, é amar o que é belo e bom, conhecer o que é verdadeiro.”[252]

Dar razão precisa do conceito de Deus que tem Renán é, provavelmente, algo que excede a
capacidade humana. Podemos advertir nele, em certa medida, a influência geral do idealismo
alemão. Mas está mais na base a própria religiosidad de Renan ou seu sentimento religioso, que
se expressa de diversos modos não sempre consistentes entre si e que lhe incapacita por completo
para ser um positivista ao estilo de Littré. Evidentemente, não há razão nenhuma pela que um
positivista não tenha de ter ideais morais. E se deseja interpretar a religião como questão de
sentimentos ou do coração[253] e a crença religiosa como expressão de uma emoção e não de
conhecimento, pode muito bem combinar a religião com uma teoria positivista do conhecimento.
Em mudança, se introduz a ideia do Absoluto, como o faz Renán em sua carta a Berthelot de
agosto de 1863,[254] já se vê que ultrapassa os limites do que razoavelmente possa ser descrito
como positivismo sem privar a este termo de um significado definido.

Tida conta do que fica dito até aqui, não surpreenderá muito achar que a atitude de Renan
para com a metafísica é uma atitude complexa. Em um ensaio sobre a metafísica e seu futuro,
escrito em resposta a uma obra de Étienne Vacherot[255] intitulada A métaphisique et a Science
(A metafísica e a ciência, 2 volumes, 1858), insistia Renan em que o homem tinha o poder e o
direito de “elevar acima dos fatos”[256] e especular a respeito do universo. Mas clarificava
também que, para ele, semelhante especulação era afim à poesia ou, inclusive, ao sonhar. O que
negava era, não o direito de entregar à especulação metafísica, senão a visão da metafísica como
a ciência primeira e fundamental “que contenha os princípios de todas as outras, uma ciência
que possa só ela de por si e mediante razonamientos abstratos conduzir até a verdade a respeito
de Deus, o mundo e o homem”.[257] Pois “todo quanto sabemos, o sabemos pelo estudo da
natureza ou da história”.[258]

Com a condição que não se entenda que o positivismo implica a pretensão de que todas as
questões metafísicas carecem de sentido ou significado, esta visão da metafísica é sem dúvida
compatível com a tese positivista de que todo autêntico conhecimento da realidade nos vem
através das ciências. E talvez o seja também o que diz Renan de que, negando ele a metafísica
como ciência “progressiva”, no sentido de que possa aumentar nosso saber, não por isso a recusa
se lha considera como ciência “do eterno”.[259] Pois ao que ele se refere aqui não é a uma
realidade eterna, senão mais bem a uma análise dos conceitos. Em sua opinião, a lógica, as
matemáticas puras e a metafísica não nos dizem nada a respeito da realidade (a respeito do que
acontece de fato), senão que só analisam o que um já sabe. Certamente, o igualar a metafísica à
análise conceptual não é o mesmo que o assimilar à poesia ou aos sonhos. Pois no primeiro caso
pode-lha qualificar razoavelmente de cientista, enquanto no segundo não lha pode qualificar
assim. Claro que Renan talvez replicasse que a palavra “metafísica” pode ter ambos sentidos, e
que ele não recusa nenhum deles. Dito de outro modo, que a metafísica pode ser uma ciência
sempre que lha olhe simplesmente como análise conceptual. Mas, em mudança, se faz profissão
de tratar de realidades existentes, tais como Deus, que trasciendan as esferas da ciência natural
e da história, então nem é nem pode ser uma ciência. Tem-se direito a especular, mas tal
especulação não aumenta mais nosso conhecimento da realidade que o que o aumentam a poesia
e o sonhar.

Dadas estas duas visões da metafísica, faz-se-nos um tanto desconcertante o que Renan diga
também que a filosofia é “o resultado geral de todas as ciências”.[260] De seu, esta afirmação
poderia ser entendido em um sentido comteano. Mas Renán acrescenta que “filosofar é conhecer
o universo”[261] e que “o estudo da natureza e da humanidade é, pois, o tudo da filosofia”.[262]
Verdadeiro que emprega a palavra “filosofia” e não a palavra “metafísica”. Mas a filosofia
considerada como “a ciência do todo”[263] é, já se entende, um dos significados não raramente
adscritos à “metafísica”. Em outras palavras, a filosofia como resultado geral de todas as ciências
tende a significar “metafísica”, embora não fica, nem muito menos, claro qual é com exatidão o
estatuto que atribui Renán à filosofia.

Obviamente Renan estava convencido de que o saber positivo a respeito do mundo só podia
ser obtido por médio das ciências naturais e de investigações históricas e filológicas. Dito de
outra maneira, a ciência, em um sentido amplo do termo,[264] vinha a substituir à teología e à
metafísica como ciência de informação sobre a realidade existente. Em opinião de Renan, a
crença no Deus pessoal e trascendente da fé judeocristiana ficava privada de toda base racional
pelo desenvolvimento da ciência. Isto é, tal crença era incapaz de ser confirmada
experimentalmente. Quanto à metafísica, já lha considerasse como especulação a respeito de
problemas cientificamente irresolubles ou como uma forma de análise conceptual, não podia
aumentar o conhecimento do homem a respeito do que ocorre realmente no mundo. Por
conseguinte, em uma feição de seu pensamento, Renan estava claramente do lado dos
positivistas. Mas, ao mesmo tempo, era incapaz de eliminar a convicção de que, mediante sua
consciência moral e seu reconhecimento de ideais, o homem entrava, em algum sentido real,
dentro de uma esfera que trascendía a da ciência empírica. Nem podia ser livrado também não
da convicção de que tinha, de fato, uma realidade divina, por mais que todas as tentativas da
descrever e a definir fossem só simbólicos e estivessem expostos a críticas.[265] É evidente que
desejava combinar uma focagem religiosa com os elementos positivistas de seu pensamento.
Mas não foi um pensador o suficientemente sistemático como para conseguir uma síntese
coerente e consistente. Mas ainda, mal lhe foi possível harmonizar em modo algum todas seus
várias crenças, ou pelo menos não nas forma em que as expressou. Dificilmente poderia ser
conciliado, por exemplo, a opinião de que se requer a verificação experimental ou empírica para
justificar o aserto de que existe algo, com a seguinte pretensão: “A natureza não é mais que uma
aparência; o homem é tão só um fenômeno. Há o eterno fundo (fond), há a substância infinita, o
absoluto, o ideal [...], existe [...] o que é”.[266] A verificação empírica, em qualquer sentido
ordinário, da existência do absoluto parece excluída. Nada tem, pois, de surpreendente que nos
últimos anos de sua vida manifestasse Renan uma marcada tendência ao escepticismo no campo
religioso. Não podemos conhecer o infinito, nem sequer se há ou não um infinito, nem também
não podemos estabelecer se há ou não valores objetivos absolutos. Verdade é que podemos atuar
como se tivesse valores objetivos e como se existisse um Deus. Mas tais questões ficam fora do
alcance de qualquer conhecimento positivo. Pretender, por tanto, que Renán abandonou o
positivismo seria inexacto, embora é evidente que o positivismo não lhe satisfazia.

4. H. Tainey a possibilidade da metafísica.

Como o pensamento de Renan, também o de Hippolyte Adolphe Taine (1828-1893) contém


diferentes elementos. A nenhum dos dois pensadores se lhe pode qualificar adequadamente de
positivista. Mas enquanto o rasgo mais notorio de todo o pensamento de Renan é sua tentativa
de revisar a religião de tal maneira que possa lha compartilhar com suas ideias positivistas, no
caso de Taine a caraterística principal de seu pensamento é sua tentativa de combinar as
convicções positivistas com uma marcada inclinação à metafísica, a cujo estudo lhe estimulou
sua leitura de Spinoza e Hegel. Pelo demais, sendo de modo que nem os interesses de Renan
nem os de Taine limitam-se à área da filosofia, suas principais atividades extra filosóficas
diferem bastante. Renan, como já o dissemos, é bem conhecido por suas obras sobre a história
do povo de Israel e envelope as origens do cristianismo, enquanto Taine é célebre por sua obra
psicológica. Escreveu também sobre arte, história da literatura e o desenvolvimento da moderna
sociedade francesa. Mas em ambos homens influiu a visão positivista. A Taine atraiu-lhe a
filosofia desde muito temporã idade; mas pela época em que ele estudava na École Normale de
Paris, os estudos filosóficos estavam mais ou menos dominados pelo pensamento de Victor
Cousin, com o que Taine simpatizaba pouco. Durante algum tempo dedicou-se ao ensino nas
escolas e à literatura. Em 1853 publicou seu Essai sul lhes fables da Fontaine (Ensaio sobre as
fábulas da Fontaine) e em 1856 um Essai sul Tite Live (Ensaio sobre Tito Livio). A estes escritos
seguiram-lhes os Essais de critique et d’histoire (Ensaios de crítica e de história, 1858) e a obra
em quatro volumes Histoire da littérature anglaise (História da literatura inglesa).[267] No
campo filosófico publicou Taine Lhes philosophes français du dixneuvième siècle (Os filósofos
franceses do século XIX) em 1857. Mas suas ideias filosóficas acharam também expressão nos
prefacios que pôs a seus outros escritos.

Em 1864 obteve Taine uma cátedra na Ecole dê Beaux Arts, e sua Philosophie de l’art
(1865)[268] foi o resultado de suas lições de estética. Em 1870 publicou sua obra em dois volumes
titulada De l’intelligence,[269] Tinha o plano de compor outra obra sobre a vontade, mas estava
demasiado ocupado com sua obra em cinco volumes Origine-lhes da France contemporaine (As
origens da França contemporânea, 1875-1893) na que tratava do antigo regime, da Revolução
e do posterior desenvolvimento da sociedade francesa. Outro volume de ensaios críticos e
históricos apareceu em 1894. Taine publicou também vários livros de viagens.

era educado Taine como cristão, mas à idade de 15 anos perdeu a fé. No entanto, nem a
dúvida nem o escepticismo eram de seu agrado. Buscava um saber que fosse verdadeiro, e
aspirava a conseguir um conhecimento comprensivo da totalidade A ciência, desenvuelta
mediante a verificação empírica das hipóteses, lhe parecia ser o único caminho para adquirir um
conhecimento seguro a respeito do mundo. Achava ao mesmo tempo que a continuação de uma
concepção metafísica do mundo, de uma visão da totalidade como sistema necessário, não só
era uma empresa legítima senão também imprescindible. E seu problema foi sempre o de como
combinar sua convicção de que no mundo só tinha eventos ou fenômenos e relacionamentos
entre eles com sua outra convicção de que era possível uma metafísica que ultrapassasse os
resultados das ciências particulares e conseguisse uma síntese. Cronologicamente, a atração que
sentiu para as filosofias de Spinoza e Hegel precedeu ao desenvolvimento de suas ideias
positivistas. Mas o seu não foi um positivismo que ao entrar em cena expulsasse à metafísica.
Taine reafirmou sua confiança na metafísica e esforçou-se por conciliar em seu pensamento as
duas tendências. Que o conseguisse, e até se fosse possível que o conseguisse, [270] é discutible.
Mas do que não cabe dúvida é de que tratou do conseguir.

As linhas gerais de sua tentativa são postas em claro pelo próprio Taine em sua obra sobre
os filósofos franceses do século XIX,[271] em seu estudo sobre John Stuart Mill (Lhe positivisme
anglais. Étude sul Stuart Mill, 1864) e em sua história da literatura inglesa. Os empiristas
ingleses, em opinião de Taine, vêem o mundo como uma coleção de fatos. Interessam-se, sem
dúvida, pelos relacionamentos entre os fenômenos ou fatos; mas estes relacionamentos são, para
eles, puramente contingentes. Segundo Mill, que representa a culminación de uma linha de
pensamento que parte de Francis Bacon, o relacionamento causal é simplesmente um
relacionamento de sequência regular entre os fatos. A dizer verdade, “a lei que atribui uma causa
à cada acontecimento não tem para ele mais base, nem mais valor, nem mais apoio que uma
experiência. [...] Simplesmente, reúne e funde uma soma de observações”.[272] Limitando-se
assim a contar com a só experiência e seus dados imediatos, Mill “descreveu a mente inglesa
quando achava estar descrevendo a mente humana”.[273] Em mudança, os idealistas metafísicos
alemães tiveram a visão da totalidade: viram o universo como a expressão de umas causas e leis
últimas, como um sistema necessário e não como uma coleção de fatos ou de fenômenos
relacionados entre si de maneira puramente contingente. Ao mesmo tempo, deixando-se levar
do entusiasmo que essa visão da totalidade lhes produzia, desprezaram as limitações da mente
humana e trataram de proceder de um modo puramente apriórico. pretenderam reconstruir o
mundo da experiência valendo do pensamento puro.[274] De fato, construíram imponentes
edifícios que na atualidade se estão já arruinando. Há, pois, que seguir um caminho intermédio,
combinando o que de verdadeiro e valioso encerram o empirismo inglês e a metafísica alemã. O
lucro desta síntese está-lhe reservado à mentalidade francesa. “Se há um sítio entre as duas
nações, esse sítio é o nosso.”[275] A mentalidade francesa está chamada a corrigir os defeitos do
positivismo inglês e da metafísica alemã, a sintetizar essas visões corrigidas, “a expressar em
um estilo que entendam todos e às converter assim na mentalidade universal”,[276] Os ingleses
são excelentes em descobrir fatos, os alemães em construir teorias. É necessário que o fato e a
teoria os juntem os franceses e, a ser possível, o próprio Taine.

A ideia de combinar o empirismo inglês com o idealismo alemão, a Mill com Hegel, lhe
arredraría a mais de um. Taine, pelo contrário, não se contenta com propor um ideal que a muitos
lhes tem de parecer, sem dúvida, irrealizable e talvez até demencial, senão que indica o que a
sua entender é a base para construir semelhante síntese, a saber, o poder de abstração de que está
dotado o homem. Só que o uso que faz Taine da palavra “abstração” requer alguma explicação.

Em primeiro lugar, Taine não a usa no sentido de que tenhamos direito algum a supor que
os termos abstratos se referem a umas entidades abstratas correspondentes. Ao invés, ele
reprocha, não só a Cousin e aos ecléticos senão também a Spinoza e a Hegel, que faça,
precisamente, essa suposição. Vocablos como “substância”, “força” e “poder” são modos
convenientes de agrupar fenômenos similares; mas pensar, por exemplo, que a palavra “força”,
significa uma entidade abstrata é se deixar enganar pela linguagem. “Não acho que tenha
substâncias, senão só sistemas de fatos. A ideia de substância considero-a uma ilusão
psicológica. As substâncias, a força e todos os seres metafísicos dos modernos me parecem uma
reliquia das entidades escolásticas. Penso que no mundo não há nada mais que fatos e leis, isto
é, acontecimentos e relacionamentos entre acontecimentos; e o mesmo que você reconheço eu
que todo conhecimento consiste em primeiro lugar em ligar ou em acrescentar fatos.”[277] Em
sua obra sobre a inteligência insiste Taine em que não há entidades que correspondam a palavras
tais como “faculdade”, “potência”, “eu”. A psicologia é o estudo de fatos, e no eu ou ego não
achamos mais feitos com que “a série de acontecimentos”,[278] reducibles todos eles a sensações.
Até os mesmos positivistas foram culpados de cosificar termos abstratos. Um exemplo
assinalado disto o proporciona a teoria de Herbert Spencer envelope o Incognoscible,
considerado como Força absoluta.[279]

Nesta linha de pensamento, se olha-lha por separado, Taine vai tão longe como o pudesse
desejar qualquer empirista. “Estou convencido de que não há nem espíritos nem corpos, senão
simplesmente grupos de movimentos presentes ou possíveis e grupos de pensamentos presentes
ou possíveis.”[280] E é interessante observar a insistencia de Taine no seductor poder da
linguagem, que induze/induz aos filósofos a postular umas entidades tão irreales que “se
desvanecem assim que se examina detidamente o significado das palavras”.[281] Seu empirismo
se patentiza também em sua rejeição do método apriórico de Spinoza, método que o único que
pode fazer é revelar possibilidades ideais. Todo conhecimento da realidade existente deve ser
baseado na experiência e ser um resultado desta.

Por conseguinte, Taine não entende por abstração a formação de termos ou conceitos
abstratos que erroneamente se pensa que representam entidades abstratas, Mas que é o que
entende por ela? Define-a como “o poder de isolar os elementos factuales e dos considerar por
separado”,[282] supõe, por tanto, que o dado na experiência é complexo e é analizable em seus
elementos constitutivos, os quais podem ser considerados por separado, ou seja, em abstrato. A
maneira óbvia de entender isto é em termos de análise reductivo, como o que praticou Condillac
no século XVIII ou pratica Bertrand Russell no XX. A análise (décomposition), diz-se-nos, dá-
nos a natureza ou essência do analisado. Mas Taine acha que entre os elementos constitutivos
que formam “o interior de um ser”[283] podem ser encontrado causas, forças e leis. “Estas não
são um novo fato acrescentado ao primeiro; são uma porção dele, um extrato; estão contidas nos
fatos, não são outra coisa que os fatos mesmos.”[284] Por exemplo, a prova da afirmação de que
Antonio é mortal não consiste em argüir partindo da premisa “todos os homens morrem” (que,
como manteve Mill, é questionável), nem em apelar ao fato de que não sabemos de nenhum ser
humano que chegada sua hora não morra, senão mais bem em mostrar que “a mortalidade é
inseparável da qualidade de ser homem”,[285] já que o corpo humano é um composto químico
instável. Para averiguar se Antonio morrerá ou não, não há que multiplicar exemplos de homens
que morreram. O que faz falta é a abstração que nos capacite para formular uma lei. A cada
espécimen individual contém a causa da mortalidade humana; mas, naturalmente, tem de ser
isolado pela inteligência, posto aparte ou extraído da complexidade dos fenômenos e formulado
de uma maneira abstrata. Provar um fato, como dizia Aristóteles, é mostrar sua causa. Esta causa
está incluída no fato. E uma vez temo-la abstraído, podemos argüir “do abstrato ao concreto, isto
é, da causa ao efeito”.[286] Mas ainda podemos passar adiante: podemos efetuar a operação da
análise sobre grupos ou conjuntos de leis e, ao menos em princípio, chegar assim até os mais
primitivos e fundamentais elementos do universo. Há uns “elementos simples dos que se deriva
a maioria das leis gerais, e destas se derivam as leis particulares, e destas leis os feitos com que
observamos”.[287] Se tais elementos simples ou inanalizables podem ser conhecidos, a metafísica
é possível. Pois a metafísica é a investigação das causas primeiras. E, segundo Taine, as causas
primeiras são cognoscibles, já que estão ejemplificadas por todos os lados em todos os fatos.
Não é como se tivéssemos de trascender o mundo para conhecer sua causa ou causas primeiras.
Estas estão presentes e operam por todos os lados; e todo o que tem de fazer a inteligência
humana é entresacarlas ou abstraerlas.

Dada seu insistencia em que as causas últimas dos fatos empíricos estão contidas nos fatos
mesmos e, portanto, na experiência, pode pensar Taine que ele corrige e alarga o empirismo
inglês, e não que o contradiz lisa e claramente. Quanto a ele se lhe atinge, a metafísica se acha
em real continuidade com a ciência, embora tem um maior grau de generalidade. É evidente,
empero, que Taine parte do suposto de que o universo é um sistema racional ou ordenado
conforme a uma lei. Nada tão alheio a seu pensamento como o conceber que as leis sejam meras
ficções mentais convenientes para a prática. Dá por suposto “que há uma razão para a cada coisa,
que todo fato tem sua lei; que todo composto é reducible a elementos simples; que todo efeito
implica causas (facteurs); que toda a qualidade e toda existência deve ser deducible de algum
termo superior e anterior”.[288] Supõe também que a causa e o efeito são, em realidade, uma
mesma coisa baixo duas “aparências”. Evidentemente estes dois supostos não provem do
empirismo, senão da influência que na mentalidade de Taine exerceram Spinoza e Hegel.
Quando aponta a uma última causa, a um “axioma eterno” e a uma “fórmula criadora”,[289] está
claramente falando baixo o influjo de uma visão metafísica da totalidade concebida como
sistema necessário que exibe de inumeráveis modos a atividade criadora de uma causa última
(embora puramente inmanente).

Verdadeiro que, segundo notámos já, Taine critica aos idealistas alemães o ter tratado de
deduzir a priori “casos particulares” como o sistema planetário e as leis da física e a química.
Mas não parece que se oponha à ideia da deducibilidad assim que tal, isto é à deducibilidad por
princípio, senão mais bem ao suposto de que a mente humana seja capaz de levar a cabo a
dedução, ainda que averigúe as leis primigenias ou causas últimas. Isto é, que entre as leis
primigenias e uma particular ejemplificación no mundo, tal como aparece dado na experiência,
há uma série infinita, entrecruzada, o digamos assim, por inumeráveis influências causales de
cooperação ou de contrarresto. E a mente humana é demasiado limitada como pára que possa
captar o plano de todo o conjunto do universo, Mas se Taine admite, como parece admitir, a
deducibilidad em princípio, esta admissão expressa obviamente uma visão geral do universo que
lhe vem não do empirismo senão de Spinoza e de Hegel. Tal visão abarca não só o universo
físico senão também a história humana. Para Taine, a história não poderá chegar a ser em sentido
próprio uma ciência enquanto não se tenham “abstraído” dos fatos ou dados históricos suas
causas e leis.[290]

Falar de “visão” metafísica talvez pareça simplesmente um caso de emprego da jerga


filosófica que esteve de moda faz em alguns anos entre quem, sem se decidir a tachar de uma
vez os sistemas metafísicos como puros sinsentidos, também não davam por boa a pretensão da
metafísica de ser capaz de aumentar nosso conhecimento positivo da realidade. Não obstante, o
termo “visão” é especialmente oportuno tratando-se de Taine. Pois ele nunca desenvolveu um
sistema metafísico. Pelo que mais se lhe conhece é por sua contribuição à psicologia empírica.
Em psicopatología tratou de demonstrar que podem ser desassociado os elementos constitutivos
do que prima facie é um estado ou fenômeno simples, e se valeu também da neurofisiología para
pôr ao descoberto o mecanismo que subyace aos fenômenos mentais. Em general, deu um
poderoso impulso àquele desenvolvimento da psicologia que na França foi associado a nomes
como os de Théodule Armand Ribot (1859-1916), Alfred Binet (1857-1911) e Pierre Janet
(1859-1947). Nos campos da história literária, artística e sociopolítica é conhecido Taine por sua
hipótese da influência que na formação da natureza humana exerceram os três fatores da raça, o
ambiente e a época e por sua insistencia, ao tratar das origens da França contemporânea, nos
efeitos da excessiva centralização tal como se manifestou de diferentes modos no antigo regime,
na República e baixo o Império. Mas ao longo de toda sua obra teve Taine, como ele mesmo o
expressou, “uma verdadeira ideia das causas”,[291] ideia que não era a dos empiristas. A seu
parecer, os espiritualistas ecléticos como Cousin, punham as causas fora dos efeitos e a causa
última fosse do mundo. Os positivistas, por sua vez, desterravam da ciência à causalidad.[292] A
ideia que da causalidad se fazia Taine estava inspirada evidentemente em uma visão geral do
universo como sistema racional e determinístico. Esta visão não passou de ser isso, uma visão,
no sentido de que, embora ele considerasse que sua ideia da causalidad requeria e possibilitava
uma metafísica, nunca se preocupou de desenvolver um sistema metafísico que fizesse
compreender as “causas primeiras” e sua operar no universo. No que sim insistiu foi na
possibilidade e na necessidade de tal sistema. E por muito que pudesse falar, e falasse de fato,
ao estilo dos empiristas, do método científico de “abstração, hipótese, verificação”[293] para a
averiguación das causas, está bastante claro que ele entendia por “causa” algo mais que o que
costumam entender o empirista ou o positivista.

5. E. Durkheim e o desenvolvimento da sociologia.

Auguste Comte deu um poderoso impulso ao desenvolvimiento da sociologia, um impulso


que fructificaría durante as últimas décadas do século XIX. Reconhecê-lo assim não equivale
certamente a pretender que todos os sociólogos franceses, como por exemplo Durkheim, fossem
devotos discípulos do somo sacerdote do positivismo. Mas ao fazer questão da irreductibilidad
da cada uma de suas ciências básicas à ciência ou ciências particulares que aquela pressupunha
dentro da ordem hierárquica de todas, e ao sublinhar a natureza da sociologia como estudo
científico dos fenômenos sociais, Comte pôs a sociologia sobre o tapete. Verdade é que os
começos da sociologia podem rastrearse anteriormente a Comte, chegando por exemplo até
Montesquieu e Condorcet, para não falar de Saint-Simon, o imediato predecessor de Comte. Mas
o que este fosse o primeiro que apresentou a sociologia como uma ciência especial, com caráter
próprio, justificou que Durkheim lhe tivesse por pai ou fundador desta ciência,[294] apesar de
que o próprio Durkheim não aceitava a lei dos três estádios e criticou a focagem dada por Comte
à sociologia.

Émile Durkheim (1858-1917) estudou em Paris na Escola Normal Superior e depois ensinou
filosofia em vários centros. Em 1887 iniciou suas classes na Universidade de Bordeaux, onde
em 1896 se lhe encarregaria da cátedra de ciência social. Dois anos depois, fundou L’année
sociologique, jornal do que chegou a ser diretor. Em 1902 transladou-se a Paris, onde foi
nomeado professor de pedagogia em 1906 e depois, em 1913, de educação e sociologia. Em
1893 publicou Da divisão du travail social (Da divisão do trabalho social)[295] e em 1895 Lhes
regles da méthode sociologique (As regras do método sociológico).[296] Outros escritos seus são
Lhe suicide (O suicídio)[297] e Lhes forme élémentaires da vie religieuse (As forma elementares
da vida religiosa),[298] que apareceram respetivamente em 1897 e 1912. Publicaram-se póstumos
outros escritos, que recolhem ideias expressas em suas classes, entre eles: Sociologie et
philosophie,[299] L’éducation morale[300] e Leçons de sociologie: physique dê moeurs et du
droit.[301] Estas obras apareceram respetivamente em 1924, 1925 e 1950.

A sociologia era, para Durkheim, o estudo, baseado empiricamente, do que ele descrevia
como fenômenos sociais ou fatos sociais. Fato social queria dizer para ele um rasgo geral de
uma sociedade dada em uma determinada fase de seu desenvolvimento, rasgo ou modo geral de
atuar que podia ser considerado que exercia uma urgência ou constricción envelope os
indivíduos.[302] O que faz possível que a sociologia seja uma ciência é que em toda sociedade
dada tem de ter “uns fenômenos que não existiriam se essa sociedade não existisse e que são o
que são tão só porque essa sociedade está constituída do modo como o está”.[303] E ao sociólogo
lhe compete estudar estes fenômenos sociais com a mesma objetividad com que o físico estuda
os fenômenos físicos. A generalização deve ser resultado de uma clara perfección dos fenômenos
ou fatos sociais e de seus interrelaciones. Não deverá preceder a tal perfección ou constituir um
esquema interpretativo a priori, pois em tal caso o sociólogo estudaria, não os fatos sociais em
si mesmos, senão suas ideias a respeito deles.

Desde um ponto de vista filosófico é difícil distinguir com clareza entre um fato e a ideia
que um tem desse fato. Pois é impossível estudar algo sem conceber de algum modo. Mas
entende-se sem maior dificuldade a que tipo de procedimento se opõe Durkheim. Por exemplo,
enquanto outorga crédito a Auguste Comte quando diz este que os fenômenos sociais são
realidades objetivas pertencentes ao mundo da natureza, e que, pelo mesmo, lhos pode estudar
cientificamente, lhe reprocha em mudança que abordasse a sociologia com uma teoria filosófica
preconcebida segundo a qual a história é um contínuo processo de aperfeiçoamento da natureza
humana. Em sua sociologia encontra Comte todo o que deseja encontrar, a saber, o que encaixa
em sua teoria filosófica. Desta sorte, o que estuda Comte não são tanto os fatos como suas ideias
a respeito dos fatos. Semelhantemente, Herbert Spencer dedicou-se não tanto a estudar os fatos
sociais em si e por si mesmos como a demonstrar que corroboran e verificam sua hipótese
evolutiva geral. Durkheim opina que Spencer fez sociologia como filósofo, para provar uma
teoria, e sem deixar que os fatos sociais falassem por si mesmos. vimos, linhas atrás, que
Durkheim relaciona um fato social com uma sociedade dada. Também recalcó muito a pluralidad
das sociedades humanas, a cada uma das quais tem de ser estudada antes de mais nada em si
mesma. Aqui viu ele uma diferença entre Comte e Spencer. Comte supunha que tinha uma só
sociedade humana que se ia desenvolvendo através de estádios sucessivos, a cada um dos quais
tinha que ver com, e em verdadeiro sentido dependia de, o correspondente estádio do progresso
intelectual do homem. Sua filosofia da história fazia-lhe ser miope com respeito às questões
particulares que surgem do estudo detalhado das diferentes sociedades dadas. Ademais, ao
incorporar Comte a sociologia a um sistema filosófico, condenava-a em realidade a não fazer
nenhum progresso em mãos de seus discípulos. Para que o desenvolvimento fosse possível, tinha
que arrojar pela borda a lei dos três estádios.[304] Em mudança, no caso de Herbert Spencer, a
situação é bastante diferente. Pois ele reconhecia a pluralidad de sociedades e tratou de
classificar segundo seus tipos. Mais ainda, discernió que por embaixo do nível do pensamento e
a razão atuam escuras forças, e evitou o exagerado énfasis com que engrandecia Comte o
progresso científico do homem. No entanto, em seus Principles of Sociology (Princípios de
sociologia) começava Spencer dando uma definição da sociedade que era uma expressão de seu
próprio conceito a priori mais bem que o resultado de um estudo meticuloso dos dados ou fatos
relevantes.[305]

Estes fatos sociais são, para Durkheim, sui generis. Ao sociólogo toca-lhe estudá-los tal
como os acha e não os reduzir a nenhum outro tipo de fatos. Quando se está começando a
desenvolver uma nova ciência, há que tomar modelos das ciências desenvolvidas já existentes.
Mas uma nova ciência só chega a ser na medida em que consegue independizarse. O qual quer
dizer ter sua própria matéria de investigação e seus próprios conceitos formados a base de refletir
envelope essa matéria. Durkheim não é, pois, reduccionista. Ao mesmo tempo acha que para
que a sociologia progrida realmente, como as ciências desenvolvidas dantes que ela, tem de
emanciparse da filosofia. O qual não quer dizer simplesmente se libertar da subordinación a um
sistema filosófico como o de Comte. Significa também que o sociólogo não deverá ser deixado
enredar em disputas filosóficas, tais como as entabladas entre os deterministas e os defensores
da vontade livre. À sociologia lhe basta apenas que aplique-se o princípio de causalidad aos
fenômenos sociais, e isso o considerando como postulado empírico e não como verdade
necessária a priori.[306] Cabe discutir que seja, de fato, possível evitar todos os orçamentos
filosóficos, segundo o supõe Durkheim. Mas ele, desde depois, não diz que os filósofos tenham
de se abster de discutir temas como o da vontade livre, se desejam os discutir. O que diz é que
ao sociólogo não lhe é necessário o fazer, e que o desenvolvimento da sociologia requer que, de
fato, o sociólogo se abstenha de tal discussão.

A matéria própria da sociologia é o que Durkheim chama fenômenos sociais ou fatos sociais.
Já fizemos referência mais acima a sua ideia de que os fatos sociais exercem uma constricción
sobre o indivíduo. Entre os fatos sociais neste sentido incluem-se, por exemplo, a moral e a
religião de uma sociedade dada. O emprego do termo “constricción” não tem pois por que
implicar coerción no sentido de uso da força. No processo de criação e formação do menino
começa-se a introduzir a este em um conjunto de valorações que mais que dele mesmo provem
da sociedade à que pertence, e pode ser dito que sua mente é “constreñida” pelo código moral
de sua sociedade. Ainda que rebele-se contra o código, este segue aí, por assim o dizer, como
aquilo contra o que o menino se rebela e que, assim, rege sua reação. Não é muito difícil entender
esta maneira de pensar. Mas Durkheim fala de fenômenos sociais tais como a moral e a religião
dizendo que são expressões da consciência social ou coletiva e do espírito ou mentalidade
comum. E sobre isto convém dizer algo, pois o emprego de um termo como “consciência
coletiva” pode mal se entender com facilidade.

Em seu ensaio sobre As representações individuais e as coletivas acusa Durkheim à


sociologia individualista de que trata de explicar o todo reduzindo a suas partes.[307] E em outro
sítio diz que “é o todo o que, em uma grande proporção, produz a parte”.[308] Se isolássemos
estes bilhetes e considerássemo-los só em si mesmos, seria natural concluir que, segundo
Durkheim, a consciência coletiva era uma espécie de substância universal da que procederiam
as consciências individuais de um modo análogo àquele em que diziam os neoplatónicos que a
pluralidad emana do Um. Só que, depois, resultaria algo desconcertante nos encontrar com que
Durkheim afirma que as partes não podem ser derivado do conjunto. “Pois o conjunto não é nada
sem as partes que o formam.”[309]
O termo “consciência coletiva” presta-se a equívocos e é, portanto, desafortunado. Mas o
que Durkheim trata de dizer está, no entanto, bastante claro. Quando fala de uma consciência
coletiva ou de um espírito ou uma mentalidade comum, não está postulando uma substância que
exista aparte das mentes individuais. Nenhuma sociedade existe aparte dos indivíduos que a
compõem; e o sistema das crenças e dos julgamentos de valor de uma sociedade nasceu, digamo-
lo assim, por médio das mentes individuais. Mas nasceu mediante elas na medida em que elas
chegaram a participar de algo que não está confinado a nenhum conjunto determinado de
indivíduos, senão que persiste como uma realidade social. Os indivíduos têm suas próprias
experiências sensoriales, seus próprios gostos, e assim sucessivamente. Mas quando o indivíduo
aprende a falar, vem a participar, através da linguagem, em todo um sistema de categorias,
crenças e julgamentos de valor, no que chama Durkheim uma “consciência social”. Podemos,
pois, distinguir entre as “representações” individuais e as coletivas, entre o que lhe é peculiar a
um indivíduo assim que tal e o que ele deve a, ou tomada da sociedade à que pertence. Enquanto
estas “representações” coletivas afetam à consciência individual, podemos falar das partes como
derivadas do todo ou explicadas por este. Ou seja, que faz sentido falar da “mentalidade” social
como afetando causalmente à mentalidade do indivíduo, a afetando, por assim o dizer, desde
fora. Segundo Durkheim, é participando na civilização, na totalidade dos “bens intelectuais e
morais”,[310] como o homem se faz especificamente humano. Neste sentido, o todo ou conjunto
não é nada sem as partes que o constituem. Os fatos ou fenômenos sociais, que pára Durkheim
constituem os dados da reflexão do sociólogo, são instituições sociais de diversos tipos,
produzidas pelo homem em sociedade e que, uma vez constituídas, afetam causalmente à
consciência individual. Por exemplo, a maneira de ver o mundo um indiano não depende só de
suas próprias experiências sensoriales, senão que contribuem à formar também a religião de sua
sociedade e as instituições que estão ligadas com ela. Mas essa religião não poderia existir como
realidade social se não tivesse indianas.

A constricción exercida pelas “representações coletivas” ou pela consciência coletiva pode


ser visto claramente, segundo Durkheim, no campo da moral. Há, sem dúvida, fatos morais; mas
existem só em um contexto social. “Se desaparecesse toda vida social, desapareceria também
com ela a vida moral. [...] A moralidad, em todas suas forma, só lha encontra em sociedade.
Nunca varia senão em relacionamento com as condições sociais.”[311] A moralidad, dito com
outras palavras, não tem sua origem no indivíduo considerado precisamente assim que tal.
Origina-se na sociedade e é um fenômeno social; mas tem por objeto ao indivíduo. Assim, no
sentido de obrigação, por exemplo, é a voz da sociedade que fala. É a sociedade a que impõe
regras obrigatórias de conduta, cujo caráter obrigatório se marca mediante a fixação de sanções
a quem infrinjam tais regras. Ao indivíduo assim que tal a voz da sociedade, falando no sentido
de obrigação, vem-lhe, por assim o dizer, desde fora. E é este relacionamento de externalidade
(do todo que funciona como uma realidade social com respeito à parte) o que possibilita que à
voz da consciência lha considere a voz de Deus. No entanto, para Durkheim, a religião é
fundamentalmente a expressão de um “ideal coletivo”;[312] e Deus é uma hipostatización da
consciência coletiva. Indubitavelmente, com respeito à consciência individual, os preceitos
morais e o sentido da obrigação de obedecê-los têm um caráter a priori, impondo-se, digamo-lo
assim, desde fora. Mas a voz de Deus que fala através da consciência da pessoa de mentalidade
religiosa e a Razão Prática de Kant são em realidade, simplesmente, a voz da sociedade; e o
sentido de obrigação deriva-se da participação do indivíduo na consciência coletiva. Se paramos
mente tão só na consciência individual considerada puramente assim que tal, a sociedade fala
desde fora. Mas também fala desde dentro, já que o indivíduo é membro da sociedade e participa
da consciência ou do espírito comum.

Evidentemente a sociedade está exercendo uma constante pressão sobre os indivíduos de


muito diversas maneiras. Mas embora é indiscutible regra de conduta, que emana da consciência
social, a de que devemos “fazer realidade em nós os rasgos essenciais do tipo coletivo”,[313] a
muita gente lhe agrada pensar que há uma via média entre a conduta inteiramente antisocial e a
plena adaptação a um tipo comum, e também que a sociedade se enriquece mediante o
desenvolvimento da personalidade individual. Ademais, muitos costumam ver com bons olhos
os casos em que o indivíduo possa protestar justificavelmente contra a voz da sociedade em
nome de um ideal mais alto. E como se realizaria, se não, o progresso moral?

Ao insistir Durkheim em que a moral é um fenômeno social, não vê desde depois que esta
teoria entranha o conformismo social em um sentido que excluiria o desenvolvimento da
personalidade individual. Ele acha que com o desenvolvimento da civilização o tipo de ideal
coletivo se vai fazendo mais abstrato e admite assim um grau muito maior de variedade dentro
do esquema do que é requerido pela sociedade. Em uma sociedade primitiva os rasgos essenciais
do tipo coletivo estão definidos de um modo muito concreto: do homem espera-se que atue
conforme a um definido padrão tradicional de comportamento; e o mesmo passa com a mulher.
Em mudança, nas sociedades mais avançadas, as semelhanças que se exigem entre os membros
da sociedade são menores que nos mais homogéneos clãs e tribos dos primitivos. E se o tipo
coletivo ou ideal chega a ser o da humanidade em general, este é tão abstrato e general que não
supõe trava para o desenvolvimento da personalidade do indivíduo. A amplitude da liberdade
pessoal tende, pois, a ir em aumento segundo vai sendo mais avançada a sociedade. Ao mesmo
tempo, se uma moderna sociedade industrial não impõe de fato todas as obrigações impostas por
uma tribo primitiva, isto não tira que em qualquer caso seja a sociedade a que impõe a obrigação.

Há que ter em conta que “sociedade” não significa necessariamente, para Durkheim, só o
Estado ou a sociedade política, ou pelo menos não como fonte completamente adequada de um
código ético. Por exemplo, na sociedade moderna o ser humano passa grande parte de sua vida
em um mundo industrial e comercial no que faltam regulações éticas. Daí que nas sociedades
economicamente avançadas, nas que atinge um alto grau de desenvolvimento a especialização
ou divisão do trabalho, tenha necessidade do que chama Durkheim uma “ética ocupacional”. “A
diversidade de funções traz consigo inevitavelmente uma diversificación da moral.”[314] Mas em
todos os casos o indivíduo assim que tal está submetido à pressão social para atuar ou não atuar
de determinados modos.

Mal precisa se dizer que o que tenta Durkheim é converter a ética em uma ciência empírica,
que trata dos fatos ou fenômenos sociais de um tipo particular. Em sua opinião, tanto os
utilitaristas como os kantianos reconstruíam a moral segundo pensavam eles que devia ser ou
desejavam que fosse, em vez de observar cuidadosamente o que é. Segundo Durkheim, se atemo-
nos aos fatos, vemos que a pressão ou constricción social exercida pela consciência coletiva
sobre o indivíduo é o principal constitutivo da moral. No entanto, embora recalca que é errôneo
a focagem dos utilitaristas e dos kantianos, isto é, sua tentativa de achar um princípio básico da
moral e proceder depois dedutivamente, também ele se esfuerza por mostrar que sua própria
teoria ética contém em sim os elementos para valer que continham as teorias que combate. Por
exemplo, de fato, a moral serve a propósitos práticos dentro da malha da sociedade. E sua
utilidade é suscetível de exame e cálculo. Ao mesmo tempo, a principal caraterística da
consciência moral é o sentido de obrigação, que se sente como um “imperativo categórico”. A
regra, imposta pela sociedade, tem de ser obedecida simplesmente porque é uma regra.[315]
Podemos achar assim um posto para a ideia kantiana do dever pelo dever, embora também
podemos achar para o conceito utilitarista do que é útil para a sociedade. A moral existe porque
a sociedade precisa-a; mas adota a forma da voz da sociedade, que exige obediência porque é a
voz da sociedade.

Um comentário óbvio é o de que, enquanto a ideia kantiana do imperativo categórico


emanante da razão prática proporciona uma base para criticar os códigos morais existentes, a
teoria de Durkheim não proporciona tal base. Se as regras morais são relativas às sociedades
dadas, expressando a consciência coletiva de uma sociedade determinada, e se a obrigação moral
significa que o indivíduo está obrigado a obedecer à voz da sociedade, como poderá nunca
justificar ao indivíduo que ponha em questão o código moral ou os julgamentos de valor próprios
da sociedade à que pertença? Não se segue daí que deva ser condenado aos reformadores morais
como a elementos subversivos? E, se isto não, como podemos identificar razoavelmente a moral
com os códigos morais das diversas sociedades? Pois o reformador apela, contra tal código, a
algo que lhe parece superior ou mais universal.

Durkheim sabe, naturalmente, que se lhe podem fazer estas objeciones. Compreende que se
lhe pode acusar de sustentar que o indivíduo deve aceitar passivamente os ditados da sociedade,
sejam estes cuales forem, sem ter nunca direito a se rebelar.[316] E como não deseja extremar a
tal ponto sua demanda de conformismo social, recorre à ideia de utilidade para encontrar uma
resposta. “Nenhum fato relativo à vida — e os fatos morais o são — pode durar se não é de
alguma utilidade, se não responde a alguma necessidade.”[317] Uma regra, que em tempos
cumpriu uma função social útil, pode perder sua utilidade à medida que a sociedade muda e se
desenvuelve. Os indivíduos que disso se percatan se justificam atendendo, em general, ao fato.
Verdadeiramente, não pode ser tratado tão só de uma regra de conduta particular. É provável
que se estejam produzindo mudanças sociais a tal escala que chegue a constituir uma nova moral
o que, exigido por essas mudanças, começa a fazer seu aparecimento. Se então o conjunto da
sociedade persiste em aferrarse à ordem de moralidad tradicional e já passado de moda, os que
entendem o processo de desenvolvimento e suas necessidades fazem bem ao se opor aos velhos
ditados da sociedade. “Não estamos, portanto, obrigados a nos submeter à força da opinião
moral. Em certos casos é, inclusive, conveniente que nos rebelemos contra ela. [...] O melhor
modo de fazê-lo talvez seja opor a essas ideias não só em teoria, senão também com a ação.”[318]

Esta linha de resposta poderá ser qualificado de ingeniosa, mas não de muito adequada. Se
é a sociedade a que impõe a obrigação, cabe presumir que seja obrigatório obedecer as ordens
que dite qualquer sociedade dada. Mas se, como admite Durkheim, pode ter situações nas que
os indivíduos questionem justificadamente os ditados da sociedade, ou inclusive se rebelem
contra eles, requiérese algum critério moral que não seja a voz da sociedade. Talvez se diga que
o reformador moral apela da voz factual da sociedade, segundo tomada corpo nas fórmulas
tradicionais, à voz “real” da sociedade. Mas qual é o critério para discernir a voz “real” da
sociedade, o que a sociedade deveria pedir a diferença do que pede de fato? Se tal critério fosse
a utilidade, os interesses autênticos de uma sociedade, teria que adotar o utilitarismo. E então o
problema seria como estabelecer um critério para averiguar os autênticos interesses de uma
sociedade. Referindo à possibilidade de que uma sociedade moderna perdesse de vista os direitos
do indivíduo, sugere Durkheim que à sociedade poderia lhe lhe recordar que o negar os direitos
do indivíduo seria negar “os mais essenciais interesses da sociedade mesma”.[319] Seguramente
diria ele que, com isto, se refere só aos interesses da moderna sociedade européia tal como se
desenvolveu de fato, e não, ponhamos por caso, a um clã primitivo muito fechado. No entanto,
ainda neste caso se estaria apelando da voz factual da sociedade à que achasse um que deveria
ser sua voz. E dificilmente se compreenderá como possam ser incluído julgamentos normativos
desta espécie em um estudo puramente descritivo dos fenômenos morais.

O mesmo que a moral, a religião é também, para Durkheim, essencialmente um fenômeno


social. Afirma em um bilhete que “uma religião é um sistema unificado de crenças e práticas
relativas a coisas sagradas, isto é, a coisas postas aparte e vedadas, crenças e práticas que unem
em uma única comunidade moral, chamada Igreja, a todos aqueles que se aderem a elas”.[320]
Quando Durkheim faz questão de que “não encontramos uma só religião sem uma Igreja”[321] e
em que “a religião é inseparável da ideia de uma Igreja”,[322] não quer dizer simplesmente uma
Igreja cristã. Quer dizer uma comunidade de pessoas que representam o sagrado e seu
relacionamento com o profano do mesmo modo, e que traduzem estas crenças e ideias em uma
prática comum. É óbvio que nas diferentes religiões há diversas crenças e diversos símbolos.
Mas “há que saber chegar, baixo o símbolo, até a realidade que representa e que lhe dá sua
significação”.[323] Depois encontramo-nos com que a religião é “a forma primária da consciência
coletiva”.[324] E com que “na divinidad só vejo eu a sociedade transfigurada e expressa
simbolicamente”.[325]

Segundo Durkheim, nas sociedades primitivas ou subdesarrolladas a moral era


essencialmente religiosa, no sentido de que os mais importantes e numerosos deveres do homem
eram os que este tinha com respeito a seus deuses.[326] Com o transcurso do tempo, a moral foi-
se separando progressivamente da crença religiosa, em parte graças ao influjo do cristianismo
com seu insistencia no amor entre os seres humanos. O âmbito do sagrado diminuiu, e avançou
o processo da secularización. A religião “tende a abarcar um setor a cada vez mais pequeno da
vida social”.[327] Ao mesmo tempo, em um sentido a religião persistirá sempre. Porque a
sociedade precisa sempre se representar “os sentimentos coletivos e as ideias coletivas que
constituam sua unidade e sua personalidade”.[328] Mas se surge uma nova fé, não podemos
prever que símbolos empregará para se expressar.

É desde depois à luz de sua teoria sobre a natureza essencialmente social da religião como
temos de entender a tese de Durkheim de que “em realidade, não há religiões falsas. Todas são
verdadeiras a seu modo; todas respondem, embora de maneiras diferentes, às condições dadas
da existência humana”.[329] Claro está que Durkheim com isto não pretende dar a entender que
todas as crenças religiosas, se lhas considera como afirmações a respeito da realidade, sejam
igualmente verdadeiras. O que quer dizer é que as diferentes religiões expressam todas, a cada
uma a seu modo, uma realidade social. Poderá ser qualificado a uma religião como superior a
outra se, por exemplo, é “mais rica em ideias e sentimentos” e se encerra “mais conceitos em
menos sensações e imagens”.[330] Mas de nenhuma religião pode ser dito com propriedade que
seja simplesmente falsa. Pois até os mais bárbaros ritos e os mitos mais fantásticos “traduzem
alguma necessidade humana, alguma feição da vida, individual ou social”.[331] O que não é o
mesmo que dizer que uma religião seja verdadeira na medida que se prove sua utilidade. É
verdadeira enquanto expressa ou representa, a seu próprio modo, uma realidade social.

Salta à vista que Durkheim considera a religião com uma focagem meramente sociológico e
externo. Mais ainda, supõe que para estabelecer os rasgos essenciais da religião temos de
examinar uma religião primitiva ou elementar. E esta suposição oferece alvo à crítica,
independentemente do fato de que algumas das teorias de Durkheim sobre as origens da religião
são muito discutibles. Pois a não ser que suponhamos desde o começo que a religião é
essencialmente um fenômeno primitivo, por que não teria de se manifestar melhor sua natureza
no curso de seu desenvolvimento que em suas origens? Durkheim poderia argüir, por certo, que
na sociedade primitiva desempenhava a religião um papel bem mais importante na vida social
que o que hoje desempenha e que, sendo como é um fenômeno em recessão, o único razoável é
buscar seus rasgos essenciais em um período no que era força viva. Mas esta maneira de
argumentar, embora razoável até verdadeiro ponto, parece pressupor uma determinada ideia da
religião, a que tem dela Durkheim, que a representa como a expressão da consciência coletiva.
É mais, bem como em seu tratamento da moral só presta atenção Durkheim ao que Bergson lume
moral “fechada”, assim ao tratar da religião atende somente ao que chama Bergson religião
“estática”. Mas este tema será melhor deixar para o capítulo que dedicamos à correspondente
filosofia de Bergson.

6. L. Lévy-Bruhl e a moral.

Embora Durkheim reconheceu que podiam ser distinguido sucessivas mentalidades e


concepções, não fez entre as mentalidades primitivas e as posteriores uma dicotomía tão marcada
como para excluir uma teoria do desenvolvimento e a transformação das anteriores nas
subsiguientes. Para ele, por exemplo, a categoria da causalidad se teria desenvolvido e
empregado primeiro em um contexto e uma concepção essencialmente religiosos e só
anteriormente se teria ido destacando daquela trama. Foi Lucien Lévy-Bruhl (1857-1939) quem
expôs a teoria de que a mentalidade dos povos primitivos era de caráter prelógico.[332] Manteve,
por exemplo, que a mente primitiva não reconhecia a vigência do princípio de não-contradição,
senão que funcionava de acordo com uma ideia implícita de “participação”, em virtude da qual
uma coisa podia ser a que era e ser ao mesmo tempo outra coisa diferente dela mesma. “A
mentalidade primitiva considera e sente simultaneamente que todos os seres e objetos são
homogéneos, isto é, os vê todos como participando na mesma natureza essencial ou no mesmo
conjunto de qualidades.”[333] Ademais, a mente primitiva era indiferente à verificação empírica.
Atribuía a costure-as qualidades e poderes não verificables em modo algum pela experiência.
Em fim, para Lévy-Bruhl tinha uma neta distinção entre a mentalidade primitiva, que ele tinha
por essencialmente religiosa e até mística, e a mentalidade lógica e científica. Pelo menos se
considerava-lha em seu estado puro, isto é, no homem primitivo, e não tal como possa sobreviver
em coexistencia com outra mentalidade mais recente, aquela diferia em espécie da última.

Hoje costuma admitir-se geralmente que Durkheim teve razão ao criticar esta dicotomía e a
caracterização que fazia Lévy-Bruhl da mentalidade primitiva como “prelógica”. Em muitas
feições o mundo do homem primitivo era, sem dúvida, muito diferente do nosso, e o primitivo
tinha muitas crenças que nós não compartilhamos. Mas disto não se segue que sua lógica natural
fosse inteiramente diferente da nossa, segundo Lévy-Bruhl sustentou em um princípio.

Em 1903 publicou Lévy-Bruhl A morale et a Science dê moeurs.[334] Aspirava, como


Durkheim, a contribuir ao desenvolvimento da ciência da moral, que era para ele algo que tinha
que distinguir cuidadosamente da moral mesma. A moral é um fato social e não precisa que
nenhum filósofo a traga ao ser. Mas o filósofo pode examinar este fato social. E ao fazê-lo,
encontra que se trata de fatos mais bem que de um fato. Isto é, em toda sociedade há um conjunto
de regras morais, um código ético, relativo a essa sociedade. O sistema teórico e abstrato que
elabora um filósofo se parece tão pouco aos fenômenos éticos reais como pouco se parece a
abstrata religião filosófica às religiões históricas da humanidade. Se um filósofo elabora um
sistema ético abstrato e chama-o “ética natural”, a ética do homem assim que tal, este é um nome
errôneo. “A ideia de uma “ética natural” deve ceder o posto à ideia de que todas as éticas
existentes são naturais.”[335] O que temos de fazer antes de mais nada é estabelecer os dados
históricos no campo da moral. Somente então, a base do conhecimento positivo assim gado,
seria possível traçar algumas linhas orientadoras para o futuro. Mas o resultado disto seria uma
arte de base empírica mais bem que um sistema abstrato ou ideal de ética tal como o conceberam
alguns filósofos do passado.

A tarefa de recolher dados históricos mal lhe compete ao filósofo assim que tal. E pode ser
dito que a tarefa de ver que uso prático se faça do conhecimento conseguido deste modo é da
concorrência do sociólogo. Caberia, portanto, sugerir que se Lévy-Bruhl recusou, como o fez, a
ideia de elaborar um sistema ético abstrato, fizesse muito bem, se desejava atuar como filósofo,
concentrando seus esforços na análise dos conceitos e da linguagem da ética. Até verdadeiro
ponto, tanto ele como Durkheim proporcionavam tais análises. Mas estas análises consistiam,
de fato, em dar uma interpretação naturalista dos termos éticos. Lévy-Bruhl ocupou uma cátedra
de filosofia, mas foi primordialmente antropólogo e sociólogo.
Capítulo VII
Neocriticismo e idealismo.

1. Cournot e a investigação dos conceitos básicos.

Seria desorientador referir-se a pensadores como Cournot e Renouvier dizendo que


representaram um movimento neokantiano no pensamento filosófico francês do século XIX.
Pois esta maneira de falar suporia que teve uma conexão mais íntima com o pensamento de Kant
e uma maior dependência com respeito ao mesmo que as que de fato se deram. Verdadeiro que
a Renouvier gostava de considerar-se como o verdadeiro sucessor de Kant e que apresentava seu
próprio pensamento como neocriticismo. Mas não é menos verdadeiro que se opôs a várias das
teorias preferidas de Kant, e embora alguns rasgos de seu pensamento justificavam, sem dúvida,
sua qualificação de neocriticismo, tinha também outros pelos que se lhe poderia chamar mais
propriamente personalismo. Quanto a Cournot, embora pesquisou criticamente o papel da razão
e alguns conceitos básicos e tem-se-lhe tido por racionalista crítico, também é verdade que
recusou a revolução copernicana de Kant e que, por isso, se lhe tem considerado às vezes como
realista crítico. Perpetrando uma tautología, diremos que Cournot foi Cournot: não foi nem
kantiano nem comteano.

Antoine Augustin Cournot (1801-1877) era um distinto matemático e economista que foi
também filósofo. Após seus estudos preparatorios, realizados em parte na escola de sua cidade
natal, Gray, junto a Dijon, e em parte por sua própria conta, ingressou na Escola Normal Superior
de Paris tendo em vista prosseguir seus estudos de matemáticas. Em 1823, chegou a ser
secretário do marechal de Saint-Cyr e tutor do filho deste. À morte do marechal teve Cournot
um emprego em Paris, até que foi nomeado professor de análise e de mecânica em Lyon. Mas
pouco depois elegeu-se-lhe presidente da Academia de Grenoble, cargo que desempenhou ao
mesmo tempo que o de inspetor geral de educação pública até ser confirmado neste segundo
posto, o qual lhe obrigou a fixar sua residência em Paris, em 1838. Os escritos que publicou
versam envelope matemáticas, mecânica, economia, educação e filosofia. Contribuiu a que se
aplicassem as matemáticas à economia. No campo filosófico publicou, em 1843, uma Exposition
da théorie dê chances et dê probabilités (Exposição da teoria dos arcares e as probabilidades).
A este trabalho seguiu-lhe em 1851 seu Essai sul lhes fondements de nos connaissances et sul
lhes carateres de critique-a philosophique (Ensaio sobre os fundamentos de nossos
conhecimentos e envelope as caraterísticas da crítica filosófica).[336] Em 1861 publicou Cournot
um Traité de l’enchaînement dê crie fondamentales dans lhes sciences et dans l’histoire
(Tratado da conexão entre as ideias fundamentais nas ciências e na história). Em 1872
apareceram seus Considérations sul marche-a dê idées et dê événements dans lhes temps
modernes (Considerações sobre o curso das ideias e dos acontecimentos nos tempos modernos)
e em 1875 Matérialisme, vitalisme, rationalisme: Etudes sul l’emploi dê données da science em
philosophie (Materialismo, vitalismo, racionalismo: Estudos sobre o emprego dos dados da
ciência em filosofia).

Não era Cournot homem que pensasse que a filosofia pudesse seguir com proveito seu
próprio caminho desentendiéndose do desenvolvimento das ciências. “A filosofia sem a ciência
perde cedo de vista nossos relacionamentos reais com o universo.”[337] A filosofia precisa
alimentar-se, por assim o dizer, da ciência. Ao mesmo tempo, Cournot negava-se
determinadamente a considerar a filosofia como uma ciência particular ou como síntese das
ciências. Em sua opinião, a ciência e a filosofia estavam interrelacionadas de muito diversos
modos, sem que por isso fossem menos distinguibles uma de outra. E sendo como eram
diferentes linhas de investigação, não tinha motivo nenhum para pensar que o progresso da
ciência trouxesse consigo o gradual desaparecimento da filosofia.

Ainda reconhecendo que ao termo “filosofia” lhe foram dados no uso popular e pelos
mesmos filósofos “inumeráveis significados”,[338] Cournot considera que a filosofia tem duas
funções essenciais: “por uma parte, o estudo e a investigação da razão das coisas e, por outra, o
estudo das forma do pensamento e das leis gerais e os processos da mente humana”. [339] Por
“razão das coisas” entende Cournot, em general, sua interligação racional ou inteligible; e faz
uma distinção entre razão e causa. Pense-se, por exemplo, na revolução russa. É óbvio que nela
entraram em jogo multidão de ações causales. Mas se queremos entender a revolução russa,
temos de achar uma estrutura inteligible que ligue todos aqueles eventos e causas. E se decidimos
que a razão para a revolução foi a inflexibilidad do regime autocrático, não estaremos falando
de uma causa eficiente no sentido em que, ponhamos por caso, certa ação realizada por um
homem é a causa eficiente do dano inferido a outro. A razão explica a série das causas. Responde
à pergunta: “Por que se produziram estes acontecimentos?” A razão das coisas é, pois, afim à
razão suficiente de Leibniz, embora Cournot, que admirava muito a Leibniz, observa que a
palavra “suficiente” é supérflua: uma razão insuficiente não seria a razão das coisas.

Quando diz Cournot que “a busca da explicação e da razão das coisas é o que carateriza à
curiosidade filosófica, sem que custo a que ordem de fatos se aplique”,[340] está pensando em
uma razão objetiva, em algo que está aí e tem de ser descoberto. Mas, naturalmente, a que trata
de captar essa razão objetiva é a razão humana, a razão subjetiva. E a razão subjetiva pode refletir
sobre sua própria atividade. Pode ser interessado por “a avaliação de certas ideias fundamentais
e regulativas ou pela crítica de seu valor representativo”.[341] A investigação crítica deste tipo é
a segunda função da filosofia. Mas ambas funções estão estreitamente interrelacionadas. Por
exemplo, a razão humana, segundo Cournot, está regulada pela ideia da ordem, no sentido de
que a ordem é o que trata de achar a razão e o que esta pode reconhecer ao o encontrar. De fato,
a razão é guiada pela ideia da perfección da ordem, já que ao comparar as possíveis disposições
dos fenômenos prefere aquela que melhor satisfaz sua ideia do que constitui a ordem. Mas, ao
mesmo tempo, não é que a mente imponha, sem mais, a ordem aos fenômenos, senão que o
descobre. E é à luz de tal descoberta como pode a razão avaliar sua própria ideia regulativa.
Cournot gosta de citar a Bossuet ao respecto de que somente a razão pode introduzir ordem nas
coisas e que a ordem só pode ser entendido pela razão. Quando as duas feições, o subjetivo e o
objetivo, concordam, há conhecimento.
Cournot não está, pois, disposto a aceitar a teoria de que a mente impõe, sem mais, ordem
no que de seu carece de ordem, nem a de que a mente se limita a projetar nas coisas suas
“razões”.[342] Há uma veta de marcado realismo em seu pensamento. Insiste, por exemplo, em
que, seja o que for o que possa ter dito Kant, a física newtoniana “implica a existência do tempo,
do espaço e dos relacionamentos geométricos fosse de nossa mente”.[343] Mas ao mesmo tempo
sustenta Cournot que o que conhecemos são os relacionamentos entre os fenômenos e que nosso
conhecimento destes relacionamentos nunca é absoluto, senão sempre revisable em princípio.
Quando o astrônomo, por exemplo, trata de determinar os movimentos dos corpos celestes, se
interessa sem dúvida pelo conhecimento objetivo; mas o conhecimento que obtém é relativo em
várias feições. Assim, os movimentos que estabelece são relativos a um sistema determinado; e
não pode fixar no espaço pontos de referência absolutos. O conhecimento do astrônomo é ao
mesmo tempo real e relativo: suscetível de revisão. Nossas hipóteses podem possuir diversos
graus de probabilidade, mas nunca atingem o conhecimento absoluto, nem sequer quando
produzem o sentimento subjetivo de certeza.

O conceito de probabilidade é, como o de ordem, uma das ideias básicas discutidas por
Cournot. Faz este uma distinção entre a probabilidade matemática e a probabilidade em sentido
geral ou a que ele chama probabilidade filosófica. A primeira tem que ver com a possibilidade
objetiva, e é descrita como “o limite de possibilidade física”,[344] enquanto, se tratando da
segunda, os fundamentos de nossa preferência não são expresables com formulación matemática
precisa. Suponha-se que se nos apresentam três explicações que prima facie dão conta de um
fenômeno ou de um conjunto de fenômenos. Pode ser que excluamos uma delas como
matematicamente impossível. Mas, ao decidir entre as outras duas, introduzimos critérios que já
não são suscetíveis de tratamento matemático exato. É mais, ainda que consigamos falsar
empiricamente uma das hipóteses e sentir por isso certeza subjetiva a respeito da verdade da
outra, bem pode ser que ulteriores desenvolvimentos do conhecimento científico imponham uma
revisão. Aparte as matérias de demonstração puramente lógica ou matemática, temos de confiar
na “probabilidade variável e subjetiva”.[345] Para formular uma lei dos fenômenos, por exemplo,
a razão remete-se a certos critérios, tais como a simplicidade, e a mente pode ser sentido certa
de ter encontrado a lei. Mas este sentimento de certeza não altera o fato de que o que nós
julguemos que algo é mais provável depende do limitado de nosso conhecimento atual e,
portanto, depende de um fator variável.

Segundo Cournot, pois, a razão humana busca e encontra ordem no mundo, ainda que seu
conhecimento da ordem ou razão das coisas não seja absoluto. Mas o mundo de Cournot contém
também eventos fortuitos, que são produtos da casualidade. E esta ideia requer alguma
explicação. Por acontecimento ou evento azaroso não entende Cournot um acontecimento raro
ou surpreendente. Poderia ser, desde depois, também raro ou surpreendente, mas estas
caraterísticas não vão incluídas na significação do termo. Também não entende Cournot por tal
um acontecimento carente de causa: “Todo aquilo ao que chamamos acontecimento tem de ter
uma causa.”[346] Acontecimento casual ou azaroso é o produzido pela conjunción de outros
acontecimentos que pertencem a séries independentes.[347] Um exemplo singelo posto pelo
mesmo Cournot é o do parisiense que toma um comboio com destino a algum local do país.
Ocorre um acidente ferroviário, e o parisiense está entre as vítimas. Por suposto que o acidente
teve uma ou várias causas, mas a operação dessas causas nada tem que ver com a presença desse
parisiense no comboio: o acidente ocorreria igual ainda que nosso homem decidisse no último
momento ficar na cidade em vez de sair ao campo. Neste sentido pode ser dito que morreu ou
sofrido dano em um acontecimento fortuito, decorrente da conjunción de duas séries de causas
que eram, em sua origem, independentes entre si.

A casualidade assim entendida é, para Cournot, um rasgo objetivo ou real do mundo. Vale
dizer, não é algo que dependa simplesmente das limitações de nosso conhecimento e se refira a
elas.[348] “Não é exato dizer, como diz Hume, que “a casualidade não é mais que nossa
ignorância das causas reais”.”[349] Em princípio, a mente, empregando o cálculo de
probabilidades, poderia predizer as possíveis conjunciones das séries de causas independentes,
E uma inteligência sobrehumana poderia fazê-lo em maior proporção que a nossa. No entanto,
isto não prova que os acontecimentos fortuitos estejam regidos por uma lei, nem que seja
possível predizer com certeza os acontecimentos reais devidos à conjunción de séries de causas
independentes. Em outras palavras, para Cournot, o mesmo que após ele para Boutroux, a
contingencia é uma realidade metafísica, no sentido de que há no universo um irreducible
elemento de indeterminación. Nem sequer em princípio poderia a estimativa da probabilidade
dos eventos possíveis no futuro converter-se em completa certeza objetiva.

Embora Cournot sustenta que há alguns conceitos básicos, tais como o de ordem, que são
comuns às ciências, insiste também em que examinando com detenção as ciências e refletindo
sobre elas se vê que as diferentes ciências têm de introduzir diferentes conceitos básicos. É, por
tanto, impossível reduzir todas as ciências a uma, por exemplo à física. Assim, o comportamento
do organismo vivo exclui a possibilidade do explicar simplesmente em termos de elementos
físico-químicos, de partes ou elementos constitutivos, e nos força a introduzir a ideia de uma
energia vital ou força plástica. Este conceito e seus envolvimentos há que reconhecer que não
são do todo claros. Não podemos supor que a vida preceda à estrutura orgânica e a produza. Mas
também não podemos supor que a estrutura orgânica preceda à vida. Temos de dar por suposto
que “nos seres orgânicos e vivos a estrutura orgânica e a vida desempenham simultaneamente
os papéis de causa e efeito com uma reciprocidad de relacionamentos”[350] que é sui generis. E
embora um termo como o de força vital ou plástica “não proporcione à mente uma ideia definible
com clareza”,[351] expressa o reconhecimento da irreductibilidad do vivente ao não vivente.

Esta irreductibilidad implica, desde depois, que nos processos da evolução emerge algo
novo, algo que não pode ser descrito simplesmente nos termos apropriados para aquilo do qual
emerge. No entanto, de aqui não se segue que a evolução seja para Cournot um processo
contínuo no sentido de que adote a forma de uma série linear de níveis ascendentes de perfección.
Cournot opina que a evolução toma a forma de diferentes impulsos ou movimentos criativos, de
acordo com uma espécie de ritmo de atividade e quietude relativas; e em seu Traité antecipa-se
à ideia de Bergson das sendas ou direções de desenvolvimento divergentes. Sendo, empero,
cortantemente contrário, o mesmo que depois Bergson, a qualquer interpretação puramente
mecanicista da evolução, considera legítimo para o filósofo o pensar em termos de finalidade e
de uma divina inteligência criadora. O qual não quer dizer que, tendo sustentado a realidade da
casualidade como um fator no universo, vá depois Cournot a recusar esta ideia e se represente o
universo como inteiramente racional. Já temos visto que para ele o conceito da ordem que regula
as investigações humanas não é simplesmente uma forma subjetiva do pensamento imposta aos
fenômenos por nossa razão, senão que representa também algo que nossa mente descobre. Tanto
a ordem como a casualidade são no universo fatores reais. E a razão tem direito a fazer extensivo
o conceito de ordem à esfera do “transracionalismo” com a condição que não o empregue de um
modo que resulte incompatível com a ideia da casualidade. Em opinião de Cournot, a realidade
da casualidade “não está em conflito com a ideia, geralmente aceitada, de uma suprema direção
providencial”,[352] ou ao menos não o está se evitamos supor que todos os acontecimentos sejam
causados por Deus.

O contribua positivo de Cournot ao pensamento filosófico consiste antes de mais nada em


sua investigação crítica sobre os conceitos básicos, já se trate dos que ele tem por comuns às
ciências, já daqueles que as ciências particulares acham necessário introduzir para desenvolver
e manejar satisfatoriamente suas próprias matérias. Esta feição de seu pensamento é o que
justifica que se lhe trate baixo o epígrafe geral de filosofia crítica ou “neocriticismo”. Mas,
conquanto este tema aborda-o Cournot ao pesquisar envelope as ciências, já temos visto que faz
questão da distinção entre ciência e filosofia. Por uma parte, “as intuiciones dos filósofos
precedem à organização da ciência positiva”.[353] Por outra parte, a mente pode ser deixado guiar
por “o pressentimento de uma perfección e uma harmonia nas obras da natureza”[354] superiores
a quaisquer das descobertas pela ciência. Deste modo, a mente pode passar ao campo da filosofia
especulativa, no que, traspassando os limites da demonstração formal e da prova científica, tem
de basear na probabilidade “filosófica”, que não é suscetível de tratamento matemático. Este
campo do transracionalismo não o exclui a ciência; e embora ultrapassa a esta, temos de recordar
que as mesmas hipóteses científicas não podem ser mais que provavelmente verdadeiras.

2. O neocriticismo e o personalismo de Renouvier.

A diferença de sua contribuição no campo da economia, a obra filosófica de Cournot foi em


um princípio bastante menospreciada. Trabalhou pacientemente em torno de um bom número
de problemas, evitando as posições extremosas e sem deixar-se distrair por modas passageiras
nas linhas do pensamento. Pelo demais, embora recusou a exclusão positivista da metafísica,
não apresentou por sua conta nenhuma visão marcadamente metafísica do universo. A dizer
verdade, insinuou algumas focagens possíveis; mas ficaria para outros filósofos, tais como
Bergson, o desenvolver essas sugestões de um modo que suscitasse geral interesse. Atualmente
respeita-se-lhe a Cournot pelo esmerado de suas análises críticas, mas não é difícil compreender
que produzisse maior impressão em seus contemporâneos Renouvier, quem em certa medida foi
influído por Cournot.

Charles Bernard Renouvier (1815-1903) nasceu em Montpellier, que era também a pátria
garota de Auguste Comte, e ao entrar na Escola Politécnica de Paris se encontrou com que atuava
ali Comte de professor de matemáticas. Renouvier nunca ocupou um posto acadêmico, mas foi
prolífico escritor. Começou publicando vários tratados manuais sobre a filosofia moderna e a
antiga em 1842 e em 1844 respetivamente[355] e em 1848 um Manual republicano do homem e
do cidadão,[356] Por aquela época estava Renouvier muito influído pelas ideias de Saint-Simon
e de outros socialistas franceses, e a última de suas citadas obras ia dirigida aos maestros de
escola. Suas convicções republicanas sofreram um grave golpe quando Napoleón III se fez a si
mesmo imperador, e então Renouvier se dedicou à reflexão filosófica e a escrever. Mas em 1872
começou a publicar uma revista periódica intitulada Critique philosophique, em cujos primeiros
anos incluiu numerosos artigos de natureza política, orientados a apoiar a restaurada república.
Posteriormente, esta publicação se converteria em L ’année philosophique, editada em
colaboração com F. Pillon.

A primeira obra filosófica mais importante de Renouvier foi sua publicação em quatro
volumes titulada Essais de critique générale (1854-1864). Esta obra impressionou a William
James, que foi sempre um admirador de Renouvier e contribuiu a sua revista com bastantees
artigos filosóficos. Em 1869 escreveu Renouvier uma obra em dois volumes sobre a ciência da
moral, A Science da morale, e em 1876 traçou um esboço do que poderia ter sido, mas não era,
o desenvolvimento histórico da civilização européia, e a este escrito lhe pôs por título
Uchronie.[357] Em 1866 apareceu em dois volumes seu Esquisse d’une classification
systématique dê doctrines philosophiques (Esboço de uma classificação sistemática das
doutrinas filosóficas), e em 1901 viram a luz duas obras sobre metafísica, Lhes dilemmes da
métaphysique pure e Histoire et solution dê problèmes métaphysiques.[358] A obra de Renouvier
sobre o personalismo [359]foi publicada em 1903, e seu conhecido trabalho sobre Kant, Critique
da doctrine de Kant, foi editado em 1906 por seu amigo Louis Prat.

No prefacio a seus Essais de critique générale Renouvier anunciava sua aceitação de um


princípio básico do positivismo, a saber, o da restrição do conhecimento às leis dos fenômenos.
Mas embora estava disposto a afirmar que neste ponto coincidia com Comte, a filosofia que
desenvolveu não foi certamente um positivismo. Segundo temos mentado já, Renouvier gostava
da qualificar como “neocriticismo”. Mas enquanto era claro que recebia estímulos de Kant, na
introdução a sua obra sobre este filósofo declarou rotundamente que o que se propunha antes de
mais nada fazer não era uma exposição senão “uma crítica da Crítica kantiana”.[360] O que é
innegable é que se serviu do pensamento kantiano para desenvolver sua própria filosofia
personalista.

Aos olhos de Renouvier, um das feições mais objetables da filosofia de Kant era a teoria da
coisa-em-si. Kant supôs que o fenômeno era a aparência de “algo” diferente em si desta. Mas
como esse “algo” era, em opinião de Kant, incognoscible, não passava de ser uma ficção
supérflua, como a substância de Locke.[361] Mas de aqui não se segue que porque os fenômenos
não sejam aparências de coisas em si incognoscibles, sejam para Renouvier simplesmente
impressões subjetivas. São, mais bem, todo o que nós podemos perceber e todo aquilo a respeito
do qual podemos fazer julgamentos. Em outras palavras, o fenoménico e o real são o mesmo.[362]

Outra feição da filosofia kantiana impugnado por Renouvier é a teoria das antinomias.[363]
Achava Kant, por exemplo, que era possível admitir e recusar ao mesmo tempo com provas que
o mundo teve um começo no tempo e que o espaço é limitado ou finito. Renouvier viu nesta tese
um flagrante menosprecio do princípio de não-contradição. Este veredito erra um tanto o alvo.
Pois Kant não se propôs negar o princípio de não-contradição, senão que tratou de fazer ver que
se a mente humana seguia a senda da metafísica “dogmática” e pretendia conhecer o mundo
como um tudo, acabava envolvida em antinomias que patentizaban que tal pretensão era vã
jactancia e que a metafísica de tipo tradicional era uma pseudociencia. No entanto, Renouvier
não estava disposto a aceitar o rechazamiento kantiano da metafísica. E com respeito aos pontos
particulares em questão manteve que podia ser provado a imposibilidad de uma série de
fenômenos infinita, se baseando em que implicava a ideia contradictoria de número infinito,[364]
que o espaço tem que ser limitado ou finito, e que as teses contrárias podiam ser recusado
decididamente. Dito de outro modo, que não tinha local para nenhuma antinomia, pois das teses
opostas somente podia ser provado uma, não as duas como pensou Kant.

Mas embora Renouvier critica com bastante dureza feições importantes da filosofia de Kant,
associa sua própria doutrina das categorias com a kantiana, ao menos assim que que a oferece
como uma melhora da do filósofo alemão. Para Renouvier, a categoria mais fundamental e geral
ou abstrata de todas é a de relacionamento, pois nada em absoluto pode ser conhecido senão
como relativo ou relacionado. A esta acrescenta Renouvier as categorias de número, posição,
sucessão, qualidade, devir, causalidad, finalidade ou intencionalidad, e personalidade,
procedendo do mais abstrato ao mais concreto. É evidente que a lista das categorias de Renouvier
difere da de Kant. Ademais, Renouvier não tenta deduzir as categorias a priori ou por um método
trascendental. Como em Cournot, as categorias de Renouvier estão baseadas na experiência ou
se derivam dela. Assim é que se perdeu em boa parte a conexão com Kant, mas isto não tira o
que Renouvier recebesse alguns estímulos de Kant e gostasse de se considerar como o verdadeiro
sucessor de Kant.

Adviértese também certa conexão entre a teoria kantiana de que a fé tem por base a razão
prática ou vontade moral e a concepção de Renouvier sobre o papel desempenhado pela vontade
na crença, concepção que lhe pareceu atraente a William James. Mas também não neste ponto é
muito forte a conexão com Kant, tratando-se mais bem de um estímulo que de uma autêntica
adoção por Renouvier da doutrina kantiana. Kant distinguiu cortantemente entre a esfera do
conhecimento teórico e a da fé prática ou moral; e esta distinção pressupunha a que fez entre o
fenômeno e o noúmeno. Como Renouvier recusava esta segunda distinção, não é de estranhar
que se negasse a admitir uma separação neta entre conhecimento e crença. “A separação kantiana
entre a razão especulativa e a razão prática é uma ilusão.”[365] Em seu segundo Essai, Renouvier
fazia questão de que a certeza entranha sempre um elemento de crença, e a crença implica a
vontade de achar. Isto é aplicável inclusive ao Cogito, ergo sum de Descarte. Porque requer-se
um ato de vontade para unir o eu-sujeito e o eu-objeto na afirmação da existência pessoal.

O que faz Renouvier é alargar o alcance da explicação kantiana da fé prática sacando da


esfera a que o confina Kant. Mas então ocorre objetar que não é bem mais o que com isso se diz.
Suponhamos, por exemplo, que sustento que a vontade de achar penetra até nos domínios da
ciência. E suponhamos que passo a explicar que o que quero dizer é que a atividade do cientista
depende de um ato de decisão, de que ele queira adotar a hipótese que lhe pareça mais provável
ou que mais provavelmente resultará fructífera em um contexto científico, e que essa decisão de
adotar uma hipótese que em princípio é revisable implica um ato de vontade. Poderia ser
comentado que o que eu digo é verdade, mas que tem pouco que ver com a vontade de achar
entendida no sentido em que esta ideia deu local a objeciones. No entanto, ao recusar Renouvier
a neta distinção de Kant entre os usos teórico e prático da razão, está pressupondo que em todo
conhecimento se dá um elemento pessoal, uma intervenção da vontade. Dito de outro modo, está
desenvolvendo uma teoria do conhecimento à luz de uma filosofia personalista. Já temos visto
que, para ele, a personalidade é a mais concreta das categorias básicas. E recalca ele que na
atividade da pessoa humana não é legítimo fazer nenhuma dicotomía absoluta entre a razão e a
vontade, embora em tal ou qual esfera da atividade tenha, naturalmente, uma prevalência da
razão ou da vontade ou do sentimento. Dentro do campo da ética esta focagem personalista de
Renouvier manifesta-se em sua desaprobación da tendência kantiana a pensar que o valor moral
de uma ação está em proporção com que lha realize simples e somente por um sentido de
obrigação e sem ter em conta a inclinação nem o sentimento. Como a ação moral é a expressão
da pessoa inteira, o ideal é, para Renouvier, que o dever e o sentimento se acompanhem o um
ao outro.

Às vezes refere-se Renouvier aos fenômenos de um modo muito geral, como quando sustenta
que os fenômenos e os relacionamentos entre eles constituem os objetos do conhecimento
humano. Ao mesmo tempo, faz questão de que há níveis de realidade irreductibles, que
culminam no nível da personalidade. Desde depois, o homem pode tratar de interpretar-se a si
mesmo exclusivamente em termos de categorias ou conceitos que são aplicáveis a um nível não
humano. Esta tentativa é possível porque, embora nossa mente não possa conceber nenhum
fenômeno senão nos termos da categoria básica do relacionamento, depende de nossa livre
decisão o eleger entre as categorias mais concretas. No entanto, embora possíveis, as tentativas
de reduccionismo estão abocadas ao falhanço. Por exemplo, a liberdade é um dado de
consciência. Enquanto recusa Renouvier a noção kantiana do homem como nouménicamente
livre e fenoménicamente determinado e faz questão de que o homem como fenômeno é livre,[366]
está de acordo com Kant em associar a percepción da liberdade com a consciência moral. Por
certo que as possibilidades de eleição e de ação são limitadas em várias feições. O agente moral,
“capaz de contrários, não deixa de estar circunscrito dentro de uma ordem estática ou dinâmico
de relacionamentos”.[367] Mas embora o âmbito da liberdade não deveria ser exagerado, a moral
só pode ser entendido se concebemos a liberdade como um atributo da pessoa humana.
Certamente a liberdade é um dado da consciência moral, mais bem que algo suscetível de
demonstração. Para Renouvier, empero, o determinismo não pode ser sustentado sem que o
mesmo determinista incurra no absurdo de pretender que o homem que afirma a liberdade está
determinado a afirmar que se vê livre.

Quando fala Renouvier do agente moral livre, está claro que se refere à pessoa
individual.[368] Em sua filosofia não faz nenhum uso do espinozismo nem das teorias do
Absoluto tais como lhas encontra no idealismo alemão poskantiano nem, em general, de
nenhuma teoria filosófica que represente aos indivíduos como momentos na vida do Um. Seu
desagrado com respeito a tais teorias fá-lo extensivo a qualquer forma de positivismo que
represente a história como um processo necessário submetido a uma ou a várias leis, e, na esfera
teológica, às crenças que lhe parece que convertem aos seres humanos em marionetas de uma
universal causalidad divina. No campo político opõe-se Renouvier com vehemencia a toda teoria
política que apresente ao Estado como uma entidade subsistente acima de seus membros.
Verdadeiro que não é um anarquista, mas a sociedade que lhe parece desejável é a que esteja
baseada no respeito à pessoa individual considerada enquanto agente moral livre. O Estado não
é em si uma pessoa ou um agente moral: é um nome para designar a indivíduos organizados de
certos modos e que atuam em colectividad. Em sua obra sobre a ciência da moral, Renouvier
sublinha o caráter fictício de conceitos tais como “a nação”[369] e faz questão de que, se se olha
ao Estado como a uma entidade subsistente, se tem de sacar a conclusão de que ou bem há uma
moral para o Estado e outra para o indivíduo, ou bem o Estado se acha acima da esfera ética. A
ordem moral só pode ser construído por pessoas que atuem juntas ou em concerto; mas é
construído e mantido por pessoas individuais e não por uma fictícia super-pessoa.
Como o título mesmo de sua obra. A science da morale implica-o claramente, Renouvier
pensa que pode ter uma ciência da ética. Para que esta seja possível tem de ter, naturalmente,
fenômenos morais. E como a ciência se ocupa dos relacionamentos entre os fenômenos, poderia
talvez se esperar que nosso filósofo limitasse o âmbito da moral aos relacionamentos entre as
diferentes pessoas. Mas de fato não é assim. Em opinião de Renouvier, o conceito de direitos só
tem significação dentro de um contexto social. Os direitos, como fenômeno moral, somente
nascem na sociedade. Mas embora o homem só tem direitos em relacionamento a seus
congéneres, e embora em um contexto social os direitos e os deveres são correlativos, o conceito
de dever é para Renouvier mais fundamental que o de direito. Seria absurdo falar de um
indivíduo humano inteiramente isolado e dizer que possuísse direitos; no entanto, sim que teria
deveres morais. Porque em todo indivíduo humano se dá um relacionamento entre o que de fato
é e sua personalidade superior ou ideal, e esse indivíduo está obrigado a realizar esse ideal
superior em seu caráter e em sua conduta. Renouvier concorda assim com Kant em que a
obrigação é o fenômeno moral básico. Mas distingue várias feições da obrigação. Há a obrigação
por parte da vontade de conformar-se com o ideal (devoir-être); há a obrigação por parte das
pessoas de cumprir sua dever (devoir-faire); e também pode ser dito que certas coisas devem ser
(devoir-être), já se entende que mediante a atuação humana.[370] É na sociedade onde surge e se
faz efetivo o conceito de justiça; e a justiça exige que se respeitem o valor e os direitos das
demais pessoas, que, como manteve Kant, não têm de ser empregues simplesmente como médio
para o lucro dos fins próprios da cada um.

Ao insistir Renouvier na personalidade como categoria suprema e no valor da pessoa


humana, é natural que se opusesse não só a qualquer exaltação do Estado senão também ao
dogmatismo e ao autoritarismo no plano religioso. Foi um ferviente anticlerical e defensor da
educação laica,[371] e durante algum tempo publicou um suplemento anticatólico (Critique-a
religieuse) a sua revista filosófica. Não obstante, Renouvier não foi ateu. Estimava que a reflexão
sobre a consciência moral abria o caminho para a crença em Deus e a fazia legítima, embora não
logicamente inevitável. E fazia questão de que a Deus se lhe tem de conceber nos termos da
suprema categoria humana e, portanto, como pessoa, Ao mesmo tempo, a convicção de
Renouvier de que o reconhecimento da existência do mau era incompatível com a crença em
uma Deidad infinitamente boa, omnipotente e omnisciente lhe levou a conceber a Deus como
finito ou limitado. Pensava que só este conceito podia ser compartilhado com a liberdade
criadora e a responsabilidade do homem.

Disse-se de Renouvier que foi o filósofo do radicalismo e que combinou o ponto de vista da
Ilustração e o ideal revolucionário da liberdade com temas que reapareceram na corrente
espiritualista do pensamento francês, ao mesmo tempo que empregava a filosofia kantiana para
romper o vínculo entre estes temas e a metafísica tradicional. E nesta opinião há, sem dúvida,
algo para valer. Mas é significativo que a última obra publicada pelo próprio Renouvier se
titulasse Personalismo. Como já fizemos notar, Renouvier chamou a sua filosofia neocriticismo.
E em suas Conversas últimas, publicadas postumamente, aparece ele fazendo referência a um
estudo das categorias como à chave de tudo. Mas pode ser dito que o que a Renouvier mais lhe
atraía do pensamento de Kant eram os elementos personalistas. E foi seu próprio personalismo
o que determinou sua atitude com respeito ao idealismo metafísico alemão,[372] bem como com
respeito à concepção comteana da história regida por uma lei, e com respeito ao determinismo,
à teología tradicional, à Igreja católica tal como ele a via, à deificación do Estado por uma parte
e aos projetos e ideias comunistas por outra.

3. Hamelin e a metafísica idealista.

Acostuma-se a apresentar a Octave Hamelin (1856-1907) como discípulo de Renouvier. A


verdade é que ele mesmo costumava se apresentar assim. Sua obra principal, um Essai sul lhes
éléments principaux da representation (Ensaio sobre os principais elementos da representação,
1907) dedicou-lha a Renouvier, e em sua póstumo livro publicado Lhe système de Renouvier (O
sistema de Renouvier)[373] afirmou que este sistema era para ele “objeto de longas
meditações”.[374] Mas embora o neocriticismo de Renouvier exerceu, certamente, considerável
influência sobre Hamelin, este, que chegou a ser professor na Sorbona, só considerava o
pensamento de Renouvier como o ponto de partida para seu próprio pensamento: não era um
discípulo no sentido de quem se limita a adotar, continuar e defender o sistema do maestro. A
este propósito, Hamelin foi influído também por outros pensadores, tais como Jules Lachelier
(1832-1918), cuja filosofia pode ser considerado em conexão com a chamada corrente
espiritualista do pensamento francês.

Seria inexacto dizer que Renouvier, em sua teoria das categorias, não fez mais que
yuxtaponer uns quantos conceitos básicos sem nenhuma tentativa séria de mostrar seus mútuos
relacionamentos. Pois o verdadeiro é que tratou de fazer ver que as demais categorias, que
culminam na da personalidade, eram especificações a cada vez mais concretas da categoria mais
universal e abstrata, ou seja, do relacionamento. Ademais, apresentava a cada categoria como
síntese de uma tese e uma antítese. O número, por exemplo, dizia, é uma síntese da unidade e a
pluralidad. Em outras palavras, Renouvier tentou deduzir dialeticamente as categorias. O que se
precisava era desenvolver uma construção dialética sistemática das categorias de tal modo que
todas juntas constituíssem um sistema completo. Com isso “o quadro das categorias de
Renouvier chegaria a converter em um sistema completamente racional”.[375] O pensamento é
mais completo quanto mais sistemático faz-se.

O mesmo que Renouvier, começa Hamelin pela categoria do relacionamento, que trata de
estabelecer desta maneira: É um fato ou dado primitivo do pensamento que “todo o afirmado ou
posto exclui a um oposto, que a cada tese deixa fora de si uma antítese, e que os dois contrapostos
fatores só têm significação na medida em que se excluem mutuamente”.[376] E a este fato
primitivo devemos acrescentar outro que o completa: como os fatores contrapostos recebem seu
sentido ou significação precisamente de sua oposição mútua, formam duas partes de um tudo.
Esta síntese é um relacionamento. “Tese, antítese e síntese, tenho aqui a mais simples lei das
coisas em suas três fases. A designaremos mediante a só palavra relacionamento.”[377]

Tendo estabelecido, a seu modo de ver satisfatoriamente, a categoria básica do


relacionamento, procede Hamelin a deduzir a do número. No que descreve como
relacionamento, os dois fatores opostos, a tese e a antítese, existem em oposição mútua. Pode,
portanto, dizer-se que o um precisa do outro para existir. Ao mesmo tempo, a incapacidade do
um para existir sem o outro implica que, em verdadeiro modo (em quelque façon), o um tem de
existir sem o outro, da maneira — se entenda — compatível com sua mútua oposição ou
inclusive necessária para esta. E “o número é o relacionamento em que se afirma que o um é
sem o outro”.[378]

Não podemos seguir aqui a Hamelin ao longo de toda sua dedução das categorias. Nem, a
dizer verdade, seria muito proveitoso fazê-lo. Sua lista ou tabela de categorias difere um tanto
da de Renouvier. Por exemplo, a categoria do tempo deduze-a dantes que a do espaço. Ambos
autores, empero, começam pelo relacionamento e terminam na personalidade. Segundo
Hamelin, a categoria da personalidade é a síntese das da causalidad (entenda-se causalidad
eficiente) e a finalidade, síntese que toma a forma do ser existente para si. Existir para um mesmo
é ser consciente. “O para-si ou a consciência: tal é a síntese a que aspiramos.”[379] Como todas
as demais categorias são especificações a cada vez mais concretas da mais abstrata categoria do
relacionamento, a categoria final tem de ser também ela mesma um relacionamento. E, como
última, tem de ser um relacionamento que não dê origem a nenhuma categoria ulterior nem a
requeira. Estas condições cumprem-se na consciência, que é “a síntese do eu e o não-eu, a
realidade fora da qual o um e o outro possuem existência só em um sentido abstrato”.[380]

Hamelin deduziu as categorias, segundo propôs-lho, de um modo bem mais a priori e


racionalista que Renouvier. E é claro nele o influjo do idealismo alemão. Apresenta-nos uma
série de categorias que se supõe constituem um sistema completo e fechado no que coincidem,
em um sentido real, o princípio e o fim. “Os dois extremos da hierarquia ficam indubitavelmente
demonstrados o um pelo outro, mas não da mesma maneira. O mais simples deriva-se do mais
complexo mediante uma série de análise; o mais complexo sobrepõe-se necessariamente ao mais
simples mediante uma série de síntese.”[381] Dito de outro modo, é possível partir da
autoconciencia ou personalidade e proceder para atrás, valha a expressão, seguindo um processo
de análise desde o mais complexo e concreto até o mais simples e abstrato. E também é possível
partir da categoria mais simples e abstrata e deixar que o sistema se vá desenvolviendo para o
mais complexo e concreto através do processo dialéctico de tese, antítese e síntese.

Ocorre perguntar se não será que Hamelin considera que só tem de ocupar da dedução das
forma de representação humanas, dos modos humanos de conceber as coisas-em-si
independentes da consciência. Mas há que responder que não. “A coisa-em-si só pode ser uma
ficção, porque a ideia dela é autocontradictoria.”[382] O não-eu somente existe em
relacionamento ao eu, isto é, para a consciência. Se desta opinião parece seguir-se que o mundo
consiste em relacionamentos, isso não lhe arredra a Hamelin. “O mundo é uma hierarquia de
relacionamentos [...]”[383] está constituído “não de coisas senão de relacionamentos”.[384] A
representação não é um espelho: “não reflete um objeto e um sujeito que existiriam sem ela; é
objeto e sujeito, é a realidade mesma. A representação é o ser e o ser é representação”.[385] Em
outras palavras, a mente ou o espírito é o Absoluto. Termo este ultimo que resultaria certamente
inapropiado se lho entendesse como remetendo a uma última realidade além todos os
relacionamentos. “Mas se por Absoluto entende-se aquilo que contém em si todos os
relacionamentos, temos de dizer que a Mente é o Absoluto.”[386]

Hamelin não pretende, naturalmente, sustentar que o mundo inteiro seja o conteúdo de minha
consciência, no sentido de que exista só em relacionamento a mim mesmo como este sujeito
particular que sou. A mais de um gostaria objetar que, desde de um ponto de vista lógico, um
idealismo assim não pode deixar de acabar em solipsismo. Para Hamelin, o relacionamento
sujeito-objeto inclui-se no Absoluto. O que ele pretende dizer é que a realidade é o despliegue
dialéctico do pensamento ou consciência através de uma hierarquia de graus. E seu insistencia
em que o progresso dialéctico desde o mais simples e abstrato até o mais complexo e concreto é
“sintético” mais bem que puramente “analítico” dá local a uma teoria de uma ascendente
evolução criadora, com a condição que o processo seja interpretado, em um sentido idealista,
como desenvolvimento ou desenvolvimiento da consciência.

Por isso nega Hamelin que consciência deva significar sempre consciência clara, “aquela da
que de ordinário falam os psicólogos”.[387] Temos de admitir também “uma indefinida extensão
da consciência”.[388] Como dizia Leibniz, a cada ser percebe ou reflete o tudo; “e esta espécie
de consciência basta”.[389] A consciência reflexiva representa um nível que só é atingido através
do progressivo desenvolvimento da mente, do espírito.[390]

Talvez soe isto como se Hamelin sustentasse tão só que cabe considerar a realidade como
um processo unificado pelo que se vai atualizando progressivamente a consciência potencial.
Mas, de fato, ele trata de combinar seu idealismo com o teísmo. “Deus — isto se sobrentiende
— é o espírito no que não duvidámos em reconhecer o absoluto.”[391] Em outras palavras, o
Absoluto é pessoal. Em linguagem leibniziano, a existência de Deus como espírito absoluto é
uma verdade de razão; mas a bondade divina, segundo Hamelin, é uma verdade de fato. Isto é,
“não era, não podia ser necessário que o espírito absoluto deviesse bondade absoluta. [...] No
campo da possibilidade oferecia-se-lhe ao espírito, além da bondade absoluta, a vista
(perspective) de alguma errônea perversidad tal como aquela que o pesimismo se atormenta em
se imaginar”.[392] O mesmo que Schelling, pensa Hamelin que Deus quer a bondade livremente,
e que é um reflexo da liberdade divina a capacidade que o homem tem para eleger entre o bem
e o mau.[393]

Em algumas feições o idealismo de Hamelin é obviamente afim ao de Hegel. Mas não parece
que Hamelin estudasse detidamente a filosofia hegeliana, e há indícios de que considerava o
Absoluto de Hegel aproximadamente do mesmo modo que este considerava a teoria do Absoluto
de Schelling em seu chamado “sistema da identidade”. Ou seja que Hamelin interpretava a Hegel
como se este mantivesse que do Absoluto não podiam ser pregado termos positivos, com o
resultado de que, relativo a nosso conhecimento, o Absoluto seria um vazio, aquela nada na que
todas as vacas são negras, segundo comentou sarcasticamente Hegel referindo à teoria
schellingiana do Absoluto concebido como o ponto em que se esfumarían todas as diferenças.
A interpretação de Hegel por Hamelin é, desde depois, discutible. Mas compreende-se que
Hamelin faça questão do caráter pessoal do Absoluto. Pois segue a Renouvier ao considerar a
personalidade como a categoria suprema e como a forma desenvolvida da abstrata categoria do
relacionamento. Partindo das premisas de Hamelin, se o Absoluto é a totalidade, o
relacionamento omniincluyente, tem de ser pessoal. Em qualquer caso, seus premisas obrigam-
lhe a esta qualificação, embora não se vê muito bem que é o que com ela quer ser dito
precisamente. Pois se partimos do sujeito humano ou eu como estando em relacionamento de
reciprocidad com o não-eu, não resulta nada fácil compreender como poderemos separar o
mundo, considerado como objeto para um sujeito, do sujeito humano e o submeter, ao mesmo
tempo, a um sujeito divino. Verdadeiramente, faz-se difícil ver como possa ser evitado com
sucesso o solipsismo, a não ser que se recorra às exigências do sentido comum. Por outro lado,
enquanto a identificação de Deus com a realidade como um todo oferece a vantagem de fazer
desnecessária qualquer prova da existência de Deus, não é nem muito menos demasiado claro
que esta identificação possa ser apresentado propriamente como teísmo. Em outras palavras, a
metafísica idealista de Hamelin parece precisar uma boa dose de revisão. Mas o filósofo somente
tinha 51 anos quando morreu em uma tentativa de evitar que se afogassem duas pessoas. E
evidentemente é impossível saber que modificações, se algumas, introduziria em seu sistema,
de ter vivido mais tempo.

4. Brunschvicg e a reflexão da mente sobre sua própria atividade.

O tratar aqui de Léon Brunschvicg (1869-1944) está exposto à objeción de que a referência
a ele deveria ser feito após ter tratado de Bergson e não dantes. Mas embora a objeción é sem
dúvida válida se atemo-nos à cronología, estimamos conveniente incluir no capítulo dedicado à
filosofia crítica na França. Brunschvicg foi, antes de mais nada e sobretudo, um filósofo que
refletiu sobre a natureza da mente ou do espírito segundo revela este historicamente sua atividade
em diversos campos. E suas reflexões sobre as matemáticas e envelope a ciência têm de ver a
esta luz.

Nascido em Paris, Brunschvicg estudou primeiro no Liceo Condorcet e depois na Escola


Normal, onde em 1891 se licenciou em letras e em ciências. Em 1897 publicou sua tese doctoral
sobre A modalité du jugement (A modalidade do julgamento).[394] Em 1909 foi nomeado
professor ordinário de filosofia na Sorbona. Em 1940 retirou-se ao sul da França. Entre suas
publicações contam-se Lhes étapes da philosophie dê mathématiques (As etapas da filosofia das
matemáticas, 1912), L’expérience humaine et a causalité physique (A experiência humana e a
causalidad física, 1922), Lhe progrés da conscience dans a philosophie occidentale (O
progresso da consciência na filosofia ocidental, 1927) e A philosophie de l’esprit (A filosofia do
espírito, 1949). Brunschvicg escreveu também a respeito de Spinoza e de Pascal, e dos
Pensamentos deste último fez uma muito conhecida edição em 1897.

Em sua obra sobre a modalidade do julgamento afirma Brunschvicg com bastante clareza
sua posição idealista. Desde o ponto de vista propriamente filosófico, “o conhecimento não é já
um acidente que se lhe acrescente desde fora ao ser, sem o alterar o conhecimento constitui um
mundo que é, para nós, o mundo. Para além dele não há nada. Uma coisa que estivesse para além
do conhecimento seria, por definição, inacessível, não determinable. Ou seja que, para nós,
equivaleria à nada”.[395] Na filosofia, a mente “tenta captar-se em seu próprio movimento, em
sua atividade. [...] Atividade intelectual vindo a cobrar consciência de si, isto é o estudo integral
do conhecimento integral, isto é a filosofia”.[396] Em outros termos, desde o ponto de vista do
ingênuo sentido comum, o objeto do conhecimento é algo externo e fixo, algo que, em si, está
fora do conhecimento mas chega a ser conhecido. O passo no ponto de vista filosófico damo-lo
quando compreendemos que a distinção entre o sujeito e o objeto surge dentro da esfera da razão,
da atividade da mente. Segundo Brunschvicg, pois, a seu próprio idealismo (ou ao
contemporâneo) não deveria lho confundir com um idealismo subjetivo, que é oposto ao
realismo metafísico. O “idealismo racional”[397] ou crítico não implica a negación de toda
distinção entre o sujeito e o objeto ou entre o homem e seu meio. O que entranha é a afirmação
de que esta distinção surge dentro da consciência, e de que quanto se supusesse para além ou
fora da consciência e do conhecimento não seria para nós absolutamente nada.
A concepção da filosofia por Brunschvicg como a atividade da mente que se faz consciência
reflexiva de sim recorda naturalmente a filosofia trascendental de Kant. Mas embora
Brunschvicg sabe muito bem que influência exerceu Kant no desenvolvimento do idealismo, faz
questão de que a filosofia, tal como ele, Brunschvicg, a concebe, não consiste em uma dedução
a priori de categorias supostamente inmutables. Para ele o espírito chega a se conhecer a si
mesmo mediante a reflexão sobre sua atividade tal como historicamente se manifesta, por
exemplo, no desenvolvimento da ciência. E através desta reflexão compreende a mente ou o
espírito que suas categorias mudam; vê sua própria inventiva e criatividade e abre-se a novas
categorias e a novos modos de pensamento. A atitude kantiana leva a um idealismo estéril. O
genuíno idealismo é uma “doutrina do espírito vivente. [...] Todo progresso no conhecimento e
na determinação da mente vai vinculado ao progresso da ciência”.[398] No entanto, não é
simplesmente uma questão de ciência. Também na esfera da moral o autêntico idealismo
permanece aberto a um novo entendimento dos princípios morais à luz do progresso social.
Como já dissemos, Brunschvicg publicou uma obra sobre o progresso da consciência na filosofia
ocidental. A palavra consciência pode ser entendido tanto em sentido psicológico como em
sentido ético. E bem como Brunschvicg recusa uma dedução a priori das categorias que exclua
qualquer mudança radical na teoria científica, assim também recusa toda dedução a priori dos
princípios morais que exclua os progressos na maneira de compreender a moral. A mente ou o
espírito chega a conhecer em sua atividade; agora bem, sua atividade não cessou em nenhum
ponto determinado de sua reflexão sobre sim. A ciência é capaz de mudança e de progresso;
também o é a sociedade; e também a vida moral do homem pode mudar e progredir. A mente
pode aspirar a uma síntese comprensiva e última, mas não pode ser detido aí. Porque a mente ou
o espírito segue sendo algo inventivo e criador: cria novas forma e chega a conhecer-se a si
mesma em suas próprias criações e mediante elas.

A metafísica, para Brunschvicg, é reducible à teoria do conhecimento; o ato constitutivo do


conhecimento é o julgamento, e este se carateriza pela afirmação do ser.[399] Mas o que se afirma
ou põe como ser pode ser afirmado de dois modos: em primeiro lugar, pode ser afirmado
simplesmente na esfera da inteligibilidad, baixo a forma de “interioridad”; isto é, o ser que é
posto ou afirmado o constitui tão só um relacionamento inteligible. Os julgamentos da aritmética
são deste tipo: o ser de seu cópula é puramente lógico. Em segundo local, o ser que se afirma
pode ser o de existência, expressando o julgamento o reconhecimento pela mente de um
“choque”, de seu se encontrar constreñida ou limitada, o digamos assim, por algo externo a ela
mesma, e de sua própria atividade no dar conteúdo a esta experiência de constricción.[400] Mas
aqui não nos achamos ante um irreductible dualismo entre julgamentos puramente formais por
um lado e discretos julgamentos de percepción por outro. Pois o que busca o entendimento ou a
mente é inteligibilidad, vale dizer, unidade. Os julgamentos, que no primeiro caso pertencem à
esfera puramente inteligible da interioridad, se aplicam, e os relacionamentos, afirmadas na
esfera da exterioridad, se submetem às condições ou demandas da inteligibilidad. Resumindo, o
mundo da física matemática é um mundo construído. Esta criação da atividade mental não pode,
empero, adotar a forma das matemáticas puras, forma exclusivamente deductiva. Há uma
constante tensão entre “a interioridad” e “a exterioridad”. O cientista deduze, mas também deve
comprovar empiricamente, recorrendo à experiência. No âmbito das matemáticas puras impera
a necessidade; no da ciência rege a probabilidade. O mundo da ciência é uma criação do espírito
humano;[401] mas esta criação nunca chega a ser definitiva e absolutamente irreformable.
Em seu tratamento da esfera moral, que é a do julgamento prático, recalca de novo
Brunschvicg o movimento do espírito humano para a unificação. Estima que os seres humanos
se vão assimilando a cada vez mais entre si mediante a participação na atividade da consciência,
porquanto esta cria valores que trascienden o egoísmo individualista. No plano teórico, a razão
cria uma rede de relacionamentos coerentes, à medida que avança para o ideal limite de um
sistema coerente e omniinclusivo. Na esfera da vida moral, o espírito humano progride também
para as interrelaciones da justiça e do amor. Quanto à religião, Brunschvicg não concebe um
Deus pessoal que trascienda a esfera da consciência humana. Certamente emprega a palavra
“Deus”; mas, para ele, significa a razão assim que trascendiendo ao indivíduo como tal, embora
inmanente ao mesmo, e assim que avançando para a unificação. “O homem participa da
divinidad na medida em que é particeps rationis.”[402] E a vida humana tem uma dimensão
religiosa enquanto salta as barreiras que separam a uns homens de outros.

É mais exato qualificar a Brunschvicg de idealista que de filósofo da ciência. Mas a ele não
gostaria que se lhe apresentasse como forçando simplesmente a de a ciência a encaixar no
enquadramento de um pensamento idealista. De fato, parte de uns orçamentos idealistas, e é
innegable que este ponto de partida influi em sua interpretação da ciência. Ao mesmo tempo faz
questão de que a natureza da mente ou do espírito só pode ser compreendido estudando sua
atividade. E se seu idealismo influi em sua interpretação da ciência, sua reflexão sobre o
desenvolvimento real da ciência influi também em sua filosofia idealista. Vê, por exemplo, com
bastante perspicacia que a ciência milita contra a ideia de que o processo de atingir o saber possa
ser representado como um processo puramente deductivo. Mas compreende igualmente que a
inventiva e a criatividade do cientista excluem o empirismo puro. E talvez valha a pena notar
que na teoria da relatividad de Einstein viu Brunschvicg uma confirmação de sua opinião de que
a ciência revela a recíproca dependência da razão e a experiência. Na teoria einsteiniana viu
também, como não, uma justificativa de sua própria rejeição das categorias fixas e do espaço e
o tempo como realidades que fossem anteriores à atividade da mente e independentes desta. “Em
todos os domínios, desde o da análise de Cauchy ou de Georg Cantor até o da Física de Planck
ou de Einstein, as descobertas decisivas se fizeram na direção oposta ao esquema que estava
predeterminado pela doutrina das forma e as categorias. O progresso consistiu não em aplicar
uns princípios inmutables a toda matéria nova, senão, por um lado, em revisar os princípios
clássicos para pôr em questão sua verdade apodíctica, e, por outro, em ir fazendo surgir novas e
imprevisíveis relacionamentos.”[403] Pense-se o que se queira dos elementos fichteanos que
possa ter no pensamento de Brunschvicg (por exemplo sua tentativa de derivar a exterioridad a
partir da atividade da razão), o verdadeiro é que não tentou canonizar determinadas teorias
científicas em nome da filosofia. Pois foram precisamente as mudanças na teoria científica os
que estimou reveladores da inventiva e a criatividade da mente, criatividade que viu também na
esfera ética.
Capítulo VIII
O movimento espiritualista.

1. O termo “espiritualismo”.

Nem que dizer tem que o termo “espiritualismo”, quando lho emprega para designar uma
corrente filosófica do pensamento francês no século XIX, não se refere para nada às crenças
espiritistas de que é possível comunicar com os espíritos dos difuntos mediante práticas
diversas.(Veja-se a nota 52 do capítulo II. [N. do T.]) Mas não é tarefa demasiado fácil a de dar
uma definição positiva e precisa do termo em questão. Víctor Cousin empregava-o ao referir-se
a seu próprio eclecticismo. E em sua Carta sobre a apologética Maurice Blondel observava que
a designação que nos ocupa deveria ser eliminado definitivamente, porque participava do
descrédito em que caía o eclecticismo.[404] No entanto, pese a Blondel, ainda se segue chamando
às vezes à filosofia de Cousin “espiritualismo eclético” ou “eclecticismo espiritualista”. E se por
“espiritualismo” entendemos uma rejeição do materialismo e do determinismo e uma afirmação
da prioridade ontológica do espírito sobre a matéria, sem dúvida justifica-se que se dê tal nome
à filosofia de Cousin. Agora bem, se se entende o termo neste sentido amplo, serve para designar
todas as filosofias teístas e as diversas forma do idealismo absoluto, tais como o pensamento de
Hamelin. Não faria então nenhuma referência específica à moderna filosofia francesa e poderia
lho empregar para designar as filosofias, digamos, de Tomás de Aquino, Descarte, Berkeley,
Schelling, Hegel, Rosmini e Berdiaef.

Quiçá seja o melhor que, abandonando qualquer tentativa de dar uma definição precisa, nos
contentemos com dizer que, neste contexto, empregamos a palavra “espiritualismo” para
significar a corrente de pensamento que reconhece sua origem em Maine de Biran e, passando
por Ravaisson, Lachelier, Fouillée e outros, chega até Bergson. Ou seja, que empregamos o
termo para referir a um movimento no que a insistencia de Maine de Biran na espontaneidad da
vontade humana e a reflexão do mesmo autor sobre a atividade do espírito humano, considerada
como a chave para penetrar na natureza da realidade, vêm a ser um contrarresto do materialismo
e determinismo de alguns dos pensadores da Ilustração e uma volta às que se reputan genuínas
tradições da filosofia francesa. Ao pensamento de Cousin pode-se-lhe então qualificar de
espiritualista na medida em que foi estimulado pelo de Maine de Biran ou por ideias similares
às deste. Há que acrescentar, empero, que ao desenvolver o movimento a focagem psicológica
de Maine de Biran e seguir insistindo com ele na espontaneidad e liberdade da vontade, acabou
tomando a forma de uma geral filosofia da vida. Isto é bastante óbvio no caso de Bergson. Claro
que, embora Bergson reconhecia uma dívida para com Maine de Biran e para com Ravaisson,
cabe sustentar que em algumas feições Blondel está mais perto que Bergson de Maine de Biran,
apesar da recomendação que Blondel faz de que se deixe de empregar o termo “espiritualismo”.
2. A filosofia de Ravaisson.

Jean Gaspard Félix Ravaisson-Mollien (1813-1900), conhecido pelo comum simplesmente


como Ravaisson, era natural de Namur, e após estudar em Paris assistiu em Munich às lições de
Schelling. Em 1835 apresentou à Academia de Ciências Morais e Políticas um valioso ensaio
sobre a metafísica de Aristóteles, que foi publicado em forma revisada em 1837 com o título de
Essai sul a métaphysique d’Aristote. Em 1846 foi-lhe acrescentado um segundo volume. Em
1838 apresentou Ravaisson duas tese para doctorarse em Paris, uma em latín envelope Espeusipo
e outra em francês envelope o hábito: De l’habitude. Ensinou durante breve tempo filosofia em
Rennes; mas suas diferenças com Victor Coussin, que exercia à sazón um controle bastante
dictatorial envelope os estudos filosóficos nas universidades, lhe impediram prosseguir sua
carreira acadêmica em Paris. Em 1840 foi nomeado inspetor geral de bibliotecas, e em 1859
chegou a ser inspetor geral do ensino superior. Ravaisson interessou-se não só pela filosofia
senão também pela arte, especialmente o pictórico, e pelas antigüedades clássicas. Foi membro
eleito da Academia de Ciências Morais e Políticas e da Academia de Inscrições e Belas Artes.
Em 1870 nomeou-se-lhe cuidador das antigüedades clássicas do Louvre.

Em 1867 publicou Ravaisson, a petição do governo, um Rapport sul a philosophie em


France au XIXe siécle (Relatório sobre a filosofia na França no século XIX), no que forneceu
abundante informação sobre um grande número de filósofos e fez uma defesa programática da
tradição metafísica do realismo espiritualista, ao que via em retrocesso anteriormente ao século
XIX e como tendo sido reafirmado por Maine de Biran. Ravaisson aproveitou a oportunidade
para atacar não só ao positivismo senão também ao eclecticismo de Cousin, do qual tinha má
opinião, o considerando como uma lamentável mezcolanza da filosofia escocesa do sentido
comum com algum mau digeridas ideias derivadas de Maine de Biran. Poníase, efetivamente,
bastante em claro que o verdadeiro sucessor de De Biran era Ravaisson mesmo. Seu Testament
philosophique et fragments (Testamento filosófico e fragmentos) foi um escrito publicado
póstumo em 1901 na Revue dê deux mondes.[405]

Segundo indica-o o título, a obra de Ravaisson De l’habitude versa envelope um tema


concreto; mas seu tratamento do mesmo manifesta uma concepção filosófica geral. Refletindo
sobre a maneira de formar-se nossos hábitos, vê-se, segundo o autor, que no hábito o movimento
da vontade, que encontra resistência e vai acompanhado do sentimento de esforço, se transforma
em movimento instintivo, tendendo o consciente a se fazer inconsciente. No hábito, a atividade
vital espontânea submete-se, por assim o dizer, a suas condições materiais, aos fatores
mecânicos, e com isso proporciona uma base para a ulterior atuação da vontade, do movimento
e o esforço voluntários dos que, como sustentava Maine de Biran, temos consciência em nós
mesmos. Isto é advertible na formação dos hábitos físicos, que constituem a base e a
profundidade da ação intencionada. Para pôr um exemplo singelo, se eu decido ir passeando até
a casa de um amigo para lhe visitar, a realização de meu propósito pressupõe a formação de
hábitos físicos tais como os do andar. E uma situação análoga podemos ver na esfera ética onde,
segundo Ravaisson, a ação virtuosa só pode ser exercido ao princípio mediante esforço
deliberado, mas depois chega a se fazer habitual, formando assim uma “segunda natureza” e
proporcionando uma base para a ulterior prosecución dos ideais.
Mais em general, Ravaisson vê no mundo dois fatores básicos: o espaço como a condição da
permanência ou estabilidade, e o tempo como a condição da mudança. A estes dois fatores
correspondem-lhes respetivamente a matéria e a vida. A primeira é o âmbito da necessidade e
do mecanismo; a segunda, da atividade espontânea, que se manifesta nos organismos viventes e
que no homem se alça ao nível da “liberdade da inteligência”.[406] O ponto de interseção dos
dois campos é o hábito, que combina em sim o mecanismo da matéria e a finalidade mecânica
da vida. Mas se o hábito pressupõe movimento e esforço voluntários[407] e é, por dizê-lo assim,
inteligência que se jogou a dormir ou que se sumiu em um estado infraconsciente, e se
proporciona a base para o ulterior atuar mediante a vontade, isto patentiza a prioridade, desde o
ponto de vista finalístico, do movimento ascendente da vida. Entre o nível mais ínfimo da
natureza e “o ponto mais alto da liberdade reflexiva há uma infinidad de graus, que conmesuran
o desenvolvimento, e um único poder, sempre o mesmo”.[408] O hábito “redesciende” pela linha
de baixada e pode ser descrito como uma intuición na que o real e o irreal se identificam.

No énfasis com que recalca Ravaisson o movimento e o esforço voluntários e em sua


tendência a buscar dentro do homem a chave do segredo do mundo vemos, naturalmente, a
inspiração de Maine de Biran. Em sua teoria do hábito notam-se também indícios da influência
de Schelling, por exemplo, quando fala da unidade do ideal e o real.[409] Olhando para diante,
podemos ver uma clara antecipação de temas bergsonianos. No discurso conmemorativo que
pronunciou Bergson ao acontecer a Ravaisson como membro da Academia de Ciências Morais
e Políticas fez o seguinte comentário se referindo a De l ’habitude: “Assim o hábito nos
proporciona a demonstração viva desta verdade, que o mecanismo não é de seu suficiente: só
seria, pelo dizer assim, o resíduo fosilizado de uma atividade espiritual”.[410] Em outras palavras,
Bergson vê no pensamento de Ravaisson uma antecipação de sua própria teoria do élan vital e
da natureza como consciência escurecida ou volición durmiente.

A teoria do hábito de Ravaisson expressa sua convencimiento de que o inferior há que o


explicar por referência ao superior. E este é, sem dúvida, um elemento básico de sua visão
filosófica geral. Assim, em seu Rapport encontra deficientes àqueles filósofos que tratam de
explicar a atividade mental em termos de processos físico-químicos ou, como o fenomenismo,
por redução a impressões, ou bem em termos de categorias abstratas. O entendimento analítico
tende por sua mesma natureza a explicar os fenômenos reduzindo-os a uns últimos elementos
constitutivos. Mas embora tal proceder é certamente legítimo na ciência natural, Ravaisson faz
questão de que não podemos entender deste modo os fenômenos espirituais. Estes têm de ser
vistos à luz de sua finalidade, do movimento da vida dirigido para uma meta tanto ao nível
infraconsciente como ao consciente. Este movimento é captado por uma espécie de intuición
que o prende, antes de mais nada, em nossa experiência íntima do esforço dirigido para um fim.
É em nossa experiência íntima onde encontramos à vontade indo em busca do Bem, o qual se
manifesta na arte como Beleza. O Bem e a Beleza, as metas ideais da vontade, são Deus, ou em
qualquer caso símbolos de Deus. E à luz desta verdade podemos interpretar o mundo material,
considerado como a esfera da necessidade e do mecanismo, como o efeito da autodifusión do
Bem divino e como ele palco para o movimento ascendente da luz.

Disse-se que Ravaisson[411] combina a psicologia de Maine de Biran com a metafísica de


Schelling, mas no discurso a que nos referimos mais acima adverte Bergson que não deve ser
exagerado a influência de Schelling envelope Ravaisson[412] e que a visão do universo como
manifestação de uma última realidade que dá de si mesma liberalmente pode já se achar entre os
filósofos gregos.[413] Bergson prefere sublinhar a influência do desenvolvimento dos estudos
biológicos na ciência decimonónica.[414] No entanto, embora há seguramente muito para valer
em isto que diz Bergson, a influência de Schelling não pode ser descartado. A visão
ravaissoniana da natureza tem claramente alguma afinidad com a descrição schellingiana da
natureza como espírito adormecido, ainda que em seu Rapport se refira mais Ravaisson às ideias
e teorias da psicologia contemporânea. Ademais, a tendência de Ravaisson a considerar a criação
como uma espécie de Queda cósmica e o énfasis que põe na ideia de uma volta a Deus justificam
que pensemos no influjo do filósofo alemão. Em todo caso, a distinção que faz Ravaisson entre
a atividade da inteligência analítica por um lado e, por outro, o captar intuitivamente o
movimento da vida parece uma antecipação de temas que serão centrais na filosofia de Bergson.

3. J. Lacheliery os fundamentos da indução.

Embora Ravaisson não foi nunca professor em Paris, não por isso deixou de exercer
considerável influência. Foi ele quem adivinhou a capacidade filosófica de Jules Lachelier
(1832-1918), quando era este aluno da Escola Normal, e quem fez quanto pôde por
promocionarle em sua carreira. Durante seus anos de professor na École Normale (1864-1875)
Lachelier mesmo teria de exercer um poderoso estímulo sobre as mentes dos estudantes de
filosofia. Não foi, empero, um escritor fecundo. Em 1871 publicou uma obra sobre a indução,
Du fondement de l’induction (Do fundamento da indução) que era sua tese francesa para o
doctorado, enquanto a tese latina versou envelope o silogismo.[415] Publicou também uns
quantos ensaios, os mais conhecidos dos quais são o que trata de psicologia e metafísica
(Psychologye et métaphysique, 1885) e o que se ocupa da aposta de Pascal (Note sul lhe pari de
Pascal, 1901). Mas suas Obras, nas que se incluem suas intervenções nas sessões da Sociedade
Francesa de Filosofia e anotações para diversos artigos do Vocabulaire de Lalande, formam só
dois modestos volumes.[416] Quando Lachelier se retirou da Escola Normal, em 1875, foi
nomeado inspetor da Academia de Paris; e em 1879 chegou a ser inspetor geral de educação
pública. Em 1896 elegeu-se-lhe membro da Academia de Ciências Morais e Políticas.

Teria muitos motivos para examinar o pensamento de Lachelier no capítulo dedicado ao


neocriticismo e ao idealismo. Pois em sua obra principal, a dedicada à indução, foca o tema de
um modo kantiano, inquirindo quais são as condições necessárias de nossa experiência do
mundo. E envelope esta base traça uma filosofia idealista que faz dele um predecessor de
Hamelin. Ao mesmo tempo, há em seu pensamento elementos que influíram algo na corrente
espiritualista; e embora Bergson não foi, de fato, aluno de Lachelier, leu de estudante a obra
sobre a indução e tinha a seu autor por mestre seu. Ademais, Lachelier referia-se a seu próprio
pensamento como a uma forma de espiritualismo.

