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Maria Filomena Fontes Ricco e Madison Coelho de Almeida

SEGURANÇA DE VOO: UMA QUESTÃO DE DEFESA NACIONAL

Maria Filomena Fontes Ricco*


Madison Coelho de Almeida**

RESUMO
Segurança de Voo engloba vasta rede de procedimentos e processos, cuja
coordenação internacional envolve os Estados-Membros signatários da Convenção
de Chicago, a qual instituiu as bases da Organização de Aviação Civil Internacional
(OACI ou ICAO), com base em parâmetros de segurança e eficiência entre países.
Neste trabalho, é apresentada a situação do amplo contexto de Segurança de
Voo e seu relacionamento com a acepção de Defesa. Se a aviação das Forças
Armadas dos países signatários da OACI encontra-se sob normas próprias, no
que tange à investigação e à prevenção de acidentes aeronáuticos. À aviação
civil de tais nações cumpre, por meio dos entes reguladores próprios, extensa
normalização demandada do organismo supranacional. No Brasil, são três os
atores que interagem neste espectro, produzindo e regulando tal normalização:
Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Departamento de Controle do Espaço
Aéreo (DECEA) e Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos
(CENIPA); respectivamente responsáveis pela regulação da aviação civil,
pelo controle do espaço aéreo e pela investigação e prevenção de acidentes
aeronáuticos. O Gerenciamento do Risco é uma ferramenta aqui considerada,
uma vez que se presta a levantar riscos e mitigá-los. A investigação e a prevenção
de acidentes aeronáuticos não se encontram em detalhes nos documentos de
defesa, os resultados do estudo indicam que a Segurança de Voo permeia o
contexto de Defesa Nacional. As ações consideradas, notadamente as do CENIPA,
consubstanciam-se como parte dos assuntos de defesa, até pelo fato de a aviação
civil, que compartilha estruturas com a aviação militar, ser postulada como uma
das expressões do Poder Aeroespacial.
Palavras-chave: Defesa nacional. Investigação e prevenção de acidentes. Segurança
de voo. Gerenciamento de riscos.

____________________
* Professora Doutora do corpo permanente do curso de mestrado em ciências aeroespaciais
da Universidade da Força Aérea - UNIFA, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas
Ambientais - NEPAM da Universidade de Campinas - UNICAMP e líder do grupo de pesquisa em
Gerenciamento de Riscos da UNIFA. Contato: <filricco@gmail.com>.
** Mestrando em Ciências Aeroespaciais da UNIFA, investigador no Quarto Serviço Regional
de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos - SERIPA IV e instrutor do CENIPA.
Contato: <madison@seripa4.aer.mil.br>.

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Segurança de Voo: Uma Questão de Defesa Nacional

FLIGHT SAFETY: A NATIONAL DEFENSE TOPIC

ABSTRACT
Flight Safety encompasses a vast network of procedures and proceedings, for
which international coordination involved the signatory member states of the
Chicago Convention. It has established the bases of the International Civil Aviation
Organization (ICAO or OACI). Therefore, this paper presents the situation of the
broad Flight Safety context and its relationship with the meaning of Defense. If
the Army aviation of the ICAO signatory countries is under their own standards,
regarding to the investigation and prevention of aeronautical accidents, it necessary
to observe that the civil aviation of such nations is responsible, through their own
regulatory bodies, for develop extensive rules as demanded by the mentioned
supranational organization. In case of Brazil, there are three actors that interacts
in this spectrum, producing, and regulating such standards: National Civil Aviation
Agency (ANAC), Department of Airspace Control (DECEA) and Aeronautical
Accidents Investigation and Prevention Center (CENIPA): respectively responsible
for regulating civil aviation, for controlling the airspace, for investigating and
preventing aeronautical accidents. The Risk Management tool is an important
one as it lends itself to assess risks and mitigate them. In addition, despite the
fact that investigation and prevention of aeronautical accidents do not shows
themselves in details in defense documents, this study indicates that Flight Safety
permeates the context of National Defense. Actions considered, notably for those
performed by the CENIPA, constitute undoubtedly part of the defense issue,
especially because civil aviation, since sharing structures with military aviation,
can postulate as one of the expressions of Aerospace Power.
Keywords: National defense. Research and accident prevention. Flight safety. Risk
management.