Por indução entende Lachelier “a operação mediante a qual passamos do conhecimento dos
fatos ao conhecimento das leis que os regem”.[417] Ninguém dúvida de que este processo tem
local na ciência. Mas dá origem a um problema; por uma parte, a experiência proporciona-nos
só verdadeiro número de casos observados de conexões práticas entre fenômenos; mas não nos
diz que tenham de estar conectados assim sempre. Por outra parte, no razonamiento inductivo
não duvidamos em sacar uma conclusão universal, aplicável a conexões futuras não observadas;
e, segundo Lachelier, isto implica que confiamos em que na natureza impera a necessidade. Não
pretende sustentar Lachelier que na prática a indução seja sempre correta. “De fato, a indução
está sempre sujeita a erro.”[418] Mas a revisibilidad das leis científicas não altera o fato de que
nossas tentativas das formular têm por base e expressam uma confiança em que há conexões
necessárias que se têm de achar. E propõe-se a questão de se esta confiança pode ser justificado
teoricamente. Ou, como o diz Lachelier, em virtude de que princípio acrescentamos nós aos
dados da experiência os elementos da universalidade e a necessidade?

Em primeiro lugar, a indução implica que os fenômenos estão organizados de outro modo,
os fenômenos só são inteligibles se estão submetidos à lei da causalidad eficiente. Mas o
princípio de causalidad não proporciona de por si uma base suficiente para a indução. Pois o
razonamiento inductivo não só pressupõe séries de fenômenos mecanicamente relacionados,
senão também complexos e recorrentes grupos de fenômenos que funcionem como uns todos,
sendo a cada tudo de tal índole que determine a existência das partes. A um tudo deste tipo é o
que nós chamamos uma causa final. O conceito de leis da natureza, “a exceção de um curto
número de leis elementares, parece basear-se, pois, em dois princípios diferentes: um em virtude
do qual os fenômenos formam séries nas que a existência do (membro) precedente determina a
do seguinte; outro em virtude do qual estas séries formam a sua vez sistemas, nos que a ideia do
todo determina a existência das partes”.[419] Para dizê-lo sucintamente: “a possibilidade da
indução estriba no duplo princípio das causas eficientes e de causa-as finais”.[420]

Mas uma coisa é assegurar que o razonamiento inductivo estriba em verdadeiro princípio
(ou, mais exatamente, em dois princípios), e outra coisa validar ou justificar este princípio.
Lachelier não está disposto a seguir à escola escocesa e a Royer-Collard na apelação ao sentido
comum; nem também não quer ser conformado com sustentar simplesmente que o princípio é
uma verdade evidente de por si e indemostrable. Mas embora elogia a J. Séc. Mill por ter tratado
de justificar a indução, não acha que sua tentativa tivesse sucesso, nem que pudesse sequer o ter,
dadas as premisas empiristas de Mill. Ademais, compreende que, se se oferece uma solução
simplesmente em termos de que a mente humana, pelo exigir sua própria natureza ou estrutura,
impõe suas categorias ou conceitos a priori sobre fenômenos que são meras aparências de
coisas-em-si, cabe perguntar se o resultado de tal imposição pode propriamente ser descrito
como conhecimento. Dito de outro modo, Lachelier deseja mostrar que os princípios da
causalidad eficiente e das causa finais não são simples e somente a priori em um sentido
subjetivo, senão que regem tanto ao pensamento como ao objeto do pensamento. Isto supõe o
fazer ver não tão só que, em general, “as condições da existência dos fenômenos são as mesmas
condições que a possibilidade do pensamento”,[421] senão também, designadamente, que os dois
princípios em que estriba a indução são condições da possibilidade do pensamento.

Com respeito ao primeiro princípio, o de causalidad eficiente, Lachelier trata de mostrar que
a vinculação serial dos fenômenos por médio de relacionamentos causales é implicada
necessariamente pela unidade do mundo, a qual é ela mesma uma condição da possibilidade do
pensamento. Sua linha argumental é algo difícil de seguir; mas avança por estes carris: O
pensamento não seria possível sem a existência de um sujeito que se distingue a si mesmo da
cada sensação e que permanece um apesar da diversidade das sensações, simultâneas e
sucessivas. No entanto, aqui surge um problema: Por uma parte, o conhecer não consiste na
atividade de um sujeito encerrado em si mesmo e separado de suas sensações ou exterior a elas.
Lachelier trata de solucionar este problema buscando a requerida unidade nos relacionamentos
entre as sensações, considerando ao sujeito ou eu não como algo aparte e acima de suas
sensações, senão mais bem como a “forma” das diversas sensações. Mas os relacionamentos
naturais entre nossas sensações não podem diferir dos relacionamentos entre os correspondentes
fenômenos. “A questão de saber como todas nossas sensações se unem em um único pensamento
é, pois, precisamente a mesma que a de saber como todos os fenômenos compõem um único
universo.”[422] Para Lachelier, em qualquer caso, uma condição para que os fenômenos
constituam um mundo é que estejam causalmente relacionados. A mera sucessão poria aos
fenômenos no espaço e no tempo; mas para que tenha um vínculo real entre os fenômenos é
necessária o relacionamento causal. Portanto, bem como as coisas só existem para nós enquanto
são objetos de nosso pensamento, a condição para que os fenômenos formem um mundo é a
mesma condição da unidade do pensamento, a saber, o princípio de causalidad eficiente.

Este ponto de vista só nos dá o que Lachelier chama “uma espécie de materialismo
idealista”.[423] O mundo que este materialismo apresenta é um mundo em relacionamento ao
pensamento; mas é um mundo de causalidad mecânica, do reino da necessidade. Para completar
o quadro temos de considerar o segundo princípio da indução, isto é, a causalidad final. A
indução, segundo Lachelier, pressupõe algo mais que séries de fenômenos discretos
mecanicamente relacionados. Pressupõe também complexos e recorrentes grupos de fenômenos
que funcionam como uns todos. E não podemos dar conta destes todos, que existem a vários
níveis, sem introduzir a ideia regulativa da finalidade inmanente. O exemplo mais óbvio do tipo
de coisa em que pensa Lachelier é, desde depois, o organismo vivo, em cujo caso a “razão” do
complexo fenômeno total se acha nele mesmo, em uma causa final inmanente que governa o
comportamento das partes. Mas não só está pensando Lachelier nos organismos vivos. Tem
também em sua mente todos os complicados grupos de fenômenos que funcionam como
unidades. A dizer verdade, ele vê todo fenômeno como a manifestação de uma força que
expressa uma tendência espontânea para um fim. Mais ainda, é esta ideia de força a que explica
a variante intensidade de nossas sensações e a que está na base de nosso convencimiento de que
o mundo não é reducible a nossas sensações consideradas como algo puramente subjetivo. A
causalidad final talvez seja uma ideia regulativa, mas lha requer para a indução, a qual pressupõe
um mundo inteligible, um mundo penetrable pelo pensamento e que lhe revê assim em seu seio
o funcionamento do pensar inconsciente tal como se lhe vê no desenvolvimento das recorrentes
unidades que funcionam como todos. Não se trata de que a causalidad final substitua
simplesmente ou anule à causalidad mecânica. Esta forma uma base para aquela. Mas assim que
introduzimos a ideia da causalidad final como penetrando o mundo da causalidad mecânica e
subordinándoselo, muda nossa concepção do mundo. O idealismo materialista (ou o
materialismo idealista, como o chama Lachelier) se transformou em um “realismo espiritualista,
para o que todo ser é uma força, e a cada força um pensamento que tende a uma consciência de
si a cada vez mais completa”.[424]

O conceito de realismo espiritualista está desenvolvido no ensaio sobre psicologia e


metafísica. Diz-se ali que a psicologia tem por campo “a consciência sensível” (a conscience
sensível), enquanto a metafísica se descreve como “a ciência do pensamento em si mesmo, da
luz mental em sua fonte”.[425] Isto quiçá dê a impressão de que para Lachelier a metafísica é, em
realidade, parte da psicologia; pois como podemos excluir da psicologia o estudo do
pensamento? Mas Lachelier não quer dizer que o psicólogo deva atender só em seu estudo à
sensação, a percepción e o sentimento, sem se referir para nada ao pensamento ou à vontade.[426]
O que pretende é recalcar que à psicologia lhe concierne o pensamento enquanto este chega a
ser um dado da consciência, um fator objetivable, por exemplo, na percepción. Assim mesmo, a
psicologia tem de interessar pela vontade na medida em que esta se manifesta na vida perceptual
e afectiva do homem. À filosofia ou metafísica lhe concierne o pensamento mesmo, o
pensamento puro, que é também liberdade pura, o pensamento que opera inconscientemente na
natureza, a sucessivos níveis, e que chega a se pensar a si mesmo no homem e mediante o
homem. A metafísica equivale, pois, ao que Lachelier lume em outra parte um realismo espiritual
mais profundo. Nos comentários que fez para o Vocabulário de Lalande, envelope o termo
“espiritualismo” observou que toda doutrina que reconheça a independência e a primacía do
espírito no sentido de pensamento consciente, ou que considere que o espírito está acima da
“natureza” e é irreducible a pressões físicas, pode ser qualificado de espiritualista. A seguir passa
a sustentar que há um espiritualismo mais profundo, que consiste em buscar no espírito a
explicação da natureza e em achar que o pensamento que opera inconscientemente na natureza
é o mesmo que o pensamento que se faz consciente no homem. “Este segundo espiritualismo é
o que era, a meu parecer, o de Ravaisson.”[427] Evidentemente, este “segundo espiritualismo” é
a metafísica tal e como Lachelier entende o termo. O pensamento do que fala Lachelier é, às
claras, o pensamento absoluto, o pensamento que “põe a priori as condições de toda
existência”.[428] E bem pudéssemos nos sentir inclinados a comentar que a palavra “idealismo”
seria aqui mais apropriada que a de “realismo”. Senão que por “idealismo” tende Lachelier a
entender idealismo subjetivo, no sentido da teoria segundo a qual o mundo consiste em minhas
representações atuais e possíveis. A uma filosofia que reconhece uma pluralidad de sujeitos e
para a que meu “mundo” se converteu em “o mundo” lha pode chamar realismo. Ao mesmo
tempo, Lachelier recalca que, na medida em que diferentes sujeitos atingem uma verdade
universal, este pensamento tem de ser considerado como um, como a manifestação do
pensamento que opera inconscientemente na natureza e conscientemente no homem, e a esta
maneira de ver as coisas costuma lha chamar geralmente idealismo objetivo. Lachelier afirma,
de fato, que o objeto do pensamento é diferente do pensamento mesmo, e que “o pensamento
não poderia o produzir (ao objeto) fosse de si mesmo”.[429] Mas acrescenta que isto ocorre
porque o pensamento não é o que deveria ser, a saber, intuitivo em um sentido que fizesse ao
objeto inmanente ao pensamento, de sorte que os dois fossem um. Provavelmente, o que está
dizendo é que o pensar humano não pode coincidir por inteiro com o pensamento absoluto e,
devido a isso, mantém um resto de visão realista, ainda que reconheça que o mundo tudo é a
automanifestación do pensamento ou espírito absoluto.

Aprova Lachelier a definição que deu Aristóteles da filosofia primeira ou metafísica como a
ciência do ser assim que ser; mas ele a interpreta no sentido da ciência do pensamento em si
mesmo e nas coisas. E como queira que esse pensamento é a única realidade última ou o único
ser que, segundo vimos, opera inconscientemente na natureza e chega a se fazer autoconsciente
no homem e mediante o homem, Lachelier está inteiramente disposto a admitir que “a filosofia
pura é essencialmente panteísta”.[430] Mas depois passa a dizer que pode ser crer# em uma
realidade divina trascendente ao mundo. E ao final de seus disquisiciones envelope aposta-a
pascaliana observa que “a mais sublime questão da filosofia, embora quiçá seja mais religiosa
que filosófica, é a da transição do absoluto formal ao absoluto real e vivente, da ideia de Deus a
Deus”.[431] Esta transição é o trânsito da filosofia à religião. Ao final de seu ensaio sobre a
indução afirma Lachelier que o realismo espiritual, tal como ele o apresentou, é “independente
de toda religião”,[432] embora a subordinación do mecanismo à finalidade prepara o caminho
para um ato de fé moral que trasciende os limites da natureza e do pensamento. Por
“pensamento” neste contexto entende, sem dúvida, a filosofia. A religião vai para além não só
da ciência senão também da filosofia. E embora Brunschvicg diga-nos que Lachelier foi um
católico praticante,[433] por sua discussão com Durkheim se vê com clareza que, para ele, a
religião não tem nenhum relacionamento intrínseca a um grupo, senão que é “um esforço interior
e, portanto, solitário”.[434] Desde o ponto de vista histórico está justificada o protesto de
Durkheim contra esse conceito um tanto minguado da religião. Mas o que é evidente é que
Lachelier estava convencido de que a religião é, em essência, o ato de fé do indivíduo pelo que
o Absoluto abstrato da filosofia chega a converter no Deus vivente.

4. Boutroux e a contingencia.

Um dos discípulos de Lachelier na Ecole Normale foi Émile Boutroux (1845-1921).


Terminados seus estudos em Paris, Boutroux ensinou durante algum tempo em um liceo de
Caem; mas após doctorarse obteve um posto na docencia universitária, primeiro em Montpellier
e depois em Nancy. De 1877 a 1886 deu classes na Ecole Normale de Paris, e de 1886 a 1902
ocupou uma cátedra de filosofia na Sorbona. Sua obra mais conhecida é sua tese doctoral A
contingence dê lois da nature (A contingencia das leis da natureza),[435] que foi publicada em
1874, três anos após a obra de Lachelier sobre a indução. As ideias que Boutroux expressava em
sua tese foram desenvolvidas por ele em uma obra, que publicou em 1895, titulada De l’idée de
loi naturelle dans a science et a philosophie contemporaines.[436] Entre outros escritos seus
destacam-se A science et a religion dans a philosophie contemporaine,[437] que apareceu em
1908, e, no terreno histórico, Etudes d’histoire da philosophie,[438] A coleção de ensaios
publicada postumamente com o título A nature et l’esprit (1926) inclui o programa para as
Conferências Gifford que deu Boutroux sobre Natureza e espírito em Glasgow durante os cursos
1903-1904 e 1904-1905.

No prefacio à tradução inglesa de sua obra A contingence dê lois da nature diz Boutroux
que, a sua parecer, há três tipos principais de sistemas filosóficos: “o idealista, o materialista e o
dualista ou paralelista”.[439] Os três têm um rasgo em comum, o de apresentar as leis da natureza
como necessárias. Nos sistemas filosóficos racionalistas a mente trata de reconstruir a realidade
mediante uma dedução lógica de sua estrutura, da que toma o que considera que são proposições
verdadeiras e evidentes de por si. Quando a mente, abandonando este sonho, se volta para os
fenômenos conhecidos através da percepción sensível tendo em vista estabelecer as leis dos
mesmos, introduz a ideia de necessidade lógica na de lei natural e descreve o mundo como “uma
infinita variedade de fatos unidos entre si por vínculos necessários e inmutables”.[440] Mas então
propõe-se a questão de se o conceito de relacionamento necessária está, de fato, ejemplificado
nos relacionamentos que se dão entre os fenômenos; e o que Boutroux se propõe é provar que
as leis naturais são contingentes e constituem as “bases que nos capacitan de contínuo para
ascender a uma vida superior”.[441]

Começa inquirindo Boutroux muito atinadamente que se tem de entender neste contexto por
relacionamento necessário. Já se vê que a necessidade absoluta, isto é, a necessidade que elimina
todas as condições e é reducible ao princípio de identidade (A = A ),pode ser deixada de lado.
Porque as leis da natureza não são simples tautologías. A que aqui importa-nos não é a
necessidade absoluta, senão a necessidade relativa, “a existência de um relacionamento
necessário entre duas coisas”.[442] Em outras palavras, ao inquirir envelope a suposta
necessidade das leis da natureza, não estamos buscando uma verdade puramente analítica, senão
umas proposições sintéticas necessariamente verdadeiras. Mas aqui temos de fazer de novo uma
distinção: Se as leis da natureza são proposições sintéticas necessariamente verdadeiras, não
podem ser proposições a posteriori; pois a experiência pode revelar-nos/revelá-nos
relacionamentos constantes, mas por si mesma não nos revela necessidade nenhuma nem pode
no-la revelar. Por isso, o que aqui tratamos de averiguar é se às leis da natureza pode lhas chamar
propriamente proposições sintéticas a priori. Se o são, então têm de afirmar relacionamentos
causales necessárias.[443] A questão, pois, reduz-se a isto: Há síntese causales a priori?

Se terá notado que a terminología que emprega Boutroux se baseia na de Kant, e que não
nega que o princípio de causalidad possa ser mantido como necessariamente verdadeiro. Mas ao
mesmo tempo sustenta que não é neste sentido no que, de fato, se usa o princípio nas ciências.
“Em realidade, quando a palavra “causa” é empregue cientificamente significa “condição
imediata”.”[444] Para os propósitos científicos, isto é, para a formulación de leis, é plenamente
suficiente que “existam relacionamentos relativamente invariáveis entre os fenômenos”.[445]
Não se requer a ideia de necessidade. Dito de outro modo, o princípio de causalidad, tal como é
empregue de fato pela ciência, se deriva da experiência, não é imposto a priori pela mente. É
uma expressão muito geral e abstrata dos relacionamentos observados; e nós não observamos a
necessidade, embora podemos naturalmente observar sequências regulares. Desde depois, se
limitamo-nos a atender só e simplesmente à quantidade, às feições mensurables dos fenômenos,
quiçá seja conforme com a experiência a afirmação de uma equivalencia absoluta entre causa e
efeito. Mas, de fato, encontramo-nos com que se dão mudanças cualitativos, com que há uma
heterogeneidad cualitativa que exclui a possibilidade de mostrar que a causa (a condição
imediata) contém necessariamente todo o que se requer para a produção do efeito. E se o efeito
pode ser desproporcionado à causa desde o ponto de vista cualitativo, síguese de aqui que “em
nenhuma parte do mundo real e concreto cabe aplicar estritamente o princípio de
causalidad”.[446] Ao cientista poderá servir-lhe, sem dúvida, como máxima prática. Mas o
desenvolvimento das ciências mesmas sugere que as leis da natureza não expressam
objetivamente relacionamentos necessários e que não são irreformables ou irrevisables em
princípio. Nossas leis científicas nos capacitan para ter-no-las/tê-no-las com sucesso com uma
realidade cambiante. Seria absurdo duvidar de sua utilidade. Mas não são definitivas.

Em sua seguinte obra, De l’idée de loi naturelle, levou Boutroux adiante a questão. Há na
matemática pura relacionamentos necessários, dependentes de certos postulados. Mas a
matemática pura é uma ciência formal. Por certo que uma ciência natural como a astronomia faz
uso das matemáticas e não poderia ter avançado sem elas. A dizer verdade, em certas ciências
vê-se bastante claro a tentativa de adaptar, por assim o dizer, a natureza às matemáticas e de
formular os relacionamentos entre os fenômenos de um modo matemático. Mas sempre fica um
hiato entre a natureza tal como existe e as matemáticas, e este hiato resulta mais manifesto à
medida que voltamos a atenção da esfera inorgánica à da vida. O cientista tem direito a sublinhar
a conexão entre os fenômenos biológicos e inclusive os mentais, por uma parte, e os processos
físico-químicos por outra. Mas se supõe-se que as leis que regem a evolução biológica são
reducibles às leis mais gerais da física e a química, então se faz impossível explicar o
aparecimento do novo. Pese a sua admitida utilidade, todas as leis naturais não são senão
compromissos, aproximações a uma equação entre a realidade e as matemáticas, e quanto mais
passamos das muito gerais leis da física às esferas da biologia, a psicologia e a sociologia, mais
clara se vai fazendo esta caraterística de mera aproximação. Pois temos de dar cabida à
criatividade e à emergência das novidades. No que a isto respecta, não é verdadeiro nem ainda
ao nível puramente físico que não tenha variabilidad, que não tenha nenhum quebranto ou brecha
do determinismo.

Hoje em dia a ideia de que a estrutura da realidade possa ser deduzido a priori partindo de
umas proposições básicas indemostrables mas evidentes de por si, dificilmente a teria ninguém
por atual ou de moda. E enquanto não seria razoável pretender que há universal consenso a
respeito do uso próprio do termo “lei da natureza” ou envelope o estatuto lógico das leis
científicas, é em qualquer caso opinião bastante comum a de que as leis científicas são
generalizações descritivas com força predictiva e que são proposições sintéticas e, portanto,
contingentes. É mais, todos conhecemos a tese, baseada no princípio de incerteza de Heisenberg,
segundo a qual se provou que, ao nível subatómico, o determinismo universal é falso.
Seguramente não todo mundo admitiria que todas as proposições que são informativas a respeito
da realidade são contingentes.[447] Nem todo mundo estaria de acordo em que o determinismo
universal foi refutado pelos fatos. Mas aqui o relevante é que muito do que diz Boutroux a
respeito da contingencia das leis da natureza representa umas linhas de pensamento que hoje em
dia são bastante comuns. A este respecto, seu anti-reduccionismo e sua tese de que há espécies
ou níveis de ser qualitativamente diferentes não nos resultam estranhos. Claro que o falar de
níveis mais baixos e mais altos de ser parece convidar ao comentário de que se estão fazendo
julgamentos de valor. Mas quando Boutroux mantém que a ciência adota a forma das ciências e
que não podemos reduzir todas as demais ciências à física matemática, a maioria da gente
costuma estar de acordo com ele.

No entanto, Boutroux não se ocupa da filosofia da ciência simplesmente por ela mesma.
Quando, por exemplo, faz questão do caráter contingente das leis da natureza e mantém que não
são reducibles a nenhuma verdade absolutamente necessária nem se derivam também não de
nenhuma, não se está dedicando simplesmente a pesquisar o estatuto lógico das leis científicas.
Desde depois que está fazendo tal investigação, mas também está ilustrando o que são para ele
as limitações da ciência tendo em vista provar que fica campo para uma metafísica religiosa que
satisfaça a demanda racional de uma concepção do mundo unificada e harmônica. No programa
para as Conferências Gifford faz notar que “em linhas gerais, a ciência é um sistema de símbolos
cujo cometido é nos proporcionar uma representação conveniente e utilizável de realidades que
não podemos conhecer de um modo direto. Agora bem, a existência e as propriedades desses
símbolos somente podem ser explicado em termos da atividade original do espírito”.[448] De
maneira parecida, em Ciência e religião afirma Boutroux que a ciência, longe de ser algo
estampado pelas coisas sobre uma inteligência pasiva, é “um conjunto (ensemble) de símbolos
imaginados pela mente para interpretar as coisas por médio de noções preexistentes [...]”. [449]
Em seu estado desenvolvido, a ciência não pressupõe uma metafísica;[450] mas sim que
pressupõe a atividade criadora da mente ou o espírito ou a razão. A vida do espírito toma a forma
de razão científica, mas esta não é a única forma que toma. A vida do espírito é algo bem mais
amplo, que inclui a moral, a arte e a religião. Por conseguinte, o desenvolvimento do uso
científico da razão, que “trata de sistematizar as coisas desde um ponto de olhe impersonal”,[451]
não exclui uma “sistematización subjetiva”[452] baseada no conceito do valor da pessoa e na
reflexão sobre a vida do espírito em seus várias forma, reflexão que produz sua própria expressão
simbólica.

Como Boutroux foi aluno de Lachelier, não é surpreendente que achemos em suas ideias a
respeito das limitações da ciência verdadeiro grau de influência kantiana. Mas sua opinião da
metafísica parece ter alguma afinidad com a de Maine de Biran. Por exemplo, embora desde
depois admite a psicologia como ciência, sugere que “é muito possível fixar umas fronteiras
reais entre a psicologia e a metafísica”.[453] De parecido modo diz que “pára que a metafísica
seja legítima e fructífera, tem de proceder não de fora a dentro senão de dentro a fora”.[454] Com
isto não pretende dar a entender que a metafísica, “atividade original do espírito”,[455] seja
ciência, já psicologia ou outra qualquer, transformada em metafísica. Pois uma ciência que trate
de se converter em metafísica é infiel a sua própria natureza e a seus fins. O que quer dizer
Boutroux é que a metafísica é reflexão do espírito sobre sua própria vida, a qual é considerada
na psicologia desde um ponto de vista científico, mas ultrapassa, valha a expressão, os limites
postos por este ponto de vista.

Em sua concepção geral do universo, vê Boutroux o mundo como uma série de níveis de ser.
Nenhum nível mais alto é deducible de outro nível inferior: há a emergência da novidade, da
diferença cualitativa. Ao mesmo tempo, a heterogeneidad e a descontinuidade não são os únicos
rasgos do mundo. Há também continuidade. Pois podemos ver em marcha um criador processo
teleológico, um esforço de ascensión para um ideal. E assim Boutroux não mantém uma
distinção rígida entre os níveis inanimado e animado. Há espontaneidad inclusive ao nível da
chamada “matéria morrida”. Mais ainda, em um estilo que recorda o de Ravaisson, sugere
Boutroux que “o instinto animal, a vida, as forças físicas e mecânicas são, pelo dizer assim,
hábitos que foram penetrando a cada vez mais profundamente na espontaneidad do ser. Daí que
estes hábitos chegue a se fazer quase invencibles. Vistos desde fora, aparecem como leis
necessárias”.[456] Ao nível humano achamos o amor consciente e a prosecución do ideal, um
amor que é ao mesmo tempo como o tirón ou a atração que exerce o ideal divino, o qual
manifesta deste modo sua existência. A religião, “uma síntese — ou, mais bem, uma união
estreita e espiritual — do instinto e do intelecto”,[457] oferece ao homem “uma vida mais rica e
mais profunda”[458] que a vida do mero instinto, ou rotina, ou imitação, e que a vida do
entendimento abstrato. O que importa não é tanto conciliar a ciência e a religião, consideradas
como conjuntos de teorias ou doutrinas, quanto reconciliar aos espíritos científicos com os
espíritos religiosos. Pois ainda no caso de que consigamos provar que as doutrinas religiosas não
contradizem às leis ou hipóteses científicas, pode que isto não apague a impressão de que o
espírito científico e o religioso são, de seu, irreconciliables e têm de estar sempre em conflito.
No entanto, a razão é capaz de esforçar-se por unir aos dois e de obter de sua união um ser mais
rico e mais harmonioso que o da cada um deles tomado aparte.[459] Esta união segue sendo uma
meta ideal; mas podemos ver que a vida religiosa, que em sua forma intensa é sempre
misticismo, tem um valor positivo, porque lha encontra “no fundo de todos os grandes
movimentos religiosos, morais, políticos e sociais da humanidade”.[460]

Bergson estudou durante algum tempo na Escola Normal de Paris quando Boutroux ensinava
em suas aulas. E a obra deste sobre A contingencia das leis da natureza exerceu certamente
algum influjo naquele, embora com respeito ao grau de tal influjo conviria não exagerar. Em
qualquer caso, está claro que Bergson levou adiante e desenvolveu algumas das ideias de
Boutroux, conquanto não é forçado concluir que, de fato, as tomasse diretamente desta fonte.

5. A. Fouillée sobre as idées-forces.

Boutroux foi, às claras, um decidido adversário não, por suposto, da ciência, senão do
cientismo e do naturalismo positivista. Quando paramos mente em Alfred Fouillée (1838-1912),
que ensinou na parisina École Normale de 1872 a 1875,[461] lhe achamos adotando uma atitude
mais eclética e tentando harmonizar as ideias válidas e verdadeiras que pudesse ter na linha do
pensamento positivista e naturalista com as tradições do idealismo e do espiritualismo. As
conclusões a que chegou Fouillée lhe situam definitivamente dentro do movimento
espiritualista; mas sua intenção foi conseguir uma conciliação de diferentes correntes de
pensamento.

Não obstante esta atitude ecumênica, que recorda aquilo de Leibniz de que todos os sistemas
eram verdadeiros no que afirmavam e errôneos no que negavam, Fouillée foi propenso à
polêmica. Designadamente combateu a filosofia da evolução segundo apresentava-a Herbert
Spencer e a teoria epifenoménica da consciência defendida por T. H. Huxley.[462] Fouillée não
combatia a ideia mesma da evolução. Ao invés, aceitava-a. Ao que se opunha era à tentativa de
Spencer de explicar o movimento evolutivo em termos puramente mecanicísticos, o qual lhe
parecia a ele uma proposta do assunto muito limitado e parcial. Pois a concepção mecanicista
do mundo era, em opinião de Fouillée, uma construção humana; e o conceito de força no que
Spencer punha tanto énfasis não era mais que uma projeção do interior experiência humana do
esforço e a atividade volicionales. Quanto à teoria epifenomenista da consciência, era
irreconciliable com o poder ativo da mente e com o fato evidente de sua capacidade para iniciar
o movimento e a ação. Não era necessário seguir aos idealistas, no de ter ao pensamento pela
única realidade, para compreender que no processo da evolução tinha que tomar em conta à
consciência como efetivo fator contribuinte. Fator que era sui generis e irreducible a processos
físicos.

Em defesa e explicação de sua insistencia sobre a efetiva atividade causal da consciência


propôs Fouillée a teoria que vai especialmente associada a seu nome, isto é, a teoria do que ele
chamou a idée-force ou o pensamento-força. Toda ideia[463] é uma tendência à ação ou a iniciar
uma ação.[464] Tende à autorrealización ou autoconcretización e é, portanto, uma causa. Ainda
que é ela mesma a causada, é também uma causa que pode iniciar movimento e, mediante a ação
física, afetar ao mundo externo. Assim não se nos propõe o problema de encontrar um vínculo
adicional entre o mundo das ideias e o mundo dos objetos físicos. Pois a ideia é já ela mesma
um nexo, um vínculo, no sentido de que tem tendência ativa a autorrealizarse. É um erro
considerar as ideias simplesmente como representações ou reflexos das coisas externas. Pois têm
uma feição criativa. E sendo como são, por certo, fenômenos mentais, dizer que exercem uma
força causal equivale a dizer que a mente exerce atividade causal. Em cujo caso não pode ser
tratado de um mero epifenómeno, passivamente dependente da organização dos processos
físicos.
Em sua obra sobre a liberdade e o determinismo (Libertei-a et lhe déterminisme, 1872) utiliza
Fouillée sua teoria das idées-forces em uma tentativa de conseguir a conciliação entre os
partidários da liberdade e os deterministas. Ao princípio produz a impressão de que se alia com
os deterministas, pois submete a crítica as opiniões de defensores da liberdade humana tais como
Cournot, Renouvier e Lachelier. Recusa a liberdade de indiferença reputándola de noção
errônea, resiste-se a associar a liberdade com a ideia da casualidade, desaprova a tese de
Renouvier de que o determinismo implica a pasividad do ser humano e se mostra de acordo com
Taine ao pôr em questão a teoria de que o determinismo priva aos valores morais de toda
significação. Em opinião de Fouillée, o determinismo não implica necessariamente que, porque
algo é todo o que pode ser, seja “por isso mesmo todo o que devesse ser”.[465]

Mas embora Fouillée não está disposto a atacar de em frente ao determinismo como
costumava o fazer carateristicamente a corrente do pensamento espiritualista, indica que até os
deterministas têm de dar cabida à ideia de liberdade. E a seguir arguye que, embora pode ser
oferecido uma explicação psicológica da ideia de liberdade, esta ideia é uma idée-force e, por
tanto, tende a se realizar. A ideia de liberdade é, certamente, eficaz na vida, e quanto maior força
cobra mais livres somos. Em outras palavras, ainda que a génesis da idée-force possa ser
explicado determinísticamente, uma vez formou-se exerce um poder diretivo, uma atividade
causal. É óbvio que poderia objetársele a Fouillée que reconcilia o determinismo com o
libertarismo mediante o simples expediente de igualar a liberdade com a ideia ou o sentimento
de liberdade. Verdadeiramente fala como se fossem uma mesma coisa. Mas o que quiçá queira
dizer é que quando atuamos com consciência de liberdade, por exemplo ao nos esforçar por fazer
realidade os ideais morais, nossos atos expressam nossas personalidades como seres humanos,
e que este e não outro é o significado real da liberdade. Com a ideia de liberdade atuamos de um
modo especial, e não cabe dúvida de que tal ação pode ser efetiva.

Fouillée desenvolveu sua teoria das idées-forces em obras como L’évolutionisme dê idées-
forces (O evolucionismo das ideias-força, 1890), A psychologie dê idées-forces (A psicologia
das ideias-força, dois volumes, 1893) e A morale dê idées-forces (A moral das ideias-força,
1908). O último dos livros citados mereceu um louvor de Bergson, seguramente porque nele
sustentava Fouillée que a consciência da existência própria é inseparável da consciência da
existência dos demais, e que a atribuição de valor a um mesmo implica a atribuição de valor às
outras pessoas. A teoria ética de Fouillée caraterizava-se pelo convencimiento de que os ideais
têm um poder de atração, especialmente os do amor e a fraternidad entre os homens, bem como
pela confiança em que iria em aumento uma consciência interpersonal com ideais comuns como
princípio de ação.

Uma nota interessante é a de que Fouillée pretendia se ter antecipado a Bergson (e a


Nietzsche) quanto ao sustentar que o movimento é real. Opinava que os psicólogos
asociacionistas, por exemplo, enganados pelo artificio da linguagem, rompia o movimento e o
tinham distribuído em sucessivas paragens ou estações discretas, comparáveis a fotografias
instantâneas das ondas.[466] Na terminología de Fouillée, esses tais conservavam os termos mas
ignoravam os relacionamentos, com o qual não podiam captar a corrente da vida, cujo
sentimento o temos, ponhamos por caso, nas experiências de desfrute, de sofrimento e de desejo.
Mas embora Fouillée estava disposto a falar de captación ou consciência da duração, não o
estava a admitir a teoria de Bergson de uma intuición da duração pura. Em carta a Augustin
Guyau fazia notar que, em sua opinião, a duração pura era um conceito limite e não um objeto
de intuición.

6. Nem. J. Guyau e a filosofia da vida.

Este Augustin Guyau era filho do hijastro de Fouillée, Marie Jean Guyau (1854-1888), que
foi professor no Lycée Condorcet durante um breve período, quando Bergson era aluno daquela
escola. Segundo vê-se pelas datas, a vida de M. J. Guyau foi breve, mas ele soube sacar tempo
para escrever uma série de obras notáveis. As duas primeiras foram A morale d’Epicure et ses
rapports aves lhes doctrines contemporaines (A moral de Epicuro e seus relacionamentos com
as doutrinas contemporâneas) e A morale anglaise contemporaine (A moral inglesa
contemporânea), publicadas respetivamente em 1878 e 1879. Escreveu também sobre estética,
Problémes de l’esthétique contemporaine (Problemas da estética contemporânea, 1884) e o
livro publicado póstumo (1889) com o título L’art au point de vue sociologique (A arte desde o
ponto de vista sociológico). Mas pelo que mais se lhe conhece é por seu Esquisse d’une morale
sans obligation nem sanction[467] e por L ’irréligión de l’avenir.[468] Publicados respetivamente
em 1885 e 1887, estes livros foram conhecidos e estimados por Nietzsche. Éducation et
hérédité[469] publicou-se póstuma em 1889 e A genèse de l’idée de temps (A génesis da ideia de
tempo) apareceu em 1890 e foi revisada por Bergson.[470]

Até verdadeiro ponto, M. J. Guyau concorda com a teoria de sua padrastro sobre as idées-
forces. O pensamento está dirigido à ação, e é mediante a ação como se resolvem, em parte
embora não por completo, “os problemas que origina o pensamento abstrato”.[471] Mas o
relacionamento do pensamento à ação expressa algo mais profundo e mais universal, a saber, o
criativo movimento da vida. Claro que esta noção não deve ser entendido em um sentido teísta.
A profundidade da filosofia de Guyau estava constituído pelo conceito de um universo
envolvente, sem doutrina nenhuma de uma causa sobrenatural ou de um criador do universo.
Considerava, empero, a evolução como o processo pelo que a vida chega ao ser e no que sua
criadora atividade vai produzindo sucessivamente forma superiores. A consciência é só “um
ponto luminoso na grande esfera escura da vida”.[472] A consciência pressupõe a ação intuitiva
que expressa uma infraconsciente vontade de viver. De modo que, se entendemos por “ideias”
as que se têm ao nível da consciência, seu relacionamento com a ação é a forma adotada a um
nível particular pelo dinamismo da vida, é sua atividade criativa. “A vida é fecundidad”;[473]
mas não tem outro fim que sua própria manutenção e sua intensificação. A insistencia
bergsoniana no devir, a vida e o élan vital acham-se já presentes no pensamento de Guyau, mas
sem aquela crença em um Deus criador que teria de chegar a ser, pelo menos eventualmente, um
rasgo notorio da filosofia de Bergson.

Guyau desenvolve sua teoria ética nos termos de sua concepção da vida. Parece-lhe que as
tentativas de proporcionar uma firme base teórica à moral foram infructuosos. Essa base
necessária não podemos a encontrar, sem mais, no abstrato conceito de obrigação. Pois este
conceito por si mesmo pouco pode nos servir de script. Ademais, há quem sentiram-se na
obrigação moral de seguir linhas de conduta que em qualquer caso as consideramos inmorales
ou irracionais. Mas se a moral de tipo kantiano não nos vai orientar, também não o farão o
hedonismo nem o utilitarismo. É sem dúvida um fato de experiência que os seres humanos
tendem a efetuar as atividades que lhes foram gratas e a evitar as que lhes resultaram penosas.
Mas uma tendência ou urgência bem mais fundamental é a da vida a expandir-se e intensificar-
se, tendência que opera não só ao nível consciente senão também ao infraconsciente e instintivo.
“O fim que em realidade determina toda ação consciente é também a causa que produz toda ação
inconsciente: é a vida mesma[...].”[474] A vida, que por sua mesma natureza pugna por se
conservar, insensificarge e se expandir, é a causa e o fim de toda ação, instintiva ou consciente.
E a ética deveria ser interessado pelos meios da intensificação e autoexpansión da vida.

A expansão da vida interpreta-a Guyau largamente em termos sociais. Vale dizer, o ideal
moral tem de achar na cooperação humana, no altruismo, no amor e a fraternidad, não no
autoaislamiento e o egoísmo. Ser tão social como possa um o ser é o autêntico imperativo moral.
Verdadeiro que a ideia da intensificação e expansão da vida, tomada em si mesma, pode parecer
que autoriza, e de fato autoriza, ações que, segundo os padrões da moral convencional, se
consideram inmorales. Mas, para Guyau, um importante fator do progresso humano é a busca
da verdade e o fomento do avanço intelectual, e em sua opinião o desenvolvimento intelectual
tende a inhibir a conduta puramente instintiva e animalesca. Mas a prosecución da verdade teria
de ir casal à prosecución do bem, especialmente na forma da fraternidad humana, e também à
prosecución da beleza. Cabe acrescentar que os prazeres que acompanham às atividades
superiores do homem são precisamente aqueles que podem ser desfrutado em comum. Por
exemplo, o deleite que a mim me produz uma obra de arte não lhe priva a nenhuma outra pessoa
de um desfrute similar.

Não só a moral, senão também a religião é interpretada por Guyau em termos do conceito
de vida. A religião, como fenômeno histórico, teve um caráter largamente social, e a ideia de
Deus foi uma projeção da consciência e a vida sociais do homem. À medida que desenvolveu-
se a consciência moral, mudou no homem o conceito de Deus, que passou de déspota caprichoso
a amante Pai. Mas a religião estava por todos os lados claramente vinculada à vida social do
homem, sendo expressão dela e contribuindo a sua manutenção. Aqui convém advertir que,
embora Guyau considera como mítica a ideia de Deus, o título de seu livro L’irréligion de
l’avenir é algo desorientador. Por “religião” entende ele antes de mais nada a aceitação de
dogmas inverificables impostos por organizações religiosas. Uma religião significa para ele um
sistema religioso organizado. Opina que a religião, entendida neste sentido, está desaparecendo
e deveria desaparecer do tudo, já que inhibe a intensificação e expansão da vida, por exemplo
da vida intelectual. Mas não prevê que desapareça o sentimento religioso, nem também não o
idealismo ético, que foi um rasgo característico das religiões superiores. A este respecto, Guyau
não propugna a erradicación de todas as crenças religiosas no sentido ordinário. A tentativa de
destruir toda fé religiosa é para ele tão desatentado e fanático como o de impor tais crenças.
Embora o idealismo ético é de seu suficiente, o mais provável é que no futuro tenha gentes,
como as teve no passado, com umas crenças religiosas definidas. Se essas crenças forem a
expressão espontânea, por assim o dizer, das personalidades de quem as aceitam, e se se tomam
como hipóteses que ao crente lhe pareçam razoáveis, terá que as dar por boas, com a condição
que não se tente impor aos demais. Em outras palavras, a religião do futuro será uma questão
puramente pessoal, algo diferente da transformação da “religião” em valores éticos livremente
aceitados e comummente reconhecidos.
A Guyau tem-se-lhe comparado com Nietzsche. Também se lhe tem qualificado de
positivista. Quanto ao primeiro, é evidente que há alguma afinidad entre os dois filósofos, pois
ambos expõem uma filosofia da intensificação da vida e da pujanza vital. Mas é igualmente
óbvio que entre um e outro há diferenças importantes: a insistencia de Guyau na solidariedade e
fraternidad humana é marcadamente diferente da insistencia de Nietzsche na categoria e a
diversificación. Quanto ao positivismo, no pensamento de Guyau há, sem dúvida, rasgos
positivistas e naturalistas; mas o que passa a ocupar o centro da cena é sua idealismo ético. De
todos modos, embora desde alguns pontos de vista quiçá pareça estranho incluir a Guyau entre
os representantes do movimento “espiritualista”, o verdadeiro é que tem em comum com eles
uma firme confiança na liberdade humana e na emergência do novo dentro do processo
evolutivo; e a sua filosofia da vida corresponde-lhe claramente este posto na linha de pensamento
cujo expoente mais conhecido é Bergson.[475]
Capítulo IX
Henri Bergson - I

1. Vida e obra.

Henri Bergson (1859-1941) nasceu em Paris e estudou no Lycée Condorcet. Segundo refere
ele mesmo, lhe atraíam tanto as matemáticas como as letras, e quando finalmente optou pelas
últimas, seu professor de matemáticas visitou a seus pais para protestar de tal decisão. Ao deixar
em 1878 o liceo, passou Bergson a estudar na École Nórmale. Durante os anos 1881-1897
ensinou sucessivamente nos liceos de Angers, Clermont-Ferrand[476] e Paris. De 1897 a 1900
foi professor na Ecole Nórmale e de 1900 a 1924[477] ensinou no Collége de France, onde suas
conferências atraíam inclusive a gentes não acadêmicas e pertencentes ao grande mundo de
Paris.[478] Sendo já membro do Instituto e da Academia de Ciências Morais e Políticas, foi eleito
para a Academia Francesa em 1914 e recebeu em 1928 o premio Nobel de Literatura.

Depois da Primeira guerra mundial, se afanó Bergson por promover o bom entendimento
internacional, e durante algum tempo presidiu o comitê para a cooperação intelectual
estabelecido pela Sociedade de Nações, até que se viu forçado a se retirar por sua má saúde. No
último ano de sua vida aproximou-se muito Bergson à Igreja Católica, e em sua testamento
declarou que se teria feito católico de não ter sido por seu desejo de permanecer junto aos seus
— ele era judeu — durante a perseguição que estavam padecendo dos nazistas.[479]

A primeira obra famosa de Bergson foi sua Essai sul lhes données immédiates da conscience
(Ensaio sobre os dados imediatos da consciência), que apareceu em 1889. O tema de que trata
está talvez melhor indicado no título que se pôs à versão inglesa; Time and Free Will (O tempo
e a vontade).[480] A esta obra seguiu-lhe em 1896 a titulada Matière et mémoire,[481] que deu a
Bergson a ocasião de tratar mais em general o relacionamento entre a mente e o corpo. Em 1900
publicou o ensaio intitulado Lhe rire (O riso)[482] e em 1903 apareceu na Revue de métaphysique
et de morale sua Introduction à a métaphysique (Introdução à metafísica).[483] Sua obra mais
famosa, L’évolution créatrice[484] apareceu em 1907, e foi seguida por L’énergie spirituelle[485]
em 1910 e Durée et simultanéité.[486] Em 1932 publicou Bergson seu notável trabalho sobre a
moral e a religião, Lhes deux sources da morale et da religião,[487] Uma coleção de ensaios
titulada A pensée et lhe mouvant[488] foi publicada em 1934. Três volumes de Écrits et paroles
foram preparados por R. M. Mossé-Bastide e publicados em Paris em 1957-1959, com um
prefacio de Edouard Lhe Roy. Em 1959, ano centenário do nascimento de Bergson, saiu ao
público uma edição de suas obras.
2. Ideia bergsoniana da filosofia.

Embora Bergson teve em tempos muito renome, seu emprego da imagem e a metáfora, seu
estilo às vezes um tanto inchado ou também rapsódico, e certa falta de precisão em seu
pensamento contribuíram a que não lhe tenham em demasiada estima como filósofo quem
identificam a filosofia com a análise lógica ou conceptual e quem atribuem grande valor à
precisão do pensamento e da linguagem. Já se entende que isto ocorre, em primeiro lugar, nos
países onde prevaleceu o movimento analítico e ali onde se tendeu a ver em Bergson mais a um
poeta, ou até a um místico, que a um filósofo sério. Em alguns outros países, incluído o seu, caiu
no esquecimento por outra razão, a saber, a eclipsación da filosofia da vida pelo existencialismo
e a fenomenología, Parece ser que a agitación que faz poucos anos se produziu em torno dos
escritos de Teilhard de Chardin reavivó um tanto o interesse por Bergson, em vista das afinidades
que há entre os dois pensadores. Mas embora o muito que chegou a estar em boga Teilhard de
Chardin e o que se reconhecesse um relacionamento entre ele e seu predecessor Bergson pode
ter contribuído a que o pensamento deste pareça mais atual e relevante, não por isso diminui a
força das objeciones com que os analistas lógicos ou conceptuais impugnam o estilo bergsoniano
de filosofar, objeciones que, obviamente, são similares às que se lhe podem fazer a Teilhard de
Chardin.

As acusações contra o modo de filosofar de Bergson não carecem, por verdadeiro, de base.
Mas, ao mesmo tempo, ele não perde ocasião de recalcar que não trata de cumprir o tipo de
tarefa à que os analistas lógicos se dedicam por mais que fracassem notoriamente na tentativa.
Bergson tinha sua própria ideia da natureza e a função da filosofia, e seu modo de filosofar e até
seu estilo dependiam dessa ideia. Convirá, pois, que comecemos dando uma breve explicação
de seu conceito da filosofia.

Em um ensaio que escreveu especialmente para incluir na coleção intitulada A pensée et lhe
mouvant, começava Bergson afirmando, quiçá um tanto surpreendentemente, que “o que mais
falta tem estado fazendo em filosofia, é a precisão”.[489] O que ao escrever isto ocupava sua
mente eram os defeitos, segundo os via ele, dos sistemas filosóficos, os quais “não estão feitos
à medida da realidade em que vivemos”,[490] senão que são tão abstratos e tão vastos como para
tratar do abarcar tudo, o real, o possível “e até o impossível”.[491] A ele lhe pareceu ao princípio
que a filosofia de Herbert Spencer era uma exceção, já que, apesar de algumas vadias
generalidades, levava a marca da atualidade e estava modelada a tenor dos fatos. Ao mesmo
tempo, Spencer não penetrava muito a fundo nas ideias básicas da mecânica, e Bergson resolveu
completar esta tarefa. No entanto, ao tratar de fazê-lo, viu-se obrigado a considerar o tema do
tempo. Teve que distinguir entre o tempo matemático do homem de ciência, tempo que se rompe
e se reparte em momentos e que é concebido de uma maneira espacial, e o tempo “real”, pura
duração, continuidade, que nós podemos captar na experiência interior, mas só com dificuldade
somos capazes de conceptualizarlo.

Consequentemente, Bergson vem a conceber que a filosofia ou metafísica se baseia na


intuición, à que ele contrasta com a análise. Por análise entende a redução do complexo a seus
constitutivos simples, como quando um objeto físico é reduzido a moléculas, a átomos e
finalmente a “partículas” subatómicas, ou como quando uma ideia nova é explicada a base de
ordenar de outro modo cria que já se tinham. Por intuición entende ele a “consciência
imediata”[492] ou percepción direta de uma realidade. Bergson contrasta também a
simbolización, que é requerida pelo pensamento analítico, com a intuición, que não precisa de
simbolizaciones.[493] Mas embora a percepción intuitiva de uma realidade possa ser dado, de
seu, sem que esteja expressa em símbolos linguísticos, evidentemente não pode ter filosofia sem
conceptualización e linguagem. Greve dizer que Bergson é muito consciente disto. Para captar
o conteúdo de uma intuición e estimar seu significado e seu alcance ilustrativo, requer-se um
esforço de reflexão.[494] A ideia que expressa uma intuición parece ser, ao princípio, mais bem
escura que clara; e embora podem ser empregado termos apropriados, tais como “duração real”,
a expressão linguística não será realmente entendida a não ser que se participe na intuición. O
filósofo deve ser esforçado por conseguir clareza, mas não a conseguirá a não ser que a intuición
e a expressão vão, o digamos assim, da mão, ou que a simbolización se contrarreste mediante
uma volta à aprehensión intuitiva daquilo do que o filósofo está falando. Ademais, as imagens
podem desempenhar um papel muito útil sugerindo o conteúdo de uma intuición e facilitando a
participação nela.[495]

Resulta muito fácil dizer que a filosofia se baseia na intuición. Mas qual é o objeto dessa
intuición? Poderia ser respondido, em general, que é o movimento, o devir, a duração, aquilo
que só pode ser conhecido por aprehensión imediata ou intuitiva e não através de uma análise
reductivo que o distorsione ou que destrua sua continuidade. Dizer isto equivale a dizer (dentro
do enquadramento do pensamento de Bergson) que o objeto da intuición é a realidade. Pois na
segunda de suas Conferências de Oxford faz nosso filósofo a tão frequentemente citada
afirmação de que “há mudanças, mas não há, baixo a mudança, coisas que mudem: a mudança
não precisa suporte algum. Há movimentos, mas não há objeto inerte, invariável, que se mova.
O movimento não implica um móvel”.[496] No primeiro caso, empero, o objeto da intuición é,
como ocorria com Maine de Biran, a vida interior do eu, do espírito, Bergson observa, por
exemplo, que a existência só é dada na experiência. A seguir passa a dizer “que esta experiência
receberá o nome de visão ou contato, de percepción externa em general, se do que se trata é de
um objeto material; costuma receber, em mudança, o nome de “ intuición” quando atañe ao
espírito”.[497] Verdadeiro que, segundo o mesmo Bergson, o que antes de mais nada lhe interessa
é a duração real. Mas encontra-a na vida do eu, em “a visão direta do espírito pelo espírito”[498]
na vida interior.

Bergson pode, assim, manter que, enquanto a ciência positiva se ocupa do mundo material,
a metafísica “se reserva para sim o espírito”.[499] Isto talvez pareça patentemente falso, dada a
existência da psicologia. No entanto, para Bergson a psicologia, sendo uma ciência, trata o
espírito ou a mente como se fosse material. Isto é, analisa a vida da mente de um modo apto para
representá-la em analogia com os objetos espaciais e materiais. O psicólogo empírico não afirma
necessariamente que os fenômenos mentais sejam materiais; mas seu reductivo análise dos
objetos físicos fá-lo extensivo à mente e mostra-se reacio a considerar a esta como algo superior.
Em mudança, o metafísico toma por ponto de partida uma atuação intuitiva ou imediata da vida
interior do espírito tal como é vivida, e trata de prolongar esta intuición em sua reflexão.

Por conseguinte, a ciência e a metafísica têm diferentes objetos ou matérias de estudo,


segundo Bergson. Atribui ele “a matéria à ciência e o espírito à metafísica”. [500] Está, portanto,
bastante claro que não considera a filosofia como uma síntese das ciências particulares. Não há
para que sustentar que a filosofia possa “ir para além da ciência na generalização dos mesmos
fatos”.[501] A filosofia “não é uma síntese das ciências particulares”.[502] Os objetos da ciência e
da filosofia são diferentes, e o são também seus métodos. Pois a ciência é obra da inteligência e
trabalha a base de análise, enquanto a metafísica é, ou está baseada em e vive de, intuición.

Agora bem, o dizer que a ciência e a metafísica diferem uma de outra pela matéria e o método
não é, nem muito menos, deixar limpada a questão. Porque para Bergson a realidade é mudança
ou devir, duração real ou vida do espírito, e o mundo material do físico considera-o, alargando
a teoria do hábito de Ravaisson, como uma espécie de depósito feito pela vida no movimento de
seu avanço criativo. À pergunta, pois, de se é a ciência ou a metafísica a que nos revela a
realidade, terá que responder que é a metafísica. Porque é só na intuición onde a mente pode
percatarse de um modo direto do movimento real da vida.

Tenta Bergson fazer ver que ele não tem interesse nenhum em desprezar a ciência, e que
também não quer sugerir que ao filósofo possa lhe ser proveitoso deixar de lado os achados do
cientista. Explica, por exemplo, que quando faz questão da diferença entre as ciências positivas
e a filosofia o que se importa é apurar à ciência do “cientismo”, isto é, de uma metafísica que se
disfarça de conhecimento científico positivo, e libertar à filosofia de autoconcebirse
erroneamente como uma superciencia capaz de suplantar ao cientista em suas tarefas ou de lhe
proporcionar generalizações a partir de dados que o cientista é incapaz de se tentar. Saindo ao
passo às acusações que se lhe faziam de ser adverso à ciência, faz notar Bergson que “uma vez
mais o que precisamos é uma filosofia que se submeta ao controle da ciência e que possa também
contribuir ao avanço de esta”.[503] O funcionamento da inteligência é necessário para a ação, e a
ciência, produto da inteligência, é necessária para que o homem possa ter controle conceptual e
prático de seu ambiente, É mais, a ciência — Bergson o sugere com alguma vaguedad — pode
proporcionar verificação à metafísica,[504] enquanto a metafísica, como está baseada na intuición
da verdade, pode ajudar à ciência a corrigir seus erros. Portanto, permanecendo diferentes, a
ciência e a filosofia podem cooperar, e nenhuma delas deverá ser desprezada. Dado que diferem
em sua matéria e em seu método, são ociosas as disputas sobre sua relativa dignidade.

Obviamente justifica-se que Bergson faça questão da necessidade do funcionamento da


inteligência, e também na da ciência. Sem dúvida, as ideias de Bergson não são sempre, nem
muito menos, claras e inequívocas. Em ocasiões fala, por exemplo, como se o mundo das coisas
individuais, das substâncias que mudam, fosse uma ficção ou fabricação da inteligência. Em
outros momentos supõe que, em sua atividade individualizante, a inteligência faz distinções
objetivamente fundadas. Sua significação precisa fica escura. Ao mesmo tempo, é evidente que
não nos seria possível viver, em nenhum sentido reconocible do “viver”, simplesmente com a
consciência de um contínuo fluxo do devir. Sem um mundo de coisas diferentes não poderíamos
viver nem atuar. E este mundo não o poderíamos entender nem controlar sem a ciência. Daí que
Bergson faça muito bem assegurando que não tenta combater à ciência tachándola de supérflua.
Mas, uma vez dito tudo isto, segue sendo verdade que para ele é a intuición, não a inteligência,
e a metafísica mais bem que a ciência, as que nos revelam a natureza da realidade subjacente ao
construído, embora necessariamente construído, mundo do cientista. E quando Bergson diz que
a metafísica se submete ao controle da ciência, o que realmente quer dizer é que em sua opinião
a ciência moderna se está desenvolvendo de tal modo que mais bem confirma que desmente suas
teorias filosóficas. Em outras palavras, se damos como verdadeira a tese de Bergson, parece se
seguir que em feições importantes a metafísica tem de ser superior à ciência, por muito que
Bergson tente desentenderse de tais julgamentos de valor.

Já fizemos referência à atitude negativa de Bergson para com os sistemas filosóficos. Nem
que dizer tem que não lhe atraem nada as tentativas de deduzir a priori a estrutura da realidade
partindo de proposições pretendidamente verdadeiras e evidentes de por si. Quem estima que “a
filosofia nunca admitiu com franqueza esta contínua criação de imprevisível novidade”[505] é
óbvio que não está disposto a ver com bons olhos nenhum sistema de tipo espinozista. De fato,
Bergson nega explicitamente que tenha a intenção de construir qualquer espécie de sistema
omnicomprensivo. O seu é considerar diferentes questões sucessivamente, refletindo sobre os
dados com que se conta em diversos campos.[506] Algumas das questões que aos filósofos
metafísicos lhes pareceram muito importantes são despachadas por Bergson como
pseudoproblemas: “Por que há algo e não nada?”, e “Por que há ordem e não desordem?”, são
perguntas que põe como exemplos de pseudoproblemas ou, pelo menos, de questões mau
propostas.[507] Em vista de sua fama de aficionado aos altos voos poéticos e à linguagem
imaginativo e impreciso, compraze-lhe a Bergson recalcar o fato de que ele tenta ser todo o
concreto e fiel que pode ser sido para com a realidade tal como a experimentamos. Verdadeiro
que de seus escritos sucessivos emerge uma visão do mundo mais ou menos unificada. Mas isto
se deve à convergência de suas várias linhas de pensamento mais que a nenhuma intenção
deliberada de construir um sistema omnicomprensivo. Há, naturalmente, algumas ideias-finque
que se repetem e que aparecem por todos os lados, como as de intuición e duração; mas não são
postuladas de antemão como as premisas de um sistema deductivo.

Quando Bergson trata da vida mental, não há grande dificuldade em compreender o que
entende ele por intuición, embora a um não lhe acabe de gostar o termo. É equivalente à
consciência imediata de Maine de Biran. Mas quando Bergson volta a uma teoria geral da
evolução, como em L ’évolution créatrice, não é tão fácil ver como pode ser dito que esta teoria
está baseada na intuición. Embora nós tenhamos consciência imediata de um impulso vital ou
élan vital em nós mesmos, faz falta extrapolar bastante as coisas para converter esta intuición na
base de uma teoria geral da evolução. Olha-as da filosofia de l ’esprit chegam a ser bem mais
amplas que as de qualquer tipo de psicologia reflexiva. Mas será melhor que não discutamos
estas matérias dantes de ter examinado os temas que Bergson pesquisou sucessivamente.

3. Tempo e liberdade.

No prefacio a Tempo e vontade livre anuncia Bergson sua tentativa de estabelecer que “toda
discussão entre os deterministas e seus oponentes implica uma confusão prévia da duração com
a extensão, da sucessão com a simultaneidad e da qualidade com a quantidade”.[508] Tão cedo
como fique eliminada esta confusão se verá seguramente como se esfuman as objeciones contra
a liberdade, bem como as definições que desta se deram e “em verdadeiro sentido, até o problema
mesmo da vontade livre”.[509] Em tal caso, Bergson tem que explicar desde depois a natureza da
suposta confusão, dantes de passar a fazer ver como afeta sua eliminação ao determinismo.

Os objetos físicos concebemo-los, segundo Bergson, como existindo e ocupando posições


em “um médio homogéneo e vazio”,[510] ou seja, no espaço. E é o conceito do espaço o que
determina nossa ideia ordinária do tempo, o conceito do tempo que se emprega nas ciências
naturais e para os fins da vida prática. Isto é, concebemos o tempo segundo a analogia de uma
linha ilimitada composta de unidades ou momentos exteriores uns a outros. Esta ideia dá origem
a acertijos semelhantes aos que propôs antigamente Zenón.[511] Mas nos capacita para medir o
tempo e para fixar a ocorrência de eventos, como simultâneos ou como sucessivos, no interior
desse tempo que é ele mesmo vazio e homogéneo como o espaço. Este conceito do tempo é, de
fato, a ideia espacializada ou matematizada da duração. A duração pura, da que podemos
percatarnos intuitiva ou imediatamente na consciência de nossa própria vida mental interior, isto
é, quando penetramos em sua profundeza, é uma série de mudanças cualitativos que se fundem
e compenetran entre si, de sorte que a cada “elemento” representa o tudo, o mesmo que uma
frase musical, e não é realmente uma unidade isolada, senão só por efeito da abstração
intelectual. A duração pura é uma continuidade de movimento, com diferenciaciones cualitativas
mas não cuantitativas. Pode-lha, pois, qualificar de heterogénea, não de homogénea. Agora bem,
a linguagem “requer que estabeleçamos entre nossas ideias as mesmas distinções claras e
precisas, a mesma descontinuidade, que entre os objetos materiais”.[512] O pensamento
discursivo e a linguagem exigem que rompamos o ininterrumpido fluir da consciência[513] o
dividindo em estações diferentes e numerables que se acontecem uma a outra no tempo,
representado como um médio homogéneo. Este conceito do tempo é, empero, “tão só o espetro
do espaço aparecendo-lhe-lhe à consciência reflexiva”,[514] enquanto a duração pura é “a forma
que adota a sucessão de nossos estados de consciência quando nosso ego se deixa a si mesmo
viver, quando se abstém de fazer uma separação entre seu estado presente e os que lhe
precederam”.[515] Pode ser dito, efetivamente, que a ideia de duração pura expressa a natureza
da vida do eu mais profundo, enquanto o conceito do eu como uma sucessão de estados
representa o eu superficial, criado pela inteligência espacializante. A duração pura é captada na
intuición, na que o eu coincide com sua própria vida, enquanto o eu da psicologia analítica é o
resultado de um nos olhar a nós mesmos como a espetadores externos, como se estivéssemos
olhando objetos físicos exteriores a nós.

Suponha-se agora que concebemos o eu como uma sucessão de estações ou estados


diferentes no tempo espacializado. Nada mais natural então que pensar que o estado precedente
é a causa do estado seguinte. Mais ainda, os sentimentos e os motivos os teremos por entidades
diferentes que causam ou determinam outras entidades sucessivas. Isto quiçá pareça exagerado
e trazido por um fio. Mas pode ser visto que não o é com só refletir envelope qualquer conversa
em torno de motivos que determinem decisões. Em tal linguagem, aos motivos se. os hipostatiza
claramente e confere-se-lhes uma existência substancial própria. Bergson afirma de modo que
há uma estreita vinculação entre o determinismo e a psicologia asociacionista. E em sua opinião
nada se lhe pode replicar ao determinismo se se supõe que esta psicologia é suficiente. Pois tem
escasso sentido descrever um estado de consciência como a oscilação entre duas decisões
mutuamente exclusivas e a opção, depois, por uma delas quando poderia se optar pela outra. Se
aceita-se a psicologia asociacionista como adequada e suficiente, é perda de tempo andar
buscando respostas ao determinismo. Uma vez tenhamo-nos deixado meter em seu próprio
terreno, não poderemos refutar aos deterministas. O que faz falta é trazer a debate toda sua
concepção do eu e da vida do eu. E, segundo vê Bergson as coisas, isto significa contrapor a
ideia de duração pura à do tempo espacializado ou geométrico. Se ao tempo faz-se-lhe similar
ao espaço e concebem-se os estados de consciência por analogia com os objetos materiais, o
determinismo é inevitável. Em mudança, se a vida do eu é vista em sua continuidade, em sua
ininterrumpido fluir, também pode ser compreendido que alguns atos brotem da totalidade, da
personalidade inteira; e estes atos são livres, “Somos livres quando nossos atos dimanan de toda
nossa personalidade, quando a expressam, quando têm com ela aquele indefinible parecido que
em ocasiões acha um entre o artista e sua obra.”[516]

Leva, assim, adiante Bergson aquela insistencia na liberdade humana que encontramos entre
seus predecessores no movimento espiritualista. Boa parte do que a este propósito se lhe ocorre,
especialmente em forma de crítica ou ataque, dá bastante na mosca. Está bem claro, por exemplo,
que dizer que as decisões de um homem são determinadas por seus motivos é induzir a engano,
já que sugere que um motivo é uma entidade substancial que empurra a um homem, como desde
fora, a atuar em um sentido determinado. Ademais, enquanto o determinismo do caráter,
segundo é apresentado por escritores como J. Séc. Mill, pode resultar muito aceitável, dizer que
as ações de um homem são determinadas por seu caráter implica que ao sustantivo “caráter” lhe
corresponde um bloco entitatívo que exerce atividade causal em uma única direção sobre a
vontade. Em general, a tese de Bergson de que os deterministas, especialmente os que
pressupõem a psicologia asociacionista, são cativos de uma concepção espacial está bem
argüida.

Mas disso não se segue que Bergson defenda a “liberdade de indiferença”. Pois, tal como
concebe ele esta teoria, implica a mesma espécie de erro que pode ser achado nos
deterministas.[517] Opina Bergson que “toda definição da liberdade assegurará a vitória do
determinismo”.[518] Porque a definição é o resultado da análise, e este implica a transformação
do processo em uma coisa e da duração em extensão. A liberdade é a indefinible “relacionamento
do eu concreto com o ato que este eu realiza”.[519] É algo do que nos percatamos imediatamente,
mas não é algo que seja suscetível de prova. Pois a tentativa de prová-lo supõe já adotar o mesmo
ponto de vista que leva ao determinismo, o ponto de vista desde o qual se identifica o tempo
com o espaço ou, em qualquer caso, lho interpreta em termos espaciais.

Bergson, naturalmente, não mantém que todas as ações realizadas por um ser humano sejam
ações livres. Distingue entre “dois diferentes yos, um dos quais é algo bem como a projeção
externa do outro, sua representação espacial e, poderíamos dizer, social”.[520] Recorda-lhe-nos
aqui a distinção kantiana entre o eu fenoménico e o eu nouménico; mas Kant é achado em falta
por Bergson com respeito a sua explicação do tempo. Para Bergson, atos livres são aqueles que
procedem do eu considerado como duração pura. “Atuar livremente é recuperar a posse de um
mesmo, voltar a entrar dentro da duração pura.”[521] “Mas uma grande parte de nossas vidas é
vivida ao nível do eu superficial, nível no que, mais que atuar nós mesmos, se atua envelope nós,
por exemplo mediante a pressão social. E é por isso que raramente somos livres.”[522] Esta teoria
permite-lhe a Bergson, ao que parece, evitar a embarazosa posição de Kant, isto é, a noção de
que umas mesmas ações são desde um ponto de vista determinadas e desde outro livres. Até pára
Bergson, desde depois, um ato livre, que brota do eu “mais profundo” ou da personalidade
inteira, aparece como determinado e é situado, por assim o dizer, no tempo homogéneo e
espacializado. Mas este ponto de vista considera-o errôneo, ainda que seja preciso adotá-lo para
fins práticos, sociais e cientistas.

O que a Bergson se lhe oferece dizer envelope os dois níveis do eu recorda não só a filosofia
kantiana, senão também a mais recente distinção existencialista entre a existência autêntica e a
inauténtica. Há, por suposto, diferenças consideráveis entre a filosofia de Bergson e o
existencialísmo, como as há também entre os diversos ramos do existencialismo. E também não
é questão de representar-se o existencialismo como um desenvolvimento histórico da filosofia
bergsoniana da vida. Trátase mais bem de afinidades. Na corrente espiritualista e no
existencialismo podemos ver um ataque contra o “cientismo”, ataque que se manifesta com o
fazer questão da liberdade humana e com a interpretação da mesma a base da ideia de algum
tipo de eu mais profundo. Se consideramos a filosofia de Karl Jaspers, veremos que sua tese de
que desde a posição de espetadores externos, que é a do cientista objetivante, se faz impossível
evitar um determinismo pelo menos metodológico, enquanto a liberdade é algo do que o agente,
assim que agente, tem consciência, é uma tese próxima à de Bergson. Que quem influíram no
pensamento de Jaspers fossem Kant, Kierkegaard e Nietzsche mais bem que Bergson, não altera
o fato de que há alguma afinidad entre suas linhas de pensamento.

4. Memória e percepción: o relacionamento entre o espírito e a


matéria.

Em Matéria e memória tenta Bergson resolver o problema do relacionamento entre o espírito


e o corpo. Na introdução diz que o livro afirma a realidade de ambos, do espírito e da matéria, e
que sua posição é, portanto, francamente dualista. Verdadeiro que fala da matéria como de um
agregado de imagens; mas ao empregar a palavra “imagem” não pretende dar por suposto que o
objeto físico exista só na mente humana. Queira, mais bem, que se entenda que o objeto é o que
nós percebemos que é, e não algo inteiramente diferente. Se trata-se, por exemplo, de um objeto
vermelho, é o objeto o que é vermelho. A rojez não é algo subjetivo. Em fim, o objeto físico é
“uma imagem, mas uma imagem que existe em si mesma”.[523] Entre tais objetos físicos há um
que eu conheço não só por percepción senão também “desde dentro mediante afecciones. É meu
corpo”.[524] Qual é o relacionamento entre meu corpo e meu espírito? Designadamente, são
identificables os processos mentais com os processos físicos que se produzem no cérebro, de
sorte que o falar daqueles primeiros e o falar destes últimos sejam simplesmente duas linguagens
ou modos de falar que se referem ao mesmo? Ou é a mente, o espírito, um epifenómeno do
organismo cerebral, de maneira que dependa por completo, em todo momento, do cérebro?
Enunciando de outra forma a questão, é o relacionamento entre o espírito e o cérebro de tal
espécie que quem tivesse um completo conhecimento do que estava passando no cérebro teria
por isso mesmo um conhecimento detalhado do que estava acontecendo na consciência?

Observa Bergson que “a verdade é que teria um modo, só um, de refutar o materialismo: o
de provar que a matéria é nem mais nem menos que o que parece ser”.[525] Porque se a matéria
não é outra coisa que o que parece ser, já não há razão nenhuma para atribuir a materialidad a
capacidades ocultas tais como o pensamento. Esta é uma razão de que siga Bergson tratando
algo por extenso a natureza da matéria. Mas, embora o que Bergson considera que é a atitude do
sentido comum bastaria, a reflexão filosófica requer algo mais. E Bergson trata de solucionar
seu problema mediante um estudo da memória, baseando-se em que a memória, por representar
“precisamente o ponto de interação entre o espírito e a matéria”,[526] parece proporcionar o mais
forte apoio ao materialismo e ao epifenomenismo. No entanto, o estudo da memória implica
também um estudo da percepción, já que a percepción está “totalmente impregnada de imagens
mnémicas” que a completam ao mesmo tempo que a interpretam.[527]
Para poupar-nos/poupá-nos uma longa disquisición, distingue Bergson entre duas espécies
de cor: em primeiro lugar está a memória consistente em mecanismos motores que parecem ou
são hábitos. Assim, pode um se aprender, como se costuma dizer, de carretilla, certa série de
palavras, uma lição ou um poema. E quando se produz o estímulo apropriado, se dispara o
mecanismo e começa a funcionar. Dá-se aqui “um fechado sistema de movimentos automáticos
que se acontecem uns a outros na mesma ordem e ocupam o mesmo tempo”.[528] A memória,
neste sentido de repetição mecânica, é um hábito corporal, como o de andar; considerada
precisamente como tal, não inclui representação mental do passado, senão que é mais bem uma
aptidão corpórea, uma disposição orgânica a responder de verdadeiro modo a determinados
estímulos. A memória assim entendida não a têm tão só os seres humanos. A um loro, por
exemplo, pode-se-lhe treinar para que responda a um estímulo emitindo certas palavras
sucessivamente. Esta classe de cor é diferente do que Bergson chama “memória pura”, a qual é
representação e registra “todos os acontecimentos de nossa vida diária”,[529] sem descurar
nenhum detalhe. A memória neste sentido é espiritual, e já se compreende que admitir sua
existência equivale a admitir que uma parte da mente é infraconsciente. Se o total de meu
passado armazena-se, digamo-lo assim, em minha mente em forma de imagens mnémicas, é
óbvio que só umas poucas dessas imagens são devolvidas integralmente à consciência em um
momento dado. Devem de estar, pois, armazenadas na zona infraconsciente da mente.
Efetivamente, se a totalidade de meu passado, com todos seus detalhes, estivesse presente a
minha consciência simultaneamente, a ação chegaria a ser impossível. E aqui temos a chave para
entender o relacionamento entre o cérebro e a memória pura. Isto é, a função do cérebro, segundo
Bergson, é impedir que a memória pura invada a consciência, e deixar entrar só nesta aquelas
lembranças que tenham que ver de algum modo com a ação proposta ou requerida. Em si mesma,
a memória pura é espiritual; mas seus conteúdos são como filtrados pelo cérebro. Naturalmente
que a memória pura e a memória-hábito vão juntas na prática, por exemplo na repetição
inteligente de algo aprendido. Mas não deveria lhas confundir. Pois esta confusão é o que presta
apoio ao materialismo.

O conceito de cor pura é conectado por Bergson com o de duração pura. E sustenta,
recorrendo ao estudo de fenômenos patológicos como a afasia, que não há nenhuma prova
decisiva de que as lembranças estejam localizadas espacialmente no cérebro. Em sua opinião, o
cérebro não é um armazém de lembranças, senão que desempenha um papel análogo ao de uma
central telefônica. Se pudesse ser penetrado no cérebro e ver claramente todos os processos que
nele têm local, provavelmente todo o que encontraríamos ali seriam “movimentos planificados
ou preparados”.[530] Ou seja, que o estado cerebral representa só uma pequena parte do estado
mental, a saber “aquela parte que é capaz de se traduzir em movimentos de locomoção”.[531] Em
outras palavras, Bergson trata de refutar o paralelismo psico-físico ou psico-neural, arguyendo
que o estado do cérebro indica o do espírito ou da mente enquanto que a vida psíquica está
orientada para a ação e é o remoto começo ou, pelo menos, a preparação da ação.

A percepción, insiste Bergson, é de diferente natureza que a lembrança. Na percepción o


objeto percebido está presente como objeto de uma intuición do real, enquanto na lembrança se
rememora um objeto ausente. Mas embora a percepción seja uma intuición do real, é errôneo
supor que a percepción assim que tal esteja orientada ao conhecimento puro. Pelo contrário, está
“inteiramente orientada para a ação”.[532] Ou seja, que a percepción é, basicamente, seletiva
tendo em vista a possível ação ou reação. É de caráter utilitario. Concentra-se de raiz no que
possa responder a uma necessidade ou a uma tendência. E cabe supor que nos animais a
percepción não é, geralmente, senão isto.[533] À medida que ascendemos pelos estádios da
evolução da vida orgânica até entrar na esfera da consciência e a liberdade, vai aumentando a
área da ação possível e da subjetividad da percepción. Mas a percepción em si mesma, a
“percepción pura”, está orientada à ação. E não é o mesmo que a lembrança. Se nossas
percepciones fossem todas “puras”, simples intuiciones de objetos, a função da consciência seria
as unir por médio da memória. Mas isto não seria as converter em lembranças ou atos de
recordación.

De fato, empero, a percepción pura tem bastante de conceito limite. “A percepción nunca é
um simples contato da mente com o objeto presente. Está toda ela impregnada de imagens
mnémicas que a completam a interpretando.”[534] A memória pura manifesta-se em imagens, e
estas imagens entram a fazer parte de nossas percepciones. Em teoria podemos distinguir entre
memória pura e percepción pura. E para Bergson é importante que se faça a distinção. Caso
contrário, por exemplo, a lembrança se interpretaria como uma forma acorda da percepción,
quando, de fato, difere dela em espécie e não só em intensidade. Mas, na prática, a lembrança e
a percepción se interpenetran. Dito com outras palavras, a percepción, em sua forma concreta
ou atual, é uma síntese de cor pura e percepción pura, e, portanto, “de mente (esprit) e
matéria”.[535] Na percepción concreta a mente contribui com imagens mnémicas, que dão ao
objeto da percepción uma forma completa e significante. Em opinião de Bergson, esta teoria
ajuda a superar a oposição entre o idealismo e o realismo e derrama também luz sobre o
relacionamento entre a mente ou o espírito e o corpo. “A mente (o espírito) tomada prestadas da
matéria as percepciones, das que saca seu alimento, e lhas devolve à matéria em forma de
movimento sobre o que pôs a impronta de sua própria liberdade.”[536] A percepción pura, que
como conceito limite é a coincidência do sujeito e o objeto, pertence ao lado da matéria. A
memória pura, que manifesta duração real, pertence ao lado do espírito. Mas a memória, como
“síntese do passado e o presente com olha ao futuro”[537] conjunta ou une as sucessivas fases da
matéria para as utilizar e se manifestar a si mesma mediante as ações, as quais são a razão de
que o alma esteja unida com o corpo. Em opinião de Bergson, o espírito e a matéria, a alma e o
corpo, estão unidos para a ação; e esta união tem de entender-se não em termos espaciais,[538]
senão em termos de duração.

Como ocorre com outros escritos de Bergson, a maioria dos leitores de Matière et mémoire
encontram com frequência difícil compreender seu sentido preciso. E têm seu bom direito a
suspeitar que, se não conseguem o achar, não é por culpa deles. Agora bem, a posição geral de
Bergson pode ser resumido assim: O corpo é “um instrumento da ação e só da ação”.[539] A
percepción pura é ação virtual, pelo menos no sentido de que destaca do campo dos objetos o
objeto que interessa desde o ponto de vista da possível ação corpórea. “A ação virtual das coisas
sobre nosso corpo e de nosso corpo sobre as coisas é nossa percepción mesma.”[540] E o estado
do cérebro corresponde exatamente à percepción. Mas, de fato, a percepción não é “percepción
pura”, senão que está enriquecida e é interpretada pela memória, que, em si mesma, como
“memória pura”, é “algo diferente de uma função do cérebro”.[541] A percepción, tal como
realmente a experimentamos (ou seja, impregnada de imagens mnémicas), é, portanto, um ponto
no que o espírito e a matéria, a alma e o corpo, se interseccionan dinamicamente, com uma
orientação à ação.[542] E enquanto o elemento “percepción pura” corresponde exatamente ao
estado do cérebro ou aos processos cerebrais, não pode ser dito o mesmo do elemento “memória
pura”. O espírito ou a mente não é em si uma função do cérebro, nem um epifenómeno, mas,
assim que orientado à ação, depende do corpo, do instrumento da ação; e a ação virtual, que
prefigura ou planifica e prepara a ação real, depende do cérebro. Uma lesão do cérebro pode
inhibir a ação; mas, em mudança, não deve ser pensado que nenhuma lesão destrua a mente ou
o espírito em si.[543]

5. Instinto, inteligência e intuición no contexto da teoria da evolução.

Em Tempo e vontade livre e em Matéria e memória, Bergson, tratando problemas


particulares, introduz aos leitores a suas ideias do tempo matemático ou espacializado e da
duração pura; da inteligência analítica, dominada pelo conceito de espaço, e pelo da intuición;
da matéria como o campo do mecanismo, e do espírito como a esfera da liberdade criativa; do
homem enquanto agente mais que como espetador, e da inteligência que serve às necessidades
da ação, embora o homem, pela intuición, é capaz de captar a natureza do devir, tal como se
manifesta em sua própria vida interior. Na evolução criadora expõe estas ideias em um contexto
mais amplo. No ano do nascimento de Bergson, 1859, foi também o da publicação da origem
das espécies. Mas embora a teoria da evolução em general penetrava todo seu pensamento,
Bergson se sentia incapaz de aceitar qualquer interpretação mecanicista dela, incluindo o
darwinismo. A teoria da “seleção natural”, por exemplo, na que através de variações casuais o
organismo se vai adaptando para sobreviver, lhe parecia totalmente inadequada. No processo da
evolução podemos ver um auge da complexidade. Agora bem, a maior complexidade implica
maior risco. Se o valor sobrevivencia fosse o único fator, caberia esperar que a evolução se
detivesse nos mais simples tipos de organismo. Quanto às variações ocasionas ou fortuitas, se
ocorressem em uma parte de um todo (por exemplo no olho), poderiam impedir o funcionamento
deste tudo. Para que o todo funcione bem tem de ter coordenação ou coadaptación; e atribuir
esta simplesmente à “casualidade” é pedir demasiado à credulidad. Ao mesmo tempo, a Bergson
parecia-lhe inaceitável explicar a evolução em termos de finalidade, se a ideia de finalidade
tivesse que entender no sentido de que o processo evolutivo fosse simplesmente o lucro ou a
realização de um fim predeterminado. Pois este tipo de teoria eliminava toda novidade e
criatividade e em algumas feições importantes se assemelhava ao mecanicismo. Claro que
acrescentava a ideia de um fim preconcebido ou predeterminado; mas nem no caso de uma
explicação mecanicista nem no de uma explicação teleológica[544] ficava local algum para a
emergência do novo.

Em opinião de Bergson, a chave da evolução da vida em general temos de buscar na vida


interior do homem. Em nós mesmos temos consciência, ou mais bem podemos a ter, de um
impulso vital, um élan vital, que se manifesta na continuidade de nosso próprio devir ou duração.
Pelo menos como hipótese especulativa nos é lícito extrapolar esta ideia e postular “um impulso
original de vida, que vai passando das sementes de uma geração às da geração seguinte por
conduto dos organismos desenvolvidos que formam o vínculo unitivo entre as gerações
seminales”.[545] Este impulso é considerado por Bergson como a causa das variações, ao menos,
das passadas, que produziram o cúmulo das novas espécies.[546] Seu modo de fazer não deve ser
tido por análogo ao dos artífices mecânicos que juntam peças já preparadas para formar um tudo,
senão mais bem como uma ação organizadora,[547] que procede de um centro para fora,
efetuando a diferenciación no mesmo processo. O élan vital tropeça com a resistência da matéria
inerte; e em seu esforço por vencer esta resistência abre novas sendas. De fato, é o choque da
“explosiva” atividade do impulso vital com a matéria que se lhe resiste o que origina o
desenvolvimento de diferentes linhas e níveis de evolução. Em seu enérgico atuar criativo, o
impulso vital trasciende a fase de organização que atingiu. Por isso Bergson compara o
movimento evolutivo com o fragmentarse de uma bomba ao explodir, sempre que nos
imaginemos que os fragmentos são eles também outras tantas bombas que a sua vez
explodem.[548] Quando o impulso vital organiza com sucesso a matéria a um verdadeiro nível,
continúase dando o impulso a esse nível nas séries de indivíduos, membros da espécie em
questão. Mas a energia criadora do élan vital não se esgota a um nível determinado, senão que
se segue expressando novamente.

Segundo Bergson, a evolução avança em três direções principais: a da vida da planta, a da


vida instintiva e a da vida inteligente ou racional. Com isto não se nega que as diferentes forma
de vida tenham uma origem comum em organismos mais primitivos e mal diferenciados. Nem
pretende-se dar por suposto que não têm nada em comum. Mas sim quer ser dito que não se
aconteceram simplesmente uma a outra. Por exemplo, a vida vegetativa ou da planta não foi
substituída pela vida animal. Bergson pensa, pois, que é mais razoável considerar que os três
níveis seguem três tendências divergentes de uma atividade que se dividiu no curso de seu
desenvolvimento, que não que sejam três graus sucessivos de uma e a mesma tendência. O
mundo das plantas carateriza-se pela prevalência dos rasgos de firmeza ou estabilidade e
insensibilidad, enquanto no mundo dos animais achamos a mobilidade e a consciência (em
algum grau) como caraterísticas predominantes. Ademais, no mundo animal cabe distinguir
entre as espécies em que a vida intuitiva chegou a ser a caraterística dominante, que é o caso de
insetos como as abejas e as hormigas, e as espécies vertebradas nas que emergiu e se tem
desenvuelto a vida inteligente.

Lamenta Bergson ter que advertir que, para discutir devidamente sua teoria de que a evolução
segue três tendências divergentes, é necessário fazer umas distinções mais tajantes que as que
na atualidade costumam se fazer. “Quase não há nenhuma manifestação da vida que não
contenha em um estado rudimentario, latente ou virtual, as caraterísticas essenciais da maioria
das demais manifestações. A diferença está nas proporções.”[549] Daí que ao grupo tenha que o
definir não por sua simples posse de certas caraterísticas, senão mais bem por sua tendência às
acentuar. Por exemplo, na realidade dos fatos, a vida intuitiva e a vida inteligente se
interpenetran em vários graus e proporções, mas não por isso diferem menos em espécie, e é
importante as considerar por separado.

Tanto o instinto como a inteligência os define Bergson referindo à fabricação e ao emprego


de instrumentos. O instinto é “uma faculdade de usar e construir instrumentos organizados”,[550]
isto é, instrumentos que são parte do mesmo organismo. A inteligência é “a faculdade de fazer
e empregar instrumentos não organizados”,[551] isto é, instrumentos artificiais ou utensilios. A
atividade psíquica, assim que tal, tende a atuar envelope o mundo material. E pode fazê-lo direta
ou indiretamente. Supondo, pois, que tenha que fazer uma eleição, cabe dizer que “o instinto e
a inteligência representam duas soluções divergentes, igualmente elegantes, de um mesmo
problema”.[552]
Portanto, se ao homem considera-se-lhe historicamente, deverá apresentar-lhe-lhe, segundo
Bergson, não como homo sapiens senão como homo faber, o homem trabalhador, fabricante ou
construtor de utensilios para atuar sobre seu meio material. Porque o homem é inteligente, e “a
inteligência, considerada no que parece ser sua aplicação original, é a faculdade de fabricar
objetos artificiais, designadamente utensilios para fazer utensilios, e de variar sua fabricação
indefinidamente”.[553]

Seja o que for o que a inteligência chegue a ser no curso da história humana e do progresso
científico do homem, seu rasgo essencial é sua orientação prática. Está, como o instinto, ao
serviço da vida.

Já que o intelecto humano está orientado originariamente a construir, a atuar envelope o meio
material do homem por médio dos instrumentos que cria, se interessa primeiro e antes de mais
nada pelos corpos inorgánicos, por objetos físicos externos aos demais objetos físicos e
diferentes deles, e, em tais objetos, pelas partes consideradas assim que tais, clara e
distintamente. Em outras palavras, o entendimento humano tem por objeto principal seu o que é
discontinuo e estável ou imóvel; e tem o poder de reduzir um objeto a seus elementos
constitutivos e de voltar a juntar estes elementos. Naturalmente pode ser interessado também
pelos organismos vivos, mas tende aos tratar do mesmo modo que aos objetos inorgánicos. O
cientista, por exemplo, reduzirá o ser vivo a seus componentes físicos e químicos e tratará de
reconstruí-lo teoricamente a partir desses elementos. Para dizê-lo em forma negativa, “o
entendimento carateriza-se por uma incapacidade natural para compreender a vida”.[554] Não
pode captar o devir, a continuidade e a duração pura assim que tais. Trata de encaixar à força o
contínuo em seus próprios casilleros ou categorias, introduzindo claras e tajantes distinções
conceptuais que são inadequadas ao objeto. É incapaz de pensar a duração pura sem transformar
em um conceito espacializado, geométrico, do tempo. Tomada, por assim o dizer, uma série de
fotografias estáticas de um movimento criativo contínuo, que elude tal tipo de captación. Em
fim, o intelecto, embora admiravelmente adaptado para a ação e para fazer possível o controle
do médio ambiente (e o do homem mesmo na medida em que este pode ser convertido em objeto
científico), não está dotado para captar o movimento da evolução, da vida, “a continuidade de
uma mudança que é mobilidade pura”.[555] Divide o contínuo devir em uma série de estados
imóveis. Mais ainda, como o entendimento analítico tenta reduzir o devir a uns elementos dados
e reconstituirlo a partir desses elementos, não pode admitir a criação de algo novo e imprevisível.
O movimento da evolução, a atividade creatriz do élan vital, representa-se ou bem como um
processo mecânico ou bem como a progressiva realização de um plano preconcebido. Em
nenhum dos dois casos fica local para a criatividade.

Se supomos, com Bergson, que a evolução é a atividade creatriz de um impulso vital que
utiliza e, por assim o dizer, eleva à matéria em seu contínuo movimento ascendente,[556] e se,
como Bergson assegura, o intelecto humano ou a inteligência é incapaz de captar este movimento
tal como em realidade é, síguese de aqui que o intelecto é incapaz de entender a realidade ou
que, pelo menos, só pode a prender distorsionándola e caricaturizándola. Bergson dista, pois,
muito de sustentar que a função primordial do intelecto seja conhecer a Realidade, com
maiúscula, e que suas funções de análises científico e de invenção tecnológica sejam secundárias
ou inclusive aplicações de inferior grau. Pelo contrário, o intelecto desenvolveu-se antes de mais
nada para a ação e para conseguir o controle prático do médio ambiente, e seus usos lógico e
cientista são-lhe connaturales, enquanto pára o que não está dotado pela natureza é para captar
a Realidade. O homem, como já se notou dantes, é homo faber mais que homo sapiens, ao menos
no que diz respeito a sua natureza originaria.

Postas assim as coisas, surge óbvia a pergunta de se nos é possível conhecer de algum modo
a natureza da realidade, isto é, a realidade tal como é em si. Pois que outros meios temos de
conhecer senão o intelecto? O instinto poderá estar mais próximo da vida. Quiçá seja, como
assegura Bergson, um prolongamento da vida. Mas o instinto não é reflexivo. Voltar ao instinto
seria abandonar a esfera do que ordinariamente costuma se chamar conhecimento. Portanto, se
o pensamento conceptual é incapaz de captar a verdadeira natureza do real, do devir criativo,
parece seguir-se que nunca poderemos o conhecer e que estamos condenados a viver nos
contentando simplesmente com nossas próprias representações fictícias da realidade.

Nem que dizer tem que Bergson se faz também uma pergunta assim, e trata da responder.
De fato, a linha principal de seu pensamento é deducible do que já fica exposto. Mas em L
’évolution créatrice aparece dentro do amplo contexto da teoria da evolução e conectada com a
ideia das direções ou tendências divergentes do processo evolutivo. A inteligência interessa-se
pela matéria, e “mediante a ciência, que é sua obra, nos irá revelando a cada vez mais por
completo o arcano das operações físicas”.[557] Mas só pode captar a vida a traduzindo em termos
de inércia. O instinto está orientado para a vida, mas carece de consciência reflexiva. No entanto,
se o instinto, que é um prolongamento da vida mesma,[558] pudesse alargar seu objeto e refletir
também envelope sim, “nos daria a chave das operações vitais”,[559] E esta ideia se verifica na
intuición, a qual “é instinto que chegou a se fazer desinteresado, consciente de si, capaz de
refletir sobre seu objeto e do alargar indefinidamente”.[560] A intuición pressupõe o
desenvolvimento da inteligência. Sem este desenvolvimento, o instinto permaneceria fixado aos
objetos de interesse prático, atendendo só aos movimentos físicos. Em outras palavras, a
intuición pressupõe a emergência da consciência reflexiva, que depois se divide em inteligência
e intuición, correspondendo respetivamente à matéria e à vida. “Este desdoblamiento da
consciência está, pois, relacionado com a dupla forma do real, e a teoria do conhecimento deve
depender da metafísica.”[561]

Suponhamos com Bergson que a inteligência está orientada à matéria e a intuición à vida.
Suponhamos também que a inteligência desenvolvida cria as ciências naturais. O envolvimento
óbvio é que a filosofia, já que trata da vida, se baseia na intuición. Efetivamente, Bergson diz-
nos/dí-nos que, se pudesse ser prolongado a intuición para além de uns poucos instantes, os
filósofos estariam todos de acordo.[562] Mas a lástima é que a intuición não pode ser prolongado
tanto como para fazer desaparecer imediatamente os sistemas de filosofia rivais. Na prática, tem
de ter intercâmbio entre intuición e inteligência. A inteligência tem que aplicar ao conteúdo da
intuición; e o que a inteligência faça deste conteúdo tem de ser contrastado e corrigido por
referência à intuición. Temos que funcionar, por assim o dizer, com os instrumentos de que
dispomos; e a filosofia dificilmente pode atingir o grau de pureza que atinge a ciência positiva
na medida em que esta se liberta dos supostos e os preconceitos metafísicos. Agora bem, sem a
intuición a filosofia é cega.

Bergson empregava a intuición de nossa própria liberdade, de nossa própria atividade


criadora livre, como uma chave para penetrar a natureza do universo. “O universo não está fato,
senão que se está fazendo de contínuo.”[563] Mais precisamente, há fazer e desfazer. Bergson
emprega a metáfora de um chorro de vapor que sai a alta pressão de uma caldera, e que ao
condensarse volta a cair em forma de gotas. “Assim, de um imenso depósito de vida devem de
estar saltando incesantes chorros, a cada um dos quais, ao recair, é um mundo.”[564] A matéria
representa a recaída, o processo do desfazer-se, da degradação, enquanto o movimento da vida
no mundo representa o que fica do impulso ascensional no movimento investido. A criação das
espécies viventes deve-se à atividade criativa da vida; mas, desde outro ponto de vista, as
espécies em sua autoperpetuarse representam um recair, uma degradação. “Matéria ou espírito,
a realidade tem-se-nos aparecido como um perpétuo devir. Faz-se ou desfaz a si mesma, mas
nunca é algo (simplesmente) já feito.”[565]

Como justifica Bergson — podemos perguntar — tal extrapolación da experiência que em


nós mesmos temos de uma livre atividade criadora? Ou talvez pretende que podemos intuir o
devir em general, o élan vital cósmico? Em sua Introdução à metafísica formula ele esta questão:
“Se a metafísica tem de proceder por intuición, se a intuición tem por objeto a mobilidade da
duração, e se a duração é em essência psicológica, não estaremos encerrando ao filósofo na
exclusiva contemplação de si mesmo?”[566] Responde Bergson que a coincidência, na intuición,
com nossa própria duração nos põe em contato com uma continuidade total de durações e, assim,
nos capacita para trascendernos. Mas, ao que parece, isto só pode ocorrer se a experiência de
nossa própria duração é uma intuición da atividade creatriz do impulso vital cósmico. É o que
parece dar por suposto Bergson quando se refere a uma “coincidência da consciência humana
com o princípio vivente do que dimana”, um “contato com o esforço criativo”.[567] Em outro
sítio afirma que “a matéria e a vida que enchem o mundo estão também em nós; as forças que
operam em todas as coisas as sentimos em nós mesmos; seja qual for a essência íntima daquilo
que é e daquilo que se está fazendo, nós participamos em isso”.[568] De modo que,
provavelmente, é nossa participação no élan vital ou sua operação em nós o que capacita a
Bergson para basear uma teoria filosófica general em uma intuición que, em primeiro lugar, é
intuición da duração no homem mesmo.

O conceito do élan vital tem algum parecido, de todos modos, com aquele da alma do mundo
que encontrávamos na filosofia antiga e em alguns filósofos modernos tais como Schelling.
Bergson fala também do impulso vital como “supra-consciência”[569] e o compara a um foguete
cujos extinguidos fragmentos caem como matéria. Ademais, emprega a palavra “Deus”,
descrevendo a Deus como “um contínuo surgimiento”[570] ou de maneira mais convencional
como “incesante vida, ação e liberdade”[571] Na evolução criadora, o conceito de Deus é
introduzido simplesmente no contexto da teoria evoluiria, significando um inmanente impulso
vital cósmico que não é criador no sentido tradicional judeocristiano, senão que usa a matéria
como o instrumento para a criação de novas forma de vida. Mas as ideias de Bergson a respeito
de Deus e a religião será muito melhor deixar para o capítulo seguinte, onde examinaremos sua
obra relativa ao tema.

Referimo-nos já à falta de precisão linguística de Bergson. Mas se o pensamento conceptual


é incapaz de prender a realidade tal como esta é em si, dificilmente podemos esperar um alto
grau de precisão. “As comparações e as metáforas sugerirão aqui o que um não consegue
expressar [...]. Tão cedo como começamos a tratar do mundo espiritual, a imagem, embora com
ela só se tente sugerir, pode nos dar a visão direta, enquanto o termo abstrato, que é de origem
espacial e que pretende expressar, nos deixa a maioria das vezes entregados à metáfora.”[572]
Como, em vista das premisas de Bergson, não parece que fique grande coisa de proveito que
dizer envelope esta matéria, passarei a advertir que neste capítulo não me propus determinar as
influências que recebeu o pensamento de Bergson. Pouco pode ser duvidado, por exemplo, de
que lhe influiu a concepção de Ravaisson a respeito do movimento inverso da matéria e do
mecanismo como uma espécie de recaída da liberdade no hábito. Mas embora Bergson refere-
se a vários filósofos eminentes do passado, tais como Platón, Aristóteles, Spinoza, Leibniz e
Kant, e entre os modernos a Herbert Spencer e a alguns cientistas e psicólogos, faz muito poucas
referências a seus predecessores imediatos. Reconheceu ter alguma dívida para com Plotino,
Maine de Biran e Ravaisson; mas embora é demostrable, apesar de suas negativas ao respecto,
que provavelmente lia artigos e livros a mais de um predecessor imediato e de algum
contemporâneo,[573] não se segue necessariamente que tomasse, sem mais, deles a ideia em
questão. As disputas sobre sua originalidad ou falta de tal prestam-se a ser, de seu, inconclusivas.
Nem tem o assunto maior importância. Onde quer que se originassem, as ideias que se apropriou
Bergson formam já parte de sua filosofia.
Capítulo X
Henri Bergson - II

1. Observações introdutórias.

No último capítulo expusemos o procedimento geral de Bergson, seu modo de tratar as


coisas, referindo-nos a Tempo e vontade livre, Matéria e memória e A evolução criadora.
Seleciona ele certos conjuntos de dados empíricos que lhe interessam ou lhe chamam mais a
atenção e trata de interpretar em termos de algumas hipóteses coordinantes ou de algum conceito
básico. Por exemplo, se os dados imediatos da consciência sugerem que a mente trasciende a
matéria, enquanto a investigação científica parece apontar na direção do epifenomenismo, a
questão do relacionamento entre a mente ou o espírito e a matéria (ou entre a alma e o corpo) se
apresenta uma vez mais e reclama o despliegue de uma teoria que compartilhe ambas séries de
dados. Mas enquanto Bergson está com frequência seguro de que uma determinada teoria é
inadequada ou errônea, não é propenso em altero para proclamar dogmaticamente suas próprias
teorias como se fossem a verdade última e definitivamente provada. O que faz é nos mostrar um
quadro que, em sua opinião, representa melhor que outros o panorama, e trata então de nos
convencer com argumentos persuasivos de que sua pintura é, efetivamente, a melhor; mas com
frequência manifesta ter consciência do caráter especulativo e exploratorio de suas hipóteses
explicativas.

Em sua última obra a mais voos, As duas fontes da moral e da religião, segue Bergson seu
procedimento acostumado tomando por ponto de partida dados empíricos que estão em
relacionamento com a vida moral e religiosa do homem. No campo da moral, por exemplo, vê
que há feitos com que mostram que se dão conexões entre códigos de conduta e algumas
sociedades concretas. Ao mesmo tempo, vê o papel que jogam no desenvolvimento das ideias e
das convicções éticas certos indivíduos que se destacaram acima dos padrões gerais de suas
sociedades. Assim mesmo, na área da religião, considera Bergson as feições sociológicos da
religião e suas funções sociais na história, sem deixar de tomar também em conta os níveis
pessoais e mais profundos da consciência religiosa. Para a informação tocante aos dados
empíricos confia em grande parte nos escritos de sociólogos como Durkheim e Lévy-Bruhl e,
para o que atañe às feições místicos da religião, se fia de escritores como Henri Delacroix e
Evelyn Underhill. Mas a coisa é que sua teoria das duas fontes da moral e a religião está baseada
em sua convencimiento de que podem ser distinguido conjuntos de dados empíricos que
resultam inexplicables como não seja por médio de uma teoria ou uma explicação complexa
deste tipo.

Bergson não começa seu tratamento da moral formulando explicitamente certos problemas
ou questões, senão que a natureza de seus questionamentos emerge com mais ou menos clareza
de sua reflexão sobre os dados. Um modo de formular seu problema seria perguntar: Que parte
desempenha a razão na moral? Sem dúvida que à razão tem de lhe lhe atribuir algum papel; mas
este não consiste no de ser uma fonte. Bergson opina que são dois as fontes da moral, uma infra-
racional e outra supra-racional. Dado como trata o instinto, a inteligência e a intuición na
evolução criadora, era de esperar esta tese. Em outras palavras, as convicções que Bergson tem
já formadas influem certamente (como não podia ser menos) em suas reflexões sobre os dados
pertinentes à vida moral e religiosa do homem. Ao mesmo tempo, suas ideias religiosas
aparecem em dois fontes bastante mais desenvolvidas que quanto o tinham sido na evolução
criadora. Em fim, a concepção geral bergsoniana, segundo fica dito, emerge ou é construída a
partir de uma série de investigações particulares ou linhas de pensamento que estão ligadas entre
si pela contínua presença de certos conceitos finque, tais como os de duração, devir, criatividade
e intuición.

2. A moral fechada.

Bergson inicia seu tratamento da moral refletindo sobre o sentido humano de obrigação.
Dista muito de estar de acordo com Kant quanto a que a moral se derive da razão prática.
Também não está disposto a outorgar ao conceito de obrigação a posição preeminente que ocupa
na ética kantiana. Ao mesmo tempo, Bergson reconhece desde depois que o sentido da obrigação
é um rasgo prominente da consciência moral. Ademais, concorda com Kant em que a obrigação
pressupõe a liberdade. “Um ser não se sente obrigado se não é livre, e toda obrigação, em si
mesma, implica liberdade.”[574] Não é possível desobedecer às leis da natureza. Pois estas são
declarações do proceder real dos seres; e se encontramos que alguns seres atuam contra uma
suposta lei, reformulamos a lei de tal modo que cubra as exceções. Em mudança, sim que é
muito possível desobedecer uma lei ou regra moral. Porque neste caso não se dá necessidade,
senão obrigação. Quando se fala de obediência às leis da natureza, não há que tomar à letra; pois
tais leis não são prescriptivas senão descritivas.[575] Em mudança, a obediência e a desobediencia
às prescripciones morais são fenômenos correntes.

A questão que Bergson propõe é a da causa ou a fonte da obrigação. E a resposta que dá é


que sua fonte é a sociedade. Vale dizer, que obrigação significa pressão social. A voz do dever
não é algo imperioso, algo que vinga de outro mundo; é a voz da sociedade. O imperativo social
pesa envelope o indivíduo assim que tal. Por isso se sente ele obrigado. Mas o indivíduo humano
é também membro da sociedade. Daí que durante muito tempo observemos as regras sociais sem
reflexão e sem experimentar em nós nenhuma resistência. Só ao experimentar tal resistência
somos de fato conscientes de um sentido da obrigação. E como estes casos são infrequentes em
comparação com o número de vezes que obedecemos mais bem de um modo automático, é
errôneo interpretar a vida moral em termos de um se fazer violência, um vencer a inclinação, e
assim sucessivamente. Tendo o homem, como tem, seu “eu social”, sua feição sociable, é
geralmente proclive a adaptar à pressão social. “A cada um de nós pertence à sociedade tanto
como se pertence a si mesmo.”[576] Quanto mais afundamos na personalidade, mais
inconmensurable resulta. Mas o que é evidente é que na superfície da vida, onde principalmente
moramos, há uma solidariedade social que nos inclina a nos adaptar sem resistência às pressões
sociais.
Bergson toma-se a moléstia de argüir que este tipo de visão não implica que o indivíduo que
vivesse só não teria consciência de deveres, sentido de obrigação. Pois onde quer que vá, até em
uma ilha deserta, o homem leva consigo seu “ego social”. Está ainda unido em espírito à
sociedade, que segue falando em seu pensamento e em sua linguagem, os quais foram formados
pela sociedade. “Geralmente, o veredito da consciência é o que seria dado pelo ego social.”[577]

Aqui podemos fazer nós duas perguntas, Primeira; Que é o que entende Bergson por
“sociedade”? E segunda: Que entende por “obrigação”? À primeira responde-se muito
facilmente: por sociedade entende Bergson, no contexto, qualquer “sociedade fechada”, segundo
ele se expressa. Pode ser uma tribo primitiva ou um Estado moderno. Com a condição que seja
uma sociedade concreta que tenha consciência de si como tal sociedade, diferente de outros
grupos sociais, é, na terminología de Bergson, uma sociedade fechada. E da sociedade assim
entendida é de onde emana a obrigação; e a função da pressão social, que dá origem ao sentido
de obrigação nos indivíduos membros da sociedade, é manter a coesão e a vida dessa sociedade.

À segunda pergunta é mais difícil responder. Às vezes parece que Bergson entende por
obrigação o sentido ou sentimento de obrigação. Cabe dizer que, para ele, um fato empírico
como é a pressão social constitui a causa de um sentimento especificamente ético. Mas outras
vezes fala como se a consciência da obrigação fosse o mesmo cair na conta da pressão social.
Em cujo caso, parece se identificar a obrigação com um fato empírico não moral. Para maior
complicação do assunto, Bergson introduz a ideia da essência da pressão social, que descreve
também como a totalidade da obrigação, e a define como “o extrato concentrado, a quintaesencia
dos mil hábitos especiais que contraímos de obedecer às mil demandas particulares da vida
social”.[578] Quiçá o natural seja entender que isto se refere a uma generalização feita a partir de
obrigações particulares, com o que “a totalidade da obrigação seria logicamente posterior às
obrigações particulares”. Mas esta interpretação custa muito aceitá-la. Pois a totalidade da
obrigação é descrita também como “o hábito de contrair hábitos”;[579] e embora diga-se que é a
soma dos hábitos, é também a necessidade de contrair hábitos e uma condição necessária para a
existência de sociedades. Em cujo caso cabe presumir que é logicamente anterior às regras
sociais.

Mas embora Bergson emprega o termo “obrigação” de um modo lamentavelmente


impreciso, isto é, em vários sentidos, o que em qualquer caso está claro é que, para ele, a causa
eficiente da obrigação é a pressão exercida sobre seus membros por uma sociedade fechada, e
daí sua causa final é a manutenção da coesão e a vida da sociedade. De modo que a obrigação é
algo relativo à sociedade fechada e tem uma função social. Ademais, sua origem é infra-
intelectual. Em sociedades tais como as das abejas e as hormigas, a coesão social e o serviço à
comunidade correm a cargo do instinto. Mas imaginando-nos que a abeja ou a hormiga se
fizessem conscientes e capazes de reflexão intelectual, poderíamos no-las figurar se perguntando
por que teria de seguir atuando instintivamente como o fizeram até agora. Caberia ver aqui um
caso de pressão social que se faria sentir mediante o eu social do inseto, sendo a consciência de
tal pressão um sentido de obrigação. Portanto, se personificamos à natureza, como Bergson tende
ao fazer, pode ser dito que a pressão social e a obrigação são os meios empregados pela natureza
para assegurar a coesão e conservação da sociedade quando emerge o homem no processo da
evolução criadora. A moral da obrigação é, pois, de origem infra-intelectual, no sentido de que
é a forma que adota na sociedade humana a atividade instintiva dos membros das sociedades
infrahumanas.

A coesão de uma sociedade não fica permanentemente assegurada, como é óbvio, pela
simples pressão para que se observem umas regras que seriam classificadas como regras morais
entre os membros de uma sociedade avançada, acostumados a distinguir entre
convencionalismos sociais e normas éticas. Uma sociedade primitiva, se considera-lha desde um
ponto de vista, faz extensivo o alcance da obrigação moral a regras de conduta que nós
provavelmente não classificaríamos como normas morais. Conforme alarga-se a experiência e
progride a civilização, a razão humana começa a distinguir entre as regras de conduta que ainda
seguem sendo necessárias ou autenticamente úteis para a sociedade e aquelas outras que já não
são necessárias ou úteis. Começa também a distinguir entre as regras que se vê que são
imprescindibles para a coesão e a conservação de qualquer sociedade tolerable e os
convencionalismos que diferem de uma sociedade a outra. Ademais, quando um código de
conduta tradicional foi alguma vez posto radicalmente em questão pela inteligência humana, a
mente costuma buscar razões que apoiem esse código. A razão tem, portanto, muito que fazer
no campo ético. Mas isto não tira que a ética da obrigação seja, de seu, de origem infra-
intelectual. A razão não a origina, senão que começa a operar sobre o que já há, clarificando,
discriminar, pondo em ordem e defendendo.

3. A moral aberta; interpretação de ambas.

A moral da obrigação, própria da sociedade fechada, não abarca todo o campo da moral
segundo o considera Bergson. Cai bem ele na conta de que o idealismo moral de quem
incorporaram a suas próprias vidas valorize e padrões mais altos e a mais universal efeito que os
códigos éticos ordinários nas sociedades a que pertencem não pode ser explicado com facilidade
em termos de pressão social de um grupo fechado. Daí que afirme a existência de um segundo
tipo de moral que difere em espécie da moral da obrigação e que se carateriza pelo apelo e a
aspiração, sendo própria do homem assim que homem ou da sociedade ideal de todos os seres
humanos mais bem que do grupo fechado em qualquer de suas forma. Considere-se, por
exemplo, uma personagem histórica que não só proclama o ideal do amor universal senão que
também o incorpora a sua própria personalidade e vida. O ideal, assim assumido, atua por atração
e apelo e não por pressão social; e quem respondem ao ideal são atraídos pelo exemplo mais
bem que impelidos pelo sentido da obrigação que expressa a pressão de um grupo fechado.

Esta moral aberta e dinâmica[580] é, para Bergson, de origem supra-racional. A moral da


obrigação tem, segundo vimos, uma origem infra-intelectual, sendo o análogo, ao nível humano,
da constante e indefectible pressão do instinto nas sociedades infrahumanas. Mas a moral aberta
origina-se em um contato entre os grandes idealistas e profetas morais e a fonte criadora da vida
mesma. É, efetivamente, o resultado de uma união mística com Deus, que se expressa no amor
universal. “As almas místicas são as que arrastaram e continuam arrastando depois de si às
sociedades civilizadas.”[581]

Há uma inclinação natural a pensar que tudo é questão de grau, e que o amor à tribo pode
ser convertido em amor à nação e este em amor a todos os homens. Mas Bergson não admite
semelhante coisa, As morais fechada e aberta diferem, segundo ele, em espécie e não só em grau.
Embora a moral aberta implica, de fato, o ideal do amor universal, carateriza-se essencialmente
não tanto por seu conteúdo (que, tomado em si mesmo, poderia ser logicamente uma extensão
do conteúdo da moral fechada) quanto por um impulso vital na vontade que é do todo diferente
da pressão social ou obrigação. Este impulso ou impulso vital, descrito também por Bergson
como “emoção”, é de origem supra-racional. Em termos da teoria da evolução, expressa o
movimento criativo da vida ascendente, enquanto a moral fechada representa mais bem um
verdadeiro depósito fixo deste movimento.

Como Bergson faz questão da diferença entre os dois tipos de moral, os trata, naturalmente,
um após outro. Mas embora pensa que a sociedade humana primitiva esteve dominada pela
mentalidade fechada, reconhece desde depois que, na sociedade atual, os dois tipos não só
coexisten senão que se interpenetran. Podemos ver, por exemplo, como se manifestam ambos
tipos em uma nação cristã. O mesmo que cabe considerar por separado a memória pura e a
percepción pura, embora na percepción concreta se interpenetran, assim também podemos e
devemos distribuir e considerar separadamente as morais fechada e aberta, embora em nosso
mundo atual coexistan e se misturem.

No unir-se os dois tipos de moral é um fator importante a razão ou inteligência humana.


Tanto a focagem infra-intelectual da pressão social como o apelo supra-intelectual são
projetados, por assim o dizer, ao plano da razão na forma de representações ou ideias. A razão,
atuando como intermediaría, tende a introduzir universalidade na moral fechada e obrigação na
moral aberta. Os ideais apresentados pela moral aberta só chegam a se fazer efetivos na
sociedade enquanto são interpretados pela razão e harmonizados com a moral da obrigação,
enquanto a moral fechada recebe da moral aberta um influjo de vida. Por conseguinte, em sua
atual forma concreta a moral inclui tanto “um sistema de ordens ditadas por impersonales
exigências sociais como um grupo de apelos feitos à consciência da cada um de nós pelas
pessoas que representam o melhor que há na humanidade”.[582]

Embora as morais fechada e aberta misturam-se a uma com a outra, segue tendo uma tensão
entre elas. A moral aberta trata de infundir nova vida e de introduzir novos pontos de vista na
moral fechada, mas esta tende a jogar abaixo, o digamos assim, àquela, convertendo o que é
essencialmente apelo e aspiração em um código fixo e minimizando ou destroçando os ideais.
No entanto, pode ser considerado possível o avanço moral do homem. No capítulo último das
duas fontes observa Bergson que a tecnologia moderna possibilitou a unificação do homem em
uma sociedade. Claro que poderia ser chegado a tal unificação pelo triunfo de um imperialismo
que representaria simplesmente a mentalidade fechada a larga escala. Mas também podemos nos
imaginar uma sociedade verdadeiramente humana na que o fator unitivo fosse a livre resposta
do homem aos mais altos ideais e não a força bruta e o poder tiránico de um imperialismo
mundial. Em tal sociedade a obrigação não desapareceria, mas seria transformada pela resposta
do homem a ideais que são, em definitiva, a expressão de um influjo de vida divina tal como lho
transmitem à sociedade as pessoas que se abriram à vida divina.

4. A religião estática como defesa contra o disolvente poder da


inteligência.
Já tivemos ocasião de referir a um tema religioso, o do misticismo, em relacionamento com
a moral aberta. Mas Bergson distingue, como era de esperar, entre dois tipos de religião, os
qualificando respetivamente de estático e dinâmico. Correspondem aos dois tipos de moral,
sendo de origem infra-intelectual a religião estática e supra-intelectual a dinâmica.

Imaginemo-nos, uma vez mais, que a uma abeja ou a uma hormiga lha dota de repente de
inteligência e consciência de si. Naturalmente, o inseto tenderá a atuar em seu próprio interesse
privado em vez de seguir servindo à comunidade. Em outras palavras, a inteligência, desde o
momento em que emerge no curso da evolução, é um poder potencialmente disolvente com
respeito à manutenção da coesão social. A razão é crítica e cuestionadora; capacita ao homem
para usar sua iniciativa e, com isso, põe em perigo a unidade e a disciplina sociais.[583] No
entanto, a natureza não fica sem saber que fazer. Pónese então em funcionamento o que Bergson
chama a faculdade mitificadora, e aparece a deidad protetora da tribo ou da cidade “proibindo,
ameaçando, castigando”.[584] Na sociedade primitiva, a moral e o costume identificam-se, e a
esfera da religião coincide com a do uso social. Os deuses protegem a estrutura do
consuetudinario impondo a observancia dos costumes e castigando a desobediencia ainda no
caso de que a infração não seja conhecida pelos demais homens.

Por outro lado, embora o impulso vital aparta dos animais a imagem da morte e não há razão
para supor que um animal possa ter nunca noção da inevitabilidad de sua própria morte, o homem
sim que é capaz de conceber que ele morrerá, em realidade, inevitavelmente. Que é o que faz
aqui a natureza? “À ideia de que a morte é inevitável lhe opõe a imagem da continuação da vida
após a morte; esta imagem, introduzida pela natureza no campo da inteligência, volta a pôr as
coisas em ordem.”[585] A natureza atinge assim dois fins: o de proteger ao indivíduo contra o
deprimente pensamento da inevitabilidad da morte, e o de proteger à sociedade. Porque uma
sociedade primitiva precisa a presença e a permanente autoridade dos antepassados.

Ademais, como o homem primitivo é extremamente limitado quanto a seu poder de influir
envelope o médio ambiente e o controlar, e como constantemente se vê forçado a reconhecer o
muito que dista de conseguir com suas ações os resultados apetecidos, a natureza ou o impulso
vital faz aparecer nele a imagem de umas potencia amigas às que cria interessadas em lhe ajudar
e às que possa elevar preces.[586]

Em general, pois, a religião estática é definible como “uma reação defensiva da natureza
contra o que no exercício da inteligência pudesse ter de deprimente para o indivíduo e de
disolvente para a sociedade”.[587] Vincula ao homem com a vida e ao indivíduo com a sociedade
por médio de mitos. Encontra-lha antes de mais nada, de uma forma ou outra, entre os primitivos;
mas disto não se segue, naturalmente, que cesse com o homem primitivo. Pelo contrário, seguiu
florescendo. Agora bem, dizer isto equivale a dizer que a mentalidade primitiva sobreviveu na
civilização. O verdadeiro é que ainda sobrevive, embora o desenvolvimento da ciência natural
contribuiu, sem dúvida, poderosamente ao descrédito dos mitos religiosos. Bergson opina que,
se em uma guerra moderna ambas partes contendientes se mostram confiadas em ter a Deus de
seu lado, se está manifestando com isso a mentalidade própria da religião estática. Pois embora
ambas partes façam profissão de invocar ao mesmo Deus, ao Deus de toda a humanidade, a cada
uma delas tende ao tratar, na prática, como a uma deidad nacional. Também a perseguição
religiosa era uma expressão da mentalidade primitiva e da religião estática. Pois tomava-se por
critério da verdade de algo o que tal algo fosse crença universal de uma sociedade. Daí que à
increencia não pudesse lha ver com ecuanimidad. Considerava-se que a crença comum era um
ingrediente necessário da solidariedade ou coesão social.

5. Religião dinâmica e misticismo.

Quanto à religião dinâmica, sua essência é o misticismo, cujo resultado último é “um contato
e, portanto, uma parcial coincidência com o esforço criativo do que é manifestação a vida. O
esforço é de Deus, se não é Deus mesmo. O grande místico é um indivíduo que trasciende os
limites atribuidos à espécie por sua natureza material e continua assim e prolonga a ação divina.
Tal é nossa definição”.[588] Para Bergson, portanto, o misticismo completo não quer dizer só um
movimento para acima e para dentro que culmina em um contato com a vida divina, senão
também um movimento complementar para abaixo ou para fora, pelo que, através do místico, se
lhe comunica à humanidade um novo impulso da vida divina. Em outras palavras, Bergson
concebe o que chama ele “misticismo completo” como algo que produz atividade no mundo. E,
em mudança, ao misticismo consistente só em apartar deste mundo para se centrar em Deus, ou
cujo resultado seja uma captación intelectual da unidade de todas as coisas, enfatizada de
simpatia ou de compaixão mas não de atividade dinâmica, o considera ele incompleto. E
encontra que um misticismo assim está representado especial embora não exclusivamente pelos
místicos do Oriente, enquanto “o misticismo completo é, efetivamente, o dos grandes místicos
cristãos”.[589]

Não podemos nos deter a discutir aqui as opiniões de Bergson sobre os misticismos oriental
e ocidental. Mas há um ou dois pontos que merecem se notar. Em primeiro lugar, Bergson propõe
a questão de se o misticismo proporciona-nos um modo experimental de resolver os problemas
da existência e a natureza de Deus. “Geralmente falando, julgamos que existe o objeto que é
percebido ou que pode ser percebido. Que é, pois, dado em uma experiência real ou
possível.”[590] Bergson conhece bem as dificuldades, ou pelo menos algumas das dificuldades,
que entranha o provar que uma experiência determinada seja uma experiência de Deus . Mas
sugere que a reflexão sobre o misticismo pode servir para confirmar uma posição já atingida.
Isto é, estabelecida a verdade da evolução creatriz, e se admitimos a possibilidade de uma
experiência intuitiva do princípio de toda vida, a reflexão sobre os dados do misticismo pode
acrescentar probabilidade à tese de que há uma atividade criativa trascendente. Em todo caso, o
misticismo, segundo Bergson, pode nos clarificar algo a respeito da divina natureza. “Deus é
amor e é objeto de amor: tenho aqui toda a contribuição do misticismo,”[591] Bergson costuma
escrever de uma maneira impresionista, e não é precisamente sua forte o se pôr a resolver as
dificuldades como um profissional da lógica. Mas sua tese geral é clara: a reflexão sobre a
evolução deve convencer-nos/convencê-nos de que há uma energia criadora inmanente que
opera no mundo, e a reflexão sobre a “religião dinâmica” ou misticismo derrama ulterior luz
para compreender a natureza desse princípio de vida, no-lo revelando como amor.[592]

Em segundo local, se “a energia criadora deve ser definida como amor”,[593] temos direito a
concluir que a criação é o processo pelo que Deus traz ao ser “a outros criadores, para ter junto
a si a uns seres dignos de seu amor”.[594] Em outras palavras, a criação aparece como com um
fim ou uma meta: trazer à existência ao homem e transformar mediante o amor. No capítulo final
das duas fontes, Bergson contempla o avanço da tecnologia como a progressiva construção do
que caberia descrever como um corpo (a unificação da humanidade aos níveis da civilização
material e da ciência), e a função da religião mística como a de infundir uma alma nesse corpo.
O universo aparece bem como “uma máquina de fazer deuses”,[595] uma humanidade deificada,
assim que transformada mediante um influjo do amor divino. Recusa-me as objeciones que têm
por base a insignificancia física do homem. A existência do homem pressupõe umas condições,
e estas condições pressupõem outras. O mundo é a condição para a existência do homem. Esta
concepção teleológica da criação quiçá pareça contradizer ao anterior ataque de Bergson contra
toda interpretação da evolução em termos finalísticos. Mas o que então tinha em sua mente era,
desde depois, o tipo de esquema finalístico que costuma incluir o determinismo.

Em terceiro local, Bergson pensa que o misticismo derrama luz sobre o problema da
sobrevivência. Pois podemos considerar a experiência mística como uma participação na vida
que é capaz de um indefinido progresso. Tendo estabelecido já que a vida do espírito não pode
em nenhum caso ser descrita com propriedade em termos puramente epifenomenistas, a
ocorrência do misticismo, que “provavelmente é uma participação na essência divina”,[596]
acrescenta probabilidade à crença de que a alma sobrevive após a morte do corpo.

Bem como Bergson vê os tipos fechado e aberto da moral interpenetrarse o um com o outro
na vida moral do homem tal como existe na realidade, assim também vê a religião real como um
se misturar vários graus das religiões estática e dinâmica. Por exemplo, no cristianismo histórico
podemos ver o impulso da religião dinâmica manifestando-se recurrentemente; mas também
podemos discernir multidão de rasgos da mentalidade caraterística da religião estática. O ideal
é que a religião estática seja transformada pela religião dinâmica; mas, aparte de casos limite,
na prática se entremezclan as duas.

6. Comentários.

Se alguém pergunta que entende Bergson por moral fechada e moral aberta, por realidade
estática e realidade dinâmica, não há grande dificuldade em mencionar exemplos de conjuntos
de fenômenos aos que estes termos se referem. Mais não por isto tem de se aceitar
necessariamente a interpretação bergsoniana dos dados históricos ou empíricos. Está claro que
ele interpreta os dados dentro do enquadramento de conclusões às que chegou a respeito da
evolução em general e das funções do instinto, da inteligência e da intuición designadamente. A
pintura que ele tem já em sua mente lhe predispone a dividir a moral e a religião em tipos
diferentes que diferem em espécie. É óbvio que a ele lhe parece que suas reflexões sobre os
dados éticos e religiosos confirmam as conclusões que previamente adotou; e ao apresentar
como o faz as forma da vida moral e religiosa do homem está reagindo a base do conceito do
mundo que tem já em sua mente. Ao mesmo tempo, podem ser admitido os dados que alega
Bergson (dados, por exemplo, que atañen ao relacionamento entre diferentes códigos de conduta
e diferentes sociedades) mas os adaptando a diferente esquema interpretativo, a outra visão geral.
Claro que não é questão de reprocharle a Bergson o que nos ofereça sua própria visão geral.
Trata-se simplesmente de indicar que também são possíveis outras que não impliquem o
dualismo bergsoniano.
Agora bem, até que ponto convém fazer questão deste tema do dualismo? Que Bergson
mantém um dualismo psicológico de alma e corpo está bastante claro. Também o está que em
sua teoria da moral e a religião há um dualismo de origens. Isto é, se diz que a moral fechada e
a religião estática são de origem infra-intelectual, enquanto se qualifica de supra-intelectual a
origem da moral aberta e da religião dinâmica.[597] Mas Bergson tenta unir a alma e o corpo por
médio do conceito de ação humana. E em sua teoria da moral e a religião os diferentes tipos de
moral e de religião são todos explicados ultimamente em termos da divina atividade e finalidade
criadora. Apesar, pois, dos rasgos dualistas de sua filosofia, Bergson proporciona os materiais
para uma linha de pensamento como a de Teilhard de Chardin, que é de caráter “monista”.

Em todo caso, o que em realidade conta é a descrição geral, o conjunto do quadro.


Naturalmente que podem ser tomado em consideração pontos concretos, tais como a explicação
bergsoniana da obrigação moral. E então é fácil criticar seu, às vezes, inconsistente e com
frequência impreciso uso da linguagem e sua incapacidade de realizar análise detidos e
rigorosos. Também pode ser estudado longamente a influência exercida por algumas de suas
opiniões, tais como a da vital ou biológica função primária da inteligência. Mas provavelmente
o mais acertado seja dizer que a maior influência de Bergson foi a de sua visão geral,[598] que
ofereceu uma alternativa em frente às posições mecanicista e positivista. Em outras palavras,
esta visão exerceu em muitas mentes uma influência liberadora. Porque brindava uma
interpretação do mundo positiva e para muitos muito atraente, uma interpretação que não se
limitava à crítica e ao ataque de outros pontos de vista nem era também não uma volta a modos
de pensar pretéritos. Não parecia ser uma filosofia pensada por alguém que combatesse sentindo
falta o passado, senão mais bem a expressão de uma previsão do futuro. Era capaz de suscitar o
entusiasmo, como coisa nova e inspiradora,[599] que introduzia destellos inovadores na teoria da
evolução.

Bergson teve vários discípulos, entre eles Edouard Lhe Roy (1870-1954) que lhe aconteceu
em sua cátedra do Colégio da França.[600] Mas escola bergsoniana em sentido estrito, não a teve.
Tratábase, mais bem, de uma influência difusa, que com frequência é difícil de precisar. Por
exemplo, William James saudou o aparecimento da evolução criadora, dizendo que assinalava
uma nova era do pensamento; e ele foi sem dúvida influído em alguma medida por Bergson.
Mas também é verdade que a Bergson se lhe tem acusado de basear sua ideia da duração real na
teoria de James sobre a corrente da consciência. (Bergson negou isto, ao mesmo tempo que
rendia tributo a James lhe reconhecendo similaridades de pensamento.) Assim mesmo, há ideias,
como a da função originariamente biológica ou prática da inteligência, que são por verdadeiro
rasgos característicos da filosofia de Bergson, mas poderiam também derivar da filosofia alemã,
por exemplo das obras de Schopenhauer.[601] Prescindiendo das investigações eruditas a respeito
dos modos especiais em que Bergson influísse ou pudesse ter influído em outros filósofos
franceses e de diversos países, nos baste com dizer que em seu momento cimeira Bergson
apareceu como o adalid da corrente vitalista do pensamento ou filosofia da vida e que, assim
que tal, exerceu uma ampla mas não facilmente definible influência. Merece, com tudo, se
acrescentar que sua influência se fez sentir fora das filas dos filósofos profissionais; por exemplo,
no conhecido escritor francês Charles Pierre Péguy (1873-1914) e no revolucionário teorizante
social e político Georges Sorel (1847-1922). Dantes de fazer-se tomista, Jacques Maritain foi
discípulo de Bergson; e embora criticou depois a filosofia bergsoniana, conservou um profundo
respeito a seu antigo maestro. Finalmente, segundo dissemos dantes, Pierre Teilhard de Chardin
(1881-1955) tinha afinidades óbvias com Bergson e pode ser considerado que continuou sua
forma de pensar no mundo contemporâneo, desde que não dê um a errônea impressão de querer
dizer com isto que Teilhard tomasse simplesmente suas ideias de Bergson ou de Lhe Roy.
Parte III
De Bergson até Sartre
Capítulo XI
A filosofia e a apologética cristã.

1. Ollé-Lapruney sua tese sobre a certeza moral.

Durante o ilustrado século XVIII a apologética cristã tendeu a seguir um padrão racionalista.
Os argumentos dos ateus eram refutados mediante provas filosóficas da existência de Deus como
causa do mundo e como responsável pela ordem do universo, e aos ataques dos teístas contra a
religião revelada se opunham argumentos para provar a credibilidade dos relatos do Novo
Testamento envelope a vida de Cristo e seus milagres, e a realidade da Revelação. Ou seja, que
na Idade da Razão os argumentos dos racionalistas, fossem ateus ou teístas, achavam sua réplica
em uma espécie de racionalismo cristão.

Após a Revolução, a apologética experimentou na França uma mudança. A influência geral


do romantismo mostrou-se em um afastamento com respeito à filosofia racionalista de tipo
cartesiano e um pôr de realçe o modo em que a religião cristã satisfazia as necessidades do
homem e da sociedade. Segundo vimos já, Chateaubriand manteve explicitamente que era
necessário um novo tipo de apologética e apelou à beleza ou às qualidades estéticas do
cristianismo, afirmando que é a excelência intrínseca deste o que patentiza que prove de Deus,
e não, mais bem, que deva lho julgar excelente porque se tenha provado sua origem sobrenatural.
Os tradicionalistas, como de Maistre e de Bonald, apelavam à transmissão de uma primitiva
revelação divina mais que a argumentaciones metafísicas em pró da existência de Deus.
Lamennais, ainda fazendo algum uso da apologética tradicional, fazia questão de que a fé
religiosa requer o livre consentimento da vontade e dista muito de ser tão só um asenso
intelectual à conclusão de uma inferência deductiva. Punha também énfasis em que os benefícios
que reporta a religião aos indivíduos e às sociedades devem ser tido por prova de sua verdade.
O predicador dominico Henri-Dominique Lacordaire (1802-1861), que durante algum tempo
esteve associado a Lamennais, tratava de provar a verdade do cristianismo expondo o conteúdo
e os envolvimentos da fé cristã em si mesma e mostrando como satisfaz os anseios do homem e
as legítimas demandas da sociedade humana.

Salta à vista que o ponto forte na nova linha da apologética francesa durante a primeira
metade do século XIX era o tratar de fazer ver a importância da fé cristã a base da pôr em
relacionamento com as necessidades e aspirações do homem como indivíduo e como membro
da sociedade, mais bem que procedendo simplesmente a montar abstratas provas metafísicas e
argumentos históricos. Ao mesmo tempo, o recurso às considerações estéticas, como em
Chateaubriand, ou aos reais ou possíveis efeitos socialmente beneficiosos do cristianismo, podia
produzir com facilidade a impressão de que o que se tentava era estimular a vontade de achar.
Isto é, na medida em que as provas tradicionais eram substituídas por argumentos persuasivos,
tal substituição cabria a ver como expressão de um tácito suposto de que a fé religiosa se baseasse
na vontade mais que na razão.

Mas, a não ser que tivesse que considerar que a fé cristã era da mesma natureza que o
asentimiento intelectual que prestamos às conclusões de uma demonstração matemática, na fé
tinha que atribuir algum papel à vontade. Afinal de contas, até quem estavam convencidos do
caráter demostrativo dos argumentos metafísicos e apologéticos tradicionais, dificilmente
poderiam manter que a negativa do incrédulo a prestar seu asentimiento a eles se devesse sempre
e exclusivamente a que não os tinha entendido. Era, pois, natural que se pesquisasse o papel que
lhe correspondia à vontade na crença religiosa e que se tentasse combinar o reconhecimento
desse papel com o evitar uma interpretação puramente pragmática ou voluntarista da fé cristã.
A questão propôs-se assim: Possa ter uma autêntica certeza, legítima desde o ponto de vista
racional, na que a vontade desempenhe um papel efetivo?

O nome que primeiro vem às mente em conexão com este problema é o de Léon Ollé-
Laprune (1839-1898). Terminados seus estudos na Escola Normal de Paris, Ollé-Laprune
ensinou filosofia em vários liceos até que obteve um posto na Escola Normal em 1875. Publicou
em 1870 uma obra sobre Malebranche, A philosophie de Malebranche, e em 1880 um livro sobre
a certeza moral, Da certitude morale. Um ensaio sobre a ética de Aristóteles, Essai sul a morale
d’Aristote, apareceu em 1881,[602] e A philosophie et lhe temps présent (A filosofia e a época
atual) e uma obra sobre o valor da vida, Lhe prix da vie, foram publicadas respetivamente em
1890 e em 1894. Entre outros escritos há duas obras publicadas póstumas, A raison et lhe
rationalisme (A razão e o racionalismo, 1906) e Croyance religieuse et croyance intellectuelle
(Crença religiosa e crença intelectual, 1908).

Era firme convicção de Ollé-Laprune a de que em toda atividade intelectual lhe corresponde
um papel à vontade. E em verdadeiro sentido isto é uma verdade indiscutible. Até no
razonamiento matemático é necessária a atenção, e esta implica a decisão de atender. Também
é evidente que há áreas de investigação nas que podem influir diferentes tipos de preconceitos e
se requer o esforço para manter a mente aberta e imparcial. Mas embora a Ollé-Laprune gostava
de insistir, de um modo geral, em que o pensar é uma forma de vida, de ação, ele se interessou
particularmente pela busca da verdade nas questões religiosas e morais. Aqui sobretudo era
necessário pensar “com a alma inteira, com a totalidade do próprio ser”,[603] A esta convicção
chegou Ollé-Laprune influído pelo pensamento de Pascal[604] e pela Grammar of Assent
(Gramática do asentimiento)[605] de Newman, tanto como por Ravaisson e por Alphonse Gratry
(1805-1872). Gratry foi um sacerdote que manteve em seus escritos que, embora a fé cristã não
podia ser obtido simplesmente com o humano esforço, não por isso satisfazia menos as
aspirações mais profundas do homem, e que o caminho para ela podia o preparar o homem
buscando com todo seu ser a verdade e tratando de viver segundo os ideais morais.

Em sua obra sobre a certeza moral começa por examinar Olle-Laprune a natureza do
asentimiento e a da certeza em general. Como era de esperar se tratando de um filósofo francês,
são frequentes as referências a Descarte. No entanto, nota-se em seguida que Ollé-Laprune foi
estimulado a estas reflexões pela Gramática do asentimiento de Newman. Por exemplo, está de
acordo com Newman em que o asentimiento mesmo é sempre incondicional;[606] e também
aceita a distinção de Newman entre o asentimiento real e o nocional, embora a apresentando
como uma distinção entre dois tipos de certeza. “Há, pois, uma certeza que pode ser chamado
real e outra que pode ser chamado abstrata. A segunda refere-se a noções, a primeira a
coisas”[607] Ollé-Laprune distingue também entre a certeza implícita, que precede à reflexão, e
a certeza atual ou explícita, que se origina a resulta de uma apropriação reflexiva do
conhecimento implícito. Quanto ao papel desempenhado pela vontade, nenhuma verdade pode
ser percebida sem atenção, e a atenção é um ato voluntário. Mais adiante, quando já não se trata
de assentir a “primeiros princípios” evidentes por si mesmos, senão de razonar, da atividade
discursiva da mente, requiérese, como é óbvio, um esforço da vontade para sustentar esta
atividade. Mas Ollé-Laprune não está disposto a aceitar a opinião de Descarte de que o
julgamento, em sua forma afirmativa ou na negativa, é de seu um ato da vontade. No caso da
certeza legítima, é a luz da evidência a que determina o asenso, não uma eleição arbitrária que a
vontade faça entre a afirmação e a negación. Ao mesmo tempo, a verdade pode, por exemplo,
ser desagradable, como ocorre quando ouço eu uma crítica que se me faz e que me parece injusta.
Requiérese então um ato de vontade para “consentir” com o que realmente estimo que é a
verdade. O consenso ou consentimento (consentement) tem de distinguir-se, empero, do asenso
(assentiment), embora frequentemente se entremezclan os dois. “O asentimiento é involuntario,
enquanto o consentimento que se lhe acrescenta, ou que mais bem está presente como por
envolvimento, é voluntário.”[608] Claro que pode ser requerido a intervenção da vontade para
vencer a dúvida no prestar asentimiento; mas esta intervenção só é legítima quando se julga que
a dúvida é irrazonable. Em outras palavras, Ollé-Laprune deseja evitar todo envolvimento de
que a verdade e a falsidade dependam da vontade e quer atribuir à vontade um papel efetivo na
vida intelectual do homem.

Este tratamento geral do asenso e da certeza constitui uma base para refletir envelope o
asentimiento que presta o homem às verdades morais. Uma verdade moral é, em sentido estrito,
uma verdade ética. Mas Ollé-Laprune alarga o alcance significativo do termo para incluir as
verdades metafísicas, que em sua opinião estão estreitamente vinculadas com a verdade ética. A
vida moral é definida como todo exercício da atividade humana que implique a ideia de
obrigação; e verdade da ordem moral é “toda verdade que aparece como uma lei ou uma.
condição da vida moral”.[609] Assim, “todas juntas, as verdades morais no sentido próprio e as
verdades metafísicas, formam o que pode ser chamado a ordem das coisas (choses), a ordem
moral. Também pode lhe lhe chamar a ordem religiosa, se fazemos abstração da religião
positiva”.[610] As verdades morais podem ser resumido baixo quatro títulos principais: a lei
moral, a liberdade, a existência de Deus e a vida futura.[611]

A influência de Kant é perceptible não só no muito que liga Ollé-Laprune a vida moral do
homem com a crença religiosa, senão também em outras várias linhas de seu pensamento. Por
exemplo, está de acordo com Kant em que a obrigação moral implica a liberdade; e foca a crença
na vida futura argumentando que o reconhecimento da lei moral e de uma ordem moral
salvaguarda a convicção de que esta ordem triunfará, e que seu triunfo exige a imortalidade
humana. Mas embora Ollé-Laprune refere-se com frequência a Kant apreciativamente, não é sua
intenção aceitar aquela tese kantiana de que as crenças religiosas são objeto não do
conhecimento teórico senão só da fé prática. E faz uma extensa crítica das opiniões de filósofos
que, como Kant, Pascal, Maine de Biran, Cournot, Hamilton, Mansel e Spencer, ou negam ou
restringem muito o poder da mente quanto a demonstrar verdades morais. Advirta-se, por outra
parte, que o título da obra, Da certeza moral, pode resultar desorientador. A palavra “moral”
refere-se às disposições morais que, segundo Ollé-Laprune, se requerem para o pleno
reconhecimento das verdades na ordem moral. Mas não pretende se indicar com ela que no caso
das verdades morais se dê um firme asentimiento a hipótese mais ou menos prováveis, e ainda
menos que o asentimiento se preste só porque se deseje que sejam verdadeiras as proposições
convenientes. Daí que Ollé-Laprune assegure que seu livro estabelece, como contra os fideístas,
que a verdade é “independente de nossa vontade e de nosso pensamento”, e que “temos que a
reconhecer, não que a criar”.[612]

De fato, Ollé-Laprune era um católico devoto cujo sentido da ortodoxia lhe vetava todo
quanto equivalesse a substituir o asentimiento baseado em razões convincentes pela vontade de
achar. Assim, quando trata de provar, como ao se enfrentar aos “secos racionalistas que admitem
só uma espécie de mecanismo lógico”,[613] que com respeito ao reconhecimento das verdades
morais a vontade tem que desempenhar um papel particular, tem de se manter alerta para não
adotar nenhuma opinião que leve a concluir a imposibilidad de conhecer essas verdades como
verdadeiras. Em um extremo, por assim o dizer, Ollé-Laprune sustenta que o reconhecimento
efetivo de tais verdades requer disposições pessoais de natureza moral não requeridas para
reconhecer a verdade de, digamos, as proposições matemáticas. Por exemplo, um homem pode
recusar o reconhecer uma obrigação moral que implica consequências que, por falta das
disposições requeridas, ele se resiste ou se nega a aceitar. E é necessário um esforço da vontade
para vencer esta aversão à verdade. No outro extremo sustenta Ollé-Laprune que um asenso
puramente intelectual à conclusão de uma prova da existência de Deus não pode chegar a ser
“consentimento” e se transformar em fé viva sem um compromisso pessoal do homem inteiro,
incluída a vontade. “A certeza completa é pessoal: é o ato total da alma mesma abraçando-se,
por livre decisão não menos que por um julgamento firme, à verdade que se lhe apresenta[614]
Admite também Ollé-Laprune que, se tratando de verdades morais, pode ser requerido um
esforço da vontade para superar a dúvida ocasionada por “escuridões” que não se dão quando se
trata de verdades puramente formais, como as das proposições matemáticas. Se alguém,
ponhamos por caso, se limita a considerar “o curso ordinário da natureza”,[615] as aparências
parecem falar na contramão da imortalidade, e pode que por isso essa pessoa duvide em assentir
a qualquer argumento que se faça em defesa da sobrevivência do homem após a morte. Ollé-
Laprune insiste, com tudo, em que, conquanto se requer uma intervenção da vontade para superar
tal dúvida, esta intervenção não se justifica simplesmente pelo desejo de achar, senão mais bem
pelo reconhecimento de que a dúvida sobre se assentir ou não é, de fato, irrazonable e, portanto,
deve ser vencida.

Compréndese que a alguns lhes tenha parecido Ollé-Laprune um pragmatista ou um


precursor do modernismo, apesar de seus esforços por salvaguardar a verdade objetiva das
crenças religiosas. Mas nem o mais ortodoxo dos teólogos teria grande coisa que objetar à tese
de que não é por um simples processo de razonamiento como passa a filosofia a se converter em
religião e de que pára que tenha fé viva se requer o que Ollé-Laprune chama o consentement.
Mais ainda, desde o ponto de vista teológico, é bastante mais fácil ver o local que se deixa para
a atividade da graça divina na maneira de explicar Ollé-Laprune a crença religiosa que não nas
apologéticas puramente racionalistas que ele critica. Claro está que Olle-Laprune escreve
partindo da posição do crente convencido, e o que a outras gentes pode lhes parecer base
adequada para não achar o apresenta ele como ocasião de dúvidas e perplexidades que quem
busque sinceramente a verdade compreenderá que está moralmente obrigado a vencer. Mas
embora os argumentos que ele apresenta para estabelecer a verdade das crenças que estima
importantes para a vida humana podem lhes parecer a muitos nada convincentes, ele por sua vez
os considera dotados de uma força que, para o homem de boa vontade, anulará do todo a força
das aparências contrárias. Dito de outro modo, sua intenção não é expor uma teoria pragmatista
da verdade.

2. Blondel e o método da inmanencia.

Já mencionámos o fato de que Ollé-Laprune considerava o pensamento como uma forma de


ação. Mas como melhor se trata este tema é ocupando de seu discípulo Maurice Blondel (1861-
1949), autor de L ’action, Blondel era natural de Dijon, e uma vez terminados seus estudos no
liceo local, ingressou na Escola Normal de Paris, onde teve por maestros a Ollé-Laprune e a
Boutroux e por condiscípulo a Victor Delbos.[616] A Blondel custou-lhe bastante que lhe
aceitassem tem ação como tema de tese, embora finalmente o conseguiu,[617] Depois de dois
falhanços, obteve a agrégation em 1886 e foi destinado a ensinar filosofia no liceo de
Montauban. Naquele mesmo ano transladou-se-lhe a Aix-em-Provence, Em 1893 defendeu na
Sorbona sua tese doctoral titulada L’action. A Universidade negou-lhe ao princípio um posto em
seus claustros porque, segundo dizia-se-lhe, seu pensamento não era propriamente filosófico.
Ofereceu-se-lhe, pois, uma cátedra de história. Mas em 1894 o então ministro de Educação,
Raymond Poincaré, nomeou-lhe professor de filosofia na Universidade de Aix-em-Provence.
Blondel ocupou esta cátedra até 1927, ano no que se retirou por perda da vista.

A edição original de L ’action apareceu em 1893.[618] Esta foi também a data da tese latina
de Blondel envelope Leibniz.[619] O que costuma se conhecer como a trilogía de Blondel
apareceu nos anos 1934-1937. Consta da pense’e (O pensamento, 2 vols., 1934), L ‘être et lhes
êtres (O ser e os seres, 1935) e Action (Ação, 2 vols., 1936-1937). Esta obra citada em último
local não deve ser confundido com L ’Action original, que foi reimpresa em 1950 como primeiro
volume dos Premiers écrits (Primeiros escritos) de Blondel. A philosophie et l’esprit chrétien
(A filosofia e o espírito cristão) apareceu em dois volumes em 1944-1946, e Exigences
philosophiques du christianisme (Exigências filosóficas do cristianismo) foi publicada póstuma
em 1950. Blondel publicou também um considerável número de ensaios tais como sua Carta
sobre as exigências do pensamento contemporâneo em matéria de apologética e História e
dogma.[620] A correspondência entre Blondel e o filósofo jesuita Auguste Valensin (1879-1953)
foi publicada em três volumes em Paris (1957-1965), e a Correspondência filosófica de Blondel
com Laberthonnière, editada por C. Tresmontant, apareceu em 1962. Há também uma coleção
de cartas filosóficas escritas por Blondel a Boutroux, Delbos, Brunschvicg e outros (Paris, 1961).

Blondel foi apresentado com frequência como apologista católico. Certamente foi-o, e assim
se via ele a si mesmo. No projeto de sua tese sobre L’action referia-se a este trabalho chamando-
o apologética filosófica. Em uma carta a Delbos, disse que, para ele, a filosofia e a apologética
eram basicamente uma mesma coisa.[621] Já desde o começo estava convencido da necessidade
de uma filosofia cristã. Mas em sua opinião nunca teve ainda, estritamente falando, nenhuma
filosofia cristã.[622] Blondel aspirava a encher este vazio ou, pelo menos, a indicar o modo de
enchê-lo. Também disse que teria que tratar de fazer “pela forma católica do pensamento o que
Alemanha fez desde faz muito e segue fazendo pela forma protestante”.[623] Mas não é menester
multiplicar as cita para justificar a apresentação de Blondel como apologeta católico.

No entanto, embora tal apresentação seja justificável, pode resultar muito desorientadora.
Porque sugere a ideia de uma filosofia heterónoma, isto é, uma filosofia que se utiliza para apoiar
certas posições teológicas ou para demonstrar determinadas conclusões preconcebidas que se
têm por filosoficamente demostrables e propedéuticamente essenciais para sentar uma base
teórica da crença cristã. Em outras palavras, a apresentação de uma filosofia como apologética
cristã sugere a ideia da filosofia como ayudante ou serva da teología. E na medida em que se
conceba que o cometido da filosofia cristã é demonstrar certas teses ditadas pela teología ou pela
autoridade eclesiástica, o mais provável é que se saque a conclusão de que a filosofia cristã não
tem, em realidade, nada de filosofia, senão que é somente teología disfarçada.

Blondel reconhecia, desde depois, que os conceitos filosóficos podiam ser utilizados na
explicitación do conteúdo da fé cristã, Mas insistia, com razão, em que, procedendo assim, se
seguia estando dentro da teología.[624] Era seu convencimiento que a filosofia mesma deveria
ser autônoma de fato e não somente em teoria. Portanto, a filosofia cristã deveria ser também
autônoma. Mas, em sua opinião, uma filosofia cristã autônoma não a tinha tido até a data. Era
algo por criar. Seria cristã no sentido de que mostraria a falta de autosuficiencia no homem e a
abertura deste à Trascendencia. E ao proceder assim manifestaria suas próprias limitações como
pensamento humano e sua falta de omnicompetencia. Blondel estava convencido de que a
reflexão filosófica autônoma, levada de um modo consistente e rigoroso, revelaria que há
realmente no homem uma exigência do sobrenatural, daquilo que é inacessível ao só esforço
humano. Esta exigência abriria o horizonte do espírito humano à livre autocomunicación do
divino, que responde sem dúvida a uma profunda necessidade do homem mas não pode ser
atingido por médio da filosofia.[625] Brevemente, Blondel contemplava uma filosofia que fosse
autônoma em sua reflexão mas, mediante esta reflexão, se autolimitara, no sentido de que não
apontasse ao que está para além de seu alcance. Tinha-lhe influído bastante Pascal, mas tinha
mais confiança que este na filosofia sistemática. Quiçá possa ser dito que Blondel aspirava a
criar a filosofia que era reclamada pelo pensamento de Pascal. Mas tinha que ser filosofia.
Assim, diz Blondel em um sítio que “a filosofia apologética não deveria ser convertido em uma
apologética filosófica”.[626] Ou seja, que a filosofia deveria ser um processo de reflexão racional
autônoma, e não simplesmente um médio supeditado a um fim extrafilosófico.

Blondel, pois, desejava criar algo novo ou, pelo menos, contribuir sustanciosamente a sua
criação. Mas é óbvio que não pensava no criar da nada, isto é, não pensava em trazer à existência
uma novidade que não tivesse nada que ver com o pensamento do passado. Aqui não podemos
discutir com detalhe a influência que exerceram nele determinados movimentos e
pensadores.[627] Mas para elucidar seus propósitos parece necessário um exame geral, sequer
seja muito esquemático, da maneira como interpretou o desenvolvimento da filosofia ocidental.
Blondel via o aristotelismo como uma notável expressão do racionalismo, isto é, da tendência
da razão a afirmar sua concorrência em todo e se apreender inclusive da religião. Com
Aristóteles se divinizó ao pensamento, e a especulação teórica foi tida pela suprema atividade e
finalidade do homem. Na Idade Média o aristotelismo foi naturalmente harmonizado com a
teología cristã de um modo que limitou o alcance da filosofia. Mas esta harmonização consistiu
em uma conjunción de dois fatores, um dos quais, deixado a si mesmo, aspiraria a absorver ao
outro; e a limitação da filosofia foi imposta desde fora. A filosofia talvez fosse autônoma em
teoria, mas na prática foi heterónoma. Quando se debilitou ou se suprimiu o controle externo, a
filosofia racionalista voltou a afirmar sua omnicompetencia.[628] Ao mesmo tempo, surgiram
novas linhas de pensamento. Por exemplo, enquanto o realismo medieval tinha-se concentrado
nos objetos do conhecimento, Spinoza, ainda sendo um dos grandes racionalistas, partiu do
sujeito ativo e dos problemas da existência e do destino humano. Em isto seguia a via da
“inmanencia”; mas também entendeu que o homem somente pode achar sua verdadeira plenitude
no Absoluto que lhe trasciende.[629]

Um passo adiante deu-o Kant, com quem vemos à filosofia fazer-se autocrítica e
autolimitante. Não se trata já, como na Idade Média, de limitações impostas desde fora, senão
que agora são autoimpuestas a resulta da autocrítica. O ato de limitar-se é, pois, compatível com
o caráter autônomo da filosofia. Por outro lado, Kant abriu uma sima entre o pensamento e o ser,
e entre a teoria e a prática ou a ação, enquanto Spinoza tentava anular a separação entre o
pensamento e o ser. Os grandes idealistas alemães tentaram sínteses das que o filósofo tem muito
que aprender.[630] Mas especialmente em Hegel vemos uma tendência a divinizar a razão, a
identificar o pensamento humano com o pensamento absoluto e a absorver a religião no seio da
filosofia. Como contrapeso a esta tendência temos a tradição que vai de Pascal a Ollé-Laprune
e outros, passando por Maine de Biran, tradição que parte do sujeito ativo concreto e reflete
envelope as exigências de sua atividade. Mas a esta tradição falta-lhe um método que possibilite
a construção de uma filosofia da inmanencia que conduza ou aponte ao mesmo tempo para a
trascendencia.

Pelo que fica dito, deveria estar já claro que Blondel não era um defensor do movimento de
“volta a Santo Tomás de Aquino”.[631] Em sua opinião, o pensador cristão, interessado pelo
desenvolvimento da filosofia da religião, não deve tratar de ir para atrás, senão que mais bem
tem de entrar no processo da filosofia moderna e, partindo de seu mesmo interior, o ultrapassar.
Estava convencido de que o conceito da filosofia como autônoma mas autolimitante era uma
grande contribuição do pensamento moderno. Tal conceito fazia possível pela primeira vez uma
filosofia que, ao mesmo tempo que apontasse para a Trascendencia, se abstivesse, mediante sua
própria autolimitación crítica, de querer capturar ao Trascendente em uma rede racionalista.
Teria assim local para a autorrevelación divina. Outra contribuição da filosofia moderna (embora
esboçada já no pensamento anterior) era a do abordar o ser por médio da ativa reflexão do sujeito
envelope seu próprio dinamismo do pensamento e a vontade; em outras palavras, seguindo o
método da inmanencia. Blondel opinava que só com uma focagem assim poderia ser
desenvolvido uma filosofia da religião que tivesse algum significado para o homem moderno.
Para que Deus chegue a ser uma realidade para o homem, e não simplesmente um objeto de
pensamento ou de especulação, temos de redescubrirle desde nosso interior, não por verdadeiro
como se fosse um objeto suscetível de ser achado por via introspectiva, senão chegando a
compreender que o Trascendente é a meta última de nosso pensamento e de nossa vontade.

Mas embora Blondel estava convencido de que os filósofos católicos deveriam ser lançado
à corrente do pensamento moderno, não queria dar a entender com isso que os filósofos
modernos resolvesse todos os graves problemas que propunham. Assim, por exemplo, enquanto
no mundo antigo Aristóteles exaltava o pensamento em detrimento da prática ou da ação, Kant
no mundo moderno engrandecia a vontade moral a expensas da razão teórica, apartando,
segundo disse, à razão para abrir caminho à fé. Mas seguia irresuelto o problema do unir o
pensamento e a vontade, o pensamento e a ação ou a prática. Uma vez mais, o método da
inmanencia, a focagem do ser mediante a reflexão crítica sobre o sujeito, podia ser convertido
facilmente, e era convertido de fato, em uma doutrina da inmanencia, afirmando que nada existe
fora da consciência humana ou que carece de sentido o sustentar que existe algo assim. Seguia,
pois, por resolver o problema de como praticar o método da inmanencia evitando ao mesmo
tempo incurrir no inmanentismo doctrinal ou de princípio.

Certamente, alguns dos críticos de Blondel lhe acusaram de inmanentismo, no sentido de lhe
atribuir o princípio ou a doutrina da inmanencia, e concluíam tais críticos que partindo de seus
premisas nunca poderia ser saído do solipsismo, isto é, do encerramiento nas impressões e ideias
subjetivas, nem afirmar a existência de nenhuma realidade que não fosse a de um conteúdo da
consciência humana. Mas embora foi-lhes possível selecionar alguns bilhetes em apoio desta
interpretação, é evidente que Blondel não teve nunca a intenção de propor nenhuma doutrina
que implicasse um idealismo subjetivo. Verdadeiro que foi estimulado pelas obras de vários
filósofos que encerravam toda a realidade no âmbito do pensamento.[632] Mas uma de suas metas
era acabar com a separação entre o pensamento e o ser (considerado este como objeto do
pensamento) sem reduzir o ser ao pensamento. E embora, evidentemente, sabia bem que a Deus
não pode lhe lhe conceber senão mediante a consciência, não pretendia sugerir que Deus seja
identificable com a ideia que dele possa ter o homem. Desejava seguir um método de inmanencia
que conduzisse a afirmar ao Trascendente como uma realidade objetiva, no sentido de uma
realidade que não era dependente da consciência humana.

Para dar solução a seus problemas concebeu Blondel uma filosofia da ação. O termo “ação”
sugere naturalmente a ideia de algo que pode ser precedido pelo pensamento ou acompanhado
por este, mas sem ser isso mesmo pensamento. No entanto, tal como emprega Blondel o termo,
o pensamento mesmo é uma forma de ação. Há, claro está, pensamentos, ideias e representações
que tendemos a conceber como contidos da consciência e possíveis objetos do pensamento. Mas
é mais fundamental o ato do pensar que produz e sustenta o pensamento. E o pensamento como
atividade ou ação é em si expressão do movimento da vida, do dinamismo do sujeito ou da
pessoa inteira. “Nada há na vida propriamente subjetiva que não seja ato. O propriamente
subjetivo não só é o que é consciente e conhecido desde dentro [...]; é o que causa o fato de que
tenha consciência.”[633] À ação poderia talvez lha chamar o dinamismo do sujeito, a aspiração e
o movimento da pessoa em busca de sua autocomplección. É a vida do sujeito considerado em
seu integrar ou sintetizar potencialidades e tendências preconscientes, em sua expressar no
pensamento e o conhecimento, e em seu tender para ulteriores metas.

Blondel faz uma distinção entre o que ele denomina “a vontade volente ou que queira” (a
volonté voulante) e “a vontade querida” (a volonté voulue). A segunda consta de diferentes atos
de volición: queira um primeiro isto e depois aquilo. A vontade volente “é o movimento comum
a toda vontade”.[634] Não é que Blondel suponha que no homem há duas vontades. Sua tese é
que há no homem uma aspiração básica ou movimento (a volonté voulante) que se expressa no
querer diferentes fins ou objetos finitos mas sem poder achar nunca satisfação total em nenhum
deles, senão tendendo sempre aos ultrapassar. Este movimento não é, de seu, o objeto da
introspección psicológica, senão mais bem a condição de todos os atos da vontade ou voliciones
e, ao mesmo tempo, o que vive e se expressa neles e passa para além deles, por série inadequados.
Mais ainda, é a operação da vontade básica que leva ao pensamento e ao conhecimento. “O
conhecimento não é nada mais que o meio-termo, o fruto da ação e a semente da ação.”[635]
Assim, até as matemáticas podem ser visto como “uma forma do desenvolvimento da
vontade”.[636] Sem que de aqui se siga que a verdade seja simplesmente o que nós decidamos
que tem de ser. O que Blondel pretende dizer é que a vida toda do pensamento e dos saberes
humanos, seja em ciência ou em filosofia, está enraizada na atividade básica do homem e deve
ser vista em relacionamento com ela. Em sua opinião, a génesis e o sentido ou o fim da ciência
e das filosofias só podem ser compreendido propriamente em termos da orientação fundamental
e dinâmica do sujeito.

Mal é menester que digamos que, ao fazer questão do caráter basicamente dinâmico do
sujeito ou ego, se mantém Blondel dentro da corrente geral do pensamento à que Maine de Biran
deu tão poderoso estímulo. Mas também lhe inspiravam suas reflexões sobre o pensamento dos
filósofos alemães tal como ele os entendia. Por exemplo, embora desejava superar as dicotomías
kantianas entre a razão teórica e a razão prática, entre o eu nouménico e o eu fenoménico, e entre
as esferas da liberdade e da necessidade, foi certamente influído pelo énfasis que pôs Kant na
primacía da razão prática ou vontade moral. Assim mesmo, podemos encontrar nexos entre o
conceito blondeliano da volonté voulante, a ideia fichteana do eu puro como atividade e a teoria
schellingiana de um ato de vontade básico ou decisão primitiva que se expressa nas decisões
particulares. No entanto, o que interessa não é tanto se Blondel tomou em empréstimo uma ideia
de um filósofo e outra de outro, senão mais bem ver o desenvolvimento de suas próprias ideias
em diálogo com as de outros pensadores, tal como as leu diretamente em seus escritos ou como
chegaram a ele através das obras de seu amigo Delbos. E aqui não podemos nos deter a examinar
o processo deste diálogo.

A filosofia da ação pode ser descrita como uma investigação sistemática das condições e a
dialética do dinamismo do sujeito, ou como uma reflexão crítica sobre a estrutura a priori da
vontade volente, vista em sua se determinar ou expressar no pensamento e na ação do homem,
ou, quiçá, como uma reflexão crítica sobre a orientação básica do sujeito ativo segundo se
manifesta na génesis da moral, a ciência e a filosofia. A palavra “sujeito” não tem de se entender
no limitado sentido do eu cartesiano, nem também não no do eu trascendental do idealismo
alemão. Pois a ação é a vida do “composto humano, síntese “de corpo e alma””.[637] E o que a
Blondel lhe interessa é a orientação básica da pessoa assim que que esta tende a uma meta. Em
outras palavras, ele está empregando o método de inmanencia para solucionar o que vê como o
problema do destino humano.

Para pôr um exemplo: Blondel trata de mostrar que a ideia de liberdade se levanta envelope
a base do determinismo da natureza. A vontade está submetida a desejos e tendências, mas em
seu potencial infinitud trasciende a ordem factual e lança-se para fins ideais. Envelope a base de
um determinismo da natureza, o sujeito chega a fazer-se consciente de sua liberdade. Mas, ao
mesmo tempo, substitui o determinismo da natureza pelo da razão e a obrigação. A obrigação é
“um postulado necessário da vontade”[638] e uma síntese do ideal e o irreal. A moral ou a ordem
moral não representa, pois, uma imposição desde fora: surge no dialéctico autodespliegue do
dinamismo do sujeito. Mas o sentimento de obrigação, a consciência de um imperativo moral,
só pode surgir através do sujeito que trasciende o factual, no sentido de que aprende a encontrar
no ideal o motivo de sua conduta. Dito com outras palavras, a consciência moral entranha uma
metafísica implícita, um implícito reconhecimento da ordem natural ou factual assim que
referido a uma esfera de realidade metafísica ou ideal.

Como era de esperar, Blondel passa a argüir que a atividade total do sujeito humano somente
é compreensível nos termos de uma orientação a um absoluto trascendente, ao infinito como
meta última da vontade. O qual não quer dizer, por suposto, que o Trascendente possa ser
descoberto como um objeto interno ou externo. Trátase mais bem de que o sujeito se vai fazendo
consciente de sua orientação dinâmica ao Trascendente e de que lhe é inevitável fazer uma
opção: a de eleger entre afirmar ou negar a realidade de Deus. Isto é, a reflexão filosófica dá
origem à ideia de Deus; mas precisamente porque Deus é trascendente, o homem pode afirmar
ou negar a realidade de Deus. Blondel vê ao homem como embargado pelo que um
existencialista chamaria “a angústia”, como buscando uma adequação entre a vontade querida e
a vontade que queira. A seu parecer, a adequação só pode ser conseguido mediante Deus. Mas
o método de inmanencia unicamente pode conduzir à necessidade de uma opção. Como depois
Sartre, o que Blondel nos diz é que “o homem aspira a ser Deus”.[639] Mas isto significa que tem
de decidir entre o pospor a vontade divina à sua própria, decidindo assim contra Deus com a
ideia de Deus,[640] ou se fazer Deus (unido a Deus) só mediante Deus. Em definitiva, o que um
homem chega a ser depende de sua própria vontade. É sua vontade de viver suficiente — valha
o paradoxo — para morrer “consentindo que Deus lhe suplante”,[641] se unindo sua vontade à
vontade divina? Ou tentará ser autosuficiente e autônomo sem Deus? A decisão corresponde-lhe
ao homem tomá-la. Na dialética do movimento ou aspiração fundamental do homem há um
ponto no que necessariamente surge a ideia de que Deus é uma realidade. Mas ainda lhe segue
sendo possível ao homem afirmar ou negar a realidade de Deus.

Alguns críticos interpretaram a teoria da opção blondelíana como se implicasse que a


existência de Deus não podia ser provada e que o a afirmar era simples resultado de um ato da
vontade, isto é, da vontade de achar. No entanto, em realidade Blondel não recusava todas as
provas da existência de Deus. Considerava que a filosofia da ação constituía ela mesma uma
prova, já que o método de inmanencia mostrava a necessidade da ideia de Deus. Não se tratava
de recusar, por exemplo, o argumento que parte da contingencia como se carecesse de validade,
senão, mais bem, de interiorizarlo tentando fazer compreender que a ideia do ser necessário
surge através da reflexão do sujeito envelope sua própria orientação ou movimento de aspiração.
Quanto à opção, Blondel tem-a por necessária se Deus tem de ser uma realidade “para nós”.[642]
O conhecimento especulativo pode preceder à opção; mas sem a opção, sem o livre autor
remeter-se do sujeito a Deus, não pode ter efetivo conhecimento. “O pensamento vivo que temos
dele (de Deus) é e segue sendo vivo só se se orienta para a prática, se se vive por esse pensamento
e se nossa ação se alimenta do mesmo.”[643] Mas isto exige um ato voluntário de autoremitirse,
não à ideia de Deus, senão a Deus como ser.

Alguns críticos católicos entenderam também a Blondel como se este sustentasse que a
revelação divina e a vida sobrenatural não fossem dons gratuitos senão algo necessário, isto é,
algo que viesse a satisfazer uma demanda da natureza do homem, uma exigência que seu Criador
tivesse que satisfazer. Mas embora as frases de Blondel davam pé, às vezes, para esta
interpretação, está claro que “o sobrenatural” a cuja exigência se chega pelo método de
inmanencia é simplesmente o “sobrenatural indeterminado”, no sentido de que a filosofia da
ação mostra, para Blondel, que o homem tem de aceitar a Trascendencia e se submeter a ela. A
revelação cristã é a forma positivamente determinada do sobrenatural; e o homem deve aceitá-
la se é verdadeira. Mas o método de inmanencia não pode provar que a revelação seja verdadeira.
Por outro lado, nenhum homem poderia aceitar o sobrenatural positivamente determinado se não
tivesse algo no homem ao que o sobrenatural desse resposta. Caso contrário, este seria
irrelevante. E o método de inmanencia mostra que esse algo, uma orientação dinâmica à
Trascendencia, está realmente aí.[644]

Desde depois que, se dizemos, como dissemos mais acima, que a filosofia da ação revela a
necessidade da ideia de “Deus”, pode ser produzido facilmente a impressão de que Blondel
considera o método de inmanencia como conducente à crença em Deus especificamente cristã.
Mas em realidade o que ocorre é que Blondel, repasando a filosofia moderna, vê que alguns
sistemas tratam de excluir a toda costa a Trascendencia e outros, em mudança, tratam da impor
como se fosse por decreto, com o que a reduzem a um ídolo ou a uma caricatura. E opina Blondel
que o método de inmanencia, tal como é seguido na filosofia da ação, abre a inteligência e a
vontade do homem à Trascendencia, deixando ao mesmo tempo local para o auto-revelação de
Deus. Neste sentido, uma filosofia verdadeiramente crítica é uma filosofia cristã e uma
apologética cristã, não no sentido de que trate de provar a verdade das doutrinas cristãs, senão
mais bem no de que leva ao homem até o ponto em que se acha aberto ao auto-revelação de
Deus e à ação divina. “A filosofia não pode demonstrar diretamente o sobrenatural nem no-lo
tentar.”[645] Mas sim que pode proceder indiretamente, eliminando as soluções incompletas ao
problema do destino humano e nos mostrando “o que não podemos deixar de ter e o que
necessariamente nos está fazendo falta”.[646] A filosofia pode mostrar que a ordem natural é
insuficiente para nos fixar a meta da orientação dinâmica do espírito humano. E, ao mesmo
tempo, a autocrítica da filosofia revela sua própria incompetência para dar ao homem a felicidade
à que este aspira. De maneira que aponta para além de si mesma.

Embora Blondel pôs bastante em claro que não era sua intenção identificar a Deus com nossa
ideia inmanente de Deus, e embora ele era oposto ao historicismo dos modernistas, nenhum bom
conhecedor da situação da Igreja Católica durante a crise modernista se surpreenderá de que
Blondel incurriese em suspeita nem de que pensassem alguns que era incluído na condenação
do “inmanentismo religioso” feita pelo papa Pío X em seu encíclica Pascendi de 1907. Não
contribuiu a melhorar precisamente as coisas a oposição de Blondel com respeito ao movimento
da Action Française, que ele via como perversa aliança entre a sociologia positivista e um
catolicismo reaccionario. Pois embora Charles Maurras era um ateu que tratava de utilizar à
Igreja para seus próprios fins, o movimento foi apoiado por alguns teólogos distintos, embora
muito tradicionais, e por certos tomistas que, molestos com a originalidad e a independência de
Blondel, lhe consideravam corrompido pelo pensamento alemão e não duvidavam em lhe acusar
de modernismo. De fato, as ideias de Blondel nunca foram condenadas por Roma, apesar dos
esforços que se fizeram tentando que o fossem. Provavelmente foi uma sorte para ele não se
fazer sacerdote, como parece que o pensou alguma vez. Há que acrescentar, com tudo, que
Blondel nunca se permitiu entablar as ardentes polêmicas que sustentou seu amigo
Laberthonnière. E a mesma escuridão de seu estilo ou, se prefere-se, o fato de que fosse um
filósofo altamente profissional e não um divulgador quiçá lhe servisse algo de proteção.

Em qualquer caso, Blondel resistiu nos anos de controvérsias e críticas e, segundo


mencionámos já, produziu por fim seu trilogía A pensée, L’être et lhes êtres e a segunda versão
de L ’action, seguida pela filosofia e o espírito cristão. Alguns estudiosos de Blondel passaram
bastante por alto estas últimas obras, vendo-as quiçá como uma expressão de pensamentos
reelaborados baixo a pressão da crítica e como mais dóciles e mais tradicionais que L’action
original. Outros, em mudança, fizeram questão de que a trilogía representa o pensamento maduro
do filósofo, acrescentando às vezes que o énfasis com que nela se faz questão dos temas
ontológicos e metafísicos demonstra que é um erro apresentar a Blondel como um apologista
porque escrevesse a primeira Action e a Carta sobre a apologética. Não faltam quem
aproveitaram com gosto a oportunidade de comparar seu pensamento com a tradição metafísica
que passa por Santo Tomás de Aquino.[647] Mas, conquanto a trilogía representa evidentemente
o pensamento maduro de Blondel, e este veio a ter em realidade um respeito a cada vez maior
ao Aquinate, também é verdadeiro que seu interesse consistiu em desenvolver uma filosofia
autônoma que ao mesmo tempo estivesse aberta ao cristianismo. Em tal sentido seguiu sendo
um apologeta, embora em seus últimos escritos recalcase os envolvimentos e os orçamentos
ontológicos de seu pensamento segundo o apresentava anteriormente.

Na pensée pesquisa Blondel as condições antecedentes do pensamento humano e defende a


teoria do “pensamento cósmico” (a pensée cosmique). Em sua opinião, não podemos fazer
justificadamente uma dicotomía estrita entre os seres humanos como sujeitos pensantes, por um
lado, e a natureza como matéria sem pensamento, pelo outro. Ao invés, Leibniz estava no
verdadeiro quando sustentou que o material tem sempre sua feição psíquico. A dizer verdade, o
universo orgânico inteligible pode ser descrito como “um pensamento subsistente”;[648] não, por
verdadeiro, pensamento consciente, senão pensamento “em busca de si”.[649] No processo do
desenvolvimento do mundo o pensamento consciente alça-se envelope a base de uma hierarquia
de níveis, a cada um dos quais pressupõe como requisitos necessários os que lhe precedem e
introduz algo novo e cria problemas, os chamemos assim, cuja solução exige um nível superior.
No homem persiste o pensamento espontâneo, concreto, que se acha presente à natureza; mas
surge também o pensamento analítico e abstrato que opera com símbolos.[650] A tensão entre
estes dois tipos de pensamento era já notada por alguns filósofos. Os escolásticos falaram de
“razão” (ratio) e “intelecto” (intellectus); Spinoza, de graus do conhecimento; e Newman, de
asentimiento nocional e asentimiento real. Junto da advertência da distinção entre os diferentes
tipos de pensamento deu-se também a visão de uma síntese a um nível superior, como nos
escolásticos e em Spinoza segundo suas maneiras diversas. A condição para qualquer síntese
assim, para o autoperfeccionarse do pensamento, é a participação na vida do pensamento
absoluto, em uma união com Deus na que se identifiquem a visão e o amor. Mas atingir esta
meta da dialética do pensamento fica fora da concorrência da filosofia e do esforço humano em
general.

Em L ’être et lhes êtres, Blondel volta sua atenção do pensamento ao ser, e interroga, por
dizê-lo assim, a diferentes classes de coisas para descobrir se merecem ser chamadas seres. A
matéria não aprova este exame: não é um ser. É “menos que uma coisa, a condição comum das
resistências que todas as coisas nos opõem e que nós nos opomos a nós mesmos”.[651] É em
realidade, para empregar a terminología do aristotelismo, o princípio da individuación e da
multiplicidad, e proporciona assim uma boa base para recusar o monismo; mas não é, de seu,
um ser substancial. O organismo vivo, com sua unidade específica, sua espontaneidad e relativa
autonomia, apresenta melhore títulos; mas embora transmite um élan vital, sua atividade é
contrarrestada pela pasividad, e carece de autêntica autonomia e de imortalidade. Quanto às
pessoas humanas, apresentam títulos ainda melhore. Ao mesmo tempo, sua falta de
autosuficiencia pode ser mostrado de muitos modos, Talvez pareça, pois, que é o universo em
sua totalidade o único que merece o nome de ser. Mas o universo é devir mais bem que ser.
Participa no ser, mas não é o ser mesmo.

Nestas reflexões Blondel está, obviamente, supondo que no homem há, de fato, uma ideia
implícita do “Ser em si mesmo”,[652] à que não lha encontra plenamente realizada nem na
matéria, nem nos organismos, nem nas pessoas, nem sequer no universo considerado como uma
totalidade em desenvolvimento. Mas ele não pretende que esta ideia implícita possa
proporcionar uma base para o argumento ontológico de San Anselmo. Daí que se veja obrigado
a perguntar se se justifica o aserto de que esta ideia remete a uma realidade. Sem recusar os
argumentos tradicionais que concluem do mundo a Deus, sustenta Blondel que “nossa ideia de
Deus tem sua fonte, não em uma luz que nos pertença a nós, senão na ação iluminadora de Deus
em nós”.[653] “A aptidão fundamental e congênita do espírito para conhecer e desejar a Deus é a
causa inicial e suprema de todo o movimento da natureza e do pensamento, de sorte que nossa
certeza de ser está assim baseada no Ser mesmo.”[654]

Na segunda versão de L ’Action diz Blondel que na primeira deixava deliberadamente de


lado “as terríveis dificuldades metafísicas do problema das causas segundas”[655] e considerava
a ação somente no homem e tendo em vista estudar o destino humano. Mas na segunda Ação
alarga estas olha para incluir a ação em general, e introduz temas que passava por alto na versão
primeira. Diz, por exemplo, que o conceito puro e completo da ação se verifica tão só em Deus,
que é a Atividade absoluta (l’Agir absolu) e o venero produtos de todas as coisas finitas. Ademais
há aqui umas aproximações graduais, digamo-lo assim, à absoluta Atividade divina; e propõe-
se a questão de como é possível para Deus criar seres finitos enquanto agentes morais livres e
responsáveis. Blondel trata de combinar o reconhecimento da atividade criadora do homem e a
responsabilidade moral com a crença na criação divina e com sua teoria da orientação básica do
espírito humano à Trascendencia e do aperfeiçoamento da natureza humana mediante a união da
vontade do homem com a vontade divina.

Esta ampliação de horizontes para abarcar uma extensa gama de temas ontológicos e
metafísicos dá, sem dúvida, à trilogía um matiz diferente, digamos, do de L ’Action original e
do da Carta sobre a apologética. Mas, embora a trilogía alarga o campo da reflexão, não por
isso constitui um repúdio da primeira versão de L ’action. Blondel segue estando profundamente
convencido da básica orientação dinâmica do espírito humano para Deus; e esta ampliação de
horizontes pode ser visto como um querer solventar os problemas que estavam implícitos na
linha de seu pensamento original. A mudança na forma de expressar-se Blondel e a respetuosa
atitude que mostra com frequência para com o Aquinate quiçá chamem a engano. Por exemplo,
embora na pensée Blondel admite prudentemente a função das provas da existência de Deus de
tipo tradicional, põe em claro que, se lhas toma isoladamente e como exercícios de metafísica
teórica, conduzem a uma ideia de Deus, e que pára que Deus seja uma realidade viva para o
homem, para que seja o Deus da consciência religiosa, se requer algo mais. Evita, sim, o uso da
palavra “opção”; mas a ideia fundamental permanece. Blondel não quer admitir que tenha uma
dicotomía definitiva e insalvable entre “o Deus dos filósofos” e “o Deus da religião”. A diferença
prove de que há no homem diferentes tipos de pensamento; mas o ideal é uma integração das
tendências que estão em conflito dentro do homem. E este ideal achava-se evidentemente
presente à versão original de L ‘action.

É difícil imaginar que Blondel possa ser nunca um escritor popular. Mais que para o público
em general, escreve para os filósofos. E é provável que muitos de seus leitores, embora sejam
filósofos, fiquem com frequência sem saber exatamente que é o que quer dizer. Mas como
pensador católico que desenvolveu suas ideias em diálogo com as correntes espiritualista,
idealista e positivista da filosofia moderna, Blondel é uma notabilidad. Não abogó pelo
simplismo de uma volta ao passado medieval, embora lho parangonase com a ciência moderna.
Nem adotou também não a atitude de discípulo com respeito a nenhum pensador. Embora
possamos discernir algumas linhas de seu pensamento que lhe vinculam com San Agustín e San
Buenaventura, e também afinidades com Leibniz, Kant, Maine de Biran e outros, foi um
pensador inteiramente original. E sua concepção geral de uma filosofia que tem de ser
intrinsecamente autônoma mas ao mesmo tempo autocrítica e autolimitante e aberta à revelação
cristã, parece aceitável em princípio para todos os pensadores católicos que recorram à filosofia
metafísica.[656] Claro que há quem estimam que o focar a metafísica “desde a interioridad
humana”, por via de reflexão sobre o sujeito ativo, que foi a contribuição caraterística de Maine
de Biran e é algo especialmente notorio na primeira versão de L ’action, se resiente de
subjetivismo. Em cujo caso, esses tais darão bom acolhimento à ampliação de horizontes que se
efetua na trilogía, vendo nela o equivalente a um reconhecimento do inadequado do método de
inmanencia. Mas, de todos modos, a focagem ou proposta de Blondel tem pelo menos o mérito
de que trata de fazer compreender o relevante que é a religião. E nosso filósofo reconheceu o
fato, visto também pelos chamados tomistas trascendentales, de que as provas tradicionais da
existência de Deus a partir do mundo externo se baseiam em orçamentos que só podem ser
justificado mediante a reflexão sistemática sobre a atividade do sujeito no pensamento e a
volición.

3. Laberthonnière e a filosofia cristã.

Entre os que mantiveram correspondência com Blondel esteve Luden Laberthonnière (1860-
1932).[657] Após estudar no seminário de Bourges, Laberthonnière ingressou no Oratorio em
1886 e ensinou filosofia na escola oratoriana de Juilly e depois em uma escola de Paris. Em 1900
voltou a Juilly como reitor do Colégio, mas quando o governo Combes legisló contra as ordens
e congregaciones religiosas, em 1902, passou a viver em Paris. Em 1903 publicou Essais de
philosophie religieuse (Ensaios de filosofia religiosa) e em 1904 Lhe réalisme chrétien et
l’idéalisme grec (O realismo cristão e o idealismo grego). Em 1905 Blondel fez-lhe diretor dos
Annales de philosophie chrétienne (Anales de filosofia cristã). Mas ao ano seguinte dois de seus
escritos foram postos no índice. Em 1911 publicou Positivisme et catholicisme (Positivismo e
catolicismo); mas em 1913 as autoridades eclesiásticas proibiram-lhe seguir publicando.
Durante este período de forçado silêncio viram a luz alguns escritos de Laberthonnière
publicados a nome de amigos.[658] Mas o grosso de sua produção teria que esperar a ser
publicado postumamente. Em 1935 Louis Canet começou a editar estas obras em Paris com o
título geral de Oeuvres de Laberthonnière.
Apesar do trato que recebeu, Laberthonnière não rompeu nunca com a Igreja. E menos ainda
abandonou sua profunda fé cristã. O que sim é provável, e natural, é que a inclusão de duas de
seus livros no Indice e a posterior proibição de que seguisse publicando aumentassem sua
hostilidade não só contra o autoritarismo senão também contra a filosofia aristotélica e
tomista.[659] Mas esta hostilidade não teve certamente por origem a reação ante as medidas
tomadas pela autoridade eclesiástica. Era uma atitude razonada, baseada em sua maneira de
entender a vida humana e a natureza da filosofia e da religião cristã. De não ter sido por sua
redução ao silêncio, suas ideias talvez produziria muita mais impressão. Tal como andaram as
coisas, outros filósofos estavam passando já ao primeiro plano da atenção quando as obras de
Laberthonnière foram, por fim, publicadas. Há que acrescentar, empero, que enquanto Blondel
se dedicou sobretudo a expor seu próprio pensamento, Laberthonnière tendia a elaborar e expor
suas ideias ao mesmo tempo que discutia as de outros pensadores, o fazendo com frequência em
um tom acentuadamente polêmico. Assim, os primeiros volumes de suas Obras, segundo os
publicou Louis Canet, contêm suas Études sul Descarte (Estudos sobre Descarte, 1935) e seus
Études de philosophie cartésienne (Estudos de filosofia cartesiana, 1938) enquanto o Esquisse
d’une philosophie personnaliste (Esboço de uma filosofia personalista, 1942) apresenta um
plano filosófico que é desenvolvido, em grande parte, mediante a discussão crítica das ideias de
outros filósofos, tais como Renouvier, Bergson e Brunschvicg. Uma parte, por exemplo, intitula-
se “O pseudopersonalismo de Charles Renouvier”. Isto não quer dizer, naturalmente, que as
ideias do próprio Laberthonnière não sejam valiosas. Blondel mesmo desenvolveu seu
pensamento ao longo de um processo de diálogo com outros filósofos, mas também é verdade
que na versão original de L ’action e na trilogía se lhe distrai muito menos ao leitor com excursos
polêmicos e históricos que lhe apartem da linha de pensamento do autor, coisa em mudança
frecuentísima nas principais obras de Laberthonnière.

Nas notas que constituem o prefacio a seus Estudos sobre Descarte afirma Laberthonnière
que “toda doutrina filosófica tem por fim dar um sentido à vida, à existência humana”.[660] Toda
filosofia tem uma motivação moral, ainda que o filósofo dê a seu pensamento uma forma cuasi-
matemática. Isto pode ser visto até no caso de Spinoza, em cujo pensamento a estrutura
geométrica está, em realidade, subordinada à subjacentes finalidade e motivação. Ademais, a
prova da verdade de uma filosofia é sua viabilidad, sua capacidade de ser vivida. Laberthonnière
refere-se, de fato, à necessidade de detetar o princípio animador, a subjacente motivação que late
de contínuo em toda filosofia que estudemos. Mas o que se lhe ocorre dizer expressa
naturalmente sua própria concepção do que a filosofia deverá ser. “Há somente um problema, o
problema de nós mesmos, do que se derivam todos os demais”:[661] Que somos? E que
deveríamos ser?

O animal, declara Laberthonnière, certamente não é uma máquina, mas não possui o eu
consciente que é necessário para se propor problemas com respeito ao mundo e a um mesmo. É
quanto a isto, a humana vontade de viver é afim em sua origem à do animal. Isto é, a vontade de
viver humana está orientada antes de mais nada a “as coisas do tempo e do espaço”.[662] O
organismo vivo, impulsionado pela vontade de viver, aprende empiricamente a buscar algumas
coisas como satisfactoras de desejos e necessidades e a evitar outras como causantes de
sofrimentos ou amenazantes contra sua existência. Mas com o acordar da consciência de sim
muda a situação; o homem faz-se consciente de si mesmo não como algo já fato e completo,
senão mais bem como algo que tem de ser e que deveria ser. Em realidade, segundo
Laberthonnière, somos como arrastados para afora, além nós mesmos, pela aspiração a possuir
a plenitude do ser. Aqui, no entanto, abrem-se-lhe ao homem várias sendas: Em primeiro lugar,
o homem encontra-se em um mundo de coisas, que a consciência de si mesmo lhe faz constatar
que estão em frente a si. Por uma parte, pode fazer deste mundo de coisas um espetáculo, um
objeto de contemplação teórica ou estética, possuindo as coisas, por assim o dizer, sem ser
possuído por elas. Esta é a atitude ejemplificada na ideia aristotélica da contemplação. Por outra
parte, o homem pode ser esforçado por descobrir as propriedades das coisas e as leis que regem
a sucessão dos fenômenos para conseguir domínio sobre as coisas, para as usar e para produzir
ou destruir fenômenos a sua vontade. Ambas aptidões pode ser dito que pertencem à física. Mas
no primeiro caso temos uma física de contemplação, enquanto no segundo temos uma física de
exploração, como a que se veio praticando desde os tempos de Descarte até hoje.

Em segundo local, empero, o homem não se acha simplesmente em um mundo de coisas.


Não é tão só o homem um indivíduo isolado em frente a um meio material e inconsciente. Está
também em um mundo de pessoas que, o mesmo que ele, podem dizer “eu” ou “eu sou”. Este
mundo de pessoas forma já uma verdadeira unidade. Vivemos, sentimos, pensamos e queremos
em um mundo social. Mas, dentro desta unidade material, os seres humanos podem
experimentar, como é óbvio, escuridão uns com respeito a outros. Além a unidade natural básica
há uma unidade moral, que é algo por conseguir, mais bem que algo já dado. Neste campo a
aspiração a possuir a plenitude do ser adota a forma do sentido da obrigação de fazer-se um com
os demais, de conseguir uma unidade moral das pessoas. Laberthonnière distingue entre “coisas”
e “seres” reservando a palavra “ser” para o sujeito autoconsciente, caraterizado por uma
interioridad que a “coisa” não possui. Este sujeito autoconsciente aspira a possuir a plenitude do
ser mediante a união com outros sujeitos. Como se tem de conseguir esta unidade? Desde depois
é possível tentar conseguí-la por médio de uma autoridade, da classe que seja, que dite o que os
homens têm de pensar, dizer e fazer, tratando aos seres humanos como animais amaestrables.
Mas este procedimento não pode dar como fruto senão só uma unidade externa que, segundo
Laberthonnière, translada simplesmente o conflito da esfera externa à interna. O único modo
eficaz de conseguir unidade entre seres que existem em si mesmos e para si mesmos é que a
cada pessoa supere seu egoísmo e se dê e se ponha ao serviço dos demais, de sorte que a
unificação seja o resultado de uma expansão desde dentro, por assim o dizer, e não imposta
desde fora. Naturalmente que há cabida para a autoridade, mas para uma autoridade que
mantenha um ideal comum e trate de ajudar às pessoas a desenvolverse como pessoas mais bem
que das moldar por coerción ou de reduzir ao nível de uma grey.

O que a este propósito diz Laberthonnière tem óbvios envolvimentos tanto no plano político
como no eclesiástico. Por exemplo, referindo em um bilhete ao que considera mau uso da
autoridade, menciona a dominación “cesarista ou fascista”.[663] Mas o énfasis contra o
totalitarismo fascista não tem por que ir acompanhado de cegueira quanto aos possíveis vícios
da democracia. Por exemplo, em uma nota fala da democracia que, “em vez de ser um
movimento dinâmico, um élan para o ideal mediante a espiritualización da vida humana, se
converteu em uma estampida para os bens da terra através de uma sistemática materialización
da vida”.[664] Em outras palavras, a moderna democracia ocidental, embora animada
originariamente por um impulso dirigido para metas ideais, fez-se materialista e, portanto, não
lha pode contrastar simplesmente com o autoritarismo político como se contrasta o bem com o
mau. Quanto ao plano eclesiástico, é evidente que Laberthonnière foi contrário à política do
tratar de impor a uniformidade desde acima e ao tipo de procedimentos que ele pessoalmente
teve de sofrer. Tinha, digamos, uma mentalidade pós-Vaticano II desde muito dantes do Segundo
Concilio Vaticano. Ideias parecidas envelope o desenvolvimento das pessoas como pessoas e
envelope a união das mesmas mediante a aceitação pessoalmente querida de uns ideais comuns
as expressou também em sua teoria da educação. Segundo Laberthonnière, há, pois, uma unidade
natural. “Todos os homens constituem uma unidade por natureza.”[665] Há também outra unidade
que está ainda por conseguir, como ideal querido. Isto manifesta que temos uma comum origem
e uma meta comum. Os seres (isto é, os sujeitos autoconscientes) procedem de Deus e só podem
atingir seu fim mediante a união com a vontade divina. Deus é, não tanto um problema, quanto
“a solução do problema que nós somos para nós mesmos”.[666] Sem referência a Deus é-nos
impossível responder a perguntas tais como: “Que somos nós?”, e “Que deveríamos ser?” Ou,
mais bem, ao tentar responder a estas perguntas, nos vemos inevitavelmente introduzidos na
esfera da crença religiosa.

Laberthonnière foi influído por Maine de Biran e por Boutroux e também por Blondel. A
filosofia era para ele a ciência da vida, da vida humana, e seu ponto de partida estava em “nós
mesmos como realidades interiores e espirituais, com consciência de nós mesmos”.[667] Mas a
palavra “ciência” não deve ser entendido mau. Ciência no sentido ordinário é uma ciência de
coisas, uma espécie de física, ainda que tome em consideração aos seres humanos em sua
realidade fenoménica. Mas a metafísica, se tem de ter um sentido para nós, deve alumiar os
problemas da vida; e tem de ser vivible. A biologia trata da vida e a psicologia da mente, e têm
sem dúvida alguma um valor. Mas a metafísica interessa-se pelo sujeito ativo consciente de si
assim que orientado a um ideal e a uma meta; e é uma ciência da vida no sentido de que esclarece
a natureza e a meta da vida de seu sujeito (ou da pessoa) considerado assim que tal.

Não é muito difícil compreender a hostilidade de Laberthonnière para com o aristotelismo e


o tomismo tradicional, hostilidade que lhe fazia ver com maus olhos as que julgava indevidas
concessões de Blondel ao Aquinate e aos tomistas. Em opinião de Laberthonnière, o
aristotelismo tinha mais de física que de metafísica, embora a uma parte dele se lhe tenha posto
a etiqueta de “metafísica”. E o Deus de Aristóteles, redobrado em si mesmo, se parecia muito
pouco ao Deus vivente e ativo da religião. Quanto a Spinoza e os demais monistas, negaram em
redondo a irreductible distinção entre as pessoas, enquanto os positivistas reduziam o afã
humano de conseguir a unidade-em-a-distinção ao separá-lo de seu último trascendente e ao
mesmo tempo inmanente fundamento.

É provável que o leitor saque a conclusão de que Laberthonnière, em sua ideia da filosofia e
em suas discussões críticas de outros filósofos, tais como Aristóteles, Descarte, Spinoza e
Bergson, estava influído por sua fé cristã. Evidentemente esta conclusão seria correta. Mas é
que, segundo Laberthonnière, o que se jogava era tudo, sem componendas nem paliativos: em
sua opinião, era errôneo pensar que o cristianismo pudesse ser sobreposto a uma filosofia
completamente construída já ou que se tivesse desenvolvido com independência da fé cristã.
Pois o cristianismo é “ele mesmo a filosofia no sentido etimológico do termo, ou seja, a
sabedoria, a ciência da vida que explica o que somos e, sobre a base do que somos, o que
devemos ser”.[668] A questão de se pode ter ou não uma filosofia cristã estriba em um suposto
falso se no que se pensa é em uma filosofia elaborada independentemente da fé cristã e que sirva
de base “natural” sobre a que possa ser levantado o cristianismo como uma superestructura
“sobrenatural”. Esta é a ideia que predominó depois da invasão do aristotelismo na Idade Média.
Mas não: o mesmo cristianismo é a verdadeira filosofia. E pelo fato de ser a verdadeira filosofia,
exclui qualquer outro sistema. Pois “toda filosofia que mereça este nome [...] apresenta-se, se
não como exaustiva, pelo menos como excluidora do que não seja ela”.[669]

É óbvio que Laberthonnière não pretende que se suponha que quem não é cristão é incapaz
de propor problemas metafísicos e de refletir envelope os mesmos. Pois está claro que a vida ou
a existência humana pode dar origem a problemas na mente de qualquer, seja cristão ou não. A
tese de Laberthonnière é, mais bem, que é o cristianismo o que proporciona a solução mais
adequadamente beneficiosa para o homem. Ou, melhor dito, o cristianismo é para ele a sabedoria
salvadora, a verdadeira “ciência da vida”, pela que o homem pode viver. Segundo reconhece-o
explicitamente, Laberthonnière volta assim a adotar o ponto de vista de San Agustín e outros
escritores cristãos dos primeiros séculos que consideraram que o cristianismo era, de seu, a
verdadeira e genuína filosofia que completava as filosofias do mundo antigo e vinha a
suplantarlas. A separação e o subsiguiente conflito entre a filosofia e a teología foi um desastre.
Santo Tomás de Aquino não batizou a Aristóteles, senão que aristotelizó o cristianismo
introduzindo nele “a concepção pagana do mundo e da vida”.[670] Sem dúvida que, uma vez
separadas cortantemente a filosofia e a teología, parece inapropiado apresentar o cristianismo
como uma filosofia, inclusive como a verdadeira filosofia, mas não há razão alguma que obrigue
a tal separação. Quiçá pareça que a filosofia é obra de “pura razão” e pertence ao nível natural,
enquanto a teología é o fruto da revelação procedente da esfera sobrenatural. Mas, segundo
Laberthonnière, é um erro ver o natural e o sobrenatural como dois mundos, sobreposto o um ao
outro. Os termos “natural” e “sobrenatural” não devem ser entendidos como se designassem um
dualismo metafísico, senão como se referindo a “duas opostas maneiras de ser e atuar, uma das
quais corresponde ao que somos, ao que pensamos e fazemos em virtude de nosso egocentrismo
innato, e a outra, ao que temos obrigação de ser, de pensar e de fazer com vontade generosa”.[671]
Portanto, se considera-se que a filosofia metafísica tem que ver com os problemas do que somos
e daí devemos ser, isso em modo algum impede apresentar o cristianismo como a filosofia
verdadeira. Pois é precisamente sobre estes problemas onde derrama luz o cristianismo, a fim de
capacitar ao homem para se converter no que deve ser.

Dado este ponto de vista, resulta bastante natural que Laberthonnière sublinhe a estreita
conexão entre a verdade e a vida. “Como nenhuma existência se demonstra, também não se
demonstra que Deus existe. Já no mesmo lhe buscar se lhe acha. É mais, busca-se-lhe porque já
se lhe tem achado, só porque está presente e ativo na consciência que de nós mesmos temos.”[672]
Com respeito aos dogmas cristãos, lhe desagrada também muito a Laberthonnière que lhos
conceba como elementos informativos, ou seja, como algo que vem de um mundo sobrenatural
e que nós aceitamos simplesmente por autoridade. Recusa ele, sem dúvida, uma visão dos
dogmas cristãos puramente relativista, mas os considera desde o ponto de vista de sua capacidade
para esclarecer os problemas humanos e servir de scripts para a vida. Sem referência à vida
humana não teriam para nós nenhum sentido real. Não se trata — insiste Laberthonnière — de
fazer ao homem a medida de toda verdade, incluída a revelada. Pois considerando a verdade em
relacionamento a nós e a nossas vidas, mais bem somos nós os que nos medimos pela verdade e
não ao invés. De maneira que, se por “pragmatismo” entende-se a opinião de que a verdade na
esfera religiosa se faz “verdade nossa” quando vemos sua conexão com nossas vidas, pode ser
qualificado desde depois a Laberthonnière como pragmatista. Mas se entende-se que o
pragmatismo implica, por exemplo, que a afirmação da existência de Deus só é verdadeira no
sentido de que ao homem lhe é útil a afirmar, então certamente não foi pragmatista. Pois estava
convencido de que não podemos nos conhecer bem sem conhecer a realidade de Deus.

De alguma maneira, a opinião de Laberthonnière sobre a natureza da filosofia e a metafísica


é questão de terminología. Isto é, se decidimos entender por “metafísica” a sabedoria salvadora,
está claro que para o cristão o cristianismo deverá ser “a metafísica”.[673] E se acusasse-se-lhe a
Laberthonnière de reduzir a religião cristã ao nível de uma filosofia, poderia replicar que a base
de tal acusação era um mau entendimento de seu uso da palavra “filosofia”. Mas, ao mesmo
tempo, quando diz que a metafísica identificada com a doutrina cristã como “a ciência de nossa
vida”[674] nos tem a nós mesmos por ponto de partida, é compreensível que os teólogos
suspeitem que incurre em um charuto inmanentismo, especialmente se se sacam tais proposições
do contexto em que Laberthonnière distingue entre o que ele entende por metafísica e o que
entendia Aristóteles,

Talvez pareça que, em realidade, a Laberthonnière não lhe corresponde um posto na história
da filosofia. Mas é óbvio que este julgamento pressupõe um conceito de filosofia que ele recusa.
Em qualquer caso, seu pensamento tem algum interesse. Continua a focagem da metafísica desde
a interioridad humana que foi característico de Maine de Biran, mas em seu conceito do
relacionamento entre a metafísica e o cristianismo retorna a San Agustín. Com sua atitude com
respeito à tentativa do Aquinate de incorporar o aristotelismo a uma comprensiva visão do
mundo teológico-filosófica, Laberthonnière traz-nos/trá-nos a mente-as a reação que produziram
e as consequências que tiveram as condenações de 1277. Mas sua hostilidade a Aristóteles e ao
Aquinate está motivada não tanto pela veneração que sentia aos sancti e à tradição como tais
quanto por sua própria focagem personalista e, até verdadeiro ponto, existencialista. Por
exemplo, seu ataque contra a teoria aristotélica da matéria como princípio de individuación o
faz em nome de um personalismo espiritualista. É autenticamente um agustiniano moderno que
desenvolve seu pensamento em diálogo com outros filósofos tais como Descarte, Bergson e
Brunschvicg. Seu insistencia em que as doutrinas cristãs se vão fazendo verdades para nós,
verdades nossas, à medida que vamos nos fazendo cargo de sua importância para a vida humana,
pode lhe assemelhar aos modernistas. Mas ele combina esta insistencia com um genuíno esforço
por evitar um relativismo que não seria compatível com a afirmação de que há verdades cristãs
objetivas e inmutables.

4. Algumas observações a respeito do modernismo.

O termo “modernismo” foi empregue pela primeira vez a começos do século XX, e parece
que o acuñaron quem se opunham ao movimento que designa, embora também foi utilizado por
escritores como Buonaiuti, que publicou Il programma dei modernisti (O programa dos
modernistas) em 1907. É bastante fácil citar nomes de pessoas às que se classifica
universalmente como modernistas. Da França há que mencionar a Alfred Loisy (1857-1940), da
Itália a Ernesto Buonaiuti (1881-1946) e da Grã-Bretanha a George Tyrrell (1861-1909). Mas é
bem mais difícil expor com clareza o conteúdo do modernismo, e mais difícil ainda o definir. O
melhor modo de abordar o assunto quiçá seja expo-lo historicamente, já que assim se presta
maior atenção às diferenças nos interesses e nas linhas diretrizes do pensamento.[675] Nem que
dizer tem que também pode ser exposto o modernismo como um sistema, em abstrato; mas então
arrisca-se um a que se lhe faça a pertinente objeción de que o modernismo, no que possa ter de
sistema claramente definido, foi criado não pelos mesmos modernistas senão pelos documentos
eclesiásticos que o condenaram, tais como o decreto Lamentabili e, bem mais, a encíclica
Pascendi, publicados ambos em 1907.[676] Mas seria totalmente inoportuno introduzir neste
capítulo uma história do movimento modernista. E o propósito principal das seguintes notas é
ajudar a que se compreenda por que pensadores como Blondel e Laberthonnière foram suspeitos
de incurrir em modernismo, e como, em todo caso, o pensamento de Blondel diferia do
modernismo no sentido em que este foi condenado por Roma.

De seu, o termo “modernismo” poderia ser entendido no sentido de modernização, isto é, de


uma tentativa de pôr o pensamento católico-romano ao dia e à altura das investigações e os
desenvolvimentos intelectuais contemporâneos. Tida conta de sua atitude positiva com respeito
ao crescente conhecimento do aristotelismo que, à sazón, no século XIII estava criando uma
corrente subversiva, Santo Tomás de Aquino foi qualificado às vezes de modernista.[677] Assim
mesmo, sábios católicos que, como Louis Duchesne (1843-1922), trataram de aplicar ao estudo
das origens do cristianismo os métodos da crítica histórica postos a ponto pelo protestantismo
liberal, especialmente na Alemanha, podem ser chamados modernistas neste sentido geral do
termo. E naturalmente também pode lhe lhes chamar assim a escritores que, como Blondel,
fizeram questão da necessidade de uma apreciação mais positiva da filosofia moderna.

No entanto, tal como lho emprega com referência a uma corrente do pensamento que se
produziu na Igreja Católica no final do século XIX e durante a primeira década do atual, o termo
“modernismo” é evidentemente mais específico que o de modernização ou aggiornamento em
sentido geral. No caso de Loisy, o termo em questão refere-se às conclusões deste autor a
respeito do que requeria ou implicava a posta ao dia dos estudos históricos e bíblicos. Assim,
estava convencido Loisy de que a filiação divina de Jesús era produto da fé cristã que, meditando
sobre o homem Jesús de Nazaret, lhe tinha transformado no Filho de Deus. Esta transformação
trazia também consigo uma deformação, já que implicava o atribuir ao homem Jesús acione
milagrosas cuja aceitação como acontecimentos históricos era excluída pelo pensamento e a
ciência modernos. À crítica histórica correspondia-lhe como tarefa redescubrir a figura histórica
escondida depois dos véus que a seu ao redor tecia a fé. Resumindo, Loisy sustentava, afinal de
contas, que o historiador do cristianismo estava obrigado a abordar sua temática como abordaria
qualquer outro tema histórico, e que esta focagem requeria uma explicação puramente naturalista
do que foram o mesmo Cristo e as origens e a propagación da Igreja cristã. Por muito que
queiramos distinguir entre a investigação histórica e a “crítica superior” tal como se desenvolveu
no protestantismo liberal e influiu depois em alguns pensadores católicos, se compreende que as
ideias de Loisy não lhes parecessem muito recomendáveis às autoridades da Igreja. Pois estas
ideias vinham quase a jogar abaixo os dogmas cristãos.

Não foi Loisy um filósofo profissional, e estava perfeitamente disposto a admitir que a
filosofia não era sua especialidade.[678] Ao mesmo tempo, em suas observações sobre a crença
em Deus vem a supor que a mente humana não pode adquirir conhecimento algum da
Trascendencia. Para ele Deus é, afinal de contas, o Incognoscible de Spencer, aquilo que fica
fora do alcance do que chamou Kant o conhecimento teórico. A Deus pensamos-lhe em termos
de símbolo, e desde um ponto de vista prático justifica-se que atuemos como se tivesse uma
vontade pessoal divina que pudesse exigir algo à vontade humana. Mas no plano moral e
religioso é-nos impossível provar a verdade absoluta de nenhuma crença. Neste plano, a verdade,
sendo relativa ao bem do homem, é tão suscetível de mudanças como o homem mesmo. Aqui
não há nada absolutamente verdadeiro nem verdades reveladas inmutables. O que se chama
revelação é a interpretação pelo homem de sua própria experiência, e tanto a experiência como
a interpretação estão sujeitas à mudança.

Posteriormente Loisy aproximou-se à posição de Auguste Comte. Isto é, viu na história da


religião uma expressão da experiência, não da experiência individual senão da comunitária. O
cristianismo promovia o ideal de uma humanidade unida e estava passando a converter na
religião da humanidade. Por último, parece ser que Loisy voltou à ideia de um Deus
trascendente, mas não a nenhuma crença na revelação ou na Igreja como custodia da revelação.
No entanto, para nosso propósito aqui basta apenas que sublinhe sua concepção relativista e
pragmatista da verdade no plano ético-religioso. Em general, os modernistas tendiam a dar por
verdadeiro que a filosofia moderna mostrava a incapacidade da mente humana para trascender
a esfera da consciência. Naturalmente, em um sentido isto é uma perogrullada, a saber, no de
que não podemos ser conscientes de algo sem ter consciência desse algo nem pensar coisa
alguma sem estar a pensando. Mas o inmanentismo foi também entendido como excluyente de
toda prova da existência de Deus que se fizesse, por exemplo, com um argumento causal. O que
se dá no homem é uma necessidade do divino que, elevando na consciência, toma a forma de
um sentimento ou sentido religioso equivalente à fé. A revelação é a interpretação pelo homem
de sua experiência religiosa. Tal interpretação é expressa, claro está, em forma conceptuais ou
intelectuais. Mas estas podem chegar a ser antiquadas e passadas de moda, de sorte que tenha
que buscar novas forma de expressão. Em um sentido geral, a revelação pode ser considerada
como a obra de Deus, embora desde outro ponto de vista seja obra do homem. Mas a ideia de
Deus revelando verdades absolutas desde fora, por assim o dizer, verdades que são promulgadas
pela Igreja em forma de enunciados inmutables ou “verdades permanentes” é incompatível com
o conceito de evolução, quando lho aplica à vida cultural e religiosa do homem, e com a
correspondente visão relativista da verdade religiosa.

As precedentes notas são só um resumem parcial das opiniões expressas por vários autores
em seus escritos.[679] Mas confio em que bastarão para que se compreenda por que filósofos
católicos tais como Blondel e Édouard Lhe Roy puderam ser acusados de modernismo ou de
proclividades modernistas. Pois Blondel, segundo vimos, seguia o método que ele chamou de
inmanencia e propunha a questão de Deus em termos da orientação básica do espírito humano
tal como se manifesta em sua atividade; enquanto Lhe Roy, com sua aceitação e sua aplicação
das opiniões bergsonianas a respeito da intuición e a inteligência, parecia atribuir aos dogmas
religiosos um valor puramente pragmático. No entanto, Blondel nunca aceitou o inmanentismo
como doutrina. Nem podia fazê-lo, pois o que com seu método de inmanencia pretendia
conseguir era abrir a mente humana à trascendente realidade divina e conduzir ao estádio em
que tinha um ponto de inserção, o digamos assim, para a autorrevelación de Deus. Quanto a Lhe
Roy, expôs certamente uma interpretação pragmática da verdade científica e quis aplicá-la
também aos dogmas religiosos. Mas soube defender sua postura e nunca chegou a estar separado
da Igreja, nem por sua própria iniciativa nem pela da autoridade eclesiástica. Segundo
Laberthonnière, que era propenso a tais apreciações, o que fez Lhe Roy não foi reduzir o
cristianismo ao bergsonismo senão o bergsonismo ao cristianismo.
O tema principal deste capítulo foi a filosofia como apologética. A nova focagem na
apologética esteve representado por Ollé-Laprune, Blondel e Laberthonnière. Seu pensamento
tinha, sem dúvida, alguns pontos em comum com opiniões expressas pelos modernistas. Mas o
que a eles lhes interessou sobretudo foram as propostas filosóficos do cristianismo, enquanto os
modernistas se interessavam primordialmente por compartilhar a fé e as crenças católicas com
a liberdade nas investigações científicas, históricas e bíblicas. Daí que, enquanto Blondel como
filósofo profissional pôs muito cuidado não só em se abster de pronúncias a respeito da revelação
senão também em justificar tal abstenção se baseando em seu próprio conceito da natureza e os
alcances da filosofia, os modernistas se sentissem desde depois obrigados a reconsiderar a
natureza da revelação e do dogma católico. Em outras palavras, ocuparam-se das questões
teológicas de uma maneira diferente da de Blondel. E como a ideia que tinham do exigido pela
moderna investigação histórico-bíblica era do mais radical, traziam naturalmente a mau trazer
às autoridades eclesiásticas, que estavam convencidas de que os modernistas socavavam os
fundamentos da fé cristã. Jogando uma mirada retrospectiva, podemos pensar que as autoridades
estavam tão ocupadas com as conclusões que iam sacando os modernistas que se lhes passou
por alto o considerar se o movimento modernista era ou não a expressão de um reconhecimento
de autênticos problemas. Mas temos que ver as coisas em sua perspetiva histórica. Dada a
situação de então, que incluía por uma parte a atitude das autoridades e por outra o conceito de
erudición e conhecimentos “modernos”, mal podia ser esperado que as coisas acontecessem de
outro modo. Pelo demais, desde o ponto de vista filosófico, o pensamento de Blondel é bastante
mais valioso que as ideias dos modernistas.
Capítulo XII
O tomismo na França.

1. Puntualidadones introdutórias.

Seria uma inexactitud dizer que o resurgimiento do tomismo no século XIX se originou com
a publicação, em 1879, da encíclica Aeterni Patris do papa León XIII. Mas o fato de que o
pontífice em seu encíclica afirmasse o valor permanente do tomismo e exhortara aos filósofos
católicos a se inspirar no Aquinate à hora de desenvolver seu pensamento de um modo adequado
às necessidades intelectuais modernas deu certamente um poderoso impulso a um movimento
que já existia. Aquela recomendação papal do tomismo produziu, como era lógico, muitos e
diversos efeitos. Por um lado animou a que se formasse, especialmente nos círculos clericales e
nos seminários e instituições acadêmicas da Igreja, algo bem como o programa oficial de um
partido estrito, uma espécie de ortodoxia filosófica. Dito com outras palavras, pôde-lha utilizar
em pró da subordinación da filosofia aos interesses teológicos e como respaldo das atividades
dos tomistas rígidos e de mentalidade estreita, que se mostravam suspicaces e ainda hostis para
com os pensadores católicos mais originais e independentes, tais como Maurice Blondel. Por
outro lado, a exhortación a repasar os ensinos de um eminente pensador da Idade Média e a
aplicar os princípios de sua doutrina aos problemas que se propõem na moderna situação cultural
contribuiu indubitavelmente a promover a reflexão filosófica séria. Pense-se o que se queira
envelope o valor perenne da doutrina do Aquinate, tinha muito que dizer a favor de um iniciar
na filosofia com a ajuda do sistema de um pensador eminente e do pensar seguindo umas linhas
sistemáticas, isto é, atendo a certos princípios filosóficos básicos e a sua aplicação, em vez de
seguir o flojo e insípido eclecticismo que tendia a prevalecer nas instituições acadêmicas
eclesiásticas.

Deveria ser tido evitado o exagero. A aprovação oficial de uma determinada linha de
pensamento podia produzir, e produziu de fato, um espírito partidário estreito e polêmico.
Verdade é que o tomismo não lhes foi nunca imposto aos filósofos católicos de um modo que
implicasse que fazia parte da fé católica. Teoricamente seguiu-se respeitando a autonomia da
filosofia. Mas é innegable que em alguns círculos se deu uma marcada tendência a apresentar o
tomismo como a única linha de pensamento filosófico que estava realmente em conformidade
com a teología católica. A teoria era, desde depois, que se o estava era por ser verdadeira, e não
que tivesse que a julgar verdadeira por estar em tal conformidade. Mas não pode ser ignorado o
fato de que em muitas instituições eclesiásticas o tomismo, ou o que se considerava como
tomismo, chegou a ser ensinado dogmaticamente, de uma maneira análoga a como se ensina
hoje o marxismo-leninismo nos centros educacionais dominados pelos comunistas. Ao mesmo
tempo, o movimento de “volta a Santo Tomás” pôde obviamente estimular às inteligências mais
capazes para que tentassem se fazer de novo com o espírito do Aquinate e criar uma síntese
apropriada em vista da situação cultural contemporânea. Ninguém negará que teve filósofos
tomistas que adotaram os princípios do tomismo não porque se lhes ensinou ao fazer assim senão
porque chegaram a convencer de sua validade, e que tentaram aplicar esses princípios à
problemática moderna de um modo construtivo. A este desenvolvimento positivo do pensamento
tomista fez França notáveis contribuições, que são as que aqui nos interessam.

2. D. J. Mercier.

O resurgir do tomismo deveu muito em seus primeiros tempos a Désiré Joseph Mercier
(1851-1926) e aos colaboradores que este teve em Lovaina. Após ter ensinado filosofia no
seminário de Malinas, foi nomeado Mercier professor de filosofia tomista na Universidade de
Lovaina em 1882. Em 1888 fundou a Sociedade Filosófica de Lovaina, e em 1889 chegou a ser
o primeiro presidente do Instituto de Filosofia daquela Universidade, fundado pouco dantes.
Reme-a néo-scolastique (hoje Revue philosophique de Louvain) começou a ser publicada pela
Sociedade Filosófica baixo a direção de Mercier. Durante seus anos de docencia Mercier
trabalhou infatigavelmente para desenvolver o tomismo à luz dos problemas modernos e da
filosofia contemporânea. Entre seus escritos há dois volumes de Psicologia (1892), uma obra de
Lógica (1894), um livro de Metafísica geral ou Ontología (1894) e um tratado de Teoria do
Conhecimento, Critériologie gera-lhe (Criteriología geral, 1899). Em linhas gerais, Mercier
tratou de desenvolver uma metafísica realista em diálogo crítico com o empirismo, o positivismo
e a filosofia de Kant. Mas insistiu também muito em que era necessário ter uns conhecimentos
científicos de primeira mão e relacionar positivamente a filosofia com as ciências. O mesmo
escreveu sobre psicologia experimental e, através do Instituto de Filosofia, alentou a formação
de uma equipe não só de filósofos senão também de cientistas, tais como o psicólogo
experimental Albert-Edouard Michotte (1881-1965) que estudava na Alemanha com Wundt e
Külpe. Atualmente os escritos filosóficos de Mercier parecem um tanto passados de moda; mas
do que não cabe dúvida é de que contribuiu realmente a pôr o tomismo em maior contato com a
filosofia e o pensamento científico contemporâneos e ao fazer intelectualmente respetable. Em
1906 recebeu a mitra arzobispal de Malinas, e ao ano seguinte, o capelo cardenalicio.

Embora Mercier admirava a Kant em algumas feições, criticou extensamente o que lhe
parecia ter em Kant de subjetivismo, bem como sua restrição do campo da metafísica. Durante
bastante tempo foi Kant um dos principais espantajos dos escolásticos. Mas posteriormente outro
belga, Joseph Maréchal, do que diremos depois mais coisas, adotou uma postura bem mais
positiva, tratando, como se disséssemos, de se apropriar a Kant e tentando depois lhe ultrapassar.
Duvidam alguns de se ao chamado tomismo trascendental que é o que procede de Maréchal,
pode lhe lhe dar propriamente o nome de tomismo, mas em qualquer caso seu desenvolvimento
é uma expressão do notorio mudança de atitude dos tomistas com respeito a outras correntes de
pensamento da filosofia moderna. Hoje em dia o tomista ortodoxo, do tipo de Jacques Maritain,
chegou a ser, em comparação, raro.

A distensión das atitudes polêmicas por parte dos filósofos tomistas graças a um genuíno
esforço por penetrar, compreender e valorizar outras correntes de pensamento veio acompanhada
em anos recentes de uma notável diminuição da insistencia com que a Igreja animava e promovia
uma linha filosófica determinada. Por exemplo, o Concilio Vaticano II teve muito cuidado de
não se pronunciar em matérias filosóficas. Ademais, numerosos teólogos católicos preocupam-
se hoje comprensiblemente de recalcar a independência da fé com respeito a qualquer sistema
filosófico, incluído o tomismo, enquanto outros preferem buscar uma base filosófica, por
exemplo, na antropologia de Martín Heidegger. Assim mesmo, certos desenvolvimentos do
pensamento teológico tenderam a debilitar a ideia de que as crenças cristãs tenham que se
expressar em categorias tomadas de uma tradição filosófica particular. É, efetivamente,
questionável se os teólogos conseguirão seguir seu caminho sem a filosofia com tanta facilidade
como alguns deles parecem o dar por certo. Mas o verdadeiro é que a situação de “serva da
teología”, à que mais acima fizemos referência, mudou enormemente.

Dado o diferente da situação, cabe sustentar que o impulso do resurgente tomismo se


esgotou. Sendo menor seu respaldo oficial e indo em auge as tendências teológicas hostis à
utilização da metafísica para fins apologéticos, quando não à metafísica mesma, é natural que
tenha uma forte reação contra o tomismo. Claro que pode ser que em algum dia se renove o
interesse pelo espírito e as forma de pensar do Aquinate. Mas, felizmente, ao autor destas páginas
não lhe toca prestar ouvidos a audazes profecias. Sua tarefa consiste só em fazer algumas
apreciações sobre o tomismo na França.

3. Garrigou-Lagrange e Sertillanges.

França contribuiu de maneira muito destacada ao desenvolvimento do tomismo no mundo


moderno. Um dos principais promotores desta corrente, Réginald Garrigou-Lagrange (1877-
1964), renomeado filósofo e teólogo dominico, foi, segundo numerosos opinantes, porta-voz de
um neotomismo de via um tanto estreita, preocupado exclusivamente por manter e difundir uma
ortodoxia integrista. Mas, apesar de que sua visão era algo limitada,[680] contribuiu com seus
escritos a alçar o estandarte do pensamento nos círculos tomistas. Oposto ao modernismo,
publicou em 1909 Lhe sens commun, a philosophie de l’être et formule-lhes dogmatiques (O
sentido comum, a filosofia do ser e as fórmulas dogmáticas). Seu conocidísimo livro de teología
natural, Dieu são existence et sa nature (Deus, sua existência e natureza), apareceu em 1915.[681]
Em 1932 publicou Lhe réalisme du principe de finalité (O realismo do princípio de finalidade),
e em 1946 A synthèse thomiste (A síntese tomista).[682] Publicou também tratados teológicos e
livros sobre a espiritualidad e o misticismo cristãos, alguns dos quais foram traduzidos a
numerosas línguas.

Outro nome que há que citar obligadamente é o de Antonin-Dalmace Sertillanges (1863-


1948), também dominico. Sertillanges foi um prolífico escritor que tratou de fazer compreender
a aplicabilidad e a fecundidad dos princípios tomistas em vários campos e dedicou especial
atenção aos relacionamentos entre filosofia e cristianismo. Sua obra mais conhecida é,
provavelmente, seu Séc. Thomas d’Aquin, a primeira edição da qual, em dois volumes, apareceu
em 1910.[683]

Outras publicações sobre o Aquinate incluem um estudo de sua ética, A philosophie morale
de Séc. Thomas d’Aquin (A filosofia moral de Santo Tomás de Aquino, 1914, última edição em
1942), e Lhes grandes thèses da philosophie thomiste,[684] que apareceu em 1928. Uma obra em
dois volumes sobre o relacionamento entre a filosofia e o cristianismo, Lhe christianisme et lhes
philosophies, foi publicada em 1939-1941, e outra também em dois volumes sobre Lhe problème
du mau (O problema do mau), em 1949-1951. Entre outros escritos podemos mencionar um
livro sobre o socialismo e o cristianismo, Socialisme et christianisme (1905) e outro envelope o
pensamento de Claude Bernard, A philosophie de Claude Bernard (1944).

4. J. Maritain.

Mas os dois nomes que sobretudo se associam com a posta do tomismo envelope o tapete,
isto é, com o sacar de um círculo mais bem estreito e predominantemente eclesiástico e o fazer
respetable aos olhos do mundo acadêmico, são os de Jacques Maritain e Étienne Gilson. O
professor Gilson é de sobra conhecido por seus estudos históricos, que lhe ganharam um respeito
até entre quem não simpatizan particularmente com o tomismo. Maritain é, primeiro e antes de
mais nada, um filósofo teórico. Gilson, como lhe corresponde a um historiador, se interessou
por expor o pensamento do Aquinate em seu enquadramento histórico e, portanto, em seu
contexto teológico. Maritain ocupou-se mais de expor o tomismo como uma filosofia autônoma
capaz de entrar em diálogo com outras filosofias sem apelar à revelação e cujos princípios são
válidos para solucionar os problemas modernos. Dada a animadversión com que não
infrecuentemente olham os teólogos, incluídos os teólogos católicos, à metafísica, e dada
também a natural reação produzida nos colégios e seminários católicos contra o adoctrinamiento
no que vinha a ser um tomismo rígido e parcial, é compreensível que a Maritain designadamente
se lhe tenha comummente por passado de moda e que seus escritos não estejam já tão em boga
como o estiveram antanho.[685] Mas isto não tira que seja, provavelmente, a sua a maior
contribuição individual ao resurgimiento do tomismo, que tão forte impulsiono recebia já com a
encíclica Aeterni Patris em 1879.

Jacques Maritain nasceu em Paris em 1882. Ao começar seus estudos na Sorbona, esperava
da ciência a solução de todos os problemas; mas foi liberto do ciencismo pela influência das
lições de Henri Bergson. Em 1904 casou-se Maritain com Raissa Oumansoff, condiscípula sua,
e em 1906 converteram-se ambos ao catolicismo pela influência de Léon Bloy (1846-1917), o
famoso escritor católico francês que se opôs vigorosamente ao aburguesamiento da sociedade e
da religião. Em 1907-1908 estudou Maritain biologia em Heidelberg com o neovitalista Hans
Driesch.[686] A seguir, dedicou-se a estudar as obras de Santo Tomás de Aquino e converteu-se
em ferviente discípulo seu. Em 1913 pronunciou uma série de conferências sobre a filosofia de
Bergson[687] e em 1914 recebeu o encarrego de explicar filosofia moderna no Instituto Católico
de Paris. ensinou também no Instituto Pontificio de Estudos Medievais de Toronto, na
Universidade de Columbia e em Notre Me dá, onde se instituiu em 1958 um centro de promoção
de estudos seguindo as diretrizes de seu pensamento. Terminada a Segunda Guerra Mundial,
Maritain foi embaixador da França ante a Santa Sede de 1945 a 1948, e depois ensinou na
Universidade de Princeton. Posteriormente viveu retirado na França. Morreu em 1973.

Disse-se às vezes que enquanto Gilson se nega a aceitar o chamado problema crítico pelo
considerar um pseudo problema, Maritain o admite. Mas esta afirmação é, se toma-lha à letra,
desorientadora, pois sugere que Maritain começa sua filosofar ou bem tratando de provar, em
abstrato, que podemos ter conhecimento, ou bem seguindo a Descarte no tomar a consciência de
si por dado innegable e tratando depois de justificar nossa crença natural de que temos
conhecimento de objetos exteriores ao eu ou de que há coisas que correspondem na realidade a
nossas ideias a respeito delas. Se entende-se deste modo o problema crítico, Maritain, como
Gilson, também o exclui. Porque não trata de provar a priori que o conhecimento é possível. E
vê com clareza que, se nos encerramos no círculo de nossas ideias, ficamos já aí sem poder sair.
É realista, e insistiu sempre em que, quando eu conheço a João, o que conheço é a João mesmo,
ao João da realidade, e não a minha ideia de João.[688] Mas, ao mesmo tempo, Maritain admite
certamente o problema crítico, se por este se entende a reflexão da mente sobre seu
conhecimento pré-reflexivo tendo em vista responder à pergunta: que é o conhecimento? Inquirir
em abstrato se pode ter conhecimento e tratar de responder a esta questão de um modo puramente
a priori é meter-se em um callejón sem saída. Em mudança, concebe-se muito bem outra
proposta da questão que leve a conhecer o conhecimento mediante a reflexão da mente sobre
sua própria atividade ao conhecer algo.

A pergunta “que é o conhecimento?” sugere, empero, que tenha uma só espécie de


conhecimento, enquanto Maritain se perguntou se não são discernibles diferentes modos de
conhecer a realidade. escreveu muito no campo da teoria do conhecimento, mas sua obra mais
conhecida envelope o tema é, provavelmente, Distinguer pour unir, ou Lhes degrés du savoir,
cuja primeira edição saiu ao público em 1932.[689] Uma de suas preocupações, neste e em outros
escritos, é a de interpretar o conhecimento de tal sorte que se dê conta dele como conhecimento
do mundo que não só permite senão que também requer a filosofia da natureza designadamente
e a metafísica em general. Nos graus do saber, expressa Maritain seu acordo com Meyerson
quanto a que o interesse pela ontología, isto é, pela explicação causal, não é alheio à ciência tal
como esta existe em realidade (o qual é diferente do que possa ser dito a respeito dela); mas
sustenta que o caráter matemático da física moderna deu por resultado a construção de um
mundo que dista tanto do mundo da experiência ordinária que chega a lhe nos fazer praticamente
inimaginable. Por suposto, Maritain nada tem que objetar à matematización da física. “Ser
experimental (em sua matéria) e deductiva (em sua forma, mas sobretudo com respeito às leis
que regem as variações das quantidades implicadas), é o ideal próprio da ciência moderna.”[690]
Mas opina que “o encontro da lei de causalidad, inmanente a nossa razão, com a concepção
matemática da natureza, dá por resultado a construção na física teórica de universos a cada vez
mais geometrizados, nos que entidades causales fictícias com base na realidade (entia rationis
cum fundamento inre ), cuja função é servir de suporte à dedução matemática, acabam por incluir
um registro muito pormenorizado de causas ou condições reais empiricamente
determinadas”.[691] A física teórica proporciona certamente conhecimento científico, no sentido
de que nos capacita para predizer e dominar os eventos da natureza. Mas as funções de suas
hipóteses são pragmáticas. Não fornecem um conhecimento verdadeiro do ser das coisas, de sua
estrutura ontológica. E no alcance da razão Maritain aprova e recomenda as opiniões do Círculo
de Viena sobre a ciência. Como era de esperar, recusa a tese de que “todo o que não faz sentido
para o homem de ciência não faz sentido em modo algum”.[692] Mas relativo à ciência mesma e
a sua estrutura lógica, no referente àquilo que tem um sentido para o homem de ciência como
tal, “a análise da Escola de Viena acho — diz — que é, em general, exato e que está bem
fundado”.[693] No entanto, Maritain segue ainda convencido de que embora a ciência constrói
entia rationis que possuem valor pragmático, está inspirada por um desejo de conhecer a
realidade, e que a ciência mesma dá origem a “problemas que vão para além da análise
matemática dos fenômenos sensíveis”.[694]
A física teórica é, pois, para Maritain algo bem como um cruzamento da ciência puramente
observacional ou empírica, por um lado, com a matemática pura, pelo outro. É “uma
matematización do sensível”.[695] Em mudança, o objeto da filosofia da natureza é a essência do
“ser móvel assim que tal e os princípios ontológicos que dão razão de sua mutabilidad”.[696]
Versa envelope a natureza do contínuo, da quantidade, do espaço, do movimento, do tempo, da
substância corpórea, da vida vegetativa e da vida sensitiva, e assim sucessivamente. O objeto da
metafísica não é o ser móvel assim que ser móvel, senão o ser assim que ser. De maneira que
seu campo é mais amplo e, segundo Maritain, aprofunda mais, Tudo isto está emoldurado em
uma teoria dos graus de abstração baseada em Aristóteles e no Aquinate. A filosofia da natureza,
igual que a ciência, faz abstração da matéria como princípio individuante (isto é, não se ocupa
das coisas particulares assim que tais); mas segue ainda tratando do ser material como daquele
que não pode existir sem matéria nem é concebible sem ela. As matemáticas versam em grande
parte sobre a quantidade e os relacionamentos cuantitativas concebendo-as em abstração da
matéria, embora a quantidade não pode existir sem a matéria. Finalmente, a metafísica inclui o
conhecimento daquilo que não só pode ser concebido sem matéria senão que também pode
existir sem ela. Está “no grau mais puro de abstração, porque é o que mais dista dos sentidos;
abre-se ao imaterial, a um mundo de realidades que existem ou podem existir aparte da
matéria”.[697]

Quase não é necessário dizer que Maritain está reafirmando a concepção da hierarquia das
ciências derivada de Aristóteles e de Santo Tomás de Aquino. Claro que, dentro deste esquema,
tem de buscar um sítio apropriado para a ciência moderna, pois a ciência física, segundo se veio
desenvolvendo desde a Renascença, não é já a mesma que o que Aristóteles chamava
“física”.[698] Basicamente, empero, o esquema é o mesmo, embora, como o Aquinate, também
Maritain põe na cimeira das ciências à teología cristã, que se baseia em premisas reveladas.
Teología aparte, a metafísica é a suprema das ciências, sendo concebida a ciência, ao modo
aristotélico, como conhecimento das coisas por suas causas. Ninguém poderia acusar a Maritain
de falta de valor na expressão de suas convicções. Admite, desde depois, que a metafísica é
“inútil”, no sentido de que é contemplativa, não experimental, e de que desde o ponto de vista
de quem deseje fazer descobertas empíricos ou aumentar nosso domínio sobre a Natureza, a
metafísica faz uma figura muito pobre em comparação com a das ciências particulares. Mas faz
questão de que a metafísica é um fim, não um médio, e em que lhe revela ao homem “os valores
autênticos e sua hierarquia”,[699] proporciona um centro à ética e nos introduz ao eterno e
absoluto.

Recalca Maritain que, se ele adota os princípios de Aristóteles e do Aquinate, é porque estes
princípios são verdadeiros, não porque provam daquelas veneráveis personagens. Mas como seu
metafísica é substancialmente a de Santo Tomás, em tudo caso uma vez separada da teología
cristã, resultaria inapropiado resumir aqui seu conteúdo.[700] Baste com dizer que ao Aquinate,
por seu énfasis envelope o esse (ser no sentido de existência), lhe apresenta como ao genuíno
“existencialista”, embora Maritain não é homem que desdenhe as “essências”, que ele pensa que
se captam como contidas no existente, embora a mente as considera em abstração. Mais que
tratar de resumir a metafísica tomista, é preferível prestar atenção aos dois seguintes pontos:

Em primeiro lugar, embora Maritain nunca despreza, nem muito menos, a atividade da razão
discursiva, e embora critica o que considera exagerado menosprecio por Bergson da inteligência
e do valor cognoscitivo dos conceitos, sempre tem estado disposto a admitir outros modos de
conhecer diferentes dos ejemplificados nas “ciências”. Sustenta, ponhamos por caso, que pode
ter um conhecimento não conceptual, pré-reflexivo. Pode ter, assim, um conhecimento implícito
de Deus que não seja reconhecido como tal conhecimento de Deus por quem o tem. Em virtude
do dinamismo interno da vontade, a eleição do bem na contramão do mau entranha uma
afirmação implícita de Deus, do Bem mesmo, como meta última da existência humana. É este
“um conhecimento de Deus puramente prático, não conceptual nem consciente, um
conhecimento que pode coexistir com uma irrelevancia teórica de Deus”.[701] Assim mesmo,
Maritain escreveu sobre o que ele chama “conhecimento por connaturalidad”. Este
conhecimento dá-se, por exemplo, no misticismo religioso. Mas desempenha também um papel
em nosso conhecimento das pessoas. E outra de suas modalidades, diferente da do misticismo,
é o “conhecimento poético”, que se produz “pela instrumentalidad da emoção, que, recebida na
vida preconsciente do entendimento, se faz intencional e intuitiva”[702] e tende por sua natureza
mesma à expressão e à criação. O conhecimento por connaturalidad dá-se também muito na
experiência moral. Pois embora a filosofia moral[703] pertence ao uso racional, conceptual e
discursivo da razão, em modo algum se segue disso que o homem adquira assim, por este
caminho do racional, suas convicções morais. Ao invés, a filosofia moral pressupõe julgamentos
morais que expressam um conhecimento por connaturalidad, uma conformidade entre a razão
prática e as inclinações essenciais da natureza humana,

Em segundo local, Maritain tentou desenvolver a filosofia tomista social e política, aplicando
seus princípios aos problemas modernos. Segundo nosso pensador, se o Aquinate vivesse na
época de Galileo e Descarte, libertaria à filosofia cristã da mecânica e a astronomia de Aristóteles
sem deixar de seguir sendo fiel aos princípios da metafísica aristotélica. E, se vivesse no mundo
atual, libertaria ao pensamento cristão de “as imagens e fantasías do Sacrum imperium”[704] e
dos antiquados esquemas e procedimentos de sua época. Ao planejar uma base filosófica para o
cumprimento de tal tarefa recorre Maritain à distinção, que encontramos também no
personalismo de Mouníer, entre “indivíduo” e “pessoa”. Aceitando a teoria aristotélico-tomista
da matéria como princípio de individuación, descreve a individualidad como “aquilo que exclui
de um mesmo a todos os demais homens” e como “a menesterosidad do ego, incessantemente
ameaçado e sempre disposto a acaparar para si”.[705] A personalidade é a subsistencia da alma
espiritual assim que comunicada ao composto ser humano e que se carateriza pelo autodonarse
na liberdade e no amor. No ser humano concreto a individualidad e a personalidade estão
naturalmente combinadas, sendo o homem como é uma unidade. Mas pode ter sociedades que
não tomem ao homem em conta como pessoa e lhe considerem simplesmente como indivíduo.
Essas sociedades sobrestiman aos indivíduos precisamente como a particulares e diferentes,
desprezando o universal, segundo acontece no individualismo burguês, que corresponde,
filosoficamente, ao nominalismo. Ou, pelo contrário, pode que sobrestimen tanto o universal
que os particulares se lhe tenham de subordinar por completo, como ocorre nos diversos tipos
de sociedades totalitarias, que correspondem filosoficamente ao ultrarrealismo, para o que o
universal é uma realidade subsistente. O “realismo moderado” de Santo Tomás acharia sua
expressão, dentro do campo sociopolítico, em uma sociedade de pessoas que satisfizesse as
necessidades dos seres humanos como indivíduos biológicos mas estivesse ao mesmo tempo
fundada no respeito à pessoa humana assim que que esta trasciende o nível biológico e trasciende
também toda sociedade temporária. “O homem não é em modo algum para o Estado. O Estado
é para o homem.”[706] Se acrescentamos que durante a Guerra Civil Espanhola se declarou
Maritain em favor da República, compreenderemos que fosse muito mau visto em determinados
círculos. Politicamente era mais bem de esquerdas que de direitas.

5. Étienne Henri Gilson

Étienne Henri Gilson nasceu em Paris em 1884 e fez seus estudos universitários na Sorbona.
Após a Primeira Guerra Mundial, na que prestou serviços como oficial, foi nomeado professor
de filosofia em Estrasburgo. Mas em 1921 aceitou a cátedra de história da filosofia medieval na
Sorbona, já que conservou até que foi designado para ocupar uma cátedra similar no Colégio da
França em 1932. Fundou e dirigiu arquive-os d’histoire doctrinale et littéraire du moyen age e
também a série de Études de philosophie médiévale. Em 1929 cooperou na fundação do Instituto
de Estudos Medievais de Toronto, e após a Segunda Guerra Mundial foi diretor deste centro.
Em 1947 foi membro eleito da Academia Francesa.

Aconselhado por Lévy-Bruhl, estudou Gilson os relacionamentos de Descarte com a


escolástica. Sua tese principal de doctorado versou envelope Libertei-a che Descarte et a
théologie (A liberdade em Descarte e a teología, 1913) e a tese menor intitulou-se Index
scolastico-cartesien (Indice escolástico-cartesiano, 1913). Mas o melhor fruto da investigação
sugerida a Gilson por Lévy-Bruhl foram os Etudes sul lhe rôle da pensée médiévale dans a
formation du système cartésien (Estudos sobre o papel que teve o pensamento medieval na
formação do sistema cartesiano), trabalho que apareceu em 1930. Entre tanto, Gilson estudava
a Santo Tomás de Aquino, e em 1919 publicou a primeira edição de Lhe thomisme. Introduction
à l’étude de Séc. Thomas d’Aquin.[707] A primeira edição da philosophie au moyen âge foi
publicada em 1922.[708] Seguiram outras obras sobre San Buenaventura,[709] San Agustín,[710]
San Bernardo,[711] Dante[712] e Duns Escoto.[713] Gilson colaborou também na produção de
vários volumes sobre filosofia moderna.

Apesar de seu pasmosa produtividade no campo histórico, que não se limita aos escritos
acima citados, Gilson publicou também obras nas que expõe teses filosóficas pessoais, embora
com frequência desenvolve suas opiniões em um enquadramento ou contexto histórico.[714] Um
dos rasgos característicos de sua proposta filosófico é sua rejeição da primacía do chamado
problema crítico. Se anulamos, por assim o dizer, todo nosso conhecimento atual e tratamos após
decidir a priori se é possível o conhecimento, nos criámos um pseudoproblema. Pois nem sequer
poderíamos propor a questão se não soubéssemos o que é o conhecimento. E isto o sabemos pelo
fato mesmo de estar conhecendo algo. Em outras palavras, é no ato de conhecer algo e pelo fato
mesmo do estar conhecendo como a mente se percata de sua capacidade de conhecer. Em opinião
de Gilson, a atitude do Aquinate nesta matéria foi bem mais acertada que a daqueles filósofos
modernos que acharam que o modo apropriado de iniciar a filosofia era debater a questão de se
podemos conhecer algo que não sejam os conteúdos subjetivos de nossa mente.

O realismo de Gilson é também evidente em sua crítica à filosofia que ele qualifica de
“esencialista”. Se tratamos de reduzir a realidade a conceitos claros e diferentes, universais por
sua natureza, ignoramos o ato do existir, que é o ato das coisas singulares ou individuais.
Segundo Gilson, este ato não é conceptualixable, pois a existência, o existir, não é uma essência
senão o ato pelo que uma essência existe. Só se lhe pode captar na essência e através da essência,
como ato seu que é, e é afirmado no julgamento existencial, que deve ser distinguido do
julgamento descritivo. O tomismo, assim que que se interessa pela realidade existente, é o
autêntico “existencialismo”. A diferença das filosofias que se apresentam hoje como
existencialistas, o tomismo não interpreta a “existência” com estrechez de olha, no sentido de
algo peculiar do homem. Nem exclui também não a essência. Mas interessa-se antes de mais
nada pela realidade como existente e pelo relacionamento entre a existência recebida ou
participada e o ato infinito no que essência e existência se identificam. Para Gilson, um dos
principais representantes da filosofia esencialista foi Christian Wolff; em mudança, a origem de
sua própria linha de pensamento há que o ir buscar à Idade Média, onde Santo Tomás de Aquino
é, para ele, o principal expoente da filosofia existencial.

Outro dos rasgos característicos da mentalidade de Gilson é sua se negar a entresacar da


totalidade da obra de Santo Tomás uma filosofia tomista-capaz, de se sustentar por si só como
pura filosofia. Certamente não nega que a distinção feita pelo Aquinate entre a filosofia e a
teología é uma distinção válida. Mas faz questão de que resultaria artificioso sacar de seu
enquadramento teológico uma filosofia na que a seleção e a ordem dos temas vêm determinados
por fins teológicos ou por seu contexto teológico. Ademais, parece-lhe claro a Gilson que as
crenças teológicas, por exemplo na livre criação divina, tiveram grande influência sobre a
especulação filosófica, e que, digam o que queiram alguns tomistas, o que em realidade fazem é
filosofar à luz de suas crenças cristãs, embora disso não se segue em modo algum que seu
razonamiento filosófico tenha de ser inválido, nem também não que tenham de apelar a premisas
teológicas. Em outras palavras, Gilson manteve que pode ter uma filosofia cristã que seja
genuinamente filosófica, embora seu caráter de cristã não seria averiguable com só inspecionar
seus argumentos lógicos. Pois se tal fosse o caso, se trataria mais bem de teología que de
filosofia. Mas a comparação entre as filosofias mostra que pode ter uma filosofia que,
permanecendo genuinamente filosófica, não se priva da luz que proporciona a revelação. Este
ponto de vista originou muita discussão e controvérsia. Alguns autores sustentaram que falar de
filosofia cristã é tão impropio como falar de matemáticas cristãs. Mas Gilson seguiu mantendo
sua tese. Na medida em que esta é o julgamento de um grande estudioso que vê com clareza a
influência exercida sobre a filosofia pela fé cristã, especialmente nos períodos patrístico e
medieval, não há dificuldade nenhuma na aceitar. Porque dificilmente poderá ser negado que
baixo a influência da fé cristã os conceitos derivados do pensamento grego receberam com
frequência um novo selo ou caráter, se sugeriram temas originais, e a filosofia, cultivada em sua
maior parte por teólogos, serviu para difundir a concepção geral do mundo própria do
cristianismo. Agora bem, enquanto são muitos os que pretendem que a filosofia se fez adulta só
ao se separar da teología cristã e conseguir com isso plena autonomia, Gilson faz questão de que
ainda fica local para uma filosofia autêntica, cultivada não simplesmente por cristãos senão pelos
filósofos como cristãos. Recusa ele, indubitavelmente com acerto, a pretensão de que os cristãos
que desenvolvem, por exemplo, a teología natural não estejam influídos em modo algum por
seus antecedentes, crenças. Mas não faltam quem concluam que então se trata de casos de
apologética e não de autêntica filosofia. Poderia redargüírseles dizendo que isso da filosofia
completamente autônoma é um mito, e que, quando a filosofia não é a serva da teología, é a
serva de alguma outra coisa, sendo sempre, em definitiva, “parasitaria”. Mas à pergunta de se o
filosofar em pró do desenvolvimento de uma visão do mundo cristãmente comprensiva é ou não
um filosofar autêntico, provavelmente como melhor se responderá é examinando exemplos.
Pelos títulos das obras acima mencionadas vê-se em seguida que Gilson, como Maritain,
escreveu também sobre estética. Em um sentido geral, seu ponto de vista é tomista. A arte
considera-o como um fazer ou produzir objetos belos cuja contemplação causa prazer ou
desfrute. Mas desta visão da arte como ação criadora saca Gilson a conclusão de que é um erro
grave pensar que a imitação pertence à essência ou natureza da arte. A arte abstrata, como tal,
não precisa especial justificativa. Se uma determinada pintura, por exemplo, é ou não é genuína
obra de arte, está claro que não pode ser estabelecido mediante o razonamiento filosófico. Agora
bem, se a arte é criador, não há nenhuma boa razão para considerar as obras não figurativas
como deficientes, e menos ainda para as julgar indignas de que lhas tenha como obras de arte.

6. P. Rousselot e A. Forest.

fizemos menção de Garrigou-Lagrange, Sertillanges, Maritain e Gilson. Não é possível, nem


desejável, enumerar aqui a todos os tomistas franceses. No entanto, tida conta de sua influência,
devemos mencionar a Pierre Rousselot (1878-1915), teólogo e filósofo jesuita que sucumbiu
enquanto prestava seus serviços na Primeira Guerra Mundial. Nos círculos teológicos conhece-
se-lhe por suas opiniões ao analisar a fé; mas sua principal publicação é L’intellectualisme de S,
Thomas d’Aquin (O intelectualismo de Santo Tomás de Aquino),[715] na que arguye que a
tendência do entendimento para o Ser é expressão de um dinamismo da vontade, ou seja, do
amor, que somente pode achar sua meta em Deus. Dito com outras palavras, trata de fazer ver
que o Aquinate foi um árido intelectualista, a base de revelar a orientação dinâmica que subyace
no fundo do espírito humano e dá origem ao movimento da mente na reflexão filosófica.