LA SEGURIDAD DE VUELO: UNA CUESTIÓN DE DEFENSA NACIONAL

RESUMEN
La Seguridad de Vuelo, instrumentalizada en la investigación y prevención de
accidentes aeronáuticos, implica vasta red de procedimientos y actuaciones a los
Estados Miembros signatarios del Convenio de Chicago, que estableció la fundación
de la Organización de Aviación Civil Internacional (OACI o ICAO), con base en los
parámetros de seguridad y eficiencia entre los países. Este trabajo presenta la situación
del contexto amplio de seguridad de vuelo y su relación con el significado de Defensa.
Con respecto a la investigación y prevención de accidentes aeronáuticos, si la aviación
de las Fuerzas Armadas de los países signatarios de la OACI está bajo normas propias,

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para la aviación civil tales naciones cumplen, a través de sus organismos reguladores,
normalización supranacional. En Brasil, hay tres actores que interactúan en el espectro
de la aviación, que producen y regulan tales normas, a saber: la Agencia Nacional
de Aviación Civil (ANAC), el Departamento de Control del Espacio Aéreo (DECEA)
y el Centro de Investigación y Prevención de Accidentes Aeronáuticos (CENIPA),
responsables, respectivamente, para la regulación de la aviación civil, por el control
del espacio aéreo y por la investigación y prevención de accidentes de aviación.
Gestión de Riesgos es una herramienta que se considera aquí, una vez que se ocupa
de la evaluación de riesgos y su mitigación. Aunque que la investigación y prevención
de accidentes de aeronaves no estén explicitas en los documentos de defensa, los
resultados del estudio indican que la seguridad de vuelo impregna el contexto de la
Defensa Nacional. Las acciones consideradas, en particular aquellas del CENIPA, se
materializan como parte de las cuestiones de la defensa, desde que las estructuras de
la aviación militar son compartidas con la aviación civil, esta que se postula como una
de las expresiones del Poderío Aeroespacial.
Palabras clave: La defensa nacional. Investigación y prevención de accidentes.
Seguridad de vuelo. Gestión de riesgos.

1 INTRODUÇÃO

A obra de Douhet (1983), calcada na experiência em combate do general


italiano na Primeira Grande Guerra, vislumbrou um futuro de emprego crescente do
avião como máquina de combate. Douhet enfatizava a possibilidade do uso de meios
aéreos civis em proveito de campanhas militares, observando a plena capacidade,
em termos logísticos, das frotas nacionais comerciais. Sua análise delineou o apoio
da aviação civil em prol do poderio militar, o que mais tarde serviria de base para a
aviação como expressão de poder (ALMEIDA, 2006).
Do ponto de vista das ciências políticas, no decorrer do século XX, floresceram
no ocidente as clássicas teorias geopolíticas e, no século XXI, o contexto mundial
tornou-se mais complexo e interligado. As informações ignoram as fronteiras
geográficas e fluem em quantidade e com velocidade, agilizando os processos e
antecipando acontecimentos. A geopolítica tornou-se, então, indissociável das
estratégias do Estado nacional no controle do território e nas relações de poder
(PIETROBON-COSTA, 2014; GONZALEZ, 2013).
Nesse diapasão, consolida-se a ideia da aviação civil ou comercial como braço
a ser mobilizado na beligerância. Desde então, resta constatar que o espaço aéreo,
como uno, açambarca os riscos advindos de todas as aeronaves em seu bojo, sejam
civis ou militares. Da mesma forma, recursos à disposição – como a infraestrutura de
tráfego, as telecomunicações, os planos de manutenção que fabricantes estipulam
para a operação de aeronaves e equipamentos embarcados, bem como a atuação dos
entes reguladores de cada Estado nacional – correlacionam-se entre si, promovendo

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a integração de fronteiras e povos, de frotas comerciais e de Forças Armadas. E mais, a


permear toda essa conjuntura de comunalidade de equipamentos, civis e militares, há
acordos e convenções que não prescindem da Segurança de Voo como conceito, nem
ignoram as questões de soberania frente à geopolítica mundial. Exemplo concreto
reside no interrelacionamento entre autoridades de aviação, de diferentes Estados
Nacionais, que visam ao intercâmbio de informações técnicas.