Ideias parecidas encontram-se nos escritos de Aimé Forest (nascido em 1898), que foi
nomeado professor de filosofia em Montpellier em 1943. Autor de obras sobre Santo Tomás de
Aquino,[716] pelo que mais se lhe conhece é por seu desenvolvimento da ideia de
“consentimento” ao ser,[717] no que se mostra influído por vários filósofos franceses modernos.
Em primeiro lugar, consentir ao ser significa consentir a um movimento do espírito humano pelo
que este não fica detido na realidade empírica senão que a trasciende, indo para o fundamento
último de todo ser finito. Como a mente pode ser detido, ou tentar se deter, no empiricamente
dado, se requer o consentimento ou a opção para reconhecer o reino dos valores e passar para
além, para Deus, que é o único que faz inteligible a realidade empírica. Em segundo local,
consentir ao ser implica considerar a existência finita como um dom, que suscita uma resposta
no espírito humano. Em outras palavras, com Forest a metafísica do ser assume um caráter
religioso e também ético.

7. J. Maréchal.

É óbvio que Garrigou-Lagrange olhava à maioria dos filósofos modernos como


“adversários”, como defensores de posições mais ou menos opostas à verdade representada pelas
doutrinas de Santo Tomás de Aquino. Em Maritain e em Gilson achamos, sem dúvida,
inteligentes discussões do desenvolvimento e as correntes do pensamento filosófico moderno;
mas era tal seu realismo que por força tinham de considerar os procedimentos, digamos, de
Descarte e Kant como aberraciones. Do qual não se segue em maneira alguma, por exemplo,
que Gilson seja incapaz de apreciar os lucros de Kant, dadas as premisas deste. Mas está claro
que, para Gilson, o que deveria ser tido evitado antes de mais nada eram tais premisas. É
innegable que todo pensador eminente manifesta seu talento no modo de desenvolver os
envolvimentos de seus premisas e em como se livra de incurrir em qualquer eclecticismo de
componendas que pretenda combinar a toda costa elementos de seu incompatíveis. Mas o ter
este talento constitutivo não implica que sejam válidas as premisas das que se parte.

Atitude bem mais positiva para com a filosofia moderna, especialmente com respeito a Kant,
foi a que adotou Joseph Maréchal (1878-1944), jesuita belga que ensinou filosofia na casa de
estudos dos jesuítas de Lovaina de 1919 a 1935. Doutor em ciências pela Universidade de
Lovaina, estudava também psicologia experimental e psicoterapia na Alemanha, e seu interesse
pela psicologia da religião achou expressão nos dois volumes de seus Elude sul a psychologie
dê mystiques,[718] que apareceram respetivamente em 1924 e 1937. Mas pelo que mais se lhe
conhece é por seu Point de départ da métaphysique,[719] particularmente pelo Cahier quinto, que
é um volume sobre o tomismo em confrontación com a filosofia crítica de Kant (Lhe thomisme
devant a philosophie critique). Nem que dizer tem que Maréchal não é tão pouco avisado como
para pretender que Santo Tomás de Aquino, no século XIII, proporcionou antecipadamente todas
as soluções a problemas propostos séculos depois por Immanuel Kant em muito diferente
contexto histórico. Sim que sustenta, empero, que a antinomia kantiana entre o entendimento e
a razão pura, com seus envolvimentos para a metafísica, pode ser superado desenvolvendo uma
síntese a base de uma ideia do dinamismo intelectual que está virtualmente presente, segundo
opina ele, no pensamento de Santo Tomás e à que Kant, dado o que pensa da atividade mental,
deveria ter prestado maior atenção. Em outras palavras, Maréchal não confronta simplesmente
a filosofia kantiana, tal como é em si mesma, com o tomismo tradicional para argüir depois que
este é superior, senão que, utilizando uma ideia que acha ser básica no pensamento de Santo
Tomás, desenvolve a filosofia crítica de tal modo que fique superada a antinomia entre o
entendimento e a razão pura e se trascienda o agnosticismo kantiano.

O Caderno quinto consta de duas partes complementares. Têm as duas por ponto de partida
o objeto inmanente, isto é, interior à consciência. A primeira parte está dedicada ao que Maréchal
apresenta como uma metafísica crítica do objeto, e a segunda a uma crítica trascendental. Na
primeira destas críticas considera-se o objeto como estritamente intencional e, por isso, como
tendo referência ontológica, enquanto na segunda crítica o objeto se toma como fenômeno. Mas
aqui não podemos entrar em detalhes. Para resumir diremos que Maréchal, adotando o
procedimento kantiano, inquiere as condições a priori do conhecimento ou da possibilidade de
objetivación. A seu modo de ver, a mais importante condição a priori, que a Kant se lhe passou
por alto, é o dinamismo intelectual do sujeito assim que orientado ao Ser absoluto. Não é que
Maréchal postule, como também não o fez Kant, uma intuición intelectual do Absoluto ou de
Deus em si. Mas considera o ato do julgamento, que põe ao sujeito em frente ao objeto e acima
deste, como uma realização parcial da orientação dinâmica do entendimento e como um apontar
o espírito para além de si mesmo. Dito com outras palavras, todo julgamento afirma
implicitamente o Absoluto, que se revela não como o objeto direto de uma intuición intelectual
senão como a condição a priori de toda objetivación e a meta última do movimento de nossa
inteligência. A afirmação da existência de Deus é, assim, uma necessidade especulativa, e não
simplesmente um postulado prático.
Tem-se-lhe objetado a Maréchal que supõe ilegitimamente que o método kantiano de
reflexão trascendental é “neutra”, no sentido de que seu emprego pode capacitarnos para sacar
conclusões que vão para além de todo o contemplado por Kant, especialmente para estabelecer
a existência de Deus. Uma vez adote — dizem — o ponto de partida e o método kantianos, será
inútil que tentemos superar o agnosticismo de Kant. Tem-se objetado também que Maréchal
confunde o entendimento com um apetito natural ou tendência volicional prerreflexiva. Mas o
que Maréchal sustenta é que não pode ser feito uma separação justificável entre a função
formalmente cognoscitiva do entendimento e sua tendência dinâmica. Aquela tem de interpretar
à luz desta. Ademais, o fato de que Kant reconheceu a atividade da mente mostra que deveria
ter refletido envelope o dinamismo do entendimento como uma condição a priori do conhecer.
Para Maréchal, de todos modos, seu desenvolvimento de Kant não está em contradição com as
exigências da focagem crítica.

Podemos ter a Maréchal pelo iniciador da corrente de pensamento à que costuma se chamar
“tomismo trascendental”. Sem que neguemos por isto que teve também nesse sentido outras
influências anteriores, por exemplo o pensamento de Blondel. Mas Maréchal considerava que
Blondel era demasiado proclive ao voluntarismo; e ele, por sua vez, acentuou um dinamismo
intelectual que achava se achar implícito na filosofia do Aquinate e que, se se desenvolvesse,
capacitaría ao tomismo para satisfazer a demanda da filosofia moderna, assim que representada
por Kant e Fichte, isto é, a exigência do “giro trascendental” como às vezes lha descreve, e, ao
mesmo tempo, lhe capacitaría para superar o agnosticismo que fazia de Kant o espantajo dos
neoescolásticos. Pois, como vimos, estava convencido de que seguindo o método de que o
pensamento refleta/reflita sobre sua própria atividade orientada ao objeto se chega a fazer patente
que o Ser Absoluto é uma condiciona priori da possibilidade mesma desta atividade. Em vez de
recusar a filosofia crítica como perniciosa, pensou que era necessário adotar o método
trascendental e, ao mesmo tempo, trazer ao primeiro plano uma condição da possibilidade dos
atos intencionales de nossa mente que ao mesmo Kant se lhe tinha passado por alto o a tratar
como devesse. E estando Maréchal convencido de que o uso do método trascendental era um
desenvolvimento justificável do que se achava já virtualmente no pensamento do Aquinate e de
que com ele podia ser mostrado a legitimidade de uma metafísica que Kant recusou, se tinha a
si mesmo por tomista. Preparou assim o caminho para o desenvolvimento do “tomismo
trascendental”.[720] Mas seria errôneo apresentar aos tomistas trascendentales como “discípulos”
de Maréchal. Em alguns que escreveram em alemão, como por exemplo J. B. Lotz e E. Coreth
(austríaco), é bastante notoria a influência complementar de outros fatores, señaladamente a do
pensamento de Martin Heidegger.[721] E na França tem-se de ter em conta a influência de outros
filósofos franceses, tais como Blondel. Maréchal é, com tudo, o santo patrão, por assim o dizer,
deste movimento.

Maréchal, segundo acabamos de ver, interessou-se de uma maneira especial por Kant. Isto
é, foi a filosofia crítica de Kant, vista de todos modos à luz dos subsiguientes desenvolvimentos
do idealismo, a que serviu de localização ou de contexto para a focagem marechaliano da
filosofia trascendental. E em seu Caderno quinto tratou particularmente Maréchal o problema
proposto por Kant com seu antinomia entre o entendimento e a razão pura e sua rejeição da
metafísica tradicional. Em mudança, alguns dos tomistas trascendentales utilizaram o método
trascendental para esboçar ao menos um sistema geral de pensamento que não se interesse ou se
preocupe antes de mais nada por Immanuel Kant. Não seria oportuno nos deter a falar aqui dos
representantes não franceses do movimento. Mas podemos fazer uma menção muito breve de
André Marc (1892-1961), jesuita francês que foi professor de filosofia primeiro nos
estudiantados jesuíticos e depois no Instituto Católico de Paris. Em seu Psychologie
réflexive,[722] empregava o método pelo que o pensamento se toma a si mesmo em ato como
objeto de reflexão começando pela linguagem assim que revelador da natureza do homem e
passando depois a desenvolver uma antropologia filosófica. Procedendo deste modo, deduzia
também, “de nosso ato de conhecer e de sua estrutura, bem como da estrutura de seu objeto, a
diversificación das ciências, pelo menos em esquema”.[723] Em um volume posterior,
Dialectique de l’affirmation, que leva por subtítulo Essai de métaphysique réflexive,
desenvolveu Marc uma metafísica, empregando o “método reflexivo”, as reflexões do
pensamento sobre seus próprios atos, para estudar “as leis do ser assim que tal”.[724] Em outra
obra, Dialectique de l’agir (Paris-Lyon, 1954), dedicou Marc sua atenção ao desenvolvimento
de uma ética, definindo o destino moral ou a vocação do homem à luz de suas teorias da natureza
metafísica do homem e da estrutura do ser. Em outros escritos tratou a possibilidade e as
condições de uma aceitação da revelação cristã.[725]

Há outros pensadores franceses que foram influídos em alguma medida por Maréchal, tais
como Jacques Edouard Joseph de Finance (nascido em 1904), professor de filosofia na
Universidade Gregoriana de Roma, que prestou especial atenção às questões da liberdade e do
sentido e a ação morais do homem. Mas em vez de seguir dando breves notícias soltas sobre uns
quantos pensadores mais, podemos concluir esta seção indicando alguns rasgos gerais do
tomismo trascendental. Em primeiro lugar, este movimento parece que se propõe desenvolver
uma filosofia sem orçamentos, ou, em qualquer caso, que conte com um ponto de partida
incuestionable. A isto vem o primeiro momento ou fase do método trascendental, a fase
reductiva ou analítica. Em segundo local, parece que tenta desenvolver a metafísica como uma
ciência deductiva, isto é, deduzida sistematicamente desde o ponto de partida.[726] E, em terceiro
local, trata de desenvolver a filosofia como o consciente reflexão do sujeito envelope sua própria
atividade. Dificilmente poderá ser sustentado que este procedimento esteja de acordo com a
apresentação tradicional do tomismo. O qual também não quer dizer que o procedimento em
questão esteja mau orientado. Mas dá algum pé aos críticos para objetar que a designação de
“tomismo” está mau feita e para insinuar que a harmonia entre os resultados ou conclusões do
tomismo trascendental e os do tomismo tradicional se deve tanto às comuns crenças e
preocupações religiosas como a qualquer fator intrínseco à argumentación puramente filosófica.
Não é esta, empero, uma questão que possa ser decidido mediante dogmáticos pronúncias a
priori em favor de um ou outro lado. Observaremos, mais bem, que há bastantees filósofos que
tentaram fazer filosofia propriamente científica tomando por ponto de partida um dado ou uma
proposição incuestionable. Descarte foi um deles, Husserl outro. E os tomistas trascendentales
somam-se a esta companhia. Agora bem, ainda admitindo que é legítimo a tentativa de
desenvolver uma filosofia sem orçamentos, surge a questão de se não equivale, de fato, a um
idealismo o tomar ao sujeito por base de toda reflexão filosófica. Nem que dizer tem que os
tomistas trascendentales não acham que seja este o caso. E até costumam assegurar que
demonstraram que não o é. Mas os tomistas mais tradicionais seguem sem convencer-se disso.
O que dissesse o mesmo Aquinate envelope esta matéria, se aprovaria as opiniões de Maritain
ou preferido as de Maréchal, é óbvio que não podemos o saber.
Capítulo XIII
Filosofia da ciência.

1. H. Poincaré.

mencionámos já a alguns filósofos que se interessaram pela reflexão sobre as ciências


naturais. Referimo-nos, por exemplo, a Comte e a escritores mais ou menos positivistas, como
Cl. Bernard e Taine, aos filósofos neocriticistas Cournot e Renouvier, e a pensadores como
Ravaisson, Lachelier e Boutroux, pertencentes ao movimento espiritualista. Agora vamos jogar
um vistazo às ideias de uns poucos escritores que podem ser mais facilmente apresentados como
filósofos da ciência.

Um nome bem conhecido neste grupo é o de Jules Henri Poincaré (1854-1912).[727] Nascido
em Nancy, estudou engenharia de minas; mas desde temporã idade teve muito interesse pelas
matemáticas, e em 1879 começou a ensinar análises matemático em Caem. Passou em 1881 à
Universidade de Paris, onde deu classes de matemáticas, física e astronomia. Em 1887 foi
membro eleito da Academia de Ciências e em 1908 da Academia Francesa. Em 1902 publicou
A science et l’hypothèse,[728] em 1905 A valeur da science[729] e em 1908 Science et
méthode.[730] Seus Dernières pensées (Últimos pensamentos) apareceram em 1912.[731]

Provavelmente o rasgo mais conhecido da filosofia das matemáticas e da ciência de Poincaré


é o elemento de convencionalismo que contém. Ao referir-se, por exemplo, à geometria, faz
notar que os axiomas geométricos não são nem intuiciones sintéticas a priori nem fatos
experimentais. São “convenções”.[732] E isto quer dizer que são “definições disfarçadas”.[733]
Do qual não se segue — insiste Poincaré — que tenha que decidir que os axiomas são puramente
arbitrários. Pois embora nossa eleição é livre e só está limitada pela necessidade de evitar
qualquer contradição, isto é, pelas exigências da consistência lógica, também é guiada pelos
dados experimentais. Um sistema de geometria não é, de seu, mais verdadeiro que qualquer
outro sistema. Mas pode ser mais conveniente que outro ou mais idóneo para um fim específico.
Não há razões convincentes para sustentar que a geometria euclidiana seja mais verdadeira que
as geometrias não euclidianas. O mesmo poderia ser pretendido que um fraccionamiento decimal
da moeda é mais verdadeiro que um fraccionamiento não decimal. Agora bem um
fraccionamiento decimal sim pode ser mais conveniente. E na maioria dos casos, embora não
em todos, a geometria, euclidiana é o sistema mais conveniente.

Tais convenções ou definições disfarçadas desempenham também um papel na ciência física.


Uma proposição pode começar como generalização ou hipótese empírica e terminar como
convenção, na medida em que esta é o que o físico a faz ser. Por exemplo, “a força é, por
definição, igual ao produto da massa pela aceleração; este princípio fica já fosse do alcance de
qualquer experimento futuro. Assim também, por definição, a ação e a reação são iguais e
opostas”.[734] A ciência começa com a observação e o experimento; mas, ao desenvolver-se a
física matemática, faz-se mais importante o papel que desempenham as convenções.

Seria, com tudo, um grave erro pensar que, para Poincaré, a ciência consiste por inteiro em
convenções entendidas como definições disfarçadas. A esta opinião a tacha ele de nominalismo
e, lha atribuindo a Edouard Lhe Roy, o combate. Para Lhe Roy, “a ciência consiste só em
convenções e unicamente a esta circunstância deve sua aparente certeza. [...] A ciência não pode
nos ensinar a verdade, só pode nos servir de regra para a ação”.[735] A esta teoria lhe objeta
Poincaré que as leis científicas não são simplesmente, como as regras de um jogo, alterables
pelo comum acordo dos jogadores, de tal modo que as novas regras servem tão bem como as
antigas. Por suposto que poderia ser construído um conjunto de regras que não servissem a seu
propósito por ser mutuamente incompatíveis. Mas, fora deste caso, não cabe dizer com
propriedade que as regras de um jogo sejam verificadas ou falsadas, enquanto as leis empíricas
da ciência são regras da ação enquanto que predizem, e as predições são suscetíveis de falsación.
Em outras palavras, as hipóteses empíricas não são simplesmente convenções ou definições
disfarçadas: têm um valor cognoscitivo. E embora a certeza absoluta não é asequible, já que a
generalização empírica é, em princípio, sempre revisable, há casos nos que a ciência atinge, pelo
menos, um alto grau de probabilidade. Na física matemática as convenções desempenham um
papel; e, como vimos, o que originariamente era generalização empírica pode ser interpretado
de tal modo que se transforme em uma definição disfarçada não suscetível de falsación, por não
se permitir, o digamos assim, que seja falsable. Mas isto não altera o fato de que a ciência aspira
a conhecer os relacionamentos entre as coisas, e prediz, e algumas de suas predições se
verificam, embora não definitivamente, enquanto outras resultam falsas. Portanto, não pode ser
pretendido legitimamente que a ciência consista toda ela em convenções, nem que, dada a
consistência interna, todo sistema científico sirva tão bem como qualquer outro.

Poincaré emprega às vezes a linguagem de uma forma que se presta a discussão. Assim,
quando distingue os diferentes tipos de hipóteses, inclui entre eles as definições disimuladas,
que, segundo nos diz, se encontram especialmente nas matemáticas e na física matemática.[736]
E a qualquer se lhe ocorre o conserto de que deveria ser reservado o nome de “hipótese” para as
hipóteses empíricas que são suscetíveis de falsación. Mas, prescindiendo disto, está muito claro
que, para Poincaré, as ciências naturais podem aumentar nosso conhecimento, e que este
aumento se consegue a base de submeter a prova as generalizações empíricas que permitem
predizer. Verdade é que considera algumas proposições empíricas da ciência natural como
resolubles em um princípio ou convenção e em uma lei provisória, ou seja, em uma hipótese
empírica revisable em princípio. Mas o mero fato de que faça esta distinção está mostrando que,
para ele, a ciência não consta simplesmente de princípios entendidos como convenções ou
definições disfarçadas. Portanto, o convencionalismo não é mais que um elemento de sua
filosofia da ciência.

Para Poincaré, a ciência aspira a atingir a verdade a respeito do mundo. Estriba em


presuposiciones ou supostos, a cuja base estão os da unidade e a simplicidade da natureza. Vale
dizer, pressupõe-se que as partes do universo estão interrelacionadas de uma maneira análoga a
como o estão uns com outros os órgãos do corpo vivo. E a simplicidade da natureza pressupõe-
se em qualquer caso, no sentido de que, se são possíveis dois ou mais generalizações, de sorte
que tenhamos que eleger entre elas, “para a eleição só podemos nos guiar por considerações de
simplicidade”.[737] E embora a ciência estriba em presuposiciones, não por isso aspira menos à
verdade. “A meu entender, o fim é o conhecimento e os meios constitui-os a ação.”[738]

Agora bem, que é aquilo que a ciência nos capacita para conhecer? Certamente, não as
essências das coisas. “Quando uma teoria científica pretende nos dizer que é o calor, ou que é a
eletricidade, ou que é a vida, está condenada de antemão: todo o que pode nos proporcionar é
uma tosca imagem.”[739] O conhecimento que obtemos mediante a ciência é um conhecimento
dos relacionamentos entre as coisas. Poincaré utiliza, às vezes, uma linguagem sensista e
sustenta que o que podemos conhecer são os relacionamentos entre sensações.[740] Mas com isto
não é que queira manter que não há nada do que nossas sensações sejam o reflexo. Mais
singelamente, para ele a ciência nos fala dos relacionamentos entre as coisas e não das naturezas
interiores das coisas. Por exemplo, uma teoria da luz diz-nos/dí-nos os relacionamentos que há
entre os fenômenos sensíveis da luz e não o que a luz seja em si mesma. Sem dúvida, Poincaré
está disposto a sustentar que “a única realidade objetiva são os relacionamentos entre as coisas,
das que se deriva a harmonia universal. É indudable que estes relacionamentos, esta harmonia,
não poderiam ser concebidas se não tivesse nenhuma mente que as concebesse ou percebesse.
Mas não por isso são menos objetivas, assim que que são, serão e seguirão sendo comuns a todos
os seres pensantes”.[741]

Quiçá tenha-se dado a impressão de que, conquanto Poincaré certamente não considerava
convencionais todas as leis científicas, estimava que as matemáticas puras dependem por inteiro
de convenções. No entanto, não era assim. Pois embora estivesse plenamente disposto a ver
certos axiomas como definições disfarçadas, achava que as matemáticas compreendiam também
certas proposições sintéticas a priori, cuja verdade se discernía intuitivamente. Não queria
aceitar de nenhum modo a opinião de que a concepção kantiana das matemáticas tivesse
simplesmente expirado. Nem também não era Poincaré favorável a tese como a mantida, por
exemplo, por Bertrand Russell de que as matemáticas são reducibles à lógica formal. Pelo
contrário, criticou as “novas lógicas”, “a mais interessante das quais é a do senhor Russell”.[742]

Em seu sensismo influiu-lhe a Poincaré o pensamento de Ernst Mach,[743] enquanto em sua


concepção da mecânica parece ter-lhe influído Heinrich Rudolf Hertz (1857-1894).

2. P. Duhem.

Como vimos, segundo Poincaré a ciência se ocupa não da natureza das coisas em si mesmas,
senão dos relacionamentos entre as coisas tais como se nos aparecem, isto é, entre as sensações.
Uma concepção similar foi exposta por Pierre Maurice Marie Duhem (1861-1916), físico
teórico, filósofo e distinto historiador da ciência. Em 1886 publicou Duhem em Paris uma obra
sobre termodinámica,[744] e ao ano seguinte começou a dar classes na Faculdade de Ciências de
Lille. Em 1893 passou a Rennes, e em 1895 foi destinado a ocupar uma cátedra na Universidade
de Burdeos. Sua publicação teórica mais importante foi A théorie physique, são objet et sa
structure (A teoria física, seu objeto e sua estrutura), cuja primeira edição apareceu em Paris
em 1906.[745] Duhem publicou também várias obras de história da ciência,[746] a mais conhecida
das quais é Lhe systéme du monde. Histoire dê doctrines cosmologiques de Platón a Copernic
(O sistema do mundo. História das doutrinas cosmológicas desde Platón até Copérnico), em 8
volumes (Paris, 1913-1958). Em opinião de Duhem, estudar a história da ciência não era só um
luxo de eruditos, por assim o dizer, algo que pudesse ser descurado sem nenhum detrimento para
o estudo atual dos problemas científicos. Segundo via-o ele, era impossível entender do todo
uma teoria ou um conceito científico sem conhecer bem suas origens e seu desenvolvimento e
os dos problemas para cuja resolução era criados.

Um dos principais empeños de Duhem é o de fazer uma clara separação teórica entre a física
e a metafísica. Considera que ao metafísico lhe concierne a explicação, explicar o ser, “despojar
à realidade das aparências que a cobrem como um véu, para que possa ser visto a nua realidade
mesma”.[747] Mas só a metafísica propõe a questão de se há uma realidade subjacente às
aparências sensíveis e diferente delas. No que à física concierne, os fenômenos ou aparências
sensíveis são todo quanto há. Por isso, a física não pode aspirar à explicação no sentido
mencionado. “Uma teoria física não é uma explicação. É um sistema de proposições
matemáticas, deduzidas de um curto número de princípios, que aspira a representar tão simples,
completa e exatamente como seja possível um conjunto de leis experimentais.”[748] Agora bem,
uma teoria não é exclusivamente uma representação de leis experimentais: é também uma
classificação delas. Isto é, por razonamiento deductivo mostra essas leis como consequências de
certas hipóteses ou “princípios” básicos. E a prova de uma teoria, por exemplo de uma teoria da
luz, é seu acordo ou seu desacordo com as leis experimentais, que representam relacionamentos
entre os fenômenos ou aparências sensíveis. “O acordo com o experimento é o único critério da
verdade de uma teoria física.”[749] Uma teoria física não explica as leis, embora sim as coordena
sistematicamente, nem também não as leis explicam a realidade. Duhem, o mesmo que Poincaré,
faz questão de que o que nós conhecemos são relacionamentos entre fenômenos sensíveis.
Acrescenta, com tudo, que não podemos evitar o sentimento ou a convicção de que os
relacionamentos observados correspondem a algo que há nas coisas além de sua aparecer a nossa
sensibilidade. Mas recalca que isto é matéria de fé ou crença natural e não algo que possa ser
provado em física.

Sabe muito bem Duhem que as teorias científicas permitem fazer predições. Podemos “sacar
algumas consequências que não correspondem a nenhuma das leis experimentais previamente
conhecidas e que representam tão só possíveis leis experimentais”.[750] Algumas dessas
consequências são empiricamente comprováveis. E, se verifica-lhas, aumenta com isso o valor
da teoria. Mas se uma predição que representa a conclusão legítima de uma teoria resulta falsa,
isto manifesta que a teoria deve ser modificado, mas não que tenha que a abandonar do tudo.
Em outras palavras, se supomos verdadeira uma determinada hipótese e deduzimos depois que,
nesse suposto, tem de ocorrer determinado acontecimento em determinadas circunstâncias, o
fato de que esse acontecimento ocorra realmente nessas circunstâncias não prova a verdade da
hipótese. Pois a mesma conclusão, a saber, a de que em determinadas circunstâncias tenha de
ocorrer determinado acontecimento, poderia ser deduzido também de outra hipótese diferente.
Em mudança, se o acontecimento que teria de ocorrer não ocorre de fato, isto manifesta que a
hipótese é falsa ou que precisa revisão. Portanto, deixando aparte outras razões para mudar ou
modificar as teorias, tais como as considerações de maior simplicidade ou maior economia,
podemos dizer que a ciência avança a base de ir eliminando hipótese mais bem que a base das ir
verificando em um sentido forte. Uma hipótese científica pode ser definitivamente falsada e,
pelo mesmo, eliminada, mas nunca pode ser definitivamente provada. Nem há nem pode ter
nenhum “experimento crucial” no sentido que deu Francis Bacón a este termo. Pois o físico
nunca pode estar seguro de que não seja concebible alguma outra hipótese que cubra os
fenômenos em questão.[751] “A verdade de uma teoria física não se decide jogando a cara ou
coroa.”[752]

Embora Duhem está de acordo com Poincaré em muitos pontos, nega-se a admitir que tenha
hipóteses científicas que estejam fosse do alcance da refutación experimental e devam ser
consideradas como definições inafectables pela comprovação empírica. Há certamente hipótese
que, se lhas toma por separado, não têm “significação experimental”[753] e que, portanto, não
podem ser diretamente confirmadas ou falsadas pela via experimental. Mas estas hipóteses não
existem, de fato, por separado. Constituem as fundamentaciones de teorias ou de sistemas físicos
muito amplos; e nunca deixa de ser possível que as consequências do sistema tomado como um
todo fiquem experimentalmente refutadas em tal proporção que se vinga abaixo o sistema inteiro
junto daquelas hipóteses básicas que, consideradas por separado, não podem ser diretamente
refutadas.

Segundo Duhem, sua interpretação da física é “positivista tanto em suas conclusões como
em suas origens”.[754] As teorias físicas, tal como ele as vê, não têm nada que fazer com as
doutrinas metafísicas nem com os dogmas religiosos, e é um erro tratar de se servir delas com
fins apologéticos. Por exemplo, a tentativa de demonstrar a criação do mundo a partir da
termodinámica (da lei da entropía) é uma tentativa má orientado. Mas de aqui não se segue, nem
muito menos, que Duhem seja positivista no sentido de que recuse a metafísica. O que ele
importa-se é distinguir com nitidez entre a física e a metafísica, e não o condenar a esta.
Indubitavelmente é discutible se pode ser feito uma distinção tão tajante como a que Duhem
concebe. Mas evidentemente é uma grande verdade que a ciência desenvolveu de um modo
progressivo sua autonomia, e também pode ser assegurado que quem trataram de basear
doutrinas metafísicas ou religiosas em teorias físicas revisables não estavam bem orientados.
Em todo caso Duhem não é antimetafísico. Quanto à religião, “acho com toda minha alma nas
verdades que Deus nos revelou e nos ensinou mediante sua Igreja”.[755]

3. G. Milhaud.

Certa afinidad com as ideias de Poincaré e Duhem salta à vista na filosofia da ciência de
Gastón Milhaud (1858-1918), quem após ser professor de filosofia em Montpellier,[756] foi a
Paris em 1909 para ocupar uma cátedra, que então se criou, de história da filosofia em seus
relacionamentos com as ciências.[757] Por exemplo, em seu Essai sul lhes conditions et limite-
lhes da certitude logique (Ensaio sobre as condições e os limites de certeza lógica, 1894, 2ª
edição 1895), Milhaud afirma que o que conhecemos das coisas são as sensações que as coisas
suscitam em nós.[758] Ao mesmo tempo está de acordo com Poincaré e com Duhem para
sublinhar a atividade da mente na reflexão sobre a experiência e no desenvolvimento de hipótese
científicas. Não é Milhaud tão inclinado a falar de “convenções”; mas insiste, entre outros sítios
em sua obra Lhe rationnel (O racional, 1898), na espontaneidad da razão humana.

Em mudança, enquanto Duhem punha empenho em sustentar que sua ideia da ciência era
positivista, com o fim de estabelecer uma distinção tajante entre a ciência natural e a metafísica,
Milhaud chama a atenção sobre os erros do positivismo, entendendo por este designadamente as
ideias de Auguste Comte. Assim, na introdução a sua obra sobre Lhes philosophes géomètres da
Grèce (Os filósofos geómetras da Grécia, 1900), alude à ingênua confiança com que se propôs
Comte traçar os limites precisos aos que podia chegar o conhecimento e dentro dos quais
recusava ele de antemão toda tentativa de mudar radicalmente as teorias científicas aceitadas.
Quis Comte “atribuir ao sistema do conhecimento científico já adquirido o poder de organizar a
sociedade imediatamente sobre uns fundamentos inquebrantáveis, ou bem, uma vez organizada
já a sociedade, prescrever a sumisión de tudo àquele ou àqueles que teriam de ter em suas mãos
a direção racional da humanidade”.[759] O dogmatismo de Comte era, pois, oposto, não só ao
escepticismo, senão inclusive ao “espírito da livre investigação”.[760] Verdadeiro que Comte cria
no progresso; mas concebia o progresso como um avanço para um limite ou uma meta
determinados, que era o ponto no que a ciência poderia constituir a base para o tipo de sociedade
que ele considerava desejável. Daí que Comte não recorra aos sonhos de um progresso sem fim
a que tão aficionados foram os pensadores do século XVIII. Em sua opinião, a ciência chegava
já “se não ao termo último de seu avanço, pelo menos ao estado de consolidação no que não
eram de prever ulteriores transformações radicais, no que os conceitos fundamentais estavam
definitivamente afixados, e no que os novos conceitos não poderiam diferir muito dos
antigos”.[761] Mas já se vê que à criatividade da mente humana não se lhe podem pôr uns limites
assim.

Em seus começos fez Milhaud uma neta distinção entre a matemática pura, baseada no
princípio de não contradição, e a ciência empírica, mas em seguida passou a recalcar o elemento
de decisão racional que se acha presente a todos os ramos da ciência. Claro que, com isso, não
tentava sugerir que as hipóteses científicas sejam construções puramente arbitrárias. A seu
entender, baseavam-se na experiência ou eram sugeridas por esta e se construíam para satisfazer
afãs de consistência lógica e também demandas práticas e estéticas, mas se resistiu a admitir que
a lógica ou a experiência precisassem em rigor teorias científicas. Estas expressam a criatividade
da mente humana, embora a atividade criadora se guia, na ciência, pela decisão racional e não
pelo capricho. Ademais, nunca podemos dizer que o conhecimento científico atinja sua forma
definitiva. Não podemos excluir de antemão as transformações radicais. Há, sem dúvida, uma
meta ideal, mas é uma meta que se afasta de contínuo, ainda que o progresso é real. Se pensamos
que o positivismo de Comte representa o terceiro estádio do pensamento humano, devemos
acrescentar que este estádio tem de ser trascendido, porque constitui um obstáculo para a
atividade criativa da mente.[762]

4. E. Meyerson.

Temos visto que Duhem distinguia cortantemente entre a ciência por um lado e a metafísica
ou ontología por outro. Bastante diferente foi a ideia que da natureza da ciência teve Emile
Meyerson (1859-1933). Nascido em Lublín, de pais judeus, estudou clássicas e depois química
na Alemanha,[763] Em 1882 estabeleceu-se em Paris e, posteriormente, após a Guerra de 1914-
1918, se naturalizó adquirindo a cidadania francesa. Nunca ocupou nenhum posto acadêmico
oficial, mas foi um pensador influente. Em 1908 publicou em Paris seu conhecido livro Identité
et réalité (Identidade e realidade)[764] e em 1921 uma obra em dois volumes sobre a explicação
nas ciências: De l’explication dans lhes sciences. A estas publicações seguiram-lhes um livro
sobre a teoria da relatividad, A déduction relativiste (1925), uma obra em 3 volumes sobre as
forma do pensamento, Du cheminement da pensée (1931), e um librito sobre a teoria dos
quantos, Réel et déterminismo dans a physique quantique (O real e o determinismo na física
cuántica, 1933). Uma coleção de ensaios (Essais) apareceu postumamente em 1936.

Em primeiro lugar, Meyerson opõe-se com vigor a uma concepção positivista da ciência que
a restrinja a se interessar simplesmente pela predição e o controle ou a ação. Segundo o
positivista, a ciência formula leis que representam os relacionamentos entre os fenômenos ou
aparências sensíveis, leis que nos capacitan para predizer e nos servem assim para atuar e
controlar os fenômenos. Por suposto que Meyerson não quer negar que a ciência nos capacita de
fato para predizer e alarga nossa área de controle, mas se nega a admitir que este seja o fim
primário ou o ideal operativo da ciência. Não é exato dizer que a ciência tem por único fim a
ação, nem que somente a governa o desejo de economia nesta ação. A ciência trata também de
nos fazer entender a natureza. Tende, de fato, como diz Lhe Roy, à “progressiva racionalização
do real”.[765] A ciência baseia-se no orçamento de que a realidade é inteligible, e confia em que
esta inteligibilidad se irá fazendo a cada vez mais manifesta. A tendência de nossa mente a
compreender está na base de toda investigação e busca científica. Por isso é um erro seguir a
Francis Bacon, Hobbes e Comte definindo a meta da ciência simplesmente em termos de
predição tendo em vista a ação. “No fundo, a teoria positivista está baseada em um palpable erro
psicológico.”[766]

Se a ciência estriba no orçamento de que a natureza é inteligible e tenta descobrir este caráter
seu inteligible, não podemos manter legitimamente que as hipóteses e teorias científicas sejam
simples construções intelectuais carentes de importância ontológico. “A ontología vai a uma
com a ciência mesma e não pode ser separada dela.”[767] Soa muito bem todo isso de que há que
despojar à ciência de ontologías e metafísicas; mas o fato é que até essa mesma pretensão implica
uma metafísica ou teoria a respeito do ser. Designadamente, a ciência não pode prescindir do
conceito de coisas ou substâncias. Por muito que o positivista assegure que a ciência só se ocupa
de formular leis e que o conceito de coisas ou substâncias que sejam independentes da mente
pode ser jogado pela borda, o verdadeiro é que a ideia mesma de lei, assim que que expressa
relacionamentos, pressupõe a ideia de coisas relacionadas. E se se objeta que o conceito de coisas
existentes independentemente da consciência pertence à esfera do ingênuo sentido comum e
deve ser abandonado se queremos pôr ao nível da ciência, pode ser replicado que “os seres
hipotéticos da ciência são, em realidade, mais coisas que as coisas do sentido comum”.[768] Isto
é, os átomos ou os elétrons, por exemplo, não são objetos diretos dos sentidos, não são dados
sensíveis. E, portanto, ejemplifican o conceito de coisa (como algo que existe
independentemente da sensação) com maior clareza que os objetos que sentimos e percebemos
ao nível do sentido comum. A ciência tem seu ponto de partida no mundo do sentido comum, e
quando transforma ou abandona os conceitos do sentido comum, “o que adota é tão ontológico
como o que abandona”.[769] De acordo com Meyerson, quem pensam de outro modo é porque
não compreendem a natureza da ciência em seu funcionamento, em sua atual realidade; e esses
mesmos produzem teorias sobre a ciência que estão cheias de envolvimentos ontológicas, das
que eles não parecem percatarse em absoluto. A ideia positivista de separar à ciência de toda
ontología “não é apropriada nem para a ciência de hoje nem para a que a humanidade conheceu
em qualquer das épocas de seu desenvolvimento”.[770]
Fez-se referência ao sentido comum. Uma das convicções mais firmes de Meyerson é a de
que a ciência é “só um prolongamento do sentido comum”.[771] De ordinário supomos que nossa
percepción dos objetos é algo simples e primitivo. Se analisamos a percepción, chegamos por
último a estados de consciência ou a sensações. Para construir uma percepción a partir dos dados
subjetivos primitivos, temos que introduzir a memória. Caso contrário, não poderíamos explicar
nossa confiança em que seguiremos tendo possibilidades de sensação. Mas na construção do
mundo do sentido comum vamos ainda mais longe. Empregamos, embora desde depois não
explicitamente ou com reflexão consciente, o princípio de causalidad para construir o conceito
de objetos físicos permanentes. De modo que o sentido comum está todo ele transido de
ontología ou metafísica. Explicamos nossas sensações dizendo que são causas das mesmas os
objetos físicos. Ao nível do sentido comum hipostasiamos nossas sensações tanto como
podemos, atribuindo, por exemplo, cheiros e outras qualidades aos objetos, enquanto a ciência
transforma os objetos. Mas a ciência tem seu ponto de partida no sentido comum e prolonga
nosso uso do princípio de causa. As entidades postuladas pelo cientista poderão diferir das do
sentido comum, mas à física é-lhe tão impossível como ao sentido comum prescindir do conceito
de coisas ou substâncias e da explicação causal. O conceito de lei, estabelecendo
relacionamentos entre os fenômenos, não é suficiente de por si.

Dado este ponto de vista, compréndese que insista Meyerson em que a ciência é explicativa
e não simplesmente descritiva. Por muito que Comte e outros tente arrojar fora da ciência a
explicação e as teorias explicativas, a verdade é que “a existência da ciência explicativa é um
fato”[772] um feito com que não pode ser passado por alto por muito ingeniosas considerações
que se façam sobre aquilo em que o cientista se ocupa. Um fenômeno é explicado enquanto
deduze-lho de antecedentes que podem ser descritos como a causa desse fenômeno, ou, para
empregar a terminología leibniziana, como sua razão suficiente, isto é, suficiente para produzir
o fenômeno em questão. “Pode ser definido a causa como o ponto de partida de uma dedução,
cujo ponto de chegada é o fenômeno.”[773] Verdade é, segue dizendo Meyerson, que na ciência
não achamos em realidade deduções que correspondam do tudo a um conceito abstrato do que
devesse ser a explicação deductiva. Mas embora isto mostra que na ciência, como em outros
campos, o homem persegue um fim que trasciende sua capacidade, não mostra que sua busca e
prosecución não existam. A tendência a explicar os fenômenos implica o orçamento de que a
realidade é inteligible ou racional. A tentativa de entender a realidade tropeça com resistências,
baixo a forma do irracional, do que não pode ser feito plenamente inteligible. Mais isto em nada
afeta ao fato innegable de que a ciência aspira à explicação.

Está claro que Meyerson assemelha o relacionamento causal à de envolvimento lógica.


Certamente, vê a explicação causal como um processo de identificação. Enquanto explica-se um
fenômeno deduzindo-o de seus antecedentes, identifica-lho com estes antecedentes. “O princípio
de causalidad é simplesmente o princípio de identidade aplicado à existência de objetos no
tempo.”[774] Que a mente busca a persistência através do movimento e do tempo pode ser visto,
por exemplo, em seu formulación de princípios como os da inércia, a conservação da matéria e
a conservação da energia. Mas, levada ao limite, a demanda de explicação causal é uma demanda
de identificação da causa e o efeito a tal ponto que os dois coincidam, que o tempo fique
eliminado e nada aconteça. Em outras palavras, a razão almeja um mundo eleático, “um universo
eternamente inmutable”,[775] um universo no que, paradoxalmente, não tenha causalidad e nunca
aconteça nada. Como conceito limite, o mundo que satisfizesse plenamente tal anseio de
identificação seria um mundo do que seria eliminados os diferentes corpos por redução dos
mesmos ao espaço, ou seja, à não-entidade. Pois o que nem atua nem é causa de coisa alguma é
como se não fosse.

Naturalmente que Meyerson não se despediu por completo de seus sentidos. Não acha, de
fato, que a ciência vá levar nunca ao acosmismo como conclusão definitiva. Certamente a
Meyerson conhece-se-lhe como filósofo da ciência, mas é antes de mais nada um epistemólogo,
assim que que o que lhe interessa é desenvolver uma crítica da razão. Quer descobrir os
princípios que regem o pensamento humano.[776] E para levar a cabo esta tarefa não recorre à
introspección nem a uma reflexão a priori, senão a “uma análise a posteriori do pensamento
expresso”.[777] Dito de outro modo, examina os produtos do pensamento. E sua atenção centra-
se, principal embora não exclusivamente, na ciência física. Neste campo encontra que a mente
aspira a entender os fenômenos através da explicação causal, que o princípio de causalidad, em
sua forma pura, por assim o dizer, é o princípio de entidade aplicado a objetos que estão no
tempo, e que ao que a razão tende a priori é, mais bem, à identificação. Em sua atividade, a
mente governa-se pelo princípio de identidade. Meyerson passa depois a mostrar que tipo de
universo satisfaria, em sua opinião, este anseio de identificação, se o mesmo pudesse proceder
incontrastado e sem tropeçar com nenhuma resistência. De fato, empero, não procede
incontrastado, e encontra resistências: Não podemos superar a irreversibilidad do tempo nem a
realidade do devir ou mudança. “A identidade é a eterna malha de nossa mente”; [778] mas a
ciência vem a estar a cada vez mais dominada por elementos empíricos que militam contra a
vontade de identificação. O universo, tal como no-lo apresenta a ciência, não é, pois, um
universo parmenídeo. Leste segue sendo um conceito limite, um fim ou projeto innato da mente,
sua tendência a priori à identificação, suposto que não encontre resistência.

A questão quiçá possa ser expressado desta forma: Digam o que disserem os positivistas, a
ciência é explicativa. A ciência ejemplifica um afã de entender por médio da explicação causal,
um afã que pertence à mente humana como tal e que se acha já presente e é operativo ao nível
do sentido comum. Esta focagem pressupõe que a realidade é inteligible ou racional. E como,
segundo Meyerson, a busca de explicação causal está regida pelo princípio de identidade, se a
realidade fosse completamente racional seria um ser idêntico consigo mesmo, causa de si mesmo
ou causa sui, mas o ser completamente idêntico consigo mesmo seria equivalente ao não-ser. A
ciência não pode chegar a uma causa sui. E, em todo caso, a realidade não é inteiramente
irracional no sentido mencionado. Com a ciência moderna fomo-nos percatando a cada vez mais
da irreversibilidad do tempo e da emergência de novidades. A realidade, tal como é construída
pela ciência, não encaixa do tudo no esquema do racionalismo. Do qual não se segue que a
ciência não seja explicativa. Isto é, a ciência entranha sempre a tendência a entender por médio
da explicação causal. Mas nunca pode achar um local de repouso definitivo. “O irracional”, no
sentido do imprevisto e imprevisível, irrompe por todos os lados, como na física cuántica. O
comportamento dos seres vivos não pode ser deduzido simplesmente do que sabemos do modo
de proceder dos corpos inorgánicos. E ainda que cheguem a explicar-se alguns fenômenos
aparentemente irracionais, não há garantia nenhuma de que o cientista não tenha que lhas ver
com outros novos, nem de que novas teorias não vão a suplantar ou a modificar profundamente
as de seus predecessores. tivemos um Einstein. Pode que tenha outros, “Jamais seremos capazes
realmente de deduzir a natureza. [...] Sempre teremos necessidade de novas experiências e estas
originarão sempre novos problemas, farão estallar (éclater) — para o dizer com Duhem — novas
contradições entre nossas teorias e nossas observações.”[779] O anseio ou impulso da razão segue
sendo o mesmo. “Todo mundo, sempre e em todas as circunstâncias, tem razonado e razona
ainda de um modo essencialmente invariável.”[780] Mas a razão não pode atingir sua meta ideal.
Tem que adaptar à realidade empírica. E a ciência, tal como existe, ejemplifica a dialética entre
o impulso da razão, que postula o caráter completamente racional da realidade, e os obstáculos
com que constantemente tropeça.

Meyerson interessou-se pelos sistemas filosóficos e aplicou suas ideias, por exemplo, à
filosofia da natureza de Hegel. Tratou Hegel de submeter o que ele considerava o irracional ao
domínio da razão. E legitimamente não podemos objetar nada a sua tentativa de entender e
explicar. Pois “a razão tem de tender a submeter a seu domínio todo o que não procede dela; tal
é sua função própria, já que isto é o que chamamos razonar. Mas ainda, vimos, em nosso livro
precedente, que a ciência explicativa não é outra coisa que uma operação que se prossegue de
acordo inteiramente com este ideal”.[781] No entanto, o fato é que à realidade não lha pode forçar
nem submeter tanto como lho figuram quem constroem sistemas deductivos omnicomprensivos.
Estes fracassam todos inevitavelmente. E seu falhanço constitui uma boa prova de que o
“irracional” não pode ser totalmente dominado pela razão deductiva.

Evidentemente, em verdadeiro sentido Meyerson simpatiza sem reservas com o ideal


matemático-deductivo do conhecimento. É o que, em sua opinião, a razão se esfuerza por atingir
e pelo que sempre se seguirá esforçando. Mas a natureza existe independentemente de nós,
embora só chegue a ser conhecida mediante nossas sensações, através das aparências sensíveis
das coisas. Nós não podemos reconstruir simplesmente a natureza a base de dedução. Temos de
recorrer à experiência. Os caminhos da natureza diferem seguramente dos da pura razão. E isto
põe limites a nossa potência de domínio conceptual. O filósofo que produz um sistema deductivo
omniabarcador trata de submeter completamente a natureza às demandas da razão. Mas a
natureza é refractaria a isso e se toma sua vingança. Daí que a ciência, tal como existe em
realidade, tenha de ser ao mesmo tempo deductiva e empírica. Avança, certamente, no processo
de entendimento; mas sempre tem de estar preparada para as surpresas e as sacudidas e disposta
a revisar suas teorias. A razão busca e persegue uma meta ideal, que é posta pela essência ou
natureza da razão. Mas a chegada a essa meta limite da aspiração é algo que se afasta
incessantemente. Em um sentido, a razão padece frustramiento. Mas em outro sentido não. Pois
se atingisse-se do todo a meta, não teria já ciência.

5. A. Lalande.

Segundo Meyerson, como acabamos de ver, a razão, regida em seu funcionamento pelo
princípio de identidade, busca um Um parmenídeo, uma causa sui na que, superada a
diversidade, se realize a perfeita identidade da razão consigo mesma. Verdadeiro que esta meta
limite nunca será atingida. Pois os estallidos da novidade e do imprevisível impedem à razão
chegar a um repouso definitivo. Mas permanece o limite ideal, o de uma explicação completa
de todos os eventos ou fenômenos para a identificação de sua causa última. Em linguagem
kantiano, este limite ideal é uma ideia regulatória da razão.
Talvez possa ser visto pelo menos alguma afinidad entre a ideia de Meyerson da razão e a
de André Lalande (1867-1964), editor do conhecido Vocabulaire technique et critique da
philosophie.[782] Em Lalande desaparecem os acentos eleáticos, mas ele põe muito de realçe um
movimento para a homogeneidad e a unificação e sublinha o papel desempenhado pela razão
neste movimento tal como se dá na vida humana. Em 1899 publicou uma tese com a que se
opunha à sustentada por Herbert Spencer de que o movimento da evolução é um movimento
diferenciador, que vai do homogéneo ao heterogéneo.[783] Lalande não negava, por suposto, que
na evolução há um processo de diferenciación; mas sustentava que era bem mais importante o
movimento do que chamava ele “dissolução” ou “involución”.[784] Na natureza este movimento
pode ser visto na entropía, na crescente inutilidad da energia calorífera e na tendência para um
equilíbrio cujo resultado seria uma espécie de morte térmica.[785] Na esfera orgânica dá-se, sem
dúvida, um processo de diferenciación, um movimento do homogéneo ao heterogéneo; mas o
movimento da vida é comparável ao de um objeto lançado ao ar: a energia ou o impulso vital
acaba gastando-se do tudo, e os seres vivos se reduzem, ao fim, a matéria inanimada. Em longo
prazo, a homogeneidad prevalece envelope a heterogeneidad, a assimilação sobre a
diferenciación.

A verdade é que Herbert Spencer, em sua teoria geral da evolução, deu cabida a uma
alternancia de diferenciación e dissolução ou, segundo diria Lalande, involución.[786] Mas, como
decidido campeão da liberdade individual e resolvido adversário da teoria orgânica do
Estado,[787] Spencer não podia menos de considerar a crescente diferenciación, o auge da
heterogeneidad, como a meta desejável do desenvolvimento da sociedade humana e como o sinal
inconfundível do progresso. Aqui Lalande aparta-se dele. Porque não acha que os processos da
natureza sejam objetos apropriados dos julgamentos morais. Mas na esfera da vida humana
parece-lhe que o movimento para a homogeneidad é desejável e é fator de progresso. Em outras
palavras, Lalande considera que sua natureza e suas tendências biológicas impelen ao homem a
se centrar em si egoistamente, a se separar dos demais seres humanos. O movimento desejável
é aquele que loja a fazer aos homens não mais diferentes senão mais semelhantes uns a outros,
e isso não em virtude de uma uniformidade imposta ou que elimine nossa liberdade humana,
senão mais bem mediante a comum participação no reino da razão, da moral e da arte. O
movimento da vida biológica é diferenciante, divisório. Em mudança, a razão tende a unificar e
a assimilar.

Na ciência, a função unificadora da razão é óbvia. Os particulares agrupam-se baixo os


universais, isto é, em classes; e há a tendência a coordenar os fenômenos baixo leis a cada vez
menores em número e mais gerais. Nas esferas do pensamento lógico e da investigação científica
a razão assimila no sentido de que tende a fazer com que todo mundo pense igual, embora a cada
qual tenha diferentes sentimentos. É óbvio que o sentir pode influir no pensar; mas a questão é
que, na medida em que a razão triunfa, une mais que divide aos homens. Embora pareça que,
quantas mais aplicações técnicas tem a ciência, mais se vão identificando os indivíduos com as
funções que desempenham, até se fazer membros de um organismo social, segundo Lalande o
aumento da técnica serve para libertar ao indivíduo. É innegable que na sociedade moderna os
homens e as mulheres tendem a se fazer a cada vez mais semelhantes e que se produz uma
verdadeira uniformidade; mas neste mesmo processo libertam-se de antigas tiranías, como a da
família patriarcal, e o auge da especialização deixa livre à gente para desfrutar dos valores
culturais comuns, por exemplo, os estéticos. A tendência asimiladora da sociedade moderna,
com o hundimiento das velhas jerarquizaciones, é, ao mesmo tempo, um processo de libertação
do indivíduo. O homem faz-se livre para participar mais plenamente em sua comum herança
cultural.

Sabido é que alguns escritores viram no desenvolvimento da sociedade moderna um


processo de nivelação que tende a produzir uma uniforme mediocridad dañosa para a
personalidade individual, enquanto outros têm encomiado a identificação, segundo eles a
interpretam, do indivíduo com sua função social. O aumento da homogeneidad pode ser
interpretado como equivalente ao crescimento do que Nietzsche chamou o “Monstro do Frio”
ou como algo que leva na direção de uma sociedade totalitaria. Lalande propõe um ponto de
vista diferente, vendo à sociedade moderna como potencialmente liberadora do indivíduo assim
que que lhe enriquece lhe introduzindo ao comum mundo cultural da razão e da arte. As
urgências biológicas são divisórias; a razão, a moral e a estética são fatores unificantes. Não tem,
pois, por que surpreender que em uma obra sobre A raison et lhes normes (A razão e as normas),
publicada em 1948, criticasse Lalande aos fenomenólogos e aos existencialistas. Por exemplo,
enquanto os fenomenólogos faziam questão de que os conceitos de espaço e tempo se originam
na experiência do indivíduo como ser que está no mundo, Lalande sublinhava o espaço e o tempo
comuns dos matemáticos e dos físicos, nos que via a obra unificadora da razão.

Lalande escreveu especificamente sobre a filosofia da ciência. Em 1893 publicou a primeira


das numerosas edições de sua Lectures sul a philosophie dê sciences (Leituras sobre a filosofia
das ciências) e em 1929 Lhes théories de l’induction et de l’experimentation (As teorias da
indução e da experimentación). Mas seu pensamento abarcava bem mais que o que normalmente
pudesse ser apresentado como filosofia da ciência. Pois o que se importava era pôr de realçe o
movimento de “involución” e o papel desempenhado no mesmo pela que ele chamou “razão
constituinte”. A ciência é um campo no que a razão unifica. Mas há outro campo, o da moral,
no que a razão é capaz de promover o acordo e produzir uma ética seglar ou laica. Em general,
a razão fomenta o mútuo entendimento e a cooperação entre os seres humanos. Os esforços com
que se dedicou Lalande a editar e reeditar seu Vocabulaire tinham por base este suposto.

6. G. Bachelard.

Meyerson e Brunschvicg recalcaron ambos o impulso à unificação que na ciência se


manifesta. Tal atitude era bastante natural, não só porque harmonizava bem com as exigências
de sua filosofia em general, senão também porque a unificação dos fenômenos constitui
claramente uma feição real da ciência. Não é necessário falar da identificação nem seguir a
Meyerson em sua introdução de temas parmenídeos para ver que, quando a mente se enfrenta
com uma pluralidad de fenômenos, a unificação conceptual constitui uma feição real do
entender. O domínio conceptual não pode ser obtido sem a unificação. Ou, mais bem, ele mesmo
é um processo de unificação. Ao mesmo tempo, é possível recalcar o pluralismo que há na
ciência, seus elementos de descontinuidade e a pluralidad das teorias. Brunschvicg, segundo
vimos, prestava atenção a esta feição. Mas uma coisa é achar cabida para os fatos dentro do
enquadramento de uma filosofia idealista que enaltezca a natureza do espírito ou a mente como
uma unidade, e outra muito diferente sublinhar e encomiar aquelas feições da história da ciência
que não harmonizam tão facilmente com a ideia geral de que a razão vai impondo de modo
progressivo sua própria unidade e homogeneidad aos fenômenos.
O énfasis com que fez questão da pluralidad e a descontinuidade foi característico da
filosofia da ciência de Gaston Bachelard (1884-1962). Após ter estado empregado no serviço
postal, licenciou-se em matemáticas e em ciências e, a seguir, ensinou física e química em sua
cidade natal, Bar-sul-Aube. Em 1930 obteve o posto de professor de filosofia na Universidade
de Dijon,[788] e dez anos depois passou a Paris a ensinar história e filosofia da ciência. Publicou
numerosas obras: em 1928, um Essai sul a connaissance approchée (Ensaio sobre o
conhecimento aproximativo), em 1932 Lhe pluralisme cohérent da chimie moderne (O
pluralismo coerente da química moderna), em 1933 Lhes intuitions atomistiques (As intuiciones
atomistas), em 1937 A continuité et a multiplicité temporelles (A continuidade e a multiplicidad
temporárias) e L’expérience de l’espace dans a physique contemporaine (A experiência do
espaço na física contemporânea), em 1938 A formation de l’esprit scientifique (A formação do
espírito científico), em 1940 A philosophie du non (A filosofia do não), em 1949 Lhe
rationalisme appliqué (O racionalismo aplicado), em 1951 L’activité rationaliste da physique
contemporaine (A atividade racionalista da física contemporânea) e em 1953 Lhe matérialisme
rationnel (O materialismo racional). Bachelard interessou-se também pelo relacionamento entre
as atividades da mente na ciência e na imaginação poética. Neste campo publicou algumas obras
como A psychoanalyse du feu (Psicoanálisis do fogo, 1938), L’eau et lhes rêves (A água e os
sonhos, 1942), L’air et lhes songes (O ar e os sonhos, 1943), A terre et lhes rêveries da volonté
(A terra e as ensoñaciones da vontade, 1948), A poétique dêl ’espace (A poética do espaço,
1957) e A flamme d’une chandelle (O lume de uma candela, 1961).

Em opinião de Bachelard, o que os existencialistas dizem a respeito do absurdo ou carência


de sentido do mundo é um exagero ilegítimo. Verdadeiro que as hipóteses e teorias científicas
são criação de nossa mente; mas à ciência é-lhe necessária a comprovação empírica ou
experimental, e o fato innegable de que no desenvolvimento do conhecimento científico se
combinam e complementam a razão e a experiência não permite sustentar que o mundo seja de
seu completamente ininteligible e que a inteligibilidad não seja mais que uma imposição mental.
Agora bem, considerando a natureza e o curso deste se combinar a razão e a experiência, vemos
que não pode ser dito propriamente que o progresso científico seja um contínuo avanço no que
a razão não faça mais que ir alargando o coerente sistema do saber já adquirido. Alguns filósofos
dão-se por satisfeitos com sentar uns primeiros princípios e interpretar logo a realidade como
ejemplificación ou cumprimento dos mesmos, a encerrando assim no enquadramento de umas
concepções prévias. Ao material que não encaixe bem nesse enquadramento tais pensadores
poderão o considerar sempre pouco significativo ou ilustrador da natureza contingente, e até
irracional, do dado. Sua filosofia não passa de ser “uma filosofia do filósofo”[789] e tem pouco
que ver com a ciência. No aumento do conhecimento científico é um rasgo essencial a
descontinuidade. Novas experiências forçam-nos a dizer “não” a velhas teorias, e o modelo de
interpretação que fica velho o temos de substituir com outro novo. Inclusive pode que tenhamos
que mudar conceitos ou princípios que até então parecia básicos. A mentalidade genuinamente
científica é uma mentalidade aberta. Nunca pretenderá, por exemplo, recusar a mecânica
cuántica e seu reconhecimento de algum grau de indeterminismo simplesmente porque não
encaixe em uma malha sacrosanto. Pode que tenha que negar uns enquadramentos conceptuais
em favor de outros novos, embora naturalmente também estes estão expostos a que lhos negue
no futuro. A filosofia da ciência deve ser pluralista, aberta à diversidade de focagens e
perspetivas. O velho ideal racionalista deductivo de Descarte e outros está hoje desacreditado e
é insostenible. A razão tem de seguir à ciência. Isto é, deve aprender as várias forma que há de
razonar vendo seu funcionamento nas ciências.[790] “A doutrina tradicional de uma razão
absoluta e sem mudanças é só uma filosofia. É uma filosofia periclitada, rematada.”[791]

Em seu Philosophie du non, Bachelard não entende, desde depois, pelo “não” uma mera
negación, A nova física, por exemplo, não nega simplesmente ou cancela a física clássica, senão
que dá novos significados aos conceitos clássicos, os interpretando em um novo contexto. Mais
que simples rejeição, a negación é uma rejeição dialéctico. Ao mesmo tempo, insiste Bachelard
na descontinuidade, na ruptura conceptual e na “trascendencia” com respeito aos níveis
anteriormente estabelecidos. Por exemplo, a representação científica do mundo trasciende sua
representação precientífica. Há uma ruptura entre a consciência ingênua e a consciência
científica. Mas dentro da ciência mesma há também rupturas. Por exemplo, a ciência era em
outro tempo uma espécie de sentido comum organizado, que se ocupava ou bem de objetos
concretos ou bem de objetos que reuniam as coisas concretas do sentido comum o bastante como
para as fazer imaginables. Mas com a chegada das geometrias não euclidianas, de teorias do
mundo expresables tão só matematicamente e de conceitos de “objetos” que já não são coisas
imaginables como as do sentido comum, a ciência passou a se ocupar, segundo Bachelard, de
relacionamentos mais que de coisas. Olhando para além das coisas e dos objetos imediatos, a
ciência busca hoje relacionamentos matematicamente formidáveis, E com isso teve aqui local
uma “desmaterialização do materialismo”.[792] Na focagem realista o pensamento tende a
fosilizarse; mas a crise da descoberta obriga-lhe a entrar em um processo de abstração que é
possibilitado pelas matemáticas. Surge assim um mundo científico que não é já comunicable à
mente não científica e que dista muito não só do mundo da consciência ingênua senão também
daquele mundo imaginable da ciência de antanho.

A atividade criadora da mente se ejemplifica, insiste Bachelard, tanto na obra da razão


científica como na da imaginação poética, se podendo descobrir, em sua opinião, suas raízes por
médio do psicoanálisis. Mas embora a ciência e a poesia (ou a arte em general) manifestam a
atividade criadora da mente, fazem-no em diferentes direções. Na arte projeta o homem seus
sonhos, os produtos de sua imaginação, sobre as coisas, enquanto na ciência moderna a mente
trasciende ao sujeito e ao objeto para ir buscar relacionamentos matematicamente formidáveis.
Com respeito a esta esfera da razão científica, Bachelard está obviamente de acordo com
Brunschvicg tanto na rejeição de categorias e modelos fixos como na opinião de que a razão
chega a conhecer sua natureza a base de refletir sobre seu funcionamento real e sobre seu
desenvolvimento histórico. Para Bachelard, a natureza da razão revela-se, assim, pluriforme e
plástica ou cambiante. Mas se perguntamos por que a razão, em sua atividade criadora, constrói
o mundo da ciência, a resposta, embora Bachelard não a dá com clareza, será provavelmente
parecida à que dava Brunschvicg, ou seja, que a mente persegue a unificação. A insistencia na
descontinuidade, na revisabilidad e no caráter não definitivo dos conceitos, modelos e teorias
científicas não vai, realmente, na contramão disto. Pois Brunschvicg mesmo também não
considerava que ao homem lhe fosse asequible uma unificação ou assimilação completa e
definitiva do saber. Verdadeiro que os orçamentos e concepções marcadamente idealistas de
Brunschvicg estão ausentes do pensamento de Bachelard, mas à opinião deste último de que o
homem moderno está projetando ou criando um mundo de relacionamentos extremamente
abstrato, no que se deixa atrás ou pelo menos se transforma o materialismo, não custaria muito
lhe dar, se se quisesse, um tom idealista.
Já fizemos notar o vivo interesse que recentemente mostraram alguns filósofos da ciência
francesa pelos temas epistemológicos. Neste campo os filósofos mencionados acima
manifestavam uma forte reação, por uma parte, contra o positivismo e, por outra, contra o ideal
cartesiano do conhecimento. Faziam questão da inventiva e a criatividade da mente e no caráter
aproximativo e revisable de sua interpretação da realidade. Duhem era um pouco a exceção. Pois
ainda estando bastante de acordo com o convencionalismo de Poincaré, se preocupou por separar
a ciência da ontología e a metafísica. Mas, geralmente falando, viu-se às ciências como a
corporeización do afã que sentia o espírito por compreender o mundo unificando os fenômenos.
E as ideias da inventiva e a criatividade da mente e do caráter essencialmente revisable das
hipóteses e teorias científicas estavam baseadas, como és óbvio, na reflexão sobre a história da
ciência. Dito com outras palavras, era o estado atual da ciência o que convidava a concluir que
a descrição puramente racionalista e deductiva das operações mentais e a maneira um tanto
ingênua como concebia Comte o conhecimento positivo ficavam desacreditadas por igual.
Ademais, filósofos como Brunschvicg e Bachelard viram claramente que nem o charuto
racionalismo nem também não o empirismo puro podiam proporcionar uma explicação
satisfatória da ciência tal como esta existe de fato. Quiçá inclinemo-nos a pensar que os filósofos
da ciência franceses foram demasiado “filosóficos”. Mas, em qualquer caso, eles trataram de
clarificar e explicitar suas posições filosóficas, embora não sempre o conseguissem em um grau
muito conspicuo.
Capítulo XIV
Filosofia dos valores, metafísica, personalismo.

1. Observações gerais.

Mal é necessário dizer que, em uma ou outra forma, a filosofia moral foi um rasgo
prominente do pensamento francês desde a época da Renascença. Ainda o mesmo Descarte, cujo
nome vai associado antes de mais nada com a metodologia, a metafísica e a consideração do
mundo como uma máquina, fez questão do valor prático da filosofia e planejou coroar com uma
ciência da ética. No século XVIII, os filósofos da Ilustração trataram de fazer com que a ética
sustentasse-se por si mesma, isto é, aparte da teología e a metafísica. No século XIX os temas
éticos ocuparam um local muito destacado nos escritos de positivistas como Durkheim,
espiritualistas como Guyau e Bergson[793] e pensadores que, como Renouvier, seguiram a
orientação neocriticista. Mas, apesar desta tradição de pensamento ético, a filosofia dos valores
entrou a cena na França relativamente tarde se tem-se em conta quando aparecia na Alemanha.
E entre os franceses tropeçou ao princípio com algumas suspicacias e resistências.
Evidentemente, a concepção do bem e dos fins desejáveis era já bastante familiar, e os filósofos
se tinham ocupado dos ideais morais tanto como da verdade e da beleza. Em um sentido, a
discussão ética incluiu sempre um tratamento dos valores. Mas também é verdadeiro que os
filósofos franceses da moral tendia a centrar sua atenção nos fenômenos éticos os tomando como
um ponto de partida empírico ou dado para a reflexão; e albergavam-se algumas dúvidas a
respeito da utilidade da análise abstrata dos valores, especialmente assim que que este tipo de
linguagem sugeria a ideia de umas essências subsistentes “fosse deste mundo”. Ademais, a
filosofia explícita dos valores tal como a praticavam Max Scheler e Nicolai Hartman estava em
conexão com a fenomenología, que se desenvolveu na Alemanha e ao princípio teve escasso
acolhimento na França.[794] Tinha também, desde depois, a discussão dos valores por Nietzsche,
Mas durante bastante tempo na França se lhe considerou a Nietzsche mais como poeta que como
filósofo.

Desde um ponto de vista fenomenológico pode ser sustentado razoavelmente que os valores
são reconhecidos ou descobertos. Pense-se, por exemplo, no caso de quem julga que o amor é
um valor, algo valioso, que tem de ser estimado, enquanto, pelo contrário, o ódio não é nada
disto. Muito bem pode ser dito que a atitude de tal pessoa é uma atitude de reconhecimento ou
visão do amor como um valor e do ódio como um disvalor ou antivalor. Seja qual for sua teoria
dos valores, cabe argüir que, assim que entra em jogo sua consciência imediata, o amor se impõe
a sua mente como um valor. De maneira parecida, desde o ponto de vista fenomenológico é
razoável falar de reconhecimento ou descoberta ao referir à verdade e à beleza consideradas
como valores. Em outras palavras, nossa experiência dos valores dá fundamento ou base à
concepção dos valores como objetivos e trascendentes, isto é, não dependentes tão só da eleição
que deles faça a cada um de nós. Tem de ter local, sem dúvida, para diferentes e até
incompatíveis julgamentos de valor, mas sempre cabe que nos refiramos, como alguns
fenomenólogos o fizeram, à possibilidade de uma cegueira para os valores e de que se dêem
vários graus de penetração intuitiva no campo dos valores. E estas ideias são aplicáveis às
sociedades e aos indivíduos. Agora bem, desde um ponto de vista ontológico ou metafísico,
parece absurdo, pelo menos à maioria da gente, conceber os valores como existentes em algum
etéreo mundo que lhes seja próprio. Claro está que a palavra “existir” podemos a substituir com
a de “subsistir”, mas é harto dudoso que esta mudança verbal melhore realmente a situação. Se
desejamos, pois, afirmar a objetividad dos valores, e se ao mesmo tempo não queremos fazer
nossa a opinião de que universais como o amor, a verdade ou a beleza possam existir ou
“subsistir” em um platónico mundo seu próprio, teremos que optar por uma destas duas posturas;
Ou considerar os valores como umas qualidades objetivas que se acrescentam a outras
qualidades das coisas e das ações, ou tratar de elaborar alguma metafísica geral que nos permita
falar da objetividad dos valores sem nos comprometer por isso a admitir que exista nenhum
mundo de essências universais subsistentes.

Quiçá pareça bem mais singelo negar em redondo a objetividad dos valores, se entende-se
que esta objetividad implica que os valores têm um estatuto ontológico próprio, já como
substâncias etéreas, já como qualidades objetivas de coisas, pessoas, ações. Isto é, quiçá pareça
bem mais singelo, e também mais sensato, jogar todo o peso sobre o julgamento de valor ou ato
de avaliação e manter, por exemplo, que quando se afirma que a beleza é um valor o único que
se expressa é o ato de atribuir valor a coisas ou a pessoas belas. Em outros termos, podemos
manter que somos os seres humanos quem criámos os valores mediante nossos atos de avaliação
ou atribuição de valor, que os valores dependem da vontade e da livre eleição humanas e a estas
têm de se referir.

Se adotamos esta linha de pensamento, temos que explicar de alguma maneira a impressão
ou o sentimento de que os valores os reconhecemos ou descobrimos. Pois este sentimento parece
ser um dado da consciência. Podemos tratar de explicá-lo referindo-o ao influjo da consciência
coletiva, segundo concebeu-a Durkheim, sobre a consciência individual. Ou, se preferimos falar
só em termos de indivíduos, poderíamos adotar uma linha de pensamento representada por Sartre
e considerar os diferentes julgamentos de valor dos indivíduos como determinados por um projet
original ou um ideal operativo básico.

Deixando aparte, pelo momento, não só o existencialismo de Sartre, do que mais adiante nos
ocuparemos, senão também a quem trataram de fundamentar metafisicamente os valores,
prestemos atenção primeiro a Raymond Polin, filósofo que discutiu várias teorias e posições
axiológicas para acabar se inclinando ele mesmo do lado antiobjetivista.

2. R. Polin.

Raymond Polin nasceu em 1910. Após estudar na Escola Normal e obter o doctorado em
letras, ensinou filosofia primeiro em vários liceos, como o Liceo Condorcet de Paris, e depois
foi professor de ética na Universidade de Lille. Em 1961 passou a ensinar na Sorbona. Entre
suas publicações citaremos A création dê valeurs (A criação dos valores, 1944), A
compréhension dê valeurs (O entendimento dos valores, 1945), Du laid, du mau, du faux (Sobre
o feio, o mau e falto-o, 1948) e Ethique et politique (Ética e política, 1968). Polin publicou
também obras sobre Hobbes e Locke.[795]

A fenomenología — afirma Polin — parece brindar o “método mais adequado ao estudo dos
valores”,[796] pois, para a consciência que os pensa ou concebe, os valores coincidem com seu
significado (signification). Polin propõe-se seguir duas etapas: A primeira será uma redução
fenomenológica que dê acesso à consciência axiológica pura (à consciência do valor) tendo em
vista definir a essência dos valores, e a segunda, um movimento de libertação, isto é, que liberte
à mente tanto da pressão exercida pelos valores recebidos como da influência de todas as teorias
do valor existentes. Em outras palavras, quer abordar a questão de um modo novo e sem
preconceitos. A mente tem de pôr-se em posição neutra com respeito a qualquer hierarquia de
valores determinada e com respeito a todas as teorias existentes. Tem de prescindir de toda
autoridade, incluída a da sociedade.

Como Polin se refere com frequência a “os valores”, isto é, dado que emprega este termo,
talvez se loja a concluir que para ele há um reino de essências que possuem algum tipo de
existência própria ou às que se tem de supor um fundamento ontológico ou metafísico. Por
verdadeiro que o subtítulo de sua obra sobre a criação dos valores é: Recherches sul lhe
fondement de l’objectivité axiologique (Investigações sobre o fundamento da objetividad
axiológica). No entanto, já fizemos notar que, segundo ele, um valor coincide com sua
significação para a consciência que o pensa. Tem, portanto, objetividad intencional no sentido
de que é uma realidade o ato de pensar ou conceber um valor-significação. Mas o valor não
existe, em realidade, como objeto “exterior ao aqui”, independentemente do sujeito que o pensa.
Quanto a encontrar um fundamento para os valores diferente do ato da avaliação, já se vê que
teria que ser diferente dos valores mesmos (se tivesse de lhes servir de base) e, ao mesmo tempo,
teria que estar em relacionamento inteligible e necessária com os valores que fundasse. Mas,
como pode ter um relacionamento necessário entre um valor e o que não é valor? Ou, para
expressar de um modo diferente e mais familiar, como um enunciado factual pode implicar um
julgamento de valor?

De fato, a maneira como fala Polin dos valores é algo equívoca. O que a ele lhe interessa em
realidade é o ato de avaliação, pelo que se constituem os valores. E opina que a avaliação não
pode ser entendido aparte do conceito de ação humana. A “busca fenomenológica da essência
dos valores” é vã e fútil, a não ser que constitua a introdução a uma filosofia da ação.”[797] A
ação humana pressupõe e expressa a avaliação, que é um ato do sujeito livre. Leste, o sujeito
livre, ultrapassa ou trasciende o empiricamente dado, criando seus próprios valores com vistas
à ação. Os valores criados têm, desde depois, certa exterioridad, no sentido de que são os objetos
de uma consciência intencional e teleológica. Mas é um erro pensar que tenha uma realidade
axiológica ou um reino de valores aparte da consciência que os cria. A única realidade dada é a
realidade empírica; mas esta é avaliada em relacionamento à ação. O fundamento dos valores é
o autotrascenderse do sujeito criador. E esta é a única base que os valores têm ou requerem.

Por conseguinte, segundo Polin os valores não são objetos reais “exteriores ao aqui” e como
em espera de ser conhecidos. Pelo contrário, há uma irreductible distinção entre o conhecimento
de coisas, no que a consciência “não ética” é absorvida no objeto, e a consciência axiológica,
que trasciende o dado e cria o “irreal”. Em outras palavras, não devemos confundir verdade e
valor. “A verdade não é um valor”,[798] e não deveríamos falar da verdade dos valores. Em
mudança, sim que há uma verdade da ação. Isto é, enquanto a verdade teórica se atinge pela
conformidade do pensamento com a realidade, a verdade na ação se consegue ao se conformar
a realidade (a obra) criada por essa ação “com o projeto e a intenção axiológicos”. [799]
Conhecemos um fato quando nosso pensamento é conforme a um estado de coisas objetivo. Em
mudança, dentro da esfera da ação, a verdade consiste na conformidade entre o que fazemos ou
levamos a cabo e nossa intenção valorante. E não é isto todo o que há que dizer. Pois mediante
sua ação o homem não só cria sua obra, senão que se cria também a si mesmo. “É por isso que
a verdade da ação abarca a totalidade da obra e a seu criador. Tal verdade é, ao mesmo tempo, a
obra e o homem que realiza esta.”[800]

Com seu insistencia em que é o homem quem cria livremente os valores se mantém Polin na
linha do pensamento nietzscheano. E neste e em algumas outras feições, como em sua opinião
de que mediante o processo da avaliação e a ação se cria o homem a si mesmo, é óbvio que se
acerca a Sartre. Mas que é o que faz Polin — podemos perguntar — com a feição social da
moralidad? A seu parecer, “a ação é social por sua essência, por seu objeto e por suas condições;
é inconcebível sem a presença do outro”.[801] Isto significa que os valores, como expressão de
uma vontade criadora, tendem a se converter em norma; e as normas, em tanto universalizables,
são essencialmente sociais. Mais ainda, enquanto os valores (as avaliações) são pessoais e não
podem ser impostos, as normas sim que podem ser impostas por outros. Em uma sociedade, por
exemplo, um grupo pode aceitar certas normas e tratar de impor pela força sua aceitação a alguns
de seus membros ou a outros grupos. Então as normas convertem-se em valores anquilosados,
estáticos, e podem ser aceitado só servilmente ou porque a gente busca antes de mais nada uma
mínima segurança ou não se atreve a tomar decisões pessoais, as quais são sempre aventuradas,
já que significam ir para além do dado, trascender a experiência. Por outra parte, os valores
podem ser apresentado também não como normas constrictivas, regras ou mandamientos, senão
como atrayentes telefonemas. A seu criador os valores podem parecer-lhe ideais ou fins
atraentes, e o mesmo podem-lhes parecer aos demais. “O mandamiento é substituído por um
telefonema.”[802] Com o que o criador “deve seu domínio sobre os outros simplesmente à
influência dos valores que ele cria”.[803] Nesta linha de pensamento quiçá possa ser visto algo
bem como uma variante do tema bergsoniano da moral fechada e a moral aberta.

Em sua análise das “atitudes axiológicas” começa Polin examinando o que ele descreve
como a atitude contemplativa: aquela em que o sujeito concebe a trascendencia não na forma de
ação humana criadora senão na de um “ser estático dado: o trascendente”.[804] Os valores são
concebidos não como entidades “irreales” que só se realizam mediante a ação humana senão
como realidades que existem independentemente do homem. Admite Polin que, assim
concebidos, os valores podem proporcionar um “modelo de uma atividade humana perfeita”,[805]
mas, como objetos de contemplação, opina que “não dão origem a nenhuma ação eficaz”,[806]
Um valor não é, digamos, um momento no processo ou ciclo total da ação humana, senão mais
bem um objeto de contemplação separado que existe ou, se se prefere, subsiste
independentemente da consciência humana.

Polín não compartilha, por suposto, esta atitude axiológica. E é provável que à maioria de
nós se nos faria difícil aceitar uma teoria que postulara a existência de um mundo de valores-
essências subsistentes, aceitar que tivesse em realidade uns universais subsistentes além das
coisas individuais e concretas. Ao mesmo tempo cabe sustentar, como já fica anotado, que desde
o ponto de vista fenomenológico se dá, efetivamente, a experiência do reconhecer ou descobrir
valores. Ou seja, que há uma experiência que parece exigir o emprego de tais termos. E ainda
que decida-se evitar o envolvimento literal de um termo como “descoberta”, a saber, o
envolvimento de que tenha uma realidade preexistente que espere a ser descoberta, toda teoria
dos valores que pretenda ser adequada deverá atender em qualquer caso ao tipo de experiência
que propicia o uso de termos potencialmente desorientadores. Por isso é muito compreensível
que a alguns filósofos não lhes contente nenhuma teoria que interprete os valores simplesmente
como livres criações do sujeito individual, e embora em alguns casos suponha retroceder um
pouco na ordem cronológica, convém que consideremos aqui brevemente as posições de duas
ou três filósofos franceses que tentaram engarzar uma teoria dos valores em uma metafísica
geral.

3. A metafísica dos valores: R. Lhe Senney a filosofia do espírito.

Um nome que vem em seguida às mente em conexão com isto é o de René Lhe Senne (1882-
1954). Discípulo de Hamelin na Escola Normal, Lhe Senne ensinou nos liceos de Chambéry e
Marselha, e depois em Paris, chegando a ser professor de filosofia moral na Sorbona em 1942.
Junto de seu amigo Louis Lavelle, fundou e editou a série intitulada Philosophie de l’esprit
(Filosofia do espírito), publicada em Paris por Aubier. Entre suas obras mencionaremos sua
Introduction à a philosophie (Introdução à filosofia, 1925, edição revisada e aumentada em
1939), sua tese doctoral titulada Lhe devoir (O dever, 1930, segunda edição 1950), Obstacle et
valeur (Obstáculo e valor, 1934), um tratado geral de ética (Traité de morale génerale, 1942),
uma obra sobre caracterología (Traité de caractérologie, 1945), A destinée personnelle (O
destino pessoal, 1951), e a obra publicada postumamente com o título da découverte de Dieu (A
descoberta de Deus, 1955).

Em um ensaio titulado A philosophie de l’esprit,[807] diz Lhe Senne que seguir o


desenvolvimento da filosofia francesa desde Descarte até Hamelin, ou inclusive até Bergson, é
compreender a fecundidad do cartesianismo.[808] Desde verdadeiro ponto de vista, esta
afirmação quiçá pareça rara. Não há efetivamente, podemos perguntar, uma diferença muito
grande entre o racionalismo de Descarte, com seu modelo matemático do razonar e sua apelação
às ideias claras e diferentes, e o apelar de Bergson à intuición e sua filosofia da duração e do
impulso vital? Mas nem que dizer tem que Lhe Ser me se dá muito bem conta destas diferenças.
Ao referir à continuidade entre o pensamento de Descarte por um lado e os movimentos
espiritualista e idealista da filosofia francesa do século XIX por outro, não está pensando no
modelo matemático de Descarte nem em que este pensava que o mundo material era uma
máquina, senão no énfasis com que fez questão do eu pensante e ativo e no relacionamento que
afirmou que se dá entre o eu e Deus. Ou seja, que no que Lhe Senne está pensando é nos
elementos do cartesianismo que se conservaram e desenvolveram na linha de pensamento que
se iniciou com Maine de Biran mas que foram ameaçados pelo positivismo em suas diversas
forma e por certas feições da civilização tecnológica. É óbvio que Lhe Senne faz um julgamento
de valor sobre o que constitui a autêntica filosofia. E um rasgo característico da autêntica
filosofia é, em sua opinião, que trasciende a atitude empirista inicial do sentido comum, atitude
que “leva ao realismo e até ao materialismo”,[809] e descobre o eu como aquilo que pensa o
mundo objetivo e é consciente de si. No entanto, nesta linha de pensamento dá-se uma dialética
ou um diálogo entre o intelectualismo ou racionalismo idealista por uma parte e, por outra, a
oposição a que se reduza a existência ao pensamento. Como contrarrestando a Descarte, Pascal
e Malebranche combinam em sua filosofia as demandas do cartesianismo com a inspiração
agustiniana. De Condillac prove Biran, mas este reage contra aquele. A começos de nosso século
continua-se o diálogo entre Hamelin e Bergson.[810] Estes dois filósofos “mantiveram com a
mesma fidelidade o ideal de um conhecimento que busca a razão ou a única e indivisible fonte
de todo o que é e é pensado”.[811] Quanto ao existencialismo francês, Lhe Senne acha, segundo
era de esperar, uma grande diferença entre a filosofia de orientação religiosa e “otimista” de
pensadores como Marcel e o existencialismo “negativo” e “pessimista” de Sartre.[812]

Como podia ser esperado de um filósofo influído por Hamelin, no pensamento de Lhe Senne
há evidentes elementos idealistas. Afirma, por exemplo, que “a célebre fórmula de Berkeley,
Esse est percipi vel percipere (Ser é ser percebido ou perceber), é falsa só assim que que abarca
pouco. Perceber, pensar abstratamente, sentir, querer, amar, ter pressentimentos, desagradar-se,
e assim sucessiva e inacabablemente, de maneira que não se ignore nenhuma experiência do
espírito, isso é a realidade e o total da realidade”.[813] Mas Lhe Senne acrescenta uma nota para
explicar que, embora ele nega que a matéria seja em si mesma uma coisa, no sentido de que
exista independentemente de todo espírito, não quer dizer com isso que a matéria não tenha
nenhuma realidade. Existe só em relacionamento ao espírito, mas neste relacionamento a matéria
é real e funciona “às vezes como obstáculo, às vezes como suporte, com respeito à ação e à
contemplação”.[814] Em outras palavras, a matéria existe só em relacionamento ao espírito, e
com respeito ao espírito humano pode funcionar ou como um estorvo ou como uma ajuda para
o cumprimento da vocação espiritual.

A pergunta surge espontânea: Que entende Lhe Senne por espírito? Comecemos pelo espírito
humano. “Quando afirmo que eu sou um espírito, quero dizer que me distingo a mim mesmo
das coisas pela consciência que tenho correlativamente delas e de mim, que as múltiplas
determinações e qualidades com que eu decoro o espaço e o tempo me são acessíveis somente
em razão de uma envoltura cujo centro sou eu.”[815] Agora bem, esta envoltura é uma síntese
ativa. “Direi, pois, do espírito, tal como o capto em mim, que é uma dinâmica unidade de
vinculação (liaison), no mais amplo sentido deste termo, a tenor da qual o distinguir e o excluir
seguem sendo ainda unir.”[816] Mas o que eu capto em mim, segundo Lhe Senne, não é mais que
um reflexo finito do espírito em si, definible como “a unidade operativa de um relacionamento
atuante (une relation em exercice), interior a si, entre si mesmo como Espírito infinito e a
multidão dos espíritos finitos”.[817] Dito com outras palavras, o Espírito absoluto é um e muitos.
Pode conceber-lho como “o relacionamento entre si como um e, portanto, como ilimitado, e ele
mesmo como muitos; ou seja, resumindo, como a união de Deus [...] e a consciência finita”.[818]
Ao distinguir-se do não-eu e dos outros yos, o espírito finito experimenta limites e obstáculos.
Não pode conseguir uma síntese omnicomprensiva. Esta só é realizada no Espírito infinito e
através dele, que é ao mesmo tempo diferente do espírito finito e inmanente a este e inseparável
dele. O espírito, no sentido mais geral, é o relacionamento entre os dois termos, Deus e o eu
finito.

Nesta filosofia do espírito parece ter certa tensão entre o idealismo absoluto e o teísmo que,
sem dúvida, Lhe Senne aceita. Seja o que for disso, seu metafísica espiritualista forma o
ambiente para sua teoria dos valores. Lhe Senne vê o espírito humano como orientado ao valor.
“Aquilo que é digno de ser buscado, é o que todo mundo chama valor.”[819] Esta afirmação de
que o valor é aquilo que é digno de ser buscado, indica que, para Lhe Senne, o valor não é
simplesmente uma criação da vontade humana. Por outra parte, um valor que não fosse valioso
para ninguém não seria valor. “Embora não existe pelo sujeito, é para o sujeito.”[820] O
reconhecimento do valor une às pessoas, e “só para elas pode ter significado o valor”. [821] Do
qual não se segue, naturalmente, que todo mundo faça os mesmos julgamentos de valor, nem
que todos os seres humanos tenham a mesma escala de valores. A uma pessoa poderá parecer-
lhe que o mais importante é o valor estético da beleza, enquanto a outra lhe parecerá o mais
importante o valor moral ou o da verdade. Mas a busca do valor desempenha um papel central
na constituição da personalidade, e aos seres humanos une-lhes um comum reconhecimento dos
valores. Isso é óbvio, por exemplo, no que atañe à verdade e ao amor. Tal reconhecimento
implica a trascendencia dos valores, no sentido de que estes não dependem simplesmente da
decisão arbitrária do homem; mas são para o homem, no sentido de que não são valores senão a
condição de que o homem possa lhos apropriar, pelo dizer assim, na experiência e realizar na
vida.

Lhe Senne admite, pois, que há uma pluralidad de valores. O valor moral, que ele liga com
a ideia do fazer segundo o dever ou a obrigação moral, não é o único valor. A verdade, a beleza
e o amor, são também valores. Imaginemos, por exemplo, a uma mãe que realizasse com respeito
a seu filho as ações que costuma inspirar o amor mas fizesse assim só e exclusivamente por um
sentido de obrigação moral, “Seria uma mãe moral; mas seria falso dizer que amava a seu
filho.”[822] Porque no amor entra necessariamente o coração. Nenhum valor pode ser identificado
com uma coisa particular. O valor estético da beleza, por exemplo, não é identificable com esta
ou aquela realidade empírica das que dizemos que são belas. No entanto, isto não tira que tenha
diferentes valores, irreductibles uns a outros ou a um determinado valor “cardinal” tal como o
valor moral ou a verdade ou a beleza, embora positivos, os valores têm também uma feição
negativa. Um valor particular existe somente em oposição a um correlativo não-valor. Assim o
amor se opõe ao ódio; a valentia só tem significado em oposição à covardia; a verdade é
correlativa à falsidade; e assim sucessivamente. Ademais, um valor particular pode excluir a
outro, de maneira que tem de se dar preferência ao um ou ao outro. Lhe Senne não trata, empero,
de unificar os valores em termos de uma hierarquia sistematicamente graduada de valores
particulares.[823] Busca o princípio da unidade no valor absoluto, “um e infinito”.[824] Todos os
valores particulares são para ele relativos e fenoménicos. São as maneiras de aparecer à
consciência humana ou de mediarse para nós o valor puro ou absoluto. Leste, o valor absoluto,
não é o membro supremo de uma hierarquia. Trasciende e ao mesmo tempo fundamenta todos
os valores particulares. Os quais constituem para nós os fenômenos ou aparências do Absoluto,
que, sendo sua fonte, é também inmanente a eles.[825] O destino ou a vocação do homem é “uma
exploração orientada para o valor que é idêntico ao absoluto”.[826] O homem experimenta o
valor “em uma situação histórica dada”;[827] mas pode trascender essa situação determinada e
conceber o valor abstratamente. Também pode trascender os valores particulares dirigindo para
o valor absoluto; mas a este só o descobre através de suas aparências, de modo que o valor é
essencialmente “uma unificação relacional entre sua força, que é independente do eu, e o
eu”.[828] Realizando valores particulares tais como a verdade ou o amor, consegue o homem em
sua vida a personalidade autêntica e participa do valor absoluto, enquanto este se acha no meollo
essencial de todo valor relativo.
Em um bilhete afirma Lhe Senne que “o valor é o conhecimento do Absoluto”.[829] Em outro
sítio diz que o Absoluto é em si mesmo valor puro e infinito. E como o valor infinito tem de
conter de um modo eminente o valor da personalidade, ao Absoluto “deve lhe lhe chamar
Deus”.[830] Daí que Lhe Senne possa pôr ao capítulo VIII de sua Introdução à filosofia o título
de “O Valor ou Deus”, dando por suposto que os dois termos são sinónimos. Fica aberto à
discussão se estes vários modos de falar são ou não armonizables. Já apontámos, efetivamente,
a afirmação feita por Lhe Senne de que um valor que estivesse completamente fechado em si,
sem poder ser um valor para ninguém, não seria um genuíno valor. Compréndese pois que, se
fala de valor, inclusive do valor absoluto, o faça nos termos de um relacionamento. Mas esta
maneira de falar parece que quadra melhor com a visão do Absoluto mesmo como relacional,
como compreendendo os dois termos correlativos do Espírito infinito e do espírito finito, e não
com a teoria da trascendencia divina que também defende Lhe Senne.

A teoria do valor criada por Lhe Senne traz-nos/trá-nos a mente-as o platonismo, pelo menos
se estamos dispostos a identificar o Bem absoluto da República com a Beleza em sim do
Simposio e com o Um do Parménides, consistindo então a diferença em que o valor absoluto de
Lhe Senne se identifica ademais com o Deus pessoal da religião cristã. E a não ser que nos
inclinemos a eliminar toda metafísica como carente de sentido, é de supor que podemos nos
fazer alguma ideia do que Lhe Senne quer dizer. Sustenta, por exemplo, que há uma trascendente
Realidade divina que se revela não só no mundo físico segundo este é experimentado pelo
homem, senão também no mundo axiológico ou mundo dos valores, o qual constitui um dos
elementos de que consta a experiência. Mas embora a teoria dos valores de Lhe Senne é, sem
dúvida, religiosamente edificante, e embora possamos formar-nos/formá-nos uma ideia geral de
seu significado, são muitas as perguntas às que não se dá nela respostas muito claras. Por
exemplo, como analisaria Lhe Senne o julgamento de valor? Pois está claro que não aceitaria
uma análise que o interpretasse simplesmente como a expressão dos sentimentos ou atitudes
emotivas ou desejos do homem. Já que, a seu parecer, o valor não é nem simplesmente
psicológico nem simplesmente metafísico, senão psicometafísico.[831] É possível que sustentasse
algo bem como que o afirmar que uma coisa é bela equivale a dizer que participa da Beleza e,
portanto, que reflete o Absoluto de um modo limitado e finito. Mas a metafísica da participação
é de seu questionável, como Platón o sabia muito bem.

4. R. Ruyery J. Pucelle.

Na filosofia francesa recente há, por suposto, outras tentativas de integrar uma teoria dos
valores em uma visão geral do mundo. Mencionemos, por exemplo, a Raymond Ruyer,[832] cuja
faz O consciente et lhe corps (A consciência e o corpo, 1937) significou um abandono de sua
anterior focagem mecanicista e o desenvolvimento de uma teoria segundo a qual todo ser
manifesta uma atividade teleológica. Isto é, a subjetividad ou a consciência acha-se presente a
todos os seres, embora só a verdadeiro nível emerge a distinção entre sujeito e objeto. Em todo
ser, pois, sua atividade na esfera espaço-temporal[833] vai dirigida a um fim, embora só ao nível
do homem se dá verdadeira consciência de valores pertencentes a um reino axiológico que
trasciende o espaço e o tempo. O significado da atividade de um ser não pode ser entendido sem
referência ao reino dos valores; mas só ao nível do homem surge tal entendimento reflexivo.
Ruyer dedicou estudos especiais à teoria dos valores: Lhe monde dê valeurs (O mundo dos
valores, 1948) e Philosophie da valeur (Filosofia do valor, 1952). Trata de unificar o mundo
fenoménico do espaço e o tempo e o mundo da subjetividad e dos valores na ideia de Deus,
concebido como a fonte ultima de toda a atividade que se produz no mundo e como a perfeita
unidade cualitativa de todos os valores, como seu ponto de convergência.

A filosofia de Ruyer é, em certa medida, uma revivificación de algumas diretrizes do


pensamento de Leibniz. Passando a ocupar-nos/ocupá-nos de Jean Pucelle, professor da
Universidade de Poitiers,[834] encontramo-nos com uma focagem da temática dos valores que
parece representar ao mesmo tempo uma reação contra a teoria existencialista dos valores como
criação do indivíduo[835] e um desejo de evitar toda teoria objetivista que postule uns valores
como entidades existentes aparte, independentemente da consciência. Ademais, a Pucelle
interessa-lhe integrar os conceitos de valor e de norma, em vez de separá-los cortantemente à
moda de quem tendem a considerar as normas como obstáculos estáticos que impedem a
liberdade. Verdadeiro que as normas pertencem à esfera jurídica, e que se a conduta humana
estivesse ditada só por normas e regras, degeneraria em legalismo. Mas também é verdade que
as normas resultam do reconhecimento de valores e servem de condição ou matriz para o
exercício da liberdade criadora.

Reconhece Pucelle que podemos distinguir entre o julgamento de fato e o julgamento de


valor. Mas faz questão de que “somente por abstração lhos distingue .[836] Isto é, em sua opinião,
nenhum julgamento factual concreto está inteiramente livre de elementos evaluativos. A origem
do julgamento de valor vê-o no relacionamento sujeito-objeto, no sentido de que pressupõe tanto
o desejo do objeto como um distanciamiento (détachement) do eu com respeito ao objeto, com
o que o realmente desejado se transforma no desejável. E esta transição do desejo sentido ao
julgamento de valor, na que, por assim o dizer, o eu se afasta do objeto, deixa livre o campo para
a avaliação. Os valores ideais elevam-se envelope a base da intersubjetividad. O reconhecimento
do valor do amor, por exemplo, pressupõe que há amor real entre as pessoas. O valor ideal está
claro que não é uma coisa que exista aparte; mas é objetivado para a consciência no julgamento
de valor. Temos que evitar os extremos do subjetivismo puro por um lado e de um objetivismo
cosificador por outro, e temos de reconhecer que os valores são lhes relaciona. “A verdade é um
relacionamento privilegiado entre uns termos para, pelo menos, uma inteligência”,[837] embora
podemos ir mais longe e sustentar que a verdade só tem significação no contexto da
intersubjetividad. Em opinião de Pucelle, “os relacionamentos intersubjetivas são a fonte de
todos os valores”.[838] Alarga esta ideia para acolher “o telefonema de Deus e a resposta do
homem”[839] na tradição ética judeocristiana. Insiste também em que a axiología se tem de basear
em uma ontología, e introduz a ideia da presença do Ser e do consentimento do homem ao Ser.
Aqui parece acercar-se a Lhe Senne, vendo o fundamento último dos valores em um
relacionamento “teándrica”. Por exemplo, por ser o valor um relacionamento entre o Ser e os
seres é pelo que toda existência tem valor. E ao fato de que a presença do Ser possa ser buscada
ou desconhecida ou ignorada pelo homem é ao que se deve que nosso campo de visão evaluativa
resulte às vezes tão reduzido e fechado, a alguns filósofos não gostam que se escreva com de
maiúscula a palavra “Ser” nem que se fale da presença do Ser e do consentimento ao Ser.[840]
Mas, deixando isto aparte, poderia ser perguntado se, dado como interpreta Pucelle já
primeiramente o julgamento de valor, lhe é depois realmente necessário buscar um fundamento
metafísico dos valores. Ou é que se for o caso se trata, não tanto de se sentir obrigado a buscar
um fundamento fosse do mundo das pessoas humanas em seus recíprocos relacionamentos e nas
que as vinculam com seu meio, quanto de fazer com que o reconhecimento dos valores encaixe
em uma preexistente visão religiosa do mundo? Quiçá pudesse ser respondido que a reflexão
sobre uma experiência dos valores sugere, de seu, o complemento ou o enquadramento de uma
metafísica religiosa, a não ser que se recuse tal enquadramento por outros motivos. Mas aqui
não podemos prolongar a discussão destas questões.

A obra de Pucelle da que acabamos de citar alguns bilhetes está dedicada à memória de Louis
Lavelle e René Lhe Senne, cofundadores e editores da série titulada A filosofia do espírito. A
respeito de Lhe Senne como filósofo dos valores já dissemos algo. Consideraremos agora
brevemente a metafísica de Lavelle.

5. L. Lavelley a filosofia do ato.

Louis Lavelle (1883-1951) foi discípulo, em Lyon, de Arthur Hannequin (1856-1905), autor
de uma conhecida tese sobre a hipótese atômica[841] na que manteve que a ciência só conhece o
que ela cria e na que apelou à metafísica para superar o agnosticismo implícito nas concepções
científicas de inspiração kantiana e para descobrir a natureza da realidade. Posteriormente
Lavelle foi influído pelos escritos de Hamelin. A dizer verdade, em seu próprio pensamento
combinou numerosas influências. A mais destacada de todas foi a da tradição espiritualista
francesa; mas Lavelle esteve também aberto aos problemas propostos pelos existencialistas,
embora tratou de resolver de outra maneira que os filósofos afins a Sartre. Em 1932 confiou-se-
lhe a Lavelle uma cátedra de filosofia na Sorbona. Desde 1941 era professor do Colégio da
França. Foi um escritor muito fecundo.[842]

Em verdadeiro sentido, Lavelle retorna a Descarte e constrói seu metafísica sobre a base do
Cogito, ergo sum, sobre a consciência do eu. A consciência é um ato, e por este ato dou-me eu
o ser. Isto é, o ato de consciência é a génesis do eu. Não se trata de que pela consciência vinga
eu a contemplar um eu que está já aí. Trata-se, mais bem, de alumbrar ao eu na consciência e
pela consciência, em oposição ao não-eu. Dito com outras palavras: o eu se capta a si mesmo
como atividade, uma atividade que antes de mais nada se cria a si. Isto quiçá soe a absurdo.
Como — perguntaremos — pode o eu se trazer a si mesmo ao ser? No entanto, Lavelle faz
questão de que não podemos distinguir entre um eu: que dá consciência e um eu ao que a
consciência lhe é dada. O ser e o atuar são aqui idênticos. Esta identidade, que revela a natureza
do ser, se descobre, pois, na autoconciencia. E disso se segue que a focagem apropriada da
metafísica é o que se faz através da subjetividad, ou seja, refletindo sobre o eu como atividade
mais bem que mediante a reflexão sobre a multiplicidad dos fenômenos que o eu opõe a si
mesmo baixo a forma da exterioridad. Temos de recolher-nos/recolhê-nos, de voltar-nos/voltá-
nos para dentro, como se disséssemos, mais bem que para afora, quando o “para afora” se refere
ao mundo externo. “A metafísica baseia-se em uma experiência privilegiada, qual é a do ato que
me faz a mim ser.”[843]

No ato de consciência começo eu a ser consciente de que sou. Mas certamente não sou eu a
plenitude do ser. “O Ser ultrapassa ao eu e, ao mesmo tempo, o sustenta.”[844] Não há nem pode
ter realidade alguma, nem Deus, nem objetos externos fosse do Ser. O Ser é o todo do que eu
participo. A palavra Ser, com maiúscula, sugere de seu a ideia de um Um parmenídeo, e o fato
de que Lavelle, em De l ’être, faça questão do caráter universal e unívoco do Ser, tende a apoiar
esta ideia. Mas já temos visto que em De l ’acte arguye que na autoconciencia eu capto o ser
como ato, que é a “interioridad do ser”. De modo que o Ser com maiúscula, o Todo do que eu
derivo minha existência e no que eu participo, tem que ser Ato puro e infinito. “O Ser não existe
em frente a mim como um objeto imóvel que eu trate de atingir. Está em mim pela operação que
me faz a mim me dar o ser.”[845] O Ser é Ato infinito, Espírito infinito; mas é ao mesmo tempo
a causa inmanente de todos os yos finitos, lhes dando o ato pelo que eles se constituem. Quanto
ao não-eu, à realidade externa do mundo, tem de ser, em última instância, correlativa ao Ato
puro como Eu infinito. Mas o mundo vem a ser para mim, meu mundo surge só em correlação
comigo como sujeito ativo. Verdadeiro que eu me acho em um mundo, o qual é para mim algo
dado. Ele é, em verdade, a condição para que tenha uma pluralidad de yos. O eu vem ao ser só
em correlação com um mundo ao que o eu dá sentido a base de suas ideias, suas valorações e
sua atividade; mas dizer isto isto é que, ao me dar o ato pelo que eu venho a ser um eu, um
sujeito pessoal, o Ato puro me dá também o mundo como um dado. Em outras palavras, para
Lavelle o mundo tem de ser correlativo a um eu ativo, a uma consciência pessoal. Não há mundo
algum que seja independente de toda consciência, mas disso não se segue que o mundo seja mera
fantasmagoría. É, ao mesmo tempo, a condição para a pluralidad de sujeitos conscientes finitos,
o campo da atividade destes e o instrumento de mediação entre as consciências, e, portanto, a
base da sociedade humana. É também o “intervalo” entre o Ato puro e o ato participado.
Trascendiendo os limites e os obstáculos interpostos pelo mundo é como a pessoa humana
cumpre seu destino ou vocação e tende a realizar ao nível da consciência sua unidade com o Ato
infinito.

A qualquer leitor que conheça bem o idealismo alemão lhe chamarão provavelmente a
atenção as semelhanças que se advertem entre muitas das coisas que diz Lavelle e a filosofia de
Fichte. Por exemplo, as teorias de Fichte sobre o eu puro ou absoluto como atividade, sobre a
posição do eu limitada pelo não-eu, envelope o mundo como campo e instrumento da vocação
moral do homem e envelope o mundo como o aparecimento a nós do Ser absoluto, estão todas
presentes de uma forma ou outra no pensamento de Lavelle. Mas isto não significa que Lavelle
tomasse sem mais suas ideias do idealismo alemão. A questão é que se notam certas similitudes,
sem que por isso afirmemos uma influência direta.

Já mencionámos que em De l ’étre recalca Lavelle o caráter universal e unívoco do Ser. Esta
opinião repete-a em De l ’acte. “Dizer que o Ser é universal e unívoco equivale a dizer que todos
nós fazemos parte do mesmo Todo e que é o mesmo Todo o que nos dá o mesmo ser que a ele
lhe pertence e fosse do qual nada há.”[846] Esta combinação da teoria do Ser como unívoco, já
se lhe considere em si mesmo ou em suas criações, com a terminología do todo e das partes
sugere, obviamente, um panteísmo monista. Mas Lavelle serve-se da doutrina da univocidad do
conceito do Ser para apoiar a conclusão de que o Absoluto não só é a fonte da existência pessoal,
senão que ele mesmo é também pessoal, é uma pessoa “à que lha deve distinguir de todas as
demais pessoas”.[847] Em outras palavras, Lavelle não tem a intenção de jogar simplesmente pela
borda o teísmo. Deseja manter que a Deus, considerado em Si mesmo, não lhe diminui em modo
algum a criação de seres pessoais finitos e do mundo. Para sustentar esta tese recorre a uma
teoria da participação. “A participação obriga-me, pois, a admitir que há ao mesmo tempo
homogeneidad e heterogeneidad não só entre o participante e o participado, senão também entre
o participado e o participable.”[848] E considera que esta teoria da participação implica uma
distinção entre Ato e Ser, isto é, entre o Ato divino e a totalidade do Ser. “A totalidade é a
unidade mesma do Ato assim que única e indivisible fonte de todos os modos particulares, que
parecem estar sempre contidos eminentemente e, o digamos assim, como por via de excesso, no
impulso mesmo (élan) que os produz e no que todos os seres participam conforme a seu poder.”
[849]
Em outras palavras, a totalidade do Ser não é algo acabado, perfeito, estático, senão que é
um processo criativo de totalización pelo que se expressa o Ato puro, venero e causa inmanente
de todos os seres finitos, mas, ao mesmo tempo, distinguible deles.

A filosofia de Lavelle é indubitavelmente um exemplo da tendência, que se costuma dar na


metafísica de orientação religiosa, a desembarazarse do teísmo pitoresco ou imaginativo, da
concepção de um Deus “fosse” ou “acima deste mundo”, mas sem cair também não no
spinozismo ou em um monismo que exclua o conceito de um Deus pessoal. Esta tendência a um
panenteísmo tendo em vista evitar os dois extremos é perfeitamente compreensível. Mas
estabelecer uma teoria assim de uma maneira satisfatoriamente consistente e coerente é muito
difícil. Ferdinand Alquié,[850] terrível adversário do monismo em todas suas forma e da
objetivación do Ser, talvez cometa injustiça ao interpretar a Lavelle em sentido monista. Mas
Lavelle fala certamente do Ser como da totalidade, ainda que conceba o todo mais bem à moda
de Hegel que à de Parménides. E embora trata de salvar a situação desde um ponto de vista teísta,
fazendo uma distinção entre o Ato puro e a totalidade do Ser, considerando ao primeiro como a
profundidade ou interioridad criativa do segundo, evidentemente pode ser discutido se seus
diversos asertos são, de fato, compatíveis. Cabe apelar, desde depois, a que a linguagem se revela
forçadamente inadequado assim que tratamos de falar do Absoluto e do relacionamento dos seres
particulares ao Absoluto. Mas poderia ser replicado que, em tal caso, o melhor seria guardar
silêncio. Efetivamente, segundo Alquié, o Ser assim que tal é inacessível para nós. Pois embora
funda todo o dado na experiência, ele mesmo não pode ser um dado.

6. O personalismo de E. Mounier.

Conquanto na filosofia do espírito representada por Lhe Senne e Lavelle há uma forte dose
de metafísica, há também um énfasis muito marcado sobre a ideia do destino ou a vocação da
pessoa humana. Efetivamente, Lhe Senne publicou um livro intitulado A destinée personelle e
Lavelle outro com o título de Lhe moi et são destin. Ademais, Lavelle, segundo vimos, começa
pelo ato que, em sua opinião, traz ao ser à pessoa humana. Por outra parte, é bem sabido que
aqueles filósofos aos que lhes foi posta em general a etiqueta de existencialistas se interessaram
também pela pessoa. Assim, Marcel fala muito dos relacionamentos pessoais, e Sartre insistiu
enormemente na liberdade criadora do homem. Também os tomistas, como Jacques Maritain,
acentuaram os elementos personalistas que contém seu próprio pensamento. Remontando-nos
algo mais no tempo, Renouvier, que influiu em William James, titulou sua última obra Lhe
personnalisme. Dito com outras palavras, o fazer questão da natureza e no valor da pessoa
humana e em que o como se conceba a pessoa humana importa muito para nossa interpretação
geral da realidade, não foi algo que o tenha feito só alguma escola ou algum grupo isolado na
filosofia francesa recente. O personalismo tem suas raízes na tradição espiritualista do
pensamento filosófico francês. E o que ultimamente insista este tão de contínuo na temática da
pessoa pode ser relacionado com uma comum reação contra as tendências intelectuais e
sociopolíticas que parecem tratar ao homem simplesmente como objeto de estudo científico ou
reduzir a suas funções dentro da esfera econômica ou da totalidade política e social. Em alguns
casos, como ocorre com Lhe Senne e Lavelle e também com pensadores tão diferentes como
Marcel e Maritain, se dá ademais uma forte motivação religiosa. À pessoa humana vê-lha como
orientada por natureza a uma meta ou um fim supraempíricos.

Mas ao falar do personalismo na recente filosofia francesa o mais provável é que se faça
referência antes de mais nada ao pensamento de Emmanuel Mounier (1905-1950), editor de
Esprit , e ao de alguns outros escritores tais como Denis de Rougemont, protestante suíço, e
Maurice Nédoncelle, sacerdote francês. É neste sentido restringido do termo como entenderemos
o personalismo nesta seção. E fique bem claro que a restrição não deve ser interpretado como
um dar por suposto que os escritores aqui mencionados sejam os únicos filósofos franceses que
expressaram ideias carateristicamente personalistas. A verdade é, mais bem, que Mounier
desenvolveu uma campanha específica em apoio do personalismo assim que tal, enquanto as
ideias personalistas de outros pensadores formam frequentemente parte, ainda que seja uma
parte importante, de uma filosofia à que se pôs outro cartaz, já se trate da filosofia do espírito,
ou do existencialismo, ou do tomismo.

Emmanuel Mounier nasceu em Grenoble e estudou filosofia primeiro em sua cidade natal e
depois em Paris. Foi influído pelos escritos de Charles Péguy (1873-1914), e em 1931 publicou
em colaboração um livro sobre o pensamento de Péguy.[851] Foi também influído pelo famoso
filósofo russo Nicolai Berdiaeff (1874-1948), que se tinha estabelecido em Paris em 1924.
Mounier ensinou filosofia em institutos durante alguns anos, e em 1932 encarregou-se de editar
a recém fundada revista Esprit que se seguiu publicando até 1941, ano em que foi eliminada
pelo governo de Vichy.[852] Após a guerra, Mounier reavivó Esprit como órgão do personalismo.

Em 1935 publicou Mounier Révolution personnaliste et communautaire (Revolução


personalista e comunitária), em 1936 uma obra intitulada Da propriété capitaliste à a propriété
humaine (Da propriedade capitalista à propriedade humana) e um manifesto personalista:
Manifeste au service du personnalisme. Em alguns círculos católicos começou a reputársele de
bastante inclinado ao marxismo. Em 1946 publicou uma introdução às filosofias existencialistas
(Introduction aux existentialismes) e uma obra sobre o caráter: Traité du caractère. Entre outros
escritos seus da posguerra mencionaremos: Qu’est-ce que lhe personnalisme? (Que é o
personalismo?, 1947) e Lhe personnalisme (O personalismo, 1950).

Ao começo de sua obra sobre as filosofias existencialistas, Mounier faz notar que, falando
em termos muito gerais, poderia ser descrito o existencialismo como “uma reação da filosofia
do homem contra os excessos da filosofia das ideias e da filosofia das coisas”.[853] Por “filosofia
das ideias” entende ele neste contexto o tipo de filosofar que se concentra envelope os conceitos
universais abstratos e se dedica à classificação a base de categorias a cada vez mais
comprensivas, até o ponto de que aos seres particulares e concretos lhos relega a um posto
subordinado e somente lhos considera objetos dignos da reflexão filosófica na medida em que
lhos possa subsumir baixo ideias universais e privar de sua singularidade e, no caso do homem,
também da liberdade. Esta linha de pensamento, que se iniciou na antiga Grécia, atingiria sua
culminación no idealismo absoluto de Hegel, ao menos tal como o interpretou Kierkegaard. Por
“filosofia das coisas” entende Mounier o tipo de pensamento filosófico que, assemelhando à
ciência natural, só considera a o. homem “objetivamente”, como um objeto entre os demais
objetos do universo físico. Mounier reconhece que o racionalismo por um lado e o positivismo
por outro cometeram “excessos”. Mas, em sua opinião, a reação existencialista, especialmente
em sua forma atea, foi também culpada de exagero. Em linhas gerais, o personalismo é para ele
afim ao existencialismo, já que expressa uma reação contra sistemas tais como os de Spinoza e
Hegel por uma parte e o positivismo, o materialismo e o conductismo por outra. Mas também
vê no existencialismo “uma tendência dual ao solipsismo e ao pesimismo, que o separa
radicalmente do personalismo segundo nós o entendemos”.[854]

O personalismo, insiste Mounier, “não é um sistema”.[855] Pois sua afirmação central é a


existência de pessoas livres e criativas e assim introduz “um princípio de impredictibilidad”[856]
que impede a sistematización definitiva. Por “um sistema” entende evidentemente Mounier uma
filosofia que trate de compreender todos os eventos, incluídas as ações humanas, como
envolvimentos necessários de certos primeiros princípios, ou como efeitos necessários de umas
causas últimas. O “sistema” exclui nas pessoas humanas toda liberdade criativa. Mas dizer que
o personalismo não é um sistema não é o mesmo que dizer que não é uma filosofia e que não
possa ser expressar em termos de ideias, ou que é singelamente uma atitude do espírito. Há tal
coisa como um universo personalista, visto desde o ponto de olha do homem assim que pessoa
livre e criadora; e há tal coisa como uma filosofia personalista. Mais exatamente, pode ter
diferentes filosofias personalistas. Pois pode ter um personalismo agnóstico, enquanto o
personalismo de Mounier é religioso e cristão. Mas não lhas poderia descrever apropriadamente
como filosofias personalistas se não tivessem em comum alguma ideia básica. E esta ideia é
também um telefonema à ação. Mounier mesmo foi sempre um luchador que esteve
continuamente em campanha. No prefacio a seu Traité du caractère afirma explicitamente que
sua ciência é uma “ciência combativa”.[857] No de ser um luchador parece-se Mounier a Bertrand
Russell. Mas enquanto Russell distinguia cortantemente entre sua atividade de luchador
propagandista e seu papel como filósofo profissional, Mounier considerava que suas convicções
filosóficas, por sua natureza mesma, tinham que expressar na esfera da ação.

Em sua visão do homem, o personalismo de Mounier é naturalmente oposto ao materialismo


e à redução do ser humano a um mero objeto material mais complicado. Mas opõe-se também
tanto a qualquer forma de idealismo que reduza a matéria, incluído o corpo humano, a uma mera
reflexão do espírito ou a uma aparência, como ao paralelismo psico-físico. O homem não é
simplesmente um objeto material; mas de aqui não se segue também não que seja espírito puro
nem que se lhe possa dividir com nitidez em duas substâncias ou em duas séries de experiências.
O homem é “inteiramente corpo e inteiramente espírito”,[858] e a existência subjetiva e a
existência corporal pertencem à mesma experiência. A existência do homem é existência
corporeizada; o homem pertence à natureza. Mas também pode trascender a natureza, no sentido
de que pode a ir dominando ou submetendo progressivamente. Este domínio da natureza cabe
desde depois entendê-lo só em termos de exploração.

Em mudança, para o personalista, a natureza brinda-lhe ao homem a oportunidade de realizar


plenamente sua própria vocação moral e espiritual e de humanizar ou personalizar o mundo. “O
relacionamento da pessoa com a natureza não é puramente extrínseca, senão que é uma dialética
de intercâmbio e de ascensión.”[859] O personalismo é, assim, interpretable como uma
reafirmación que o homem faz de si mesmo contra a tiranía da natureza, representada esta no
plano intelectual pelo materialismo. E pode-se-lhe também entender como uma reafirmación
que a pessoa faz de sua própria liberdade criativa contra qualquer totalitarismo que queira reduzir
ao ser humano a uma mera célula no organismo social ou pretenda lhe identificar exclusivamente
com sua função econômica. Mas de aqui não se segue em modo algum que o personalismo e o
individualismo sejam uma mesma coisa. O indivíduo, no sentido peyorativo em que os
personalistas tendem a empregar este termo, é o homem egocéntrico, o homem atomístico e
isolado, aparte por completo da sociedade. O termo significa também o homem carente de todo
sentido de vocação moral. Assim, Denis de Rougemont descreve ao indivíduo como a “um
homem sem destino, um homem sem vocação ou razão para existir, um homem do que o mundo
nada pede”.[860] O indivíduo é o homem que se tem a si mesmo pelo centro absoluto, Para
Mounier, este egocentrismo representa uma degeneração ou um desvio grave da ideia de pessoa.
“A primeira condição do personalismo é a descentralização do homem”,[861] que ele possa ser
dado aos demais e estar ao dispor deles, em comunicação ou comunión com eles. A pessoa existe
só em um relacionamento social, como um membro do “nós”. Somente como membro de uma
comunidade de pessoas tem o homem vocação moral. De Rougemont interpreta a ideia da
vocação de um modo francamente cristão. A pessoa e a vocação são possíveis “tão só nesse ato
único de obediência ao mandamiento de Deus que se chama o amor ao próximo. [...] Ato,
presença e entrega, estas três palavras definem à pessoa, mas também o que Jesucristo nos manda
ser: o próximo”.[862] Não menos cristão se mostra Mounier em suas linhas diretrizes.[863] No
entanto, ele faz uma declaração mais geral e “suficiente” do ponto de vísta personalista quando
diz “que a importância de toda pessoa é tal que é irremplazable na posição que ocupa no mundo
das pessoas”.[864] Em outras palavras, todo ser humano, homem ou mulher, tem sua vocação na
vida, na resposta a uns valores reconhecidos; mas esta vocação pressupõe o mundo das pessoas
e dos relacionamentos interpersonales. Se prescindimos da feição religiosa da vocação (resposta
ao telefonema divino), a vocação do homem, o exercício de sua liberdade criativa na realização
dos valores, é sua única contribuição, por assim o dizer, à construção do mundo das pessoas e à
humanización ou personalização do mundo.

Em seu Manifesto, que apareceu em Esprit em outubro de 1936, ainda mantendo Mounier
que não poderia ser dado nenhuma definição estrita do conceito de pessoa, propunha como de
passagem a seguinte definição ou descrição: “Uma pessoa é um ser espiritual constituído como
tal por uma a modo de subsistencia e de independência no ser; que mantém esta subsistencia
mediante sua adesão a uma hierarquia de valores livremente adotados, assimilados e vividos,
com uma autoentrega responsável e uma constante conversão; que unifica assim toda sua
atividade na liberdade e, mais ainda, desenvolve mediante atos criadores sua única vocação
própria”. O conceito de conversão constante parece ser que equivale mais ou menos à ideia
kierkegaardiana de repetição e à ideia marceliana de fidelidade ou plenitude de fé. Quanto à
autoentrega, ao comprometer-se responsável, Mounier considerava que o personalismo tinha
envolvimentos nos planos social e político, e já fizemos notar que o via não como um simples
exercício de entendimento teórica, senão também como um telefonema à ação.

Deixamos dito mais acima que ao personalismo lho pode considerar como uma reação contra
o colectivismo ou o totalitarismo. Mas esta forma de representá-lo é unilateral e inadequada,
como o mesmo Mounier não demora no indicar. Certamente o personalismo é oposto à redução
da pessoa humana a mera célula do organismo social e a que se pretenda subordinar por completo
o homem ao Estado. “O Estado tem de ser para o homem, não o homem para o Estado.”[865] No
totalitarismo não se tem em conta o valor da pessoa. De fato, a “pessoa” é reduzida ao
“indivíduo”, ainda que a este se lhe considere análogo ao que é a célula em um todo orgânico.
Mas de aqui não se segue nem muito menos que Mounier esteja disposto a defender a democracia
burguesa e capitalista. Não se trata simplesmente de que os flagrantes abusos possam ser e até
verdadeiro ponto seja superados dentro do sistema capitalista. Segundo Mounier, no
desenvolvimento do capitalismo há fatores que assinalam e exigem a transição ao socialismo. É
muito fácil e bonito propor uns planos idealistas segundo os quais a autoridade política e toda
coerción se suprimiriam em favor dos relacionamentos pessoais. O anarquismo quiçá seja ideal,
mas também é irreal. Pois não entende que os vínculos que unem entre si às pessoas assim que
pessoas têm de achar expressão em umas estruturas e uma autoridade políticas. O personalismo
aspira a conseguir uma reorganização social que cumpra os requisitos da vida econômica tal
como esta se desenvolveu, mas que, ao mesmo tempo, esteja baseada no reconhecimento da
natureza e os direitos da pessoa humana. Há feições importantes nos que o capitalismo é
desumano, mas também o é o totalitarismo. E o anarquismo não soluciona nada. Em soma, o
personalismo pede que repensemos nossas estruturas sociais e políticas para ver de conseguir o
desenvolvimento de um socialismo personalizado.