2 A ATIVIDADE DE SEGURANÇA DE VOO

É inegável que a atividade aérea, integrante do escopo de defesa, torna-se mais


segura a cada década, caso considerada a quantidade de aeronaves e o número de
horas voadas versus a taxa de ocorrências. Isso se deve, de maneira basilar, aos dois
instrumentos de que se valem a indústria aeronáutica e a indústria do transporte
aéreo, a saber: a investigação dos acidentes, que beneficia tais indústrias com os
achados do trabalho investigativo por meio de método científico, e a prevenção
sistematizada em campanhas de conscientização, vistorias e outras ferramentas.
A prevenção e a investigação do acidente ou incidente aeronáutico encontram
respaldo nos dispositivos legais que disciplinam o Sistema de Investigação e Prevenção
de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER). Ambas têm como fulcro o levantamento de
fatores contribuintes, sua análise e, por fim, a emissão de ações corretivas ou de
recomendações que têm como objeto único a prevenção de novas ocorrências.
Rotineiramente, as atividades de Segurança de Voo coadunam-se com as
atribuições da Força Aérea Brasileira (FAB) e, como tal, absorvem recursos orçamentários,
além de, por meio do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos
(CENIPA), promoverem o intercâmbio de informações entre países vizinhos, a exemplo
dos alunos estrangeiros que para lá se dirigem em busca de formação.
Quanto à instrumentalização, tem-se o SIPAER como uma ferramenta que
abrange a aviação civil e que permanece atribuída ao Comando da Aeronáutica
(COMAER), conforme citado na Diretriz do Comando da Aeronáutica (DCA) 1-1/2012,
Doutrina Básica da Força Aérea Brasileira, no seu item 4.1.5:

Constituição Brasileira de 1988 manteve, como competência


da União, a exploração da navegação aérea, das atividades
aeroespaciais e da infraestrutura aeroportuária, seja diretamente
ou mediante autorização, concessão ou permissão. Com o passar
dos anos, muitas das atividades relativas à Aeronáutica civil
foram repassadas para outros órgãos da administração, como o
Ministério da Defesa, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e
a Secretaria de Aviação Civil (SAC), permanecendo, no Comando da
Aeronáutica, as atribuições relacionadas aos Sistemas de Controle
do Espaço Aéreo Brasileiro (SISCEAB) e de Investigação e Prevenção
de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER). (BRASIL, 2012b, p. 35).

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E, conquanto acidentes e incidentes aeronáuticos, como regra, demandem


investigação pela força de dispositivos internacionais dos quais o Brasil é signatário,
os processos investigativos refletem uma situação doméstica e apontam para a
ocorrência e recorrência de determinados fatores contribuintes, entre os quais
figuram o julgamento, a supervisão e o planejamento como principais aspectos
constantes nos acidentes ao longo dos anos, segundo o (CENTRO..., 2015).
Forçoso, ainda, registrar que o processo de investigação é validado e conserva seu
aspecto restritivo como instrumento reativo, já que redunda em prevenção de acidentes
pela aplicação de ações mitigadoras e recomendações de segurança a posteriori.
O cumprimento de recomendações de segurança (medida reativa), aliado à
realização de vistorias sistemáticas em provedores de serviço de aviação (medida
preventiva), contribui para a melhoria dos índices de segurança e, consequentemente,
para a menor perda de recursos humanos, financeiros e materiais.
O fortalecimento da aviação civil – enquanto componente do Poder
Aeroespacial – emerge com o advento de técnicas e de métodos que contribuem
para processos de prevenção. Lato sensu, o Poder Aéreo, em suas várias expressões,
encontra na melhoria dos índices de Segurança de Voo um alicerce inalienável, já
que tal melhoria é um dos postulados da Organização de Aviação Civil Internacional,
da qual o Estado Brasileiro faz parte.

2.1 O gerenciamento do risco instrumentalizado na segurança de voo

A prevenção de acidentes, por meio de medidas proativas, de campanhas


educativas e de análise de potenciais de perigo, instrumentalizadas em ferramentas,
como o gerenciamento do risco, é outro meio para que se evitem ocorrências
aeronáuticas, redundando num trabalho apriorístico.
Destaca-se aqui o consenso obtido por parte dos Estados-Membros da
ICAO, quanto a estudos conduzidos, desde a virada do último milênio, visando à
proposição de medidas que sistematizassem a gestão da segurança de voo. Surgiu
então, em 2013, o documento que congrega estudos daquele organismo, originários
da década passada: o Anexo 19 à Convenção de Chicago.
O Anexo 19 explicita a preocupação que os Estados Nacionais devem ter com a
continuidade de ações de mitigação de riscos e estipula um Sistema de Gerenciamento
da Segurança (Safety Management System – SMS) calcado em ferramentas de
gerenciamento de risco. No Brasil, ele foi adaptado pelas autoridades de aviação —
tanto pela autoridade de aviação civil, a ANAC, como pela autoridade aeronáutica, o
COMAER — como o Sistema de Gerenciamento da Segurança Operacional (SGSO).

O Estado estabelece controles, os quais regulam como os


provedores de serviço de aviação civil identificarão perigos

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e gerenciarão riscos à segurança. Estes incluem requisitos,


regulações específicas de operação e políticas de implemento
para o SMS de um provedor. Tais requisitos, regulações
específicas de operação e políticas de implemento são
periodicamente revistos, de forma a assegurar que estes
permaneçam relevantes e apropriados aos provedores.
(INTERNACIONAL..., 2013, p. A-2, tradução nossa).

Em tal esteio, na década anterior, a Federal Aviation Administration (FAA) e


a ANAC, como entes reguladores norte-americano e brasileiro, respectivamente,
adotaram em seus âmbitos práticas recomendadas pela própria ICAO. O organismo
norte-americano de regulamentação emitiu seu manual de gerenciamento de risco
na aviação, o Risk Management Handbook (FEDERAL..., 2009). E o Brasil disseminou
os procedimentos afetos ao gerenciamento de risco por meio do Programa Brasileiro
para a Segurança Operacional da Aviação Civil (PSO-BR). (AGÊNCIA..., 2009).

3 A EVOLUÇÃO DA NORMATIZAÇÃO DA SEGURANÇA DE VOO

Com a aproximação do fim da Segunda Grande Guerra, a história do mundo


retrata o uso do avião para os mais diversos fins, sendo marcante, já naquela época,
a preocupação com a organização dos Estados em torno de um objetivo comum, ou
seja, padronizar e facilitar as relações entre povos e nações por meio do aumento
do uso da plataforma aérea.
Faz-se mister destacar que, demandantes de uma organização de infraestrutura
no pós-guerra — em continentes ainda por se desenvolver e mormente no Velho
Mundo, destruído pelas batalhas nas cidades e campos —, os Estados possuíam o
seu arcabouço jurídico, o qual seria influenciado pela proposição de regulações nas
mais diversas áreas relacionadas à Aeronáutica.
Com relação às descobertas — ou achados — oriundos de investigações, o
Anexo 13 à Convenção de Chicago, enquanto diploma internacional maior, que rege
a investigação e a prevenção, determinou que a finalidade não é o apontamento
de culpa ou responsabilidade. Em 2006, a OACI emitiu o Apenso E ao mesmo
Anexo 13, estabelecendo medidas voltadas à proteção de informações derivadas
da investigação. O motivo da OACI fundamenta-se no fato de que tal proteção é
vital para a prestação de futuros esclarecimentos ou depoimentos, de forma que
pessoas entrevistadas tenham a segurança do uso de suas informações somente
para fins de prevenção, e não para fins judiciais (INTERNACIONAL..., 2010).
No Brasil, o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) contempla o SIPAER
quando trata da infraestrutura aeronáutica, definida como o conjunto de órgãos,
instalações ou estruturas terrestres de apoio à navegação aérea (BRASIL, 1986).
No que diz respeito à Estratégia Nacional de Defesa (END), o seu primeiro eixo
estruturante alude a como as Forças Armadas devem se organizar e se orientar para
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melhor cumprirem a sua destinação constitucional, as suas atribuições na guerra e