Mounier, naturalmente, não se limita a enunciar simples generalidades. Mas aqui não
podemos discutir suas sugestões mais concretas. Baste com indicar que ele se dá perfeita conta
das tentativas que pode ter de explodir o personalismo (a defesa da pessoa) em pró dos interesses
de “a mais fechada forma de conservação social”[866] ou em serviço da democracia burguesa.
Insiste ele em que é inadequado se contentar com empregar palavras como “pessoa” e
“comunidade”. Se não queremos que se embote o fio revolucionário do personalismo, devemos
falar também de “o final da sociedade burguesa de Occidente, a introdução de estruturas
socialistas, o papel de iniciativa do proletariado”.[867] Ao mesmo tempo, Mounier é muito
consciente de que em todas as sociedades, políticas ou religiosas, se dá a tendência a se
transformar em sociedades ou grupos fechados, obstaculizando com isso o avanço fazia a
unificação da humanidade exigida pela natureza que, pese a Sartre, os seres humanos temos em
comum. É mais, embora em sua análise do capitalismo Mounier tende a pensar de um modo
parecido ao de Marx, não considera, por suposto, que a vocação ou o destino do homem seja
simplesmente realizable em uma sociedade terrena, por muito ideal que lha conceba. Sua fé
cristã está sempre presente. Mas ele não quer a utilizar como uma desculpa para a pasividad ou
para o descuro das tarefas que é menester realizar na esfera sociopolítica. E se vivesse mais,
provavelmente teria simpatizado com as tentativas de entablar um diálogo entre cristãos e
marxistas envelope os temas do homem e o humanismo.

Em Maurice Nédoncelle encontramos uma atitude bem mais contemplativa. O personalismo


adota a forma de uma fenomenología e uma metafísica da pessoa, prestando-se especial atenção
à estrutura básica da consciência humana tal como é expressar no relacionamento eu-você (a
consciência do eu ou ego é inseparável da consciência do outro) e em sua referência e
significação religiosas.[868] Mas embora sua visão do homem está basicamente de acordo com a
de Mounier, manifestou Nédoncelle suas dúvidas ao falar dos envolvimentos políticos e sociais
do personalismo. Admite que, em general, o personalismo tem envolvimentos sociais. Por
exemplo, qualquer forma de organização social que negue os direitos da pessoa assim que pessoa
ou que minusvalore à pessoa é, pelo mesmo e em seu tanto, incompatível com a focagem
personalista. Mas Nédoncelle não aceita que o personalismo possa ser utilizado legitimamente
em apoio de “nenhum partido”,[869] e se mostra um tanto pessimista, se baseando para isso em
boas razões, com respeito às esperanças de que os problemas sociais e políticos possam ser
solucionado com a revolução ou pela rápida realização de algum plano ideal. O prudente é “não
esperar demasiado da vida coletiva”.[870] Em opinião de Nédoncelle, “é quiçá na filosofia
religiosa onde o personalismo teve mais consideráveis repercussões”.[871] Evidentemente, sua
atitude difere algo da de Mounier.[872]
Capítulo XV
Dois pensadores religiosos.

1. Teilhard de Chardin.

Um dos mais surpreendentes fenômenos destes últimos anos foi a amplísima difusão que
atingiu o interesse pelo pensamento de um sacerdote jesuita, Pierre Teilhard de Chardin (1881-
1955). Este interesse é surpreendente no sentido de que, embora teve eminentes astrônomos e
científicos jesuitas, não costuma esperar desta procedência uma visão do mundo o bastante
original e destacada como para se ganhar a atenção não só de leitores pertencentes às diferentes
tradições cristãs senão também de gentes que não professam crenças religiosas no sentido
ordinário do termo. Verdade é que Teilhard de Chardin não conseguiu que seus superiores
eclesiásticos lhe permitissem publicar os escritos aos que seu nome principalmente se associa.
Mas seria absurdo atribuir sua fama às dificuldades que experimentou no tocante à publicação.
O interesse suscitado pelos escritos que apareceram após sua morte se deve ao conteúdo de sua
visão do mundo. Supõe esta uma focagem evolucionista do mundo e do homem, focagem
adotada não reticentemente nem à defensiva, senão entusiásticamente, de maneira que, com
amplísimas olha, chega a formar uma consmovisión que é não só metafísica senão também
cristológica. Esta mistura de teoria científica e especulação filosófica com temas cristãos
compréndese que lhes resulte pouco grata, por diversas razões, a um bom número de cientistas,
filósofos e teólogos, sobretudo talvez porque o conjunto é apresentado como uma persuasiva
visão do mundo e não na forma de conclusões que se deduzam de argumentos estritamente
razonados. Em mudança, uma visão do mundo desta classe, que sintetiza em si a ciência, uma
metafísica do universo e a fé cristã e é ao mesmo tempo acentuadamente otimista, vem a ser
precisamente o que muitos buscava e esperado sem o encontrar em nenhuma outra parte. E pôde
ser-lhes atraente até a quem, como a Sir Julian Huxley, se sentem incapazes de percorrer todo o
caminho com Teilhard de Chardin. O novo estilo da apologética teilhardiana poderá não ser tão
convincente quando lho examina devagar e à luz da fria razão analítica; mas não cabe dúvida de
que vai a uma necessidade que se estava fazendo sentir.

Teilhard de Chardin nasceu na Auvernia, não longe de Clermont-Ferrand. Educado em um


colégio dos jesuitas, ingressou no noviciado da Companhia de Jesús em 1898. Ordenado
sacerdote em 1911, serviu durante a Primeira Guerra Mundial no corpo médico do exército
francês. Interessado pela geologia desde muito jovem, entusiasmou-se pelos estudos
paleontológicos enquanto exercia o magisterio em um colégio jesuítico do Cairo, dantes de
começar seus estudos teológicos em Ore Place junto a Hastings;[873] e em 1908 publicou um
artigo sobre os estratos eocénicos da região de Minieh (L’éocène dê environs de Minieh). Após
a guerra estudou Teilhard ciências naturais na Sorbona, e em 1922 defendeu com sucesso sua
tese doctoral, que versava envelope os mamíferos do eoceno inferior na França e seus estratos.
Em 1923-1924 esteve trabalhando Teilhard na China com uma equipe de paleontólogos. Por esta
época tinha já formada sua ideia da cosmogénesis, isto é, sua visão do mundo como dinâmico
processo evolutivo no que se diluye qualquer dualismo de matéria e espírito.[874] A matéria não
é simplesmente o oposto do espírito, senão que o espírito emerge da matéria, e o movimento do
mundo vai orientado para o ulterior desenvolvimento do espírito.[875] Para Teilhard, o homem
veio naturalmente a ocupar um posto central no movimento evolutivo; e a profunda fé cristã que
desde jovem tinha nosso sábio jesuita lhe levou a conceber a noção do Cristo cósmico, que
situava a evolução em um enquadramento cristocéntrico.

Em 1920 Teilhard começava a ensinar no Instituto Católico de Paris, e ali voltou após sua
primeira visita a China. Mas em consequência de alguns excursos que fez fora do campo da
ciência, tais como as tentativas de harmonizar a doutrina do pecado original com sua visão
evolucionista, seus superiores religiosos lhe pediram que deixasse Paris e que se limitasse a
escrever de questões científicas. De 1926 a 1927 esteve na China, e depois, depois de um breve
interludio na França, marchou a Etiópia e desde ali de novo a China, onde continuou suas
investigações geológicas e paleontológicas. Aparte de várias visitas a França, América,
Inglaterra, a Índia e alguns outros países orientais, permaneceu na China até 1946. Em 1926
escreveu Lhe milieu divin,[876] meditação religiosa na que se patentiza o caráter cristocéntrico
de seu cosmovisión, enquanto Lhe phénoméne humain[877] foi começado em 1938 e terminado
em 1940. Mas suas obras principais, não pertencentes estritamente ao campo científico, não se
lhe permitia as publicar. De fato, em 1947 mandou-se-lhe que se abstivesse de filosofar.

De 1946 a 1951 Teilhard esteve em Paris. Em 1948 ofereceu-se-lhe uma cátedra no Colégio
da França, como sucessor do Abbé Breuil; mas seus superiores religiosos ordenaram-lhe que
recusasse a oferta. No entanto, em 1947 era eleito membro da Academia de Ciências, e em 1950
foi membro eleito do Instituto da França. Em 1951 partiu Teilhard da França para visitar África
do Sul, após o qual marchou a Nova York, onde permaneceu até sua morte, exceto para fazer
uma segunda visita ao Africa baixo os auspicios da Fundação Wenner Gren bem como várias
viagens pelos Estados Unidos e uma visita a França em 1954. Morreu de um ataque ao coração
o Domingo de Páscoa de 1955. Seguindo o conselho de outro jesuita francês amigo seu, deixava
em mãos seguras os manuscritos de suas obras inéditas, cuja publicação se iniciou no ano mesmo
de sua morte.

Dizer que Teilhard de Chardin tomada por ponto de partida o mundo tal como o representa
a teoria científica e que introduz o que considera ser a visão científica do mundo nas esferas da
especulação metafísica e da crença religiosa é, sem dúvida, verdade; mas é uma verdade parcial
e pode ser desorientador. Pois desde o começo apresenta-se-lhe a Teilhard o mundo como a
totalidade da que nós somos membros e como algo que tem valor. Cabe perguntar, desde depois,
que é o que quer ser dito precisamente ao assegurar que o mundo tem valor; e é difícil achar uma
resposta que satisfaça a um filósofo analítico. Mas não cabe dúvida de que, para Teilhard, o
mundo não é simplesmente um sistema complexo de fenômenos relacionados entre si, um
sistema que exista casualmente, senão que é mais bem a totalidade que tem valor e significação.
No primeiro suposto o mundo apresenta-se na experiência como um complexo de diversos tipos
de fenômenos. Desde um ponto de vista a ciência reduz as coisas da experiência a uns centros
de energia mais pequenos, como na teoria atômica; mas, ao mesmo tempo, evidencia seus
interrelaciones e a mostra como unificadas pela transformação da energia e como constituindo
uma complicada rede, um sistema. O mundo não é, pois, simplesmente uma coleção, senão uma
totalidade, um tudo. Ademais, esta totalidade não é estática, senão que se vai desenvolvendo.
Para Teilhard, a evolução não é só uma teoria sobre a origem das espécies viventes, uma teoria
biológica, senão que é uma concepção que se aplica ao mundo inteiro, ao universo como um
tudo. A ciência natural pressupõe evidentemente a consciência. Pois sem consciência não
poderia ter ciência. Mas a ciência tendeu a prescindir o mais possível da consciência e a
concentrar-se no cuantitativo e mensurable, de sorte que a esfera da mente, a consciência, o
espírito, aparece como algo sobreañadido ao mundo material, ou seja, como um epifenómeno.
Para Teilhard, a vida e a consciência estão potencialmente aí, na matéria, desde o princípio.
Como o visse Leibniz, não há nada que não possua uma feição psíquico, uma força, por assim o
dizer, íntima. O mundo aparece bem como uma totalidade, um tudo, que se vai desenvolvendo
para um fim, uma atualização a cada vez maior do espírito. Os seres humanos são membros de
um todo orgânico evolutivo, o universo, que possui valor espiritual e aparece como uma
manifestação do divino. Segundo Teilhard, a humanidade converteu-se espontaneamente “a uma
espécie de religião do mundo”.[878] E por isso pode dizer ele que crê na matéria ou que crê no
mundo, significando obviamente tal crença bem mais que um achar que existem a matéria ou o
mundo.

Claro está que Teilhard não se conforma com nos apresentar esta visão do mundo sumamente
geral e esquemática. Na energia distingue, por exemplo, dois componentes: a energia tangencial,
que une à cada elemento ou partícula com os demais do mesmo grau de complexidade que há
no universo, e a energia radial, que leva ao elemento ou a partícula a uma complexidade ou
“continuidade”, ou “consciência”, a cada vez maiores. Arguye também que se reduzíssemos o
que ele descreve como “a trama primigenia do universo” a um polvillo de partículas, nesse
estádio “prevital” o “interior” das coisas coincidiria ponto por ponto com seu “exterior”, com
sua feição ou vigor externo, de modo que uma ciência mecanicista da matéria não fica excluída
pela opinião de que todos os elementos do universo têm sua feição interna ou vital.[879] Desde o
ponto de vista externo, só com a emergência da célula começa a existir a biosfera ou esfera da
vida, e Teilhard opta pela hipótese de que a génesis da vida sobre a terra foi um acontecimento
único e, uma vez que se produziu, irrepetível. Em outras palavras, o aparecimento da vida é um
momento de um processo evolutivo que avança para uma meta. Teilhard sabe muito bem que
muitos e ainda a maioria dos cientistas costumam negar, ou não costumam ver motivos para
afirmar, que o processo da evolução em general, ou o da vida designadamente, se dirija para
alguma meta. Mas ele está convencido de que pode rastrear na história natural dos seres vivos
um movimento para a emergência da consciência e do pensamento. Ao aparecer a consciência e
o pensamento nasceu já a noosfera, que ainda está em embrião, mas vai avançando, através da
personalização, para um foco hiperpersonal de união que Teilhard lume o “Ponto Omega”, a
união do pessoal e o coletivo a base de pensamento e amor. Indícios desta convergência para o
Ponto Omega têm-se de ver, por exemplo, na crescente unificação intelectual da humanidade,
qual se dá na ciência, e nas pressões que atualmente se estão exercendo para conseguir a
unificação social.

São bastantees os autores que notaram o parecido entre o pensamento de Teilhard de Chardin
e a filosofia de Hegel. Quando Teilhard diz, por exemplo, que o homem é a evolução se fazendo
consciente de si[880] e propõe o conceito da noosfera, a esfera do pensamento e do conhecimento
universal, que existe não como uma entidade separada senão em e pelas consciências
individuais, as unificando e formando um um-em-muitos, nos vem às mente a doutrina hegeliana
do auto desenvolvimiento do Espírito. Claro que Hegel mesmo viveu dantes que Darwin e não
considerou que a hipótese evolucionista, com sua ideia da sucessão temporária, fosse relevante
para a dialética de sua filosofia da natureza. No que atañe à evolução biológica, é óbvio que
Teilhard está bem mais cerca de Bergson que de Hegel. Ademais Teilhard via em Hegel ao
mantenedor de uma dialética lógico-apriórica que diferia muito de seu próprio conceito,
cientificamente baseado, da evolução. Mas isto não altera o fato de que a ideia geral teilhardiana
de que o mundo ou o universo se desenvuelve chegando à autoconciencia em e através da mente
humana, que a noosfera pressupõe a biosfera e esta, a sua vez, pressupõe um estádio que faz
possível uma física mecanicista, tenha um parecido surpreendente com a maneira como concebe
Hegel o autorrealizarse do Espírito. Os contextos históricos dos dois filósofos são, por suposto,
diferentes. Ao hegelianismo tem-se-lhe de ver no contexto do desenvolvimento do idealismo
alemão poskantiano, contexto que, evidentemente, não é o do pensamento de Teilhard de
Chardin. Mas o grau da diferença que advirtamos entre estas duas linhas de pensamento
dependerá até verdadeiro ponto de como interpretemos a Hegel. Se entendemos que este postula
a preexistencia, o digamos assim, de uma Ideia lógica que se autorrealiza por necessidade
dialética na história cósmica e humana, acentuaremos provavelmente a diferença entre a
focagem de Hegel e o de Teilhard, partindo este segundo, como parte, da ciência empírica. Em
mudança, se achamos que a Hegel tem-se-lhe apresentado injustamente como menospreciador
da ciência empírica, e se temos em conta que para ambos pensadores o processo da
“cosmogénesis” é um processo teleológico, dirigido para um fim, o mais provável é que
recalquemos as semelhanças entre eles. Por certo que entre as linhas gerais do pensamento de
dois filósofos pode ter similitudes sem que tenha nenhuma apropriação; cabe perfeitamente
negar que X tomasse algo de E e afirmar ao mesmo tempo a existência de semelhanças entre
suas linhas de pensamento.

Mas ainda que tenha certas similitudes entre o pensamento de Teilhard de Chardin e a
filosofia de Hegel, é essencial acrescentar que a Teilhard realmente não lhe interessa desenvolver
um sistema metafísico.[881] Em sua qualidade de cristão crente, o que se importa, e muito, é
mostrar que o cristianismo não se voltou tão enteco nem é algo já tão antiquado que resulte
incapaz de satisfazer as necessidades da consciência mundana do homem moderno. O que deseja
é integrar sua interpretação da evolução cósmica com suas crenças cristãs ou, melhor ainda,
provar que a fé cristã pode admitir e enriquecer uma visão do mundo conseguida pelo que ele
descreve como “fenomenología”, uma interpretação reflexiva do significado do homem tal como
aparece este a si mesmo em sua experiência e no conhecimento científico.[882] Alguns
admiradores de Teilhard tendem a ver os temas especificamente cristãos de seu pensamento
como um suplemento ou extra, como a expressão de uma fé pessoal que eles se sentem incapazes
de compartilhar. No entanto, embora Teilhard é consciente de que, ao introduzir a crença na
encarnación e na função cósmica de Cristo, está indo “para além do plano da
fenomenología”,[883] seu cristocentrismo é para ele um elemento integral de sua total visão do
mundo, da visão que trata de comunicar em seus escritos tomados como um tudo.

A maneira de pensar de Teilhard era desde depois oposta não só a qualquer dualismo que
separe cortantemente a matéria da mente ou o espírito, senão também a toda dicotomía que
divida a realidade em duas esferas, a natural e a sobrenatural, aparte a uma da outra ou
relacionadas de tal modo que a sobrenatural se sobreponha simplesmente à natural. Prevalecia
tanto em sua mente a ideia da unidade orgânica do universo evolutivo convergiendo para o
homem e da consciência e todos os conhecimentos humanos como a autorreflexión do mundo
em e através do homem como parte da totalidade, que alguns dos bilhetes em que alabou ou
engrandeceu liricamente ao universo lhes produziram a alguns leitores a impressão de que para
ele o universo mesmo fosse divino e, portanto, Teilhard negasse a trascendencia de Deus. Agora
bem, sem negar seu sentimento de reverência para com o mundo material, ao que considerava
grávido de espírito e em criadora evolução para uma meta, o verdadeiro é que Teilhard fez
questão de que à origem e centro unificador do processo inteiro “deve lhe lhe conceber como
preexistente e trascendente”.[884] Ademais, como cristão, achava que Deus se tinha encarnado
em Cristo, e pensava que Cristo ressuscitado era o centro e seria a consumação do movimento
evolutivo universal para o Ponto Omega. Estava convencido de que Cristo iria unindo
progressivamente a todos os homens no amor, e à luz de sua crença cristã via o Ponto Omega
como aquele no que, segundo as palavras de San Pablo, Deus se fará “tudo em todas as
coisas”.[885] Para Teilhard, “a evolução veio a infundir novo sangue, por assim o dizer, nas
perspetivas e aspirações do cristianismo. Não está, a sua vez, predestinada a fé cristã, não se está
preparando para salvar e inclusive substituir à evolução?”[886] No mais amplo sentido do termo,
a evolução vem a ser um processo não só de “hominización” senão também de divinización em
e através de Cristo ressuscitado.

Esta visão otimista do processo cósmico constitui uma forma de apologética, não como a
antiga a base de argumentos criados como suportes ou reforços extrínsecos a um ato de fé nas
verdades reveladas, senão mais bem assim que que Teilhard espera fazer compreender o que ele
compreende: a importância do cristianismo para uma autêntica visão evolucionaria do mundo e
o significado que se confere ao processo da evolução o concebendo dentro do margo da crença
cristã. Em verdadeiro modo, a visão do mundo teilhardiana renova a antiga ideia da “emanação”
a partir de Deus e a volta a Deus. Mas nesta visão a volta não é um individual lhe voltar as costas
a um mundo alheio e buscar a união extática com o Um, como em Plotino “o se remontar do só
ao Só”. O mesmo processo evolutivo é também o processo de volta, e aos indivíduos lhos vê se
fazendo um um-em-muitos em Cristo e por médio dele. Nietzsche não quis admitir que o homem,
tal como existia, fosse o ponto cimeira da evolução, e proclamou a ideia do Super-homem, uma
forma mais alta de homem.[887] Teilhard concebe que o homem atinge uma forma superior de
existência por ir seguindo as linhas da evolução, que convergen para o ponto no que a pessoa,
sem deixar de ser tal, se une com todas as demais pessoas em um todo que é maior que o homem
mesmo. E esse ponto resulta ser o que poderíamos quiçá denominar a “Cristosfera”.
Considerando as coisas com verdadeira focagem, parece como se o universo se interiorizase,
como se fosse tomando a cada vez mais a forma da autorreflexión (através do homem) na
noosfera. À luz, da fé cristã este processo é visto como um processo de Cristogénesis, ou seja,
da formação do Cristo total, como Cristo em seu corpo místico.

Naturalmente que é bastante fácil pôr objeciones a esta visão do mundo teilhardiana. Pode-
se-lhe objetar, por exemplo, que embora a teoria da evolução a aceitem hoje praticamente todos
os cientistas, não passa com tudo de ser uma hipótese, e que em qualquer caso a hipótese
científica é insuficiente para sustentar o peso do edifício que Teilhard levanta envelope ela. Pode
assim mesmo objetarse que há que distinguir entre a hipótese científica da evolução e a otimista
ideia do progresso pela que opta Teilhard e que está claramente conectada com suas crenças
religiosas. E também cabe fazer a objeción de que ao esboçar sua otimista visão do mundo
Teilhard dedica pouca atenção ao lado negativo, às realidades do mau e do sofrimento e à
possibilidade da ruína e do falhanço. Lamentam alguns que Teilhard entremezcle a ciência com
a metafísica e com a fé cristã, e que apresente como conclusões científicas ideias que mais bem
são fruto da livre especulação metafísica ou que dependem de suas pessoais convicções
religiosas. Em general, pode objetársele, e assim se fez com frequência, que nos apresenta
impressões vadias e conceitos não muito claramente definidos. O conjunto de sua obra pode ser
dito que é uma mezcolanza de ciência, poesia e fé religiosa que só impressiona a quem não são
capazes de, ou não querem, respeitar os ideais de precisão do pensamento e clareza da
linguagem. A visão do mundo teilhardiana pareceria, pois, no melhor dos casos, elevadora e
esperanzadoramente poética, e, no pior, uma maiúscula superchería que pretende introduzir, so
camada de ciência, uma maneira de ver as coisas que, em realidade, nada tem de cientista.

Teria que ser um fervoroso discípulo para assegurar que tais objeciones carecem por
completo de fundamento. No entanto, como expressão da mentalidade de um homem que era ao
mesmo tempo um cientista e um cristão convencido e que tratava, não só de conciliar, senão
mais bem de integrar o que ele considerava uma visão científica do mundo com uma fé
cristocéntrica, a versão teilhardiana da realidade tem indudable importância e é de uma grandeza
que tende a fazer com que, em comparação, resultem pedantes ou irrelevantes as objeciones.
Poderia ser dito que foi um visionario ou um adivinho que apresentou em amplos e às vezes
imprecisos e ambiguos desenhos um programa profético, valha a expressão, um programa que
outros estão chamados a estudar em detalhe, ao clarificar, a lhe dar maior rigor e precisão e ao
defender com sólidos argumentos. Certamente é possível que, fazendo objeto de um tratamento
deste tipo a vida e a potência de Teilhard, se consiga extrair delas uma original visão do
mundo.[888] Hegel destaca muito acima dos hegelianos, Nietzsche muito acima dos
nietzscheanos. A audacia com que Teilhard fez extensivo o conceito da evolução a uma visão
do mundo profundamente religiosa, não mediante meras añadiduras ou sobreposições, senão
através de um processo de ampliação que lhe permitiu incluir as dimensões discernibles em uma
visão integradora e comprensiva, pode servir de programa inspirador de ulteriores reflexões.
Alguns pensaram que a hipótese científica da evolução é irreconciliable com a ortodoxia cristã.
Outros a julgam reconciliable, mas com certas reservas. A Teilhard não se importa em realidade
a “reconciliação”, a não ser quando outros com suas críticas lhe movem para ela. O conceito da
evolução toma-o como a focagem com que o homem moderno tem de ver o mundo para o
entender bem. E Teilhard tenta evidenciar que este modo de ver o mundo se alarga, ou pode ser
alargado, para tomar a forma de uma visão cristocéntrica do mundo e da existência humana. Ao
fazê-lo assim se confia à sorte, no sentido de que as teorias científicas em que baseia sua visão
do mundo são, em princípio, revisables desde o ponto de vista lógico. Mas seria um erro pensar
que ele pretenda que a fé religiosa depende logicamente da verdade de determinadas hipótese
científicas. O que a ele lhe interessa é fazer compreender que o casal, o digamos assim, da
concepção evolucionista com o credo cristão dá por fruto uma visão geral do mundo na que o
cristianismo não figura nem como algo cerril e antiquado nem como despreciador deste mundo
e exclusivo aspirante a outro, senão como uma fé afirmadora também deste mundo e como a
religião para o presente e para o futuro do homem. Dícese às vezes que não tem já vigência
alguma a ideia de que a ciência e a religião são incompatíveis. Porque, com escassas exceções,
os cristãos não interpretam hoje os textos da Biblia de maneira que lhes faça romper com a
ciência. Mas, ainda que não tenha nenhuma incompatibilidad lógica entre a religião e a ciência,
é óbvio que pode ter divergentes mentalidades ou focagens. Por exemplo, a crença em Deus
pode parecer não já logicamente incompatível com a ciência, mas sim supérflua e irrelevante.
Teilhard, com sua firme confiança no valor da teoria e o conhecimento científico e sua profunda
fé religiosa, trata de patentizar suas interrelaciones em uma visão unitária.

2. G. Marcel.

Em Gabriel Marcel encontramos um tipo muito diferente de pensador. Teilhard de Chardin


insistiu muito, sem dúvida, no tema do homem, mas dentro do contexto do processo geral da
cosmogénesis: fixos os olhos no mundo, no universo. Gabriel Marcel explora um mundo muito
diferente; mas seria errôneo dizer que o objeto de seu interesse é um mundo interior ou íntimo,
pois isto sugiereautoconcentración ou introspección, sendo de modo que o que constitui um dado
central para a reflexão de Marcel são os relacionamentos inter pessoal é. A ciência mal figura
em seu pensamento. Enquanto Teilhard proclama com entusiasmo sua fé na ciência,[889] é bem
mais provável que a Marcel lhe ouçamos afirmar sua fé no valor e na importância dos
relacionamentos pessoais. Uma comparação entre Teilhard e pensadores como Hegel, Bergson
e Whitehead pode ter pelo menos sentido. Em mudança, no caso de Marcel mais que
semelhanças com eles teria que notar radicais diferenças.[890] Por outra parte, embora Teilhard
é frequentemente vadio e impreciso em suas declarações, pode ser dito, a grandes linhas, que é
“o que sustenta”; o pensamento de Marcel é pelo contrário tão elusivo que perguntar quais são
suas “doutrinas” equivale quase a um convite ao silêncio ou a que se conteste que essa pergunta
não deve ser feita, pois parte de um falso suposto.

Gabriel Marcel foi com frequência classificado (por Sartre entre outros muitos) como
existencialista católico. Mas, dado que ele mesmo recusou esta etiqueta, o melhor será a
eliminar.[891] É bastante natural, sem dúvida, buscar alguma etiqueta clasificatoria, mas o
verdadeiro é que não há nenhuma que a Marcel lhe vá bem do tudo. Às vezes tem-se-lhe descrito
como empirista. No entanto, embora ele certamente baseia suas reflexões na experiência e não
pretende deduzir um sistema de ideias a priori, o termo “empirismo” tem demasiadas
associações com o reductivo análise de Hume e outros como pára que não resulte do mais
desorientador aplicar ao pensamento de Marcel. Assim mesmo, embora este faz muito uso do
que poderíamos chamar análise fenomenológicos, não por isso é discípulo de Husserl, como em
realidade também não o é de nenhum outro. Marcel seguiu seu próprio caminho, e não se lhe
pode tratar como a membro de uma determinada escola. Não obstante, ele mesmo nos diz que
em certa ocasião um aluno sugeriu que sua filosofia era uma espécie de neosocratismo. E,
refletindo, Marcel chegou à conclusão de que assim é como com menos inexactitud poderia ser
designado seu pensamento, desde que não se entendesse que sua atitude cuestionante ou
interrogadora implicasse escepticismo.[892]

Marcel nasceu em Paris em 1889. Seu pai, um católico que se tinha voltado agnóstico, foi
durante algum tempo ministro da França na Suécia e depois diretor da Biblioteca Nacional e dos
Museus Nacionais. Sua mãe, descendente de judeus, morreu quando Gabriel era ainda muito
menino; foi, pois, educado por sua tia, conversa ao protestantismo [893] e mulher de fortes
convicções éticas. À idade de oito anos passou Marcel em um ano com seu pai em Estocolmo,
e pouco depois de seu regresso a Paris foi enviado ao Liceo Carnot. Foi um aluno brilhante, mas
odiava o sistema educativo ao que se via submetido e buscou refúgio na música e no mundo da
imaginação. Começou assim a compor algo de música e a escrever peças de teatro desde sua
primeira adolescencia. Terminados seus estudos no liceo, ingressou na Sorbona, e em 1910
obteve a agregation em filosofia. Atraído durante um tempo pelo idealismo, especialmente pelo
pensamento de Schelling, não demorou em se voltar contra ele. Fichte irritava-lhe, e de Hegel
desconfiava, embora admirando-lhe. Sentiu um profundo respeito por F. H. Bradley, e muito
depois teria de publicar um livro sobre Josiah Royce. Mas pareceu-lhe que o idealismo tinha
pouco que ver com a existência concreta; e a primeira parte de seu Diário metafísico, expressão
de suas críticas dos modos de pensar idealistas, estava influída ainda pelos pontos de vista do
idealismo. As experiências que acopió servindo na Cruz Vermelha durante a Primeira Guerra
Mundial[894] lhe confirmaram em seu convencimiento de que a filosofia abstrata é algo que fica
muito aparte da existência humana concreta. Marcel ensinou durante alguns anos filosofia em
vários liceos; mas a maior parte de sua vida ganhou-lha trabalhando por livre com a pluma,
publicando obras filosóficas e peças de teatro e sendo crítico literário, teatral e de música. Em
1948 recebeu o Grande Premio de Literatura da Academia Francesa, em 1956 o Premio Goethe
e em 1958 o Grande Premio Nacional de Letras. Em 1949-1950 deu Marcel em Aberdeen o
curso de Conferências Gifford. Foi membro eleito do Instituto da França. Morreu em 1973.

Se entendemos por sistema filosófico uma filosofia que se desenvolve mediante um processo
deductivo desde um ponto de partida que se considera verdadeiro, não há um sistema de Gabriel
Marcel. Nem queira ele que o tenha em tal sentido. O que ele faz é desenvolver uma série de
“focagens concretos”. Estes são, isso sim, convergentes, no sentido de que não são incompatíveis
entre si e de que pode ser considerado que contribuem a uma interpretação geral da experiência
humana. Mas suporia um grande engano pensar que Marcel espera que estas “focagens
concretas” lhe vão proporcionar uma série de resultados ou conclusões ou soluções a problemas,
que ao se expor em conjunto constituam um bloco de bem provadas tese. Para empregar uma de
suas analogias,[895] se um químico inventa um produto, este pode logo, o suponhamos, ser
comprado por qualquer em uma loja. Uma vez fabricado, o produto pode ser vendido e comprado
sem referência alguma aos meios pelos que foi descoberto ou inventado. Neste sentido, o
resultado é separable dos meios pelos que lho obteve. Mas, segundo Marcel, não é isto
certamente o que ocorre na filosofia. Aqui o resultado, se cabe empregar a palavra, é inseparável
do processo de busca ou investigação que conduziu até ele. Naturalmente que a busca se tem de
começar em algum ponto, com algum mal-estar, ou alguma exigência ou situação que dê origem
ao pesquisar, ao buscar. Mas uma exploração filosófica é, para Marcel, algo intensamente
pessoal, e, portanto, não podemos separar simplesmente o resultado da exploração e o pôr aparte
como se fosse uma verdade impersonal. Pode-lho, sim, comunicar; mas o que realmente importa
no processo do genuíno filosofar é a participação. E se se objeta que, então, a filosofia implica
um contínuo começar de novo e que assim não pode ter nunca um conjunto de resultados
provados ou verificados que sirvam de fundamento para a ulterior reflexão, Marcel responde
que “este perpétuo recomeçar [...] é um rasgo inevitável de todo labor genuinamente
filosófica”.[896]

No filosofar de Marcel há, por certo, temas que se repetem insistentemente. E não encosta
grande coisa assinalar alguns deles. Mas se, mais que os resultados ou as conclusões, o que
sobretudo interessa é o processo mesmo da reflexão, compréndese que qualquer tentativa de
resumir o pensamento de Marcel em umas quantas sentenças corra muito perigo de ser
inadequado e insatisfactorio. A propósito de que uma vez alguém lhe pediu que expressasse em
um par de frases a essência de sua filosofia, Marcel fez notar que tal petição era absurda e que
em realidade só podia ser respondido a ela com um encogimiento de ombros.[897] Não obstante,
se um historiador está escrevendo a respeito da filosofia francesa destes tempos, dificilmente
poderá deixar de reseñar as principais ideias de um dos mais conhecidos pensadores. Bem como
também terá de se conformar com que suas notas sejam inadequadas.

Há, com tudo, um ponto que deve ser clarificado de antemão. Já fizemos referência à
qualificação de Marcel como “existencialista cristão”. E é bem sabido que foi um católico
ferviente. Quiçá alguém saque, por isso, a conclusão de que sua filosofia depende de sua fé
católica, mas seria um erro. O Diário metafísico de Marcel foi publicado em 1927, e suas
anotações datam dos começos de 1914 e chegam até a primavera de 1923. Fez-se católico em
1929; e é bem mais acertado dizer que sua conversão fez parte do desenvolvimento geral de seu
pensamento que não que sua filosofia fosse um resultado de sua conversão. O verdadeiro é que
afirmar o segundo seria palmariamente falso. Sua adesão ao catolicismo confirmou-lhe, sem
dúvida, em sua convencimiento de que o filósofo deve prestar atenção a certos temas, mas a
reflexão sobre a fé religiosa é já um rasgo prominente da primeira parte de seu Diário.

Em 1933 publicou Marcel uma obra teatral intitulada Lhe monde cassé (O mundo rompido).
Como postscriptum filosófico redigiu um ensaio sobre “o mistério ontológico”,[898] no que o
mundo rompido é descrito como o mundo funcionalizado. “O indivíduo tende a parecer, a seus
olhos e aos dos demais, uma aglomeración de funções.”[899] São as funções vitais, e também as
funções sociais, como as do consumidor, o produtor, o cidadão, o revisor de bilhetes, o cambista,
o servidor público público retirado, e tantas e tantas outras. O homem está, por assim o dizer,
fragmentado: agora é feligrés, depois empregado, depois pai de família... O indivíduo é
submetido periodicamente a reconhecimento médico, como se fosse uma máquina; e a morte
interpreta-se como uma perda total e definitiva. Este mundo funcionalizado é, para Marcel, um
mundo vau, sem vitalidad; e nele “os dois processos de atomização e de colectivización, longe
de se excluir o um ao outro como o faria supor uma lógica superficial, correm parejos e são duas
feições essencialmente inseparáveis do mesmo processo de desvitalización”.[900] Em semelhante
mundo há, como não, muito campo para os problemas, por exemplo para os problemas
tecnológicos. Em mudança, há total cegueira para o que Marcel chama “mistérios”. Porque estes
são correlativos à pessoa, e em um mundo rompido a pessoa passa a ser o indivíduo fragmentado,
rasgado.

Isso nos traz à distinção que faz Marcel, e que considera muito importante, entre problema
e mistério. Admite nosso pensador que não pode ser traçado uma clara linha de demarcación,
pois a reflexão sobre um mistério e a tentativa do fixar ou o declarar tende ao converter em
problema. Mas evidentemente seria fútil empregar os dois termos se não fosse possível dar
sequer alguma indicação da diferença de seus significados. E nós devemos tratar da dar. Por
fortuna, Marcel proporciona-nos vários exemplos.

Um problema, tal como usa Marcel o termo, é uma pergunta que pode ser respondida de um
modo puramente objetivo, sem que o que interroga se inmiscuya ou afete. Seja, ponhamos por
caso, um problema de matemáticas: naturalmente que me pode interessar, e até talvez muito, o
o resolver; ocorre assim, por exemplo, em exames importantes para a obtenção de uma nota
decisiva ou de um título em uma carreira. Mas ao tratar de resolver o problema que me foi
proposto e que tenho, por assim o dizer, enfrentado a mim, o considero de uma maneira
puramente objetiva, me ficando eu mesmo fora de seus dados: eu sou o sujeito, o problema é o
objeto. E eu não me introduzo no objeto. Verdade é que o o solucionar o efetuo eu. Mas, em
princípio, o poderia fazer não só qualquer outra pessoa senão também uma máquina. E a solução,
uma vez achada, é coisa manejable. O problema move-se, valha a expressão, no plano da pura
objetividad. Se têm-se de resolver problemas para lançar ao homem ao espaço de forma que
possa regressar são e salvo à terra, é óbvio que quanto com maior objetividad lhos proponham
os técnicos e pesquisadores, evitando ao máximo os subjetivismos, tanto melhor lhes irá a todos.

O termo “mistério” presta-se a equívocos. Aqui não se emprega no sentido em que falam de
mistérios os teólogos, isto é, para se referir a verdades reveladas por Deus, que não podem ser
demonstradas mediante só a razão humana e que trascienden nossa capacidade de entendimento.
Nem significa também não o incognoscible. No ensaio ao que nos remetíamos mais acima diz
Marcel que mistério é “um problema que ultrapassa seus próprios dados, os invadindo pelo dizer
assim e trascendiéndose com isso a si mesmo como simples problema”.[901]

Em outro sítio, em Être et avoir, vem a repetir isto e acrescenta que “um mistério é algo em
que meu próprio ser está implicado e, portanto, só é concebible como aquilo no que perde sua
significação e sua inicial validade a distinção entre o que há em mim e o que há ante mim”.[902]
Suponha-se, por exemplo, que pergunto “que sou eu?” e respondo que sou uma alma ou um
espírito que tem um corpo. Responder assim é objetivizar meu corpo como algo contraposto a
mim, algo que eu posso ter ou possuir como pudesse ter um guarda-chuva. Em tal suposto é já
totalmente impossível reconstituir a unidade da pessoa humana. Eu sou meu corpo. Mas
evidentemente não sou identificable com meu corpo entendendo no sentido em que se entende
o termo “corpo” uma vez lho tem distinguido da “alma” e lho tem objetivizado como se fosse
uma coisa que eu pudesse observar, digamos, desde fora. Para prender a unidade da pessoa
humana tenho de retornar à experiência vivida da unidade, que precede à separação mental ou
divisão nesses dois dados ou fatores. Em outras palavras, se divido-me a mim mesmo em uma
alma e um corpo, objetivándolos e os tomando bem como dados de um problema por resolver,
depois, por mais que trate dos juntar de novo, nunca o conseguirei já. Minha unidade somente
posso captá-la desde dentro. Tem-se de tentar explorar ao nível da reflexão segunda “esse em
massa, indistinto sentido da existência total de um”[903] que é orçamento pelo dualismo
produzido pela reflexão primária.

Acabamos de aludir à reflexão primária e secundária. Esta distinção quiçá possa ser
clarificado assim: João e María querem-se. Os dois pensam muito o um no outro, mas não
pensam — suponhamos em — o amor em abstrato, nem se propõem problemas a respeito dele.
Há simplesmente a unidade concreta ou comunión no mútuo amor que une a João e María.
Suponhamos agora que João se põe a pensar se apartando, por assim o dizer, um pouco da real
experiência ou atividade do amor, que o objetiviza e o considera como um objeto ou fenômeno
posto ante sim e pergunta: “que é o amor?” Quiçá trate de analisar o amor resolvendo-o em
elementos constitutivos; ou bem o interprete como alguma outra coisa, em termos, por exemplo,
de vontade de poder. Este processo analítico é um caso de reflexão primeira, e ao amor
considera-lho nela como a proposta de um problema por resolver, o problema da natureza do
amor, que se resolve mediante algum tipo de análise reductivo. Seguamos supondo que João
chega a compreender quanto dista semelhante análise da experiência real do amar ou do amor
como viva comunión entre pessoas. Volta então à real entrega mútua do amor, a viver a
comunión ou unidade que era pressuposta pela reflexão primeira, e trata da captar refletindo
novamente, mas agora como desde dentro, vendo no amor uma vivência de relacionamento
pessoal. Tenho aqui um exemplo de reflexão segunda.

Bradley — recorde-se — postulaba uma originaria experiência da unidade da realidade, do


Um, ao nível do sentimento ou da inmediatez, uma unidade que a reflexão analítica rompe em
fragmentos mas que a metafísica trata de restaurar, de recuperar ao nível do pensamento. Marcel
não é, por suposto, um idealista absoluto; no entanto, sua tentativa de captar na reflexão o que
primeiro esteve presente ao sentimento, ao nível da inmediatez, e depois é distorsionado ou
rompido pelo pensar analítico, constitui um rasgo básico de sua filosofia, o mesmo que da de
Bradley. Assim, meu relacionamento com meu corpo, relacionamento que é sui generis e
irreductible, é experimentada ao nível do “sentimento”. Na reflexão primeira a unidade deste
sentimento experiencial é rompida pelo pensamento analítico. O que em si é irreductible é
submetido a uma análise reductivo e, portanto, é distorsionado. Do qual não se segue em modo
algum que a reflexão primeira careça de valor. Pode servir para fins práticos.[904] Mas se quer
ser preso o relacionamento sui generis entre mim mesmo e meu corpo há que voltar ao
sentimento experiência originario, mediante a segunda reflexão.

A ideia geral de recobrar a um nível mais alto uma unidade perdida é compreensível. Parece-
se bastante à ideia do recobrar a inocência primitiva a um nível superior, que pressupõe sua
perda e sua recuperação.[905] No entanto, o cumprimento do projeto apresenta alguma
dificuldade. Pois não parece senão que a reflexão ou mediação não pode ser combinado com a
inmediatez, e que esta tem de ser necessariamente transformada por aquela. Em outras palavras,
não é ilusoria, não é um sonho a “reflexão segunda”? Dijérase que João, ou está envolvido na
inmediatez do amar, ou tem que desempenhar o papel de espetador e objetivizar o amor o
considerando como um objeto de reflexão. Mas o que não pode é combinar as duas atitudes a
um nível superior, por muito que se figure que o faz.

Não se lhe escapa a Marcel esta dificuldade. Admite que é fácil que a reflexão segunda
degenere em reflexão primeira. Ao mesmo tempo, considera ele a reflexão segunda como uma
exploração do significado metafísico da experiência. Por exemplo, vê o amor como um ato de
trascendencia por parte da pessoa humana e como uma participação no Ser. E inquiere: que me
revela esta experiência de mim mesmo como pessoa humana, que é também experiência do Ser?
O uso que faz Marcel do termo “Ser” resulta um tanto chocante. Faz questão de que ao Ser não
se lhe pode converter em um objeto, em algo captable, digamos, diretamente ou por intuición.
Só pode ser aludido a ele indiretamente. No entanto, está claro que Marcel vê nos
relacionamentos pessoais tais como o amor e em experiências como a esperança umas chaves
para compreender a natureza da realidade que não se encontram no âmbito do objetivizante
pensamento científico. João ama a María, mas esta morreu, e a ciência não proporciona nenhuma
segurança de que María siga existindo nem de que volte a se reunir jamais com João.[906] Em
mudança, para o amor e para a esperança na união segue tendo um “nós”, uma comunión que
permite a João trascender o nível da evidência empírica e confiar em que María continua
existindo e em que no futuro os dois voltarão a se reunir. Desde o ponto de vista do sentido
comum, este ato de trascendencia é simplesmente um fazer-se ilusões. Para Marcel está baseado
em uma presença misteriosa, que é uma participação no Ser. Ao nível da primeira reflexão um
objeto não pode ser descrito como presente a mim se não é localizável, segundo determinados
critérios, no espaço e no tempo. Ao nível da intersubjetividad e da comunión pessoal, outra
pessoa pode ser-me presente, inclusive após sua morte corporal, como um “você”. A união
rompeu-se no plano físico. Mas no plano metafísico persiste em virtude de “a fidelidade
criadora”, que é “a ativa perpetuación da presença”.[907]

Nem que dizer tem que Marcel não está disposto a considerar a Deus como um objeto cuja
existência se afirme qual conclusão resolutoria de um problema. A fé não é questão de achar
que, senão de crer em e para Marcel, como pára Kierkegaard,[908] Deus é o Você absoluto.[909]
Mas há diversos modos de orientar-se para Deus. Isto é, são vários as focagens concretas para a
“Presença absoluta”: o homem pode ser aberto a esta Presença, a Deus, mediante os
relacionamentos intersubjetivas, tais como o amor e a fidelidade criadora, que são sustentados
por Deus e para ele apontam; ou pode também encontrar a Deus no culto e na prece, lhe
invocando e respondendo a seu apelo. Os diversos modos não são, por suposto, mutuamente
exclusivos. São caminhos para chegar a experimentar a divina Presença. Quando trata dos
relacionamentos pessoais dá Marcel muita importância ao conceito de “disponibilidade”
(disponibilite): se estou disponível para o outro, supero meu egoísmo; e o outro faz-se-me
presente ao plano da intersubjetividad. Se não estou disponível ou aberto à outra pessoa, se me
fecho com respeito a ela, essa pessoa, homem ou mulher, não está presente a mim, exceto quiçá
em um sentido puramente físico. Também é possível que eu me feche a Deus e que lhe negue,
recusando lhe invocar. Isto depende, segundo Marcel, de uma opção, de um ato da vontade.

Para alguns leitores Marcel é, indubitavelmente, um autor desconcertante. Em certas feições


seu pensamento produz a impressão dê ser do mais realista, muito próprio para andar pela terra.
Assim, por exemplo, com ele não há por que começar por um eu encerrado em si mesmo e ter
que provar logo a existência do mundo externo e de outros yos. O homem é essencialmente
“encarnado”, corpóreo, está no mundo, acha-se em uma situação. E seu autoconcienciarse
aumenta correlativamente a seu percatarse dos outros homens. No entanto, a muitos leitores
Marcel vai-lhes resultando progressivamente elusivo. Encontramo-nos, efetivamente, com que
emprega termos tão correntes como “ter”, “presença”, “amor”, “esperança”, “depoimento” e se
põe a indagar seu significado. E então esperamos que faça, já que não exercícios de análises
linguístico, sim em tudo caso análise fenomenológicos. Mas suas análises vão parar ao que
parece ser uma forma peculiarmente chocante de metafísica, ante a qual podemos nos ficar sem
saber não só se entendemos em realidade o que se disse, senão também se, de fato, se disse algo
que seja inteligible. Compréndese, por isso que tenha quem se sentam tentados a considerar a
filosofia de Marcel como uma espécie de poesia ou como umas meditações personalísimas e não
como o que comummente se costuma ter por filosofia.

Que o pensamento de Marcel é difícil de captar e também personalísímo mal pode ser
negado. Seus julgamentos de valor revelam-se suficientemente claros. Mas é importante cair na
conta de que ele não trata de explorar o que trasciende toda a experiência humana, senão que o
que pretende é evidenciar ou chamar a atenção sobre o significado metafísico que se oculta no
familiar, envelope os indicadores do eterno que há, tal como as vê, nos relacionamentos
interpersonales, às que atribui um grande valor positivo, e envelope uma presença que o invade
e unifica tudo. Sua filosofia gira em torno dos relacionamentos pessoais e ao relacionamento
com Deus. Isto, sem dúvida, nos diz já muito de Marcel. Mas se seu filosofar não tivesse para
nós outro sentido que o de ser uma indicação do que ele pessoalmente mais valoriza na vida,
Marcel comentaria que é óbvio que nossa maneira de focar as coisas está tão condicionada por
este “mundo rompido” que somos incapazes de discernir as dimensões metafísicas da
experiência ou, pelo menos, se nos faz extremamente difícil discernirlas. Heidegger escreveu a
respeito de Hölderlin. Marcel escreveu envelope Rilke como testemunha do espiritual.[910]
Conhece a crescente oposição de Rilke ao cristianismo e menciona-a, mas vê ao poeta como
aberto e perceptivo com respeito às dimensões de nosso ser e do mundo que permanecem ocultas
a tantos olhos. E nós podemos considerar os ensaios em “reflexão segunda” de Marcel como
umas tentativas de nos facilitar a percepción dessas dimensões.

3. Diferenças mais notorias.

Teilhard de Chardin e Gabriel Marcel são dois pensadores cristãos. Mas entre eles há
patentes diferenças. Teilhard centra sua atenção na evolução do universo. Para ele não há nada
que careça por completo de vida. A matéria transborda vida e espírito, surgindo este no homem
e desenvolvendo para uma consciência hiperpersonal. Todo o processo é teleológico, orientado
para o Ponto Omega, no que o mundo atingirá sua plenitude ao se unir a humanidade inteira no
Cristo cósmico. A ciência moderna e nossa civilização tecnológica estão preparando o caminho
a uma consciência superior na que o homem, tal como atualmente o conhecemos, será superado.
Em resumidas contas, a visão do mundo teilhardiana é plenamente otimista.

Gabriel Marcel não nos fala do universo no sentido teilhardiano do termo. Também ele
insiste, como Teilhard, na situação do homem, que é ser no mundo; mas o mundo em que centra
sua atenção não é o mundo da matéria cambiante: ao falar do homem como de um viajante,,
adverte que não se referirá a nada que tenha que ver com a evolução.[911] Isto é, a evolução é do
todo irrelevante para sua “reflexão segunda” e para sua exploração de “mistérios”. O ato
trascendente é, para Marcel, um entrar em comunión com as outras pessoas e com Deus, não o
movimento da biosfera à noosfera e por fim no ponto Omega. A atenção dirige-se, digamo-lo
paradoxalmente, ao para além interior, ao revelador significado e às dimensões metafísicas dos
relacionamentos que em qualquer tempo são possíveis entre as pessoas reais. Marcel mostra uma
grande sensibilidade para apreciar os relacionamentos que unem entre si aos seres humanos; em
mudança, quase não nos lhe podemos imaginar entoando um hino ao mundo ou ao universo pelo
estilo do de Teilhard. E enquanto a alguns leitores deste se lhes tem feito difícil distinguir entre
o mundo e Deus, tal impressão seria pouco menos que impossível no caso de Marcel, para quem
Deus é o Você absoluto. Pelo demais, embora seria desacertado qualificar a Marcel de
pessimista, ele é muito consciente da precariedad do que ele valoriza e do fácil que é que tenha
local a despersonalización. Ver às outras pessoas como objetos e as tratar como tais é coisa
bastante frequente tanto nos relacionamentos privados como em um contexto social mais amplo.
Para Marcel, nosso mundo está “essencialmente rompido”,[912] e em nossa civilização moderna
parece advertir ele uma crescente despersonalización. Em qualquer caso a ideia de que
inevitavelmente o mundo marcha a cada vez melhor não é certamente sua. O 1947 discutiu com
Teilhard a questão de até que ponto a organização material da humanidade leva ao homem à
maturidade espiritual. E enquanto Teilhard manteve naturalmente uma opinião otimista, Marcel
mostrou-se cético. A colectivización e o ingente desenvolvimento tecnológico de nossa
sociedade pareciam-lhe expressões de um espírito prometeico que recusa a Deus. Marcel acha
firmemente no triunfo escatológico da bondade, e admite que, com base religiosa, isto é, à luz
da fé, pode ser mantido uma atitude otimista. Mas está convencido de que a invocação e a
rejeição foram sempre duas possibilidades para o homem e o seguirão sendo. E pensa que o
dogma do progresso é “um postulado completamente arbitrário”.[913] Dito de outro modo,
enquanto é muito razoável considerar que Teilhard tente se ganhar para o cristianismo as visões
hegeliana e marxista da história (ou interpretar o cristianismo de maneira que lhas assimile e as
trascienda), Marcel não quer ter que ver nada com uma focagem que, em sua opinião, enturbia
a liberdade humana, esquece, em termos teológicos, os efeitos da Queda e se desentiende em
realidade do mau e do sofrimento.

Claro que não devem ser exagerado as diferenças entre as concepções dos dois pensadores.
Por exemplo, a posição de Marcel não entranha rejeição da hipótese científica da evolução,
hipótese que se sustenta ou se vem abaixo segundo seja forte ou débil a evidência empírica.
Considera a teoria científica em questão como irrelevante para a filosofia tal como ele concebe
esta, e ao que se opõe é a que se abuse de uma hipótese científica convertendo em uma visão
metafísica do mundo que ademais inclua uma doutrina do progresso gratuita a seu entender.
Nem também não é questão de sugerir que àqueles relacionamentos pessoais nas que vê Marcel
a expressão da autêntica personalidade humana não lhes desse Teilhard valor nenhum. Em sua
vida privada teve este em grande estima tais relacionamentos; e o movimento da cosmogénesis
era para ele, em um sentido real, um movimento da exterioridad à interioridad, fazia a plena
atualização do espírito.

Ao mesmo tempo, as perspetivas de um e outro diferem claramente, ainda dentro de sua


comum orientação religiosa. E apelam a diferentes tipos de mentalidade. Isto é palmario em suas
respetivas atitudes para com pensadores tão notáveis como Marx e Bergson. Nem Teilhard nem
Marcel são marxistas; e suas respetivas avaliações do marxismo são comprensiblemente
diferentes. Quanto a Bergson, é natural que se tenha a Teilhard por um continuador das linhas
gerais de seu pensamento. E conquanto Marcel rende tributo à distinção bergsoniana entre o
“fechado” e o “aberto”, depois dá à ideia de “abertura” uma aplicação adequada a sua própria
focagem e a seus interesses. Se mentalmente associamos a Teilhard com Bergson, a Marcel
associamos-lhe com pensadores como Kierkegaard e Jaspers, embora suas ideias não se derivam
das do primeiro e com respeito à filosofia do segundo abrigava muitas reservas. O que une a
Teilhard e Marcel é sua fé cristã e sua preocupação pelo homem. Só que, enquanto Teilhard tem
uma opinião otimista envelope o futuro do homem,[914] vendo à luz de sua filosofia da evolução,
Marcel é bem mais consciente, como o era Pascal, do ambiguo, frágil e precário da condição
humana.
Capítulo XVI
O existencialismo de Sartre - I

1. Vida e escritos.

Em seu popular disertación O existencialismo é um humanismo informa Sartre a seu público


de que há duas classes de existencialismo, o cristão e o ateu. Como representantes do
existencialismo cristão menciona a “Jaspers e a Gabriel Marcel, de confesión católica”,[915] e
como representantes do ateu a Heidegger e a si mesmo. O verdadeiro é que Karl Jaspers não era
católico e, pelo demais, veio a preferir que a sua filosofia lha designasse de outro modo que
como “filosofia da existência” (Existenz philosophie). Gabriel Marcel sim que foi católico; mas,
segundo fizemo-lo já notar, repudió eventualmente a etiqueta de “existencialista”. Quanto a
Heidegger, declarou de modo explícito não ter nada em comum com Sartre; e embora certamente
não fosse cristão, também não lhe agradava que se lhe considerasse ateu. Por conseguinte,
embora os livros sobre o existencialismo costumam ocupar-se de todos estes filósofos que
nomeia Sartre, e com frequência também de outros, no que diz respeito à decidida aceitação do
cartaz de “existencialista” parece ser que temos de nos ficar unicamente com o próprio Sartre,
que se apresentou como tal e expôs o que ele julga que é a doutrina essencial do existencialismo.

Talvez resulte, por tanto, um pouco desconcertante ouvir a Sartre nos dizer, em anos mais
recentes, que o marxismo é a única filosofia viva de nosso tempo. Mas disso não se segue que
Sartre volte as costas definitivamente ao existencialismo e se tenha convertido ao marxismo.
Como se explicará no capítulo seguinte, o que propugna é uma fusão dos dois, um
rejuvenecimiento do anquilosado marxismo mediante uma inyección de existencialismo. O
presente capítulo o dedicaremos a expor o existencialismo de Sartre assim que tal, segundo o
desenvolveu no ser e a nada e em outros escritos anteriores a sua entrega à tarefa de fundir
sistematicamente o existencialismo e o marxismo.

No mundo da filosofia há também modas, e estas mudam, e a do existencialismo passou já:


atualmente deixou de estar em boga. Por outra parte, como Sartre publicou um número
considerável de novelas e peças de teatro que fizeram famoso seu nome entre muita gente não
muito inclinada a ler obras filosóficas, nada tem de estranho que se loja a lhe ver como a um
literato mais bem que como a um grave filósofo. Até disse-se às vezes, embora sem razão, que
todas suas ideias filosóficas a tomada de outros pensadores, especialmente de alguns alemães. E
seu prolongado “flirtear” com o marxismo, que culmina em sua tentativa do combinar com o
existencialismo, quiçá contribua a aumentar esta impressão. Mas embora talvez a Sartre lhe
sobrestimaran como filósofo seus fervientes admiradores de antanho, também cabe que se lhe
infraestime. O fato de que seja novelista, dramaturgo e polêmico defensor de causas político-
sociais não quer dizer que não seja, ao mesmo tempo, um pensador sério e capaz. Poderá ter-
lhe-lhe visto escrever nos cafés parisinos, mas isto não tira que seja, como o é certamente, um
homem inteligentísimo, nem que sua filosofia tenha importância, por mais que já não esteja tão
de moda entre os franceses como o esteve faz algum tempo. O que aqui nos concierne é o Sartre
filósofo, não o dramaturgo nem o novelista.

Jean-Paul Sartre nasceu em Paris em 1905.[916] Fez seus estudos superiores na Escola
Normal, de 1924 a 1928. Depois de obter a agrégation de filosofia ensinou filosofia em liceos
em Lhe Havre, Laon e por último em Paris. De 1933 a 1935 seguiu cursos de especialização
primeiro em Berlim e depois na: Universidade de Friburgo, terminados os quais passou a ensinar
no Lycée Condorcet de Paris. Em 1939 incorporou-se ao exército francês e em 1940 foi feito
prisioneiro. Libertado em 1941, voltou a ensinar filosofia e participou também ativamente no
movimento da Resistência. Sartre não ocupou nunca uma cátedra universitária.

A escrever começava já dantes da guerra. Em 1936 publicou um ensaio sobre o ego [917] e
uma obra sobre a imaginação,[918] e em 1938 sua famosa novela A náusea.[919] Em 1939 deu às
imprensas uma obra sobre as emoções, Esquisse d’une théorie dê émotions,[920] e vários relatos
recolhidos baixo o título de Lhe mur.[921] Durante a guerra, em 1940, publicou Sartre um
segundo livro sobre a imaginação, L’imaginaire: psychologie phénoménologique de
l’imagination (O imaginario: psicologia fenomenológica da imaginação),[922] e seu mais
famoso escrito filosófico: L’être et lhe néant: essai d’une ontologie phénoménologique (O ser e
a nada: ensaio de uma ontología fenomenológica) apareceu em 1943.[923] Sua obra de teatro
Lhes mouches (As moscas)[924] foi representada no mesmo ano. Os dois primeiros volumes de
sua novela Lhes chemins de libertei-a (Os caminhos da liberdade) viram a luz em 1945,[925]
como também a conocidísima peça teatral Huis clos.[926] Outras duas obras escénicas
apareceram em 1946, no ano em que publicou Sartre a disertación que mencionamos mais
acima[927] e também seus Réflexions sul a question juive.[928]

Em anos subsiguientes foi publicando Sartre um número considerável de obras de teatro, e


em 1947, 1948, 1949 e 1964 apareceram umas séries de ensaios seus reunidos baixo o título de
Situations .[929]

Sartre foi um dos fundadores, em 1945, da revista Lhes temps modernes, e vários de seus
escritos viram a luz nela, por exemplo seus artigos de 1952 envelope o comunismo. Sua tentativa
de combinar o existencialismo com o marxismo deu por fruto, em 1960, o primeiro volume de
critique-a da raison dialectique (Crítica da razão dialética).[930] Sartre publicou também uma
introdução às obras de Jean Genet, Saint Genet: comédien et martyr.[931]

2. Consciência prerreflexiva e consciência reflexiva; o imaginar e a


consciência emotiva.

Em um de seus ensaios faz notar Sartre que os franceses levam três séculos vivendo da
“liberdade cartesiana”, isto é, com uma ideia cartesiana, intelectualista, da natureza da
liberdade.[932] Seja o que for disso, não parece muito exagerado assegurar que a sombra de
Descarte se estende por toda a filosofia francesa, se não no sentido de que todos os filósofos
franceses tenham de ser cartesianos, sim no de que em muitos casos seu filosofar pessoal começa
por um processo de reflexão no que se tomam posições a favor ou na contramão das ideias do
mais prominente filósofo francês. Esta classe de influência dá-se desde depois em Sartre. Mas
também foi muito influído por Hegel, Husserl e Heidegger. E há que reconhecer que não é mais
discípulo de qualquer destes filósofos alemães que o que possa o ser de Descarte ou dos
sucessores deste. A influência de Heidegger, por exemplo, é bastante clara no ser e a nada, ainda
que Sartre critica aqui com frequência ao pensador alemão, e este, a sua vez, não quis que se lhe
associe ao existencialismo sartriano. Desde um ponto de vista acadêmico,[933] Sartre
desenvolveu seu pensamento, em parte, refletindo sobre os métodos e as ideias de Descarte,
Hegel, Husserl e Heidegger, enquanto, em mudança, o empirismo britânico mal o tem em
conta,[934] e o materialismo, ao menos em suas versões não marxistas, não é uma filosofia que
pareça lhe dizer grande coisa.

A influência da profundidade constituída pelo cartesianismo e a fenomenología faz-se sentir


não só no ensaio de Sartre de 1936 envelope o ego, senão também em suas obras sobre a
imaginação e a emoção, bem como na atenção que presta à consciência na introdução ao ser e a
nada. Ao mesmo tempo, Sartre põe em claro as diferenças entre sua posição e as de Descarte e
Husserl. Para Sartre o dado básico é o que chama ele a consciência prerreflexiva, o mero
percatamos, por exemplo, desta mesa, esse livro ou aquela árvore. Descarte, em seu Cogito, ergo
sum, não começa com a consciência prerreflexiva senão com a consciência reflexiva, que
expressa um ato pelo que o eu se constitui como objeto. E assim se enreda no problema de como
passar desse eu autoencerrado, objeto da consciência, a uma legítima afirmação da existência de
objetos externos e de outros yos, de outras pessoas. Este problema não se propõe se vamos, para
além da consciência reflexiva, à consciência prerreflexiva, a qual é “trascendente”, no sentido
de que põe seu objeto como trascendiéndola, como aquilo para o que ela aponta.[935] “Toda
consciência, segundo o mostrou Husserl, é consciência de algo. Isto significa que não há
consciência que não seja a posição de um objeto trascendente, ou, se se prefere, que a consciência
não tem nenhum “conteúdo’.”[936] Suponha-se, por exemplo, que sou consciente desta mesa. A
mesa não está em minha consciência como um conteúdo. E ao “intencionarla” eu a ponho como
trascendente e não como inmanente a minha consciência. Portanto, o recurso de Husserl de meter
entre parêntese a existência e tratar todos os objetos da consciência como puramente inmanentes
a ela, suspendendo por princípio qualquer julgamento a respeito de sua referência objetiva, é,
neste caso, desaconsejable. Assim que concierne à percepción, o objeto da consciência põe-se
como trascendente e como existente. Ao perceber eu esta mesa, é a mesa mesma, e não uma
representação mental dela, o objeto do ato intencional; e é posta como existindo. Sartre, pois,
segue a Heidegger no recusar a pretensão de Husserl de que a epokhé ou posta entre parêntese
da existência é essencial para a fenomenología.[937]

Sartre não quer dizer, nem muito menos, que nunca nos equivocamos a respeito da natureza
do objeto. Suponha-se, por exemplo, que à média luz do crepúsculo acho ver a um homem no
bosque onde em realidade só há o tronco de uma árvore. É evidente que cometi um erro. Mas
este não consiste em que confunda eu uma coisa real, qual é o tronco de uma árvore, com um
conteúdo mental, com a representação psíquica de um homem, que fosse o conteúdo da
consciência. Eu percebi um objeto, o pondo como trascendente; mas entendi mau ou interpretei
mau sua natureza. Isto é, fiz um julgamento errôneo envelope um objeto real.
Que ocorre então com as imagens e a imaginação? A imaginação é uma forma da
consciência, é intencional. Tem suas próprias caraterísticas: “Toda consciência põe seu objeto,
mas a cada uma faz isto a seu próprio modo”.[938] A percepción põe seu objeto como existente;
mas a consciência imaginante, expressão da liberdade da mente, pode funcionar de várias
maneiras. Por exemplo, pode pôr seu objeto como não-existente. No entanto, o que mais lhe
interessa a Sartre defender é que, bem como a percepción “intenciona” um objeto posto como
trascendente e não um conteúdo mental que faça as vezes do objeto extramental, assim também
a consciência imaginante “intenciona” um objeto que não é a imagem assim que tal imagem.
Naturalmente que um pode refletir envelope a consciência imaginante direta e dizer, sem se
cuidar de que seja ou não apropriado: “Tenho uma imagem”. Mas na mesma consciência
imaginante direta não é a imagem o objeto intencional, senão um relacionamento entre a
consciência e seu objeto. Como mais facilmente se entende o que Sartre quer dizer é supondo o
caso de que a um amigo meu, lhe chamemos Pedro, mo imagine presente quando em realidade
está ausente. O objeto de minha consciência é Pedro mesmo, o Pedro real; mas eu mo imagino
como presente, sendo minha imagem ou representação dele tão só um médio de me relacionar
eu mesmo agora com Pedro ou de me lhe fazer presente. Claro está que a reflexão pode distinguir
entre a imagem e a realidade; mas a atual consciência imaginante direta intenciona ou tem por
objeto seu a Pedro mesmo. É “a consciência imaginativa de Pedro”.[939] Cabe objetar que uma
interpretação assim resulta bem em casos como o deste exemplo, mas é dificilmente aplicável a
outros nos que a consciência imaginante cria livremente um irreal anti-mundo ou, como diz
Sartre, objetos fantásticos que representam um escape do mundo real, uma negación deste.[940]
Em tais casos a consciência não intenciona a imagem ou as imagens? Para Sartre é em tudo caso
a consciência reflexiva a que, mediante a reflexão, constitui a imagem como tal. Para a
consciência imaginante atual a imagem é o modo de pôr ela como não existente um objeto irreal.
A consciência imaginante não põe a imagem como imagem (isto o faz a reflexão); a consciência
imaginante põe objetos irreales. Sartre está disposto a dizer que este “mundo” irreal existe “como
irreal, como inativo”;[941] agora bem, o que se põe como inexistente é óbvio que “existe” só
enquanto posto. Se examinamos uma obra de ficção, vemos que sua irreal mundo “existe” só
por, e em, o ato do o pôr; mas na consciência atual ou direta a atenção dirige-se a esse mundo,
aos ditos e fatos das pessoas imaginadas, não às imagens assim que imagens, isto é, assim que
entidades psíquicas ou da mente.[942]

Em seu livro sobre as emoções insiste Sartre na intencionalidad da consciência emocional


ou emotiva. “A consciência emocional é primeiramente consciência do mundo.”[943] Como a
consciência imaginante, tem também suas próprias caraterísticas. Por exemplo, o modo emotivo
de prender o mundo é “uma transformação do mundo”,[944] a substituição, embora não desde
depois uma substituição efetiva, do mundo da causalidad determinista por um mundo mágico.
Mas é sempre intencional. O homem que tem medo o tem de algo ou de alguém. Outros talvez,
pensem que não há nenhum fundamento objetivo para seu medo. E talvez esse mesmo homem,
refletindo depois, diga que “afinal de contas, não tinha nada de que ter medo”. Mas, se sentiu
autêntico medo, sua consciência afectiva ou emotiva direta prendeu certamente a alguém ou
algo, ainda que vagamente concebido. “A emoção é uma determinada maneira de prender o
mundo”;[945] e o que às coisas e às pessoas se lhes possa revestir com qualidades que não
possuem, ou o que atribuamos uma significação maligna à expressão ou às palavras ou ações de
uma pessoa, não altera este fato. A projeção de significancia emotiva sobre uma coisa ou
envelope uma pessoa implica claramente o intencionalizar essa coisa ou essa pessoa como objeto
de consciência. Em L ’imaginaire recalca Sartre este ponto básico. Sentir ódio a Pablo é “a
consciência de Pablo como odioso”;[946] não é consciência do ódio, pois isto pertence à
consciência reflexiva. O tema da emoção trata-se também em várias seções do ser e a nada.

Temos visto que Sartre faz questão de distinguir entre a consciência prerreflexiva e a
consciência reflexiva. Amar a Pedro, por exemplo, não é o mesmo ato que pensar que amo a
Pedro. No primeiro caso o objeto intencional é o mesmo Pedro, enquanto no segundo o objeto
intencional é eu-amando-a-Pedro. Plantéase, pois, a questão de se Sartre confina ou não a
autoconciencia ao nível da reflexão, de sorte que, no suposto afirmativo, considere que a
consciência prerreflexiva ou direta não vai acompanhada de autoconciencia. Para responder a
esta questão podemos voltar ao ensaio de 1936 envelope a trascendencia do ego.

Neste ensaio afirma Sartre que “o modo de existência da consciência é ser consciente de si
mesma”.[947] E, se tomamos esta afirmação tal como soa, parece se seguir que a autoconciencia
pertence à consciência prerreflexiva. Mas Sartre acrescenta imediatamente que a consciência é
consciência de si enquanto é consciência de um objeto trascendente. No caso da consciência
prerreflexiva isto quer dizer que minha consciência de, por exemplo, uma mesa vai
inseparavelmente acompanhada da consciência de si (é e tem que ser, por assim o dizer,
consciência consciente), mas a “autoconciencia” que é um rasgo essencial da consciência
prerreflexiva é, na jerga de Sartre, não-posicional ou não-tética com respeito ao eu. Quiçá outro
exemplo contribua mais clareza: Suponhamos que estou absorto na contemplação de uma
esplendorosa posta de sol. Minha consciência está inteiramente dirigida para o objeto
intencional; nesta consciência não há cabida alguma para o ego, para meu eu. No sentido
ordinário do termo não há, pois, autoconciencia, já que o ego não é posto como objeto. O pôr-se
do ego acaece ao nível da reflexão. Ao nível da consciência prerreflexiva só se põe como objeto
a posta do sol. Quando converto a consciência da posta do sol em objeto intencional, então é
posto o ego. Ou seja, então surge “meu eu” como objeto para a consciência (reflexiva).

Por conseguinte, para a fenomenología o dado básico é, segundo Sartre, a consciência


prerreflexiva, na que não aparece o ego da consciência reflexiva. Mas, naturalmente, não
podemos pensar ou falar da consciência prerreflexiva sem objetivarla, sem converter em um
objeto intencional. E nesta consciência reflexiva o eu e o mundo são postos como correlativos o
um ao outro. O ego é esse “eu mesmo”, que se põe como a unidade à que se atribuem todos meus
estados de consciência, minha experiência e minhas ações e também como o sujeito da
consciência, como em “eu mesmo imaginando a Pedro” ou “eu mesmo amando a María”. O
mundo é posto como a unidade ideal de todos os objetos da consciência. Fica excluído ou
suprimido o eu trascendental de Husserl; e Sartre pensa que assim pode ele evitar o incurrir,
como Husserl, em idealismo.[948] Esta proposta permite-lhe também evitar o problema que é
para Descarte o ter que provar a existência do mundo externo. Para a consciência reflexiva o eu
e o mundo surgem em correlação, como o sujeito em relacionamento a seu objeto trascendente,
Isolar ao sujeito e o tratar como se fosse um dado aparte é cometer um erro. Não temos de inferir
o mundo a partir do eu, nem também não o eu a partir do mundo: os dois dão-se juntos, em
correlação.

Tudo isto quiçá pareça muito alheio a quanto costumamos associar com o existencialismo.
Mas a Sartre proporciona-lhe uma base realista: o eu em relacionamento a seu objeto
trascendente. Por outro lado, embora o eu não é criado por seu objeto, como também não o objeto
é criado pelo eu (pois os dois se põem ao mesmo tempo em correlação), o eu é algo derivado,
que só lhe consta à consciência reflexiva, ou seja, à consciência que reflete envelope a
consciência prerreflexiva. O eu emerge ou é feito aparecer, sacando da profundidade da
consciência imediata ou direta, como um pólo da consciência. Assim se abre caminho Sartre
para analisar o eu como algo derivado e fugaz. Mais ainda, se pondo o eu como o ponto
unificador e a fonte de todas as experiências próprias, de todos os estados e ações do homem,
lhe é possível a este tratar de se ocultar a si mesmo a ilimitada liberdade ou espontaneidad da
consciência e refugiar na ideia de um eu estável que assegure uma regularidade da conduta.
Temeroso da liberdade sem limites, o homem tentará eludir sua responsabilidade atribuindo suas
ações à determinante causalidad do passado precipitada, por assim o dizer, no ego. E, ao fazê-lo
assim, procede “de má fé”, tema no que a Sartre gosta de insistir.

Onde melhor podem ser examinado estas ideias é no contexto da análise que faz Sartre do
sujeito autoconsciente e do ser no ser e a nada. Uma análise certamente complicada. Mas, já
que a Sartre conhece-se-lhe tanto como dramaturgo e novelista, convém clarificar que como
filósofo é sério e sistemático e não um simples aficionado. Sem que isto signifiquei também não
que crie um sistema como o de Spinoza, com a matemática por modelo. A filosofia
existencialista sartriana pode ser visto como o desenvolvimento sistemático de umas quantas
ideias básicas de seu autor. Não é, certamente, uma mera yuxtaposición de aponte
impresionistas.

3. Ser fenoménico e ser em-si.

Como fica dito, a consciência é, segundo Sartre, consciência de algo, de algo diferente de si
mesma e, neste sentido, trascendente. O objeto trascendente aparece a, ou para, a consciência, e,
assim, pode ser descrito como fenômeno. Mas seria equivocado interpretar esta descrição como
se significasse que o objeto fenoménico é a aparência de uma subjacente realidade ou essência
que não aparece. A mesa da que agora sou eu consciente ou me percato enquanto estou sentado
ante ela não é a aparência de um oculto noúmenon ou de uma realidade diferente dela. “O ser
fenoménico manifesta-se ele mesmo, manifesta sua essência tanto como sua existência.”[949] Por
outra parte, é óbvio que a mesa é mais que o que aparece ante mim aqui e agora em um
determinado ato de percatación ou consciência. Pois bem, se não há tal coisa como uma realidade
oculta ou inaparente da que a mesa fenoménica seja a aparência, e se ao mesmo tempo não pode
ser identificado simplesmente a mesa com uma aparência ou manifestação individual, terá de
lhe a identificar com a série de suas manifestações. Mas à série de suas possíveis manifestações
ou aparências não podemos nós lhe atribuir um número finito. Dito de outro modo, ainda que
recusemos o dualismo de aparência e realidade e identifiquemos uma coisa com a totalidade de
suas aparências, não podemos nos contentar com declarar, com Berkeley, que ser é ser
percebido. “O ser do que aparece não existe só enquanto que aparece”.[950] Ultrapassa o
conhecimento que nós temos dele e é, portanto, transfenoménico. E assim, segundo Sartre, fica
aberto o caminho para inquirir pelo ser transfenoménico do fenômeno.

Se perguntamos que é em si mesmo o ser, tal como se revela à consciência, a resposta de


Sartre nos traz às mente a filosofia de Parménides: “O ser é. O ser é em si. O ser é o que é”.[951]
O ser é opaco, maciço: é simplesmente, Como fundamento do existente, não pode ser negado.
Estas observações, em si mesmas, quiçá resultem um pouco desconcertantes. Consideremos, em
mudança, uma mesa: está aí, aparte das demais coisas, como mesa que é e não como outra coisa
alguma, como apta para tal fim e não para tal outro, e assim sucessivamente. Mas à consciência
aparece-se-lhe como uma mesa precisamente porque os seres humanos lhe dão um significado,
um sentido, a intencionan de um determinado modo. Isto é, a consciência faz com que isso
apareça como uma mesa. Se decido colocar envelope ela meus livros e papéis ou pôr envelope
ela comida, é óbvio que aparece antes de mais nada como uma mesa, um instrumento para
cumprir certos fins. Em outras circunstâncias poderia aparecer-lhe-lhe à consciência (ou, mais
bem, ser feita aparecer pela consciência) antes de mais nada como madeira para o fogo, ou como
parapeito ou objeto sólido apto para me tampar com ele e defender de um ataque, ou como objeto
belo ou feio. Tem um determinado sentido ou significado em seu relacionamento à consciência.
Do qual não se segue, empero, que a consciência acha o objeto. Leste, indubitavelmente, é ou
existe. E é o que é. Mas adquire um significado instrumental, que vem ao constituir como desde
sua profundidade em tal coisa e não em tal outra, somente em relacionamento à consciência. Em
general, o mundo, considerado como um sistema de coisas interrelacionadas com significação
instrumental, é feito aparecer por e para a consciência. Em sua teoria do conferir sentido às
coisas em termos de perspetivas e fins, Sartre inspira-se em Martin Heidegger. E ao desenvolver
sua teoria a respeito de como se faz isto questiona a dialética hegeliana do ser e do não-ser. Para
Sartre o ser em-si é logicamente anterior ao não-ser e não se lhe pode identificar com este; mas
a mesa, por exemplo, é constituída como mesa mediante uma negación. É uma mesa e não
qualquer outra coisa. Toda diferenciación dentro do ser é devida à consciência, que faz com que
algo apareça diferenciando de sua profundidade e, neste sentido, negando a profundidade. E o
mesmo diga-se dos relacionamentos espaciais e temporários: uma coisa aparece como
“próxima” ou “longínqua” com respeito a uma consciência que compara e relaciona.
Parecidamente, é para a consciência para a que este evento aparece como ocorrendo “após”
aquele outro evento. Assim mesmo, a distinção aristotélica entre potência e ato só se produz por
e para a consciência. É em relacionamento à consciência, por exemplo, o que a mesa seja
potencialmente madeira para o fogo. Aparte da consciência, não é mais que o que é.

Em fim, para a consciência aparece o mundo como um sistema inteligible de coisas


diferentes e interrelacionadas. Se abstraemos todo o que é devido à atividade da consciência no
fazer com que apareça o mundo, nos fica só o ser-em-si (Vêem-soi, o em si), opaco, maciço,
indiferenciado, o nebuloso profundidade, por assim o dizer, fosse do qual é feito aparecer o
mundo. Esse ser-em-si, nos assegura Sartre, ultima e simplesmente é. “Sem razão, sem causa e
sem necessidade”: é.[952] Do qual não se segue que o ser seja causa de si mesmo (causa sui).
Pois esta é uma noção sem sentido. O ser simplesmente é. E assim o ser é gratuito ou “a mais”
(ide trop), como diz Sartre em sua novela A náusea.[953] Nesta obra Roquentin, sentado no jardim
público de Bounville, tem a impressão de que é totalmente gratuito ou supérfluo o ser das coisas
que lhe rodeiam e o seu mesmo: que não há razão nenhuma para sua ser. “Existir é simplesmente
estar aí.”[954] Em si mesmo o ser é contingente, e esta contingencia não é uma “feição externa”,
no sentido de que lha possa passar por alto a explicando por referência a um ser necessário. O
ser não é derivable nem reducible. Simplesmente é. A contingencia é “o absoluto mesmo e,
portanto, perfeitamente gratuito”.[955] “Increado, sem razão de ser, sem relacionamento a
nenhum outro ser, o ser-em-si é gratuito por toda a eternidade.”[956]
Desde depois que está bastante claro que há diferentes pontos de vista e que as coisas lhes
podem parecer diferentes às diversas pessoas, E cabe que façamos com algum sentido a
afirmação de que é a consciência a que faz com que as coisas apareçam de determinados modos
ou baixo certas feições. Para o montañero ou para o que queira o ser a montanha aparece como
possuidora de certas caraterísticas, enquanto para qualquer outro indivíduo que não tenha a
intenção ou não esteja tratando já da escalar senão que a esteja contemplando esteticamente
desde longe essa mesma montanha apresentará, sem dúvida, outras caraterísticas. E se um deseja
dizer que a cada consciência faz com que o objeto apareça de verdadeiro modo ou com
determinados feições a base de negar outras feições ou de relegarlos a um impreciso
profundidade, esta forma de falar resulta compreensível, embora um tanto rebuscada. Assim
mesmo, na medida em que os seres humanos têm interesses e propósitos comuns, as coisas
aparecem a seus olhos de maneiras similares. Não é absurdo dizer que os seres humanos
conferimos significados às coisas, especialmente se o significado é instrumental. Mas Sartre leva
este pensamento para além do limite até o que muita gente estaria disposta a lhe acompanhar.
Por exemplo, já fizemos notar que, em sua opinião, as distinções entre coisas são devidas à
consciência, já que são devidas ao ato de distinguir (à negación, dito em terminología sartriana,
ao ato de negar que isto seja aquilo). Evidentemente em um sentido isto é verdadeiro: no de que
sem consciência não pode ser distinguido. Mas, ao mesmo tempo, seriam seguramente maioria
quem estariam dispostos a sustentar que nossa mente não tem por que assinalar forçadamente
distinções no que careça delas, e pode, em mudança, reconhecer as distinções que sejam
objetivas, E se Sartre não está de acordo em isto, resulta difícil evitar a impressão de que se ele
tenta esticar a linha de seu pensamento quanto lhe seja possível com tal de não incurrir no que
ele mesmo costuma tachar de idealismo, procede assim para apresentar o ser-em-sim do modo
como o apresenta. Não é que vamos negar que possa ser dado efetivamente o tipo de impressão
ou experiência que figura ter Roquentin nos jardins de Bouville. Mas disso não se segue, nem
muito menos, que Sartre possa sacar legitimamente, de uma impressão como essa, as conclusões
ontológicas que de fato saca. Verdadeiro que no ser e a nada arguye que o perguntar por que há
ser é um perguntar sem sentido, pois pressupõe já o ser.[957] Mas ao dizer isto é óbvio que não
pode ser estado referindo aos seres, já que dantes dizia que é a consciência a que faz com que os
seres apareçam como tais, como diferentes. Provavelmente o que quer dizer é que carece de
sentido o perguntar por que há ser, já que o ser, o existir, declarou ele que está de trop: “a mais”.
Poderia ter suscitado dificuldades com respeito às presuposiciones que implica o uso da palavra
“por que”, Mas o que em realidade faz é desaprovar a pergunta de “por que há ser” achacando
que já pressupõe o ser. E não se vê nada claro como possa ser desaprovado com tal fundamento
a pergunta, a não ser que o ser em questão se entenda no sentido do ser transfenomenal e último,
isto é, como o Absoluto. O verdadeiro é que Sartre arguye contra outras doutrinas. Mais adiante
diremos algo sobre sua crítica do teísmo. Mas sua própria postura parece ser o resultado de um
pensar aparte ou abstraer de tudo no objeto que ele considera que é devido à consciência e depois
declarar que o resto é o Absoluto, l’em-soi opaco e, em si mesmo, ininteligible.

4. O ser para-si.

O conceito do “em-si” (l’em-soi) é um dos dois conceitos finque do ser e a nada. O outro
conceito finque é o da consciência, “o para-si” (lhe pour-sot). E não tem por que surpreender
que a maior parte da obra esteja dedicada a este segundo tema. Porque se o ser-em-si é opaco,
maciço, idêntico a si mesmo, obviamente pouco é o que a respeito dele pode ser dito. Ademais,
como existencialista, Sartre se interessa antes de mais nada pelo homem ou, segundo prefere o
expressar, pela realidade humana. Faz questão da liberdade humana, que é essencial para sua
filosofia; e sua teoria da liberdade está baseada em sua análise do “para-si”.

Uma vez mais, toda consciência é consciência de algo. De que? Do ser tal como este aparece.
Portanto, parece seguir-se que a consciência tem de ser diferente do ser, isto é não-ser, e que tem
de surgir mediante uma negación ou anulação do ser-em-si. Sartre é explícito a este respecto. O
ser-em-si é denso, maciço, pleno. O em-si não alberga à nada. A consciência é aquilo pelo que
se introduz a negación, anulação ou “neantización”. Por sua natureza mesma a consciência
entranha ou é distanciamiento ou separação com respeito ao ser, embora se pergunta-se que é o
que a separa do ser, a resposta não pode ser outra que “nada”. Pois não há nenhuma entidade
que intervenha para a separar. A consciência é de seu não-ser, e sua atividade, segundo Sartre, é
um processo de nihilización, de “neantización”. Quando eu me percato deste pedaço de papel,
me distancio do mesmo, nego que eu seja o papel; e faço com que o papel apareça, que se
destaque de sua profundidade, negando que seja qualquer outra coisa, anulando, nihilizando os
demais fenômenos. “O ser pelo que a nada se introduz no mundo é um ser no que, em sua própria
entidade, se questiona a nada de sua ser; o ser pelo que a nada entra no mundo tem de ser sua
própria nada.”[958] “O homem é o ser pelo que a nada vem ao mundo.”[959]

Evidentemente a linguagem empregada por Sartre presta-se a muitas objeciones. Diz Sartre
que a consciência é sua própria nada; mas também se refere à consciência como a um ser que é
em verdade existente, já que a descreve como exercendo a atividade a ela atribuída. Não se faz
muito difícil compreender que quer dizer Sartre ao atribuir à consciência um processo de
nihilización. Se em uma galería fixo minha atenção em um determinado quadro, relego os
demais a um impreciso profundidade. Mas com o mesmo ou maior direito poderia recalcarse a
atividade positiva que implica o ato intencional.[960] Em mudança, se suponho que o ser é em si
o que Sartre diz que é, e se ao ser se lhe faz aparecer como o objeto da consciência, então pode
que a consciência do ser tenha de entranhar a distanciación ou separação de que ele fala, e neste
sentido implique o não-ser. Se pomos objeciones à linguagem, e bem podemos lhas pôr, faríamos
melhor examinando as premisas que conduzem a seu emprego.

Como surge a consciência? Encosta trabalho entender como o ser-em-si, supondo que seja
segundo Sartre o descreve, possa dar origem a coisa alguma, nem sequer a sua própria negación.
E igualmente difícil faz-se, se não mais, compreender como possa a consciência autooriginarse,
qual causa sui. Quanto ao eu-sujeito, este surge, como vimos, não ao nível da consciência
prerreflexiva senão ao da consciência reflexiva. Vem ao ser mediante a reflexão da consciência
sobre sim mesma, e é feito aparecer bem como objeto. Neste caso não há nenhum eu
trascendental que possa dar origem à consciência. Mas é um fato indudable que a consciência
surgiu. E Sartre apresenta-a figuradamente como surgindo através de uma fisura ou grieta que
se produz no ser, de um rompimiento cujo resultado é a distanciación essencial à consciência.

Parece-me a mim que em realidade não é nada clara a explicação da origem da consciência
que nos oferece Sartre. No entanto, admitindo que surja ao se produzir uma fisura ou um oco no
ser-em-si, terá de sair de um modo ou outro fosse do ser, embora seja mediante um processo de
negación, e será, por tanto, algo derivado. Segundo vimos, Sartre exclui a questão de “por que
há ser?” Mas em mudança pergunta “por que há consciência?” Verdadeiro que relega as
hipóteses explicativas à esfera da “metafísica” e diz que a “ontología” fenomenológica não pode
responder a esta questão. Mas aventura-se a sugerir que “tudo ocorre como se o em-si, em um
projeto de se fundar, se transformasse no para-si”.[961] Como possa ter o em-si tal projeto, não
fica muito claro. Mas a imagem é a do Absoluto, ser-em-si, sofrendo um processo ou realizando
um ato de autodesgarramiento pelo que se origina a consciência. É como se o ser-em-si tratasse
de tomar a forma de consciência sem deixar de seguir sendo em-si. Mas esta aspiração não pode
ser nunca satisfeita. Porque a consciência existe só mediante uma contínua separação ou
distanciación do ser, uma contínua secreción da nada que a separa de seu objeto. O ser-em-si e
a consciência não podem estar unidos em um. Só podem ser unido pelo recair do para-si no em-
si e seu deixar de ser para-si. A consciência somente existe por um processo de negación ou
“neantización”. É um relacionamento ao ser, mas é diferente do ser. Surgindo do ser-em-si por
um processo de autodesgarramiento no ser, faz com que apareçam os seres (um mundo).

5. A liberdade do ser para-si.

O ser-em-si, maciço, opaco e sem consciência, obviamente não é livre. Em mudança, o para-
si, como separado do ser (embora pela nada), não pode ser determinado pelo ser; escapa-se da
determinação do ser-em-si e é essencialmente livre. A liberdade, segundo Sartre, não é uma
propriedade da natureza ou essência humana. Pertence à estrutura do ser consciente. “O que
chamamos liberdade é, pois, impossível distinguir do ser da “realidade humana’.”[962] É que, em
contraste com os demais entes, o homem primeiro existe e depois faz sua essência. “A liberdade
humana precede à essência do homem e fá-la possível.”[963] Tenho aqui, diz-nos/dí-nos Sartre,
a crença comum a todos os existencialistas: que “a existência precede à essência”.[964] O homem
é o não-já-feito. O faz-se a si mesmo. Sua carreira não está predeterminada: não avança, pelo
dizer assim, por um par de guias dos que não possa ser saído. O faz-se a si mesmo, não desde
depois no sentido de que se acha a si mesmo da nada, senão no de que o que chegue a ser depende
de si, de sua própria eleição.

Não faz falta sustentar uma teoria de essências ocultas, aparte ou dentro das coisas, para lhe
encontrar dificuldades a esta concepção de que a existência do homem precede a sua essência.
Em sua conferência sobre o existencialismo e o humanismo expõe Sartre que, em sua opinião,
não há nenhum Deus que acha ao homem atendo a uma ideia da natureza humana, de sorte que
a cada ser humano seja um espécimen da essência humana. Muito bem, é óbvio que todos os
ateus estariam de acordo em isto. Mas o que aqui nos atañe é o homem mesmo, e não se foi ou
não foi criado por Deus. Prescindiendo em absoluto do relacionamento do homem com Deus,
Sartre mantém que no homem a existência precede à essência. Que existe, pois, no primeiro
instante? Provavelmente a resposta será que uma realidade capaz de se fazer a si mesma, de
definir sua própria essência. Agora bem, essa “realidade” não tem outras caraterísticas que a
liberdade? O que tenha ou não uma natureza ou essência humana que seja fixa, inmutable,
estática, não plástica, é outra questão. Mas isso de supor que não tenha natureza humana em
algum sentido, distinguible ao menos das naturezas dos leões ou das rosas, resulta muito difícil.
Até tomando à letra o que diz Sartre está claro que os seres humanos têm uma verdadeira
essência ou natureza comum, a saber, que são os seres que chegarão a ser o que eles mesmos se
façam. Afinal de contas, Sartre pode falar da “realidade humana” ou dos seres humanos com o
convencimiento de que a gente saberá de que está falando. Agora que, em realidade, não é
preciso que nos molestemos muito em tomar em um sentido literal as declarações de Sartre, pois
está bastante claro que o que ele propugna acima de tudo é que o homem é inteiramente livre,
que suas ações resultam todas elas de sua livre eleição e que o que chega a ser depende
integralmente de si mesmo.

Em seguida joga-se de ver cuán inverosímil é isto. Sartre não está, naturalmente, falando de
atos reflexos, pois a estes não lhos pode contar como ações humanas no sentido próprio. Mas
ainda que restrinjamos nossa atenção a atos que possam ser atribuído ao para-si, à consciência,
a pretensão de que somos total ou absolutamente livres parecerá, sem dúvida, do todo
incompatível com os fatos. Embora não recorramos para nada à teoria determinista, cabe que
asseguremos que nossa liberdade está limitada por toda classe de fatores internos e externos. Ou
é que não é limitante, já que não determinante, a influência dos fatores fisiológicos e
psicológicos, do médio ambiente, da criação, da educação e de uma pressão social que é exercida
de contínuo e por todos os lados sem que o advirtamos reflexivamente? E embora recusemos o
determinismo e admitamos a liberdade, não temos de reconhecer que as pessoas tendem a atuar
de acordo com seus carateres e que com frequência achamos poder predizer como atuarão ou
reagirão em determinadas circunstâncias? Verdade é que às vezes atua a gente de maneiras
inesperadas. Mas então não tendemos a sacar a conclusão de que a esses que assim atuam não
íes conhecíamos em realidade tão bem como pensávamos, e que dos ter conhecido melhor faria
predições mais certeras? A tese de que o ser humano é total ou absolutamente livre está, sem
dúvida alguma, em desacordo com os fatos da experiência e com nossos modos ordinários de
falar e de pensar.

Mal é menester dizer que Sartre conhece muito bem este tipo de objeción e tem preparada
sua resposta. Ele concebe ao para-si como projetando sua própria meta ideal e se esforçando
pela atingir. À luz deste projeto algumas coisas aparecem como obstáculos. Mas depende
inteiramente de minha eleição o que apareçam ou como obstáculos que terão de se superar, como
degraus, digamos, na senda de meu exercício da liberdade, ou como obstáculos insuperables que
obstruyan o caminho. Um exemplo singelo, pelo estilo dos que costuma pôr o mesmo Sartre;
Desejo passar umas férias no Japão. Mas não tenho o dinheiro necessário e, portanto, não posso
ir. Minha falta de dinheiro parece-me um obstáculo insuperable tão só porque fiz livremente o
projeto de passar minhas férias no Japão. Se livremente elejo ir mais bem a Brighton, viaje para
o qual sim que tenho o dinheiro que custa, minha situação financeira não me parece já em
absoluto um obstáculo, ou pelo menos não um insuperable. De outra maneira; Suponha-se que
tenho fortes inclinações a atuar de modos que são incompatíveis com o ideal que projetei para
mim e minha conduta. Sou eu mesmo quem faz com que estas inclinações apareçam de tal ou
tal modo. Elas em si mesmas constituem um tipo de em-si, um dado, o sentido ou a importância
do qual são constituídos por mim mesmo. Se abandono-me completamente a elas, é porque elegi
o as considerar obstáculos insuperables. E esta eleição manifesta, a sua vez, que meu projeto
real, meu ideal efetivamente operativo, não é o que eu, me enganando a mim mesmo, me dizia
que era. O ideal realmente operativo de um homem revela-se em suas ações. Já pode protestar
Garcin, na obra de teatro Huis clos (A porta fechada), que ele não foi em realidade um covarde.
Como diz Inez, é aquilo que um faz o que revela o que um é, o que um elegeu ser. Em opinião
de Sartre, o ser “vencido” por uma paixão ou por uma emoção como o medo, é simplesmente
um modo de eleger, embora é óbvio que se trata de uma forma relativamente irreflexiva de reagir
a uns estímulos determinados. Algo assim pode ser dito, por exemplo, da influência do médio
ambiente. É a consciência mesma a que confere sentido ao meio: a um lhe parece uma
oportunidade, enquanto a outro vem a lhe ser como um sumidero que lhe arrebata e lhe engole.
Em ambos casos não é senão o homem o que faz com que seu ao redor, seu meio, se lhe apareça
de um verdadeiro modo.

Por certo que Sartre não é cego ao fato de que com frequência somos incapazes de alterar os
fatores externos, no sentido dos mudar fisicamente ou de se afastar um mesmo deles.
Praticamente falando, talvez não possa eu mudar de sítio ou não possa alterar minha situação
ambiental. E ainda no caso de que possa o fazer em teoria e quiçá também na prática, tenho de
estar necessariamente em algum local e rodeado de algum ambiente. Sartre assegura que o
significado que estes fatores tenham para mim o elejo eu mesmo, embora não saiba ou não queira
o reconhecer. Parecidamente, eu não posso alterar o passado no sentido de conseguir que o que
fiz não seja feito. Se traí a minha pátria, este fato tem-se empedernido, por assim o dizer, é já
inalterable. Pertence a mim mesmo como facticidad, como algo já feito. Mas, segundo vimos, o
ser-em-si não é, para Sartre, temporário. Carece de sentido falar do ser-em-si como se incluísse
sucessão. A temporalidad é “o modo de ser característico do ser-para-si”.[965] Ou seja, que o
para-si é um perpétuo fugir do que foi para o que será, do sim mesmo como algo fato para o si
como algo por fazer. Na reflexão esta fugida fundamenta os conceitos de passado, presente
(como presente ao ser-em-si) e futuro. Dito com outras palavras, o eu está para além de seu
passado, que ele fez de si mesmo, o ultrapassando. Se pergunta-se que separa ao eu em sua
fugida de si mesmo como já fato, a resposta é: “nada”. Mas dizer isto equivale a dizer que o eu
se nega como fato e, assim, o ultrapassa e está para além disso. O eu como já fato recai na
condição do em-si. E em um dia, ao morrer, o para-sim transforma-se inteiramente em algo já
fato e pode ser considerado de um modo puramente objetivo, digamos pelo psicólogo ou pelo
historiador. Mas enquanto existe, o para-sim está por adiante de si como passado e, portanto,
não pode ser determinado por si mesmo como passado, como essência.[966] Segundo anotámos
já, o eu não pode alterar seu passado, no sentido de fazer com que o que aconteceu não aconteça
ou que as ações efetuadas não o tenham sido; mas depende de sua própria eleição o significado
que o eu dê a seu passado. De onde se segue que toda influência exercida pelo passado é exercida
porque se elege que o seja. Um não pode ser determinado por seu passado, por um mesmo como
já feito.

Segundo Sartre, pois, a liberdade pertence à estrutura mesma do para-si. Neste sentido, está-
se “condenado” a ser livre. Não podemos eleger entre ser livres ou não: simplesmente somos
livres pelo fato mesmo de que somos consciências. Mas sim que podemos eleger o tratar de nos
enganar a nós mesmos. O homem é totalmente livre; não pode menos de eleger e comprometer
de algum modo; e seja qual for o modo como se comprometa, idealmente compromete aos
demais seres humanos.[967] A responsabilidade é inteiramente sua. O cair na conta desta total
liberdade e responsabilidade vai acompanhado de “angústia” (angoisse), um estado de ânimo
afim ao de quem achando à beira de um precipício sente-se ao mesmo tempo atraído e repelido
pelo abismo. O homem pode, pois, tratar de enganar-se adotando alguma forma de
determinismo, carregando a responsabilidade sobre algo alheio a sua própria eleição, já seja
Deus, ou a herança, ou sua formação e ambiente, ou qualquer outra coisa. Mas se assim o faz,
está na má fé. Isto é, a estrutura do para-si é tal que um homem pode estar em um estado como
de conhecimento e desconocimiento simultâneos. Radicalmente tem consciência de sua
liberdade; mas pode ser visto a si mesmo, por exemplo, como sendo o que não é ele (seu
passado), e então cobre com um véu ou enmascara para si mesmo a total liberdade que dá origem
à angústia, a essa espécie de vertigem.[968]

Quiçá saque-se disto a impressão de que para Sartre todas as ações humanas são
absolutamente impredecibles, como sim na vida do homem não tivesse padrão algum de
inteligibilidad. No entanto, que de nenhum modo é tal coisa o que ele quer dizer se vê pelo que
em sua conferência sobre o existencialismo e o humanismo nos refere daquele jovem que,
durante a Segunda Guerra Mundial, lhe pediu que lhe aconselhasse se devia permanecer na
França para cuidar a sua mãe, separada de seu pai colaboracionista e cujo outro filho era morrido
em 1940, ou devia tratar de se escapar a Inglaterra para unir às Forças Francesas Livres. Sartre
recusou o dar uma resposta. E quando, na discussão que seguiu à conferência, P. Naville disse
que o conselho deveria ter sido dado, replicou Sartre não só que a decisão lhe correspondia ao
jovem a tomar e que não se lhe podia dar feita, senão também que, “pelo demais, eu sabia que
ia ele a fazer, e isso é o que fez”.[969] A julgamento de Sartre, o para-sim faz uma eleição original
ou primitiva projetando sua eu ideal, projeção que implica um conjunto de valores; e as eleições
particulares são todas informadas, o digamos assim, por esta básica projeção livre. Claro que o
ideal efetivo de um homem pode ser diferente do ideal por ele professado, do que diz que é seu
ideal. Mas este se revela em suas ações. O projeto original pode ser mudado, mais isso requer
uma conversão, uma mudança radical. Como não se dê tal mudança radical, as ações particulares
de um homem cumprem e revelam sua eleição ou projeto original. De modo que as ações de um
homem são livres por estar contidas em sua original eleição livre; e quanto com maior clareza
veja o observador externo revelar nas ações de um homem o projeto básico deste, tanto mais
poderá o observador predizer como atuará esse homem em uma situação dada. Ademais, se
alguém pede conselho a um homem cujas ideias e atitudes lhe são conhecidas, é que em realidade
já decidiu. Pois elegeu ouvir o que deseja ouvir.

O que dissemos da possibilidade de conversão implica, como é óbvio, que indivíduos


diferentes podem ter projetos diferentes, projetos que se revelam em suas ações. Mas subjacente
a todos esses projetos há, segundo Sartre, um projeto básico que pertence à estrutura mesma de
lhe pour-soi. O para-si é, segundo fica dito, um fugir do passado para o futuro, um fugir de si
mesmo como algo já fato indo para suas possibilidades, para o ser que será. É, pois, um fugir do
ser ao ser. Mas o ser que o para-sim busca e pelo que se afana não é simplesmente l’em-soi,
carente de consciência. Já que o para-sim trata de conservar-se. Em fim, o homem aspira ao
projeto ideal de chegar a ser o em-si-para-si, ser e consciência em um. E este ideal coincide com
o conceito de Deus, ser consciente autofundado. Podemos, pois, dizer que “ser homem é tender
a ser Deus; ou, se prefere-se, o homem é fundamentalmente desejo de ser Deus”.[970] “Assim
minha liberdade é a eleição de ser Deus, e todos meus atos, todos meus projetos, traduzem esta
eleição e a refletem de mil e uns modos, pois há uma infinidad de maneiras de ser e de ter.”[971]
Desafortunadamente, a ideia de Deus é contradictoria. Porque a consciência é precisamente a
negación do ser. Daí que Sartre saque a conclusão tão pessimista de que “o homem é uma paixão
inútil”.[972] O para-sim aspira à divinidad; mas recai inevitavelmente na opacidade de l ’em-soi.
Sua fugida acaba, não na realização de seu projeto básico, senão na morte.

6. A consciência dos outros.


Até aqui prestámos pouca atenção à pluralidad de consciências. Não vamos seguir a Sartre
em sua discussão das teorias de outros filósofos como Hegel, Husserl e Heidegger[973] sobre
nosso conhecimento da existência das demais pessoas. Mas temos de dizer algo, ao menos, sobre
sua linha de pensamento nesta questão. E podemos fixar-nos/fixá-nos antes de mais nada em sua
rejeição da ideia de que a existência de outras mentes ou consciências seja inferida sem mais da
observação dos corpos e dos movimentos destes. Se eu vejo um corpo que caminha pela rua e
infiro que há nele uma consciência similar à minha, se trata de uma simples conjetura por minha
parte[974] Se o outro indivíduo está muito fosse do alcance de minha experiência, como provarei
que o que tomo por um ser humano não é, de fato, um robô? O mais que poderei assegurar é
que, enquanto minha própria existência pessoal é certa (Cogito, ergo sum), a do Outro é
provável. E esta não é uma posição que Sartre considere sustentável. Ele quer fazer compreender
que há um sentido real no que o cogito me revela “a concreta e indubitable presença deste ou
aquele Outro concreto”.[975] Não busca motivos para que se ache que há outros yos, senão razões
que provem a revelação do Outro como sujeito. Deseja mostrar que eu encontro ao Outro
diretamente como a um sujeito que não sou eu mesmo. E isto implica o patentizar um
relacionamento entre minha consciência e a do Outro, um relacionamento na que o Outro se me
dá não como um objeto senão como um sujeito.

Tratasse, portanto, não de deduzir a priori a existência de outros yos, senão de analisar
fenomenológicamente a espécie de experiência na que o Outro se me revela como sujeito. O que
pensa Sartre envelope este particular o veremos quiçá do modo mais claro resumindo um dos
exemplos que ele mesmo põe. Às vezes queixam-se alguns de que Sartre não oferece provas do
que afirma. Mas embora em alguns casos tais queixas estejam justificadas, deveria ser tido em
conta que em um contexto como o que agora nos atañe é “prova” suficiente, a seu julgamento,
o atento exame das situações nas que o Outro se revela claramente como um sujeito à consciência
de um mesmo, dentro da própria experiência. Se dizer que os demais indivíduos são sempre
objetos para um mesmo e nunca sujeitos, Sartre tentará refutar este aserto pondo exemplos de
situações nas que salte à vista que é falso. Consegua-o ou não, seu procedimento nada tem ao
que parece de reprochable, exceto aos olhos, quiçá, de quem pensem que os filósofos somente
devem afirmar o que deduza a priori partindo de algum ponto de partida indiscutible.

Imaginemo-nos que estou no corredor de um hotel e que me agacho para olhar pelo olho de
uma cerradura. Nesses momentos não penso em absoluto em mim mesmo: minha atenção
absorve-a por inteiro o que está passando dentro da habitação. Eu estou em um estado de
consciência prerreflexiva. De repente advirto que um empregado do hotel ou outro hóspede está
por trás de mim e vê o que eu faço. Imediatamente assalta-me a vergonha. Surge o cogito, no
sentido de que cobro consciência reflexiva de mim mesmo como objeto, isto é, como objeto de
outra consciência que atua como sujeito. O campo de consciência do outro invade, por assim o
dizer, o meu, reduzindo a um objeto. Experimento ao Outro como a um sujeito consciente e livre
através de sua mirada (regar d), com a que me converte a mim em um objeto para outro. A razão
pela que o sentido comum opõe uma inquebrantável resistência ao solipsismo é que o Outro me
é dado como uma presença evidente que eu não posso derivar de mim mesmo e que não pode
ser posta seriamente em dúvida. A consciência do Outro não me é dada, naturalmente, no sentido
de que seja minha; mas o fato do Outro é dado de um modo incuestionable na redução de mim
mesmo a um objeto para uma trascendencia que não é a minha.
Suposto como trata Sartre o tema do encontro de um mesmo com o Outro, não é de estranhar
que diga que “o conflito é o sentido originario do ser-para-outro”.[976] Se a mirada do Outro me
reduz a mim a um objeto, eu posso tratar ou bem de absorver a liberdade do Outro lhe deixando
ao mesmo tempo intato, ou bem de reduzir ao Outro a um objeto. O primeiro projeto pode ser
visto no amor, que expressa um desejo de “possuir uma liberdade como liberdade”,[977] enquanto
o segundo pode ser visto, por exemplo, na indiferença, no desejo sexual e, em uma forma
extrema, no sadismo. Mas ambos projetos estão condenados ao falhanço. Eu não posso absorver
a liberdade de outra pessoa deixando a esta intata; ele ou ela me elude sempre, pois o outro eu
trasciende necessariamente ao meu, e a mirada que me reduz a objetividad renace sempre.[978]
Quanto à redução do Outro a um objeto, parece que possa ser conseguido completamente
mediante a destruição, lhe matando; mas isto equivale a uma frustración, pois é fracassar no
projeto de reduzir ao sujeito como tal à condição de objeto. Enquanto tenha outro para-si, a
redução total é impossível; e se leva-lha a cabo do todo já não há um para-si.

A preocupação de Sartre pela análise existencial de fenômenos como o masoquismo e o


sadismo produz naturalmente a impressão de que considera que o amor está condenado ao
falhanço, à frustración, e de que não está disposto a reconhecer que seja possível a genuína
comunión entre pessoas, a consciência do “nós”. No entanto, não pretende negar que se dá,
efetivamente, algo bem como uma experiência do “nós”. Por exemplo, durante uma
representação teatral ou em um partido de futebol dá-se ou pode ser dado o que Sartre chama
uma consciência não tética do nós. Isto é, embora a cada consciência está absorta no objeto (o
espetáculo), os espetadores de um partido de final de copa, ponhamos por caso, são certamente
co-espetadores, por mais que não estejam refletindo no “nós” como sujeito coletivo. A
consciência não tética do nós se manifesta muito às claras quando estallan espontaneamente os
aplausos em massa e o vocerío.

Em mudança, ao nível da consciência reflexiva insiste Sartre em que o Nos-sujeito surge na


confrontación com os Outros. Considere-se, por exemplo, a situação de uma classe oprimida.
Experimenta-se ou pode chegar a experimentar-se como um Nos-objeto para os opresores, como
um objeto da mirada de um Eles. Se depois a classe oprimida adquire consciência de si como
classe revolucionária, surge o Nos-sujeito, que volta as torna contra os opresores transformando
em um objeto. Pode, portanto, dar-se perfeitamente bem uma consciência-de o-“nós” na que um
grupo se enfrenta a outro.

Mas que ocorre com a humanidade como um tudo? Segundo Sartre, como era de esperar, a
raça humana em seu conjunto não pode ser feito consciente de si como um Nos-objeto se não se
postula a existência de um ser que seja o sujeito de um olhar que abarque a todos os membros
da raça. A humanidade só se converte em um Nos-objeto na suposta presença do ser que olha
sem poder nunca ser olhado. “De modo que o conceito limite da humanidade (como totalidade
dos Nos-objeto) e o conceito limite de Deus se implicam mutuamente e são correlativos.”[979]
Quanto à experiência de um Sujeito-nos- universal, insiste Sartre em que é algo que só pode ser
dado psicológica ou subjetivamente em uma consciência singular. Cabe certamente conceber o
ideal de um Sujeito-nos- que represente à humanidade inteira; mas este ideal concebe-o ou uma
consciência individual ou bem uma pluralidad de consciências que permanecem separadas. O
que se constitua realmente uma totalidade intersubjetiva autoconsciente não é mais que um
sonho. Sartre conclui, por tanto, que “a essência dos relacionamentos entre consciências não é o
Mitsein, senão o conflito”.[980] Ao para-si lhe é impossível escapar deste dilema básico: ou fazer
do Outro um objeto, ou deixar que o Outro lhe objetice a ele mesmo. E como nenhum destes
projetos é efetivamente realizable, não parece que possa ser sustentado que O ser e a nada
proporcione um fundamento prometedor a concepções como a teoria de Teilhard de Chardin de
uma consciência hiperpersonal.

7. Ateísmo e valores.

Fica já anotado que, segundo Sartre, a humanidade como um todo somente pode ser
convertido em Nos-objeto se se supõe a existência de um Deus omnipotente e que tudo o veja.
E se tivesse um Deus, a humanidade poderia chegar a ser um Sujeito-nos- esforçando-se, por
exemplo, em dominar o mundo e recusar a Deus. Mas Sartre não acha que Deus exista. De fato,
está convencido de que não pode ter um Deus, se por “Deus” entendemos um Ser autoconsciente
infinito.[981] Por isso apresenta a crença em Deus como o resultado de um hipostasiar “a mirada”
(lhe regard), opinião que expressa em Lhes mots[982] e quando explica, em Lhe sursis (O
adiamento), a conversão de Daniel, bem como no ser e a nada, onde Sartre se refere ao processo
de Kafka e faz notar que “Deus é aqui tão só o conceito de “ o Outro” levado ao limite”.[983]
Esta maneira de explicar a origem da ideia de Deus no homem, tomada de por si, deixaria aberta
a possibilidade de que existisse um Deus: nada obsta, que saibamos, a que possa ter uma
“mirada” omniabarcadora. Mas Sartre arguye também, como já dissemos, que o conceito de
Deus é em si mesmo contradictorio, já que trata de unir duas noções que se excluem
reciprocamente, a do ser-em-si (l’em-soi) e a do para-si (lhe pour-soi). E verdadeiramente há
que reconhecer que, se a consciência é negación do ser-em-si, é impossível que tenha uma
consciência auto-fundada e não derivada, e que então o conceito de l ’em-soi-pour-soi é em si
mesmo contradictorio.

Nem que dizer tem que a validade desta demonstração lógica do ateísmo depende da validade
da análise que faz Sartre de seus dois conceitos básicos. E aqui tropeça-se com uma formidável
dificuldade. Pois quanto mais atribui ele à consciência o papel ativo de conferir significações ou
sentidos às coisas e de constituir assim um mundo inteligible, tanto menos admissível resulta
que se represente à consciência como uma negación do ser. Por certo que ao ser-em-si lho
descreve como idêntico consigo mesmo em um sentido que exclui a consciência, de sorte que o
surgir da consciência possa ser representado como uma negación do ser. Mas a validade da
pretensão de que o ser, segundo assim lho descreve, seja o Absoluto, enquanto tenha um
Absoluto, depende do ulterior suposto de que pour-soi não só implica uma negación ou
“nihilización do ser, segundo o descreve Sartre, senão que é também em si mesmo uma negación,
não-ser. E é muito difícil ver como possa ser sustentado isto se a consciência é tão ativa como
Sartre diz que o é. Em outras palavras, a força de sua demonstração de que o teísmo é de seu
contradictorio parece depender da suposição de que o ser-em-si tem de carecer de consciência,
suposição que requer, para que seja justificada, uma prova de que a consciência é não-ser. E isto
não pode ser provado nos termos da suposição mesma. Afinal de contas, parece que Sartre afirme
simplesmente ou dê por suposto que o ser infraconsciente, despojado de toda a inteligibilidad
que lhe confere a consciência, é o ser absoluto.
Seja o que for disto, que papel desempenha o ateísmo na filosofia de Sartre? Às vezes diz
ele que dá igual que Deus exista ou que não. Mas o que parece querer dizer com isso é que, tanto
em um caso como em outro, o homem é livre, porque é sua liberdade. Pois a liberdade pertence
à estrutura mesma do para-si. Nas moscas (Lhes mouches), quando Zeus diz que criou a Orestes
livre para que possa lhe servir a ele (a Zeus), Orestes replica que, já que foi criado livre, deixou
de pertencer a Zeus e se fez independente, capaz, se quisesse, de desafiar ao deus. Neste sentido
dá igual, segundo Sartre, que Deus exista ou que não exista. Mas de nenhum modo segue-se de
aqui que ao ateísmo não lhe corresponda um papel importante no existencialismo sartriano,
Sartre mesmo afirmou explicitamente que lhe corresponde, Em sua conferência sobre o
existencialismo e o humanismo declara que “o existencialismo não é mais que uma tentativa de
sacar todas as conclusões de uma tese coerentemente atea”.[984] Uma conclusão que ele
menciona é a de que, se Deus não existe, os valores dependem inteiramente do homem e são
criação sua. “Dostoievsky escreveu: “se Deus não existisse, tudo estaria permitido’. Este é o
ponto de partida do existencialismo.”[985] Desde depois que Sartre poderia ser tido referido
também a Nietzsche, para quem era inconcebível que pudesse ser recusado a crença em Deus e
seguir não obstante crendo em valores absolutos ou em uma lei moral universalmente
obrigatória.

A posição de Sartre pode ser expressado assim: O homem é livre; e isto significa que depende
do homem o que ele faça de si mesmo. Mas o fazer algo de si mesmo lhe é inevitável ao
homem.[986] E o que ele faz de si mesmo supõe um ideal operativo, um projeto básico que ele
elegeu livremente ou planejado para si. Não há por que, pois, submeter ao homem a uma
apriórica obrigação moral de eleger seus valores. Pois em qualquer caso elege-os. Até se adota,
digamo-lo assim, uma série de valores ou de normas éticas que recebe da sociedade, esta adoção
é uma eleição. Esses valores fazem-se seus unicamente por seu próprio ato de eleição. Se
aplicaria isto também à aceitação de mandamientos e proibições que, segundo o crente, emanam
de Deus. Efetivamente, Deus poderia castigar a um homem por seu desobediencia; mas, se o
homem é livre, depende dele mesmo o aceitar ou não os mandamientos divinos como normas de
sua ética. Desde este ponto de vista cabe, pois, dizer que é indiferente que exista Deus ou que
não. Embora Deus existisse, o homem teria que seguir tentando atingir as metas que ele mesmo
se tivesse fixado. E, se não há Deus, é óbvio que não pode ter nenhum plano divino preordenado;
não pode ter nenhum comum ideal da natureza humana para cuja realização mediante as ações
do homem seja este criado. O homem é remetido inteiramente a si mesmo, e não pode justificar
sua eleição de um ideal apelando a um plano divino para a raça humana. Neste sentido sim que
é diferente que exista Deus ou que não exista. Claro que se um homem aceita as normas éticas
que ele acha ter sido promulgadas por Deus, isto quer dizer que ele projetou livremente seu ideal
como o de um homem temeroso de Deus. Mas o que importa é que, se realmente não há um
Deus que crie ao homem para algo, para que cumpra um determinado fim ou alcance uma meta,
também não há nenhuma ordem moral dado ao que possa apelar o homem para justificar sua
eleição, A noção de que tenha uns valores absolutos subsistindo de por si, sem pertencer a uma
mente divina, em algum reino celestial, é totalmente inadmissível para Sartre. Caberia no
possível que este focasse o assunto de um modo um tanto simplista, interpretando os “valores”
simplesmente em termos do ato de avaliação. Mas ainda assim seguiria seguramente fazendo
questão de que, se não há Deus, também não há possibilidade nenhuma de que o homem
justifique seu ato de avaliação, digamos como “racional”, apelando a um ideal divinamente
determinado de natureza humana que seja o canon do autocumplimiento ou da autorrealización.
O verdadeiro é que Sartre vê ao homem como um afanarse pela realização de um projeto
existencial básico: o de chegar a ser l’em-soi-pour-soi ou Deus. Mas acrescenta que este projeto
está condenado ao falhanço, à frustración, pois o conceito da unidade do ser-em-si e a
consciência é um conceito de seu contradictorio. E neste sentido sim que supõe diferença a
(necessária) inexistência de Deus.

Não quisesse Sartre produzir a impressão de estar tratando de promover a anarquía moral ou
uma eleição puramente caprichosa de valores e de normas éticas. Daí que arguya que o eleger
entre X e E é afirmar o valor do que elegemos (equivale a dizer, por exemplo, que X é melhor
que E), e que “nada pode ser bom para nós sem que seja bom para todos”.[987] Ou, o que é o
mesmo, que ao eleger um um valor elege idealmente por todos. Se eu projeto uma verdadeira
imagem de mim mesmo segundo eu elejo ser, estou projetando uma imagem ideal do homem
como tal. Se eu quero minha própria liberdade, devo querer a liberdade de todos os demais
homens. Em outras palavras, o julgamento de valor é intrinsecamente universal, não já no sentido
de que as demais pessoas tenham de aceitar necessariamente meu julgamento, senão no de que
afirmar um valor é o afirmar idealmente para todos os homens. Com isto acha Sartre poder
sustentar que ele não está induzindo à eleição irresponsable. Pois ao eleger os valores e decidir
envelope as normas éticas “eu sou responsável por mim e de todos”.[988]

A validade da tese de que ao eleger um valor elege um idealmente por todos os homens quiçá
não seja tão clara como Sartre parece o achar. É logicamente inadmissível para mim o me
comprometer a atuar de um modo sem pretender que qualquer outra pessoa que se ache em igual
situação deva ser comprometido do mesmo modo? Pode que o seja; mas o apropriado seria
discutí-lo mais. Uma ética filosófica que partisse das premisas de Sartre teria, sem dúvida, que
consistir em uma análise do julgamento de valor e do julgamento moral assim que tal. É
innegable que dentro do enquadramento de referência de seus valores pessoalmente eleitos
poderia Sartre desenvolver uma moral com um conteúdo concreto. E que desde esse
enquadramento pode enjuiciar as atitudes e as ações das demais pessoas. Mas seu sistema de
ética pessoalmente elegido não podia ser legitimamente apresentado como uma exigência do
existencialismo, isto é, não podia o ser se o existencialismo alumbra possibilidades de eleição
deixando ao mesmo tempo inteiramente à cada indivíduo o eleger de fato. A verdade é que a
alguns leitores lhes pareceu que Sartre considera afinal de contas a liberdade como um valor
absoluto, e que das premisas existencialistas poderiam ser deduzido os lineamientos de um
sistema ético. Mais em tal caso o existencialismo precisaria alguma revisão. Reapareceria a ideia
de que há uma comum natureza humana.[989] E quiçá não tenhamos por que nos surpreender de
que Sartre negue que ele considera a liberdade como um valor absoluto. A liberdade possibilita
a criação ou eleição de valores, mas ela mesma não é um valor. No entanto, dificilmente se
provará que Sartre consiga fazer afirmações que não impliquem que o reconhecimento pelo para-
si de sua total liberdade e a realização desta liberdade na ação são intrinsecamente valiososos.
Capítulo XVII
O existencialismo de Sartre - II

1. Sartre e o marxismo.

O existencialismo sartriano, do que traçámos um esboço no último capítulo, não exclui nem
muito menos o compromisso pessoal do homem em uma determinada situação histórica. Com
só, pois, que Sartre não pretendesse que os valores que ele estava defendendo fossem absolutos
em um sentido metafísico, não teria nenhuma incompatibilidad entre sua filosofia existencialista
e seu apoio à Resistência na Segunda Guerra Mundial. Em mudança, com respeito a seu apoio
ao marxismo a situação é mais complexa. Se tratasse-se simplesmente de colaborar com um
partido político tendo em vista a realização de uns fins sociais que se considerassem desejáveis,
tal colaboração teria pouco de incompatível com o existencialismo desde um ponto de vista
lógico, ainda que nos sintamos inclinados a pôr em dúvida a prudência de um campeão da
liberdade humana que faça causa comum com um partido cujos procedimentos dictatoriales são
notorios. Mas é que o marxismo é uma filosofia, com doutrinas, por não dizer dogmas,
irreconciliables com o existencialismo sartriano. Por exemplo, enquanto Sartre apresenta o para-
si como a fonte de toda significação, o marxismo sustenta que a história é em si mesma um
processo inteligible, um processo que a mente humana pode discernir e que, quando lho afirma
na forma de materialismo dialéctico, representa conhecimento científico mais bem que
especulação metafísica. Plantéase, portanto, a questão de até que ponto chegou Sartre a aceitar
o marxismo como uma filosofia, e, se o aceita, terá que ver se abandonou o existencialismo ou
trata do combinar com o marxismo.