na paz. Especificamente, são apresentadas diretrizes que apregoam regularidade
e continuidade na alocação dos recursos orçamentários de defesa, aparelhamento
das Forças Armadas, incluindo capacitação profissional de seus integrantes e
estreitamento da cooperação com os países da América do Sul e com os do entorno
estratégico brasileiro (BRASIL, 2008).
Guardando coerência com dispositivos do diploma legal que trata da operação,
do preparo e do emprego das Forças Armadas, o Manual Básico da Escola Superior
de Guerra (ESG) explicita os elementos constitutivos do Poder Aeroespacial como a
Força Aérea, a Aviação Civil, a Infraestrutura Aeroespacial, a Indústria Aeroespacial e
de Defesa, o Complexo Científico-Tecnológico Aeroespacial e os Recursos Humanos
Especializados (ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA, 2014).
Mesmo a orçamentação ministerial, como citada no Livro Branco de Defesa
Nacional (LBDN), engloba atividades destacadas ao CENIPA e ao SIPAER, sendo
que, entre os Programas Orçamentários do Ministério da Defesa em 2011, constam
1,6% dos recursos destinados à Segurança de Voo e ao Controle do Espaço Aéreo
Brasileiro (BRASIL, 2012a, p. 221).
No que tange à Força Aérea Brasileira (FAB), as atribuições subsidiárias
particulares estão definidas na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999,
como: orientar, coordenar e controlar as atividades de Aviação Civil; prover a
segurança da navegação aérea; contribuir para a formulação e condução da Política
Aeroespacial Nacional; estabelecer, equipar e operar, diretamente ou mediante
concessão, a infraestrutura aeroespacial, aeronáutica e aeroportuária; além de
operar o Correio Aéreo Nacional (BRASIL, 1999). Frise-se que as primeiras ações da
referida Lei são atualmente atributos da ANAC, e não mais da FAB.
Sendo assim, as atividades de prevenção de acidentes, junto aos segmentos
da aviação civil brasileira, enquadram-se em atividades institucionalmente
destinadas à FAB. Em complemento, Honorato (2014, p. 487) descreve a interrelação
do estamento militar de defesa com o processo investigativo de aeronaves civis
brasileiras, posto que oficiais das Forças Armadas são formados no CENIPA e
desempenham papel de investigadores no SIPAER.
Buscando alinhamento ao CBA, a DCA 1-1/2012, Doutrina Básica da Força
Aérea Brasileira, também aborda o assunto.
4.2.2 Os elementos constitutivos do Poder Aeroespacial Brasileiro
são: a Força Aérea Brasileira, a Aviação Civil, a Infraestrutura Aero-
espacial, a Indústria Aeroespacial e de Defesa, o Complexo Cientí-
fico-Tecnológico Aeroespacial e os Recursos Humanos Especiali-
zados em Atividades Relacionadas ao Emprego Aeroespacial. [...]
4.2.2.2 Aviação Civil
É o conjunto das empresas de transporte aéreo, regular e não
regular, das empresas de serviços aéreos especializados e dos

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meios da aviação desportiva e da aviação privada do Brasil. A


Aviação Civil é fundamental para o desenvolvimento econômico
e social do País e representa uma importante fonte de recursos
humanos e materiais que podem ser mobilizados, em casos de
crises ou de conflitos armados, para atender às necessidades
complementares da Aeronáutica. (BRASIL, 2012b, p. 35-36).