Em 1946 publica Sartre em Lhes temps modernes um longo artigo sobre “Materialismo e
revolução”.[990] Nele aceita a visão marxiana do homem como autoalienado e da necessidade da
revolução para que esta alienación seja superada. Mas opõe-se ao materialismo marxista.
Admite, desde depois, que, historicamente, o materialismo tem estado “muito vinculado com a
atitude revolucionária”,[991] e que, prevendo as coisas em curto prazo como o costumam fazer o
político ou o ativista político, é “o único mito que lhes vai bem às exigências
revolucionárias”.[992] Ao mesmo tempo insiste Sartre em que isto é precisamente o materialismo,
um mito, e não a expressão do conhecimento científico ou da verdade absoluta. Mais ainda, o
materialismo dogmático faz impossível entender ao homem como sujeito livre que se
autotrasciende. Verdadeiro que os marxistas asseguram que seu materialismo é dialéctico e
diferente do velho materialismo já passado de moda. E na prática apelam, como é natural, à livre
atividade do homem e contam com ela. Mas isto o único que prova é que, embora o materialismo
pode ter um valor pragmático temporáneo, uma genuína filosofia da revolução tem de descartar
esse mito. Pois tal filosofia deverá ser capaz de assumir e explicar o movimento da trascendencia,
no sentido do sujeito humano que trasciende a presente ordem social para uma sociedade que
ainda não existe, que por isso não é ainda claramente percebida, e cuja criação busca o homem,
mas à que não se chegará automática ou inevitavelmente. Esta possibilidade de trascender uma
situação dada e de captar em uma perspetiva que auné a intelección e a ação “é precisamente o
que chamamos liberdade”.[993] E isto é o que o materialismo é incapaz de explicar.

O artigo ao que nos vimos referindo soa certamente todo ele como um ataque contra o
marxismo e, ao menos por envolvimento, como uma defesa do existencialismo. No entanto,
Sartre afirma que “o Partido Comunista é o único partido revolucionário”,[994] e em uma nota
acrescentada anteriormente clarifica que sua crítica ia dirigida não tanto contra Marx mesmo
como contra “o escolasticismo marxista de 1949”.[995] Em outras palavras, Sartre considera que
o Partido Comunista é a vanguardia da revolução social e o órgão da trascendencia do homem
em uma situação dada. E nos artigos que publicou em Lhes temps modernes (1952...) sobre os
comunistas e a paz defende ao partido e exhorta aos trabalhadores a afiliarse a ele. No entanto,
Sartre mesmo não se tem filiado, e seguiu achando que o marxismo se converteu em um
dogmatismo que precisa que se lhe rejuvenezca a base de redescubrir ao homem como sujeito
ativo livre. Enquanto o materialismo dialéctico conserve sua forma atual, deverá seguir existindo
o existencialismo como uma linha de pensamento diferente. Mas se o marxismo chegasse a
rejuvenecerse baseando no homem mais bem que na natureza, cessaria o existencialismo de
existir como filosofia diferente.

Este ponto de vista acha sua expressão no escrito de Sartre Question de méthode,[996] que
serve de prefacio ao primeiro volume de seu Critique da raison dialectique.[997] Segundo Sartre,
em nenhuma época há mais de uma filosofia viva, entendendo por filosofia viva o médio pelo
que a classe ascendente vem a cobrar consciência de si em uma situação histórica, já seja
claramente ou de maneira escura, direta ou indiretamente.[998] Do século XVII ao XX acha Sartre
tão só três épocas de autêntica criação filosófica: “há o “momento” de Descarte e Locke, o de
Kant e Hegel, e finalmente o de Marx”.[999] A filosofia de Marx é, pois, a filosofia viva de nosso
tempo; e não pode ser superada enquanto siga sem o ser a situação da que surgiu.[1000] Por
desgraça, a filosofia de Marx deixou de crescer e padece esclerosis, “Os conceitos abertos do
marxismo fecharam-se; já não são chaves, esquemas interpretativos; afirma-lhos por si mesmos,
como um saber já perfeito.”[1001] Em terminología kantiana, as ideias regulativas transformaram-
se em ideias constitutivas, e os esquemas heurísticos converteram-se em dogmas impostos pela
autoridade. Isto significou que os marxistas falseen acontecimentos históricos como a revolução
húngara de 1956, os fazendo encaixar à força em um rígido enquadramento teórico,[1002]
enquanto o princípio heurístico de buscar o universal em seus particularizaciones concretas
degenerou no princípio terrorista “liquidem a particularidad”,[1003] liquidação que, baixo Stalin
pelo menos, tomou uma forma indiscutivelmente física.

Para Sartre, uma filosofia viva é um processo de “totalización”. Ou seja, não uma totalidade
ou um todo já fato, acabado, algo bem como uma máquina totalmente construída, senão mais
bem um processo unificador ou de sintetización que junta o passado com o presente e se orienta
para um futuro que não está determinado de antemão. O filósofo acha-se dentro de um processo
em marcha, e não pode ocupar o posto de Deus e ver toda a história como uma totalidade. Mas
isto é precisamente o que pretendem fazer os marxistas quando falam do futuro como se estivesse
assegurado e de que a história avança inevitavelmente para uma determinada meta. É mais,
falando assim convertem em um sinsentido a livre criatividade do homem, embora em seu
ativismo político requeiram e pressuponham a liberdade humana.

Uma conclusão que é natural que se saque da crítica de Sartre é a de que o marxismo não é
certamente a filosofia viva de nosso tempo, embora seja a ideologia oficial de um poderoso
movimento sociopolítico. No entanto, Sartre não quer admitir que o marxismo esteja esclerótico
por senilidad. “O marxismo é ainda jovem, está quase na infância, mal começou a se
desenvolver. Segue sendo, pois, a filosofia de nosso tempo.”[1004] O que ocorre é que os teóricos
do Partido Comunista esqueceram a inspiração originaria do marxismo. E se, seguindo a Engels,
o marxista vê funcionar a dialética na natureza mesma, com total independência do homem, e
considera que a história humana é o prolongamento de processos naturais que se desenvolvem
inevitavelmente, o homem fica reduzido à condição de instrumento pasivo de uma dialética
hipostasiada. Mas, embora foi deformado, o marxismo é capaz de redescubrir sua inspiração
originaria e seu básico humanismo. Sartre cita a conhecida frase de Engels, em carta a Marx, de
que são os seres humanos mesmos os que fazem sua história, ainda que a façam em uma situação
que condiciona sua atividade.[1005] E gosta de alegar textos parecidos em apoio de sua tese de
que o marxismo pode redescubrir dentro de si a ideia do homem enquanto definido por seu
próprio projeto, por seu movimento de trascendencia para suas possibilidades, para um futuro
que, embora condicionado pelo presente, só pode ser feito realidade mediante a livre ação do
homem.

Se o marxismo retorna a sua inspiração originaria e redescubre dentro de si a dimensão


humanista, “o existencialismo não terá já razão de ser”.[1006] Ou seja, deixará de existir como
uma linha de pensamento diferente e será absorvido, retido e superado em “o movimento
totalizador da filosofia”,[1007] na única filosofia viva e pujante de nosso tempo. O marxismo é,
sem dúvida, a única filosofia que expressa realmente a consciência do homem que vive em um
mundo de “escassez” (rareté), em um mundo no que os bens materiais estão distribuídos sem
equidad e que, como consequência disso, se carateriza pelo conflito e o antagonismo entre as
classes. E um marxismo humanizado (um marxismo existencializado, poderíamos dizer) seria a
única filosofia autêntica da revolução. Agora bem, se se realizasse deveras a revolução social e
chegasse a ter uma sociedade da que estivessem ausentes a escassez e o antagonismo de classes,
então o marxismo cumpriria plenamente seu destino e seria acontecido por outra filosofia
“totalizante”, uma filosofia da liberdade.[1008] Em outras palavras, dizer que o marxismo é a
única filosofia viva de nosso tempo não isto é que seja a filosofia definitiva para todo tempo
futuro.

2. Os objetivos de critique-a:

Viemo-nos referindo ao ensaio sobre o método (Question de méthode), que em um princípio


se intitulou Existencialismo e marxismo. Sartre faz-nos/fá-nos saber[1009] que embora este ensaio
o escreveu dantes que a Crítica da razão dialética, à que depois lhe serviu de introdução, a
Crítica é anterior desde o ponto de vista lógico, já que proporciona os fundamentos críticos do
ensaio sobre o método. O qual não tira que o ensaio seja bem mais fácil de ler que a Crítica
mesma, que é longa, abundante em divagaciones e de um estilo profuso.
Na Crítica estuda Sartre o pensamento dialéctico considerando-o o único modo de entender
a história. Faz uma distinção entre o racionalismo analítico e o dialéctico. A razão analítica,
representada pelo racionalismo do século XVIII e pelo positivismo, adota a postura de um
espetador, de um juiz externo. Ademais, tenta explicar os fatos novos a base de reduzí-los aos
velhos; é, pois, incapaz de entender a emergência da novidade. Em mudança, a razão dialética,
que procede mediante a tese, a antítese ou negación, e a negación da negación, não reduz o novo
ao velho; nem tenta explicar o todo resolvendo em suas partes constitutivas. Expressa um
movimento irreversible, orientado à emergência da novidade. Pode-lha descrever, diz-nos/dí-
nos Sartre, como “a absoluta inteligibilidad de uma novidade irreductible enquanto novidade
irreductible”.[1010] Ela entende as “partes”, por exemplo as situações históricas concretas e os
grupos sociais, não à luz de uma totalidade no sentido de um todo completo ou acabamento,
senão nos termos de um processo de totalización em marcha, orientado para o novo.

Está, pois, de acordo Sartre com os marxistas em que o movimento da história só pode ser
entendido pelo pensar dialéctico. Mas lhes reprocha que não fundamentem a priori o método
dialéctico. Por sua vez, ele se propõe estabelecer a priori “o valor heurístico do método
dialéctico, quando este é aplicado às ciências do homem, e a necessidade, seja qual for o fato de
que se trate, com a condição que seja humano, do pôr na totalización em curso (dans a
totalisation em cours) e de entender neste contexto”.[1011] Assim, Sartre deseja entender a
alienación, nas alienaciones reais da história concreta e por médio delas, como uma
“possibilidade a priori da praxis humana”.[1012] No primeiro volume da Crítica não trata de
aumentar nosso conhecimento dos fatos históricos, nem quer desempenhar o papel do sociólogo
estudando o desenvolvimento de sociedades ou grupos particulares. Senão que prefere
perguntar: “em que condições é possível o conhecimento de uma história? Até que ponto podem
ser necessárias as conexões que se sacam à luz? Que é a racionalidade dialética, quais são seus
limites e seus fundamentos?”.[1013] Daí que Sartre titule esta obra Crítica da razão dialética,
com um termo sugerido obviamente pelo uso que fez Kant do termo Kritik. Por verdadeiro que
em um bilhete observa Sartre que, “parodiando” a Kant, sua tentativa poderia ser dito que é a de
sentar as bases de uns “Prolegómenos a toda antropologia futura”.[1014]

No entanto, a menção de Kant pode resultar desorientadora. Pois embora Sartre pergunte
pelas condições de possibilidade para que a história seja um processo inteligible mas não
determinado, ele não considera sua pergunta como puramente formal, como uma reflexão que a
mente faça envelope um padrão de pensamento que ela imponha a um processo de estrutura de
seu não dialética. O vocablo “dialética”, adverte Sartre, pode ser empregado de dois modos, para
significar ou bem um método, um movimento do pensamento, ou bem um movimento no objeto
do pensamento. E ele sustenta que as duas significações não são senão duas feições de um único
processo. A razão dialética tem certamente que refletir envelope sim mesma; pois “pode ser
criticada, no sentido em que entendia Kant o termo”,[1015] somente por si mesma. Mas captar as
estruturas básicas do pensamento dialéctico é compreender também as estruturas básicas do
movimento da história. A reflexão da razão dialética sobre sim mesma pode ser visto, portanto,
como a história se fazendo consciente de si.

O que tenta Sartre no primeiro volume da Crítica é conciliar a tese de que o homem faz a
história, e pelo mesmo a dialética, com o reconhecimento de que a atividade humana está, de
fato, sujeita aos limites que lhe impõem as condições antecedentes, até o ponto de que pode
parecer que o homem, em vez de ser o hacedor da dialética, a esteja “sofrendo”. Para dizer de
outra forma: Sartre está decidido a manter sua visão existencialista do homem enquanto agente
livre, definido por seu próprio projeto, e também está decidido a adotar e defender a interpretação
marxista da história como processo dialéctico. Sua decisão de fazer da liberdade humana o fator
básico da história significa que lhe é impossível aceitar qualquer interpretação mecanicista da
história que implique que os seres humanos são meras marionetas ou simples instrumentos de
uma lei que opera na natureza aparte do homem e rege assim mesmo a história humana. Na
Crítica não parece que esteja Sartre disposto a declarar rotundamente que carece de sentido
quanto se diga a respeito de um processo dialéctico na mesma natureza, aparte do homem. Mas
põe em claro que a pretensão de que há um tal processo não passa de ser, a seu julgamento, uma
hipótese não verificada que deverá ser eliminado. E ele somente presta atenção à história
humana, fazendo questão de que é feita pelo homem, enquanto a natureza “em si” não é,
evidentemente, criação do homem. Ao mesmo tempo, a decisão de Sartre de defender a tese de
Marx e Engels de que a atividade humana está sujeita às condições antecedentes significa que
tem que recalcar mais que no ser e a nada o influjo da situação do homem. Por exemplo, o
homem existe em um meio material, e embora modifica-o com seu trabalho, o meio (ou a
natureza, não “em si” senão em relacionamento ao homem) atua envelope ele e condiciona sua
atividade. Dentro de certos limites o homem pode mudar seu médio ambiente, seu meio; mas
então o ambiente mudado constitui uma nova objetividad, um novo conjunto de condições
antecedentes que influem na atividade humana e a limitam. Dito de outro modo: o
relacionamento entre o homem e a natureza é um relacionamento dialética cambiante. E análoga
observação cabe fazer a propósito do relacionamento entre o homem e seu ambiente social. As
sociedades e os grupos cria-os o homem; mas a cada ser humano nasce em um ambiente social,
e o fato da pressão social é innegable, embora o homem é capaz de trascender uma determinada
situação social para o lucro de seu projeto, e, se este se realiza, constitui uma nova objetividad
ou um novo conjunto de condições antecedentes.

A conciliação das duas teses, que o homem faz a história e que sua atividade está sujeita às
condições antecedentes que a limitam, só se conseguirá, segundo Sartre, descobrindo as raízes
de todo o processo dialéctico da história na praxis ou ação humana. Diz-nos/Dí-nos Sartre que
no primeiro volume da Crítica busca “exclusivamente os fundamentos inteligibles de uma
antropologia estrutural, assim que que, por suposto, estas estruturas sintéticas constituem a
condição mesma de uma totalización em curso orientada a perpetuidad”.[1016] Trata primeiro da
que chama ele dialética constituinte. Cáptase esta em e pela reflexão sobre a praxis do indivíduo,
sobre seu trabalho produtivo; e é, efetivamente, a dialética do trabalhador considerado como um
indivíduo. A seguir trata Sartre de mostrar como a dialética constituinte dá origem a sua
negación, a anti-dialética, na que o homem devém prisioneiro de seu próprio produto, do
“prático-inerte”. Este é, desde depois, o campo da alienación, o campo em que os seres humanos
estão unidos em “coleções”, como esses indivíduos aos que lhos põe juntos porque têm de
atender à conservação e ao funcionamento de uma maquinaria. Em terceiro local, o passo da
negación à negación da negación efetua-se ao constituir-se o “grupo”, no que os seres humanos
são unidos pela participação em um fim ou projeto comum e trascienden a situação em que
estavam individualmente para realizar umas possibilidades mediante uma livre ação concertada,
Por conseguinte, a terceira fase, descrita como a dialética constituída, é efetivamente a dialética
do grupo. O processo inteiro, em todas suas fases, afunda suas raízes na praxis humana, na ação
produtiva do homem. E se podemos dizer que na autorreflexión da razão dialética cobra
consciência de si a história, isto significa que a praxis humana se faz consciente de si mesma e
de suas dialécticos desenvolvimentos como atividade livre que pressupõe condições
antecedentes.

No primeiro volume da Crítica segue, pois, Sartre o que ele chama um método regresivo,
retrocedendo até a subjacente estrutura dialética dos relacionamentos entre o homem e a natureza
e entre os seres humanos. Indaga as estruturas fundamentais que possibilitam o sustentar com
verdade que são os homens os que fazem a história, mas que a fazem envelope a base dos
condicionamientos prévios. Claro que a ação humana pode dar uns resultados que difiram dos
que o agente se propunha obter. Pode que um grupo efetue uma ação concertada que aos
membros do grupo lhes pareça que tem de ser exitosa e, no entanto, o resultado à longa, o efeito
“diacrónico” como o chama Sartre, seja diferente do que o grupo pretendia ou tratava de
conseguir. Para pôr um exemplo singelo, “a vitória de 1918 creia no comum campo de batalha
da Europa a possibilidade da derrota de 1940”.[1017] Diríase que, em longo prazo, mais que de
um fazer os homens a história, do que se trata é de que sofrem ou estão submetidos a uma
necessidade que eles não controlam. É preciso, pois, empregar o método de “progressão
sintética” para unificar as múltiplas ações humanas ou, melhor, para patentizar como se
“totalizam” incessantemente em um inteligible mas indeterminado processo histórico. E Sartre
promete-nos que em um segundo volume da Crítica “tratará de estabelecer que há uma história
humana, que tem uma verdade e uma inteligibilidad”.[1018]

O desenvolvimento de uma filosofia geral da história não é, por verdadeiro, o que parecia
poder ser esperado do autor do ser e a nada. Mas será melhor que deixemos o comentário crítico
para após assinalar, embora de um modo forçadamente breve e esquemático, as principais
diretrizes do pensamento contido no único volume da Crítica publicado até agora. Por enquanto,
baste-nos com advertir que Sartre está decidido a provar uma tese, a defender a opinião de que
o marxismo é a única filosofia viva de nosso tempo, ainda que precise que se lhe rejuvenezca
com uma inyección de existencialismo.

3. A praxis individual.

Como já indicámos, Sartre começa por considerar a ação ou praxis do indivíduo. Pois são os
homens os que fazem a história, e se a história é uma totalización dialética das ações dos
indivíduos, é essencial evidenciar que a ação humana possui uma estrutura intrinsecamente
dialética. “Toda a dialética histórica estriba na praxis individual, que é já dialética, isto é, na
medida em que a ação é em si mesma uma trascendencia negadora de uma contradição, a
determinação de uma totalización presente a nome de uma totalidade futura, um fazer real e
eficaz da matéria.”[1019]

Esta fastidiosa jerga é utilizada para referir-se a situações do mais correntes. Sartre supõe
que a existência do homem é como um organismo vivo. Isto é, o orgânico nega o inorgánico.
Mas o homem experimenta necessidade (besoin). Precisa comida, por exemplo. E desta
necessidade diz-nos/dí-nos Sartre que é uma negación da negación, ou seja, que o organismo se
trasciende a si mesmo para seu meio material. Com isso totaliza seu meio como o campo de suas
possibilidades, isto é, como o campo no que trata de achar a satisfação de suas necessidades e
de se conservar como uma totalidade orgânica no futuro. A ação procedente da necessidade é
um trabalho da matéria.

Totalizando assim seu meio, o homem o constitui como uma totalidade pasiva. “A matéria
revelada como uma totalidade pasiva por um ser orgânico que tenta encontrar nela seu ser, tenho
aqui a Natureza em sua primeira forma.”[1020] Mas a Natureza, constituída deste modo, reage
contra o homem mostrando-se como uma ameaça para a vida do organismo humano, como um
obstáculo e um possível perigo de morte. Neste sentido, a Natureza nega ao homem. Sartre segue
mantendo o ponto de vista, que manteve no ser e a nada, de que é a consciência a que confere
significação ao ser-em-si. Porque é o trascender do organismo para seu meio natural o que revela
este meio e seu perigo amenazante. O que a Natureza negue ao homem se deve, portanto, ao
homem mesmo. Mas isto não altera o fato de que a Natureza apareça como uma ameaça ou um
perigo de destruição. E, segundo Sartre, o homem, para proteger-se, tem-se de converter em
“matéria inerte”. Ou seja, tem de atuar envelope a matéria por médio de um instrumento, já seja
este um utensilio no sentido ordinário do termo, já seu próprio corpo tratado como instrumento
ou utensilio. Agora bem, este atuar, esta ação é inspirada por um projeto e tem, por tanto, uma
função mediadora entre o presente e o futuro, no sentido de que a ação do homem sobre seu
meio material vai dirigida à própria conservação do homem, como totalidade presente, no futuro.
“A praxis não é primeiramente senão o relacionamento do organismo como um futuro exterior
ao organismo presente como uma totalidade ameaçada.”[1021] Por conseguinte, é mediante seu
trabalho produtivo, e portanto através da mediação da Natureza, como o homem se totaliza, se
ligando como totalidade presente consigo mesmo como possibilidade futura, como a meta de
seu movimento de trascendencia. Segundo Sartre, os relacionamentos entre o homem e seu meio
material tomam assim a forma de “circularidad dialética”,[1022] sendo “mediado” o homem pelas
coisas na medida em que as coisas são “mediadas” pelo homem.

Mas ainda ao nível da praxis individual é evidente que há relacionamentos entre os


indivíduos, por mais que o grupo genuíno não pertença a esta fase da dialética. Considere-se,
por exemplo, a dois trabalhadores que se põem de acordo para trocar seus produtos. A cada um
deles se converte voluntariamente em um médio para o outro, em e através de seu produto. E
podemos dizer que a cada um reconhece a praxis e o projeto do outro. Mas a unidade não passa
daí. Em um mundo de escassez é óbvio que a cada homem representa uma ameaça ou um perigo
para o outro. E esta situação leva ao conflito mais que à autêntica unidade, ainda que um homem
consegua obrigar a outro a lhe servir de instrumento para o lucro de seu próprio fim. A
julgamento de Sartre, “a unidade vem de fora”,[1023] tema este já familiar desde O ser e a nada.
Em alguns casos a unificação é coisa que afeta só à consciência de um terceiro partícipe. Um
dos exemplos alegados por Sartre é o de um burguês que, estando de férias, olha por uma janela
e vê a dois operários trabalhando, um em um caminho e o outro em um jardim. O espetador
nega-os ao diferenciar-se ele, como burguês ocioso, dos dois trabalhadores; mas, ao fazê-lo
assim, os une nos termos de seu praxis, de seu trabalhar. Esta unificação tem, desde depois, um
fundamento no factual, já que os dois homens estão realmente trabalhando; mas a unificação
mesma produz-se na mente do que os contempla, não nas mentes dos operários, os quais ex
hypothesi se ignoram o um ao outro. No entanto, em outros casos a unificação (ou totalización)
efetua-se em uma pluralidad de consciências pela mediação de um terceiro interviniente. Por
exemplo, ante um empresário explorador pode ser produzido nas mentes dos operários uma
consciência-de o-nós, a dos explodidos.
Segundo fez-se notar, o tratamento explícito de temas como o da exploração não pertence,
de seu, à consideração da primeira fase da dialética. Porque a praxis individual assim que tal não
entranha nem a exploração nem a formação de um grupo. Mas, ao mesmo tempo, na praxis
individual vai prefigurada a possibilidade desses desenvolvimentos. E isto é o que Sartre quer
indicar. O sustenta que as condições de possibilidade da dialética da história, interpretada por
suposto seguindo as linhas marxianas, estão presentes desde o começo na praxis individual, de
sorte que a ação humana é o fundamento de toda a dialética. Para dizer de outro modo, Sartre
tenta manter a posição do para-si no ser e a nada como dador de sentido. Por exemplo, arguye
que na Natureza em si não há escassez. A escassez está presente à Natureza só através da
mediação do homem, ou seja, em relacionamento às necessidades humanas. Tão cedo como se
apresenta no meio material, fazendo com que a Natureza apareça como uma ameaça para a vida
do homem, a escassez rebota, pelo dizer assim, contra o homem mesmo, fazendo com que à cada
um lhe pareça seu semelhante um perigo amenazador. Esta situação possibilita, a sua vez, não
só o conflito, a violência[1024] e a exploração, senão também o que se formem genuínos
agrupamentos. De maneira que, acolhendo Sartre a concepção marxiana de que o homem está
em um relacionamento dialética com seu meio dantes já de que surja o conflito e de que se
desenvolva o antagonismo de classes — pelo menos entendido o “dantes já” em um sentido
lógico —, pode também afirmar que as condições de possibilidade de toda a dialética da história
estão precontenidas na livre ação do homem, e que, portanto, a história é feita pelo homem.

4. A antidialéctica e a dominación do prático-inerte.

Quando fala da escassez refiérese Sartre à escassez de produtos, de instrumentos, de


trabalhadores e de consumidores. Mas à que se refere basicamente é à escassez dos bens
necessários para a manutenção da vida humana. Assim entendida, a escassez fundamenta a
possibilidade da divisão social entre possuidores e não possuidores, ou ao menos entre
consumidores e subconsumidores, e com ela a diferença de classes. Tal diferencia pode ser o
resultado de uma guerra, quando a um povo se lhe obriga a trabalhar para outro. Mas o que é
inevitável é que em um mundo de escassez tenha diferenças de classes. Quanto a como se
determinam os relacionamentos e as estruturas sociais, aceita Sartre a doutrina marxiana de que
dependem do modo de produção. “A descoberta essencial do marxismo é que o trabalho, como
realidade histórica e como utilização de determinados instrumentos em um médio social e
material já determinado, é a base real da organização dos relacionamentos sociais. Esta
descoberta é já indiscutible, [...] No médio da escassez, todas as estruturas de uma sociedade
determinada se baseiam em seu modo de produção.”[1025] Ao mesmo tempo Sartre atisba, depois
da divisão e a luta sociais, a negación do homem pelo homem, “a negación do homem pela
matéria considerada como a organização de sua ser fosse de si na Natureza”.[1026]

O ponto de vista do que é expressão esta mostra típica da jerga sartriana pode ser posto em
claro do seguinte modo: Para superar a escassez, o homem atua envelope seu meio material e
inventa utensilios com que o transformar. Mas então a matéria elaborada pelo homem (matière
oeuvrée) volta-se contra o homem, fazendo-se “contra-homem”. Assim os camponeses chineses
ganharam “na contramão da Natureza”[1027] terrenos cultivables a base de seguir uma política
de desforestación. O resultado foi uma série de inundações em frente às quais não teve já
proteção possível. A Natureza mostrou uma “contra-finalidade” e afetou à praxis humana e aos
relacionamentos sociais. Assim mesmo, a invenção das máquinas e o desenvolvimento industrial
tinham por fim a superação da escassez, mas de fato produziram uma ulterior negación do
homem, ao converter aos seres humanos em escravos das máquinas. O homem cai assim baixo
o domínio do “prático-inerte” que ele mesmo criou, O homem faz a máquina; mas a máquina
reage depois contra o homem, reduzindo ao nível do prático-inerte, do que pode ser manejado.
Verdadeiro que o homem segue sendo o para-si, e, portanto, livre. Ao mesmo tempo, com tudo,
se submete à dominación da matéria elaborada (matière oeuvrée), que é obra sua e que representa
ao homem como fora de si mesmo, como objetivado na matéria. De modo que o homem fica
alienado ou estranhado de si.

Insiste muito Sartre no poder que tem a matéria elaborada de afetar aos relacionamentos
sociais. “É o objeto e só o objeto o que combina os esforços humanos em sua desumana
unidade.”[1028] Por exemplo, o que diferencia aos operários em qualificados e não qualificados
são as exigências da máquina. E é também o prático-inerte o que determina a estratificación das
classes, sendo uma classe para Sartre uma colectividad ou coleção. Nesta os seres humanos estão
unidos por algo exterior a eles, à maneira como o está um número de indivíduos que esperam
um ônibus que chegará já repleto de gente. Postos em fila, constituem uma “série” não porque
estejam assim, senão no sentido de que a cada indivíduo está interessado exclusivamente por
obter uma praça no ônibus; ou seja, que é na série uma unidade para a que os demais membros
da série são rivais ou inimigos em potencial. De forma parecida, em uma fábrica a cada operário
interessa-se por ganhar seu salário, e o que junta a uns operários com outros nesta particular
coleção é a máquina ou a corrente de montagem. Uma vez mais é a matéria elaborada ou o
prático-inerte o que está na base da divisão de classes. Para dizer com um termo hegeliano:
Sartre refere-se à classe “em si”, não à classe “para si”. E aceita a tese marxista de que o modo
de produção determina a natureza da divisão de classes.

Este sometimiento do homem à matéria representa o que chama Sartre a anti-dialética.[1029]


E põe tanto énfasis em isso que não faltaram quem tachen sua atitude de quase maniquea, como
se identificasse a matéria com o mau ou com a fonte do mau. Seja o que for disto, deverá ser
tido em conta que para Sartre a matéria elaborada é o homem exteriorizado e que a sustentação
do homem ao prático-inerte é em verdadeiro modo sustentação a si mesmo, embora com
autoextrañamiento ou autoalienacíón. Ainda esclavizándose a suas criações, o homem
permanece livre. E bem como a dialética constituinte entranha a possibilidade de uma anti-
dialética, assim esta entranha também a possibilidade da dialética constituída. Com o que a
classe em sim pode chegar a ser a classe para si, e a série pode ser transformado no grupo.

5. O grupo e seu destino.

Esta transição não é, para Sartre, algo inevitável ou automático, senão que depende da
liberdade humana, de que os indivíduos neguem a dominación do prático-inerte e trasciendan a
situação social criada por tal domínio indo para uma nova forma social, tendo em vista a
constituir ou a fazer “sobre a base da anti-dialética”.[1030] A unificação dos trabalhadores como
um autêntico grupo, que atue concertadamente para conseguir um fim comum, deve vir de
dentro. A transformação da série em um grupo ou da classe em si na classe em si e para sim se
consegue mediante uma síntese, um casal, digamos, da liberdade originaria que se expressa na
praxis individual, na dialética constituinte, com a totalización externamente produzida em uma
série que pertence à fase da anti-dialética.

A constituição originaria do grupo representa um brote de liberdade. Mas Sartre não se faz
ilusões sobre a estabilidade do grupo. Uma vez conseguido seu fim imediato, por exemplo a
tomada da Bastilla, tende à fragmentação ou a deixar-se relegar. O perigo de atomizarse conjura-
se, se talvez, mediante “o juramento” (lhe serment), termo que se tem de entender não no sentido
de um juramento formal ou de um contrato social, senão mais bem no de vontade de se manter
agrupados. Esta vontade, empero, tem de ir inevitavelmente acompanhada do exercício da
coerción contra aqueles membros do grupo que com suas ações tendam a desintegrarlo. Em
outras palavras, a conservação de um grupo requer o desenvolvimento da autoridade e do
institucionalismo. E então ao dirigente ou aos dirigentes do grupo quiçá vinga-lhes a tentação
de fazer passar sua vontade pela vontade “real” de todos, considerados como constituindo uma
totalidade orgânica. Mas Sartre rehúsa o admitir que o grupo seja ou possa ser uma entidade
orgânica que esteja acima de seus membros interrelacionados ou seja capaz de se impor a eles.
Verdade é que o líder pode lhas arranjar para conseguir não só que sua vontade se imponha,
senão também que seja aceite pelos demais membros como sua. Mas então o membro individual
fica reduzido ao estado de entidade cuasi-inorgánica, enquanto “o grupo é uma máquina que o
soberano faz funcionar perinde ac cadaver”.[1031] O grupo pode chegar a parecer, assim, uma
entidade inorgánica, uma máquina; mas, tirada a coerción, seus membros tendem a disgregarse,
evidenciando que enquanto eles são entidades orgânicas individuais, o grupo não o é.

O Estado é, para Sartre, o grupo de organizadores e administradores ao que os demais grupos


que compõem uma determinada sociedade concederam autoridade, provavelmente mais por
impotencia que porque quisessem positivamente lha conceder, verdadeiro que o Estado
organizado é necessário para que todos os grupos estejam protegidos; mas o Estado não é uma
entidade orgânica de natureza pouco menos que sagrada.[1032] E sua legitimidade consiste em
sua capacidade de combinar e manejar os demais grupos e colectividades. “A ideia de uma difusa
soberania popular que tome corpo no soberano é uma mistificación, Não há nenhuma soberania
difusa. A legitimidade do soberano é simplesmente um fato empírico, a habilidade para
governar. “Eu obedeço porque não posso proceder de outro modo”.”[1033]

Recusa, pois, Sartre qualquer deificación do Estado. E, como era de esperar, aceita a tese
marxista de que, na luta de classes, o Estado atua como “o órgão da(s) classe(s)
exploradora(s)”.[1034] Ao mesmo tempo reconhece que, embora o Estado atue como o órgão de
uma classe dominante, não por isso deixa de se atribuir a representação do interesse nacional e
a capacidade de ter uma visão “totalizante” do bem comum e de impor sua política mediadora
inclusive à classe dominante. Agora bem, isto equivale a dizer que o grupo que constitui o Estado
trata de se manter a toda costa como o soberano legitimamente aceitado “servindo aos interesses
da classe da que procede, e, se fosse preciso, contra seus próprios interesses”.[1035] Ou seja, lisa
e claramente, que um governo que se componha de indivíduos de uma determinada classe pode
ter uma visão mais ampla que a que prima facie sugeririam os interesses ou vantagens dessa
classe. Suposto este que, em termos marxistas, se tem de interpretar como uma forma sutil de
manter a posição da classe dominante, que caso contrário se veria ameaçada.
Para ser justos com Sartre, há que reconhecer que está disposto a fazer extensiva ao Estado
comunista sua visão um tanto cínica do Estado. Em sua opinião, o que lhe interessa ao grupo
que domina no Estado é reduzir aos demais grupos a coleções ou séries e, simultaneamente,
condicionar aos membros dessas séries de tal modo que tenham a ilusão de que fazem parte de
uma autêntica totalidade. Não outra coisa tratou de conseguir o governo nazista. E o mesmo
aprecia-se também na chamada ditadura do proletariado. Dizer que o proletariado exerce uma
ditadura é, para Sartre, “mistificación”. A realidade é que o grupo dominante tenta antes de mais
nada que não se formem outros grupos autênticos e combina a coerción com os procedimentos
conducentes a que se mantenha a ilusão de que seu interesse coincide com o da totalidade.

6. Comentários críticos.

A atmosfera do ser e a nada é evidentemente diferente da da Crítica da razão dialética. Na


primeira obra é o indivíduo totalmente livre o que está no centro do quadro, o indivíduo quem
escolhe seus próprios valores e constantemente se trasciende para suas futuras possibilidades à
luz de seu livremente eleito ideal operativo básico, até que ao morrer recai na facticidad de l
’em-soi, do em-si. Apesar de seus exemplos tópicos, a obra pode ser tida por uma análise abstrata
dos dois conceitos fundamentais do para-si e o em-si e sua aplicação ao homem em todo
momento. A segunda obra, a Crítica, traz ao primeiro plano o movimento geral da história e
insiste bem mais no grupo e na ação concertada que o grupo efetua assim que que trasciende
uma determinada situação social tendo em vista realizar uma sociedade nova. Ademais, embora
na primeira obra reconhece certamente Sartre que a cada ser humano existe e atua em uma
situação histórica dada, e que o exercício da liberdade humana é influído por muitos fatores
ambientais, fisiológicos e psicológicos, o que principalmente trata de provar é que as limitações
da liberdade humana o são só porque o indivíduo lhes confere este significado. Na Crítica
reaparece, sem dúvida, esta focagem; mas se recalca bem mais a pressão coercitiva das
condições antecedentes sobre a atividade humana. “Acima de tudo, que ninguém nos vá
interpretar como se quiséssemos dizer que o homem é livre em todas as situações, segundo o
pretendiam os estoicos. O que queremos dizer é exatamente o contrário, a saber, que todos os
homens são escravos na medida em que sua experiência vital se desenvuelve no campo do
prático-inerte e enquanto este campo está originariamente condicionado pela escassez.”[1036]

No entanto, o chamar a atenção sobre as diferenças entre O ser e a nada e a Crítica da razão
dialética não é negar que tenha entre ambas obras uma continuidade perceptible. Na primeira
pode ser dito que há um relacionamento dialética entre o para-si e o em-si, entre a consciência e
o ser. Negando o ser surge a consciência, a qual pressupõe por tanto o ser-em-si e depende deste.
E, ao mesmo tempo, o ser-em-sim precisa que tenha consciência para ter significado e para se
revelar como mundo. Na Crítica este relacionamento dialética adota a forma da que se dá entre
o homem e seu meio material. O homem pressupõe um meio material e atua envelope ele; mas
o meio manifesta-se como Natureza só através da mediação do homem. No ser e a nada há
também um relacionamento dialética entre as diferentes consciências, já que se diz que o para-
sim nega ao Outro e no entanto o precisa. A “mirada” do Outro ameaça ao eu e, ao mesmo
tempo, se lhe manifesta. Na Crítica a ameaça representada pelo Outro é descrita nos termos do
conceito de escassez mais bem que nos do da mirada; mas segue-se dando o fundamental
relacionamento dialética. Pelo demais, pese ao relevo que outorga Sartre à ideia de grupo, deixa
bastante em claro com suas explicações da génesis, natureza e disgregación deste que o fator
básico segue sendo, a seu julgamento, o livre agente individual. E embora na Crítica insiste-se
bem mais na influência constrictiva das condições antecedentes, a dominación do homem pela
matéria é representada como sustentação do homem a si mesmo assim que exteriorizado, como
um autoextrañamiento que pode ser livremente trascendido.

Já que Sartre não abandonou simplesmente o existencialismo para passar ao marxismo,


senão que tratou de combinar os dois reinterpretando o marxismo à luz de uma antropologia
existencialista, é de esperar que se achem em seu pensamento elementos de continuidade e de
descontinuidade entre ambas filosofias. Mas disso não se segue necessariamente que seu
marxismo existencializado careça em absoluto de ambigüedades. Como vimos, tenta combinar
duas tese: por um lado, a de que é o homem mesmo o que faz a história, e a faz em um sentido
que exclui o que possa ser afirmado que fique assegurada no futuro uma determinada situação
social, como se fosse, digamos, o resultado inevitável do funcionamento de uma lei dialética que
regesse o processo histórico; por outro lado, a tese de que o padrão dialéctico não lhe é
simplesmente imposto à história pela mente humana, senão que a história possui uma estrutura
dialética tal que tem pleno sentido dizer que o homem está submetido à dialética ou que a sofre.
Sartre deseja manter o conceito do homem enquanto agente livre e ao mesmo tempo quer dar
cabida à ideia de que o homem é escravo do prático-inerte. Deseja afirmar por uma parte que é
o homem quem faz livremente o movimento dialéctico da história, e, por outra parte, propõe que
se veja a história como um processo inteligible não determinado de antemão. Se pelo de
“inteligible” quisesse dizer simplesmente Sartre que os historiadores podem escrever
explicações inteligibles dos acontecimentos e movimentos históricos, não teria mais dificuldade
que a dos interrogantes que ao filósofo se lhe ocorressem acerca, por exemplo, do que tenham
que ver a reconstrução feita por um historiador na atualidade e um passado que já não existe.
Mas quando Sartre assegura que a história é inteligible, evidentemente não quer dizer só que a
historiografía é possível. Sua tese é que a história, como um tudo, embora inacabado, como um
processo de “totalización”, entranha um movimento inteligible. E quanto mais recalca esta tese,
mais aproxima-se Sartre a uma focagem teleológico da história que leva inevitavelmente à
conclusão que ele deseja evitar, a saber, a de que a história é governada por uma lei dialética
cujo instrumento é o homem.

Sartre talvez replique, por exemplo, que o afirmar que é o homem o que faz a história, e,
pelo mesmo, seu trama dialética, não é incompatível com sustentar que o homem não impõe sem
mais essa trama, esse padrão, senão que o acha ou o reconhece. Pois o homem acha aquilo que
ele realizou. Se encontra na história seu própria auto alienación e seu esclavizarse ao prático-
inerte, é que reconhece na reflexão o que ele mesmo efetuou. Mas de aqui não se segue que o
homem cause deliberadamente seu esclavizamiento. O que realmente passa é que a atividade do
homem está condicionada já desde o início por uma determinada situação antecedente. O homem
atua livremente, mas não em um vazio. Sua ação tem uns resultados que constituem
condicionamientos prévios às ações dos demais. E assim sucessivamente. Dada a situação básica
do homem, o curso de sua história é o que podia ser esperado que fosse. Mas não por isso deixa
de ser o relacionamento da atividade de agentes livres. À história não lha deve representar como
uma entidade que esteja acima da ação humana e que a determine. É a ação humana, assim que
sujeita à pressão forçada das condições antecedentes. E esta pressão pode chegar a ser
avasallante, embora não destrua a liberdade básica do homem nem sua capacidade de trascender
sua esclavizamiento.
No entanto, por muito que faça Sartre por conciliar posições que a primeira vista parecem
incompatíveis, é difícil ficar satisfeito com sua solução. Segundo fizemos notar, Sartre busca no
homem mesmo as condições de possibilidade da dialética da história. Isto lhe permite sustentar
que é o homem mesmo o que faz a história e sua textura dialética, e que não há nenhuma lei
dialética impersonal que funcione independentemente do homem e se valha dele como de um
instrumento. Agora bem, dado que o homem atua em uma situação, pudéssemos nos sentir
inclinados a concluir que o movimento da história não é mais que o despliegue ou o
desenvolvimento da originaria ou básico relacionamento dialética entre o homem e seu meio.
Em outras palavras, esse fundar Sartre a dialética no homem mesmo adolece de ambigüedad.
Poderia querer dizer que o homem se acha tendo elegido o atuar de um modo quando pôde ter
atuado de outro modo. Ou poderia implicar também que o movimento dialéctico da história é o
desenvolvimento de uma situação básica, desenvolvimento que em princípio é previsível. Neste
segundo caso, pareceria razoável falar da operação de uma lei, ainda que tratasse-se de uma lei
da natureza do homem como existindo em um determinado meio. Não tendo sido publicado
ainda o segundo volume da Crítica, dificilmente podemos saber como se propõe desenvolver
Sartre sua concepção da história humana como possuidora de “uma verdade e uma
inteligibilidad”[1037] sem que isto implique que o processo histórico seja necessário. Mas não
nos surpreenderia que a empresa se lhe fizesse um tanto ardua e que se visse forçado a declarar
que a razão analítica é incapaz de captar o movimento do pensamento dialéctico.

As observações que precedem são só algumas das dificuldades que lhe sairão ao passo ao
filósofo que trate de fundir o existencialismo sartriano com o marxismo. Mas podemos seguir
adiante e perguntar por que Sartre ou qualquer outro tem de se propor tal coisa. Não basta com
responder que porque o marxismo se tem fosilizado e precisa uma inyección de humanismo.
Quiçá seja assim. Mas por que escolher designadamente o marxismo para rejuvenecerlo? Já
vimos que a resposta de Sartre é que o marxismo é a única filosofia viva de nosso tempo. Mas
por que o acha ele assim? Desde depois Sartre supõe que a história pode ser dividida em épocas,
e que na cada época há uma só filosofia viva. E ainda lhe concedendo o primeiro destes supostos,
ou pelo menos o passando por alto, salta à vista que o segundo é do mais discutible. Há,
efetivamente, hoje em dia outras filosofias vivas além do marxismo. Que é o que dá ao marxismo
mais vida que às outras? Não se diga que o fato de que o marxismo tem envolvimentos práticas,
enquanto a chamada análise linguística, por exemplo, não está orientado à prática. Pois Sartre
faz-nos/fá-nos saber que “toda filosofia é prática, inclusive a que a primeira vista parece ser a
mais contemplativa”.[1038]

A resposta é, com tudo, bastante singela. Sartre dá por suposto que na cada época há uma
classe ascendente. E a filosofia viva de uma época é, para ele, a filosofia que expressa em forma
explícita as necessidades, os interesses, as aspirações e o programa dessa classe. Não é menester
que seja elaborada por membros da classe em questão. Marx e Engels pertenciam à burguesía.
Mas desenvolveram a filosofia que converteu ao proletariado de classe em-si em classe em-e-
para-si e o transformou, ou a uma parte dele, de séries ou coleções em um grupo. O marxismo
dá expressão explícita à consciência da classe ascendente e a capacita para trascender a situação
social existente para um futuro que tem de ser realizado pela ação revolucionária concertada. É,
pois, a única filosofia genuinamente revolucionária de nosso tempo e, por tanto, a única filosofia
viva.
Verdade é que Sartre fala às vezes da filosofia de um modo que, de boas a primeiras, parece
diferente. Por exemplo quando nos diz que a filosofia “deve ser apresentado como a totalización
do saber contemporâneo”. Que “o filósofo consegue a unificação de todos os ramos do
conhecimento”.[1039] Tomado em si, este enunciado da função da filosofia soa a reintroducción
do conceito de síntese das ciências característico do positivismo clássico. Mas Sartre segue
dizendo que o filósofo unifica o saber contemporâneo mediante esquemas ou diretrizes que
expressam “as atitudes e as técnicas da classe ascendente em relacionamento a sua época e ao
mundo”.[1040] Assim a filosofia viva é ainda a filosofia da classe ascendente, por mais que se
fale da unificação das ciências.

Talvez possa ser dito com verdade que toda afirmação sobre a natureza da filosofia expressa
uma tomada de posição filosófica, salvo quiçá no caso em que a afirmação se ver simplesmente
sobre o uso linguístico. Seja o que for disso, parece bastante claro que o conceito sartriano de
“filosofia viva” expressa uma prévia aceitação do marxismo. Bem como é uma prévia aceitação
do ponto de vista marxista o que lhe guia em sua seleção de exemplos históricos e até em sua
definição ou descrição do homem como “um organismo prático que vive com outros muitos
organismos em um campo de escassez”.[1041] O homem é, sem dúvida, o que Sartre diz que é,
embora isto não seja todo o que o homem é. Mas a seleção de certas feições do homem e de sua
situação para recalcarlos depende claramente de um convencimiento prévio de que o marxismo
é a única filosofia viva de nossa época, À longa mal pode ser evitado o chegar à conclusão de
que basicamente é o pessoal compromisso sociopolítico de Sartre o responsável por que eleja o
marxismo como a filosofia cujo rejuvenecimiento se propõe conseguir.

Se a filosofia viva de uma época representa a autoconciencía e as aspirações da classe


ascendente, a conclusão óbvia que há que sacar é que tal filosofia só é verdadeira em um sentido
relativo. Pois teve outras épocas, com outras classes ascendentes e outras filosofias vivas. Sartre,
empero, não quer vincular o marxismo de uma maneira exclusiva à classe ascendente. Na Crítica
faz questão de que o marxismo é a filosofia do homem alienado, não só do operário alienado. E,
segundo vimos, trata de fundamentar o marxismo em uma antropologia ou doutrina do homem
que mostra que a possibilidade do esclavizamiento do homem é, quando menos, logicamente
anterior à emergência da luta de classes, já que se remonta até a situação básica do homem assim
que tal. Considerado nesta feição, diríase que ao marxismo se lhe apresenta, não já tão só como
a filosofia de uma determinada classe, senão mais bem como a verdadeira filosofia do homem e
de sua história. Em certa medida quiçá seja possível harmonizar os dois pontos de vista. Porque
cabe argüir, como o marxista o faria a não o duvidar, que o triunfo do proletariado trará consigo,
mais cedo ou mais tarde, a libertação do homem em general. A salvação do homem se conseguirá
mediante a revolução proletaria. Mas em tal caso o marxismo viria a ser, não já só a filosofia
viva de nosso tempo, no sentido acima mencionado, senão a única filosofia verdadeira, a que
seria verdadeira em qualquer tempo. Pode que Sartre, no segundo volume de sua Crítica, dedique
alguma reflexão a precisar que reclamações de veritatividad quer fazer em favor de seu
rejuvenecido marxismo. Por agora não parece que ponha a coisa muito em claro.

Para muitos, não obstante, uma crítica como a que acabamos de fazer tem escasso valor.
Quem são capazes de achar-se isso de que o marxismo é a filosofia viva de nosso tempo
considerarão que tal crítica não é mais que um aburrido rollo do tipo de todos os que podem ser
esperado de um oscurantista filósofo burguês. Em mudança, quem acham que se o marxismo
tem hoje vida e poder é só porque se converteu na ideologia oficial de um poderoso partido
autoritario que se autoperpetúa impositivamente, e que, abandonado a si mesmo, o marxismo
seguiria o caminho que seguiram outros notáveis sistemas, quem isto acham talvez se
impacientem por outra razão. Quiçá pensem que Sartre dedicou seus muito consideráveis
talentos a jogar vinho novo em odres velhos, e que há ocupações que merecem mais a pena que
a de andar assinalando inconsistencias ou ambigüedades em sua tentativa de rejuvenecer uma
filosofia que pertence ao século XIX mais que à segunda metade do XX. Pode que assim seja.
Mas o marxismo tem ainda muito reclamo. Seu influjo é evidente ainda hoje. Claro que isto é
compatível com que seja um mito, poderoso somente quando é achado. Cabe argüir que a Sartre
lhe fascinou este mito porque o viu como a expressão e o instrumento de uma causa à que ele
mesmo se entregou. Mas também é um mito que pode ser mau utilizado e pode ser convertido
em instrumento de um grupo opresor cujo único empenho seja conservar a toda costa seu poder.
Daí a tentativa de rejuvenecer o mito e infundirle nova vida como telefonema revolucionário à
criação de uma sociedade nova.
Capítulo XVIII
A fenomenología de Merleau-Ponty.

1. A. Camus: o absurdo e a filosofia da rebeldia.

Quando um filósofo se põe a discutir temas como a liberdade humana, a autenticidade, o


autocomprometerse e os relacionamentos pessoais, é inevitável que os trate de um modo abstrato
e os expresse se valendo de conceitos gerais ou universais. Karl Jaspers, por exemplo, distinguiu
com agudeza entre a objetivación científica do homem e a empresa filosófica de fazer luz nas
profundidades em que intimamente nos percatamos de nossa liberdade tendo em vista que se lhe
clarifiquem ao homem suas possibilidades básicas de autotrascendencia.[1042] Mas até Jaspers
mesmo teve de escrever a respeito do homem, empregando conceitos universais, por mais que
fizesse questão de que para isso se precisam umas categorias especiais. É, pois, compreensível
que certos escritores, como Sartre e Marcel, além de suas obras mais profissionalmente
filosóficas publique peças teatrais e, no caso de Sartre, também novelas, nas que expuseram os
“problemas da vida” em termos de ações, peripecias, opções e relacionamentos de indivíduos
concretos. Tais obras podem dar uma expressão vivida e dramática a temas que já foram tratados
de um modo mais abstrato, ou, como no caso de Marcel, podem preceder à expressão mais
abstrata e filosófica. Mas em ambos casos os dois tipos de obras têm entre si uma notoria
relacionamento que falta, em mudança, quando um escritor produz por um lado faz filosóficas
e, por outro, populares novelas policíacas com as que aumentar seus rendimentos.

Agora bem, se a propósito da filosofia francesa se examina o pensamento de Sartre é por


aqueles de seus escritos que professam ser e são efetivamente obras filosóficas, e não a conta de
produções teatrais como Lhes mouches (As moscas) ou Fogem clos (A porta fechada), embora
estas tenham óbvio relacionamento com aquelas. E propõe-se a questão de se está justificado o
incluir no exame a literatos cuja significação ou importância filosófica é largamente reconhecida
mas que não só não publicaram obras filosóficas no sentido acadêmico senão que, ademais, se
abstiveram de toda pretensão de ser filósofos. É difícil estabelecer regras para as que não tenha
alguma exceção razoável. Se concebemos a filosofia como uma ciência que trata de provar que
algumas proposições são verdadeiras, será pouco provável que incluamos um estudo sobre
Dostoievsky em uma história da filosofia russa. E embora seu nome aparece mencionado com
bastante frequência, por exemplo, na obra de N. Ou. Lossky,[1043] essas menções são incidentales
e não se lhe conta ali entre os filósofos russos. Mas também pode ser adotado um critério mais
amplo com respeito à literatura filosoficamente importante, e a ninguém lhe teria surpreendido
muito que se considerassem certas feições do pensamento de Dostoievsky. De fato, a
Encyclopedia of Philosophy dirigida por Paul Edwards contém um artigo dedicado ao grande
novelista russo.
A propósito do pensamento francês contemporâneo, cabe propor parecidas questões respecto
de A. Camus.[1044] Pois certamente não foi filósofo de profissão, nem pretendeu nunca o ser. No
entanto, em vista dos temas de seus escritos, é comum mencionar-lhe quando se expõe o
existencialismo francês, embora ele negou que fosse um existencialista. E a inserção de algumas
notas a respeito dele parece defendible, bem que não obrigatória.

Albert Camus (1913-1960) nasceu e educou-se em Argélia. Marchou em 1940 a Paris, onde
participou ativamente na Resistência. Em 1942 publicou sua novela L’étranger (O
estrangeiro)[1045] e um famoso ensaio intitulado Lhe mythe de Sisyphe (O mito de Sísifo).[1046]
Após a guerra seguiu dedicando-se a atividades políticas, e alguns de seus ensaios políticos, que
originariamente viram a luz no jornal Combat e em outras publicações, foram reimpresos nos
três volumes de Actuelles .[1047] A célebre novela A peste saiu ao público em 1947,[1048] e em
1951 L’homme revolté,[1049] ensaio que levou a Camus a um rompimiento com Sartre. A novela
titulada Chute-a (A queda)[1050] apareceu em 1956. Ao ano seguinte recebia Camus o Premio
Nobel de Literatura. Mas em 1960 pereceu em um acidente de estrada. Seus Carnets[1051] e
várias de suas peças teatrais[1052] foram traduzidos a diversas línguas.

É muito conhecida a afirmação de Camus de que “não há mais que um problema


verdadeiramente importante: o suicídio. Julgar que a vida valha ou não vale a pena de ser vivida
é responder à questão fundamental da filosofia”.[1053] Ante esta declaração, quiçá pareça própria
de um excêntrico sua opinião da filosofia. Mas o que Camus dá por suposto é que o homem anda
buscando ao mundo, à vida humana e à história um sentido no que fundamentar seus ideais e
valores. O homem precisa assegurar-se de se a realidade é um processo teleológico inteligible
que compreende uma ordem moral objetivo. Isto é, o homem deseja segurança metafísica de que
sua vida faz parte de um processo inteligible dirigido para uma meta ideal, e de que ao se esforçar
por conseguir seus ideais pessoais conta com o respaldo ou com o apoio do universo ou da
realidade, em todo seu conjunto. Os grandes dirigentes religiosos e os criadores de sistemas
metafísicos e de concepções do mundo tentaram satisfazer esta necessidade. Mas suas
interpretações do mundo não resistem a crítica: o mundo acaba revelando-lhe-lhe ao homem
clarividente como falto em absoluto de finalidade ou de sentido. O mundo não é racional. Daí o
sentimento do absurdo (lhe sentiment de l’absurd). Falando com rigor, o mundo não é em si
absurdo: simplesmente é. “O absurdo surge desta confrontación entre o telefonema de auxílio
do homem e o irracional silêncio do mundo. [...] O irracional, a nostalgia humana e o absurdo
que resulta de seu confrontación, tenho aqui as três personagens do drama.[1054] O sentimento
do absurdo pode ser originado de diversos modos: por exemplo, ao perceber a indiferença da
natureza com respeito aos valores e ideais do homem, ao reconhecer que o final é a morte, ou ao
percatarse de repente do indeciblemente tediosa que é a rotina do viver. Há quem, refletindo,
chegam a dar-se conta do absurdo, mas então adotam uma atitude de escapismo. Assim Karl
Jaspers salta da zozobrante “tabela de náufrago” da ansiedade humana ao Trascendente, e Leio
Chestov dá um salto parecido para um Deus que está para além da razão. Em mudança, o homem
que, como Nietzsche, é capaz de olhar de em frente ao absurdo da humana existência vê
desaparecer o sentido do mundo. Daí o problema do suicídio. Pois “ver dissipado o sentido desta
vida, ver que nossa razão de existir desaparece, é insuportável. Não pode ser vivido se a vida
não faz sentido”.[1055]
No entanto, Camus não recomenda o suicídio. Em sua opinião, suicidar-se significa
submeter-se ao absurdo, capitular. O orgulho e a grandeza do ser humano não se mostram se
submetendo, nem também não mediante esse escapismo no que incurren os filósofos
existenciales (lhes philosophes existentiels, como Jaspers), senão vivendo na consciência do
absurdo e, não obstante, se rebelando contra ele a base de se comprometer consigo mesmo a
viver com a maior plenitude ou intensidade possível. Porque não há padrões absolutos conforme
aos quais possamos opinar como tem de viver a cada homem. Tudo está permitido, segundo diz
Ivan Karamazoff. Embora disso não se segue que o absurdo “recomende o crime. Isto seria
pueril. [...] Se todas as experiências são indiferentes, a do dever é tão legítima como qualquer
outra. Pode ser sido virtuoso por capricho”.[1056] O homem do absurdo (l’homme absurd) pode
adotar várias forma. Uma é a de Dom João, que desfruta ao máximo, enquanto é capaz das
desfrutar, verdadeiro tipo de experiências, embora sabendo que nenhuma delas tem significação
última. Outra é a do que, reconhecendo o sinsentido da história e a absoluta futilidad da ação
humana, se dedica empero, em sua situação histórica, a uma causa social ou política. Outra forma
é a do artista criador, que sabe de sobra que tanto ele como suas criações estão condenadas à
extinção e que, não obstante, consagra sua vida à produção artística. E na peste propõe Camus
a questão de se é possível ser um santo ateu. O homem do absurdo vive sem Deus. Mas disso
não se segue, nem muito menos, que não possa ser dedicado, autosacrificándose, ao bem-estar
de seus semelhantes. E se fá-lo assim, sem nenhuma esperança de recompensa e consciente de
que, afinal de contas, dá o mesmo como atue, demonstra a grandeza do homem precisamente
neste combinar o reconhecimento do fútil de suas ações com o viver se sacrificando e amando.
É possível ser um santo sem ilusão, sem autoengañarse.

No de que o mundo e a história humana carecem de sentido (isto é, de uma meta e uma
finalidade dadas com independência do homem) Camus está substancialmente de acordo com
Sartre, embora este não insista tanto como aquele no tema do “absurdo”. Mas Sartre não é a
fonte da suposição de Camus. Desde depois que, tratando de um escritor tão original como
Camus, não é concebible que se limitasse a tomar em empréstimo suas ideias de um predecessor.
Mas é evidente que Nietzsche lhe influiu muito. Camus estava convencido de que Nietzsche
previa certeiramente a chegada e o auge do nihilismo; e, como o filósofo alemão, também ele
considerava que o homem é o único ser capaz de superar o nihilismo. Mas não por isso cabe
qualificar com propriedade a Camus de nietzscheano, pois a ele lhe preocupou incesante e
progressivamente a injustiça e a opresión na sociedade humana de um modo que não se importou
a Nietzsche. Efetivamente, embora Camus não deixou nunca de achar “que este mundo carece
de sentido último”,[1057] insistiu a cada vez mais na revolta contra a injustiça, a opresión e a
crueldade dantes que na rebeldia contra a condição humana assim que tal. E chegou a convencer-
se de que o sentimento do absurdo, tomado de por si, pode ser utilizado para justificar qualquer
coisa, inclusive o assassinato. “Se não se crê em nada, se nada faz sentido, se não podemos
afirmar nenhum valor, qualquer coisa pode ser permitido e nada é importante. [...] É-se livre
para acender fornos crematorios ou para dedicar a vida a cuidar leprosos.”[1058] De fato, a revolta
pressupõe a afirmação de uns valores. Claro que são criação do homem. Mas isto não tira que,
se me rebelo contra a opresión ou a injustiça, afirmo os valores da liberdade e a justiça. Em
outras palavras, com Camus o absurdo cósmico tende, por assim o dizer, a retirar para o fundo,
e passa ao primeiro plano um idealismo moral que não propugna a formação de uma elite, de
uma aristocracia de homens superiores a expensas do rebanho, senão que faz questão de que tem
de ter pára todos liberdade e justiça, uma liberdade e uma justiça autênticas e não escravatura ou
opresión que se enmascaren com tão prestigiosos nomes.

Camus não foi um admirador da sociedade burguesa. Mas chegou a compreender muito bem
que a rebeldia contra a ordem estabelecida pode degenerar em imposição de escravatura. “O
terrível evento do século XX foi o abandono dos valores da liberdade pelo movimento
revolucionário, a gradual retirada do socialismo baseado na liberdade ante os ataques de um
socialismo cesarista e militarista.”[1059] O homem não pode representar o papel de espetador de
todo o conjunto da história, e nenhuma empresa histórica pode ser mais que um risco ou uma
aventura à que caiba atribuir algum grau de justificativa racional. Portanto não é legítimo alegar
nenhuma empresa histórica para justificar “o excesso de uma posição tiránica e
absolutista”.[1060] Assim, não se justifica o matar e oprimir em nome do movimento da história
ou de um paraíso terrenal que tenha de se atingir em um impreciso futuro. Se o nihilismo
absoluto pode servir para justificar qualquer coisa, também serve para isso o racionalismo
absoluto, no que Deus é substituído pela história. Tocante a suas consequências, “em nada
diferem as duas atitudes. Desde o momento em que lhas aceita, a terra se transforma em um
deserto”.[1061] Deixemo-nos de absolutos e voltemos à moderação e às limitações. “A liberdade
absoluta é o direito do mais forte a impor seu domínio”,[1062] com o qual se prolonga a injustiça.
“A justiça absoluta consegue-se suprimindo toda contradição: por conseguinte, destrói a
liberdade.”[1063] É em nome dos seres humanos viventes e não no da história nem no de uma
idade futura no que se nos chama a nos rebelar contra a opresión e a injustiça atuais, onde quer
se achem. “A autêntica generosidad face ao futuro consiste em dar todo ao presente.”[1064]

Como já fica indicado, a publicação de L ’homme revolté foi causa de um rompimiento de


relacionamentos entre Camus e Sartre.[1065] Este último tinha-se ido aproximando muito ao
comunismo, embora sem chegar a afiliarse ao partido, e estava dedicando-se já a desenvolver
seu projeto de combinação do existencialismo com o marxismo. Camus, embora recusando o
marbete de “existencialista”, estava convencido de que esses dois extremos eram incompatíveis
e de que o marxismo, com seu secularización do cristianismo e sua substituição de Deus pelo
movimento da história, levava diretamente à morte da liberdade e aos horrores do stalinismo.
Quanto à democracia burguesa, que remplazó as eternas verdades divinas com os abstratos
princípios da razão, seu mau está, segundo Camus, em que os princípios não foram aplicados.
Em nome da liberdade a sociedade burguesa tem condescendido com a exploração e com a
injustiça social, e sancionou a violência. Que é, pois, o que quereria pôr Camus em local do
comunismo, do fascismo, do nazismo e da democracia burguesa? Aparte umas quantas
observações sobre os benefícios que reportou ao homem o sindicalismo, não nos dá uma ideia
muito clara. Pelo que Sartre não deixa de fazer notar que Camus critica, sim, os diversos
movimentos, mas sem oferecer a mudança nada mais que abstratas vaguedades, mas a verdade
é que Camus não tem nenhuma intenção de propor um plano detalhado. Sua filosofia da revolta
aponta principalmente aos valores morais e ao desenvolvimento da responsabilidade moral e faz
questão de que, conquanto o rebelde deverá atuar quando cria ter razão para o fazer, deverá
também atuar admitindo que pudesse ser equivocado. Enquanto o comunista não quer nem ouvir
falar de que ele possa ser equivocado; daí seu implacable atitude impositiva. A única esperança
para o futuro é uma sociedade aberta, na que a paixão pela rebeldia e o espírito de moderação se
contrarresten em constante tensão equilibradora.[1066]
Mas isso não supõe que Camus seja um otimista que confie de um modo ilimitado no homem
com só que possam ser jogado abaixo as instituições injustas. Em Chute-a (A queda) faz com
que sua personagem central, Clamence, refere-se a “a básica duplicidad do ser humano”,[1067]
como pondo no homem mesmo a raiz do mau. O que não é, por verdadeiro, incompatível com o
que tem de dizer a respeito das instituições sociais; pois estas são hechura do homem. Pelo
demais, parece que em seu pensamento se vai dando uma mudança de tom e que, em vez de
passar do absurdo decorrente do confronto do homem com o mundo aos males sociais, tende a
passar dos males da sociedade ao mau no coração do homem. Evidentemente é impossível saber
como evoluiria seu pensamento de não ter vindo ao interromper seu prematura morte.

Camus foi um homem que se sentiu incapaz de aceitar a fé cristã, mas que não só tinha altos
ideais morais senão que se preocupava apaixonadamente pela liberdade humana, a justiça social,
a paz e a eliminação da violência. Não era anticristiano no sentido em que costuma se entender
este termo. Ao que se opunha não era tanto ao cristianismo assim que tal (tinha amigos cristãos
aos que admirava) como às atitudes ambiguas e de componendas com respeito aos males
políticos e sociais, atitudes que lhe pareciam traições à inspiração cristã originaria. “Quando o
homem submete a Deus ao julgamento moral, lhe mata em seu coração.”[1068] Propusesse, pois,
a questão da base da moralidad. Se negamos a Deus em nome da justiça, “é compreensível a
ideia de justiça sem a ideia de Deus?”[1069] Camus não se interessou pela filosofia profissional
o suficiente como para dedicar tempo e energias a uma prolongada reflexão sobre tais problemas.
Mas estava convencido de que o homem não pode viver sem valores. Se prefere viver, afirma já
com isso um valor, a saber, que a vida é boa ou digna de se viver, ou que deveria ser fazer# com
que o fosse. O homem, assim que tal, pode ser rebelado contra a exploração, a opresión, a
injustiça e a violência, e pelo mesmo fato de rebelar-se afirma os valores em cujo nome se rebela.
Uma filosofia da rebeldia ou da revolta tem, portanto, uma base moral; e se esta base nega-se,
já seja explicitamente já a título de alguma abstração como o movimento da história ou por uma
política expeditiva, o que começou como rebeldia, como expressão de liberdade, degenera em
tiranía e em supressão da liberdade. Camus propendía a montar suas teses sem andamiajes de
desenvolvimentos teóricos; mas indubitavelmente suas afirmações eram esclarecedoras, como
se lhe reconheceu ao lhe lhe outorgar o Premio Nobel: lançavam faz de luz sobre a problemática
da consciência humana em nossos tempos. Esta problemática interessou-lhe genuína e
profundamente, e ao tratá-la combinou de singular maneira o compromisso com o decolo,
segundo advertiram-no seus comentaristas. É innegable que se comprometeu, mas ao mesmo
tempo soube manter o decolo ou a distância precisa para não seguir a tendência, tão lamentável
como frequente, a fulminar denúncias e acusações contra os males de um determinado sistema
político ao mesmo tempo que se excusan parecidos ou ainda piores males de outro sistema ou
de outro país. Dito com outras palavras: o compromisso de Camus foi basicamente moral mais
bem que político.

2. Merleau-Ponty: o corpo-sujeito e seu mundo.

Passando de Albert Camus a Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) deixamos a um ensayista,


novelista e dramaturgo social e politicamente comprometido para fixar-nos/fixá-nos em um
filósofo profissional. E não é que a Merleau-Ponty se lhe possa chamar não comprometido. Pois
pensava que é impossível separar a ética da ação política, e até verdadeiro ponto apoiou aos
marxistas, embora lhe agradava pouco o dogmatismo marxista. Mas enquanto em Camus não
podemos considerar seu pensamento aparte de seu compromisso social e político, muita da
filosofia de Merleau-Ponty pode ser tratada a um nível puramente teórico.

Depois de estudar na Escola Normal de Paris e obter sua agregación em filosofia, Merleau-
Ponty ensinou primeiro em um liceo e depois na Escola Normal. Terminada a guerra, durante a
qual serviu como oficial, foi professor primeiramente na Universidade de Lyon e depois na
Sorbona. Em 1952 nomeou-se-lhe titular da cátedra de filosofia no Colégio da França. Merleau-
Ponty foi um dos fundadores de Lhes temps modernes e coeditor da revista junto de Sartre. Às
vezes tem-se-lhe qualificado de existencialista,[1070] mas embora há bons motivos para associar-
lhe com o existencialismo ateu, parece melhor ter-lhe por fenomenólogo. Esta etiqueta serve, ao
menos, para diferenciar-lhe de Sartre. Claro que Sartre desenvolveu também análise
fenomenológicos. Mas o verdadeiro é que a etiqueta de “existencialista”, junto do fato de que
Merleau-Ponty esteve durante algum tempo associado com Sartre, vem a dar a impressão de que
fosse um colega mais jovem ou inclusive um discípulo deste, sendo de modo que, em realidade,
se trata de um pensador independente e original.

A primeira obra importante de Merleau-Ponty foi A structure du comportement,[1071]


publicada em Paris em 1942. A esta lhe seguiu em 1945 a Phénoménologie da perception.[1072]
Em 1947 deu Merleau-Ponty às imprensas Humanisme et terreur, essai sul lhe problème
communiste, escrito no que examinava o problema do emprego do terror pelos comunistas. Uma
coleção de ensaios intitulada Sens et non-sens viu a luz em 1948.[1073] A lição inaugural de
Merleau-Ponty no Colégio da França foi publicada em 1953 com o título L’éloge da
philosophie.[1074] Em 1955 publicou Aventure-lhes da dialectique, que inclui uma crítica a
Sartre, e a esta obra lhe seguiu em 1960 a titulada Signes.[1075] Dantes de morrer iniciava
Merleau-Ponty um novo escrito, Lhe visível et l’invisível, que ia ser um replanteamiento de sua
filosofia. A parte do mesmo que deixou redigida se publicou em 1964, junto de suas notas para
as demais partes do plano projetado.

Em uma conferência que deu em Genebra em 1951 sustenta Merleau-Ponty que no século
XX eliminou a linha divisória entre o corpo e a mente e “vê a vida humana como integralmente
mental e corpórea, baseada sempre no corpo e sempre interessada pelos relacionamentos entre
as pessoas (até em suas modalidades mais carnales)”.[1076] Esta afirmação aponta naturalmente,
por uma parte, à superação do dualismo, e, por outra, contra um reduccionismo materialista. E
o leitor se perguntará talvez se semelhante afirmação não resulta demasiado drástica. Sartre, por
exemplo, é sem dúvida alguma um escritor do século XX, e, no entanto, relativo a sua análise
dos conceitos de “o em-si” e “o para-si”, a distinção entre os dois parece agudizarse
antitéticamente, em um dualismo bastante óbvio. Merleau-Ponty sabe isto muito bem. Ao dizer
o que diz do pensamento do século XX, está claro que se refere à que considera ele sua corrente
mais significativa e válida, que é a de uma autoconcienciación a cada vez mais cabal do homem,
concienciación que se expressa, principal embora não exclusivamente, na própria filosofia de
Merleau-Ponty. A linha de pensamento que ele resume em seu conceito do “corpo-sujeito”
triunfaria segundo ele, por um lado, envelope o dualismo e, por outro, envelope o materialismo
e o conductismo, ou, em outras palavras, ultrapassaria a antítese entre o idealismo e o
materialismo. O existencialismo vê ao homem como sendo em essência um ser no mundo,
relacionado com este dialeticamente no sentido de que não pode ser entendido ao homem aparte
do mundo, aparte de sua situação, enquanto o que chamamos “o mundo” sim que pode ser
entendido aparte dos significados que lhe confere o homem. Uma concepção assim a há desde
depois em Sartre e expressa o sesgo do pensamento ao que se refere Merleau-Ponty. Só que
Sartre recalca também a distinção entre a consciência e seu objeto de tal modo que dá nova vida
a uma versão do dualismo cartesiano, contra o qual reage vigorosamente Merleau-Ponty.

Por dualismo, Merleau-Ponty entende a concepção do homem como um composto de corpo


e espírito ou mente, considerando ao corpo como uma coisa entre as coisas, como sujeito aos
mesmos relacionamentos causales que achamos entre outros objetos materiais, enquanto ao
espírito se lhe considera como a fonte de todo conhecimento, da liberdade e da abertura para os
demais homens, ou, para empregar o termo de Merleau-Ponty, como “existência”.
Evidentemente Merleau-Ponty não nega que ao corpo pode lhe lhe tratar como um objeto e lhe
lhe considerar assim no estudo e na investigação científica. Mas a seu julgamento esta
possibilidade pressupõe que o corpo humano é ele mesmo um sujeito, em diálogo com o mundo
e com as demais pessoas. Não se trata de manter que há no corpo uma alma ou espírito diferente
do corpo, em virtude do qual ao composto se lhe pode chamar sujeito. Esta opinião implica,
como é óbvio, um entender o corpo em um sentido bastante diferente daquele em que o costuma
entender a concepção dualista, segundo a qual o corpo é o oposto ao espírito ou à mente ou alma.
Tal oposição é precisamente a que Merleau-Ponty deseja superar e a que acha ter superado com
seu conceito do corpo-sujeito. Se partimos de um dualismo e tratamos depois de superá-lo
fazendo a um de seus dois elementos o fator primário, então ou bem reduzimos a alma ao corpo
ou bem identificamos a todo o homem real com uma alma ou espírito incorpóreo. Mas Merleau-
Ponty recusa semelhante reduccionismo e faz questão de que o corpo humano é uma realidade
material e espiritual ao mesmo tempo. Naturalmente adverte que aqui entram em jogo fatores
que, pelo menos prima facie, dão pé ao dualismo, e é consciente da grave dificuldade com que
tropeçamos se queremos evitar o emprego de uma linguagem que implica o dualismo. Em outras
palavras, reconhece que o conceito do “corpo-sujeito” é difícil de expressar, e que há que ver de
encontrar uma nova linguagem para o expressar. No entanto, está convencido de que isto é
precisamente o que os filósofos deveriam tratar de conseguir, em vez de resignarse a permanecer
submetidos a velhas trava linguísticas e conceptuais.

Quiçá note-se uma marcada similitud entre este projeto de Merleau-Ponty e o de Gilbert Ryle
em sua obra The Concept of Mind (O conceito de entendimento). Desde depois que em algumas
feições se parecem. Ambos filósofos são contrários ao dualismo, mas nenhum dos dois deseja
reduzir ao homem a uma máquina. Para a cada um deles o ser humano é uma singular realidade
“encarnada” que vive, deseja, pensa, atua, etc. Ao mesmo tempo, há também entre eles uma
clara disimilitud. Um dos supostos de Ryle é que todas as operações da mente se têm de entender
em termos de atividades públicas ou comprováveis por testemunhas.[1077] É natural, pois, que
dedique sua atenção àqueles fenômenos mentais dos que nos percatamos facilmente; e na
contramão do dualismo alega constantes exemplos de expressões que se costumam usar na
linguagem corrente e mostram desacordo com a ideia de que existam atividades mentais
puramente privadas e ocultas, bem como com a noção de espírito ou do “duende dentro da
máquina”. Em mudança Merleau-Ponty trata de fazer compreender que as atividades mentais,
no sentido de atividades ao nível da consciência mais ou menos clara, não constituem uma vida
mental que vinga a lhe lhe acrescentar a um corpo carente em si de subjetividad, senão que
pressupõem já o corpo-sujeito. Não pretende reduzir os processos psíquicos aos meramente
físicos. O que ele sustenta é que já a um nível preconsciente o corpo é sujeito. Dito de outro
modo, quer explorar um terreno que subyace a e é orçamento pelas diversas atividades que dão
origem às expressões dualistas da linguagem ordinária. Compréndese, por tanto, que faça
questão da necessidade de novos conceitos e novas forma de expressão.

O campo especialmente eleito para suas investigações por Merleau-Ponty é o da percepción.


Em um trabalho que redigiu quando aspirava como candidato à cátedra do Colégio da França
diz que suas “duas primeiras obras tentaram restaurar o mundo da percepción”.[1078] Mas se
afirmássemos sem mais que Merleau-Ponty desenvolve uma fenomenología da percepción,
poderia lhe nos entender mau. Pois aí a palavra “percepción” talvez sugira que o que se trata de
descrever é a estrutura essencial desta atividade consciente quando se converteu já em objeto da
reflexão. Enquanto o que Merleau-Ponty estuda é a percepción como o modo de existência do
corpo-sujeito a um nível preconsciente, isto é, o diálogo entre o corpo, como sujeito, e seu mundo
a um nível que é orçamento pela consciência. Em cujo caso já se entende que o método
fenomenológico, tal como o emprega Merleau-Ponty neste contexto, não pode tomar a forma de
uma fiel descrição do dado imediato da percatación ou consciência reflexiva. Aqui há que
adentrarse em uma zona de escuridão, e Merleau-Ponty admite que este escuro campo nunca
conseguiremos o esclarecer do tudo. O único que pode ser feito é avançar às apalpadelas,
vislumbrando ou pressentindo a cada qual seu próprio caminho e tratando do alumiar ou o pôr o
mais possível em claro. Mas ele acha que é importante fazer o esforço. Porque “o mundo
percebido é a base sempre pressuposta de toda racionalidade, de todo valor e de toda
existência”.[1079] Não se trata de manter, por exemplo, que o pensamento consta de sensações
transformadas. Senão que se trata de penetrar até a base mesma que o pensamento e toda
atividade consciente pressupõem e de elucidar a estrutura dessa base. O filósofo, tal como
Merleau-Ponty lhe concebe, tem muito de explorador.

Em sua primeira obra mais extensa. A structure du comportement (A estrutura do


comportamento) aborda Merleau-Ponty o tema dos relacionamentos do homem com seu meio
examinando várias teorias fisiológicas e psicológicas modernas, tais como o behaviorismo e a
psicologia da Gestalt. Ou seja, que se põe ao nível das teorias científicas e as vai confrontando
com os que ele acha que são os fatos do comportamento perceptual do homem. Sustenta, por
exemplo, que não podemos explicar os fatos interpretando o relacionamento entre o corpo
humano e seu meio em uns termos que impliquem que o corpo é uma máquina cujos
preestablecidos mecanismos são postos em movimento simplesmente por reação a estímulos
externos, “O verdadeiro estímulo não é o definido pela física e a química; a reação não é esta ou
aquela série particular de movimentos; e a conexão entre os dois não é a simples coincidência
de dois eventos sucessivos.”[1080] A ciência, para seus próprios fins, pode legitimamente
considerar o corpo como uma coisa entre as demais coisas; mas o ponto de vista científico
estabelece-se mediante um processo de abstração a partir do nível do comportamento real, no
que o organismo manifesta uma espécie de atividade prospectiva, se comportando como se
estivesse orientado para certos fins ou metas. Por suposto que a capacidade de resposta
significativa ou orientada só pode a exercer o organismo dentro de uns limites e dependendo das
condições de seu médio ambiente. No entanto, a sua não é uma resposta simplesmente “cega”.
O organismo dá mostras de “subjetividad”, embora a um nível preconsciente.
A linha argumental de Merleau-Ponty vem a ser esta: O relacionamento entre o organismo
humano e seu meio não pode ser expressado simplesmente em termos de recíproca causalidad
mecanicista. Isto é, não podemos reduzir a ação recíproca entre os termos do relacionamento “a
uma série de determinações unidireccionales”.[1081] Há, certamente, interação causal. Por
exemplo, o alimento atua envelope o organismo, e este atua envelope o alimento o assimilando.
Mas o alimento só é alimento em virtude da estrutura, as necessidades e a atividade do
organismo. O efeito produzido por x não pode ser entendido simplesmente em termos de x . Há
um complexo relacionamento dialética. E dá-se subjetividad quando para um dos fatores do
relacionamento todos os demais fatores constituem um mundo. Merleau-Ponty não quer dizer
com isto que o mundo percebido (ao nível de experiência que se considera) seja percebido
conscientemente pelo corpo-sujeito como um mundo. Mas faz questão de que ao nível do
comportamento perceptual se dá já um meio ou médio global, como termo de um relacionamento
dialética, correlativo às aptidões (ao “poder” ou capacidade) do sujeito. À medida que vão sendo
mais altos os níveis de experiência e de consciência, o meio vai tomando novas forma ou
configurações, em correlação com a atividade do sujeito dador de sentidos. Mas estas novas
forma pressupõem um nível preconsciente no que o organismo humano confere
inconscientemente sentidos e constitui um médio ambiente ou meio. Claro está que esses
sentidos não lhos confere à nada, nem também não cria ele as coisas ao arredor seu. Mas se
podemos falar do eu e de seu mundo ao nível da consciência, também podemos falar do corpo-
sujeito e de seu mundo ao nível do preconsciente. Aí não se dá ainda a distinção epistemológica
entre o sujeito e o objeto. Mas não por isso deixa de ter uma vital ou vivida relacionamento
dialética, que constitui a base constantemente orce para os níveis superiores da experiência,
embora um nível mais alto difira qualitativamente de outro mais baixo.

Afirmar que há um relacionamento dialética entre o homem e seu meio é afirmar que o
homem é desde seu começo mesmo um ser no mundo e que ambos termos do relacionamento
são reais. Neste sentido, Merleau-Ponty é realista. Ao nível da consciência reflexiva faz-se
possível para os filósofos propor teorias que subordinan o objeto ao sujeito, ou seja, teorias
idealistas; mas este tipo de teorias distorsiona o fundamental relacionamento originaria entre o
homem e seu meio, relacionamento que é pressuposta por todo nível de comportamento e de
experiência. Ao mesmo tempo, dizer que este relacionamento é dialética ou que é um contínuo
diálogo entre o homem e seu meio equivale a dizer, entre outras coisas, que os sentidos dos seres
são determinados não só pelo objeto senão também pelo sujeito. Para pôr um exemplo singelo:
se aquela árvore parece longínqua, é para mim, em relacionamento a mim mesmo, como parece
estar longe. Eu sou o centro com respeito ao qual uma árvore parece estar perto e outro parece
estar longe. Por certo que ao nível científico pode ser adotado livremente o padrão de referência
que mais convenha para o fim que se persiga; mas ao nível do comportamento perceptual os
relacionamentos espaciais “aparecem” dentro do diálogo entablado entre o organismo humano
e seu meio. Assim mesmo, as cores não são nem puramente objetivos nem puramente subjetivos:
aparecem ou constam no diálogo vivido entre o corpo-sujeito e o mundo. Obviamente, o meio
ou a situação muda. E também muda o sujeito, não só por efeito dos estímulos externos senão
também por suas próprias respostas ativas, que contribuem a determinar os sentidos ou
significações dos estímulos. O relacionamento dialética não é estática; o diálogo ativo é
incesante, perdura tanto como a existência do sujeito. Mas só no diálogo entre o corpo-sujeito e
seu meio vem a aparecer “o mundo”, embora suas aparências mudem.
Na estrutura do comportamento considera Merleau-Ponty, como já o temos mentado, certas
teorias psicológicas modernas. Trata de mostrar que os dados achados por estes psicólogos se
contradizem entre si e não se ajustam a seus orçamentos nem encaixam em suas implícitas
perspetivas ontológicas. Pelo contrário, os fatos não requerem nem que se reduza o sujeito a uma
coisa ou a um objeto nem que se monte toda uma teoria idealista de uma consciência criadora
do objeto, senão mais bem que se reconheça a situação básica de um sujeito “encarnado”,
envolvido ou implicado no mundo e em constante diálogo com este meio que lhe envolve. Dito
de outra maneira, Merleau-Ponty faz suas certas teorias e tenta penetrar na escura região orce
como base por todo pensamento e por todo conhecimento. Em sua seguinte obra,
Phénomenologie da perception (Fenomenología da percepción), instala-se já desde o começo
na atitude perceptual “com o propósito de analisar este excecional relacionamento entre o
sujeito, seu corpo e seu mundo”.[1082] Mas aqui não podemos dar ideia de todo o conteúdo desta
notável obra. Nos contentaremos com assinalar alguns pontos.

Talvez se lhe tenha ocorrido ao leitor que, já que o bilhete que acabamos de citar distingue
explicitamente entre sujeito e corpo, não parece muito concorde com o que viemos dizendo sobre
o conceito merleau-pontiano do corpo-sujeito como uma única realidade. É preciso, no entanto,
fazer algumas distinções. Podemos, sem dúvida, considerar o corpo de um modo puramente
objetivo, e então distinguimos naturalmente entre o corpo como objeto e o sujeito. Mas “o corpo
objetivo não é a verdade do corpo fenoménico, isto é, não é a verdade do corpo tal e como o
vivemos. É só uma imagem empobrecida do mesmo, e o problema dos relacionamentos entre o
corpo e a alma não atañe ao corpo objetivo, que somente tem uma existência conceptual, senão
ao corpo fenoménico”.[1083] O corpo, considerado como um objeto puramente físico diferente
do sujeito, é uma abstração, legítima sem dúvida alguma pára muitos fins, mas não é expressão
do corpo tal como é este vivido ou experimentado.

Este último é o corpo-sujeito. Por outra parte, o corpo-sujeito é temporário: se trasciende a


si mesmo, e aqui são discernibles vários níveis. Assim, o corpo enquanto grupo de hábitos pode
ser considerado como “meu corpo” pelo sujeito ou “eu” assim que que trasciende o já dado.
“Não dizemos que [...] o sujeito conceba-se a si mesmo como inseparável da ideia do
corpo.”[1084] Certamente Merleau-Ponty fala às vezes de “a alma” como de um nível superior da
autoorganización do sujeito. Mas faz questão de que tais distingos se referem às feições
discernibles de uma única realidade, e em que não lhos tem de entender em um sentido dualista.
Todas essas distinções se fazem dentro de uma unidade: o corpo-sujeito.

A rejeição por Merleau-Ponty de qualquer interpretação dualista do ser humano vai


naturalmente acompanhado, ou seguido, de uma rejeição de toda distinção real entre linguagem
e pensamento. Verdade é que as expressões linguísticas, uma vez criadas e quando já passaram
a ser posse comum de uma determinada sociedade, com significações estabelecidas por
convenção, podem ser repetidas e transmitidas de uma geração a outra. A “palavra falada”,[1085]
a linguagem assim que já constituído, forma, pois, um dado do que os seres humanos se
apropriam no curso de sua educação. E como, suposto este dado, lhes é possível aos escritores
inventar expressões novas para expressar novos conceitos, acrescentando assim “a palavra
hablante”[1086] a “a palavra falada”, há uma inclinação natural a considerar que o pensamento é
uma atividade interior diferente da linguagem: pensa-se e depois dá-se expressão verbal ao
pensamento. Mas a Merleau-Ponty parece-lhe que isto é interpretar erroneamente a situação. No
caso da “palavra hablante” a significação acha-se, sem dúvida, em processo de fazer-se, de
chegar a ser; mas disso não se segue em modo algum que chegue ao ser dantes que sua expressão
simbólica ou linguística. Cabe dizer, por exemplo, que o poeta anda buscando as palavras com
que expressar seus pensamentos, mas o pensamento poético se configura, se realiza ou toma
corpo em sua expressão e através dela. O poeta não tem primeiro seu poema “em sua mente” em
um estado de inexpresión e depois o expressa. Se tem-o em sua mente, já o expressou. O que
depois o tenha posto por escrito ou o tenha só recitado é irrelevante. Se pode ser dito que o
poema está em sua mente, é que está ali expresso. No caso da “palavra hablante” é precisamente
no que melhor se evidência o relacionamento entre o pensamento e a linguagem, que não são
mais que duas feições de uma mesma realidade. Se separamo-los, as palavras são tão só meros
acontecimentos físicos, flatus vocis, para dizer com um termo medieval.

A tese geral mantida por Merleau-Ponty a respeito do relacionamento entre o pensamento e


a linguagem está em harmonia com a que sustentam os chamados “analistas linguísticos”, que
se opõem à ideia de uma separação ou distinção real entre uma atividade oculta, o pensamento,
por um lado, e, por outro lado, o público fenômeno da linguagem. O mesmo que Gilbert Ryle,
reconhece Merleau-Ponty que é absurdo lamentar que de filósofos do passado como Platón ou
Hegel só nos tenham ficado as palavras e não desfrutemos do acesso a seus pensamentos ou a
seu espírito. Pois os pensamentos do filósofo estão expressar em suas palavras, em seus escritos,
e o ter acesso a estes é o ter também a seu espírito ou mente. Agora bem, aos filósofos da
linguagem ordinária lhes interessa sobretudo o que Merleau-Ponty chama “a palavra falada”. Na
medida em que não excluem, em princípio, a revisão da linguagem ordinária nem a invenção de
novos termos, deixam espaço para a “palavra hablante”. Mas eles fazem questão de ocupar da
palavra “ falada”, enquanto Merleau-Ponty atende mais bem à “palavra hablante”. Porque o que
lhe interessa é patentizar os nexos entre sua teoria da linguagem e sua teoria do corpo-sujeito.
Reconhece uma espécie de prelingüística intelección de seu mundo pelo corpo, uma
“practognosis”, como ele o lume,[1087] que não é diferente do comportamento corporal em
questão. Mas o pensamento, em todo o sentido próprio da palavra, vem a existir em e por médio
da expressão linguística. As feições sociais do sujeito manifestam-se por de repente na “palavra
falada”. Mas o sujeito humano é capaz de trascender o já dado ou adquirido; e esta feição exibe-
se na “palavra hablante”, na criatividade dos cientistas, dos poetas e dos filósofos. No entanto,
ainda neles vão juntos o pensamento e a expressão; o qual evidência que o pensamento está
ancorado, por assim o dizer, no corpo-sujeito. Há uma série de níveis de subjetividad; mas o
sujeito é sempre o sujeito “encarnado” que, segundo desenvuelve suas potencialidades, dá novos
sentidos ao mundo. O pensamento representa uma feição do corpo-sujeito, seu subjetividad,
enquanto a linguagem representa outra feição, sua corporeidad. Mas bem como o corpo-sujeito
é uma só realidade, embora com feições distinguibles, assim também o pensamento e a
linguagem são uma só realidade.

falámos do diálogo do homem com seu meio. Este meio é simplesmente o mundo físico das
coisas ou dos objetos. O homem nasceu em uma situação histórica e cultural. “Eu não tenho
somente um mundo físico, não vivo somente em um médio de terra, ar e água, senão que a minha
ao redor há estradas, plantações, povoados, ruas, igrejas, utensilios, um sino, uma colher, uma
pipa. A cada objeto destes leva estampada nele a impronta da ação humana para a que
serve,”[1088] Mas embora o ser humano nasça em um mundo de objetos culturais, evidentemente
não é questão de inferir de tais objetos a existência de outras pessoas. Essa inferência nos daria
no máximo um anônimo Alguém. “No objeto cultural experimento eu a próxima presença do
Outro baixo um véu de anonimato.”[1089] Terá que dizer, pois, que inferimos a existência das
demais pessoas a partir de seu comportamento ostensible, de seus movimentos corpóreos?
Resulta difícil ver que outra coisa poderia ser dito se tivesse que entender o corpo no sentido
que requer o dualismo. Mas, em mudança, se o sujeito não é algo oculto no interior de um corpo
senão que é o corpo mesmo, o corpo-sujeito, podemos compreender que a existência de outros
sujeitos se experimente já no diálogo prerreflexivo do homem com o mundo. O bebê certamente
não infere a existência de sua mãe a partir do sorriso que vê no rosto materno nem a partir dos
movimentos das mãos dela. Tem uma percepción prerreflexiva de sua mãe no diálogo de seus
recíprocos comportamentos. Temos de admitir, sem dúvida, que podem surgir conflitos entre os
diferentes sujeitos, e que um sujeito pode tratar de reduzir a outro ao nível de um objeto. Mas
tais conflitos pressupõem, evidentemente, a percepción da existência de outras pessoas. Cabe
objetar que é só assim que aparecendo a mim ou para mim como vêm a existir em meu mundo
outras pessoas. Mais de aqui não se segue que não apareçam para mim como outros sujeitos.
Certamente, eu não posso ser o outro sujeito. A comunicação não pode ser total e completa: o
eu está sempre envolvido em uma verdadeira solidão. Mas a solidão da vida real não é a do
solipsismo. “A solidão e a comunicação não têm de ser consideradas como os dois termos de
uma alternativa, senão como dois momentos de um único fenômeno, já que, de fato, outras
pessoas existem para mim.”[1090] Existir é existir em um mundo que inclui uma dimensão social,
e o enigma teórico que ao nível reflexivo pode surgir com respeito a nosso conhecimento dos
outros pressupõe um diálogo experimentado ou vivido com outros sujeitos.

Na Fenomenología da percepción faz Merleau-Ponty algumas observações muito certeras a


propósito da liberdade. Começa resumindo brevemente a teoria exposta por Sartre no ser e a
nada. Para Sartre a liberdade é absoluta. Nossas decisões não são determinadas por motivos.
Pois “o suposto motivo não influi de fato nada em minha decisão; ao invés, é minha decisão a
que dá ao motivo sua força”.[1091] Ademais, depende de mim o que veja eu aos homens como
coisas ou como seres humanos, como objetos ou como sujeitos livres; e depende de minha
vontade de fazer alpinismo o que uma rocha me pareça inescalable ou me pareça só um obstáculo
difícil. Merleau-Ponty objeta que se se diz que a liberdade é absoluta e ilimitada, se lhe tira à
palavra “libertem” toda significação definida. “Efetivamente, se há igual liberdade em todas
nossas ações e até em nossas paixões [...] não pode ser dito que tenha nenhuma ação livre, [...]
Ela (a liberdade) estará por todos os lados, se assim o querem, mas sem estar realmente em parte
alguma.”[1092] É indiscutible que sou eu quem dá a esse precipício o significado de ser um
“obstáculo” para a ascensión da montanha que eu estou planejando; mas meu diálogo com o
mundo, no que este significado se produz, é um diálogo e não um monólogo. O relacionamento
entre o precipício e meu corpo não depende simplesmente de mim. Quando dou ao precipício o
significado de ser um obstáculo, eu estou já em uma situação. Assim mesmo, minha conduta
passada e os hábitos que fui adquirindo constituem também uma situação. Do qual não há que
concluir que minha atual opção esteja determinada; senão, mais bem, que a liberdade não é
nunca absoluta, dantes sempre “situada”, condicionada. Nem isto quer dizer também não que a
ação livre seja divisible, como se constasse de uma parte propriamente livre e outra determinada.
O que quer dizer é que o homem não é pura consciência, senão que o nível da consciência e da
liberdade está condicionado por outro nível preconsciente. Um exemplo que põe Merleau-
Ponty[1093] é o do intelectual burguês que rompe com sua classe e se identifica com o movimento
revolucionário proletario o fazendo todo isso livremente; mas a tomar esta decisão chega não
como uma consciência pura, que exista aparte de todas as classes sociais, senão como alguém
que por seu nascimento e por sua formação está já situado de uma verdadeira maneira. Sua
decisão, embora livre, é a decisão de um burguês intelectual; elege precisamente assim que tal,
e embora ao fim consegua fechar o hiato entre o burguês intelectual e o membro da classe
proletaria, isto não pode conseguir mediante uma decisão inicial de romper com sua própria
classe e abraçar a causa do outro. Seu exercício da liberdade está condicionado por uma situação
preexistente.

Merleau-Ponty não pretendia, nem muito menos, ter achado as soluções definitivas dos
problemas que considerou. Seu pensamento era exploratorio, e estimava que suas contribuições
contribuíam a abrir o caminho pelo que a reflexão pudesse seguir avançando. Em general
debateu-se com o problema de harmonizar a tese de que o homem, o sujeito existente, confere
sentidos ou significados a seu mundo com o fato palmario de que, como seres conscientes, nos
encontramos no meio de um mundo cheio já de sentido. Seu tratamento da percepción e do
comportamento perceptual ao nível preconsciente contribuiu a solucionar este problema. Mas
Merleau-Ponty não sustentou nunca que todos os níveis da experiência fossem reducibles ao
nível preconsciente, nem que as estrutura caraterísticas dos níveis superiores pudessem ser
descrito ou se analisar simplesmente nos termos das estruturas que caraterizam o nível da
percepción. O reino da percepción, o “mundo-vida”, constituía para ele a base dos demais níveis.
Todos continuamos vivendo no reino da percepción. Mas, ao mesmo tempo, os níveis superiores
requerem tratamento individual, e Merleau-Ponty tinha o projeto de acrescentar à estrutura do
comportamento e à Fenomenología da percepción obras sobre temas tais como a origem da
verdade e a importância sociológica da literatura em prosa. De fato, estes volumes planejados
não foram escritos, mas Merleau-Ponty expôs suas ideias sobre numerosas questões em
importantes ensaios. Um exemplo é seu escrito sobre a fenomenología da linguagem (1951),
onde mantém que “quando eu falo ou ouço falar, experimento essa presença dos outros em mim
ou de mim mesmo nos outros que é a dificuldade com que tropeça a teoria da
intersubjetividad”.[1094] Outro exemplo é o notável ensaio titulado L’oeil et l’esprit (O olho e o
espírito), publicado em 1961.[1095] Foi este o último trabalho que deu às imprensas Merleau-
Ponty mesmo. Nele expressou sua opinião de que a ciência operacional perdeu até o último
contato com o “mundo real” e também a de que a arte está hoje em via de ser a fábrica do sentido
que a ciência moderna “preferiria ignorar”.[1096] A reflexão sobre a arte serve de apoio à ideia
básica do corpo-sujeito como realidade percipiente e perceptible, realidade no mundo através da
qual o Ser se faz parcialmente visível ou se revela. Nosso autor refere-se à música como ao que
representa “certos rasgos do Ser: seu fluir e refluir, seu auge, seu pujanza, sua turbulência”;[1097]
mas centra a atenção principalmente na pintura, que expressa de um modo direto as realidades
concretas. Por certo que Merleau-Ponty não trata de sugerir que a ciência seja inútil ou que lha
deva deixar de lado, mas sim sugere que a ciência se afasta do mundo real ao que o artista tem
acesso direto.

Que entende Merleau-Ponty por Ser? Em seus últimos escritos, especialmente na parte do
visível e o invisível que pôde terminar dantes de morrer, sua fenomenología toma um giro mais
metafísico, e o tema de uma realidade última ou fundamental passa ao primeiro plano. O homem
é uma realidade perceptible e, como tal, pertence à Natureza ou ao mundo. É também uma
realidade percipiente, em diálogo com o mundo. Mas disto não se segue que como sujeito seja
o homem uma consciência aparte ou fora do mundo. O que há que concluir é que no ato da visão
humana o mundo se faz visível a si no homem e através do homem. Para dizer de outro modo,
o percatarse o homem da Natureza é o percatarse a Natureza de si mesma, já que o homem
pertence à Natureza e está enraizado nela. Isto é o que vem a significar metafisicamente a
afirmação de que o homem é ao mesmo tempo realidade percipiente e realidade perceptible. Mas
embora o homem assim que percipiente constitui seu mundo (não no sentido de que ele o acha
senão no de que faz com que apareçam suas estruturas), a realidade é mais que o que se faz
visível ou perceptible. E o que chega a se fazer visível e o que subyace à distinção entre o sujeito
e o objeto é o Ser. Em si mesmo o Ser é invisível. Para dizê-lo paradoxalmente, manifesta-se ele
mesmo como o inaparente fundamento do que aparece no diálogo entre o corpo-sujeito e seu
meio. O mesmo não é uma estrutura perceptible senão o campo de todas as estruturas. O Ser faz-
se visível a si mesmo no homem e por médio do homem, mas só em forma de estruturas
perceptibies. O que Merleau-Ponty chama “a carne do mundo” fundamenta tanto ao sujeito como
ao objeto, lhes precedendo logicamente. Se automanifiesta nas estruturas perceptibles e também
ao pensamento (no sentido de que o homem pode chegar a prender intelectualmente sua
realidade); mas, considerado em si mesmo, permanece oculto.

É perfeitamente razoável que se veja nesta teoria do Ser um significativo desenvolvimento


do pensamento de Merleau-Ponty. E é compreensível que alguns de quem, lhe admirando como
filósofo, se inquietam por sua inicial exclusão de conceitos tais como o Absoluto e Deus gostem
de fazer hincapié em um desenvolvimento metafísico que recorda a concepção de Schelling da
natureza vindo a se conhecer a si mesma em e pelo homem e do Ser como oculto em si mas
fundando o sujeito e o objeto. Mas, por outra parte, ao conceito merleau-pontiano do Ser não
deveriam lhe lhe atribuir demasiadas coisas. O Ser é, para Merleau-Ponty, a dimensão invisível
do visível. É, certamente, a realidade última, no sentido de que se faz visível nas estruturas do
mundo; mas não é o Deus do teísmo. E embora este sesgo ou giro metafísico em seu pensamento
lhe facilitaria um abrir à fé religiosa, nada justifica realmente o que se trate de anexar a Merleau-
Ponty ao cristianismo.

3. Merleau-Ponty e o marxismo.

O dito até aqui talvez dê a impressão de que Merleau-Ponty se manteve aparte das questões
sociais e políticas e se dedicou somente à filosofia abstrata. Em realidade para valer, sentiu uma
forte atração pelo marxismo. Entre outras razões pelo muito que recalcó Marx a situação básica
do homem como um ser no mundo e pela importância que deu ao diálogo do homem com seu
meio. Merleau-Ponty quiçá tendesse a interpretar o marxismo nos termos de sua própria
filosofia, mas impressionava-lhe sinceramente a estreita conexão que o marxismo estabelece
entre os ideais e as realidades sociais e entre a ética e a política. Nunca foi homem que aceitasse
uma ideologia imposta por autoridade nem que submetesse sua inteligência às diretrizes de um
partido, e a interpretação determinista da história não era precisamente de sua agrado. Mas em
Humanismo e terror sustentou que o marxismo “não era mais que a simples afirmação daquelas
condições sem as quais não teria nunca nem humanismo algum [...] nem racionalidade na
história”,[1098] e que como crítica da sociedade existente e das demais teorias do humanismo era
insuperable. Mas embora nesta obra fez Merleau-Ponty quanto pôde por pôr no caso e
compreender o emprego do terror na União Soviética e as “purgas” promovidas por Stalin,
posteriormente não só se converteu em severo crítico do regime soviético e da ortodoxia
comunista senão que chegou a admitir que a prática comunista era a consequência lógica da
adoção por Marx de uma teoria da história que permitia aos dirigentes comunistas jactarse de
conhecer cientificamente o curso e as exigências da história e justificar suas ações e sua conduta
dictatorial e repressiva de um modo análogo a como os ministros da Inquisición costumavam
justificar suas ações amparando em seu conhecimento das verdades divinas e da vontade de
Deus.[1099] Merleau-Ponty não deixou nunca de admirar a Marx como pensador; mas
simpatizaba pouco com a ideia de que uma filosofia se tivesse transformado em ciência e pudesse
ser utilizada para justificar a ditadura. Não foi, certamente, fautor do capitalismo. Mas também
não foi comunista. E parece que pode ser dito razoavelmente que nunca foi em realidade
marxista. O que do pensamento de Marx lhe atraía eram os elementos que nele concordavam
com sua própria filosofia. E assim, tendo tratado primeiramente de desassociar a Marx mesmo
dos desenvolvimentos comunistas com que não podia estar de acordo, passou depois a pensar
que as origens desses desenvolvimentos podiam ser achado em algumas ideias do último Marx.

Em um ensaio faz notar Merleau-Ponty que já sempre, a partir de Nietzsche, até o mais
modesto estudante costuma recusar do todo uma filosofia que não lhe ensine a viver
plenamente.[1100] Esta observação tem por contexto a de que aos pintores não lhes acusamos de
escapismo, enquanto os filósofos estão facilmente expostos a tal reproche. Agora bem, contexto
aparte, serviria de script para a vida a filosofia de Merleau-Ponty? É difícil dizê-lo, já que ficou
incompleta. Segundo está, cabe entender que exige um reconhecimento recíproco entre os seres
humanos, um respeito à liberdade humana e um autocomprometerse e entregar à causa da
libertação social sem que se pretenda a posse de nenhum conhecimento absoluto nem direito
algum a exercer coerción envelope os seres humanos em nome desse suposto conhecimento.
Dito de outra maneira, a filosofia de Merleau-Ponty pode ser considerado como uma forma de
humanismo. Mas se a seu autor recorda-se-lhe será, provavelmente, por suas investigações
fenomenológicas. E a estas podemos supor que não lhas terá por tratamentos definitivos (coisa
que Merleau-Ponty nunca pretendeu que fossem) senão por explicações estimulantes e pontos
de partida.

4. Lévi-Strauss e o homem.

Um dos ensaios de Merleau-Ponty se titula De Mauss aà Claude Lévi-Strauss,[1101] e Lévi-


Strauss dedicou sua obra A pensée sauvage[1102] à memória de Maurice Merleau-Ponty, seu
colega no Colégio da França. Lévi-Strauss nasceu no mesmo ano (1908) que Merleau-Ponty, e,
feitos seus estudos, ensinou durante algum tempo filosofia em liceos. Em 1935 aceitou a cátedra
de sociologia na Universidade de Sao Paulo, no Brasil, onde permaneceu até 1939. Após a guerra
foi agregado cultural na Embaixada da França em Washington. Em 1947 regressou a França,
chegou a ser diretor de estudos na École dê Hautes Études de Paris, e em 1959 confiou-se-lhe a
cátedra de antropologia social, no Collège de France. É, antes de mais nada e sobretudo,
antropólogo;[1103] mas suas ideias têm, ou têm-se-lhes atribuído, envolvimentos filosóficas. Ao
estructuralismo tem-se-lhe apresentado como a concreción ou o envolvimento de uma maneira
de ver ao homem, que difere bastante da maneira existencialista. Michel Foucault[1104]
representou-o como um completar a nietzscheana “morte de Deus” com a “morte do homem”.
Por isso, embora eu não seria competente para discutir temas antropológicos, ainda supondo que
tivéssemos aqui espaço para tal discussão, no entanto parece impropio terminar este exame da
filosofia francesa sem fazer algumas indicações, sequer sejam inadequadas, envelope o
movimento estructuralista no pensamento francês mais recente.

No primeiro e no último capítulo de seu Anthropologie structurale discute Lévi-Strauss o


uso de termos como etnografía, etnología, antropologia física, antropologia social e antropologia
cultural. A seu julgamento, a etnografía, a etnología e a antropologia não constituem três
disciplinas diferentes senão mais bem “três estádios ou três momentos na mesma linha de
investigação”.[1105] A etnografía, por exemplo, “aspira a registrar com a maior exatidão possível
os respetivos modos, de vida dos diversos grupos”;[1106] seu cometido é observar e descrever. O
movimento da mente é, pois, de síntese, no qual movimento a etnología representa uma fase.
Agora bem, a síntese concierne antes de mais nada aos relacionamentos entre fenômenos sociais;
e a antropologia trata de estabelecer os relacionamentos estruturais básicas que subyacen a todo
o conjunto da vida e a organização social do homem. O sociólogo, tal como o vê Lévi-Strauss,
estuda a sociedade do próprio observador ou sociedades do mesmo tipo, enquanto o antropólogo
tenta formular teorias que sejam aplicáveis “não só a seus próprios paisanos e contemporâneos,
senão também às mais distantes populações indígenas”.[1107] Ademais o antropólogo, sem
descurar naturalmente os processos conscientes da mente humana, tem de incluir também seus
processos inconscientes, tendo em vista reduzir a fórmulas as estruturas básicas, das que são
projeções ou manifestações todas as instituições sociais e culturais. Em outras palavras, a
antropologia interessa-se pelo que Marcel Mauss descreveu como o fenômeno social total. No
entanto, embora não lhe são indiferentes as sociedades muito desenvolvidas, que expressam a
conduta consciente do homem, nem os processos históricos que levaram a seu desenvolvimento,
seu propósito é ir para além do âmbito das ideias e os fins conscientes e dos processos históricos,
para abarcar “toda a gama das possibilidades inconscias”.[1108] Estas possibilidades, segundo
Lévi-Strauss, são limitadas em número. Portanto, se o antropólogo conseguisse determinar os
relacionamentos de compatibilidade e incompatibilidad entre estas diferentes possibilidades ou
potenciais, poderia formular um enquadramento ou malha lógica válido para todos os
desenvolvimentos histórico-sociais. Lévi-Strauss cita a frase de Marx de que os homens são os
hacedores de sua própria história, mas ignoram que são eles os que a fazem; e comenta que se a
primeira parte da frase justifica a História, a segunda justifica a Antropologia.

Na génesis de sua ideia da análise estrutural na antropologia Lévi-Strauss foi influído pela
linguística, que em sua opinião era a ciência social que mais notoriamente progredia. Este
progresso devia-se ao desenvolvimento da linguística estrutural por obra de N. Troubetzkoy e
outros. Em seu Psychologie du langage[1109] atribuía Troubetzkoy à linguística estrutural quatro
operações básicas; estudar a infraestrutura inconsciente dos fenômenos linguísticos, analisar em
especial os relacionamentos entre os termos, patentizar as estruturas dos sistemas fonémicos (ou
sistemas dos sons vocálicos), e descobrir as leis gerais ou fórmulas dos relacionamentos
necessários fundamentais. Lévi-Strauss não pretende que possa ser tomado o método da
linguística estrutural e o aplicar sem mais, literalmente, em antropologia. Pois o antropólogo
ocupa-se de condutas e atitudes humanas que são irreductibles a sistemas terminológicos ou não
pode ser demonstrado que sejam tão só expressões linguísticas. Embora interprete a sociedade
nos termos de uma teoria da comunicação, Lévi-Strauss não restringe a comunicação à
linguagem; nem considera que todas as demais forma de comunicação se derivem da linguagem.
Por outro lado, faz questão da colaboração entre lingüistas e antropólogos e em seus mútuos
relacionamentos, e o método da linguística estrutural serviu-lhe de modelo para formular um
método da antropologia. Estima que os relacionamentos entre os fenômenos sociais
proporcionam o material para a construção de modelos abstratos[1110] que façam inteligibles os
fatos observados. O antropólogo tratará de ir para além (ou por embaixo) dos modelos
conscientes aos modelos inconscientes e, estudando os relacionamentos entre os tipos de
modelos, tentará esclarecer os relacionamentos necessários que regem a vida mental, afectiva,
artística e social do homem. Ademais, embora não sustenta que todos os fenômenos sociais
tenham de ser suscetíveis de medição numérica, Lévi-Strauss contempla a possibilidade do
emprego das matemáticas como instrumento na análise antropológico.

A questão pode ser clarificado algo desta maneira: Na pensée sauvage recusa Lévi-Strauss
a distinção, feita, por exemplo, por Lévy-Bruhl, entre a mentalidade lógica do homem civilizado
e a mentalidade prelógica do primitivo. “A mente do selvagem é lógica no mesmo sentido e do
mesmo modo que as nossas, embora como as nossas o é tão só quando se aplica ao conhecimento
de um universo no que reconhece simultaneamente propriedades físicas e semânticas.”[1111]
Neste caso, por suposto, tem de ter uma lógica nos mitos, E ao escrever envelope a mitología
em Lhe cru et lhe cuit (O cru e o cozido, 1964) arguye Lévi-Strauss que não há desordem e
arbitrariedad ou mera fantasía na eleição das imagens nem nos modos das associar, as opor ou
as limitar. Porque os mitos expressam umas estruturas mentais inconscientes que são as mesmas
para todos os homens. Agora bem, estas estruturas são de caráter puramente formal. Isto é, não
proporcionam contido como os arquetipos de Jung, senão mais bem as malhas ou modelos
formais que condicionam todas as forma de vida mental. Pese às diferenças óbvias, nos mitos e
na ciência expressam-se as mesmas estruturas formais. Em verdadeiro sentido, as estruturas
básicas equivalem às categorias a priori de Kant. Só que não estão referidas a nenhum sujeito
ou eu trascendental. Pertencem à esfera do inconsciente, e Lévi-Strauss pensa, sem dúvida, que
têm sua origem na profundidade do homem, entendendo este em um sentido não metafísico
senão naturalista.

Lévi-Strauss escreveu envelope numerosos temas particulares, tais como as estruturas do


parentesco (Lhes structures élémentaires da te parem, 1949), o totemismo (Lhe totémisme
aujourd’d hui, e A pensée sauvage, 1962) e, como dissemos já, envelope mitología. utilizou a
literatura antropológica mais relevante e também seus próprios trabalhos de campo; e,
naturalmente, considera-se com razão antropólogo e não filósofo. É mais, as filosofias parecem
ser para ele fenômenos que, como os mitos, proporcionam material de estudo e investigação ao
antropólogo, assim que que encerram as estruturas formais que se expressam em todo o conjunto
da vida e a cultura humanas. Ao mesmo tempo, o âmbito que abarca a antropologia, tratando
esta como trata da totalidade dos fenômenos sociais e sendo seu objeto descobrir os fundamentos
formais da vida mental do homem, resulta tão amplo que se faz difícil traçar uma clara linha de
demarcación entre a antropologia como ciência social[1112] e a antropologia filosófica. E o fato
de que Lévi-Strauss não pretenda ser filósofo não prova necessariamente que não tenha um
pessoal ponto de vista filosófico que está implícito e às vezes acha expressão mais ou menos
explícita em seus escritos antropológicos.

Algumas das observações feitas por Lévi-Strauss no capítulo nono da pensée sauvage
implicam claramente uma filosofia do homem. Discutindo ali o conceito sartriano da razão
dialética, Lévi-Strauss admite que a ele pode lhe lhe ter, na terminología de Sartre, por
“materialista trascendental e esteta”.[1113] É um “materialista trascendental” porque considera
que a razão dialética não é algo diferente da razão analítica senão algo adicional na mesma linha
da razão analítica. “Sartre chama à razão analítica razão em repouso; eu à mesma razão a chamo
dialética quando, tensada por seus esforços para trascenderse, se lança à ação.”[1114] O esforço
da razão por trascenderse não é, empero, um esforço por prender a Trascendencia senão por
achar as bases últimas da linguagem, da sociedade e do pensamento, ou, dizendo de um modo
mais provocativo, o esforço por “tratar de resolver o humano no não humano”.[1115] Quanto ao
termo “esteta”, Lévi-Strauss diz que se lhe pode aplicar no sentido em que o usa Sartre, a saber,
para se referir a quem estuda aos homens como se fossem hormigas. Efetivamente, o fim último
das ciências humanas “não é constituir ao homem, senão o dissolver”.[1116]

É evidente que Lévi-Strauss não tem a intenção de negar que existem os seres humanos. O
objeto de seu estudo é o homem. A palavra “dissolver” tem de entender-se em termos de redução.
Mas Lévi-Strauss faz questão de que ele não se refere à redução de um nível “mais alto” a outro
“mais baixo”. O nível por reduzir deve ser concebido com todas suas caraterísticas e qualidades
distintivas, e se lho reduz a outro nível se lhe comunicará retroactivamente a este outro nível
algo da riqueza do mais alto. Por exemplo, se conseguíssemos entender a vida como uma função
da matéria inerte, encontraríamos que “esta última tem propriedades muito diferentes das que se
lhe atribuíram anteriormente”.[1117] Não se trata de reduzir o complexo ao simples, senão de
substituir uma complexidade menos inteligible por outra que é mais inteligible. Assim, o reduzir
a vida afectiva, mental e social do homem a estruturas ou padrões formais inconscientes não
equivale a negar que a primeira seja o que é, senão a fazer inteligible a complexidade de forma
dos fenômenos sociais e culturais à luz de uma estrutura complexa que é expressar nos
fenômenos e os unifica, mas a partir da qual não podem ser deduzido simplesmente a priori os
fenômenos. Pois também temos de ter em conta a dialética entre o homem e seu meio e entre
uns homens e outros.

Lévi-Strauss acha, sem dúvida, que estas ideias pertencem de encheu ao campo da
antropologia e que é um erro as apresentar como teorias filosóficas. Mas embora ele de fato não
as despliega como uma filosofia, parece estar bastante claro que implicam um naturalismo
diferente do burdo reduccionismo de alguns philosophes do século XVIII. Se Lévi-Strauss não
vê inconveniente em aceitar o sartriano qualificativo de “materialista trascendental”, o
verdadeiro é que seu materialismo tem algo da ambigüedad típica do materialismo dialéctico, o
qual efetivamente exerceu certa influência em seu pensamento. De todos modos, opõe uma
visão, que reintegra ao homem na Natureza, à sartriana dicotomía entre o para-si e o em-si, e
opõe também um condicionamiento da mente e a atividade do homem, por estruturas formais
que subyacen baixo o nível da consciência, à liberdade absoluta proclamada pelo autor do ser e
a nada.

Os antecedentes do estructuralismo acham-se, por exemplo, na psicologia estrutural e, mais


recentemente, na linguística estrutural, bem como nas teorias de Durkheim e de Mauss. Seu
principal campo de aplicação é o das ciências humanas, onde se ocupa sobretudo dos
relacionamentos e das leis supostamente invariantes de combinação entre os fenômenos
correlativos. Não despreza o desenvolvimento histórico, o elemento “diacrónico”; mas atende
sobretudo ao elemento “sincrónico”, nas estruturas formais básicas, que acha ser independentes
das mudanças históricas. Esta focagem e método aplicou-se em diversos campos, tais como a
crítica literária, a arte, a psicologia e a interpretação do marxismo; e na medida em que se trata
de um método heurístico é óbvio que não pode ser feito nenhuma objeción séria a que se
experimente com ele e se avaliem os resultados. O que ocorre é que o método está em conexão
com hipótese das que cabe dizer razoavelmente que implicam uma filosofia naturalista que difere
tanto do existencialismo como do marxismo, embora incorpora elementos que se derivam de
ambas fontes. Dado o muito que se faz questão de seu emprego como método heurístico, é sem
dúvida um exagero falar de um sistema de filosofia estrutural. Assim mesmo, dada a amplitude
do campo de aplicação deste método nas ciências humanas, muito bem pode ser falado de uma
corrente de pensamento que, se diferenciando do existencialismo e do marxismo, é talvez
presentable como um novo naturalismo baseado na reflexão dentro do campo da antropologia
social e cultural.
Versão editada por “Beyond”.
APÉNDICE

Bibliografía.

Na Bibliografía posta ao final do volume VII desta obra mencionaram-se várias histórias
gerais da filosofia cujos títulos não repetiremos aqui. Nesta lista não figuram enciclopédias,
salvo as duas que se citam abaixo entre as obras gerais. Também não dá-se a bibliografía de
todos os filósofos cujos nomes aparecem no texto deste volume.

Obras gerais

BALODI, N., Lhes constantes da pensée française, Paris, 1948.

BENRUBI, J., Contemporary Thought of France, Londres, 1926.

— Lhes sources et lhes courants da philosophic contemporaine em France, 2 vols., Paris,


1933.

BOAS, G., French Philosophies of the Romantic Period, Nova York, 1925; reedición, 1964.

— Dominant Themes of Modern Philosophy, Nova York, 1957.

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et XX siècles. Paris, 1944. The History of Philosophy. Vol. VI, The Nineteenth Century, Period
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com bibliografías, envelope Comte e Bergson.)

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(Além de um artigo geral sobre a filosofia francesa, contém artigos sobre os diferentes
movimentos e envelope um grande número de filósofos.)

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FARBER, M. (ed.), Philosophic Thought in France and the United States. Essays representing
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PIERCE, R., Contemporary French Political Thought, Londres, 1966.