No entanto, a par da questão de mobilização nacional e das estruturas


compartilhadas, outro enfoque deve ser dado à estrutura das indústrias de aviação
e de transporte aéreo sob a égide da Defesa Nacional, posto que o espaço aéreo é
uno, indivisível.
Em que pese haver documentação específica, desde 2013, que trata dos
protocolos de investigação de acidentes da aviação civil em separado da militar (dadas
à natureza das questões intrínsecas de sigilo envolvido nesta última), o espaço uno,
o controle do tráfego aéreo por estrutura também única e o compartilhamento dos
aeroportos por aeronaves comerciais, privadas e militares, faz com que a Segurança de
Voo da aviação militar não possa ser dissociada da Segurança de Voo da aviação civil.
Em 2013, o CENIPA buscou, por meio da unificação de quatro normas afetas à
Segurança de Voo, disciplinar conceitos e uniformizar padrões. Trata-se da emissão
da Norma de Sistema do Comando da Aeronáutica (NSCA) 3-13, acerca de Protocolos
do Estado Brasileiro para a Investigação de Acidentes Aeronáuticos, instrumento
demandado, sobretudo, pela necessidade de adequação dos parâmetros brasileiros
aos preconizados pela Organização de Aviação Civil Internacional, da qual o Brasil,
além de signatário, ocupa posição de destaque no tocante à Segurança de Voo e
Controle do Espaço Aéreo. A referida NSCA encontra-se em sua segunda edição
(BRASIL, 2014), sendo planejada pelo CENIPA uma nova revisão, posto que o Código
Brasileiro de Aeronáutica encontra-se em revisão desde 2015, no Senado Federal.

4 A SEGURANÇA DE VOO NO COTIDIANO DO CONTEXTO DE DEFESA

Embora a Estratégia Nacional de Defesa, o Livro Branco de Defesa Nacional


e outros documentos ostensivos, específicos de Defesa, não citem ou discorram
explicitamente sobre Segurança de Voo, esta perpassa todas as atividades da Força
Aérea e das Forças Armadas.
Em exemplificação ao contexto de Segurança de Voo, sempre presente em
situações relevantes que envolvem estruturas de investigação e prevenção de
acidentes aeronáuticos, estão as operações conjuntas, executadas com frequência
desde a criação do Ministério da Defesa. Áreas de operação, regras de engajamento
e identificação de aeronaves incursoras, entre outros, são aspectos constantes dos
briefings e debriefings das missões conjuntas, congregando várias forças combatentes,
notadamente entre tripulações de mais de uma nacionalidade. Nesse prisma, a
padronização clara de procedimentos concorre para a segurança das operações.

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Figura 1 - Operação Conjunta das Forças Aéreas do Brasil e dos Estados Unidos

Fonte: Agência Força Aérea, 2015.

A figura 1 mostra as aeronaves F-5EM e C-5 em operação conjunta das forças


aéreas do Brasil e Estados Unidos e a torre de controle do Aeroporto Internacional de
Campo Grande/MS. Manobras militares abrangem elementos de Segurança de Voo,
permeando as missões entre as forças estrangeiras e o tráfego aéreo civil. Ao mesmo
tempo, o controle de tráfego aéreo brasileiro contempla a Segurança de Voo no espaço
aéreo, atividade esta que abrange as aviações civis e militares, indistintamente.
O controle do tráfego aéreo brasileiro também amalgama as ações de
segurança do espaço aéreo com aquelas da defesa. Diuturnamente, gerencia
incidentes de tráfego aéreo em território nacional, dando a tais eventos tratamento
no Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes/Incidentes do Controle do
Espaço Aéreo (SIPACEA). Com efeito, o DECEA também adota o modelo integrado
de Defesa Aérea, compartilhando recursos do controle do tráfego civil.
A aquisição e a modernização de aeronaves na Força Aérea, na condição
de linha de ação estipulada na END, abrangem aspectos como o suporte logístico
contratado, que incluem a aquisição continuada de publicações, ferramentas,
equipamentos diversos, além de treinamento de tripulantes e pessoal de terra.
Nesse suporte, a Segurança de Voo se faz presente no correto dimensionamento de

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equipes, na disseminação e compartilhamento de conhecimento nas atividades de


manutenção e de supervisão, no emprego de equipamentos de precisão calibrados,
na utilização de publicações atualizadas e no correto uso das ferramentas de
manutenção e bancadas de teste. Todas essas ações levam à mitigação de riscos
desnecessários, com a consequente prevenção de custosos acidentes.
A figura 2 apresenta imagens de dois trabalhos técnicos das Forças Armadas
diretamente relacionados à Segurança de Voo. A primeira diz respeito à manutenção
programada da aeronave C-95C e a outra mostra a operação de equipamentos
da aeronave P‑3AM. Manutenção e operação caminham juntas, concebendo a
Segurança de Voo como princípio base.

Figura 2 - Trabalhos técnicos relacionados à Segurança de Voo

Fonte: Agência Força Aérea, 2015.

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Ao mesmo tempo em que a observância a padrões internacionais é questão


crucial da segurança da aviação, alguns autores recomendam que o Brasil deveria
também rever a tese da estabilidade estratégica no entorno regional, sempre quando
em face da alta probabilidade de desestabilização. Segundo eles, deve-se evitar que
a Segurança de Voo torne-se uma vulnerabilidade ou um risco, um componente
tão crítico que possa vir a ter resultados políticos que tanto afetem a sobrevivência
das fronteiras do Estado, suas instituições ou enfraqueçam a capacidade do Estado
de agir efetivamente nos campos das políticas interna ou externa (AYOOB, 1992;
RUDZIT; NOGAMI, 2010).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relevância da Segurança de Voo coaduna-se com os preceitos constantes


na Estratégia Nacional de Defesa e documentos correlatos, sendo que a aplicação
coerente dos recursos de defesa engloba a execução orçamentária em atividades
de investigação e de prevenção de acidentes aeronáuticos.
Isto acontece não como questão de segurança nacional stricto sensu, pois as
ações não tratam de perigo real e imediato para o Estado, tais como o narcotráfico,
o terrorismo e o tráfico ilícito de armas, nem são apresentadas como causas
estruturais de problemas de segurança de grande parte dos países da região, como
pobreza crítica, desastres naturais, saúde, meio ambiente e comércio. Contudo,
consolidam-se como capacidade aeroestratégica, porquanto as ações de Segurança
de Voo podem vir a significar vulnerabilidade ou risco para os meios de defesa aérea
(GONZALEZ, 2008).
As tarefas da Segurança de Voo, como subsidiárias, mas não menos importantes
para a colimação dos objetivos da Força, encontram respaldo em dispositivos legais,
a exemplo da Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, e da própria DCA 1-1,
de 21 de junho de 2012.
O padrão investigativo de acidentes, que gera recomendações técnicas,
forma a base da Segurança de Voo. O Estado, signatário de acordos, assume
compromissos internacionais que vêm ao encontro da adoção de padrões para a
melhoria dos índices de segurança. O sistema de investigação é contributivo da
geração de recomendações que, bem cumpridas, consolidam a conscientização da
cultura organizacional da segurança (BRASIL, 2014).
Embora a expressão Segurança de Voo esteja adstrita à documentação
normativa do CENIPA, do DECEA e da ANAC, a metodologia investigativa de um
acidente aeronáutico é a mesma, quer se trate de frota da aviação militar, comercial
ou privada, fazendo com que o conceito de Segurança de Voo perpasse todo o
arcabouço que trata de questões de Defesa e de Segurança Nacional. E, ainda,
a Força Aérea, como braço armado, vale-se de estruturas compartilhadas com a
aviação civil, esta última passível de mobilização nacional.

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Segurança de Voo: Uma Questão de Defesa Nacional

Sendo assim, o transporte aéreo não pode prescindir de acordos técnicos e


de estudos que visem ao aumento da segurança. Os custos humanos e materiais
decorrentes dos acidentes aeronáuticos também justificam tal máxima (BRASIL,
2014). E Defesa e Segurança de Voo não podem ser conceitos dissociados, por mais
que documentações da base da Segurança Nacional não mencionem, explicitamente,
atividades de prevenção e investigação de acidentes.
Em síntese, o compartilhamento de estruturas físicas e documentais, a
unicidade do espaço aéreo, a abrangência de aspectos como o treinamento, a
manutenção e a operação — concorrentes para o aprestamento do aparato de
defesa — conferem à Segurança de Voo a posição de fator estabilizante e, portanto,
parte integrante do amplo contexto da Defesa Nacional.

REFERÊNCIAS

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