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principalmente ao estudo de Hegel e Marx, mas inclui o tratamento dos primeiros socialistas
franceses.)

RANDALL, J. H., JR., The Career of Philosophy; Vol. 2, From the German Enlightenment to
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desde a Revolução até Comte.)

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Capítulo I

1. Obras gerais envelope o Tradicionalismo


BOAS, G., French Philosophies of the Romantic Period, Nova York, 1925; reimpresión,
1964.

FERRAZ, M., Histoire da philosophie em France au XIX siècle: Traditionalisme et ultra-


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FOUCHER, L., A philosophie catholique em France au XIX siècle, Paris, 1955. (Os quatro
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MENZER, B. (ed.), Catholic Political Thought (1789-1848), Westminster, Maryland, 1952.

ROCHE, A. V., Lhes idées traditionalistes em France, Urbana, 1937.

2. De Maistre

Textos:

Oeuvres complètes, 14 vols., Paris, 1884-1887.

The Works of Joseph de Maistre (Selections), trad. inglesa de J. Lively, Nova York, 1965.

Considérations sul a France, Neuchâtel, 1796.

Essai sul lhe principe générateur dê constitutions politiques, Paris, 1814 (e Lyon, 1929). Du
Pape, 2 vols., Lyon, 1819.

Soirées de Saint-Pétersbourg, 2 vols., Paris, 1821.

Exame da philosophie de Bacon, Paris, 1836.

Estudos

BAYLE, F., Lhes idées politiques de Joseph de Maistre, Paris, 1945.

BRUNELLO, B., Joseph de Maistre, político e filosofo, Bolonha, 1967.

GIANTURCO, E., Joseph de Maistre and Giambattista Vico, Washington DC, 1937.
HUBER, M., Die Staatsphilosophie von Joseph de Maistre im Licht dê Thomismus, Basilea e
Stuttgart, 1958.

LECIGNE, C., Joseph de Maistre, Paris, 1914.

RHODEN, P. R., Joseph de Maistre als politischer Theoretiker, Munich, 1929.

3. De Bonald

Textos

Oevres complètes, 7 vols. Paris, 1857-18753.

Oeuvres, ed. de J. P. Migne, 3 vols., Paris, 1859.

Théorie du pouvoir politique et religieux dans a société civile, 3 vols., Constanza, 1796.
Há uma edição a cargo de C. Capitan, Paris, 1965.

Essai analytique sul lhes lois naturelles de l’ordre social, Paris, 1800.

A législation primitive, 3 vols., Paris, 1802.

Recherches philosophiques sul lhes premiers objets dê connaissances morais, 2 vols., Paris,
1818.

Démonstration philosophique du principe constitutif da société, Paris, 1827.

Estudos

ADAMS, A., Die Philosophie de Bonalds, Münster, 1923.

FAGUET, E., Politiques et moralistes du XIXe siècle, Série I, Paris, 1891.

MOULINIÉ, H., De Bonald, Paris, 1915.

QUINLAN, M. H., The Historical Thought of the Vicomte de Bonald, Washington, DC, 1953.

REINERZ, H. W., Bonald als Politiker, Philosoph und Mensch, Leipzig, 1940.

SOREIL, A., Lhe Vicomte de Bonald, Bruxelas, 1942.

4. Chateaubriand Textos
Oeuvres complètes, 20 vols., Paris, 1858-1861.

Essai historique, politique et moral sul lhes révolutions, Londres, 1797.

Génie du christianisme, 5 vols., Paris, 1802. [Há trad. castelhana, Sopena, Barcelona,1966.]

Estudos

BERTRIN, G., A sincérité religieuse de Chateaubriand, Paris, 1899.

DÖHNER, K., Zeit und Ewigkeit bei Chateaubriand, Gante, 1931.

GIRAUD, V., Lhe christianisme de Chateaubriand, 2 vols., Paris, 1925-1928.

LEMAITRE, J., Chateaubriand, Paris, 1912.

MAUROIS, A ., Chateaubriand, Paris, 1938.

SAINT-BEUVE, C. A., Chateaubriand et são groupe littéraire sous l’Empire, Paris, 1869.

5. Lamennais

Textos

Oeuvres complètes, 12 vols., Paris, 1836-1837.

Oeuvres choisies et philosophiques, 10 vols., Paris, 1837-1841.

Oeuvres posthumes, ed. de E. D. Forgues, 6 vols., Paris, 1855-1859.

Oeuvres inédites, ed. de A. Blaize, 2 vols., Paris, 1866.

Essai sul l’indifférence em matière de religion, 4 vols., Paris, 1817-1824.

Défense de l’Essai sul l’indifférence, Paris, 1821.

Paroles d’um croyant, Paris, 1834.

Esquisse d’une philosophie, 4 vols., Paris, 1841-1846.

Estudos

BOUTARD, C., Lamennais, sa vie et ses doctrines, 3 vols., 1905-1913.


DERRÉ, J. R., A Mennais, ses amis et lhe mouvement dê idées à l’époque romantique (1824-
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DUINE, M., A Mennais, sa vie, ses idées, ses ouvrages, Evreux, 1922.

GIBSON, W., The Abbé de Lamennais and the Liberal Catholic Movement inFrance , Londres
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JANET, P., A philosophie de Lambannais, Paris, 1890.

LHE GUILLON, L., L’évolution da pensée religieuse de Félicité Lamennais, Paris, 1966.

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VERUCCI, G. F., Lamennais. Dal cattolicesimo autoritario ao radicalismo democrático,


Nápoles, 1963.

Capítulo II

1. Os ideólogos

Textos

>DESTUTT DE TRACY, Éléments d’idéologie, 4 vols., Paris, 1801-1815. Traité da volonté et


de ses effets, Paris, 1805. Commentaire sul l’esprit dê lois de Montesquieu, Lieja, 1817. Trad.
inglesa de Thomas Jefferson como A Commentary and Review of Montesquieu’s Spirit of Laws,
Filadelfia, 1811.

Estudos

CAILLIET, E., A tradition littéraire dê idéologues, Filadelfia, 1943.

CHINARD, J., Jefferson et lhes idéologues, Baltimore, 1925.

PICAVET, E., Lhes idéologues, Paris, 1891. (Obra definitiva.)

RIVERSO, E., I problemi della conoscenza e do método nel sensismo degli ideologi, Nápoles,
1962.

VÃO DUZEN, C., The Contributions of the Idéologues to French Revolutionary Thought,
Baltimore, 1935.
2. Maine de Biran

Textos

Oeuvres de Maine de Biran, ed. de P. Tisserand e H. Gouhier, 14 vols., Paris 1920-1929.


(Esta edição supera em tudo à que fez Victor Cousin das Oeuvres philosophiques de M. de Biran
em 4 vols., Paris, 1841.)

Journal intime, ed. de H. Gouhier, Paris, 1954-1957.

A Mémoire sul l’habitude foi traduzida ao inglês por M. Boehm como The Influence of Habit
on the Faculty of Thinking, Baltimore, 1929.

De I’apperception immédiate. Mémoire de Berlin 1807, ed. de J. Echeverría, Paris, 1963.

Estudos

AMBROSETTI, G., A filosofia sociale dei Maine de Biran, Verona, 1953.

ANTONELLI, M. T., Maine de Biran, Brescia, 1947.

BUOL, J., Die Anthropologie Maine de Birans, Winterthur, 1961.

CRESSON, A., Maine de Biran, Paris, 1950.

DA VALETTE MONBRUN, A., Maine de Biran, Essai de biographie historique et


psychologique, Paris, 1914.

DELBOS, V., Maine de Biran et são oeuvre philosophique, Paris, 1931.

DREVET, A., Maine de Biran, Paris, 1968.

GHIO, M., Maine de Biran e a tradizione biraniana inFrança , Turín, 1962.

FESSARD, P., A méthode de réflexion chez Maine de Biran, Paris, 1938.

FUNKE, H. Maine de Biran, Philosophisches und politisches Denken zwischen Ancien


Régime und Bürgerkönigtum inFrankreich , Bonn, 1947.

GOUHIER, H., Lhes conversions de Maine de Biran, Paris, 1947. (Muito recomendável.)

HALLIE, P. P., Maine de Biran, Reformer of Empiricism, Cambridge (Mass.), 1959.


HENRY, M., Philosophie et phénoménologie du corps. Essai sul l’ontologie biranienne,
Paris, 1965.

LACROZE, R., Maine de Biran, Paris, 1970.

LASSAIGNE, J., Maine de Biran, homme politique, Paris, 1958.

LEMAY, P., Maine de Biran, Paris, 1946.

LHE ROY, G., L’expérience de l’effort et da grâce chez Maine de Biran, Paris, 1937.

MADINIER, G., Conscience et mouvement, Paris, 1939.

MONETTE, A., A théorie dê premiers principes selon Maine de Biran, Montreal e Paris, 1945.

MOORE, F. C. T., The Psychologie of Maine de Biran, Oxford, 1970.

PALIARD, J., A raisonnement selon Maine de Biran, Paris, 1925.

ROBEF, L, Leibniz et Maine de Biran, Paris, 1927.

THIBAUD, M., L’effort chez Maine de Biran et Bergson, Grenoble, 1939.

TISSERAND, P., L’anthropologie de Maine de Biran, ou a science de l’homme intérieur, Paris,


1909.

VOUTSINAS, D., A psychologie de Maine de Biran, Paris, 1964.

Há algumas coleções de artigos, como os que formam o número da Revue internationale de


philosophie dedicado a Maine de Biran por motivo do segundo centenário de seu nascimento
(Bruxelas, 1966).

Capítulo III

1. Royer-Collard

Textos

>Lhes fragments philosophiques de Royen-Collard, ed. de A. Schimberg, Paris, 1913.

Estudos

DE BARANTE, A., A vie politique de M. Royer-Collard, ses discours et ses écrits, 2 vols.,
Paris, 18783.
NESMESDESMARETS, R., Lhes doctrines politiques de Royer-Collard, Montpellier, 1908.

SPULLER, E., Royer-Collard, Paris, 1895.

2. Cousin

Textos

Philosophie sensualiste au XVIIIe siécle, Paris, 1819.

Fragments philosophiques, Paris, 1826.

Cours d’histoire da philosophie, 3 vols., Paris, 1829.

Da métaphysique d’Aristote, Paris, 1835.

Du vrai, du beau et du bem, Paris, 1837.

Cours d’histoire da philosophie moderne, 5 vols., Paris, 1841. Études sul Pascal, Paris, 1842.

Justice et charité, Paris, 1848.

Estudos

CORNELIUS, A., Die Geschichtslehre Victor Cousins, Genebra, 1958.

DUBOIS, P. F., Cousin, Jouffroy, Damiron, souvenirs publiés avec une introduction par
Adolphe Lair, Paris, 1902.

JANET, P., Victor Cousin et são oeuvre, Paris, 1885.

MASTELLONE, SÉC., Victor Cousin e il risorgimento italiano, Florencia, 1955.

SAINT-HILAIRE, J. B., Victor Cousin, sa vie, sa correspondance, 3 vols., Paris, 1895.

SIMÓN, J., Victor Cousin, Paris, 1887. Há uma trad. inglesa de M. B. e E. P. Anderson,
Chicago, 1888.

3. Jouffroy

Textos

Mélanges philosophiques, Paris, 1833.


Nouveaux mélanges philosophiques, ed. de F. Damiron, Paris, 1842.

Cours de droit naturel, 2 vols., Paris, 1834-1842.

Cours d’esthétique, Paris, 1843.

Estudos

LAMBERT, L., Der Begriff dê Schönen in der Ästhetik. Jouffroys, Giessen, 1909.

OLLÉ-LAPRUNE, L., Théodore Jouffroy, Paris, 1899.

Capítulo IV

1. Fourier

Textos:

Oeuvres complètes, 6 vols., Paris, 1841-1845.

Théorie dê quatre mouvements et dê destinées générales, 2 vols., Lyon, 1808.

Théorie de l’unité universelle, 2 vols., Paris, 1822.

Lhe nouveau monde industriel et sociétaire, Besançon, 1829.

A fausse industrie morcelée, répugnante, mensongère, et l’antidote: l’industrie naturelle,


combinée, attrayante, véridique, donnant quadruple produit, 2 vols., Paris, 1835-1836.

(Para a obra manuscrita veja-se Lhes cahiers manuscrits de Fourier, por E, Poulat, Paris,
1957.)

Estudos

BOURGIN, H., Fourier. Contribution à l’étude du socialisme français, Paris, 1905.

LEHOUCK, E., Fourier aujourd’hui, Paris, 1966.

MANUEL, F. E., The Prophets of Paris, Cambridge (Mass.), 1962.

TOSI, V., Fourier e il suo falansterio, Savona, 1921.

VERGEZ, A., Fourier, Paris, 1969.


2. Saint-Simon

Textos

Oeuvres complètes de Saint-Simon et Enfantin, 47 vols., Paris, 1865-1876.

Oeuvres, 6 vols., Paris, 1966.

Textes choisis, ed. de J. Dautry, Paris, 1951.

Selected Writings, trad. inglesa com uma introdução por F. M. H. Markham, Oxford, 1942.

Lettres d’um habitant de Genève à ses contemporains (Genebra, 1802-1803), ed. de A.


Pereire, Paris, 1925.

Introduction aux travaux scientifiques du XIXe siècle, 2 vols. Paris, 1807-1808.

Esquisse d’une nouvelle Encyclopédie, Paris, 1810.

Mémoire sul a science de l’homme, Paris, 1813.

Travail sul a gravitation universelle, Paris, 1813.

Da réorganisation da société européenne, Paris, 1814. (Em colaboração com A. Thierry.)

L’industrie, Paris, 1818.

A politique, Paris, 1819.

L’organisation, Paris, 1819-1820.

Catéchisme dê industriels, Paris, 1824.

Estudos

Charléty, Séc., Essai sul l’histoire du saint-simonisme, Paris, 1896.

DONDO, M. M., The French Faust, Henri de Saint-Simon, Nova York, 1955.

DURKHEIM, E., Lhe socialisme, sa définition, ses débuts. A doctrine saint-simonienne, ed. de
M. Mauss, Paris, 1928, trad. inglesa de C. Sattler como Socialism and Saint-Simon, Yellow
Springs (Ohio), 1958.

FAZIO, M. F., Linha dei sviluppo do pensiero dei Saint-Simon, Palermo, 1942.
GURVITCH, G., Lhes fondateurs français da sociologie contemporaine : Saint-Simon et P.-J.
Proudhon, Paris, 1955.

LEROY, M., A vie véritable du comte de Saint-Simon, Paris, 1925.

MANUEL, F. E., The New World of Henri de Saint-Simon, Cambridge (Mass.), 1956.

MUCKLE, F., Henri de Saint-Simon, Persönlichkeit und Werk, Jena, 1908.

VIDAL, E., Saint-Simon e a scienza politica, Milão, 1959.

3. Proudhon

Textos

Oeuvres complètes, 26 vols., Paris, 1867-1871.

Correspondance, 14 vols., Paris, 1875.

Oeuvres complètes, ed. de C. Bouglé e H. Moysset, 11 vols., Paris, 1920-1939 (incompletas).

Selected Writings of Pierre-Joseph Proudhon, ed. com uma introd. por Séc. Edwards e trad.
inglesa por E. Fraser, Londres, 1970.

Qu’est-ce que a propriété?, Paris, 1840. Trad. inglesa de B. Tucker, como What is Property?,
Princeton, 1876,

Da création de l’ordre dans l’humanité, Paris, 1843.

Système dê contradictions économiques ou Philosophie da misère, Paris, 1846. Trad. inglesa


de B. Tucker, como System of Economie Contradictions, Boston, 1888.

Idée générale da révolution du XIXe siècle, Paris, 1851. Trad. inglesa de J. B. Robinson,
como General Cria of the Revolution in the Nineteenth Century, Londres, 1923.

A justice dans a révolution et dans l’église, Paris, 1858.

A guerre et a paix, Paris, 1861.

Du principe fédératif et da nécessité de reconstituer lhe parti da révolution, Paris, 1863.

Da capacité dê classes ouvrières, Paris, 1865.


Estudos

ANSART, P., Sociologie de Proudhon, Paris, 1967.

BROGAN, C., Proudhon, Londres, 1936.

DE LUBAC, H., Proudhon et lhe christianisme, Paris, 1945. Trad. inglesa de R. E.


Scantlebury, como Ttenho Um-Marxian Socialist: A Study of Proudhon, 2 vols., Paris, 1896.

DIEHL, C., P.-J. Proudhon, seine Lehre und sein Leben, 3 vols., Jena, 1888-1896.

DOLLÉANS, E., Proudhon, Paris, 19484.

GRÖNDAHL, B., P.-J. Proudhon, Estocolmo, 1959.

HEINTZ, P., Die Autoritätsproblematik bei Proudhon. Versuch einer immanenten Kritik,
Colônia, 1957.

JACKSON, J. H., Marx, Proudhon and EuropeanSocialism , Nova York, 1962.

LU, SÉC. V., The Political Theories of P.-J. Proudhon, Nova York, 1922.

PRION, G., Proudhon et syndicalisme révolutionnaire, Paris, 1910.

SAINT-BEUVE, C. A., Proudhon, sa vie et sa correspondance, Paris, 1870.

WOODCOCK, G., Pierre-Joseph Proudhon: A Biography, Londres, 1956. (Muito


recomendável.)

Capítulos sobre Proudhon se acharão, por exemplo, em The Anarchists, de J. Joll (Londres,
1964), A History of Socialist Thought, vol. I, de G. D. H. Escola (Londres, 1953) e Anarchism
de G. Woodcock (Londres, 1963; trad. castelhana: O anarquismo, Editorial Ariel, Barcelona,
1979).

Capítulo V Comte

Textos

Cours de philosophie positive, 6 vols., Paris, 1830-1842. Há uma version livre ao inglês
(aprovada por Comte) de H. Martineau: Cours, The Positive Philosophy of Auguste Comte, 2
vols., Londres, 1853.
Discours sul l’esprit positif, Paris, 1849. (Originariamente ia anteposto ao Traité
philosophique d’astronomie populaire.) Trad. inglesa de Fr. Séc. Beesly como A discourse on
the Positive Spirit, Londres, 1903.

Discours sul l’ensemble du positivisme, Paris, 1848. [Há trad. castelhana: Aguilar, Madri,
1962.]

Calendrier positiviste, Paris, 1849.

Système de politique positive, 4 vols., 1851-1854. Trad. inglesa de J. H. Bridges e F.


Harrison, como The System of Positive Polity, 4 vols., Londres, 1857-1877.

Catéchisme positiviste, Paris, 1852. Trad. inglês R. Congreve, como The Catechism of
Positive Religion, Londres, 1858.

Appel aux conservateurs, Paris, 1855.

Synthèse subjective, ou Système universel dê conceptions propres à l’état normal de


l’humanité, vol. I, Paris, 1856.

Por estranho que pareça, não há nenhuma seleção crítica e completa das obras de Comte. H.
Gouhier publicou empero Oeuvres choisies d’Auguste Comte, Paris, 1943 ; e C. Lhe Verrier
publicou em dois vols. as duas primeiras lições do Cours de philosophie positive e o Discours
sul l’esprit positif, Paris, 1943. Há várias coleções de cartas: Lettres d’Auguste Comte à John
Stuart Mill, 1841-1846 (Paris, 1877). Lettres à dê positivistes anglais (Paris, 1889),
Correspondance inédite d’Auguste Comte (4 vols., Paris, 1903-1904), Nouvelles lettres inédites
(Paris, 1939).

Estudos

ARBOUSSE-BASTIDE, P., A doctrine de l’éducation universelle dans a philosophie d’Auguste


Comte, 2 vols., Paris, 1957.

CAIRD, E., The Social Philosophy and Religion of Comte, Glasgow, 1885.

CRESSON, A., Auguste Comte, sa vie, são oeuvre, Paris, 1941.

DEFOURNY, G., A sociologie positiviste d’Auguste Comte, Lovaina, 1902.

DE LUBAC, H., Lhe drame de l’humanisme athée, Paris, 1944. (Comte é um dos filósofos
cujas doutrinas se consideram nesta obra.)

DEVOLVÉ, J., Réflexions sul a pensée comtienne, Paris, 1932.

DUCASSÉ, P., Méthode et intuition chez Auguste Comte, Paris, 1939.


DUMAS, G., Psychologie de deux positivistes: Saint-Simon et Auguste Comte, Paris, 1905.

GOUHIER, H., A vie d’Auguste Comte, Paris, 1931.

A jeunesse d’Auguste Comte et a formation du positivisme, 3 vols., Paris, 1933-1941. (Obra


altamente recomendável.)

GOULD, F. J., Auguste Comte, Londres, 1920.

GRUBER, H., Comte, der Begründer dê Positivismus, Friburgo de Brisgovia, 1889.

HAWKINS, R. L., Auguste Comte and the United States (1816-1853), Cambridge (Mass.),
1936.

LACROIX, J., A sociologie d’Auguste Comte, Paris, 1956.

LÉVY-BRUHL, L., A philosophie d’Auguste Comte, Paris, 1900.

LITTRÉ, E., Auguste Comte et a philosophie positive, Paris, 1863.

Auguste Comte et Stuart Mill, Paris, 1867.

MARVIN, F. SÉC., Comte: The Founder of Sociology, Londres, 1936.

MILL, J. ST., Auguste Comte and Positivism, Londres, 1865.

MOSCHETTI, A. M., Auguste Comte e a pedagogia positiva, Milão, 1953.

NEGT, OU., Strukturbeziehungen zwischen dêem Gesellschaftslehren Comtes und Hegels,


Francfort, 1964.

PETER, J., Auguste Comte. Bild vom Menschen, Stuttgart, 1936.

WHITTAKER, T., Comte and Mill, Londres, 1908.

Capítulo VI

1. Littré

Textos

Da philosophie positive, Paris, 1845.

Application da philosophie positive au gouvernement dê sociétés, Paris, 1849.


Conservation, révolution et positivisme, Paris, 1852 (2.ª ed., 1879).

Paroles de philosophie positive, Paris, 1859 (2.a ed., 1863).

Auguste Comte et a philosophie positive, Paris, 1863.

Auguste Comte et Stuart Mill, Paris, 1867.

Principes de philosophie positive, Paris, 1868.

A science au point de vue philosophique, Paris, 1873.

Fragments de philosophie positive et de sociologie contemporaine, Paris, 1876. (Nesta obra


reproduzem-se os artigos publicados em De a philosophie positive.)

Estudos

AQUARONE, SÉC., The Life and Works of Émile Littré, Leyden, 1958.

CARO, E., Littré et lhe positivisme, Paris, 1883.

CHARLTON, D. G., veja-se em Obras gerais.

SIX, L., Littré devant Dieu, Paris, 1962.

2. Cl. Bemard

Textos

Introduction à a médecine expérimentale, Paris, 1865. Trad. inglesa de N. C. Green como


An Introduction to the Study of Experimental Medicine, Nova York, 1927.

A science expérimentale, Paris, 1878.

Pensées. Note détachées, ed. de L. Delhoume, Paris, 1937.

Philosophie, ed. de J. Chevalier, Paris, 1938.

Leçons sul lhes phénomènes da vie communs aux animaux et aux végétaux, Paris, 1966.

Estudos

CLARKE, R., Claude Bernard et a médecine expérimentale, Paris, 1961.


COTARD, H., A pensée de Claude Bernard, Grenoble, 1945.

FOULQUIÉ, P., Claude Bernard, Paris, séc. f.

LAMY, P., Claude Bernard et lhe matérialisme, Paris, 1939.

MAURIAC, P., Claude Bernard, Paris, 1941 (2.ª ed., 1954).

OLMSTED, J. M. D. E E, H., Claude Bernard and the Experimental Method inMedecine , Nova
York, 1952.

SERTILLANGES, A. D., A philosophie de Claude Bernard, Paris, 1944.

VIRTANEN, R., Claude Bernard and his Place in the History of Ideias, Lincoln (Nebraska),
1960.

VÁRIOS, Philosophie et méthodologie scientifique de Claude Bernard, Paris, 1966.

3. Taine

Textos

Lhes philosophes français du dix-neuvième siècle, Paris, 1857.

Essais de critique et d’histoire, Paris, 1858.

Histoire da littérature anglaise, 4 vols., Paris, 1863-1864. Trad. inglesa de H. vão Laun
como History of English Literature, 2 vols., Edimburgo, 1873.

Nouveaux essais de critique et d’histoire, Paris, 1865.

Philosophie de l’art, Paris, 1865. Trad. inglesa de J. Durand como The Philosophy of Art,
Nova York, 1865 (2.ª ed. francesa, 1880). [Há trad. castelhana: Iberia, Barcelona, 1960.]

De I’intelligence, 2 vols., Paris, 1870. Trad. inglesa de T. D. Haves como Intelligence,


Londres, 1871.

Origine-lhes da France contemporaine, 5 vols., Paris, 1875-1893.

Derniers essais de critique et d’histoire, Paris, 1894.

Estudos

AULARD, A., Taine, historien da révolution française, Paris, 1907.


BARZELOTTI, G., Ippolito Taine, Roma, 1896.

BOOSTEN, J. P., Taine et Renan et l’idée de Dieu, Maastricht, 1936.

CASTIGLIONI, G., Taine, Brescia, 1945.

CRESSON, A., Hippolyte Taine, Paris, 1951.

GIRAUD, V., Essai sul Taine: são oeuvre et são influence, Paris, 1901.

—, Hippolyte Taine: Études et documents, Paris, 1928.

IPPOLITO, F. G., Taine e a filosofia dell’arte, Roma, 1911.

KAHN, SÉC. T., Science and Aesthetic Judgment: A Study inTaine ’s Critical Method, Nova
York, 1953.

LACOMBE, P., A psychologie dê individus et dê sociétés chez Taine, Paris, 1906.

—, Taine, historien et sociologue, Paris, 1909.

A FERLA, G., Ippolito Taine, Roma, 1937.

MONGARDINI, C., Storia e sociologia nell’opera dei Hippolyte Taine, Milão, 1965.

Feições relevantes do pensamento de Taine são discutidos em obras como a de Benedetto


Croce Estetica e na Teoria e storia della storiografia do mesmo; e na de H. Sée, Science et
philosophie de l’histoire (2.ª ed., Paris, 1933).

4. Durkheim

Textos

Da division du travail social, Paris, 1893. Trad. inglesa de G. Simpson como The Division
of Labour inSociety , Nova York, 1952.

Lhes règles da méthode sociologique, Paris, 1895. Trad. inglesa de Séc. A. Solovay e J. H.
Mueller como The Rules of Sociological Method, Chicago, 1938 (reed. em Glencoe, Illinois,
1950).

Suicide-lhe. Etude de sociologie, Paris, 1897. Trad. inglesa de J. A, Spaulding e G. Simpson


como Suicide: A Study inSociology , Glencoe, Ill., 1951.
Forme-lhes élémentaires da vie religieuse: lhe système totémique em Australie, Paris, 1912.
Trad. inglesa de J. W. Swain como The Elementary Forms of the Religious Life: A Study in
Religious Sociology, Londres e Nova York, 1915.

Éducation et sociologie, Paris, 1922. Trad. inglesa de J. D. Fox como Education and
Sociology, Glencoe, Ill., 1956.

Sociologie et philosophie, Paris, 1924. Trad. inglesa de D. F. Pocock como Sociology and
Philosophy, Londres e Glencoe, Ill.,1953.

L’éducation morale, Paris, 1925. Trad. inglesa de H. K. Wilson e H. Schnurer como Moral
Education: A Study in the Theory and Aplication of the Sociology of Education, Nova York,
1961.

Lhe socialisme, Paris, 1928.

L’évolution pédagogique em France, 1938.

Leçons de sociologie: physique dê moeurs et du droit, Paris, 1950. Trad. inglesa de C.


Brookfield como Professional Ethics and Civic Morals, Londres, 1957.

Montesquieu et Rousseau, précurseurs da sociologie, Paris, 1953.

A science sociale et l’action. Introdução e apresentação de J. C. Filloux, Paris, 1970.

Há várias coleções de artigos de Durkheim, tais como Journal sociologique, ed. de J.


Duvignard, Paris, 1969. Em inglês há: Émile Durkheim, 1858-1917: A Collection of Essays with
Translations and a Bibliography, ed. de K. H. Wolff, Columbus, Ohio, 1960. Esta obra contém
também ensaios de vários autores sobre Durkheim.

Estudos

AIMARD, G., Durkheim et a science économique, Paris, 1962.

ALPERT, H., Emile Durkheim and his Sociology, Nova York, 1939.

BIERSTEDT, R., Emile Durkheim, Nova York e Londres, 1966.

COSTURAR, L. A., Masters of Sociological Thought, Nova York, 1971. (Contém um capítulo
sobre Durkheim.)

DAVY, G., Durkheim, choix de textes avec étude du système sociologique, Paris, 1911.

DUVIGNARD, J., Durkheim: sa vie, são oeuvre, avec um exposé de sa philosophie, Paris,
1965.
FLETCHER, R., The Making of Sociology, vol. 2., Londres, 1971.

GEHLKE, C. E., Émile Durkheim’s Contributions to Sociological Theory, Nova York, 1915.

A CAPRA, D., Emile Durkheim: Sociologist and Philosopher, Ithaca e Londres, 1972.

LUKES, SÉC., Emile Durkheim. His Life and Work. A Historical and Critical Study. Londres,
1973. (Obra muito recomendável. Inclui uma extensa bibliografía.)

NISBET, R. A., Émile Durkheim, Englewood Cliffs, N. J., 1965.

PARSONS, T., The Structure of Social Action, Nova York, 1937, e Glencoe, Ill., 1949.

SEGER, I. Durkheim and his Critics on the Sociology of Religion, Nova York, 1957.

VIALATOUX, J., De Durkheim à Bergson, Paris, 1939.

WOLFF, K. H. (ed.)., veja-se mais acima, em Textos .

5. Lévy-Bruhl

Textos

Histoire da philosophie moderne em France, Paris. Trad. inglesa de G. Coblence, Londres e


Chicago, 1899.

A philosophie de Jacobi, Paris, 1894.

A philosophie d’Auguste Comte, Paris, 1900. Trad. inglesa de K. de Beaumont-Klein como


The Philosophy of Auguste Comte, Londres, 1903.

Lhes fonctions fundamentais dans lhes sociétés inférieures, Paris, 1910. Trad. inglesa de L.
A. Clare como How Natives Think, Londres e Nova York, 1923.

A mentalité primitive, Paris, 1921. Trad. inglesa de L. A. Clare como Primitive Mentality,
Londres, 1928.

L’âme primitive, Paris, 1921. Trad. inglesa de L. A. Clare como The “Soul” of the Primitive,
Londres, 1928.

Lhe surnaturel et a nature dans a mentalité primitive, Paris, 1931. Trad. inglesa de L. A.
Clare como Primitives and the Supernatural, Londres, 1936.

A mythologie primitive. Lhe monde mythique dê Australiens et dê Papous, Paris, 1935.


L’expérience mystique et lhes symboles chez lhes primitifs, Paris, 1938.

Lhes carnets de Lucien Lévy-Bruhl, Paris, 1949.

Estudos

CAILLIET, E., Mysticisme et “mentalité mystique”. Etude d’um problème posei par lhes
travaux de M. Lévy-Bruhl sul a mentalité primitive, Paris, 1938.

CAZENEUVE, J., Lévy-Bruhl. Sa vie, são oeuvre, avec um exposé de sa philosophie, Paris,
1963.

EVANS-PRITCHARD, E., Lévy-Bruhl’s Theory of Primitive Mentality, Oxford, 1934.

LEROY, OU., A raison primitive. Essai de réfutation da théorie du prélogisme, Paris, 1927.

Capítulo VII

1. Cournot

Textos

Recherches sul lhes principes mathématiques da théorie dê richesses, Paris, 1838. Trad.
inglesa de N. I. Bacon como Researches into the Mathematical Principles of the Theory of
Wealth, Londres, 1877.

Exposition da théorie dê chances et dê probabilités, Paris, 1843.

Essai sul lhes fondements de nos connaissances et sul lhes carateres de critique-a
philosophique, 2 vols., Paris, 1851. Trad. inglesa de M. H. Moore como An Essay on the
Foundations of all Knowledge, Nova York, 1956.

Traité de l’enchaínement dans lhes idées fondamentales dans lhes sciences et dans l’histoire,
2 vols., Paris, 1861. (As eds. 2.ª, 1911, e 3.ª, 1922, apareceram a cada uma em um só volume.)

Principes da théorie dê richesses, Paris, 1863.

Dê institutions d’instruction publique em France, Paris, 1864.

Considérations sul marche-a dê idées et dê événements dans lhes temps modernes, 2 vols.,
Paris, 1872. (Reimpresión, Paris, 1934.)

Matérialisme, vitalisme, rationalisme: Études sul l’emploi dê données da science em


philosophie, Paris, 1875.
Souvenirs: 1760 á 1860, ed. de E. P. Bottinelli, Paris, 1913.

Há alguns outros escritos sobre matemáticas e sobre questões de economia que não ficam
mencionados aqui.

Estudos

BOTTINELLI, E. P., A. Cournot, métaphysicien da connaissance, Paris, 1913.

CAIZZI, B., A filosofia dei A. Cournot, Bari, 1942.

CALLOT, E., A philosophie biologique de Cournot, Paris, 1959.

DARBON, A., Lhe concept du hasard dans a philosophie de Cournot, Paris, 1911.

DA HARPE, J., De l’ordre et du hasard. Lhe réalisme critique d’Antoine Augustin Cournot,
Neuchâtel, 1936.

MENTRÉ, F., Cournot et a renaissance du probabilisme au XIXe siécle, Paris, 1908.

MILHAUD, G., Etudes sul Cournot, Paris, 1927.

RUYER, R., L’humanité de l’avenir d’après Cournot, Paris, 1930.

SEGOND, J., Cournot et a psychologie vitaliste, Paris, 1911.

Um número da Revue de méthaphysique et de morale (1905, vol. 13) contém artigos de


vários autores sobre Cournot.

2. Renouvier

Textos

Manuel de philosophie moderne, Paris, 1842.

Manuel de philosophie ancienne, Paris, 1844.

Manuel républicain de l’homme et du citoyen, Paris, 1848.

Essais de critique gera-lhe, 4 vols., Paris, 1854-1864. (Estes quatro vols. tratam
respetivamente de lógica, psicologia racional, os princípios da natureza e filosofia da história.)

A science da morale, 2 vols., Paris, 1869.


Uchronie, l’utopie dans l’histoire. Esquisse historique du développement da civilisation
européenne, tel qu’il n’a pas été, tel qu’il aurait pu étre, Paris, 1876.

Esquisse d’une classification systématique dê systèmes philosophiques, 2 vols., Paris, 1885-


1886.

A philosophie analytique de l’histoire, 4 vols., Paris, 1896-1897. Lhes dilemmes da


métaphysique pure, Paris, 1901.

Histoire et solution dê problèmes métaphysiques, Paris, 1901.

Lhe personnalisme, Paris, 1903.

Lhes derniers entretiens, ed. de L. Prat, Paris, 1904.

Critique-a da doctrine de Kant, ed. de L. Prat, Paris, 1906.

Estudos

FOUCHER, L., A jeunesse de Renouvier et sa première philosophie, Paris, 1927.

GALLI, G., Prime linee dei um idealismo critico e due studi sul Renouvier, Turín, 1943.

HAMELIN, Ou., Lhe système de Renouvier, Paris, 1927.

LOMBARDI, V., O sviluppo do pensiero dei Charles Renouvier, Nápoles, 1932.

MÉRY, M., Critique-a du christianisme chez Renouvier, 2 vols. Paris, 1953.

MILHAUD, G., A philosophie de Charles Renouvier, Paris, 1972.

MOUY, P., L’idée de progrès dans a philosophie de Renouvier, Paris, 1972.

PRAT, L., Charles Renouvier, philosophe, Ariège, 1973.

SÉAILLES, G., A philosophie de Charles Renouvier, Paris, 1905.

VERNEAUX, R., L’idéalisme de Renouvier, Paris, 1945.

—, Esquisse d’une théorie da connaissance. Critique du néocriticisme, Paris, 1954.

3. Hamelin

Textos
Essai sul lhes éléments principaux da représentation, Paris, 1907.

Lhe système de Descarte, ed. por L. Robin, Paris, 1910.

Lhe système d’Aristote, ed. por L. Robin, Paris, 1920.

Lhe système de Renouvier, ed. por P. Mary, Paris, 1927.

A théorie de l’intellect d’après Aristote et ses commentateurs, ed. de E. Barbotin, Paris, 1953.

Lhe système du savoir, seleções, ed. de L. Millet, Paris, 1956.

Estudos

BECK, L. J., A méthode synthétique de Hamelin, Paris, 1935.

CARBONARA, C., L’idealismo dei Octave Hamelin, Nápoles, 1927.

DEREGIBUS, A., A metafísica critica dei Octave Hamelin, Turín, 1968.

SESMAT, A., Dialectique. Hamelin et a philosophie chrétienne, Paris, 1955.

A modalité du jugement, Paris, 1897. (3.ª ed., com uma tradução francesa da tese latina de
Brunschvicg [1897], Paris, 1964.)

L’idéalisme contemporain, Paris, 1905.

Lhes étapes da philosophie dê mathématiques, Paris, 1912.

Introduction à a vie de l’esprit, Paris, 1920.

L’expérience humaine et a causalité physique, Paris, 1922.

Lhe progrès da conscience dans a philosophie occidentale, 2 vols., Paris, 1927.

A raison et a religion, Paris, 1939.

Descarte et Pascal, lecteurs de Montaigne, Neuchâtel, 1942.

Héritage de mots, héritage d’idées, Paris, 1945.

Ecrits philosophiques, ed. por A. R. Weill-Brunschvicg e C. Lehec, 3 vols., Paris, 1951-


1958.
Estudos

BORIEL, R., Brunschvicg, Paris, 1964.

CARBONARA, C., Léon Brunschvicg, Nápoles, 1931.

CENTINEO, E., A filosofia dello spirito dei Léon Brunschvicg, Palermo, 1950.

COCHET, M. A., Commentaire sul a conversão spirituelle dans a philosophie de Léon


Brunschvicg, Bruxelas, 1937.

DESCHOUX, M., A philosophie de Léon Brunschvicg, Paris, 1949. (Com uma bibliografía
muito completa.)

MERSAUT, J., A philosophie de Léon Brunschvicg, Paris, 1938.

Capítulo VIII

1. Ravaisson

Textos

Essai sul a métaphysique d’Aristote, 2 vols., Paris, 1837-1846.

L’habitude, Paris, 1839. (Com uma introdução de J. Baruzi, Paris, 1957.) Rapport sul a
philosophie em France au XIXe siècle, Paris, 1867.

Testament philosophique et fragments, ed. de C. Devivaise, Paris, 1932.

Estudos

BERGSON, H., Notice sul a vie et lhes oeuvres de M. Félix Ravaisson-Mollien. Reproduzido
na obra de Bergson A pensée et lhe mouvant (Paris, 1934), tomando-o de Comptes-rendus de
l’Académie dê sciences morais et politiques (Paris, 1904). Incluído também em Testament
philosophique et fragments.

DOPP, J., Félix Ravaisson, a formation de sa pensée d’après dê documents inédits, Lovaina,
1933.

VALERIO, C., Ravaisson e l’idealismo romantico inFrança , Nápoles, 1936.

2. Lachelier
Textos

Oeuvres, 2 vols., Paris, 1933.

De natura syllogismi, Paris, 1871.

Du fondement de l’induction, Paris, 1871. (A 2.ª ed., 1896, inclui Psychologie et


métaphysique, e na 5.ª ed. acrescentaram-se note-as sul lhe pari de Pascal [1901].)

Études sul lhe syllogisme, Paris, 1907.

Lachelier, a nature, l’esprit, Dieu, ed. por L. Millet, Paris, 1955.

The Philosophy of Jules Lachelier, ed. por E. G. Ballard, Haia, 1960. Este livro contém
traduções de Du fondement de Vinduction, Psychologie et métaphysique e Sul lhe pari de Pascal
com uma introdução do editor.

Estudos

AGOSTI, V., A filosofia dei Jules Lachelier, Turín, 1952.

GIGLIO, P., L’ideale della liberta nella filosofia dei Lachelier, Roma, 1946.

OLIVET, R., De Rosmini à Lachelier, Paris, 1953.

MAUCHASSAT, G., L’idéalisme de Lachelier, Paris, 1961.

MILLET, L., Lhe symbolisme dans a philosophie de Jules Lachelier, Paris, 1959.

SÉAILLES, G., A philosophie de Jules Lachelier, Paris, 1921.

Merece também menção o artigo de G. DEVIVAISE A philosophie religieuse de Jules


Lachelier, publicado na Revue dê sciences philosophiques et théologiques (139, pp. 435-464).

3. Boutroux:

Textos

Da contingence dê lois da nature, Paris, 1874. Trad. inglesa de F. Rothwell, The Contingency
of the Laws of Nature, Londres e Chicago, 1916.

De l’idée de loi naturelle dans a science et a philosophie contemporaines, Paris, 1895. Trad.
inglesa de F. Rothwell, Natural Law in Science and Philosophy, Londres, 1914.
Études d’histoire da philosophie, Paris, 1897. Trad. inglesa de F. Rothwell, Historical
Studies inPhilosophy , Londres, 1912.

A science et a religion dans a philosophie contemporaine, Paris, 1908. Trad. inglesa de J.


Nield, Science and Religion in Contemporary Philosophy, Londres, 1909.

A nature et l’esprit, Paris, 1926. (Esta publicação póstuma inclui o programa das
Conferências Gifford dadas por Boutroux.)

Estudos

BAILLOT, A., Emile Boutroux et a pensée religieuse, Paris, 1958.

CRAWFORD, L. SÉC., The Philosophy of Emile Boutroux, Nova York, 1929.

A FONTAINE, A. P., A philosophie d’Émile Boutroux, Paris, 1921.

RANZOLI, C., Boutroux, A vita, il pensiero filosofico, Milão, 1924.

SCHYNS, M., A philosophie d’Émile Boutroux, Paris, 1924.

4. Fouillée

Textos

A philosophie de Platon, Paris, 1869.

Libertei-a et lhe determinisme, Paris, 1872.

A philosophie de Socrate, Paris, 1874.

A science sociale contemporaine, Paris, 1880.

Critique dê systèmes de morale contemporains, Paris, 1883.

L’avenir da métaphysique, Paris, 1889.

L’évolutionisme dê idées-forces, Paris, 1890.

Psychologie dê idées-forces, 2 vols., Paris, 1893.

Lhe mouvement idéaliste et a réaction contre a science positive, Paris.

Lhes éléments sociologiques da morale, Paris, 1905.


Morale dê idées-forces, Paris, 1908.

A pensée et lhes nouvelles écoles anti-intellectualistes, Paris, 1911.

Esquisse d’une interprétation du monde, Paris, 1913.

Estudos

GANNE DE BEAUCOUDREY, E., A psychologie et a métaphysique dê idées-forces chez Alfred


Fouillée, Paris, 1936.

GUYAU, A., A philosophie et a sociologie d’Alfred Fouillée, Paris, 1913.

MORETTI COSTANZI, T., Il pensiero dei Alfred Fouillée, Nápoles, 1936.

PAWLICKY, A., Alfred Fouillée’s neue Theorie der Ideenkräfte, Viena, 1893.

5. Guyau

Textos

A morale d’Epicure et ses rapports avec lhes doctrines contemporaines, Paris, 1878.

A morale anglaise contemporaine, Paris, 1879.

Lhes problèmes de l’esthétique contemporaine, Paris, 1884.

Esquisse d’une morale sans obligation nem sanction, Paris, 1885. Trad. inglesa de G.
Kapteyn como A Sketch of Morality Independent of Obligation or Sanction, Londres, 1898.

L’irreligion de l’avenir, Paris, 1887. Trad. inglesa The Non-Religion of the Future, Londres,
1897 (reimp., Nova York, 1962).

L’art au point de vue sociologique, Paris, 1889.

Education et hérédité, Paris, 1889. Trad. inglesa de W. J. Greenstreet como Education and
Heredity, Londres, 1891.

A genèse de l’idée de temps, Paris, 1890.

Estudos

ASLAN, G., A morale selon Guyau, Paris, 1906.


FOUILLÉE, A., A morale, l’art et a religion d’après Guyau, Paris, 1889.(Nova ed., 1901.)

ROYCE, J., “J. M. Guyau” em Studies of Good and Evil, Nova York, 1925.

TISBE, A., L’arte, a morale, a religione nel J. M. Guyau, Roma, 1938.

Capítulos IX-X Bergson

Textos

Oeuvres. Edition du centenaire, Paris, 1959. Introdução por H. Gouhier, com notas por A.
Robinet. [Existe uma edição castelhana com o título de Obras escolhidas, Aguilar, Madri, 1963.]

Quid Aristóteles de louco senserit, Paris, 1889. (Tese doctoral, trad. por R. Mossé-Bastide
como L’idée de lieu chez Aristote e publicada em Lhes études bergsoniennes, vol. 2, Paris,
1949.)

Essai sul lhes données immédiates da conscience, Paris, 1889. Trad. inglesa de F. L. Pogson
como Time and Free Will: an Essay on the Immediate Data of Consciousness, Londres e Nova
York, 1910.

Matière et mémoire, Paris, 1896. Trad. inglesa de N. M. Paul e W. Séc. Palmer como Matter
and Memory, Londres e Nova York, 1911.

Lhe rire, Paris, 1900. Trad. inglesa de G. C. Brereton e F. Rothwell como Laughter, An
Essay on the Meaning of the Comic, Nova York, 1910. [Há trad. castelhana: Prometeo, Valencia,
1971.]

Introduction à a métaphysique, Paris, 1903 (na Revue de métaphysique et de morale, vol.


11). Trad. inglesa de T. E. Hulme como An Introduction toMetaphysics , Londres e Nova York,
1912.

L’évolution créatrice, Paris, 1907. Trad. inglesa de A. Mitchell, Creative Evolution,


Londres, e Nova York, 1911. [Há trad. castelhana: Espasa-Calpe, Madri, 1973.]

L’énergie spirituelle, Paris, 1919. Trad. inglesa de H. Wildon Carr como Mind-Energy,
Londres e Nova York, 1935.

Durée et simultanéité, Paris, 1922. (2.ª ed., com três adendos, Paris, 1923.)

Lhes deux sources da morale et da religion, Paris, 1932. Trad. inglesa de R. A. Audray C.
Brereton, assistidos por W. Horsfall-Carter, The Teu’ou Sources of Morality and Religion,
Londres e Nova York, 1935.
A pensée et lhe mouvant, Paris, 1934. Trad. inglesa de M. L. Andison como The Creative
Mind, Nova York, 1946.

Ecrits et paroles, ed. de R. M. Mossé-Bastide, 3 vols., Paris, 1957-1959.

Estudos

ADOLPHE, L., A philosophie religieuse de Bergson, Paris, 1946.

— A dialectique dê images chez Bergson, Paris, 1951.

ALEXANDER, I. W., Bergson: Philosopher of Reflection, Londres, 1957.

BARTHELEMY-MADAULE, M., Bergson, Paris, 1968.

BENDA, J., Lhe bergsonisme, Paris, 1912.

— Sul lhe succès du bergsonisme, Paris, 1914.

CARR, H. W., The Philosophy of Change, Londres e Nova York, 1912.

CHEVALIER, A., Bergson, Paris, 1926. Trad. inglesa de L. A. Clare como Henri Bergson,
Nova York, 1928. (Nova ed. francesa, revisada por Bergson mesmo, Paris, 1948.)

— Entretiens avec Bergson, Paris, 1959.

COPLESTON, F. C., Bergson and Morality, Londres, 1955. (Proceedings of the British
Academy, vol. 41.)

CRESSON, A., Bergson, Paris, 1955.

CUNNINGHAM, G. W., A Study in the Philosophy of Bergson, Nova York, 1916.

DELHOMME, J., Vie et conscience da vie: Essai sul Bergson, Paris, 1954.

FABRIS, M., A filosofia sociale dei Henri Bergson, Barí, 1966.

FRESSIN, A., A perception chez Bergson et chez Merleau-Ponty, Paris, 1967.

GIUSSO, L., Bergson, Milão, 1949.

GOUHIER, H., Bergson et lhe Christ dê évangiles, Paris, 1961.

GUITTON, J., A vocation de Bergson, Paris, 1960.


HANNA, T. (ed.), The Bergsonian Heritage, Nova York e Londres, 1962. (Artigos de vários
autores.)

HEIDSIECK, F., Henri Bergson et a notion d’espace, Paris, 1961.

HUSSON, L., L’intellectualisme de Bergson, Paris, 1947.

JANKÉLÉVITCH, E., Henri Bergson, Paris, 1933.

LACOMBE, R. E., A psychologie bergsonienne, Paris, 1933.

LHE ROY, E., Une philosophie nouvelle: Henri Bergson. Trad. inglesa de V. Benson como
The New Philosophy of Henri Bergson, Nova York, 1913.

LINDSAY, A. D., The Philosophy of Henri Bergson, Londres, 1911.

MCKELLAN STEWART, J., A Critical exposition of Bergson’s Philosophy, Londres, 1911.

MARIETTI, A., Forme-lhes du mouvement chez Bergson, Paris, 1953.

MARITAIN, J., A philosophie bergsonienne, Paris, 1930.

MATHIEU, V., Bergson: “Il profondo e a sua espressione”, Turín, 1954.

MAURÉLOS, G., Bergson et lhes niveaux de réalité, Paris, 1964.

METZ, A., Bergson et lhe bergsonisme, Paris, 1933.

MOORE, J. M., Theories of Religious Experience, with special reference to James, Otto and
Bergson, Nova York, 1938.

MOSSÉ-BASTIDE, R. M., Bergson, éducateur, Paris, 1955.

OLGIATI, F., A filosofia dei Enrico Bergson, Turín, 1914 (2.a ed., 1922).

PFLUG, G., Henri Bergson. Quellen und Konsequenzen einer induktiven Metaphysik.,
Berlim,1959.

RIDEAU, E., Lhes rapports da matière et de l’esprit dans lhe bergsonisme, Paris, 1932.

RUHE, A., Henri Bergson, Londres, 1914.

RUSSELL, B., The Philosophy of Bergson, Londres, 1914.

SCHARFSTEIN, B. A., Roots of Bergson’s Philosophy, Nova York, 1943.


SEGOND, J., L’intuition bergsonienne, Paris, 1913.

SERTILLANGES, A. D., Henri Bergson et lhe catholicisme, Paris, 1941.

STALLKNECHT, N. P., Studies in the Philosophy of Creation, with special reference to


Bergson and Whitehead, Princeton, 1934.

STEPHEN, K., The Misuse of Mind. A Study of Bergson’s Attack onIntellectualism , Londres,
1922,

SUNDIN, H., A théorie bergsonienne da religion, Paris, 1948.

THIBAUDET, A., Lhe bergsonisme, 2 vols., Paris, 1924.

TROTIGNON, P., L’idée de vie chez Bergson et critique-a da métaphysique, Paris, 1968.

Há várias coleções de artigos de autores diversos envelope Bergson. Merecem especial


menção os Études bergsoniennes, 6 vols., Paris, 1948-1961, que contêm também alguns escritos
de Bergson mesmo. Outra coleção notável é Pour lhe centenaire de Bergson, Paris, 1959. Assim
mesmo, Bergson et nous, 2 vols., Paris, 1959-1960, e Hommage à Henri Bergson, Bruxelas,
1959.

Capítulo XI

1. Ollé-Laprune

Textos

A philosophie de Malebranche, Paris, 1870.

Da certitude morale, Paris, 1880.

Essai sul a morale d’Aristote, Paris, 1881.

A philosophie et lhe temps présent, Paris, 1890.

Lhes sources da paix intellectuelle, Paris, 1892.

Lhe prix da vie, Paris, 1894.

A vitalité chrétienne, Paris, 1901.

A raison et lhe rationalisme, Paris, 1906.


Croyance religieuse et croyance intellectuelle, Paris, 1908.

CRIPPA, R., Il pensiero dei Léon Ollé-Laprune, Brescia, 1947.

FONSEGRIVE, G., Léon Ollé-Laprune. L’homme et lhe penseur, Paris, 1912.

Há um artigo sobre Ollé-Laprune, por E. BOUTROUX, na Revue philosophique, ano 1903.


Veja-se também a introdução de G. GOYAU (Um philosophe chrétien) à vitalité chrétienne.

2. Blondel

Textos

L’action. Essai d’une critique da vie et d’une science da pratique, Paris, 1893. (Ed. revisada,
Paris, 1950, em Premiers écrits.)

De vinculo substantiali et de substantia composita apud Leibnitium, Paris, 1893. (A version


francesa, Une énigme historique: lhe “Vinculum substantiale” d’après Leibniz publicou-se em
Paris em 1930.)

A pensée, 2 vols., Paris, 1934,

L’être et lhes êtres, Paris, 1935.

Action, 2 vols., Paris, 1936-1937. (Não deve ser confundido com L ’action original.) A
philosophie et l’esprit chrétien, 2 vols., Paris, 1944-1946.

Exigences philosophiques du christianisme, Paris, 1950.

Premiers écrits, Paris, 1956.

Carnets intimes, 2 vols., Paris, 1901-1966.

Bondel publicou um considerável número de ensaios. Seu Lettre sul lhes exigences da pensée
contemporaine em matière d’apologétique (1896, e incluída em Premiers écrits) e sua Histoire
et dogme (1904, também em Premiers écrits) foram traduzidas ao inglês, com uma introdução,
por A. Dru e I. Trethowan, como Maurice Blondel: The Letter on Apologetics and History and
Dogma, Londres, 1914.

Quanto a sua correspondência, as Lettres philosophiques publicaram-se em Paris em 1961,


e a que manteve com Auguste Valensin apareceu em três volumes em Paris, 1957-1965, e seu
Correspondance philosophique avec Laberthonnière viu a luz pública em Paris em 1962.

Etudes blondeliennes vieram sendo publicados intermitentemente desde 1951, pela Société
dê amis de Maurice Blondel.
Estudos

ARCHAMBAULT, P., Vers um réalisme intégral. L’oeuvre philosophique de Maurice Blondel,


Paris, 1928.

— e outros, Hommage à Maurice Blondel, Paris, 1946.

BOUILLARD, H., Blondel et lhe christianisme, Paris, 1961.

BUONAIUTI, E., Blondel, Milão, 1926.

CARTIER, A., Existence et vérité. Philosophie blondélienne de l’action et problématique


existentielle, Paris, 1955.

CRAMER, T., Lhe problème religieux dans a philosophie de l’Action, Paris, 1912.

CRIPPA, R., Il realismo integrale dei Maurice Blondel, Milão, 1954.

DUMÉRY, H., A philosophie de l’action. Essai sul l’intellectualisme blondélien, Paris, 1948.

—, Raison et religion dans a philosophie de l’action, Paris, 1963.

ÉCOLE, J., A métaphysique dans a philosophie de Blondel, Paris e Lovaina, 1959.

GIORDANO, V., A scienza della prattica in Maurice Blondel, Palermo, 1955.

HAYEN, A., Bibliographie blondélienne (1888-1951), Paris e Lovaina, 1953.

HENRICI, P., Hegel und Blondel. Eine Untersuchung über From und Sinn der Dialektik, in
der “Phänomenologie dê Geistes” und der ersten “Action”, Pullach (Munich). 1958.

LACROIX, J., Maurice Blondel. Sa vie, são oeuvre, Paris, 1963.

A VIA, V., Blondel e a logica dell’azione, Catania, 1964.

LEFÈVRE, F., L’itinéraire philosophique de Maurice Blondel, Paris, 1928.

MC NEILL, J. J., The Blondelian Synthesis. A Study of the Influence of German Philosophical
Sources on the Formation of Blondel’s Method and Thought, Leiden, 1966.

PALIARD, J., Maurice Blondel, ou lhe dépassement chrétien, Paris, 1950.

POLATO, F., Blondel e il problema della filosofia come scienza, Bolonha, 1965.

RENAULT, M., Déterminisme et libertei dans “l’Action de Maurice Blondel, Lyon. 1965.
ROMEYER, B., A philosophie religieuse de Maurice Blondel. Origine, évolution, maturité et
são achèvement, Paris, 1943.

SAINT-JEAN, R., Genèse de l’Action, 1882-1893, Paris, 1965.

SARTORI, L., Blondel e il cristianesimo, Padua, 1953.

SCIACCA, M. F., Dialogo com Maurice Blondel, Milão, 1962.

SOMERVILLE, J. M., Total Commitment. Blonde’s L’Action, Washington, DC., 1968.

TAYMAN’S D’EYPERMON, F., Lhe blondélisme, Lovaina, 1935.

TRESMONTANT, C., Introduction à a métaphysique de Maurice Blondel, Paris, 1963.

VALENSIN, A. (com E. de Montcheuil), Maurice Blondel, Paris, 1934.

VALORI, P., Maurice Blondel e il problema d’uma filosofia cattolica, Roma, 1950.

3. Laberthonnière

Textos

Oeuvres, 2 vols., Paris, 1948-1955.

Essais de philosophie religieuse, Paris, 1903.

Lhe réalisme chrétien et l’idéalisme grec, Paris, 1904.

Positivisme et catholicisme, Paris, 1911.

Lhe témoignage dê martyrs, Paris, 1912.

Sul lhe chemin du catholicisme, Paris, 1913.

Como fica dito no texto, em 1913 se lhe proibiu a Laberthonnière que seguisse publicando.
Um par de obras, escritas quase seguro por ele, foram publicadas por amigos seus. Mas o grosso
de seus escritos teve de esperar a publicação póstuma, feita por L. Canet. Entre estes:

Études sul Descarte, 2 vols., Paris, 1935.

Études de philosophie cartésienne et premiers écrits philosophiques, Paris, 1938.

Esquisse d’une philosophie personnaliste, Paris, 1942.


Um volume de correspondência filosófica entre Blondel e Laberthonnière apareceu em Paris
em 1961, editado por C. Tresmontant.

Estudos

ABAUZIT, A pensée du père Laberthonnière, Paris, 1934.

BALLARÒ, R., A filosofia dei Lucien Laberthonnière, Roma, 1927,

BONAPEDE, G., Lucien Laberthonnière, studio critico com pagine scelte, Palermo, 1958.

CASTELLI, F., Laberthonnière, Milão, 1927.

D’HENDERCOURT, M. M., Essai sul a philosophie du père Laberthonnière, Paris, 1948.

GOLINAS. J. P., A restauration du Thomisme sous Léon XIII et lhes philosophies nouvelles.
Études da pensée de M. Blondel et du père Laberthonnière, Washington, D. C., 1959.

Capítulo XII

1. Maritain

Textos

A philosophie bergsonienne, Paris, 1914 (3. ª ed., 1948). Trad. inglesa por M. L e J. G.
Andison como Bergsonian Philosophy and Thomism, Nova York, 1955.

Art et scolastique, Paris, 1920 (e eds. ss.). Trad. inglesa de J. F. Scanlan como Art and
Scholasticism, with other essays, Londres, 1930.

Eléments de philosophie. I, Introduction générale à a philosophie, Paris, 1920.

Il, L’ordre dê concepts, Paris, 1923.

Théonas, Paris, 1921. Trad. inglesa de F, J. Sheed como Theonas: Conversations of a Sage,
Londres e Nova York, 1933.

Introduction à a philosophie, Parts, 1925. Trad. inglesa Introduction toPhilosophy , Londres,


1930.

Trois réformateurs, Paris, 1925. Trad. inglesa Three Reformem : Luther, Descarte,
Rousseau, Londres, 1928.
Réflexions sul l’intelligence et sul sa vit propre, Paris, 1924.

A primauté du spirituel, Paris, 1927. Trad. inglesa de J. F. Scanlan como The Things That
are not Caesar’s (As coisas que não são do César), Londres, 1930.

Lhe Docteur angélique, Paris, 1929. Trad. inglesa de J. F. Scanlan como St Thomas Aquinas,
Angel of the Schools, Londres, 1942.

Distinguer pour unir, ou lhes degrés du savoir, Paris, 1932 (4. ª ed., Paris, 1946). Trad.
Inglesa de G. B. Phelan como The Degrees of Knowledge, Nova York e Londres, 1959.

Lhe songe de Descarte, Paris, 1932. Trad. inglesa de M. L. Andison como The Dream of
Descarte, Nova York, 1944, e Londres, 1946.

Da philosophie chrétienne, Paris, 1933. Trad. inglesa de E. H. Flannery como An É say on


Christian Philosophy, Nova York, 1955.

Du régime temporário et de libertei-a, Paris, 1933. Trad. inglesa de R. Ou’Sullivan como


Freedom in the Modern World, Londres, 1935.

Sept lefons sul l’étre et lhes premiers principes da raison spéculative, Paris, 1934. Trad.
inglesa como A Preface to Metaphysics: Seven Lectures onBeing , Londres e Nova York, 1939.

Frontières da poèsie et autres essais, Paris, 1935. Trad. inglesa como Art and Scholasticism
and the Frontiers of Poetry, Nova York, 1962. (A anterior tradução de Art et scolastique,
mencionada mais acima, contém também uma versão do ensaio sobre as fronteiras da poesia.)

Science et sagesse, Paris, 1935. Trad. inglesa de B. Wall, Science and Wisdom, Londres e
Nova York, 1940.

Humanisme integral, Paris, 1936. Trad. inglesa de M. R. Adamson como True Humanism,
Londres e Nova York, 1938.

Situation da poésie, Paris, 1938. Trad. inglesa de M. Suther como The Situation of Poetry,
Nova York, 1955.

Scholasticism and Politics, ed. de M. J. Adler, Londres, 1940.

Lhes droits de l’homme et a loi naturelle, Nova York, 1942.

Christianisme et démocratie, Nova York, 1943.

Redeeming the Time. (Vários ensaios estão traduzidos ao inglês por H, L. Binsse, Londres,
1943.)

Education at the Crossroads, New Haven, 1943.


De Bergson à Thomas d’Aquin, Nova York, 1944, e Paris, 1947.

Court traité de l’existence et de l’existant, Paris, 1947. Trad. inglesa de L. Galantière e G.


B. Phelan como Existence and the Existent, Nova York, 1948.

A personne et lhe bem commun, Paris, 1947. Trad. inglesa de J. J. Fitzgerald como The
Person and the Common Good, Londres, 1948.

Neuf leçons sul lhes notions premieres da philosophie morale, Paris, 1951.

Man and the State, Chicago, 1951.

The Range of Reason, Nova York, 1952.

Approches de Dieu, Paris, 1953. Trad. inglesa de P. Ou’Reilly como Approaches toGod ,
Nova York, 1954.

Creative Intuition in Art and Poetry, Nova York, 1953.

On the Philosophy of History, Nova York, 1957, Londres, 1959.

A philosophie morale: Vol. 1, Exame historique et critique dê grands systèmes, Paris, 1960.
Trad. inglesa de M. Suther e outros, como Moral Philosophy: An Historical and Critical Survey
of the Great Systems, Londres, 1964.

The Responsability of the Artist, Nova York, 1960.

Dieu et a permission du mau, Paris, 1963. Trad. inglesa de J. W. Evans, como God and the
Permission of Evil, Milwaukee, 1966.

Carnet de note, Paris, 1964.

Para uma ampliação desta bibliografía, veja-se The Achievement of Jacques and Raïssa
Maritain: A Bibliography, 1906-1961 de D. e I. Gallagher, Nova York, 1962.

Estudos

BARS, H., Maritain em notre temps, Paris, 1959.

—, A politique selon Jacques Maritain, Paris, 1961.

CASSATA, M. L., A pedagogia dei Jacques Maritain, Palermo, 1953.

CROTEAU, J., Lhes fondements thomistes du personnalisme de Maritain, Ottawa, 1955.


EVANS, J. W. (ed.), Jacques Maritain: The Man and his Achievement, Nova York, 1965.

FECHER, C. A., The Philosophy of Jacques Maritain, Westminster, Maryland, 1953.

FORNI, ., A filosofia della storia nel pensiero politico dei Jacques Maritain, Bolonha, 1965.

LUNDGAARD SIMONSEN, V., L’esthétique de Jacques Maritain, Paris, 1956.

MARITAIN, RAÏSSA, Lhes grandes amitiés, 2 vols., Nova York, 1941. Trad. inglesa de J.
Kernan como (vol. I) We have been Friends Together e (vol. 2) Adventures inGrace , Nova York,
1942 e 1945.

MICHENER, N. W., Maritain on the Nature of Man in a Christian Democracy, Hull (Canadá),
1955.

PAVAN, A., A formazione do pensiero dei Jacques Maritain, Padua, 1967.

PHELAN, G. B., Jacques Maritain, Nova York, 1937.

TIMOSAITIS, A., Church and State inMaritain ’s Thought, Chicago, 1959.

O vol. V de The Thomist (1943), dedicado ao pensamento de Maritain, foi publicado


separadamente como The Maritain Volume of the Thomist, Nova York, 1943.

2. Gilson

Textos

Index scolastico-cartésien, Paris, 1913.

Libertei-a chez Descarte et a théologie, Paris, 1913.

Lhe Thomisme. Introduction á l’étude de Séc. Thomas d’Aquin, Estrasburgo, 1919. Há


muitas eds. revisadas e aumentadas. A versão inglesa, The Christian Philosophy of St. Thomas
Aquinas (Nova York, 1956), é em realidade uma obra quase nova. A philosophie au Moyen-Âge,
Paris, 1922. Uma ed. revisada e aumentada publicou-se em Paris em 1944.

A philosophie de Séc. Bonaventure, Paris, 1924. Trad. inglesa de I. Trethowan como The
Philosophy of St Bonaventure, Londres, 1938; 2.ª ed. francesa, Paris, 1943.

Introduction à l’étude de Séc. Augustin, Paris, 1929; 2.ª ed., Paris, 1943. Trad. inglesa de L.
E. M. Lynch como The Christian Philosophy of Saint Augustin, Nova York, 1960; Londres,
1961.

Études sul lhe rôle da pensée médiévale dans a formation du système cartésien, Paris, 1930.
L’esprit da philosophie médiévale, 2 vols., Paris, 1932; 2.a ed., Paris, 1944; em um vol.,
1948. Trad. inglesa de A. H. C. Downes como The Spirit of Medieval Philosophy , Londres,
1950.

A théologie mystique de Séc. Bernard, Paris, 1934. Trad. inglesa de A. H. C. Downes como
The Mystical Theology of St. Bernard, Londres, 1940; 2.a ed. francesa, Paris, 1947.

Héloise et Abélard, Paris, 1938 (nova ed., 1964). Trad. inglesa de L. K. Shook como Heloïse
and Abelard, Londres, 1953.

Dante et a philosophie, Paris, 1939. Trad. inglesa de D. Moore, Dante the Philosopher, Nova
York, 1949; 2.ª ed. francesa, Paris, 1953.

The Unity of Philosophical Experience, Nova York, 1937; Londres, 1955.

Réalisme thomiste et critique da connaissance, Paris, 1939.

L’être et l’essence, Paris, 1948. Revisão em inglês, Being and Some Philosophers, Toronto,
1949; 2.ª ed. francesa, Paris, 1962.

Lhes métamorphoses de citei-a de Dieu, Lovaina, 1952.

Jean Duns Scot. Introduction à ses positions fondamentales, Paris, 1952.

Christian Philosophy in the Middle Ages, Londres, 1955.

Peinture et réalité, Paris, 1958. Trad. inglesa Painting and Reality, Nova York, 1958.

Eléments de philosophie chrétienne, Paris, 1960. Trad. inglesa, Elements of Christian


Philosophy, Nova York, 1960.

Lhe philosophe et a théologie, Paris, 1960. Versão inglesa do próprio E. Gilson como The
Philosopher and Theology, Nova York, 1962.

Modern Philosophy, Descarte toKant , Nova York, 1962. (Em colaboração com T. Langan.)

Introduction aux arts du beau, Paris, 1963.

The Spirit of Thomism, Nova York, 1964.

Recent Philosophy, Hegel to the Present, Nova York, 1966. (Em colaboração com A.
Maurer.)

Estudos
EDIE, C. J. (ed.), Mélanges offerts à Etienne Gilson, Paris e Toronto, 1959. (Inclui uma
bibliografía gilsoniana completa até essa data.)

QUINN, J. M., The Thomism of Étienne Gilson: A Critical Study, Villanova, Pa., 1971.

3. Maréchal

Textos

Lhe point de départ da métaphysique. Lefons sul lhe développement historique et théorique
du probléme da connaissance, 5 vols. 1, 2 e 3, Bruxas e Paris, 1922-1923; vol. 4, Bruxelas, 1947;
vol. 5, Lovaina e Paris, 1926.

Études sul a psycologie dê mystiques, 2 vols.; vol. 1, Bruxas e Paris, 1924; vol. 2, Bruxelas,
1937. Trad. (parcial) inglesa de A. Thorold como Studies in the Psychology of the Mystics,
Londres, 1927.

Préis d’histoire da philosophie modern;. Vol. I (e único), Da Renaissance à Kant, Lovaina,


1933.

Mélanges Maréhal. Vol. I, Oeuvres, Bruxelas, 1950. (Coleção de artigos, com uma
bibliografía.)

Estudos

CASULA, M., Maréchal e Kant, Roma, 1955. Mélanges Maréchal, vol. 2, Paris, 1950.

MUCK, OU., Die transzendentale Methode in der scholastischen Philosophie der Gegenwart,
Innsbruck, 1964. Trad. inglesa de W. J. Seidensticker como The Transcendental Method, Nova
York, 1968.

Capitulo XIII

1. Poincaré

Textos

Oeuvres de Jules Henri Poincaré, 11 vols., Paris, 1928-1956. (O vol. 2 contém uma
biografia, por G. Darboux; o vol. 11 contém conferências sobre Poincaré dadas por motivo de
seu centenário.)

A science et l’hypothese, Paris, 1902. Trad. inglesa de W. J. Greenstreet como Science and
Hypothesis, Londres, 1905; Dover Publications, Nova York, 1952.
A valeur da science, Paris, 1905. Trad. inglesa de G. B. Halsted como The Avaliei of Science,
Londres, 1907.

Science et méthode, Paris, 1908. Trad. inglesa de F. Maitland como Science and Method,
Londres, 1914.

Dernières pensées, Paris, 1912. Trad. inglesa de J. W. Bolduc como Mathematics and
Science: Last Essays, Nova York, 1963.

Estudos

BELLIVIER, A., Henri Poincaré, ou a vocation souveraine, Paris, 1956.

FRANK, P., Modern Science and Its Philosophy, Cambridge, Mass., 1949.

HADAMARD, J. SÉC., The Early Scientific Work, of Henri Poincaré’, Houston, Texas, 1922.

(Encrespe Institute Pamphlet.)

—, The Later Scientific Work of Henri Poincaré, Houston, Texas, 1933. (Encrespe Institute
Pamphlet.)

POPPER, K. R., The Logic of Scientific Discovery, Londres, 1959.

Revue de métaphysique et de morale, vol. 21 (1913), pp. 585-718.

2. Duhem

Textos

Lhe potentiel thermodynamique et ses applications Á a mécanique chimique et à théorie dê


phénomenes électriques, Paris, 1886.

Lhe mixte et a combination chimique. Essai sul l’evolution d’une crie, Paris, 1902.

Lhes théories électriques de J. Clerk. Maxwell, Étude historique et critique, Paris, 1902.

L’évolution da mécanique, Paris, 1903.

Origine-lhes da statique, 2 vols., Paris, 1905-1906.

A théorie physique, são objet et sa structure, Paris, 1906. A 2.ª ed. (1914) foi traduzida ao
inglês por P. P. Wiener como The Aim and Structure of Physical Theory, Princeton, 1954.
Etudes sul Léonard de Vinci; ceux qu’il a lus et ceux qui l’ont lu, 3 vols., Paris, 1906-1913.

Essai sul a notion de théorie physique de Platón a Galilée, Paris, 1908.

Lhe systéme du monde. Histoire dê doctrines cosmologiques de Platón a Copernic, 8 vols.,


Paris, 1913-1958.

Estudos

DUHEM, H. P., Um savant frunçais: P. Duhem, Paris, 1936.

FRANK, P., Modern Science and its Philosophy, Cambridge, Mass., 1949.

HUMBERT, P., Pierre Duhem, Paris, 1923.

MIELI, A., L’opera dei Pierre Duhem come storico della scienza, Grottaferrata, 1917.

PICARD, E., A vie et l’oeuvre de Pierre Duhem, Paris, 1922.

POPPER, K. R., The Logic of Scientific Discovery, Londres, 1959.

Há vários notáveis artigos sobre Duhem, por ej.: “A philosophie scientifique de M. Duhem”,
de A. Rei, em Revue de méthaphysique et de morale, vol. 12 (1904), pp. 699-744, e “Duhem
contra Galilée” em The British Journal for the Philosophy of Science (1957), pp. 237-248.

3. Milhaud

Textos

Leçons sul l’origine da science grecque, Paris, 1893.

Essai sul lhes conditions et limite-lhes da certitude logique, Paris, 1894.

Lhe rationnel, Paris, 1898.

Lhes philosophes-géométres da Gréce. Platón et ses prédécesseurs, Paris, 1900.

Lhe positivisme et lhe progres de l’esprit. Étude critique sul Auguste Comte, Paris, 1902.

Études sul a pensée scientifique chez lhes Grecs et chez lhes modernes, Paris, 1906.

Nouvelles études sul l’histoire da pensée scientifique, Paris, 1911.

Descarte, savant, Paris, 1923.


Études sul Carnot, Paris, 1927.

A philosophie de Charles Renouvier, Paris, 1927.

(As três obras últimas foram publicadas postumamente.)

Estudos

NADAL, A., Gaston Milhaud, em Revue d’histoire dê sciences, vol. 12 (1959), pp. 1-14.

Veja-se também o Bulletin da Société Française de Philosophie de 1961, com artigos de


vários autores sobre ÉMILE MEYERSON e GASTON MILHAUD.

4. Meyerson

Textos:

Identité et réalité, Paris, 1908. Trad. inglesa de K. Loewenberg, Identity and Reality, Londres
e Nova York, 1930.

De l’explication dans lhes sciences, 2 vols., Paris, 1921.

A déduction relativiste, Paris, 1925.

Du cheminement da pensée, 3 vols., Paris, 1931.

Réel et déterminisme dans a physique quantique, Paris, 1933.

Essais (póstumos), Paris, 1936.

Estudos

ABBAGNANO, N., A filosofia dei Émile Meyerson e a lógica dell’identità, Nápoles, 1929.

BOAS, G., A Critical Analysis of the Philosophy of Émile Meyerson, Baltimore, 1930.

KELLY, T. R., Explanation and Reality in the Philosophy of E. Meyerson, Princeton, Nova
Camisola, 1937.

A LUMIA, J., The Ways of Reason: A Critical Study of the Ideias of E. Meyerson, Londres,
1967.

METZ, A., Meyerson, une nouvelle philosophie da connaissance, Paris, 1932; 2.ª ed., 1934.

STUMPFER, SÉC., L’explication scientifique selon É. Meyerson, Luxemburgo, 1929.


Vejam-se também os ensaios de vários autores baixo o título geral de Emile Meyerson et
Gaston Milhaud no Bulletin da Société Française de Philosophie, ano 1961.

5. Lalande

Textos

Lectures sul a philosophie dê sciences, Paris, 1893.

L’idée directrice da dissolution opposée a celle de l’évolution dans a méthode dê sciences


physiques et morais, Paris, 1898. Uma ed. revisada apareceu em 1930 com o título Lhes illusions
évolutionistes.

Quid de mathematica vel rationali vel naturali senserit Baconus Verulamius, Paris,
1899.(Tese latina para o doctorado.)

Précis raisonné de mor ale prarique, Paris, 1907.

Vocabulaire technique et critique da philosophie, 2 vols., Paris, 1926. A publicação desta


obra começou a fazer-se em 1902 no Bulletin da Société Francaise de Philosophie. A obra
publicou-se depois primeiramente em um só volume. 8.a ed., Paris, 1962.

Lhes théories de l’induction et de V experimentaram, Paris, 1929.

A psychologie dê jugements de valeur, O Cairo, 1929.

A raison et lhes normes, Essai sul lhe principe et sul a logique dê jugements de valeur, Paris,
1948.

Estudos

BERTONI, I., Il neo-illuminismo etico dei André Lalande, Milão, 1965.

LACROIX, J., L’épistémologie de l’identité d’André Lalande, em Panorama da philosophie


française contemporaine, pp. 185-191, Paris, 1966.

LALANDE, W, (ed.), André Lalande par lui-même, Paris, 1967. (Com bibliografía.)

6. Bachelard

Textos

Essai sul a connaissance approchée, Paris, 1928.


L ‘intuition de l’instant, Paris, 1932.

Lhe pluralisme cohérent da chimie moderne, Paris, 1932.

Lhes intuitions atomistiques, Paris, 1933.

Lhe nouvel esprit scientifique, Paris, 1934.

A continuité et a multiplicité temporil lhes, Paris, 1937.

L’expérience de l’espace dans a physique contemporaine, Paris, 1937.

A formation de l’esprit scientifique, Paris, 1938.

Lhe psychanalyse du feu, Paris, 1938. [Há trad. cast.: Aliança Editorial, Madri, 1966.]

A philosophie du non. Essai d’une philosophie du nouvel esprit scientifique, Paris, 1940.

L’eau et revê-lhes. Essai sul l’imagination da matiere, Paris, 1942.

L’air et lhes songes, Paris, 1943. [Há trad. cast.: FCE, México, 1958.]

A terre et lhes réveries da volonté, Paris, 1945.

A terre et lhes réveries du repos, Paris, 1945.

Lhe rationalisme appliqué, Paris, 1949.

L’activité rationaliste da physique contemporaine, Paris, 1951.

Lhe matérialisme rationnel, Paris, 1953.

A poétique de l’espace, Paris, 1957. [Há trad. cast.: FCE, México, 1965.]

A poétique da rêverie, Paris, 1960.

A flamme d’une chandelle, Paris, 1961.

Estudos

Hommage a Gaston Bachelard, Paris, 1957.

DAGOGNBT, F., Gastón Bachelard. Sa vie, são oeuvre, avec um exposé de sa philosophie,
Paris, 1965.
QUILLET, P., Gastón Bachelard, Paris, 1964.

A Revue internationale de philosophie, vol. 19 (1964), contém uma bibliografía das obras de
Bachelard, e dos artigos sobre ele.

Capítulo XIV

1. Polin

Textos

A création dê valeurs, Paris, 1944.

A compréhension dê valeurs, Paris, 1945.

Du laid, du mau, du faux, Paris, 1948.

Philosophie et politique chez Thomas Hobbes, Paris, 1953.

A politique morale de John Loche, Paris, 1960.

Lhe bonheur considéré comme l’um dê beaux-arts, Paris, 1965.

Ethique et politique, Paris, 1968.

2. Lhe Senne

Textos

Introduction á a philosophie, Paris, 1925; ed. revisada, 1939 e 1947.

Lhe devoir, Paris, 1930.

Lhe mensonge et lhe caractére, Paris, 1930.

Obstacle et valeur, Paris, 1934.

Traite de morale gera-lhe, Paris, 1942.

Traité de caractérologie, Paris, 1945.

A destinée personnelle, Paris, 1951.

A découverte de Dieu, Paris, 1955.


Estudos

BERGER, G., Notice sul a vie et lhes travaux de René Lhe Senne, Paris, 1956.

CENTINEO, E., René Lhe Senne, Palermo, 1953.

—, Caratterologia e vita morale. A caratterologia do Lhe Senne, Bolonha, 1955.

GUTIÉRREZ, M., Estudo do caráter segundo Lhe Senne, Madri, 1964.

GUZZO, A., e outros, René Lhe Senne, Turín, 1951.

PAUMEN, J., Lhe spiritualisme existentiel de Rene Lhe Senne, Paris, 1949.

PIRLOT, J., Destinée et valeur. A philosophie de René Lhe Senne, Namur, 1953.

Os três números de Études philosophiques e do Giornale dei metafísica correspondentes a


1955 contêm artigos de vários autores sobre Lhe Senne.

3. Ruyer

Textos

Esquisse d’une philosophie da structure, Paris, 1930.

A conscience et lhe corps, Paris, 1937.

Eléments de psycho-biologie, Paris, 1946.

Lhe monde dê valeurs, Paris, 1948.

Néo-finalisme, Paris, 1952.

Philosophie da valeur, Paris, 1952.

A cybernétique et l’origine de l’information, Paris, 1954.

A genèse dê forme vivantes, Paris, 1958.

4. Pucelle

Textos
L’idéalisme em Angleterre, Neuchâtel, 1955.

Lhe temps, Paris, 1955,

A source dê valeurs, Paris, 1957.

Lhe règne dê fins, Paris, 1959.

A nature et l’esprit dans a philosophie de T. H. Green. I, Métaphysique-Morale, Lovaina,


1961.

5. Lavelle

Textos

A dialectique du monde sensível, Estrasburgo, 1921.

A perception visuelle da profondeur, Estrasburgo, 1921.

A dialectique de l’éternelpre’sent, 3 vols., Paris. Vol. I,De l’être, 1928; vol. 2, De l’acte,
1937; vol. 3, Du temps et de l’éternité, 1945.

A conscience du soi, Paris, 1933.

A présence totale, Paris, 1934.

Lhe moi et são destin, Paris, 1936.

L’erreur de Narcisse, Paris, 1939. Trad. inglesa de William Gairdner como The Dilemma of
Narcissus, Londres, 1973.

Lhes puissances du moi, Paris, 1939.

Lhe mau et a souffrance, Paris, 1940.

A philosophie française entre lhes deux guerres, Paris, 1942.

A parole et l’écriture.

Introduction á l’ontologie, Paris, 1947.

Traite dê valeurs, 2 vols., Paris. Vol. I, Théorie gera-lhe da valeur, 1951; vol. 2, Lhe systéme
de différentes valeurs, 1955.

L’intimité spirituelle, Paris, 1955.


Conduite a l’égard d’autrui, Paris, 1957.

Manuel de méthodologie dialectique, Paris, 1962.

Estudos

ANDRÉS, M., O problema do absoluto-relativo na filosofia de Louis Lavelle, Buenos Aires,


1957.

BESCHIN, G., Il tempo e liberta-a in Louis Lavelle, Milão, 1964.

CENTINEO, E., II problema della pessoa nella filosofia dei Lavelle, Palermo, 1944.

D’AINVAL, C., Une doctrine da préseme spirituelle. A philosophie de Louis Lavelle, Lovaina
e Paris, 1967.

DELFGAAUW, B. M. I., Het spiritualistiche Existentialisme vão Louis Lavelle, Amsterdã,


1947.

ECO LHE, J., A métaphysique de l’être dans a philosophie de L. Lavelle, Lovaina e Paris,
1957.

GRASSO, P. G., Louis Lavelle, Brescia, 1948.

NOBILE, OU. M., A filosofia dei Louis Lavelle, Florencia, 1943.

SARGI, B., Participaram-na a l’étre dans a philosophie de Louis Lavelle, Paris, 1957.

TRUC, G., De Jean-Paul Sartre à Louis Lavelle, ou désagrégation et réintégration, Paris,


1946.

6. Mounier

Textos

Oeuvres, ed. de P. Mounier, 4 vols., Paris, 1961-1963.

A pensée de Charles Péguy, Paris, 1931. (Escrito em colaboração com M. Péguy e G. Izard.)

Révolution personnaliste et communautaire, Paris, 1935.

Da propriété capitaliste à a propriété humaine, Paris, 1936.

Manifesto au service du personnalisme, Paris, 1936.


L’affrontement chrétien, Paris, 1944.

Libertei sous conditions, Paris, 1946.

Traité du caractère, Paris, 1946. Trad. inglesa de C. Rowland como The Character of Man,
Londres, 1956.

Introduction aux existentialismes, Paris, 1946. Trad. inglesa de E. Blow como Existentialist
Philosophies, Londres, 1948.

Qu’est-ce que lhe personnalisme?, Paris, 1947. Trad. inglesa de C. Rowland em Bê Not
Afraid, Londres, 1951.

A petite peur du XXe siécle, Paris e Neuchâtel, 1948. Trad. inglesa de C. Rowland em Bê
Not Afraid, Londres, 1951.

Lhe personnalisme, Paris, 1949. Trad. inglesa de C. Mairet como Personalism, Londres,
1952.

Carnets de route, 3 vols., Paris, 1950-1953.

Lhes certitudes difficiles, Paris, 1951.

Communisme, anarchie et personnalisme, Paris, 1966. (Publicado pelo Bulletin dê amis


d’Emmanuel Mounier.)

Estudos

AMATO, C., Il personalismo rivoluzionario dei E. Mounier, Mesina, 1966.

CAMPANINI, G., A rivoluzione cristã. II pensiero politico dei Emmanuel Mounier, Brescia,
1967.

CARPENTREAU, J., E L. ROCHER, L’esthétique personnaliste d’Emmanuel Mounier, Paris,


1966.

CONIHL, J., Emmanuel Mounier: sa vie, são oeuvre, avec um exposé de sa philosophie, Paris,
1966.

GUISSARD, L., Mounier, Paris, 1962.

MOIX, C., A pensée d’Emmanuel Mounier, Paris, 1960,

RIGOBELLO, A .,II contributo filosofeo dei Emmanuel Mounier, Roma, 1955.


O número da revista Esprit correspondente a dezembro de 1950 está dedicado a Mounier.
Veja-se também o Bulletin publicado pela Associação dos Amigos de Emmanuel Mounier.

Capítulo XV

1. Teilhard de Chardin

Textos

Oeuvres, ed. por C. Cuénot, 10 vols. (até agora), Paris, 1955.

Lhe phénomène humain, Paris, 1955. Trad. inglesa de B. Wall, com um Prefacio de Sir Julian
Huxley, como The Phenomenon of Man, Londres e Nova York, 1959.

L’apparition de l’homme, Paris, 1956. Trad. inglesa de J. M. Cohen como The Appearance
of Man, Londres, 1965.

Lhe groupe zoologique humain, Paris, 1956. As eds. posteriores levam o título da place de
l’homme dans a nature. Trad. inglesa de R. Hague como Man’s Place in Nature. The Human
Zoological Group, Londres e Nova York, 1966.

Lhe milieu divin, Paris, 1957. Trad. inglesa de B. Wall e outros como Lhe Milieu Divin: An
Essay on the Interior Life, Londres, 1960.

A vision du passé, Paris, 1957. Trad. inglesa de J. M. Cohen como The Vision of the Past,
Londres, 1966.

l’avenir de l’homme, Paris, 1959. Trad. inglesa de N. Denny como The Future of Man,
Londres, 1964.

Hymne de l’univers, Paris, 1961. Trad. inglesa de G. Vann, Hymn of the Universe, Londdres,
1965.

L’énergie humaine, Paris, 1962. Trad. inglesa de J. M. Cohen, Human Energy, Londres,
1969.

Science et Christ, Paris, 1965. Trad. inglesa de R. Hague, Science and Christ, Londres, 1968.

Comment je crois, Paris, 1969. Trad. inglesa de R. Hague, How I believe, Londres e Nova
York, 1969. Os restantes ensaios, trad. inglesa como Christianity and Evolution, Londres, 1971.

Dos vários volumes de correspondência que foram publicados, alguns estão traduzidos ao
inglês; por ej., Lettres de voyages (Paris, 1956), trad. de R. Hague .e outros como Letters from
a Traveller (Londres, 1962), e a correspondência com Blondel, comentada por H. de Lubac
(Paris, 1965) traduziu-a ao inglês W. Whitman (Nova York, 1967). Desde 1958 a Fondation
Teilhard de Chardinvha vindo publicando, em Paris, vários Cabiers com materiais inéditos.

Para mais bibliografía teilhardiana, cf. C. Cuénot (a obra citada mais abaixo) e a
Internationale Teilhard-Bibliographie, 1955-1965, ed. de L. Polgar (Munich, 1965). Uma lista
das publicações mais recentes se achará no Archivum Historicum Societatis lesu (Roma).

[Da maioria das obras de Teilhard de Chardin existe tradução castelhana na Editorial Taurus,
Madri.]

Estudos

BARJON, L., E LEROY, P., A carrière identifique de Pierre Teilhard de Chardin, Mônaco, 1964.

BARRAL, L., Eléments du bdti scientiftque teilhardien, Monaco, 1964. Barthélemy-Madaule,


M., Bergson et Teilhard de Chardin, Paris, 1963.

—, A personne et lhe drame humain chez Teilhard de Chardin, Paris, 1967.

BLANCHARD, J. P., Méthode et principes du pére Teilhard de Chardin, Paris, 1961.

CHAUCHARD, P., Man and Cosmos. Scientific Phenomenology in Teilhard de Chardin, Nova
York, 1965.

COGNET, L., Lhe pére Teilhard de Chardin et a pense’e contemporaine, Paris, 1952.

CORBISHLEY, T., The Spirituality of Teilhard de Chardin, Londres, 1971.

CORTE, N., A vie et l’ame de Teilhard de Chardin, Paris, 1957. Trad. inglesa de M. Jarrett-
Kerr como Pierre Teilhard de Chardin: his Life and Spirit, Londres, 1960.

CRESPY, C., A pensée théologique de Teilhard de Chardin, Paris, 1961.

CUÉNOT, C., Pierre Teilhard de Chardin: lhes grandese ’tampe de são evolution, Paris, 1958
(2.ª ed., 1962). Trad. inglesa de V. Colimore e ed. de R. Hague como Teilhard de Chardin: A
Biographical Study, Baltimore e Londres, 1965. (Esta obra contém uma bibliografía completa
dos escritos de Teilhard de Chardin.)

DELFGAAUW, B., Teilhard de Chardin, Baarn, 1961. Trad. inglesa de H. Hoskins como
Evolution: The Theory of Teilhard de Chardin, Londres e Nova York, 1969.

DE LUBAC, H., A pensée religieuse du pére Teilhard de Chardin, Paris, 1962. Trad. inglesa
de R. Hague como The Religião of Teilhard de Chardin, Londres, 1967.

—, A priére du pére Teilhard de Chardin, Paris, 1964. Trad. inglesa de R. Hague como The
Faith of Teilhard de Chardin, Londres, 1965.
—, Teilhard, missionnaire et apologiste, Toulouse, 1966. Trad. inglesa de A. Buono como
Teilhard Explained, Nova York, 1968.

—, L’éternel féminin, Paris, 1968. Trad. inglesa de R. Hague como The Eternal Feminine,
Londres, 1971.

DE TERRA, H., Mein Weg mit Teilhard de Chardin, Munich, 1962. Trad. inglesa de J.
Maxwell Brownjohn como Memories of Teilhard de Chardin, Londres e Nova York, 1969.

D’OUINCE, R., Um prophéte em procès; Teilhard de Chardin dam l’église de são temps,
Paris, 1970.

FRANCOEUR, R. T. (ed.), The World of Teilhard, Baltimore, 1961.

FRENAUD, G., e outros, Gli errori dei Teilhard de Chardin, Turín, 1963.

GRENET, P. B., Fierre Teilhard de Chardin, ou lhe philosophe malgré lui, Paris, 1960.

HAGUETTE, A., Fanthéime, action, Oméga chez Teilhard de Chardin, Paris, 1967.

HANSON, A. (ed.), Teilhard Reassessed, Londres, 1970.

MONESTIER, A., Teilhard ou Marx?, Paris, 1965.

MÜLLER, A., Dê Naturphilosophische Werk Teilhard de Chardins. Seine naturwissen-


schafdichen Grundlagen und seine Bedeutung fiir eine natürliche Offenbarung, Munich, 1964.

NORTH, R., Teilhard de Chardin and the Creation of the Soul, Milwaukee, 1967.

PHILIPPE DA TRINITÉ, Teilhard et teilhardime, Roma, 1962.

RABUT, Om Dialogue avec Teilhard de Chardin. Trad. inglesa, Dialogue with Teilhard de
Chardin, Londres e Nova York, 1961.

RAVEN, C. E., Teilhard de Chardin: Scientist and Seer, Londres, 1962.

RIDEAU, E., A pensée du pére Teilhard de Chardin, Paris, 1965. Trad. inglesa de R. Hague
como Teilhard de Chardin: A guide to his Thought, Londres, 1967.

SMULDERS, P., A visão de Teilhard de Chardin. Essai de reflexão théologique, Paris, 1964.

SOUCY, C., Pensée logique et pensée politique chez Teilhard de Chardin, Paris, 1967.

SPEAIGHT, R., Teilhard de Chardin. A Biography, Londres, 1967.


THYS, A., Conscience, réflexion, collectivisation chez Teilhard, Paris, 1964.

TOWERS, B., Teilhard de Chardin, Londres, 1966.

TRESMONTANT, C., Introduction à pensée de Teilhard de Chardin, Paris, 1956.

VERNET, M., A grande illusion de Teilhard de Chardin, Paris, 1964.

VIGORELLI, G., Il gesuita proibito. Vita e opere do Pai Teilhard de Chardin, Milão, 1963.

WILDIERS, N. M-, Teilhard de Chardin, Paris, 1960 (ed. revisada, 1964). Trad. inglesa de H.
Hoskins como An Introduction to Teilhard de Chardin, Londres e Nova York, 1968.

ZAEHNER, R. C., Evolution in Religion. A Study in Sri Aurobindo and Pierre Teilhard de
Chardin, Oxford, 1971.

Alguns dos livros desta lista defendem a ortodoxia religiosa de Teilhard, enquanto outros
(por exemplo, os de Frenaud, Philippe e Vernet) são abertamente adversos e polêmicos. Uma
bibliografía bem mais extensa sobre Teilhard se achará em: J. E. Jarque, Bibliographie générale
dê oeuvres et árticles sul lhe père Teilhard de Chardin, parus jusqu’à fim décembre 1969,
Friburgo (Suíça), 1970.

2. Marcel

Textos

Journal métaphysique, Paris, 1927. Trad. inglesa de B. Wall como Metaphysical Journal,
Londres e Chicago, 1952,

Être et avoir, Paris, 1935. Trad. inglesa de K. Farrer, Being and Having, Londres,1949.

Du refus à l’invocation, Paris, 1940. Trad. inglesa de R, Rosthal, como Creative Fidelity,
Nova York, 1964.

Homo Viator, Paris, 1945. Trad. inglesa de E. Craufurd, Londres e Chicago, 1951.

A métaphysique de Royce, Paris, 1945. Trad. inglesa de V. e G. Ringer, Royce’s Metaphysics,


Chicago, 1956,

Positions et approches concretes du mystère ontologique, Lovaina e Paris, 1949 (com uma
introd. de M. De Corte). Este ensaio foi publicado originariamente junto da peça teatral Lhe
monde cassé (Paris, 1933). Uma trad. inglesa por M. Harari vai incluída em Philosophy of
Existence, Londres, 1948; Nova York, 1949. Esta coleção de ensaios foi publicada novamente
com o título Philosophy of Existentialism em Nova York, 1961.
The Mystery of Being, 2 vols., I, Reflection and Mystery, trad. inglesa de G. Séc. Fraser,
Londres e Chicago, 1950; II, Faith and Reality, trad. inglesa de R. Hague, Londres e Chicago,
1951. Formam esta obra as Conferências Gifford dadas por Marcel. A versão francesa, Lhe
mystére de l’être, foi publicada em 2 vols., Paris, 1951.

Lhes hommes contre l’humain, Paris, 1951. Trad. inglesa de G. Séc. Fraser, como Man
against Humanity, Londres, 1952, e Man against Mass Society, Chicago, 1952. (Esta obra está
formada por artigos e conferências, 1945-1950.)

Lhe déclin da sagesse, Paris, 1954. Trad. inglesa de M. Harari, como The Decline of Wisdom,
Londres, 1954; Chicago, 1955.

L’homme problématique, Paris, 1955. Trad. inglesa de B. Thompson, como Problematic


Man, Nova York, 1967.

Présence et immortalité, Paris, 1959. Trad. inglesa de M. A. Machado (revisada por A. J.


Koren) como Presence and Immortality, Pittsburgh, 1967.

Fragments philosophiques, 1909-1914, Lovaina, 1962.

The Existential Background of Human Dignity, Cambridge, Mass., 1963. Este volume
contém as Conferências William James dadas por Marcel em 1961. A versão francesa, A dignité
humaine et ses assises existentielles, publicou-se em Paris em 1964.

(Não incluímos nesta lista as obras teatrais de Marcel, salvo a referência incidental a Lhe
monde cassé.)

Estudos

ARIOTTI, A. M., L’ “homo viator” nel pensiero dei Gabriel Marcel, Turín, 1966.

BAGOT, J. P., Connaissance et amour: Essai sul a philosophie de Gabriel Marcel, Paris,
1958.

BERNARD, M., A philosophie religieuse de Gabriel Marcel (com um adendo por Marcel
mesmo), Paris, 1952.

CAIN, Gabriel Marcel, Londres e Nova York, 1963.

CHAIGNE, L., Vies et oeuvres d’écrivains. Tome 4, Paris, 1954.

CHENU, J., Lhe thédtre de Gabriel Marcel et sa significatión métaphysique, Paris, 1948.

DAVY, M. M., Um philosophe itinérant: Gabriel Marcel, Paris, 1959.


DE CORTE, M., A philosophie de Gabriel Marcel, Paris, 1938. (Compare com a introdução
posta por De Corte a Positions et approches, mencionada mais acima.)

FESSARD, G., Théâtre et mystére, (Introdução à obra teatral marceliana A soif.) Paris, 1938.

GALLAGHER, K. T., The Philosophy of Gabriel Marcel (com um Prefacio de Marcel mesmo),
Nova York, 1962.

HOEFELD, F., Der christliche Existenzialismus Gabriel Marcels, Zürich, 1956.

OU’MALLEY, J. B., The Fellowship of Being. An Essay on the Concept of Person in the
Philosophy of Gabriel Marcel, Haia, 1966.

PARAINVIAL, J., Gabriel Marcel, Paris, 1966.

PRINI, P., Gabriel Marcel et a méthodologie de l’invérifiable, Paris, 1953.

RALSTON, 2. T., Gabriel Marcel’s Paradoxical Expression of Mystery, Washington, 1961.

REBOLLO PEÑA, A., Crítica da objetividad no existencialismo de Gabriel Marcel, Burgos,


1954,

RICOEUR, P., Gabriel Marcel et Karl Jaspers, Paris, 1947.

SCHALDENBRAND, M. A., Phenomenologies of Freedom. An Essay on the Philosophies of J.


P. Sartre and Gabriel Marcel, Washington, 1960.

SCIVOLETTO, A., l’esistenzialismo dei Marcel, Bolonha, 1951.

SOTTIAUX E., Gabriel Marcel, philosophe et dramaturge, Lovaina, 1956.

TROISFONTAINES, R., De l’existence à l’être, 2 vols., Paris, 1953. (Com prefacio de Marcel.
Contém uma bibliografía até 1953.)

WIDMER, C., Gabriel Marcel et lhe théisme existentiel, Paris, 1971.

Capítulos XVI-XVII Sartre

Textos

A trascendance de l’ego, Esquisse d’une description phénoménologique, Paris. Recherches


philosophiques, n.° 6 (1936-1937), pp. 85-123. Trad. inglesa de F. Williams e R. Kirkpatrick
como The Transcendence of the Ego, Nova York, 1957.
L’imagination. Étude critique, Paris, 1936. Trad. inglesa de F. Williams como Imagination:
A Psychological Critique, Ann Arbor, Mich., 1962.

A nausée, Paris, 1938. Trad. inglesa de L. Alexander como The Diary of Antoine Roquentin,
Londres, 1949, e como Nausea, Nova York, 1949. Trad. inglesa de R. Baldick como Nausea,
Harmondsworth, 1965.

Esquisse d’une théorie dê émotions, Paris, 1939. Trad. inglesa de B. Frechtman como
Outline of a theory of the Emotions, Nova York, 1948, e de P. Mairet como Sketch for a Theory
of the Emotions, Londres, 1962.

Lhe mur, Paris, 1939. Trad. inglesa de L. Alexander como Indmacy, Londres, 1949; Nova
York, 1952. (Panther Books, Londres, 1960.)

L’imaginaire. Psychologie phénoménologique de l’imagination, Paris, 1940. Trad. inglesa


de B. Frechtman como The Psychology of the Imagination, Londres, 1949.

L’être et lhe néant. Essai d’ontologie phenoménologique, Paris, 1943. Trad. inglesa de H.
Barnes como Being and Nothingness, Nova York, 1956; Londres, 1957.

Lhes mouches, Paris, 1943. Trad. inglesa de Séc. Gillbert como The Flies, em Two Plays,
Londres, 1946.

Lhes chemins de libertei-a; I, L’âge de raison, Paris, 1945. Trad. inglesa de E. Sutton como
The age of Reason, Londres, 1947. II, Lhe sursis (Paris, 1945). Trad. inglesa de E. Sutton como
The Reprieve, Londres, 1947. III, A mort dans l’âme (Paris, 1949). Trad. inglesa de G. Hopkins
como Iron in the Soul, Londres, 1950.

Huis clos, Paris, 1945. Trad. inglesa de Séc. Gilbert como InCamera , em Two Plays,
Londres, 1946.

L’existendalisme est um humanisme, Paris, 1946. Trad. inglesa de B. Frechtman como


Existencialism, Nova York, 1947, e por P. Mairet como Existencialism and Humanism, Londres,
1948.

Réflexions sul a question juive, Paris, 1946 (reimp., Paris, 1954). Trad. inglesa de E. de
Mauny como Portrait of the And-Semite, Londres, 1948, e por J. Becker como And-Semite and
Jew, Nova York, 1948.

Baudelaire, Paris, 1947. Trad. inglesa de M. Turnell, como Baudelaire, Londres, 1949.

Situacions, 1, Paris, 1947; 2, Paris, 1948; 3, Paris, 1949; 4-5, Paris, 1964.

São coleções de ensaios. Alguns dos conteúdos em 1-3 foram traduzidos ao inglês por A.
Michelson como Literary and Philosophical Essays, Londres, 1955.
Um de Situations 2 foi traduzido por B. Frechtman como What is Literature?, Nova York,
1949, e Londres, 1951.

Entretiens sul a politique (com D. Rousset e G. Rosenthal), Paris, 1949.

Saint Genet: comedien et martyr, vol. I das Oeuvres complete de Jean Genet. Trad. inglesa
de B. Frechtman como Saint Genet, Nova York, 1963.

Critique da raison dialectique, t. I: Théorie dê ensembles pratiques, Paris, 1960. A question


de méthode, que forma a primeira parte deste vol., foi traduzida ao inglês por H. Barnes como
Search for a Method, Nova York, 1963.

Lhes mots, Paris, 1964. Trad. inglesa de I. Clephane, como Words. Reminiscences of Jean-
Paul Sartre, Londres, 1964, e por B. Frechtman como The Words: The Autobiography of Jean-
Paul Sartre, Nova York, 1964.

The Philosophy of Jean-Paul Sartre, ed. por R. D. Cumming (Londres, 1968), contém
extensas seleções, em inglês, dos escritos sartrianos.

Das novelas e peças para teatro de Sartre incluímos na precedente lista tão só as que foram
mencionadas no texto deste volume. E não tivemos intenção nenhuma de enumerar os
muitíssimos ensaios publicados por Sartre, especialmente em Lhes temps modernes. Quem
deseje conhecer detalhes da vida de Sartre pertencentes ao período não coberto por Words veja
os três volumes das memórias de Simone de Beauvoir (traduzidos ao inglês e publicados em
Londres em 1959, 1960 e 1965).

[Da maioria de obras de Sartre existe tradução castelhana em Editorial Losada, Buenos
Aires.]

Estudos

ALBÉRÈS, R. M., Jean-Paul Sartre, Paris, 1953.

ONTEM, A. J., “Novelist-Philosophers: J. P. Sartre” em Horizon, vol. 12 (1945).

CAMPBELL, R., Jean-Paul Sartre, ou une littérature philosophique, Paris, 1945.

CERA, G., Sartre tra ideologia e storia, Brescia, 1972.

CHAMPIGNY, R., Stages onSartre ’s Way, Bloomington, Indiana, 1959.

CHIODI, P., Sartre e il marxismo, Milão, 1965.

CONTAT, M., E RYBALKA, M., Lhes écrits de Sartre, Paris, 1970.

CRANSTON, M., Sartre, Londres, 1962.


DEMPSEY, P. J. R. The Psychology of Sartre, Cork e Oxford, 1950.

DESAN, W., The Tragic Finale. An Essay on the Philosophy of Jean-Paul Sartre, Cambridge,
Mass., 1954.

—, The Marxism of Jean-Paul Sartre, Nova York, 1965.

(Os dois livros de Desan são cuidadas exposições críticas.)

FELL, J. P., III. Emotion in the Thought of Sartre, Nova York e Londres, 1965.

GREEN, M., Dreadful Freedom, Londres e Chicago, 1948,

GREENE, N. N., Jean-Paul Sartre: The Existentialist Ethic, Ann Arbor, Michigan, 1960.

HARTMAN, K., Grundzüge der Ontologie Sartres, Berlim, 1963.

HAUG, W. F., Jean-Paul Sartre und die Konstruktion dê Absurden, Francfort, 1967.

—, Sartre's Sozialphilosophie. Eine Untersuchung zur “Critique da raison dialectique”,


Berlin, 1966.

HOLZ, H. H., Jean-Paul Sartre : Darstellung und Kritik seiner Philosophie, Meisenheim,
1951.

JAMESON, F. R., Sartre. The Origins of a Style, New Haven, 1961.

JBANSON, F., Lhe problème morale et a pensée de Sartre, Paris, 1947. (Com um Prefacio de
Sartre.)

—, Sartre par lui-même, Paris, 1958.

JOLIVET, R., Sartre ou a théologie de l'absurde, Paris, 1965.

KUHN, H., Encounter with Nothingness, Hinsdale, Illinois, 1940.

LAFARGE, R., A philosophie de Jean-Paul Sartre, Toulouse, 1967.

LAING, R. D., e COOPER, D. G., Reason and Violence: A Decade of Sartre’s Philosophy,
1950-1960, Londres, 1964. (Nesta obra inclui-se um estudo de critique-a da raison dialectique.
Leva um Prólogo do próprio Sartre.)

MANNO, A., L’esistenzialismo dei Jean-Paul Sartre, Nápoles, 1958.


MANSER, A., Sartre: A Philosophie Study, Londres, 1966. (Examina o pensamento de Sartre
tal como aparece no conjunto de seus escritos.)

MÖLLER, J., Absurdes Sein ? Eine Auseinandersetzung mit der Ontologie Jean-Paul Sartres,
Stuttgart, 1959.

MURDOCH, I., Sartre: Romantic Rationalist, Cambridge e New Haven, 1953.

NATANSON, M. A., A Critique of Jean-Paul Sartre’s Ontology, Lincoln, Nebraska, 1951.

PALUMBO, G., A filosofia esistenziale dei Jean-Paul Sartre, Palermo, 1953.

PRESSAULT, J., L’être-pour-autrui dans a philosophie de Jean-Paul Sartre, Roma, 1969.


(Disertación doctoral.)

SCHALDENBRAND, M. A., Phenomenologies of Freedom. An Essay on the Philosophies of


Jean-Paul Sartre and Gabriel Marcel, Washington, 1960.

SPIEGELBERG, H., The Phenomenological Movement, 2 vols., Haia, 1960. (Cap. 10 do vol.
2, dedicado a Sartre.)

STERN, A., Sartre: His Philosophy and Psychoanalysis, Nova York, 1953.

STRELLER, J., Jean-Paul Sartre: To Freedom Condemned, Nova York, 1960.

THODY, P., Jean-Paul Sartre: A Literary and Political Study, Londres, 1960.

TROISFONTAINES, R., Lhe choix de Jean-Paul Sartre, Paris, 1945.

TRUC, G., De Jean-Paul Sartre a Louis Lavelle, ou désagrégation et réintégration, Paris,


1946.

VARET, G., L’ontologie de Sartre, Paris, 1948.

WARNOCK, M., The Philosophy of Sartre, Londres, 1965.

Todos os estudos gerais envelope o existencialismo incluem algum tratamento de Sartre.


Entre os de autores franceses podemos mencionar:

JOLIVET, R., Lhes doctrines existentialistes de Kierkegaard à Jean-Paul Sartre, Paris, 1948.

MOUNIER, E., Introduction aux existentialismes, Paris, 1946.

WAHL, J., Lhes philosophies de l’existence, Paris, 1959.


Capítulo XVIII

1. Camus

Textos

Oeuvres complètes, 6 vols., Paris, 1962.

L'étranger, Paris, 1942. Trad. inglesa de Séc. Gilbert, como The Stranger, Nova York, 1946;
como The Outsider, Londres, 1946.

Lhe mythe de Sisyphe, Paris, 1942. Trad. inglesa de J. Ou'Brien como The Myth of Sisyphus
and Other Essays, Nova York e Londres, 1955.

Lettres à um ami allemand, Paris, 1945. Trad. inglês J. Ou’Brien em Resistance, Rebellion
and Death, Nova York e Londres, 1961.

A peste, Paris, 1947. Trad. inglesa de Séc. Gilbert como The Plague, Londres, 1948.

Actuelles, 3 vols., Paris, 1950-1958.

L’homme révolté, Paris, 1951. Trad. inglesa de A. Bower como The Rebel, Londres, 1953.
(Ed. revisada, Nova York, 1956.)

Chute-a, Paris, 1956. Trad. inglesa de J. Ou’Brien como The Fall, Londres e Nova York,
1957.

L’exil et lhe royaume, Paris, 1957. Trad. inglesa de J. Ou’Brien como Exile and the Kingdom,
Londres e Nova York, 1957.

Réflexions sul o pente capitale, Paris, 1960.

Carnets, Paris, 1962.

R. Ruillot editou as obras de Camus em 2 vols.: Théâtre, récits, nouvelles (Paris, 1962) e
Essais (Paris, 1965).

The Collected Fiction of Albert Camus (Londres, 1960) contém The Outsider (L'étranger),
The Plague, The Fall e Exile and the Kingdom.

Caligula and Three Other Plays (Nova York, 1958) contém traduções das peças teatrais de
Camus ao inglês feitas por Séc. Gilbert.
[Da maioria de obras de Camus existe tradução castelhana em Editorial Losada, Buenos
Aires.]

Estudos

BONNIER, H., Albert Camus ou a force d’être, Lyon, 1959.

BRÉE, G., Camus, New Brunswick, 1961.

— (éd.), Camus: A Collection of Critical Essays, Englewood Cliffs, Nova Camisola, 1962.

BRISVILLE, J. C., Camus, Paris, 1959.

CRUICKSHANK, J., Albert Camus and the Literature of Revolt, Londres, 1959.

DURAND, A., Lhe cas Albert Camus, Paris, 1961.

GÉLINAS, G. P., Libertei-a dans a pensée de Camus, Friburgo, 1965.

GINESTIER, P., Pour connaître a pensée de Camus, Paris, 1964.

HANNA, T., The Thought and Art of Albert Camus, Chicago, 1958.

HOURDIN, G., Camus lhe juste, Paris, 1963.

LEBESQUE, M., Camus par lui-même, Paris, 1963.

MAJAULT, J., Camus, Paris, 1965.

NICOLAS, A., Une philosophie de I’existence; Albert Camus, Paris, 1964.

ONIMUS, J., Camus, Paris, 1965. Trad. inglesa de E. Parker, como Albert Camus and
Christianity, Dublin e Londres, 1970.

PAPAMALAMIS, D., Albert Camus et a pensée grecque, Nancy, 1965.

PARKER, E., Albert Camus: The Artist in the Arena, Madison, Wise., 1965.

PASSERJ PIGNONI, V., Albert Camus, uomo inrivolta , Bolonha, 1965.

QUILLOT, R., A mer et lhes prisons, Paris, 1956 (ed. revisada, 1970).

RIGOBELLO, A., Albert Camus, Nápoles, 1963.

ROEMING, R. F., Camus: A Bibliography, Madison, Wisc., 1968. (Elenco bibliográfico


completo de e envelope Camus.)
SAROCCHI, J. Camus, Paris, 1968.

SCHAUB, K., Albert Camus und der Tod, Zürich, 1968.

SIMON, P. H., Présence de Camus, Paris, 1962.

STUBY, G., Recht und Solidarität im Denken von Albert Camus, Francfort, 1965.

THODY, P., Albert Camus: A Study of His Works, Londres, 1957.

—, Albert Camus, 1915-1960, Londres e Nova York, 1961.

VÃO-HUY, N. P., A métaphysique du bonheur chez Albert Camus, Neuchâtel, 1964.

Em 1960 dedicaram-se números especiais da table ronde (fevereiro), da nouvelle revue


française (março) e de Yale French Studies (primavera) a Camus.

2. Merleau-Ponty

Textos

A structure du comportement, Paris, 1942 (2.a ed., 1949). Trad. inglesa de A. L. Fisher como
The Structure of Behaviour, Boston, 1963; Londres, 1965.

Phénoménologie da perception, Paris, 1945. Trad. inglesa de C. Smith, como


Phenomenology of Perception, Londres e Nova York, 1962.

Humanisme et terreur, Paris, 1947. Trad. inglesa parcial de N. Metzel e J. Flodstrom em The
Primacy of Perception and Other Essays, ed. por J. M. Edie, Evanston, Illinois, 1964.

Sens et non-sens, Paris, 1948. Trad. inglesa de H. L. e P. A. Dreyfus como Sense and
Nonsense, Evanston, Illinois, 1964.

Lhes relations avec autrui chez l'enfant, Paris, 1951. Trad. inglesa de W. Cobb em The
Primacy of Perception (cf. supra).

Lhes sciences de l’homme et a phénoménologie : Introduction, Paris, 1951. Trad. inglesa de


J. Wild em The Primacy of Perception (cf. supra).

Éloge da philosophie, Paris, 1953. Trad. inglesa de J. M. Edie e J. Wild como In Praise of
Philosophy, Evanston, Illinois, 1963.

Aventure-lhes da dialectique, Paris, 1955. Trad. inglesa parcial de N. Metzel e J. Flodstrom


em The Primacy of Perception (cf. supra).
Signes, Paris, 1960. Trad. inglesa de R. C. McCleary, Signs, Evanston, Ill., 1964.

L'oeil et l’esprit, Paris, 1961. Trad. inglesa de C. Dallery em The Primacy of Perception (cf.
supra).

Lhe visível et l’invisível suivi de note de travail, Paris, 1964. Esta obra, editada por C. Lefort,
contém parte de um livro que Merleau-Ponty estava escrevendo dantes de morrer, e algumas
notas que redigia para as partes projetadas.

Uma lista dos escritos de Merleau-Ponty, incluídos os artigos, se achará na obra de A. Rabil
que citamos mais abaixo.

Estudos

BARRAL, M. E., Merleau-Ponty : The Role of the Body-Subject in Interpersonal Relations,


Pittsburgh e Lovaina, 1965.

CENTINEO, E., Uma fenomenología della storia. L’esistenzialismo dei Merleau-Ponty,


Palermo, 1959.

DEROSSI, G., Maurice Merleau-Ponty, Turin, 1965.

DE WAEHLENS, A., Une philosophie de l’ambiguïté: l’existentialisme de Maurice Merleau-


Ponty, Lovaina, 1951 (2.ª ed., 1967).

FRESSIN, A., A perception chez Bergson et chez Merleau-Ponty, Paris, 1969.

HALDA, B., Merleau-Ponty ou a philosophie de l’ambiguïté, Paris, 1966.

HEIDSIECK, F., L’ontologie de Merleau-Ponty, Paris, 1971.

HYPPOLITE, J., Sens et existence. A philosophie de Maurice Merleau-Ponty, Oxford, 1963.


(Conferência Zaharoff.)

KAELIN, E., An Existentialist Aesthetic: The Theories of Sartre and Merleau-Ponty, Madison,
Wise, 1962.

KWANT, R. C., The Phenomenological Philosophy of Merleau-Ponty, Pittsburgh e Lovaina,


1963.

—, From Phenomenology to Metaphysics. An Inquiry into the Last Period of Merleau-


Ponty’s Philosophical Life, Pittsburgh e Lovaina, 1966.

LANGAN, T., Merleau-Ponty’s Critique of Reason, New Haven e Londres, 1966.


MAIER, W., Dá Problem der Leiblichkeit bei Jean-Paul Sartre und Maurice Merleau-Ponty,
Tubinga, 1964.

RABIL, A., JR., Merleau-Ponty : Existentialist of the Social Wold, Nova York e landres, 1967.
(Com bibliografías.)

ROBINET, A., Merleau-Ponty : Sa vie, são oeuvre, avec um exposé de sa philosophie, Paris,
1963.

SEMERARI, G., Dá Schelling a Merleau-Ponty, Studi sulla filosofia contemporanea, Bolonha,


1962.

SPBIGELBERG, H., The Phenomenological Movement: A Historical Introduction, 2 vols.,


Haia, 1960. (O cap. 11 do vol. 2 está dedicado a Merleau-Ponty.)

STRASSER, SÉC., Phenomenology and the Human Sciences, trad. inglesa de H. J. Koren,
Pittsburgh, 1963.

TILLIETTE, X., Philosophes contemporains (pp. 49-86), Paris, 1962.

— Lhe corps et lhe temps dans a “Phénoménologie da perception”, Basilea, 1964.

TOURÓN DO PÉ, E., O homem e o mundo na fenomenología de Merleau-Ponty, Madri, 1961.

Veja-se também Maurice Merleau-Ponty (coletânea de artigos de vários autores), Paris,


1961.
Notas
[1]
Esta frase é ambigua. Se por “o movimento da história” entende-se a sucessão dos
acaecimientos, é óbvio que os tradicionalistas não eram cegos para com ele. Se a frase implica
que a mudança e o progresso (em um sentido valorativo) são termos sinónimos, esta
identificação pressupõe uma filosofia da história que não pode ser dada, sem mais, por suposta
e admitida. Mas sim que é possível, sem dúvida, que não se reconheça ou perceba o fato de que
a emergência de forças e ideias novas exclui a feliz restauração e revivificación de uma estrutura
anteriormente existente. <<

[2]
Veja-se o vol. III desta História, pp. 259-261. <<

[3]
Considérations sul a France (Bruxelas, 1838), p. 2. <<

[4]
Ibid., p. 21. <<

[5]
Ibid., p. 127. <<

[6]
Ibid., p. 128. <<

[7]
Essai sul lhe principe générateur dê constitutions politiques, p. IX. A página de referência é
a do ensaio impresso no mesmo volume que as Considérations sul a France (Bruxelas, 1838).
<<

[8]
Exame da philosophie de Bacon, II, p. 231 (Paris, 1836). <<

[9]
Soirées de Saint-Pétersbourg p. 258 (Bruxelas, 1838). <<

[10]
De Maistre faz uma exceção, embora com reservas, em favor da Inglaterra. <<

[11]
Du Pape, p. 172 (Bruxelas, 1838). <<

[12]
Essai analytique, p. 23 (Paris, 1812). Oeuvres, V, p. 10 (Paris, 7 vols., 1854). <<

[13]
Recherches philosophiques, I, p. 2. Oeuvres, IV, p. 1. <<

[14]
Essai analytique, p. 36. Oeuvres, V, p. 16. <<

[15]
Ibid., p. 20. Oeuvres, V, p. 9. <<

[16]
Recherches philosopbiques, I, pp. 33-34. Oeuvres, IV, p. 16. <<

[17]
Ibid., p. 12. Oeuvres, IV, p. 6. <<

[18]
Ibid., p. 13. Ibid. <<
[19]
Ibid., p. 35. Oeuvres, p. 17. <<

[20]
Recherches philosophiques, I, p. 85. Oeuvres, IV, p. 40. <<

[21]
Ibid., p. 80. Oeuvres, p. 37. <<

[22]
Ibid., p. 98. Oeuvres, p. 46. <<

[23]
Rousseau faz esta observação na primeira parte de sua Discours sul l’origine ou lhes
fondements de l’inégalité parmi lhes bommes. <<

[24]
Cabe argüir que o pensar “para um mesmo” pressupõe a linguagem como fenômeno social.
<<

[25]
É óbvio que há que fazer alguma distinção. Caso contrário resulta muito difícil explicar nossa
capacidade de traduzir de umas línguas a outras. Mas essa distinção podemos concebê-la como
análoga à que faz Aristóteles entre “forma” e “matéria”, sendo o pensamento análogo às
“forma”, que não podem existir aparte de toda matéria mas podem informar uma matéria
diferente. <<

[26]
Legilation primitive, I, p. 134 (Paris, 18 J 7). Oeuvres, III, p. 49. <<

[27]
Démonstration philosophique, p. 108 (Paris, 1830). Oeuvres, IV, p. 448. <<

[28]
O poder absoluto é distinto do uso tiránico ou arbitrário do poder. <<

[29]
Génie du christianisme, I, p. 13 (Paris, 1803). <<

[30]
Ibid., p. 12. <<

[31]
Ibid., p. 11. Estes “sofistas” são provavelmente lhes philosophes do século XVIII. <<

[32]
Essai sul l’indiférence, I, p. 37 (Paris, 1823). <<

[33]
Ibid., II, p. 137. <<

[34]
Ibid., III, p. 14. <<

[35]
Ibid., II, p. 382. <<

[36]
Evidentemente, segundo esta opinião, o politeísmo há que o interpretar como um processo
de degeneração a partir de um monoteísmo originario. <<

[37]
Da religion, p. 33 (Paris, 1826). <<
[38]
Ibid., p. 95. <<

[39]
Du progrés da revolution, p. 58 (Paris, 1829). <<

[40]
Ibid., p. 7. <<

[41]
Ibid., p. 256. <<

[42]
Alguns tradicionalistas sustentavam que, enquanto a razão por separado da tradição (de fato,
revelação) não podia provar a existência de Deus, uma vez teve o homem o conceito de Deus tal
como é transmitido na sociedade pôde já discernir razões para achar. Outros, em mudança,
pareciam dar por suposto que devia ser recusado toda metafísica. <<

[43]
Maurras, condenado em 1945 a prisão perpétua por sua colaboração com o regime de Vichy,
reconciliou-se com a Igreja pouco dantes de sua morte. Mas durante a maior parte de sua vida
foi reconocidamente ateu. Quanto a sua filosofia, não era, claro está, um tradicionalismo no
sentido técnico. <<

[44]
Sobre D’Alembert veja-se vol. VI desta História, pp. 52-55. <<

[45]
Cf. vol. VI desta História, pp. 166-169. <<

[46]
Suicidou-se quando lhe prenderam. <<

[47]
Cf. vol. VI desta História, pp. 62 e ss. <<

[48]
Cf. ibid., pp. 38-44. <<

[49]
Cf. ibid., p. 58. <<

[50]
Em lógica, de Tracy recalca o relacionamento pela que uma ideia contém outra. Daí que não
dê tanta importância às regras lógicas e ponha em mudança de realçe a necessidade de um exame
direto das ideias que um emprega, para ver se efetivamente a contém ou implica b. <<

[51]
Perderam-se alguns dos materiais manuscritos, mas se conservou uma grande parte. <<

[52]
Este Ensaio, tal como o publicou E. Naville, era uma compilação de vários manuscritos. <<

[53]
O quarto volume era a reimpresión de outro que Cousin publicava já em 1834. <<

[54]
Oeuvres, I, p. 63. Cita-as que fazemos aqui remetem à edição das Oeuvres feita por
Tisserand-Gouhier que temos mentado mais acima. <<
[55]
Por esta época Maine de Biran era também muito anticlerical e não lhe agradavam as
pretensões dos teólogos de que possuem conhecimento de Deus e de sua vontade. <<

[56]
Oeuvres, I, p. 185. <<

[57]
Condillac resistia-se a admitir diferença alguma entre a análise filosófico e o matemático.
<<

[58]
“Que são os movimentos da alma senão isso, movimentos e repetições de movimentos?”
Bonnet sublinhava assim o relacionamento entre as operações mentais e os movimentos que se
produzem no cérebro. Mas cita-a dá uma ideia muito inadequada da antropologia de Bonnet. Ele
achava, por exemplo, que a alma sobrevive à morte do corpo. <<

[59]
Oeuvres, II (1954), p. 20. A referência a de Tracy está no p. 22, nota 1. <<

[60]
Ibid., p. 22. <<

[61]
Oeuvres, III, I, p. 41. <<

[62]
Ibid., pp. 40-41. <<

[63]
Ibid., p. 216. <<

[64]
Ibid., p. 127. <<

[65]
Ibid., p. 178. <<

[66]
Ibid. <<

[67]
Ibid., p. 180. <<

[68]
Oeuvres, VIII, p. 270. <<

[69]
Oeuvres, IX, p. 335. <<

[70]
André-Marie Ampère (1775-1836), físico e matemático, foi autor de uma Teoria matemática
dos fenômenos electromagnéticos, deduzida somente a partir da experiência (1827) e de um
Ensaio sobre a filosofia da ciência (1834). <<

[71]
Marie-Joseph Dégerando (1772-1842) pertenceu ao grupo dos ideólogos e foi autor de uma
Teoria dos signos (1800). <<

[72]
No próximo capítulo faremos mais referências a Pierre-Paul Royer-Collard, professor da
Sorbona <<
[73]
Oevres, X, p. 26. <<

[74]
Ibid., pp. 312-313. <<

[75]
Oevres, X, p. 95, nota 1. <<

[76]
Oevres, XI, p. 272. <<

[77]
Oeuvres, X, p. 124. <<

[78]
Oeuvres, XI, p. 284. <<

[79]
De fato, em uma data temporã dizia Maine de Biran que ele achava que o mundo era
governado por uma inteligência divina. Mas tratava-se de uma convicção espontânea ou do
sentido íntimo (lhe sens intime) mais bem que de um argumento cosmológico ao estilo
tradicional. <<

[80]
Journal (H. Gouhier), I, p. 87. A interpretação do sentimento de obrigação em termos de
pressão social reaparece na teoria de Bergson da “moral fechada”. <<

[81]
Journal, II, p. 67. <<

[82]
Fala-se dos três níveis no Journal (por exemplo nas anotações de dezembro de 1818, II, p.
188, e de outubro de 1823, II, pp. 389 e ss.), bem como nos Novos ensaios de antropologia
(Oeuvres, XIV) cuja terceira parte está dedicada a tratar a vida do espírito. <<

[83]
Oeuvres, XIV, p. 369. <<

[84]
Ibid., p. 370. <<

[85]
Ibid., p. 369. <<

[86]
Journal, II, p. 188. <<

[87]
Estas mudanças estão admiravelmente expostas em Lhes conversions de Maine de Biran
(Paris, 1948) pelo professor H. Gouhier, quem toma-se também o trabalho de ilustrar os
elementos de continuidade no pensamento de nosso filósofo. <<

[88]
Maine de Biran escreve a respeito da absorción do eu em Deus, de que a autoconciencia do
sujeito se anega na percatación de Deus ou do divino influjo. Mas põe em claro que se está
referindo à absorción mística em um sentido psicológico, e que não quer dizer que a alma
substancial se identifique ontológicamente com Deus. <<

[89]
Journal, II, p. 376. <<
[90]
Ibid. <<

[91]
Ibid., pp. 376-377. Os dois relacionamentos primeiras são os relacionamentos com nossos
semelhantes e com Deus. <<

[92]
Ibid., p. 377. <<

[93]
Oeuvres, XIV, p. 223. <<

[94]
Ibid., p. 373. <<

[95]
Neste ponto adverte Copleston ao leitor que o movimento espiritualista não tem nada que
ver com o “spiritualism in the ordinary English sense of the term”, isto é, com o que nós, com
vocablo diferente, chamamos espiritismo, ou com as crenças vulgares em duendes, aparecidos,
fantasmas, espetros e demais “espíritos” imaginarios. (N. do T.) <<

[96]
Leibniz expressou esta ideia sugerindo que todo sistema era verdadeiro no que afirmava mas
falso no que negava. Dito com outras palavras, os filósofos originais viram algo do que tinha
por ver, mas a cada um deles não viu todo o que podia ser visto. <<

[97]
Naturalmente, não é que pedissem que se alargasse o Terror. O que achavam era, mais bem,
que, embora a Revolução destruía o antigo regime, se tinha ficado curta quanto ao cumprimento
de seus ideais de uma autêntica reforma social. Seus progressos era interrompidos pela subida
de Napoleón ao poder e a detenção de todo movimento que conduzisse para o socialismo. <<

[98]
Para Thomas Reid (1710-1796) veja-se o vol. V desta História, pp. 341-350. <<

[99]
Além de que tende a esquecer que Hume mesmo fazia questão da força das crenças naturais,
Reid deixa a seus leitores com alguma dúvida com respeito ao preciso estatuto lógico que tenha
de atribuir ao julgamento. Fala de princípios verdadeiros evidentes por si mesmos; mas como
diz que o julgamento de que o que percebemos existe em realidade é uma verdade contingente,
parece que sua evidência de por sim pode ser interpretado como uma propensión natural ao
achar. <<

[100]
Lhes fragments philosophiques de Royer-Collard, editados por A. Schimberg, p. 22 (Paris,
1913). <<

[101]
Para estes detalhes veja-se Victor Cousin (Londres, 1888) por Jules Simón, que era aluno
de Cousin. <<

[102]
Pierre Laromiguière (1756-1837) aceitou o método geral de Condillac, mas adotando um
duplo ponto de partida a base de acrescentar à receptividad da sensação a potência motiva da
atenção. Já deixamos anotado que Maine de Biran escreveu sobre as Leçons de Laromiguière.
<<

[103]
Cours de philosophie. Histoire da philosophie. I, p. 141 (Bruxelas, 1840). <<
[104]
Ibid., p. 118. <<

[105]
Ibid., p. 141. <<

[106]
Ibid., p. 8. <<

[107]
Ibid., p. 11. <<

[108]
Fragments philosophiques (ed. 1838), I, p. 41. <<

[109]
As ideias de Cousin sobre esta questão mostram uma influência evidente do idealismo
metafísico alemão. Mas em general tinha por costume minimizar a influência estrangeira em seu
pensamento. Chegava a tal extremo de exagero nesta feição que apresentava o eclecticismo
como uma contribuição especificamente francesa ao pensamento filosófico. <<

[110]
Éléments de psychologie, na trad. inglesa por C. Séc. Henry, p. 28 (Londres, 1851). <<

[111]
Dantes de sua nomeação para esta cátedra Jouffroy ensinava na Sorbona e na Escola
Normal. <<

[112]
Jouffroy publicou em 1825 um artigo sobre o final dos dogmas e seu eventual
reemplazamiento pela filosofia. <<

[113]
Ainda sendo uma espécie de ditador filosófico, Cousin, o porta-voz oficial da filosofia na
França, não desejava se enfrentar a possíveis grupos hostis, senão harmonizar os diferentes
pontos de vista. Como já deixamos dito, não teve muito sucesso em sua política de compromisso.
Mas o verdadeiro é que sua posição lhe aconselhava adotar uma política que a um homem como
Jouffroy, que não compartilhava as ambições de Cousin, importar muito menos. <<

[114]
Sobre Dugald Stewart veja-se o vol. V desta História, pp. 351-358. <<

[115]
A respeito disto se veja o ensaio de Jouffroy sobre a filosofia e o sentido comum, em seus
Mélanges philosophiques. <<

[116]
Veja-se o ensaio de Jouffroy sobre a legitimidade da distinção entre psicologia e fisiología,
em suas Nouveaux mélanges philosophiques. <<

[117]
Não, desde depois, no sentido técnico que tem este vocablo na terminología filosófica. <<

[118]
Cabe sustentar, de todos modos, que pode ser feito uma distinção mais proveitosa entre o
socialismo pragmático — inspirado ao menos implicitamente em ideais sócio-éticos, mas
relativamente livre de dogmatismo ideológico — e o socialismo doctrinario, no que os interesses
dos indivíduos e dos grupos reais, seu hic et nunc, muito bem podem ser sacrificados em nome
da sociedade do futuro, cuja chegada se considera inevitável resultado de um processo histórico
ou algo tão supremamente desejável que as medidas que se supõem necessárias para sua chegada
têm de se adotar com preferência à correção dos abusos e males presentes. <<

[119]
É evidente que Fourier dá umas visões muito parciais e caricaturescas dos motivos,
propósitos e aspirações dos diferentes grupos e classes. Mas, prescindiendo do caricaturesco, há
que reconhecer que toca no vivo ao descobrir provas do que pensa ele que é farsa e embuste,
bem como ao fazer inferências desde o comportamento a motivos dos que os atores da farsa
talvez não sejam conscientes. Em outras palavras, sua pintura da sociedade, embora parcial sem
dúvida alguma, lhe acredita de bastante penetração psicológica. Por exemplo, as frequentes
declarações de tantos políticos envelope que o único interesse que lhes guia é o bem-estar do
povo costumam suscitar ondas de escepticismo em pessoas que nunca ouviram falar de Fourier.
<<

[120]
Quatro movimentos, p. 332; Unidade universal, II, p. 217. <<

[121]
Quatro movimentos, p. 29. <<

[122]
Greve dizer que por “paixão” não entende Fourier algo excessivo e desordenado, como
quando dizemos que alguém é arrastado ou se deixa levar por uma paixão irresistible. <<

[123]
O número ideal seria, segundo Fourier, o de 1620, pois facilitaria todas as combinações das
treze paixões básicas. <<

[124]
A família se conservaria na falange. Mas o livre relaxamento da paixão “borboleta” suporia
a abolição dos tabus com respeito à fidelidade conyugal. <<

[125]
Fourier recomendava muito a “gastrosofía”. <<

[126]
Sobre D’Alembert veja-se o vol. VI desta História, pp. 52-55. <<

[127]
Em 1823 Saint-Simon tentou suicidar-se. <<

[128]
Oeuvres complètes de Saint-Simon et Enfantin (Paris, 1865-1876), X, pp. 104-105. <<

[129]
Ibid., XI, p. 40. <<

[130]
O termo “sociologia” prove de Comte mais bem que de Saint-Simon. <<

[131]
Oeuvres, XI, p. 17. <<

[132]
Saint-Simon faz questão da importância da observação e do experimento. Como é óbvio,
experimentar, no sentido que se dá a este termo em química, mal é possível em astronomia. Mas
pode ser entendido também o termo em um sentido amplo. E hoje em dia a situação é já muito
diferente do que era na época de Saint-Simon. <<
[133]
Vem-nos aqui à memória o famoso bilhete da introdução de Hume a sua Treatise no que
contempla o assentamento da ciência do homem sobre um sólido fundamento de experiência e
observação. <<

[134]
Veja-se, por exemplo, o que diz E. Bréhier no sexto volume de seu Histoire da philosophie,
na trad. inglesa de Wade Baskin: The Nineteenth Century: Period of Systems, 1800-1850
(Chicago e Londres, 1968), p. 267. <<

[135]
Sobre Turgot e Condorcet, cf. vol. VI desta História, pp. 62 e ss. e pp. 66-69. <<

[136]
Saint-Simon considera o período medieval como uma fase necessária da evolução histórica
e, por isso, simpatiza pouco com a tendência do século XVIII a desprezar a Idade Média como
um período de escuridão. <<

[137]
Sem que se siga disso que Saint-Simon tivesse à Igreja e à nobreza feudal por parasitas da
sociedade medieval. Esta era, para ele, “orgânica”, e em sua opinião a nobreza feudal e a Igreja
desempenhavam funções úteis em tal sociedade. Como também não à religião a tinha
simplesmente por superstição nociva, senão mais bem por uma necessidade histórica, embora a
seu julgamento as crenças religiosas estavam destinadas a ser substituídas pelo saber científico.
<<

[138]
Oeuvres, V, p. 78. <<

[139]
É óbvio que aqui o termo “fisiólogos” deve ser entendido no sentido em que o emprega
Saint-Simon de especialistas na ciência do homem. A esta segunda câmera lhe corresponderia
também a função de controlar a educação. <<

[140]
Por aquele então Proudhon leu muitos livros de teología e aprendeu o grego e o hebreu.
Posteriormente chegaria a dizer que é um dever do pensador e de todo homem livre expulsar de
sua mente a ideia de Deus. <<

[141]
Julgando-se que suas ideias eram difíceis de seguir, Proudhon foi absolvido. <<

[142]
Sobre Montesquieu cf. vol. VI desta História, pp. 22-27. <<

[143]
Nunca teve Proudhon um conhecimento profundo de Hegel. Nem faz muito ao caso discutir
o grau de sua fidelidade ao pensamento hegeliano. O único que parece verdadeiro nesta questão
é que se inspirou algo no que ele mesmo lia e no que lhe disseram alguns hegelianos de esquerda.
<<

[144]
É possível que Marx tomasse esta expressão de Proudhon mesmo. <<

[145]
Proudhon não confiava grande coisa nas revoluções políticas. O que queria era que tivesse
mudanças econômicos. <<
[146]
O regime carcelario não foi para com ele nada duro: deixou-se-lhe às vezes em liberdade
condicional baixo palavra e permitiu-se-lhe escrever. <<

[147]
Qu’est-ce que a propriété? (Paris, 1840). Trad. inglesa por B. Tucker, What is Property?,
p. 131. <<

[148]
Théorie da propriété, p. 16. <<

[149]
Ibid., p. 144. <<

[150]
Idée générale da révolution, p. 125. <<

[151]
Ibid. <<

[152]
Manuel du spéculateur à a Bourse, 1857, p. 499. <<

[153]
O princípio federativo, p. 278. <<

[154]
Teoria da propriedade, p. 28. <<

[155]
O princípio federativo, p. 315. <<

[156]
Correspondence, IV, p. 157. <<

[157]
Justice, I, p. 233. <<

[158]
Correspondence, IV, p. 158. <<

[159]
Se consideramos o conjunto dos escritos de Proudhon, parece que há momentos nos que
supõe que é seguro o progresso histórico, enquanto outras vezes diz com bastante clareza que
não é tão seguro. Mas quiçá trate-se não tanto de inconsistencia quanto de evolução em sua
maneira de pensar e de que passa a fazer questão da liberdade do homem, capaz de resolver seus
problemas sociais quando os compreende. <<

[160]
Veja-se, por exemplo, a obra de J. Plamenatz, Man and Society, vol. 2.°, p. 42. <<

[161]
“Clássico” assim que diferente do neo-positivismo ou positivismo lógico do século XX. <<

[162]
Para as necessárias matizaciones deste ponto de vista cf. pp. <<

[163]
Incluído em Opuscules de philosophie sociale, 1819-1828, publicados em 1883. <<

[164]
Consta suficientemente, pelo que o mesmo Comte diz, que seu amor a Madame de Vaux
lhe influiu em sua ideia da religião da humanidade. Mas disso não se segue que a humanidade,
como objeto de devoción, seja simplesmente Madame de Vaux extrapolada e sublimada. Embora
recusasse as crenças teológicas tradicionais, Comte admirava a chamada Idade da Fé, e desejava
dar ao humanismo uma dimensão religiosa. <<

[165]
Cours de philosophie positive (2.ª ed., Paris, 1864), I, p. 5. A esta edição nos remeteremos
nas notas empregando a sigla CPP. <<

[166]
Ibid. <<

[167]
Ibid. <<

[168]
A obra de D’Holbach Lhe bon sens, ou idées naturelles opposées aux idées surnaturelles
foi publicada em Amsterdã em 1772. <<

[169]
Veja-se: Comte, Discours sul l’esprit positif, section 34. <<

[170]
Ibid., sect. 10. <<

[171]
CPP., I, p. 11. <<

[172]
Com isto queremos dizer que sua teoria não era inteiramente nova. Já prestámos atenção
aos predecessores de Comte. <<

[173]
Em seu De Motu combateu Berkeley a ideia de que tivesse realidades ou entidades
correspondentes a termos abstratos como “atração”, “força” ou “gravidade”. Tais termos,
segundo Berkeley, tinham sua utilidade como “hipóteses matemáticas”; mas era um erro pensar
que substituíam a umas entidades abstratas correspondentes. A opinião que Berkeley combatia
é um bom exemplo do que entendia Comte por metafísica ao falar do estádio metafísico no
desenvolvimento do pensamento humano. <<

[174]
A ideia de que a sociedade industrial fosse uma sociedade pacífica não era indiscutible para
os socialistas franceses. Na segunda metade do século XIX Herbert Spencer defendeu o mesmo
ponto de vista. <<

[175]
CPP., V. p. 24. <<

[176]
Ibid., p. 33. <<

[177]
CPP., I, p. 83. Por exemplo, a química apoia-se no experimento, enquanto a astronomia ate-
se mais à observação: não é possível apartar de seu curso a um corpo celeste para pesquisar o
efeito desta ação. <<

[178]
Ibid., p. 56. <<

[179]
CPP., I, p. 99. <<
[180]
Ibid., p. 65. <<

[181]
Este é, evidentemente, um ponto de vista aristotélico. <<

[182]
CPP., I, p. 103. Comte trata de combinar seu critério de que toda ciência versa sobre
fenômenos com o reconhecimento da natureza abstrata das matemáticas. <<

[183]
Ibid., p. 104. <<

[184]
Ibid. <<

[185]
Ibid., p. 109. <<

[186]
Ibid., p. 122. <<

[187]
CPP., I, p. 44. <<

[188]
CPP., IV, p. 37. <<

[189]
Système de polifique positive (1825), II, p. 1. — Para referir a esta obra usaremos em adiante
a sigla Pol. <<

[190]
Ibid., p. 2. <<

[191]
Ibid. <<

[192]
Ibid. <<

[193]
CPP., IV. p. 37. <<

[194]
Pol., III, p. 72. <<

[195]
Ibid. <<

[196]
Ibid., IV, p. 106 (do Adendo Geral). <<

[197]
Ibid., p. 109. <<

[198]
Como se vê, a Saint-Simon não se lhe outorga o devido reconhecimento. <<

[199]
CPP., I, p. 16. <<

[200]
Pol., IV, p. 112 (do Adendo Geral). <<

[201]
Ibid., III, p. 63. <<
[202]
Ibid. <<

[203]
Ibid., p. 67. <<

[204]
CPP., IV, p. 220. <<

[205]
Ibid., p. 226. <<

[206]
Ibid., p. 249. <<

[207]
Pol., IV, p. 93 (do Adendo Geral). <<

[208]
Uma situação análoga encontramo-la na filosofia marxista: dá-se local à atividade
revolucionária e ao planejamento social; mas a atividade revolucionária o único que pode fazer
é acelerar a chegada do que de todos modos chegará. <<

[209]
Pol., I, p. 361. <<

[210]
Ibid. <<

[211]
Ibid., II, p. 65 <<

[212]
Para as críticas de Mill a Comte, veja-se sua Auguste Comte and Positivism (1865). O que
pensava da religião da humanidade se acha em suas Three Essays on Religion (1874). A
correspondência de Mill com Comte foi publicada. <<

[213]
No próximo capítulo falaremos dos seguidores franceses de Comte. Uma breve menção de
seus discípulos ingleses fizemo-la no vol. VIII desta História, pp. 118 e ss. <<

[214]
The Catechism of Positive Religion, trad. inglesa de R. Congreve (3. ª ed., 1891), p. 45. <<

[215]
Ibid., p. 45. <<

[216]
Ibid., p. 55. <<

[217]
Pol., IV, p. 35. <<

[218]
Ibid., II, p. 60. <<

[219]
CPP., VI, p. 600. Comte cita-se aqui a si mesmo, de um escrito seu anterior. <<

[220]
No entanto, segundo Comte, são “nossos metafísicos” quem reduzem a humanidade aos
indivíduos, considerando-os em abstração do total. <<
[221]
O London Committee foi uma escisión do grupo originario dos comtianos ingleses, dirigido
por Richard Congreve (1818-1899). Os dois grupos voltaram a unir-se mais adiante. <<

[222]
Seu Dictionnaire de de médecine saiu ao público em 1855. <<

[223]
Dictionnaire da langue française (4 vols., 1863-1872). <<

[224]
Auguste Comte et a philosophie positive, p. 1 (prefacio). — Nas notas seguintes nos
referiremos a esta obra com a sigla AC. <<

[225]
Intitulado Préface d’um disciple. <<

[226]
AC, p. 38. <<

[227]
Littré minimizou a influência de Saint-Simon sobre Comte. E negou que Comte fosse nunca
em realidade sansimoniano. <<

[228]
AC, p. 105. <<

[229]
Ibid., p. 106. <<

[230]
AC, p. 107. Littré refere-se a questões como as da origem e o fim ou destino último das
coisas. <<

[231]
Ibid. <<

[232]
CPP., I, p. IX (Préface d’um disciple). <<

[233]
Também Bertrand Russell sustentou, ocasionalmente desde depois, que um dos cometidos
da filosofia é manter viva a sensibilidade para certos problemas importantes que, no entanto,
seriam, em sua opinião, insolubles. <<

[234]
Isto é, as necessidades do homem social ou da colectividad humana e não as do indivíduo
assim que tal. <<

[235]
AC, p. 536. <<

[236]
AC, p. 562. <<

[237]
AC, p. 524. <<

[238]
Ibid., Littré não simpatizaba nada com o panteísmo. <<

[239]
AC. p. 579. <<
[240]
Ibid., p. 677. <<

[241]
Ibid. <<

[242]
CPP., VI, p. XXXIV (Préface d’um disciple). <<

[243]
Ibid., p. XLVIII. <<

[244]
Introduction, p. 387. <<

[245]
Introduction, p. 69 <<

[246]
Introduction, p. 151. <<

[247]
Esta atividade docente teve de interrompê-la cedo, em consequência de sua clara negación
da divinidad de Jesucristo. Mas retomou seu docencia após 1870 e em 1878 foi eleito membro
da Academia Francesa. <<

[248]
Renan tendia a gloriarse desta falta de consistência, baseando-se em que só quem recorra a
hipóteses muito diferentes pode confiar em chegar a descobrir a verdade sequer seja uma vez na
vida. <<

[249]
Souvenirs d’enfance et de jeunesse (2.ª ed., 1883), p. 337. <<

[250]
Dialogues (1876), p. 246. <<

[251]
Ibid., pp. 321-322. <<

[252]
Ibid., p. 326. <<

[253]
Em uma carta do mês de agosto de 1862, dirigida a Adolphe Guéroult, escreveu Renan que
para crer no Deus vivo não tinha mais que “acatar em silêncio a imperiosa revelação de meu
ânimo” (Dialogues, p. 251), frase na que se percebem reminiscências de Rousseau. <<

[254]
Incluísse esta carta em Dialogues , pp. 153-191. <<

[255]
Vacherot (1809-1897) sustentava a opinião de que a metafísica podia ser convertido em
uma ciência. A réplica de Renán está reproduzida em Dialogues . <<

[256]
Dialogues, p. 282. <<

[257]
Ibid., p. 283. <<

[258]
Ibid., p. 284. <<
[259]
Ibid., p. 175. <<

[260]
Ibid., p. 290 <<

[261]
Ibid., p. 292. <<

[262]
Ibid., p. 292. <<

[263]
Ibid., p. 304. <<

[264]
Renan emprega o termo “ciência” em vários sentidos. Às vezes com o significado de
conhecimento; outras vezes, com o de ciências naturais; e outras incluindo também as ciências
históricas. <<

[265]
Por exemplo, “toda frase que se aplique a um objeto infinito é um mito” (Dialogues, p.
323). <<

[266]
Dialogues, p. 252. <<

[267]
1863-1864. Há uma tradução ao inglês feita por H. vão Laun (Edinburgh, 1873). <<

[268]
Reeditada, com ampliações, em 1880. <<

[269]
Traduzida já em 1871 ao inglês por T. D. Hayes: Intelligence (Londres). <<

[270]
Se entendemos por “positivismo” uma filosofia que exclui explicitamente a metafísica, é
evidente que fica excluído, por definição, qualquer tentativa de combater o positivismo com a
metafísica, ainda que pensemos que o positivismo implica uma metafísica no sentido de uma
teoria a respeito do ser (digamos, por exemplo, a do esse est percipi vel percipi posse).Mas Taine
mesmo, evidentemente, não considerava que as tendências empiristas de seu pensamento
excluíssem já desde o começo o tipo de metafísica que ele contemplava. <<

[271]
Esta obra levou depois por título Lhes philosophes classiques. <<

[272]
Lhe positivisme anglais, p. 102. <<

[273]
Ibid., p. 110. <<

[274]
Pelo jeito, Taine pensa que Hegel tenta deduzir até os indivíduos, pretensão que, de fato, o
filósofo alemão declarou que nada tinha que ver com ele, apesar de suas observações a respeito
dos planetas. <<

[275]
Lhe positivisme anglais, p. 147. <<

[276]
Ibid., p. 148. <<
[277]
Ibid., p. 114. <<

[278]
De l’intelligence, I, p. 6. <<

[279]
Derniers essais de critique et d’histoire, p. 199. <<

[280]
Lhe positivisme anglais, p. 114. Taine está de acordo com Mill em que há que introduzir a
noção de sensações possíveis. <<

[281]
De l’intelligence, I, p. 339. <<

[282]
Lhe positivisme anglais, p. 115. <<

[283]
Ibid., p. 116. <<

[284]
Ibid., p. 116. <<

[285]
Ibid., p. 124. <<

[286]
Ibid., p. 125. <<

[287]
Lhe positivisme anglais, p. 137. <<

[288]
Ibid., p. 138. <<

[289]
The French Philosophers of the Nineteenth Century, p. 371. <<

[290]
Veja-se, por exemplo, Essais de critique et d’histoire, p. XXIV. <<

[291]
Lhes philosophes français du dix-neuvième siècle, p. X. <<

[292]
Claro que os positivistas costumavam assegurar que do que se tratava, mais que de desterrar
da ciência à causalidad, era de interpretar o relacionamento causal. A opinião de Taine nesta
matéria era obviamente expressão de um modo não empirista de entender o relacionamento
causal. <<

[293]
Lhes philosophes français, p. 363. <<

[294]
Durkheim estava persuadido de que a sociologia se tinha desenvolvido principalmente na
França. Estimava em pouco a originalidad de J. Séc. Mill neste campo, mas valorizava a
contribuição de Herbert Spencer, embora com certas reservas, segundo indicaremos no texto.
<<
[295]
Trad. ao inglês com o título de The Division of Labour in Society por G. Simpson (Glencoe,
Illinois, 1952). <<

[296]
Trad. ao inglês com o título de The Rules of Sociological Method por Séc. A. Solovay e J.
H. Mueller (Glencoe, Illinois, 1950). <<

[297]
Trad. ao inglês com o título de Suicide por J. A. Spaulding e G. Simpson (Glencoe, Illinois,
1951) <<

[298]
Trad. ao inglês com o título de The Elementary Forms of the Religious Life por J. W. Swain
(Londres, 1915). <<

[299]
Trad. ao inglês como Sociology and Philosophy por D. F. Pocock (Londres e Glencoe,
Illinois, 1953). <<

[300]
Trad. ao inglês como Moral Education por H. Schnurer e E. K. Wilson (Glencoe, Illinois,
1961). <<

[301]
Trad. ao inglês como Professional Ethics and Civic Morals por C. Brookfield (Londres,
1957). <<

[302]
Veja-se, por exemplo, o primeiro capítulo (Que é um fato social?) das regras do método
sociológico. <<

[303]
Da Sociologia ed il suo domínio scientifico (1900). Citado da tradução inglesa realizada por
K. H. Wolff em Essays on Sociology and Philosophy, ed. por K. H. Wolff (Nova York, 1960),
p. 363. <<

[304]
Em um artigo publicado em 1915, na Science française, diz Durkheim que a lei de Comte
dos três estádios tem “só um interesse histórico”. Veja-se Essays on Sociology and Philosophy
(cf. nota 83), p. 378. <<

[305]
Nas regias do método sociológico (pp. 20 e ss. da trad. inglesa; cf. supra, nota 76) refere-se
Durkheim ao uso que faz Spencer da ideia de cooperação a tomando por base para classificar as
sociedades. <<

[306]
Veja-se, por exemplo, a conclusão das regras do método sociológico. <<

[307]
Este ensaio, publicado pela primeira vez na Revue de métaphysique et de morale em 1898,
foi incluído depois em Sociologie et philosophie, pp. 1-34 [da trad. inglesa citada na nota 79].
<<

[308]
Essays on Sociology and Philosophy (cf. nota 83), p. 325. <<

[309]
Ibid., p. 29. <<
[310]
Ibid., p. 325. <<

[311]
Da division du travail social (p. 399 da trad. inglesa; cf. nota 75.) <<

[312]
Forme-lhes élementaires da vie religieuse (p. 423 da trad. inglesa; cf. nota 78). <<

[313]
Da division du travail social (p. 396 da trad. citada). <<

[314]
Ibid., p. 361. <<

[315]
Veja-se, por exemplo, o artigo de Durkheim L’année sociologique, vol. X (1905-1906), no
que discute trabalhos de Fouillée, Belot e Landry. <<

[316]
Veja-se, por exemplo, Sociology and Philosophy, pp. 59 e ss. <<

[317]
Da division du travail social (trad. citada, p. 35). <<

[318]
Sociology and Philosophy, p. 61. <<

[319]
Ibid., p. 60. <<

[320]
Forme élémentaires da vie religieuse (trad. cit., p. 47). <<

[321]
Ibid., p. 44. <<

[322]
Ibid., p. 45. <<

[323]
Ibid., p. 2. <<

[324]
Division of Labour inSociety , p. 285. <<

[325]
Sociology and Philosophy, p. 52. <<

[326]
Veja-se L’éducation morale, p. 6. <<

[327]
Division of Labour inSociety , p. 143, <<

[328]
Elementary Forms of the Religious Life, p. 427. <<

[329]
Ibid., p. 3. <<

[330]
Ibid., p. 3. <<

[331]
Ibid., p. 2. <<
[332]
Esta opinião expô-la em Lhes fondamentales dans lhes sociétés inférieures (1910). Outros
escritos seus pertencentes ao campo antropológico foram A mentalité primitive (1921) e L âme
primitive (1927). Embora como mais se lhe conhece é como antropólogo, Lévy-Bruhl ensinou,
de fato, filosofia na Sorbona desde 1899 até 1927. <<

[333]
The “Soul” of the Primitive (L’âme primitive), trad. inglesa de L. A. Clare (Londres, 1928),
p. 19. <<

[334]
Traduzida ao inglês como Ethics and Moral Science, por E. Lê (Londres, 1905). <<

[335]
Ethics and Moral Science, p. 160. <<

[336]
Tradução inglesa, por M. M. Moore, An Essay on the Foundations of Our Knowledge (Nova
York, 1956). Como a obra está dividida em seções numeradas consecutivamente, a citaremos
pondo Essai e o número da seção que corresponda. <<

[337]
Essai, secc. 323. <<

[338]
Ibid., secc. 325. <<

[339]
Ibid., secc. 325. <<

[340]
Ibid., secc. 26. <<

[341]
Ibid., secc. 325. <<

[342]
As ideias de ordem e de razão das coisas estão, para Cournot, estreitamente relacionadas.
Ambas são, efetivamente, “a mesma ideia baixo duas feições diferentes”. Essai, secc. 396. <<

[343]
Ibid., secc. 142. <<

[344]
Ibid., secc. 35. <<

[345]
Ibid., secc. 51. <<

[346]
Ibid., secc. 29. <<

[347]
Para Cournot é de sentido comum que há séries de acontecimentos independentes una de
outras ou relacionadas só extrínsecamente. Essai, secc. 30. <<

[348]
A ideia da casualidade como fator objetivo no universo se acha também na filosofia do
norte-americano Ch, Séc. Peirce. Veja-se o vol. VllI desta História, pp. 313-314. <<

[349]
Essai, secc. 36. <<
[350]
Ibid., secc. 129. <<

[351]
Ibid., secc. 130. <<

[352]
Ibid., secc. 36. <<

[353]
Traité, I, secc. 226. <<

[354]
Essai, secc. 71. <<

[355]
Manuel de philosophie moderne e Manuel de philosophie ancienne. <<

[356]
Manuel républicain de l’homme et du citoyen. <<

[357]
O título completo é Uchronie, l’utopie dans l’histoire. Esquisse historique du
développement da civilisation européenne, tel qu’il n’a pas été, tel qu’il aurait pu être. <<

[358]
Os dilemas da metafísica pura e História e solução dos problemas metafísicas. <<

[359]
Lhe personnalisme, suivi d’une étude sul a perception externe et sul a force. <<

[360]
Doctrine de Kant, p. 3. <<

[361]
Renouvier traduziu, em colaboração com F. Pillon, o Treatise of Human Nature de Hume
ao francês; e pensava que Hume fazia bem eliminando o conceito de substância tal como o
expunha Locke. <<

[362]
A palavra “fenômeno” vem a sugerir, segundo reconhece-o Renouvier, a ideia de aparência
de uma realidade que não é ela mesma aparente. Mas para Renouvier o fenômeno é
simplesmente a coisa assim que que aparece ou é capaz de aparecer. <<

[363]
Veja-se o vol. VI desta História, pp. 272 e ss. <<

[364]
Recordando a filosofia medieval podemos dizer que Renouvier estaria de acordo com San
Buenaventura, quem manteve que era demostrable a imposibilidad de que tivesse uma série
infinita. Veja-se o vol. II desta História, pp. 263-265 e 358-359. <<

[365]
Doctrine de Kant, p. 164. <<

[366]
Em opinião de Renouvier, esta tentativa de que tenha em todo dois caminhos é uma mostra
mais do menosprecio em que tem Kant o princípio de não-contradição. Quanto à insistencia de
Renouvier em que o homem é livre como fenômeno, se advirta que o que com isso quer dizer é
que o homem, tal como nós o experimentamos, é livre. Por suposto que, ao expressar deste
modo, não está pensando Renouvier na distinção kantiana entre fenômeno e coisa-em-si,
distinção que, segundo vimos, ele recusa. <<
[367]
Essais, II, p. 466. <<

[368]
Como Leibniz, Renouvier tinha um agudo sentido de diferenciación. E em 1899 publicou,
em colaboração com L. Prat, uma obra titulada A nouvelle monadologie (A nova monadología).
<<

[369]
A science da morale, II, cap. 96. <<

[370]
A science da morale, I, p. 10. <<

[371]
Em 1879 publicou Renouvier um Petit traité de morale pour lhes écoles laïques (Tratadito
de moral para as escolas laicas). <<

[372]
Referimo-nos naturalmente às doutrinas do Absoluto. <<

[373]
Editado por P. Mouy (1927). <<

[374]
Lhe système de Renouvier, p. 2. <<

[375]
Syst. de Renouvier, p. 114. <<

[376]
Essai, p. 1. <<

[377]
Ibid., p. 2. <<

[378]
Ibid., p. 31. <<

[379]
Ibid., p. 266. <<

[380]
Ibid., p. 267. <<

[381]
Ibid., p. 15. <<

[382]
Syst. de Renouvier, p. 50. <<

[383]
Essai, p. 15. <<

[384]
Ibid., p. 272. <<

[385]
Ibid., p. 279. <<

[386]
Ibid., p. 363. <<

[387]
Ibid., p. 269. <<
[388]
Ibid., p. 269. <<

[389]
Ibid., p. 269. <<

[390]
Como o vocablo alemão Geist, o francês esprit é de difícil tradução. Tanto “mente” como
“espírito” têm seus desventajas. <<

[391]
Essai, p. 269. <<

[392]
Ibid., p. 370. <<

[393]
A liberdade é definida por Hamelin como “a síntese da necessidade e a contingencia”; e
ação livre diz que é “o mesmo que ação motivada”. Ibid., p. 310. <<

[394]
A segunda edição da modalité du jugement apareceu em 1934. A terça, alargada com uma
tradução francesa da tese latina sobre o valor metafísico do silogismo segundo Aristóteles, foi
publicada em Paris em 1964. <<

[395]
A modalité du jugement (ed. de 1964), p. 2. <<

[396]
Ibid., p. 4. <<

[397]
L’idéalisme contemporain (1905), p. 5. <<

[398]
Ibid., p. 176. <<

[399]
A modalité du jugement, p. 40. <<

[400]
Segundo Brunschvicg, é a inteligência a que determina o objeto. O dado no “choque” é
completamente indeterminado. Todo julgamento perceptivo implica interioridad e exterioridad.
<<

[401]
Como o é também, por suposto, o mundo do sentido comum ou da consciência precientífica.
Ambos são reais. <<

[402]
Lhe progrès da conscience, p. 796. Em 1939 publicou Brunschvicg A raison et a religion.
<<

[403]
Ibid., p. 705. <<

[404]
Cf. Letter (trad. inglesa de A. Dru e I. Trethowan, Londres, 1964), p. 150. <<

[405]
Há uma edição, aparte, de Testament philosophique et fragments, publicada por C.
Devivaise (Paris, 1932). <<
[406]
De l’habitude, p. 28 (Revue de métaphysique et de morale, XII, 1894). <<

[407]
Segundo Ravaisson, no inorgánico não pode ter hábitos propriamente ditos. <<

[408]
De l’habitude, p. 34. <<

[409]
E, por certo, em alguns pontos é bastante notoria a influência de Aristóteles. <<

[410]
A pensée et lhe mouvant. Essais et conférences, p. 296 (3.ª ed., 1934). <<

[411]
Por R. Berthelot. <<

[412]
A pensée o lhe mouvant, p. 291. <<

[413]
Ibid., p. 317. <<

[414]
Ibid., p. 303. <<

[415]
De natura syllogismi (1871). <<

[416]
Oeuvres de Jules Lachelier (Paris, 1933). <<

[417]
Oeuvres, I, p. 21. <<

[418]
Ibid., p. 25. <<

[419]
Ibid., p. 27. <<

[420]
Ibid., p. 27. <<

[421]
Ibid., p. 48. <<

[422]
Ibid., p. 51. <<

[423]
Ibid., p. 68. <<

[424]
Ibid., p. 92. <<

[425]
Ibid., p. 219. <<

[426]
No estudo da “consciência sensível” tem a fisiología seu próprio campo, o qual, segundo
Lachelier, é o das leis que regem a sucessão dos diferentes estados <<

[427]
Ibid., II, p. 221. <<
[428]
Ibid., I, p. 218. <<

[429]
Ibid., II, p. 210. <<

[430]
Ibid., II, p. 201. <<

[431]
Ibid., p. 56. <<

[432]
Ibid., I. p. 92. <<

[433]
Ibid., I, p. XVI. <<

[434]
Ibid., II, p. 171. <<

[435]
Traduzida por F. Rothwell, The Contingency of the Laws of Nature (Londres, 1916). <<

[436]
Traduzida por F. Rothwell, Natural Law in Science and Philosophy (Londres, 1914). <<

[437]
Traduzida por J. Nield, Science and Religion in Contemporary Philosophy (Londres, 1909).
<<

[438]
Publicada em 1897, foi traduzida ao inglês por F. Rothwell, Historical Studies in Philosophy
(Londres, 1912). <<

[439]
The Contingency of the Laws of Nature, p. VI. <<

[440]
Ibid., p. 4. <<

[441]
Ibid., p. VII. <<

[442]
Ibid., p. 7. <<

[443]
Boutroux recusa a ideia de que tenha de se cumprir necessariamente fim algum ou de que,
dado um fim, os meios estejam necessariamente determinados. Restringe, pois, o campo da
investigação aos relacionamentos de causalidad eficiente. <<

[444]
Ibid., p. 23. <<

[445]
Ibid., p. 24. <<

[446]
Ibid., p. 30. <<

[447]
Alguns sustentam que pode ter e há o que em terminología kantiana seria clasificable como
proposições sintéticas a priori. <<
[448]
A nature et l’esprit, p. 27. As palavras “destinei à nous procurer” foram traduzidas por “cujo
cometido é nos proporcionar”. <<

[449]
Science and Religion in Contemporary Philosophy, trad. por J. Nield (Londres, 1909), p.
249. <<

[450]
A nature et l’esprit, p. 15. <<

[451]
Science et Religion, p. 365. <<

[452]
Ibid., p. 365. <<

[453]
A nature et l’esprit, p. 15. <<

[454]
Ibid., p. 37. <<

[455]
Ibid., p. 37. <<

[456]
The Contingency of the Laws of Nature, p. 192. <<

[457]
Science et Religion, p. 378. <<

[458]
Ibid., p. 378. <<

[459]
Ibid., p. 400. <<

[460]
Ibid., p. 397. Boutroux refere-se aqui ao “misticismo ativo”, não ao que chama ele “uma
forma abstrata e estéril do misticismo” (ibid.). <<

[461]
Dantes de pertencer ao quadro de professores da École Nórmale, ensinava Fouillée nos
liceos de Douai e Montpellier e na Universidade de Burdeos. Retirou-se da École Nórmale por
motivos de saúde. <<

[462]
Certamente T. H. Huxley propôs uma teoria epifenomenista da consciência. Mas fez questão
de que não era sua intenção identificar a atividade mental com os processos físicos de que
depende, e se opôs a que se lhe qualificasse de “materialista”. Cf. vol. VIII desta História, pp.
110-113. <<

[463]
Para Fouillée uma ideia é uma ideia concebida conscientemente. <<

[464]
Esta tese é comparável com a de Josiah Royce do “significado interno” de uma ideia,
descrito por ele como “o cumprimento parcial de um fim”. Cf. vol. VIII desta História, p. 267.
<<
[465]
Libertei-a et lhe déterminisme (4. ª ed.), p. 51. <<

[466]
A psychologie dê idées-forces, II, p. 85. <<

[467]
Trad. ao inglês por G. Kapteyn como A Sketch of Morality Independent of Obligation or
Sanction (Londres, 1898). <<

[468]
Trad. ao inglês como The Non-Religion of the Future (Londres, 1897; reimpr. em Nova
York, 1962). <<

[469]
Trad. ao inglês por W. J. Greenstreet como Education and Heredity (Londres, 1891). <<

[470]
O ensaio de Guyau sobre o tempo foi publicado pela primeira vez em 1885 na Revue
philosophique. Sua nova publicação, póstuma — a base de um manuscrito com ampliações —,
por A, Fouillée, foi reseñada por Bergson na Revue philosophique (1891). <<

[471]
Esquisse, p. 250. <<

[472]
Ibid., p. 10. <<

[473]
Ibid., p. 24. <<

[474]
Ibid., p. 87. <<

[475]
Não está nada clara o relacionamento preciso entre Guyau e Bergson. Por exemplo, embora
o tratamento do tempo por Guyau é psicológico e menos metafísico que o de Bergson, há
algumas frases que aparecem em forma quase idêntica nos escritos de Bergson. No entanto este
sustentava que as frases as tomou de sua própria obra Essai sul lhes données immédiates da
conscience (1889) quando Fouillée estava preparando a publicação póstuma daquele escrito de
Guyau sobre o tempo. <<

[476]
Em Clermont-Ferrand também deu classes Bergson na Universidade. <<

[477]
Em 1921, por razões de saúde, Bergson teve de confiar suas classes a Édouard Lhe Roy,
quem em 1924 lhe aconteceria formalmente na catedra. Em 1891 tinha-se casado Bergson com
Louise Neuberger, prima de Marcel Proust. <<

[478]
Conta-se que para poder assistir às classes de Bergson era menester se fazer sítio e ocupar
o assento durante toda a classe precedente. <<

[479]
De fato parece ser que o nome de Bergson foi incluído na lista de franceses eminentes aos
que não devia ser molestado durante a ocupação alemã da França. <<

[480]
Trad. inglesa por F. L, Pogson (Londres e Nova York, 1910). <<
[481]
Matéria e memória. Trad. inglesa, por N. M. Paul e W. Séc. Palmer, como Matter and
Memory (Londres e Nova York, 1911). <<

[482]
Trad. inglesa, por G. C. Brereton e F. Rothwell, como Laughter. An Essay on the Meaniní
of the Comic (Nova York, 1910). <<

[483]
Trad. inglesa, por T. E. Hulme, como An Introduction to Metaphysics (Londres e Nova
York, 1912). <<

[484]
Trad. inglesa, por A. Mitchell, como Creative Evolution (Londres e Nova York, 1911). <<

[485]
A energia espiritual. Trad. inglesa, por H. Wildon Carr, como Mind-Energy (Londres e
Nova York, 1910). <<

[486]
Duração e simultaneidad. Segunda ed., com três adendos, 1923. <<

[487]
As duas fontes da moral e da religião. Trad. inglesa, por R. A. Audra e C. Brereton,
assistidos por W. Horsfall-Carter, como The Two Sources of Morality and Religion (Londres e
Nova York, 1935). <<

[488]
O pensamento e o moviente. Trad. inglesa, por M. L. Andison, como The Creative Mind
(Nova York, 1946). <<

[489]
A pensée et lhe mouvant (3. ª ed., 1934), p. 7. <<

[490]
Ibid., p. 7. <<

[491]
Ibid., p. 7. <<

[492]
Ibid., p. 35. <<

[493]
Ibid., p. 206. <<

[494]
Respondendo a críticas que interpretam a intuición como se consistisse em corazonadas ou
em sentimentos, diz Bergson que “nossa intuición é reflexão” (ibid., p. 109). Isto, tal como soa,
parece uma contradição nos termos. Mas pode que Bergson esteja pensando em parte da
“reflexão” de Maine de Biran, no imediato percatarse o sujeito da própria vida interior, ou seja,
em uma espécie de psicologia reflexiva. De todos modos, ainda que a intuición não seja de seu
reflexão, certamente Bergson pensa na mente do filósofo assim que que se apropria a intuición,
por assim o dizer, mediante um processo de reflexão que trata de se aproximar o mais possível
à intuición. <<

[495]
Nos casos de algumas intuiciones excecionais, como aquelas de que desfrutam os místicos,
o uso de imagens quiçá seja o melhor modo de dar alguma ideia do que são tais experiências.
<<
[496]
A pensée et lhe mouvant, p. 185. Bergson não quer dizer que não exista a realidade, senão
que esta é devir: persistindo o passado no presente, e sendo levado o presente para o futuro, todo
o processo é um contínuo inteiramente indivisible, no que só nossa inteligência efetua, para seus
próprios fins, separações ou divisões artificiais. <<

[497]
Ibid., p. 61. <<

[498]
Ibid., p. 35. <<

[499]
Ibid., p. 50. Neste contexto emprega Bergson o termo “metafísica” de um modo que recorda
o uso que dele fazia Maine de Biran. <<

[500]
Ibid., p. 54. <<

[501]
Ibid., p. 155. <<

[502]
Ibid., p. 156. <<

[503]
Ibid., p. 82. <<

[504]
Ibid., p. 83. <<

[505]
Ibid., p. 132. <<

[506]
Bergson declarou em uma entrevista (Mercure de France, 1914, p. 397) que ele não sabia
de antemão a que conclusões levariam suas premisas. <<

[507]
A pensée et lhe mouvant, pp. 121 e ss. <<

[508]
Time and Free Will, pp. XIX-XX. Citamos as páginas desta versão inglesa do Essai sul lhes
données immediates da conscience. <<

[509]
Ibid., p. XX. <<

[510]
Ibid., p. 95. <<

[511]
Pois as unidades individuais, que se concebe que se acontecendo umas a outras constituem
o tempo, não são senão “virtuais detenções ou interrupções do tempo” (A pensée et lhe mouvant,
p. 9). <<

[512]
Time and Free Will, p. XIX. <<

[513]
Em que medida lhe influíram a Bergson outros escritores, como por exemplo William
James, é matéria questionável. <<
[514]
Time and Free Will, p. 99. <<

[515]
Ibid., p. 100. <<

[516]
Ibid., p. 172. <<

[517]
Implica, a julgamento de Bergson, um figurar-se que o eu atravessa por um verdadeiro
número de estados diferentes e então oscila entre as duas sendas prefabricadas que ante ele se
abrem. <<

[518]
Time and Free Will, p. 220. <<

[519]
Ibid., p. 219. <<

[520]
Ibid., p. 231. <<

[521]
Ibid., pp. 231-232. <<

[522]
Ibid., p. 231. <<

[523]
Matter and Memory, p. VIII. <<

[524]
Ibid., p. 1. <<

[525]
Ibid., p. 80. <<

[526]
Ibid., p. XII. <<

[527]
Ibid., p. 170. <<

[528]
Ibid., p. 90. <<

[529]
Ibid., p. 92. <<

[530]
Ibid., p. XIII. <<

[531]
Ibid., p. XIII. <<

[532]
Ibid., p. 21. <<

[533]
Se objetará talvez que, tratando dos animais, teria que falar de sensação e não de percepción.
Mas Bergson não está disposto a considerar a sensação como mais fundamental que a
percepción. “Nossas sensações são a nossas percepciones o que a ação real de nosso corpo é a
sua ação possível ou virtual” (ibid., p. 58). A ação virtual precede à ação real. Uma ação real do
corpo manifesta-se dentro do mesmo em forma de sensações afectivas. Por exemplo, um animal
herbívoro percebe erva: quanto mais perto esteja a erva, mais tenderá a converter-se em ação
real a ação virtual prefigurada na percepción. A ação real vai naturalmente acompanhada de
sensação. <<

[534]
Ibid., p. 170. <<

[535]
Ibid., p. 325. <<

[536]
Ibid., p. 332. <<

[537]
Ibid., p. 294. <<

[538]
Este diz ser o erro do “dualismo ordinário” (ibid.). <<

[539]
Ibid., p. 299. <<

[540]
Ibid., p. 309. <<

[541]
Ibid., p. 315. <<

[542]
Segundo disse-se mais acima, a memória é, para Bergson, o ponto de interseção. Mas aqui
estamos falando da percepción concreta e consciente, na que estão sempre apresente as imagens
mnémicas, não do conceito limite da “percepción pura”. <<

[543]
Bergson vê em isto não tanto uma prova da imortalidade quanto a remoción de um
importante obstáculo para crer nela. <<

[544]
A expressão “uma explicação teleológica” deve ser entendido no sentido de uma explicação
da evolução que a represente como a progressiva realização de um plano preconcebido, como a
execução de um desígnio perfeitamente detalhado. Bergson dista muito de negar que há no
orgânico uma teleología inmanente. Nem exclui também não uma teleología geral que é
compatível com a emergência do novo. <<

[545]
Creative Evolutions p. 92. (Cita pela referida trad. inglesa.) <<

[546]
Ibid., p. 92. <<

[547]
Admite Bergson que o termino “organização” sugere o se juntar partes para formar um tudo.
Mas recalca que, em filosofia, deve ser dado ao termo um sentido diferente do que costuma lhe
lhe dar nos meios fabriles e nos cientistas. <<

[548]
Creative Evolution, p. 103. <<

[549]
Ibid., p. 112. <<
[550]
Ibid., p. 147. <<

[551]
Ibid., p. 147. <<

[552]
Ibid., p. 150. <<

[553]
Ibid., p. 146. <<

[554]
Ibid., p. 174. <<

[555]
Ibid., p. 171. <<

[556]
Segundo Bergson, o impulso vital não creia em realidade matéria, senão que estalla
criativamente através da matéria e se servindo dela. <<

[557]
Creative Evolution, p. 186. <<

[558]
Bergson descreve o instinto como “simpatia” (cf. ibid., p. 186). <<

[559]
Ibid., p. 186. <<

[560]
Ibid., p. 186. <<

[561]
Ibid., p. 188. <<

[562]
Ibid., p. 252. <<

[563]
Ibid., p. 255. <<

[564]
Ibid., p. 261 <<

[565]
Ibid., p. 287. <<

[566]
A pensée et lhe mouvant, p. 233. <<

[567]
Creative Evolution, p. 391. Bergson está falando da intuición, que, segundo ele, é a base da
filosofia e capacita ao filósofo para lhas ter com o devir em general. <<

[568]
A pensée et lhe mouvant. p. 157. <<

[569]
Creative Evolution, p. 275. <<

[570]
Ibid., p. 262. <<

[571]
Ibid., p. 262. <<
[572]
A pensée et lhe mouvant, p. 52. <<

[573]
Embora Bergson não foi de fato aluno de Lachelier, quando era ainda estudante leu o livro
deste sobre a indução, e gostava de considerar a Lachelier como um de seus maestros. <<

[574]
The Two Sources, p. 19. (Cita pela referida trad. inglesa.) <<

[575]
Não pensava Bergson que as leis da natureza fossem necesitantes em um sentido absoluto.
Em mudança, o cientista não falaria de uma lei da natureza a não ser que a concebesse
ejemplificada em todos e a cada um dos membros de uma classe de fenômenos. <<

[576]
The Two Sources, p. 6. <<

[577]
Ibid., p. 8. <<

[578]
Ibid., p. 13. <<

[579]
Ibid., p. 17 <<

[580]
“Aberta”, no sentido de que é essencialmente universal, aspirando a unir a todos os seres
humanos; “dinâmica” porque se esfuerza em mudar a sociedade e não só na conservar tal qual
é. <<

[581]
The Two Sources, p. 68. <<

[582]
Ibid., p. 68. <<

[583]
Observa Bergson que embora a razão pode convencer a uma pessoa de que promovendo a
felicidade dos demais promove a sua própria, custou séculos de cultura produzir um J. St. Mill,
e este “não convenceu a todos os filósofos: quanto menos à grande massa da humanidade” (ibid.,
p. 101). <<

[584]
Ibid., p. 101 Ocupa-se também Bergson do tabu e da magia; mas nós não podemos nos deter
aqui a examinar com ele estas questões. Limitaremos nossas notas ao que diz do politeísmo. <<

[585]
Ibid., p. 109. Adverte Bergson que ele não nega a imortalidade assim que tal, mas sustenta
que a imagem que tem o primitivo da vida de ultratumba é “alucinatoria”. <<

[586]
Acrescenta Bergson que uma consequência lógica do crer em potencia amigas é o achar
também em potências inimigas, adversas ou antagónicas. Mas, segundo ele, esta segunda crença
é derivativa e inclusive uma degeneração, pois o impulso vital é otimista (ibid., p. 117). <<

[587]
Ibid., p. 175. <<
[588]
Ibid., p. 188. <<

[589]
Ibid., p. 194. <<

[590]
Ibid., p. 206. <<

[591]
Ibid., p. 216. <<

[592]
Greve dizer que foram as longas reflexões de Bergson sobre o misticismo as que lhe
puseram a ponto de contemplar o se aderir formalmente ao catolicismo. <<

[593]
The Sources, p. 220. <<

[594]
Ibid., p. 218. <<

[595]
Ibid., p. 275. <<

[596]
Ibid., p. 227. <<

[597]
Em termos teológicos poderia quiçá dizer-se que são, para Bergson, de origem natural e de
origem sobrenatural respetivamente. <<

[598]
Isto é, a exercida por sua visão geral, tal como a difundiram seus escritos, até incluir A
evolução criadora. Entre 1907, ano em que foi publicada esta obra, e 1932, que é quando viram
a luz As duas fontes, teve um considerável hiato. Nesse intermédio mudava bastante o ambiente
intelectual. Pelo demais. As duas fontes patentizaron que Bergson se tinha ido aproximando ao
cristianismo bem mais do que pudesse ter esperado qualquer leitor da evolução criadora. <<

[599]
Antecipações de muitas das ideias de Bergson são fáceis de achar em filósofos franceses
anteriores a ele. Pelo que não faltam quem puseram em dúvida a originalidad de Bergson. Mas
isto é em realidade matéria própria dos historiadores. Para o público em general o pensamento
de Bergson foi indubitavelmente novo. <<

[600]
Lhe Roy interpretava as teorias e as leis científicas como ficções úteis, posibilitadoras da
ação eficaz na satisfação das necessidades humanas. Com seu Dogme et critique (Dogma e
crítica, 1906) deu uma versão pragmatista dos dogmas religiosos, considerando-os como meras
diretrizes para a ação moral. <<

[601]
Até que ponto lhe influíram a Bergson alguns filósofos alemães do século XIX, como
Schopenhauer e Eduard von Hartmann, foi matéria de disputas. Mas parece que toda sua
influência foi indireta, pela via do pensamento francês, mais bem que direta. <<

[602]
A versão latina deste trabalho era já apresentada como uma de seus disertaciones para obter
o grau de doutor. <<
[603]
A philosophie et lhe temps présent, p. 264. <<

[604]
Veja-se o vol. IV desta História, pp. 149-166. <<

[605]
Sobre Newman, veja-se o Adendo À o vol. VIII desta História. <<

[606]
Da certitude mora-lhe (3.ª ed., 1898), p. 22. <<

[607]
Ibid., p. 23 <<

[608]
Ibid., p. 65. <<

[609]
Ibid., p. 4. <<

[610]
Ibid., p. 3. Ollé-Laprune quer dizer que faz abstração da Revelação. <<

[611]
Ibid., p. 98. <<

[612]
Ibid., p. VII. <<

[613]
Ibid., p. VII. <<

[614]
Ibid., p. 79. <<

[615]
Ibid., p. 107. <<

[616]
Victor Delbos (1862-1916) chegou a ser professor na Sorbona e publicou estudos sobre
Spinoza, Kant e o idealismo alemão. Foi amigo de Blondel, com o que manteve correspondência.
<<

[617]
As reflexões preliminares de Blondel se encontrarão em suas Carnets intimes. <<

[618]
L’action. Essai d’une critique da vie et d’une science da pratique. Chegou a ter três versões:
a tese mesma, uma versão impressa e outra versão revisada e aumentada por Blondel. <<

[619]
De vinculo substantiali et de substantia composita apud Leibnitium. Uma versão francesa
titulada Une énigme historique: lhe “Vinculum substantiale” d’après Leibniz, saiu ao público
em 1930. <<

[620]
Estes dois longos ensaios, publicados respetivamente em 1896 e em 1904, apareceram, em
tradução ao inglês, com uma introdução, por Alexander Dru e Illeyd Trethowan (Londres, 1964).
<<

[621]
Lettres philosophiques, p. 71. <<
[622]
Lettre sul lhes exigences (ed. 1956), p. 54. (Trad. inglesa como Letter onApologetics , p.
171). <<

[623]
Lettres philosophiques, p. 34. O interesse pelo pensamento alemão estimularam-lho a
Blondel as lições de Boutroux e os estudos de seu amigo Delbos, bem como suas próprias
leituras. <<

[624]
A matemática, por exemplo, é uma disciplina autônoma. Mas os conceitos matemáticos
podem ser utilizados por um teólogo. E não porque se valha deles converte a teología em
matemática. <<

[625]
O que evidentemente lhe interessava a Blondel, como a San Agustín, era o homem concreto,
que, desde o ponto de vista da fé cristã, está chamado a um fim sobrenatural. Para Blondel, o
homem tal como é mostra uma necessidade do sobrenatural, de algo que trasciende seus próprios
poderes e para o qual no entanto aspira. <<

[626]
Em carta a Charles Denis, editor dos Anuais de philosophie chrétienne (Lettre sul lhes
exigences. p. 3). <<

[627]
Há vários livros que estudam estas feições. Por exemplo, o de J. J. McNeil, The Blondelian
Synthesis (Leiden, 1966) examina os nexos de Blondel com Spinoza, Kant e os grandes idealistas
alemães, e o de Peter Henrici, Hegel und Blondel (Munich, 1958) ocupa-se designadamente de
seu relacionamento com Hegel. Dados contribuídos pelo próprio Blondel se acharão em L
’itinéraire philosophique de Maurice Blondel, edit. por F. Lefèvre (Paris, 1928). <<

[628]
A julgamento de Blondel, a hostilidade de Lutero para com o racionalismo e a separação
por aquele propugnada entre a filosofia e a teología produziram o efeito prático de animar à
filosofia a se declarar independente e a invadir o campo da teología. <<

[629]
Blondel estava, por suposto, totalmente ao cabo do panteísmo de Spinoza e de seu
intelectualista interpretação do amor e da união com Deus. Mas ao referir-se aos filósofos do
passado Blondel interessa-se mais pelo que significam para ele que pela exégesis. <<

[630]
Por exemplo, Blondel simpatizaba bastante com a última filosofia da religião de Schelling,
embora considerava que a divisão entre filosofia negativa e filosofia positiva (ou entre filosofia
da essência e filosofia da existência) era algo que tinha que superar. <<

[631]
Em seus primeiros escritos, tais como a Carta sobre a apologética, fez Blondel alguns
comentários um tanto punzantes envelope os tomistas e envelope a Escolástica. Segundo
fizeram-no notar vários autores, o que o tinha então in mente era uma modalidade do tomismo
que não queria saber nada do pensamento moderno ou só o mencionava para o criticar, com
frequência caricaturizándolo, e para o que era suspeito de herejía qualquer filósofo católico que
se desviasse o mais mínimo das diretrizes de seu fechado sistema, As puyas de Blondel contra
o pseudofilosofar não seriam aplicáveis, por exemplo, a Maréchal, que tratou de fazer
precisamente uma das coisas que Blondel julgava necessárias: desenvolver uma linha de
pensamento kantiana que ultrapassasse a posição a que chegava o próprio Kant. Posteriormente
Blondel dedicou alguma maior atenção em seus estudos ao Aquinate e simpatizó mais com as
doutrinas deste. Os tomistas aos que Blondel criticou de um modo tão duro prestavam
obviamente escassa atenção ao espírito do Aquinate. <<

[632]
No caso de um filósofo da talha de Hegel não se tratava, por suposto, de encerrar toda a
realidade no âmbito do pensamento humano assim que tal. Hegel não foi um idealista subjetivo.
A realidade era para ele a autoexpresión do pensar absoluto, no que a mente humana participa,
pelo menos a certos níveis. Mas em opinião de Blondel o hegelianismo era, de fato, uma
apoteosis da razão humana. E o que Blondel queria era abrir a mente humana à Trascendencia,
não divinizar a razão do homem. <<

[633]
L’action, p. 99. <<

[634]
Ibid., p. XXI. <<

[635]
Lettres philosophiques, p. 84. <<

[636]
L’action, p. 55, p. 1. <<

[637]
Lettres philosophiques, p. 82. <<

[638]
L’action, p. 302. <<

[639]
Ibid., p. 356. <<

[640]
Como pode ser dito que o fez Nietzsche. <<

[641]
L’action, p. 354. <<

[642]
L’action, p. 426. <<

[643]
Ibid., p. 354. <<

[644]
Para um exame da posição de Blondel com respeito ao sobrenatural, veja-se o livro de Henri
Bouillard, Blondel et lhe christianisme (Paris. 1961). <<

[645]
Lettre sul lhes exigences, p. 85 (Letter onApologetics , p. 198). <<

[646]
Ibid., p. 85. <<

[647]
Veja-se, por exemplo, Introduction à métaphysique de Maurice Blondel por Claude
Tresmontam (Paris, 1963). <<

[648]
A pensée, I, p. 4. <<
[649]
Ibid., p. 6. <<

[650]
A sua distinção entre vontade que queira e vontade querida acrescenta Blondel outra
distinção entre cogitatio ut natura (A pensée, I. p. 495) e cogitatio ut cogitatio. <<

[651]
L’être. p. 80. <<

[652]
Ibid., p. 156. <<

[653]
Ibid., p. 163. <<

[654]
Ibid., p. 167. <<

[655]
L’action (trilogía), I, p. 298. <<

[656]
Até que ponto seja realmente autônoma a filosofia de Blondel é, desde depois, discutible.
<<

[657]
Esta correspondência foi editada por C. Tresmontant: Correspondance philosophique,
Maurice Blondel-Lucien Laberthonnière (Paris, 1961). <<

[658]
Por exemplo, L’inquietude humaine, que saiu como obra de P. Sanson, foi escrita em
realidade por Laberthonnière. <<

[659]
Laberthonnière era bem mais propenso à polêmica que Blondel. <<

[660]
Études sul Descarte, I. p. 1. <<

[661]
Études de philosophie cartésienne (1938), p. 1. <<

[662]
Ibid., p.2. <<

[663]
Ibid., p. 5. <<

[664]
Ibid., p. 5, n. <<

[665]
Ibid., p. 11. <<

[666]
Ibid., p. 11. <<

[667]
Esquisse d’une philosophie personnaliste (1942), p. 7 <<

[668]
Ibid., p. 13. <<

[669]
Ibid., p. 13. <<
[670]
Ibid., p. 643. <<

[671]
Ibid., p. 15. A distinção, observa Laberthonnière, é em realidade a mesma que faz San Pablo
entre o homem carnal e o homem espiritual. <<

[672]
Ibid., p. 19. Esta doutrina é basicamente agustiniana. <<

[673]
Ibid., p. 7. <<

[674]
Ibid., p. 7. <<

[675]
Entre as obras gerais envelope o tema podemos mencionar Lhe modernisme dans l’Église,
por J. Rivière (Paris, 1929), The Modernist Movement in the Roman Church, por A, R. Vidler
(Londres, L934) e Histoire, dogme et critique dans a crise moderniste, por E. Poular (Paris,
1962). <<

[676]
Na encíclica Pascendi diz-se explicitamente que se reuniram no documento as doutrinas e
opiniões que aparecem expressadas nos diversos escritos dos modernistas e lhas tem disposto de
uma maneira sistemática para que possam ser visto com clareza seus orçamentos e
envolvimentos. Em outras palavras, o documento papal quer fazer explícito o que entende que é
um sistema implícito. <<

[677]
Étienne Gilson sugeriu que o “modernismo” de Santo Tomás era o único que demonstrava
ter sucesso. Laberthonnière repôs: “Sucesso em que?” A julgamento de Laberthonnière, o
sucesso consistiria em que o aristotelismo tomista recebeu com o tempo a bênção oficial da
autoridade eclesiástica, resultado que mais bem era lamentável e não matéria de regozijo. <<

[678]
Loisy reconhece-o assim em seus Simples réflexions sul lhe décret du Saint-Office
“Lamentabili sane exitu” et sul l’encyclique “Pascendi dominici gregis” (Paris. 1908), p. 198.
Buonaiuti era mais dado à filosofia que Loisy. <<

[679]
Tyrrell falou da Revelação como se consistisse, mais que em declarações de Deus ao
homem, em declarações deste a respeito de suas experiências espirituais. Mas não negou que
nestas experiências e através delas encontrasse o homem a Deus. Segundo Tyrrell, a Deus só se
lhe conhece em seus efeitos e mediante eles. Tais efeitos são impulsos divinos que o homem
sente em si e os interpreta conforme a suas categorias e em sua linguagem humana. E a prova
das interpretações é sua fecundidad espiritual. Certamente Tyrrell sentiu às vezes uma forte
inclinação ou tentação a professar-se agnóstico. Mas tentou manter-se aferrado à crença na
realidade de Deus. <<

[680]
Garrigou-Lagrange sustentaria, naturalmente, que, se sua visão das coisas era limitada, seus
limites eram, por um lado, uma percepción da verdade de princípios filosóficos de perenne
validade e, por outro, a Revelação divina. <<
[681]
Uma tradução inglesa, por B. Rose, publicou-se em dois volumes em 1934 com o mesmo
título: God. His Existena and Meus Nature. [Há traduções ao castelhano] <<

[682]
Trad. ao inglês, por P. Cummings, como Reality. A Synthesis of Thomist Thought (Londres,
1950). <<

[683]
Depois levou por título A philosophie de Séc. Thomas d’Aquin. <<

[684]
Há uma tradução inglesa, por G. Anstruther, com o título de The Foundations of Thomistic
Philosophy (Londres, 1931). <<

[685]
O do não estar tão de moda é mais verdadeiro de Maritain que de Gilson, porque os estádios
históricos deste têm um valor independentemente da atitude que se adote com respeito ao
tomismo como filosofia idónea ou não para tratar os problemas atuais. <<

[686]
Veja-se o vol. VII desta História, pp. 302 e ss. <<

[687]
Publicadas como A philosophie bergsonienne (1914). Trad. inglesa, por M. L. Andison e J.
G. Andison, como Bergsonian Philosophy and Thomism (Nova York, 1955). <<

[688]
Evidentemente, podem ser feito objeciones a isto. Mas Maritain se aferra com tenacidad à
opinião de que, conquanto desde um ponto de vista psicológico as ideias são modificações da
mente, o objeto intencional, considerado assim que tal, não difere do objeto intencionalizado.
Dito em terminología escolástica, negou-se sempre a transformar o médium quo em um médium
quod. <<

[689]
Trad. inglesa, por G. B. Phelan, The Degrees of Knowledge (Nova York, 1959). <<

[690]
Lhes degrés du savoir (ed. 1932), p. 90. <<

[691]
Ibid., p. 87. <<

[692]
The Range of Reason, p. 6. <<

[693]
Ibid., p. 6. <<

[694]
Ibid., p. 4. <<

[695]
Lhes degrés du savoir, pp. 269-270 <<

[696]
Ibid., p. 346. <<

[697]
Ibid., pp. 13-12. Não quer dizer Maritain que a metafísica (a “filosofia primeira” de
Aristóteles) trate só do que trasciende a realidade sensível. Seu objeto próprio é o ser assim que
ser. Mas como abstrae da materialidad, pode penetrar também até o âmbito da realidade
espiritual. <<

[698]
Ao que Aristóteles chamava “física” corresponde mais a “filosofia da natureza” de Maritain.
<<

[699]
Lhes degrés du savoir, p. 10. <<

[700]
Veja-se, por exemplo, Sept leçons sul l’être (trad. ao inglês como A Préfacé o Metaphysics;
Seven Lectures onBeing , Londres e Nova York, 1939) e Court traité de l’existence et de
l’existant (1947) (trad. ao inglês como Existence and the Existent por L. Galantière e G. B.
Phelan, Nova York, 1948). Mas os livros de Maritain a respeito do conhecimento, tais como
Lhes degrés du savoir, tratam também de metafísica. Porque o conhecimento e a metafísica
estão, para ele, estreitamente relacionados. <<

[701]
The Range of Reason, p. 70, Como é óbvio, esta opinião está muito conectada com a maneira
de ver Maritain o ateísmo. Além de “ateus práticos” (que acham crer em Deus mas lhe negam
com sua conduta) e de “ateus absolutos”, admite uma classe de “pseudo-ateus” (que estão
persuadidos de que eles não crêem em Deus mas, de fato, acham inconscientemente nele). Cf.
ibid., pp. 193 e ss. <<

[702]
Veja-se também Art et scolastique (1920). Trad. ao inglês, por J. W. Evans, como Art and
Scholasticism and The Frontiers of Poetry (Nova York, 1962), incluindo a versão inglesa de
Frontières da poésie (1935). Veja-se assim mesmo Creative Intuition in Art and Poetry (Nova
York, 1953). <<

[703]
As obras mais importantes de Maritain neste campo são Neuf leçons sul lhes notions
premières da philosophie morale, publicada em 1951, e A philosophie morale, vol. 1, que
apareceu em 1960 (trad. inglesa, por M. Suther e outros, como Moral Philosophy, 1964). <<

[704]
Humanisme intégral (1936), p. 224. Trad. inglesa, por M. R. Adamson, como True
Humanism (Londres, 1938). <<

[705]
The Person and the Common God, p. 27 (trad. inglesa, 1947, da personne et lhe bem
commun). <<

[706]
Man and the State (Chicago, 1951), p. 13. <<

[707]
Esta obra foi reeditada muitas vezes. Há uma versão inglesa, The Christian Philosophy of
St. Thomas Aquinas (Nova York, 1951). <<

[708]
A edição de 1944 era já praticamente uma obra nova. E a versão inglesa History of Christian
Philosophy in the Middle Ages (Londres, 1955) é também em muitas feições uma nova obra. <<

[709]
A philosophie de Séc. Bonaventure (1924). A trad. inglesa, The Philosophy of St.
Bonaventure, apareceu em 1938. Em 1943 fez-se uma segunda edição em francês. <<
[710]
Introduction à l’étude de Séc. Augustin (1929, e eds. posteriores). Há trad. inglesa, por L.
E. M. Lynch, como The Christian Philosophy of St. Augustine (Londres, 1961). <<

[711]
A théologie mystique de Séc. Bernard (1934, 2. ª ed., 1947). <<

[712]
Dante et a philosophie (1939; 2.ª ed., 1953). <<

[713]
Jean Duns Scotus. Introduction à ses positions fondamentales (1952). <<

[714]
Podemos mencionar, por exemplo, The Unity of Philosophical Experience (Nova York,
1937; Londres, 1938), Being and Some Philosophers (Toronto, 1949, versão inglesa de L ’être
et l’essence, 1948 e 1962), Painting and Reality (Nova York, 1958), Elements of Christian
Philosophy (Nova York, 1960), Lhe philosophe et a théologie (Paris, 1960; trad. inglesa, The
Philosopher and Theology, Nova York, 1962), e Introduction aux arts du beau (Paris, 1963). <<

[715]
Esta obra, publicada em 1908, foi traduzida ao ingles, por F. James, como The
Intellectualism of St. Thomas (Londres, 1935). <<

[716]
Séc. Thomas d’Aquin (1933) e A structure métaphysique du concret selon Séc. Thomas
d’Aquin (1931; 2. ª ed., 1956). <<

[717]
Du consentement à l’être (1936) e Consentement et création (1943). <<

[718]
Há uma tradução parcial ao inglês: Studies in the Psychology of the Mystics, feita por A.
Thorold (Londres 1927). <<

[719]
Os Cahiers primeiro, segundo, terceiro e quinto foram publicados em 1922-1926. O
Caderno quarto, que trata do idealismo em Kant e nos poskantianos, se publicou póstumo (a base
das notas deixadas pelo autor) em 1947. Teria que ter tido um sexto Caderno que, segundo
Maréchal, clarificaria sua posição pessoal. <<

[720]
Tem-se objetado por alguns que o tomismo trascendental só é tomista no sentido de que um
método derivado de Kant e do idealismo alemão e apoiado em alguns casos por fortes doses de
fenomenología e de filosofia existencial heideggeriana se utiliza para chegar a conclusões
tomistas ou que, pelo menos, concordam com o tomismo. (Veja-se, por exemplo, o Adendo
segundo do livro de Leslie Dewart The Foundations of Belief, Londres, 1969.) Mas cabe replicar
que, digam o que digam os tomistas tradicionais, a filosofia do Aquinate tem pressupostos que
os tomistas trascendentales tratam de fazer explícitos e de justificar de um modo sistemático. <<

[721]
Os escritos do tomista canadense B. Lonergan parecem estar livres da influência
heideggeriana. Quanto a Coreth, esta influência é nele bastante clara; mas também o é a de
Fichte, por quem Maréchal mesmo foi influído. <<

[722]
Dois volumes, Paris, 1948-1949. <<
[723]
Dialectique dt l’affirmation (Paris, 1952), p. 17. <<

[724]
Ibid., p. 43. O método implica uma análise reductivo, para voltar ao devido ponto de partida,
seguido de um processo de reflexão deductivo e dialéctico. <<

[725]
Por exemplo, L’être et l’esprit (Paris-Lovaina, 1958) e Raison a conversão chrétienne
(Paris, 1961). <<

[726]
Não todos os tomistas trascendentales estão de acordo sobre qual seja o devido ponto de
partida. Assim. enquanto Lotz começa com a análise do julgamento como ato de afirmação
absoluta, Coreth pensa que o filósofo tem de se remontar até algo mais originario ainda, até o
que ele chama a pergunta. <<

[727]
Raymond Poincaré, que chegou a Presidente da República, era primo seu. <<

[728]
Trad. inglesa, por W. J. Greenstreet, como Science and Hypothesis (Londres, 1905; Nova
York, Dover Publications, 1952). <<

[729]
Trad. inglesa, por G. B. Halsted, como The Avalie of Science (Londres, 1907). <<

[730]
Trad. inglesa, por F. Maitland, como Science and Method (Londres, 1914). <<

[731]
Trad. inglesa, por J. W. Bolduc, como Mathematics and Science: Last Essay (Nova York,
1963). <<

[732]
Science and Hypothesis. p. 50. <<

[733]
Ibid., p. 50. <<

[734]
Ibid., p. 304. <<

[735]
A valeur da science, p. 214. <<

[736]
Science and Hypothesis, pp. XXII-XXIII. <<

[737]
Ibid., p. 146. Poincaré fala também de “simples fatos”. Cf. Science et méthode, pp. 10 e ss.
<<

[738]
A valeur da science, p. 220. <<

[739]
Ibid., p. 267. <<

[740]
As sensações, diz Poincaré, são intransmisibles. “Mas não assim os relacionamentos entre
sensações”. (Ibid., p. 263.) <<
[741]
Ibid., p. 271. <<

[742]
Science et méthode, p. 172. Veja-se também Dernières pernees. <<

[743]
Para uma breve notícia sobre Mach, veja-se o vol. VII desta História, pp. 284-285. <<

[744]
Lhe potentiel thermodynamique et ses applications à a mécanique chimique et à a théorie
dê phénomêmes électriques. <<

[745]
A segunda edição foi traduzida ao inglês por P. P. Wiener como The Aim and Structure of
Physical Theory (Princeton, 1954). Citaremos por esta tradução referindo-nos a ela como
Physical Theory. <<

[746]
Entre elas L’évolution da mécanique (Paris, 1903), Lhes origine da statique (Paris, 1905-
1906) e Études sul Léonard dá Vinci (Paris, 1906-1913). <<

[747]
Physical Theory, p. 7. <<

[748]
Ibid., p. 19. <<

[749]
Ibid., p. 21. <<

[750]
Ibid., p. 28. <<

[751]
Duhem clarifica este ponto considerando duas hipóteses diferentes. Mas faz notar que o que
o físico submete de fato a prova experimental é um grupo de hipótese, não uma isolada. (Já
temos visto que, para ele, uma teoria física combina e coordena um conjunto de hipótese.) O que
se prove que era falsa uma predição indica, por tanto, que há que mudar ou modificar algum dos
membros do grupo ou conjunto de hipótese. Mas se a predição é o resultado de uma dedução
baseada no conjunto ou grupo, seu não cumprimento não indica de por si que membro do grupo
se tenha de revisar. <<

[752]
Physical Theory, p. 190. <<

[753]
Ibid., p.215. <<

[754]
Ibid., p. 275. <<

[755]
Ibid., p. 273. <<

[756]
Dantes de chegar a ser professor na Universidade de Montpellier, Milhaud ensinou
matemáticas em um instituto da mesma cidade. <<

[757]
Milhaud é autor de várias obras sobre história da ciência grega e moderna em seus
relacionamentos com a filosofia. <<
[758]
Essai, p. 2. <<

[759]
Lhes philosophes géomètres (2.ª ed., 1934), p. 4, <<

[760]
Ibid., p. 4. <<

[761]
Études sul a pensée scientifique chez lhes grecs et chez lhes modernes (1906), p. 230. <<

[762]
Cf. Lhe positivisme et lhe progrès de l’esprit (1902). <<

[763]
Em seus estudos de química teve de professor a R. W. Bunsen. <<

[764]
Trad. ao inglês, por K. Loewenberg, como ldentity and Reality (Londres e Nova York,
1930). <<

[765]
Identité et realité, p. 438; na version inglesa, p. 384. <<

[766]
De l’explication dans lhes sciences (1927), p. 45. Nos referiremos a esta obra como
Explication. <<

[767]
Identité et realité, p. 439; trad. inglesa, p. 384. <<

[768]
Explication, pp. 39-40. <<

[769]
Ibid., p. 39. <<

[770]
Identité et réalité, p. 439; trad. inglesa, p. 384. <<

[771]
Ibid., p. 402; trad. inglesa, p. 354. <<

[772]
Explication, p. 57. <<

[773]
Ibid., p. 66. <<

[774]
Identité et realité, p. 38; trad. inglesa, p. 43. <<

[775]
Ibid., p. 256; trad. inglesa, p. 230. <<

[776]
Diz, valendo de uma expressão leibniziana, que o que ele tenta é conhecer a natureza de “o
entendimento mesmo (intelectus ipse). É consciente, por suposto, da afinidad que há entre sua
investigação e a de Kant; mas sua focagem e método são diferentes. <<

[777]
Essais, p. 107. <<
[778]
Identité et realité, p. 322; trad. inglesa, p. 284. <<

[779]
Explication, p. 230. <<

[780]
Ibid., p. 703. <<

[781]
Ibid., p. 402. <<

[782]
Lalande começou sua publicação em 1902. Em 1904 nomeou-se-lhe catedrático de filosofia
em Paris. <<

[783]
L’idée directrice da dissolucion opposée à celle de l’évolution. Em 1930 apareceu uma
edição revisada com o título Lhes illusions évolutionistes. <<

[784]
A palavra “involución” substitui a “dissolução” na edição revisada da tese. <<

[785]
Hoje em dia tem-se comummente por ilegítimo o fazer extensiva a segunda lei da
termodinámica de um sistema térmico fechado ao universo inteiro. <<

[786]
A respeito de Herbert Spencer veja-se o vol. VIII desta História, cap. V <<

[787]
Por teoria orgânica do Estado entendo a teoria segundo a qual o Estado, como organismo,
é mais que a soma de seus membros. <<

[788]
Bachelard se doctoró em 1927. <<

[789]
A philosophie du non (5.ª ed., 1970), p. 8. <<

[790]
Aqui Bachelard diz em grande parte o mesmo que Brunschvicg. <<

[791]
A philosophie du non, p. 145. <<

[792]
Lhe nouvel esprit scientifique, p. 67. <<

[793]
A obra ética de Bergson pertence, sem dúvida, ao século XX. Mas sua filosofia foi a
culminación de uma corrente que se iniciou e se desenvolveu no século XIX. <<

[794]
Na Alemanha tinha também, desde depois, a escola neokantiana de Badén. Cf. vol. VII
desta História, pp. 288 e ss. <<

[795]
Philosophie et politique chez, Thomas Hobbes (1953) e A politique morale de John Locke
(1960). <<

[796]
A création dê valeurs, p. 1. <<
[797]
Ibid., p. 3. <<

[798]
Ibid., p. 296. <<

[799]
Ibid., p. 296. <<

[800]
Ibid., p. 297. <<

[801]
Ibid., p. 259. <<

[802]
A compréhension du valeurs, p. 134. <<

[803]
Ibid.; p. 134. <<

[804]
Ibid., p. 58. <<

[805]
Ibid., p. 58. <<

[806]
Ibid., p. 58. <<

[807]
Em Philosophie Thought in France and the United States, ed. de Marvin Farber (Buffalo,
Nova York, 1950), pp. 103-120. O fato de que na versão norte-americana desta obra se tenha
conservado em francês o título do ensaio de Lhe Senne não deixa de ser significativo.
Certamente a palavra esprit pode ser traduzido pela inglesa “mind”. Mas embora “mind” (mente)
esteja incluída em sua gama significante, esprit tem, no contexto, connotaciones metafísicas e
religiosas que aconselham o uso do vocablo “spirit” (espírito). <<

[808]
Ibid., p. 103. <<

[809]
Introduction à philosophie (2.ª ed., 1947), p. 7. <<

[810]
Ibid., p. 134. <<

[811]
Ibid., p. 135. <<

[812]
Não podemos discutir aqui o uso das palavras “existencialismo” e “existencialista”.
Devemos deixá-lo para quando nos ocupemos explicitamente de Marcel e Sartre. <<

[813]
Introduction á a philosophie, p. 250. <<

[814]
Ibid., p. 252. <<

[815]
Ibid., p. 254. <<

[816]
Ibid., p. 254. <<
[817]
Ibid., p. 257. <<

[818]
Ibid., p. 258. <<

[819]
Traite de morale gera-lhe (3. ª ed. 1949), p. 693. <<

[820]
Introduction á a philosophie, p. 365. O texto original diz: se elle n’est pas par lui, elle est
pour lui. Onde lui se refere a lhe sujet. <<

[821]
Obstade o valeur, p. 192. <<

[822]
Introduction à philosophie, p. 381. <<

[823]
Para um resumem das principais objeciones que podem ser feito a este modo de proceder,
se veja Traite de morale lhe gera, p. 698. <<

[824]
Obstacle et valeur, p. 180. <<

[825]
Lhe Senne remete-se à teoria do Absoluto de Bradley. <<

[826]
lntroduction á a philosophie, p. 265. <<

[827]
Traite de morale générale, p. 694. <<

[828]
A destinée personnelle, p. 210. <<

[829]
Obstacle et valeur, p. 181. <<

[830]
Traite de morale générale, p. 693. <<

[831]
Ibid., p. 697. <<

[832]
Nascido em 1902, Ruyer foi nomeado professor da Universidade de Nancy em 1945. Em
1946 publicou uns Elémenti de psycho-biologie (Elementos de psico-biologia), em 1952 Néo-
finalisme (Neofinalismo) e em 1958 A genèse de forme vivantes (A génesis de forma vivas). <<

[833]
A objetividad, a esfera de espaço-o-temporal, concebe-a Ruyer como fenoménica. Toda
atividade genuína está arraigada na subjetividad e procede desta. <<

[834]
Pucelle publicou A source dê valeurs (A fonte dos valores, 1957) e Lhe régne dê fins (O
reino dos fins, 1959). <<

[835]
Isto é, contra o existencialismo de tipo sartriano. <<
[836]
A source dê valeurs, p. 34. <<

[837]
Ibid., p. 155. <<

[838]
Ibid., p. 164. Embora Pucelle começa por considerar o relacionamento sujeito-objeto no
indivíduo, não pretende dar por suposto que nos seja possível distinguir cortantemente entre a
consciência individual e a intersubjetiva. <<

[839]
Ibid., p. 165. <<

[840]
Talvez seria mais singelo empregar a palavra “Deus”, se é este o que quer ser dito. Claro
que “Ser” soa a mais metafísico ou ontológico; mas ao menos às pessoas religiosas pode-lhes
resultar mais fácil acender-se falando da presença de Deus e de resposta a Deus que não da
presença do Ser e do consentimento ao Ser. No entanto, caberia replicar que o conceito de Deus
(como pessoal) é uma determinação do conceito de Ser. <<

[841]
Essai critique sul l’hypothése dê atomes dans a science contemporaine (1895). <<

[842]
Para as obras de Lavelle veja-se a Bibliografía. <<

[843]
De l’acte, p. 11. Este livro é o segundo volume da dialectique de l’éternel présent, obra de
Lavelle cujo primeiro volume intitula-se De l’être. <<

[844]
Ibid., p. 59. <<

[845]
Ibid., p. 72. <<

[846]
Ibid., p. 78. <<

[847]
Ibid., p. 140. <<

[848]
Ibid., p. 72. <<

[849]
Ibid., p. 80. <<

[850]
Ferdinand Alquié, nascido em 1906, foi professor na Universidade de Montpellier desde
1947 até 1952 e obteve depois uma cátedra na Sorbona. Entre suas obras: A nostalgie de l’être
(A nostalgia do ser, 1950), Philosophie du surréalisme (Filosofia do surrealismo, 1955),
Descarte, l’homme et l’oeuvre (Descarte, o homem e sua obra, 1956) e L’expérience (A
experiência, 1957). <<

[851]
A pensée de Charles Péguy (O pensamento de Charles Péguy). <<

[852]
Mounier mesmo foi detido em 1942 e passou em vários meses na prisão dantes de ser
deixado em liberdade. Foi membro ativo da Resistência. <<
[853]
Existentialist Philosophies, trad. por E. Blow (Londres, 1948), p. 2. <<

[854]
Bê Nol Afraid (Não temas), trad. inglesa, por C. Rowland, da petite peur du XX siécle
(Londres, 1951). p. 184. Este volume em inglês contém dois das publicações de Mounier; e
nossa cita é da segunda parte, que é uma tradução de Qu ’est-ce que lhe personnalisme? <<

[855]
Personalism, trad. inglesa de P. Mairet (Londres, 1952), p. VII. <<

[856]
Ibid., p. VIII. <<

[857]
Une Science combattante; Traité du caractére, p. 7. <<

[858]
Personalism, p. 3. <<

[859]
Ibid., p. 13. <<

[860]
Politique da personne, p. 56. <<

[861]
Personalism, p. 19. <<

[862]
Politique da personne, pp. 52-53. <<

[863]
Veja-se, por exemplo, Personnalisme et christianisme, reimpreso em Líberté sans
conditions (1946). <<

[864]
Personalism, p. 41 <<

[865]
Ibid., p. 112. <<

[866]
Ibid., p. 187. <<

[867]
Ibid., p. 186. <<

[868]
Veja-se especialmente A réciprocité dê conscientes. Essai sul a nature da personne, 1942.
<<

[869]
Vers une philosophie de l’amour et da personne (1957), p. 267. <<

[870]
Ibid., p. 266. <<

[871]
Ibid., p. 259. <<

[872]
Não pretendo insinuar que o de Mounier fosse um otimismo cego. Não o era. Mas Mounier
comprometeu-se definitivamente no campo sociopolítico. <<
[873]
Em 1902, em consequência da promulgación de leis anticlericales pelo governo Combes,
os jesuitas franceses tiveram de abandonar a França e passar a territórios ingleses; Teilhard fez
seus primeiros estudos como jesuita na ilha de Camisola. <<

[874]
Teilhard leu a Bergson e foi influído por este. Mas não aceitou a ideia bergsoniana de sendas
evolutivas divergentes, optou pela ideia de convergência. <<

[875]
Parece que foi para 1925 quando concebeu Teilhard a ideia da “noosfera”, termo que foi
adotado por seu amigo Édouard Lhe Roy, professor por então no Colégio da França. <<

[876]
Em 1957 publicou-se uma tradução inglesa, feita por Bernard Wall, com o título de Lhe
Milieu Divin. An Essay on the Interior Life. <<

[877]
Esta obra foi traduzida ao inglês por Bernard Wall e publicada com uma introdução de Sir
Julián Huxley com o título The Phenomenon of Man (Londres, 1959). <<

[878]
Science et Crist, p. 151. O bilhete citado figurou originariamente em um artigo que viu a
luz em 1933. <<

[879]
Cf. The Phenomenon of Man (trad. inglesa citada), pp. 63-66, onde Teilhard propõe uma
maneira de resolver o problema de como compartilhar sua tese — de que a energia
(especialmente a energia “radiante”,) vai aumentando no universo — com as leis da
termodinámica. <<

[880]
The Phenomenon of Man, p. 221. <<

[881]
Referindo-se a Platón, Spinoza e Hegel, diz Teilhard que embora desenvolveram umas
concepções que competem em amplitude de olha com as imensas perspetivas abertas pela fé na
Encarnación, “nenhum desses sistemas metafísicos passou dos limites de uma ideologia” (The
Phenomenon of Man, p. 295). <<

[882]
É óbvio que Teilhard emprega o termo “fenomenología” em um sentido diferente daquele
em que o empregou Husserl. <<

[883]
The Phenomenon of Man, p. 308, n. 2. <<

[884]
Ibid., p. 309. <<

[885]
1.ª Corintios, XV, 28. <<

[886]
The Phenomenon of Man, p. 297. <<

[887]
Com isto não pretendo dar a entender que Nietzsche achasse que o Super-homem emergiria
necessariamente como produto de uma evolução inevitável. Verdadeiro que fala da evolução;
mas parece-me que é evidente que seu conceito do Super-homem tem bem mais de acicate e de
meta para a vontade humana que não de predição de algo que tenha de vir a se realizar em virtude
de um processo de fatal e necessária evolução. <<

[888]
Não me refiro, já se entende, à formação e erudición teilhardianas. Estas, em suas feições
aristotélicos e kantianos, podem impor algum respeito, embora tal coisa não seja particularmente
excitante. Refiro-me, mais bem, aos devotos discípulos interessados em propagar as doutrinas
do maestro mas carentes de sua potência de visão e “escolastizadores” de suas teorias. O que
eles dizem será, quiçá, bastante razoável, mas o mais seguro é que resulte bem mais pedestre
que a doutrina original, pelo menos se os discípulos não entraram tão de cheio na problemática
que estimulou a atividade intelectual de seu maestro. <<

[889]
Seria questionável, desde depois, se o dizer “creio na ciência” é uma forma de falar coerente.
Mas o que sem dúvida quer dar a entender Teilhard ao o dizer é que acha firmemente na verdade
e na mais ampla significação da teoria da evolução, e, em general, que aceita como ponto de
partida a visão científica do mundo. <<

[890]
Algumas das reflexões de Marcel poderiam talvez se comparar com partes da
Fenomenología do espírito de Hegel. Mas, em general, a filosofia de Marcel tem pouco parecido
com o idealismo absoluto. <<

[891]
Teve um tempo em ti que Marcel tolerava, pelo menos, que se lhe chamasse
“existencialista”, embora não se acrescentasse o qualificativo de “cristão”, e isso porque, a seu
parecer, pessoas que não se consideravam cristãs podiam ser aderido ao existencialismo segundo
ele o entendia. E assim, em um ensaio autobiográfico (The Philosophy of Existence, trad. inglesa
de Manya Harari, Londres, 1948, p. 89) referiu-se a “minhas primeiras declarações
existencialistas”. No entanto, é um feito com que Marcel tem repudiado definitivamente o título
de “existencialista”, provavelmente sobretudo para evitar confusões com a filosofia de Sartre.
E, isto suposto, o melhor é não o usar ao designar a Marcel. <<

[892]
Veja-se o prefacio posto por Marcel à tradução inglesa de sua Journal métaphysique
(Metaphysical Journal, trad. inglesa de B. Wall, Londres, 1952). <<

[893]
Pareça ser que a tia de Marcel não tinha muita mais fé nas doutrinas protestantes que a que
tinha seu pai nas católicas. <<

[894]
Sua delicada saúde impediu-lhe a Marcel servir como soldado. Empregou-se-lhe em
conseguir notícias para as famílias dos combatentes feridos e em tratar de localizar aos
desaparecidos. <<

[895]
The Mystery of Being. I, Reflection and Mystery, trad. inglesa de G. Séc. Fraser, Londres,
1950, pp. 4 e ss. <<

[896]
The Philosophy of Existence, p. 93. <<

[897]
Reflection and Mystery, p. 2. <<
[898]
Positions et approches concrètes du mystère ontologique. Uma tradução inglesa vai incluída
em Philosophy and Existence. <<

[899]
Philosophy of Existence, p. 1. <<

[900]
Reflection and Mystery, p. 27. <<

[901]
Philosophy of Existence, p. 8. <<

[902]
Être et avoir. p. 169 (Being and Having, trad. por K. Farrer, Londres, 1949, p. 117). <<

[903]
Reflection and Mystery, p. 93. <<

[904]
Bradley reconhecia, claro está, que a ciência não era possível sem o pensamento analítico,
embora considerava que a ciência manifesta um impulso para a unificação que não pode atingir
do todo sua meta se rio ultrapassa o nível da ciência. <<

[905]
Note-se que ao final de Etre et avoir inclui Marcel um ensaio sobre Peter Wust (1884-1940),
o filósofo alemão que escreveu sobre a segunda “ingenuidad” ou piedade, que é uma recuperação
da primeira fé religiosa subsiguiente à obra da inteligência crítica. <<

[906]
Teria que acrescentar, talvez, que Marcel se interessou de contínuo pelas experiências
metapsíquicas. Mas seu metafísica da esperança não se baseia na parapsicología. Para uma
definição da esperança veja-se o final do ensaio de Marcel sobre uma metafísica da esperança,
incluído em Homo Viator (trad. inglesa de E. Craufurd, Londres, 1951). <<

[907]
The Philosophy of Existence, p. 22. <<

[908]
Marcel tinha-se formado já suas próprias ideias sobre esta temática dantes de ler a
Kierkegaard, Ao lhe ler reconheceu certos pontos similares. Também é notoria a afinidad entre
Marcel e Martin Buber com respeito ao relacionamento eu-você. <<

[909]
Em seu Diário metafísica (trad. inglesa citada, p. 281) pergunta Marcel como é possível
conceber um você que não seja também um ele (no sentido de um objeto). <<

[910]
Seus dois disertaciones sobre Rilke vão incluídas em Homo Viator. <<

[911]
Homo Viator, p. 7. <<

[912]
Reflection and Mystery, p. 34. <<

[913]
Faith and Reality, p. 183. <<
[914]
Teilhard chegou quase a dizer que ele não tinha a intenção de afirmar dogmaticamente que
o futuro tivesse de ser de cor de rosa. Pelo demais, salta à vista que se inclinou decisivamente
do lado do otimismo. <<

[915]
L’existentialisme est um humanisme, p. 17 (Paris, 1946). Trad. ao inglês, por Mairet, como
Existentialism and Humanism (Londres, 1948), p. 26. <<

[916]
Lhes mots (As palavras), obra na que recorda sua infância, a publicou Sartre em 1964. (Há
trad. inglesa, Words, por I. Clephane, Londres, 1965). As memórias de Simone de Beauvoir
contêm outros materiais biográficos. <<

[917]
A trascendence de l’égo: esquisse d’une description phénoménologique. Trad. inglesa., por
F. Williams e R. Kirkpatrick, como The Transcendente of the Ego (Nova York, 1957). <<

[918]
L’imagination. Étude critique. Trad. inglesa, por F. Williams, como Imagination. A
Psychological Critique (Ann Arbor, Michigan, 1962). <<

[919]
A nausée, Trad. inglesa, por Robert Baldick, como Nausea (Harmondsworth, 1965). <<

[920]
Esboço de uma teoria das emoções. Há duas traduções inglesas, uma delas feita por P.
Mairet com o título Sketch for a Theory of Emotions (Londres, 1962). <<

[921]
O muro. Uma tradução inglesa, por Lloyd Alexander, leva por título Intimacy (Panther
Books, Londres, 1949). <<

[922]
The Psychology of the Imagination, trad. inglesa por B. Frechtman (Londres, 1949). <<

[923]
Being and Nothingness, trad. inglesa por H. Barnes (Nova York, 1956; Londres, 1957). <<

[924]
The Flies, trad. inglesa por Séc. Gilbert, incluída em Two Plays (Londres, 1946). <<

[925]
Os dois primeiros volumes. L’âge da raison e Lhe sursis (O adiamento) foram traduzidos
ao inglês por E. Sutton como The age of Reason e The Reprieve (Londres, 1947). O terceiro
volume, A mort dans l’âme (1949), traduziu-o G. Hopkins como Iron in the Soul (Londres,
1950). <<

[926]
A porta fechada. Trad. inglesa, por Séc. Gilbert, como InCamera ; vai incluída em Two
Plays (Londres, 1946). <<

[927]
Cf. nota 1. <<

[928]
Reflexões sobre a questão judia. Há duas traduções ao inglês; a feita por E. de Mauny leva
o título de Portrait of an Anti-Semite (Londres, 1948). <<
[929]
Situações. Alguns destes ensaios os traduziu ao inglês A. Michelson intitulando-os Literary
and Philosophical Essays (Londres, 1955). <<

[930]
A primeira seção deste livro foi traduzida ao inglês por H. Barnes com o título de Search
for a Method (Em busca de um método) (Nova York, 1963; Londres, 1964). <<

[931]
Trad. inglesa de B. Frechtman, como Saint Genet (Nova York, 1963). <<

[932]
Literary and Philosophical Essays, p. 169. <<

[933]
Isto é, como contradistinto de sua própria experiência e de suas reflexões pessoais sobre a
vida e o mundo. <<

[934]
No ser e a nada há alguma discussão do esse est percipi de Berkeley, e Hume é mencionado
duas vezes. Os filósofos cujos nomes aparecem com maior frequência são Descarte, Hegel,
Heidegger, Husserl, Kant e Spinoza. No imaginario cita Sartre a Hume ao falar das ideias como
imagens, mas só para descartar sua teoria como ilusoria. Veja-se L’imaginaire, p. 17 (trad.
inglesa, pp. 12-13). <<

[935]
É óbvio que, neste contexto, as palavras “trascendencia” e “trascendente” não se têm de
entender como se se referissem a algo que trascendiese ao mundo ou ultrapassasse os limites da
experiência humana. Dizer que a consciência é trascendente equivale a dizer que se limita a
captar objetos puramente inmanentes, ideias subjetivas ou cópias das coisas externas. <<

[936]
L’être o lhe néant, p. 17 (trad. inglesa, p. 11). <<

[937]
Sua focagem lhe levaria eventualmente a Husserl a desenvolver uma filosofia idealista. <<

[938]
L’imaginaire, p. 24 (trad. inglesa, p. 20). <<

[939]
Ibid., p. 17 (trad. inglesa, p. 14). <<

[940]
Para Sartre a imaginação implica negación. Assim, quando me imagino ao Pedro ausente
como presente, não nego que esteja ausente (pois lhe ponho como real mas ausente); no entanto,
trato de superar ou negar sua ausência imaginando-mo presente. <<

[941]
L’imaginaire, p. 180 (trad. inglesa, p. 157). Em outro sítio (p. 17, nota 1; ed. inglesa, p. 15,
nota 1) Sartre adverte que a quimera não existe nem como imagem nem de nenhum outro modo.
<<

[942]
Em L ’imaginaire diserta Sartre com algum detenimiento sobre a patologia da imaginação
e envelope os sonhos. Mas aqui não podemos ocupar destes temas. <<

[943]
Esquisse d’une théorie dê émotions, p. 29 (na trad. inglesa de Frechtman, p. 51). <<
[944]
Ibid., p. 33 (trad. inglesa, p. 58). <<

[945]
Ibid., p. 30 (trad. inglesa, p. 52). <<

[946]
L’imaginaire, p. 93 (trad. inglesa, p. 82). <<

[947]
The Transcendence of the Ego, p. 40. <<

[948]
Sartre distingue entre o “eu” e o “mim mesmo”, como duas feições ou funções do ego. Mas
na trascendencia do ego representa o ego e o mundo como objetos da “consciência absoluta”,
que, segundo ele, é impersonal e sem sujeito. Vem a ser algo bem como um adotar a teoria de
Fichte sobre a constituição do sujeito limitado ou finito e seu objeto, mas ignorando ao mesmo
tempo o ego trascendental. <<

[949]
L’être et lhe néant, p. 12(trad. inglês p. XLVI). <<

[950]
Ibid., p. 29 (trad. inglesa, p. LXVl). <<

[951]
Ibid., p. 34 (trad. inglesa, p. LXVI). <<

[952]
Ibid., p. 713 (trad. inglesa, p. 619). <<

[953]
O ser e a nada apresenta em forma sistemática o punco de vista do que é expressão A
náusea. <<

[954]
A nausée, p. 171 (trad. inglesa, ed. Penguin, p. 188). <<

[955]
Ibid., p. 171. <<

[956]
L’être et lhe néant, p. 34 (trad. inglesa, p. LXVI). <<

[957]
Ibid., p. 713 (trad. inglesa, p. 619). <<

[958]
Ibid., p. 59 (trad. inglesa, p. 23). <<

[959]
Ibid., p. 60 (trad. inglesa, p. 24). <<

[960]
O telefonema “nihilización” é, em si mesma, naturalmente uma ação ou atividade positiva.
Mas aqui estou-me referindo ao fato mesmo do focar a. atenção. <<

[961]
L’être et lhe néant. p. 715 (trad. inglesa, p. 621). <<

[962]
Ibid., p. 61 (trad. inglesa, p. 25). <<

[963]
Ibid., p. 61 (trad. inglesa, p. 25). <<
[964]
L’existentialisme est um humanisme, p. 17 (trad. inglesa, Mairet, p. 26). <<

[965]
.L’être o lhe néant, p. 188 (trad. inglesa, p. 142). A temporalidad é tratada longamente no
capítulo II da segunda parte da obra. Veja-se também o cap. III, sobre a trascendencia. Sartre
está muito influído por Heidegger; mas recusa e critica suas opiniões e também as de alguns
outros filósofos. <<

[966]
Sartre joga com o dito de Hegel Wesen ist, was gewesen ist (Essência é o que foi). <<

[967]
Se comprometo-me, por exemplo, em pró do comunismo, idealmente elejo também por
outros. <<

[968]
A má fé não é, para Sartre, o mesmo que a mentira. A outras pessoas pode-se-lhes mentir
dizendo-lhes o que um sabe muito bem que não é verdade. Na má fé, que é um auto se enganar,
há uma mistura de saber e não saber cuja possibilidade se baseia no fato de que o para-si não é
o que é (seu passado) e é o que não é (suas possibilidades, seu futuro). <<

[969]
L’existentialisme est um humanisme, p. 141 (trad. inglesa, Mairet, p. 70). <<

[970]
L’être et lhe néant. pp. 653-654 (trad. inglesa, p. 566). <<

[971]
Ibid., p. 689 (trad. inglesa, p. 599). <<

[972]
Une passion inutile. Ibid., p. 708 (trad. inglesa, p. 615). <<

[973]
A julgamento de Sartre, a Husserl é-lhe impossível escapar do solipsismo e a teoria de
Hegel, embora cronologicamente anterior, é muito superior. Heidegger avançou ainda mais. <<

[974]
Há, sem dúvida, a possibilidade de adotar o behaviorismo. Mas este não é uma solução que
Sartre este disposto a considerar favoravelmente. <<

[975]
L’être et lhe néant, p. 308 (trad. inglesa, p. 251). <<

[976]
Ibid., p. 431 (trad. inglesa, p. 364). <<

[977]
Ibid., p. 434 (trad. inglesa, p. 367). <<

[978]
Em conexão com este projeto examina Sartre modos desviados, como o masoquismo, de
tratar de se fazer, pelo dizer assim, com a liberdade do outro. <<

[979]
L’être et lhe néant, p. 495 (trad. inglesa, p. 423). <<
[980]
Ibid., p. 502; trad. inglesa, p. 429. Mitsein, ser ou existir com. Segundo Sartre, o Mitsein
heideggeriano é uma experiência psicológica que não revela um relacionamento ontológica
básica entre consciências. <<

[981]
Diz-se às vezes que Sartre somente nega a existência de Deus tal como lhe concebem os
teístas. Mas semelhantes comentários não têm tanta importância como parecem o pensar quem
os fazem. Por exemplo, se damos em chamar a l ’em-soi Deus, então claro está que Sartre não
nega a existência de Deus. Mas se empregamos os termos tal como se usam de ordinário em
Occidente, resultará sumamente equívoco e desorientador dizer que Sartre crê em Deus pelo
mesmo que postula a existência de l ’em-soi. <<

[982]
Words (ed, Penguin), p. 65. <<

[983]
L’être et lhe néant, p. 324 (trad. inglesa, p. 266). Cf. ibid., p. 341 (p. 281). <<

[984]
L’existentialisme est um humanisme, p. 94 (trad. inglesa, Mairet, p. 56). <<

[985]
Ibid., p. 36 (trad. inglesa, p. 33). <<

[986]
Até o que comete suicídio faz algo de si mesmo. <<

[987]
L’existentialisme est um humanisme, pp. 25-26 (trad. inglesa, p. 29). <<

[988]
Ibid., p. 27 (trad. inglesa, p. 30). <<

[989]
Greve dizer que em qualquer caso a ideia aparece, dado a análise sartriano da comum
estrutura básica do para-si. A tentativa de Sartre de admitir uma universalidade da condição
humana (tal como o ser-em-o-mundo) e negar ao mesmo tempo uma natureza humana universal
salta à vista que não pode ter muito sucesso. <<

[990]
Reimpreso em Situations III (1949). Inclui-se uma tradução inglesa em Literary and
Philosophical Essays. <<

[991]
Literary and Philosophical Essays, p. 207. O envolvimento é que o teísmo, por exemplo,
vai vinculado a uma focagem conservadora. <<

[992]
Ibid., p. 208. <<

[993]
Ibid., p. 220. <<

[994]
Ibid., p. 238. <<

[995]
Ibid., p. 185, nota 1. <<

[996]
Trad. inglesa, por H. Barnes, como Search for a Method (Nova York, 1963). <<
[997]
Paris, 1960. (Crítica da razão dialética). Nas notas seguintes nos referiremos a esta obra
com a sigla CRD. <<

[998]
Por exemplo, diz-se que a consciência da burguesía se expressou escuramente “na imagem
do homem universal proposta pelo kantismo” (CRD., p. 15). <<

[999]
CRD., p. 17. <<

[1000]
Segundo Sartre, toda tentativa de ir para além do marxismo é, de fato, volta a uma posição
premarxista. <<

[1001]
CRD., p. 28. <<

[1002]
É verdade, sem dúvida, que acontecimentos como a revolta húngara e a liberalização do
regime de Checoslovaquia baixo Dubeek foram desfigurados pelos teóricos e publicistas da
União Soviética. Mas também é quase evidente que no modo de atuar as autoridades soviéticas
influíram outros fatores além das consigna ideológicas. <<

[1003]
CRD., p. 28. <<

[1004]
Ibid., p. 29. <<

[1005]
Ibid., p. 60. <<

[1006]
Ibid., p. III. <<

[1007]
Ibid., p. III. <<

[1008]
Sartre refere-se, por certo, à liberdade como libertação com respeito à escravatura da
produção material segundo até aqui se veio padecendo, não à liberdade como estrutura do para-
si. Pois esta última é uma realidade sempre presente. <<

[1009]
CRD., p. 9. <<

[1010]
Ibid., p. 147. <<

[1011]
Ibid., P. 153. <<

[1012]
Ibid., p. 154. Por praxis entende Sartre a ação humana. A filosofia, assim que orientada
para o futuro, é ela mesma uma forma de ação e pode, por tanto, ser considerada como praxis.
<<

[1013]
Ibid., p. 135. <<
[1014]
Ibid., p. 153. <<

[1015]
Ibid., p. 120. <<

[1016]
Ibid., p. 156. <<

[1017]
Ibid., p. 635. <<

[1018]
Ibid., p. 635. <<

[1019]
Ibid., pp. 165-166. <<

[1020]
Ibid., p. 167. <<

[1021]
Ibid., p. 168. <<

[1022]
Ibid., p. 161. <<

[1023]
Ibid., p. 197. <<

[1024]
Para Sartre a violência é escassez interiorizada. <<

[1025]
Ibid., pp. 224-225, notas. <<

[1026]
Ibid., p. 223. <<

[1027]
Ibid., p. 232. <<

[1028]
Ibid., p. 350. <<

[1029]
A esfera ou fase da anti dialética é associada por Sartre com a razão analítica, o modo de
pensar característico da burguesía. Este é um dos motivos pelos que Sartre aos intelectuais
burgueses que descobriram a razão dialética lhes chama “traidores” a sua classe. Claro que a
palavra “traidores” a emprega só com intenção descritiva e não em sentido condenatorio. <<

[1030]
CRD., p. 376. <<

[1031]
Ibid., p. 601. Perinde ac cadaver, como um cadáver (isto é, tão docilmente como um
cadáver: sem oferecer nem a mais mínima resistência). <<

[1032]
Ibid., p. 609. <<

[1033]
Ibid., p. 609. <<

[1034]
Ibid., p. 610. <<
[1035]
Ibid., p. 610. <<

[1036]
Ibid., p. 369. <<

[1037]
Ibid., p. 635. <<

[1038]
Ibid., p. 16. <<

[1039]
Ibid., p. 15. <<

[1040]
Ibid., p. 15. <<

[1041]
Ibid., p. 688. <<

[1042]
O ponto de vista de Jaspers poderia ser expressado assim: Considerado como objeto de
estudo científico, o homem é algo já fato, e os indivíduos são clasificables de diversos modos
pelos fisiólogos, os psicólogos, etc. Para os filósofos da “existência” (Existenz) o homem é o
agente livre que se faz a si mesmo: é sempre “existência possível”. E a cada indivíduo é único,
uma única possibilidade de autotrascendencia. <<

[1043]
History of Russian Philosophy (Nova York, 1951). <<

[1044]
Desde depois que há um bom número de literatos franceses atuais cujos escritos têm
significação filosófica, mas em uma história da filosofia não pode ser tratado de todos eles.
Georges Bataille, autor de L ’experience intérieure (A experiência interior, 1943), Sul Nietzsche
(Envelope Nietzsche, 1945) e outras obras, é um dos mais destacados. <<

[1045]
Trad. inglesa, por Séc. Gilbert, como The Outsider (Londres, 1946) e The Stranger (Nova
York, 1946). <<

[1046]
Trad. inglesa, por J. Ou’Brien, como The Mythe of Sisyphus and Other Essays (Nova York
e Londres, 1955). <<

[1047]
Paris, 1950-1958. Uma seleção destes artigos foi publicada em versão inglesa por J.
Ou’Brien com o título Resistance, Rebellion and Death (Nova York e Londres, 1961). <<

[1048]
Trad. inglesa, por Séc. Gilbert, corno The Plague (Londres e Nova York, 1948). <<

[1049]
Trad. inglesa, por cf. Bower, como The Rebel. (Londres, 1953; versão revisada, Nova
York, 1956). <<

[1050]
Trad. inglesa, por J. Ou’Brien, como The Fall (Londres e Nova York, 1957). <<
[1051]
Trad. inglesa, por P. Thody, Notebooks 1935-1942 (Nova York e Londres, 1963) e por J.
Ou’Brien, Notebooks 1942-1951 (Nova York, 1965). <<

[1052]
Trad. inglesa, por Séc. Gilbert, como Caligula and Three Other Plays (Londres e Nova
York, 1958). <<

[1053]
Lhe mythe de Sisyphe (nova ed. francesa, Paris, 1942), p. 15. <<

[1054]
Ibid., p. 45. Distingue Camus entre o sentimento do absurdo e a ideia ou a convicção (a
consciência clara) do absurdo. <<

[1055]
Da peça de teatro Caligula <<

[1056]
Lhe mythe de Sisyphe, p. 94. <<

[1057]
Resistance, Rebellion and Death, p. 21. <<

[1058]
The Rebel, p. 13. <<

[1059]
Resistance, Rebellion and Death, p. 67. <<

[1060]
The Rebel, p. 253. <<

[1061]
Ibid., p. 253. <<

[1062]
Ibid., p. 251. <<

[1063]
Ibid., p. 252. <<

[1064]
Ibid., p. 268. <<

[1065]
Francis Jeanson publicou uma recensión crítica da obra. Camus replicou em forma de carta
ao editor da revista, Sartre mesmo. E esta carta suscitou uma combativa resposta de Sartre. <<

[1066]
Camus insistiu muito em que tinha que reduzir a violência. O qual incluía, para ele, a
eliminação da pena de morte. Vejam-se suas “Reflexões em torno da guillotina”, em Resistance,
Rebellion and Death. <<

[1067]
The Collected Fiction of Albert Camus (Londres, 1960), p. 282. <<

[1068]
The Rebel, p. 57. <<

[1069]
Ibid., p. 57. <<
[1070]
Por exemplo, um excelente trabalho sobre seu pensamento é o de A. de Waehlens intitulado
Une philosophie de l’ambiguité: l’existentialisme de Maurice Merleau-Ponty (Lovaina, 1951).
<<

[1071]
Trad. inglesa, por A. L. Fisher, como The Structure of Behaviour (Boston, 1963). <<

[1072]
Trad. inglesa, por C. Smith, como Phenomenology of Perception (Londres e Nova York,
1962). <<

[1073]
Trad. inglesa, por H, L. e P. A. Dreyfus, como Sense and Nonsense (Evanston, Illinois,
1964). <<

[1074]
Trad. inglesa, por J. Wild e J. M. Edie, como In Praise of Philosophy (Evanston, III., 1963).
<<

[1075]
Trad. inglesa, por R. C. MacCleary, como Signs (Evanston, Ill., 1964). <<

[1076]
Signs, pp. 226-227. <<

[1077]
Esta feição de seu pensamento é o que deu pé para a acusação de behaviorismo, acusação
cuja validade recusa Ryle. <<

[1078]
The Primacy of Perception and Other Essays, ed, de J. M. Edie (North-western University
Press, 1964), p. 3. <<

[1079]
Ibid., p. 13. <<

[1080]
The Structure of Behaviour, p. 99. <<

[1081]
Ibid., p. 161. <<

[1082]
The Primacy of Perception, pp. 4-5. <<

[1083]
Phénoménologie da perception. p. 493. <<

[1084]
Ibid., p. 467. <<

[1085]
Ibid., p. 229. A parole parlée. <<

[1086]
Ibid., A parole parlante. <<

[1087]
Ibid., p. 164. Praktognosis é a palavra acuñada por Merleau-Ponty. <<

[1088]
Ibid., p. 339. <<
[1089]
Ibid., p. 400. <<

[1090]
Ibid., p. 412. <<

[1091]
Phénoménologie da perception, p. 497. <<

[1092]
Ibid., p. 499. <<

[1093]
Ibid., pp. 509-510. <<

[1094]
Signs, p. 97 <<

[1095]
Uma trad. inglesa vai incluída em The Primacy of Perception. <<

[1096]
The Primacy of Perception, p. 161. <<

[1097]
Ibid., p. 161. <<

[1098]
Humanisme et terreur, p. 165. <<

[1099]
Veja-se Aventure-lhes da dialectique. <<

[1100]
The Primacy of Perception, p. 161 (no ensaio The Eye and the Mind). <<

[1101]
Signs, pp. 114-125. <<

[1102]
Trad. inglesa como The Savage Mind (Londres, 1962). <<

[1103]
Lévi-Strauss discute o emprego de termos como “etnología”, “antropologia social” e
“cultural”, e “sociologia” no capítulo XVII de seu Anthropologie structurale (1958; trad.
inglesa, por C. Jacobson e B. G. Schoerf, como Structural Anthropology, Nova York e Londres,
1963). <<

[1104]
Autor de Lhes mots et lhes choses (As palavras e as coisas) (Paris, 1966). <<

[1105]
Structural Anthropology, p. 356. <<

[1106]
Ibid., p. 2. <<

[1107]
Ibid., p. 363. <<

[1108]
Ibid., p. 23. <<

[1109]
Paris, 1933. (Psicologia da linguagem.) <<
[1110]
Um modelo estrutural tem de ter — diz-se-nos — as caraterísticas de um sistema, no
sentido de que nenhum de seus elementos possa sofrer uma mudança sem que se produzam
mudanças nos restantes elementos. Ademais tem de ser possível, em todo modelo dado,
estabelecer a série de transformações que resultem no grupo de modelos do mesmo. <<

[1111]
The Savage Mind, p. 268. <<

[1112]
Admite Lévi-Strauss que à antropologia lha apresente como ciência social. Mas recusa
toda tendência à considerar como disciplina isolada. Mediante a antropologia física vincula-se
com as ciências naturais, e vincula-se também com os estudos humanísticos, por exemplo
mediante a linguística e a arqueologia. <<

[1113]
The Savage Mind, p. 246. <<

[1114]
Ibid., p. 246. <<

[1115]
Ibid., p. 246. <<

[1116]
Ibid., p. 247. <<

[1117]
Ibid., p. 248. <<

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