Gostaria apresentar, de uma maneira sistematizada,
a pedagogia de Jesus como mestre. Como é o conjunto, quais são as suas partes, e como cada uma se articula no conjunto.
Vou começar com algumas pequenas observações
sobre a questão do guardar a palavra, um dos elementos importantes desta pedagogia.
Estive tentando mostrar que Jesus não era um
pregador ocasional. Ele tinha uma pedagogia muito extraordinariamente bem elaborada e conhecia as etapas da vida espiritual por onde queria conduzir seus discípulos melhor que ninguém. São aquelas etapas que começaram a ficar muito claras com o livro do Castelo Interior de Santa Tereza, já tinham antes começado a ficar claras com o livro do Ricardo de São Vitor sobre a Arca da Aliança. Neste livro Ricardo de São Vitor, no século XII, mostra como a estrutura do tabernáculo da Aliança de Moisés é a estrutura da vida espiritual. Depois dele Santa Teresa veio com as sete moradas e depois os padres dominicanos, do final do século XIX até o teólogo Antonio Royo Marin, trataram de estudar o assunto fazendo uma síntese entre Santa Tersa de Ávila e Santo Tomás de Aquino e chegaram ao esquema que Royo Marin coloca ao descrever os nove graus de oração. Mas esta descrição do desenvolvimento da vida espiritual estava evidente desde o princípio da pregação evangélica. Aquela escadinha de São Pedro, que está no princípio da segunda carta de São Pedro, aquela onde Pedro diz que se alguém tem uma fé do mesmo valor que a dele, ou seja, está falando da fé em Cristo, deve começar a vida espiritual pela fé, à fé acrescentar a virtude, à virtude o conhecimento, ao conhecimento a enkratéia, à enkratéia a hypomoné, à hypomoné a eusebéia, à eusebéia o amor ao próximo, ao amor ao próximo a caridade e à caridade o supra conhecimento de Cristo. Esta sequência é a própria descrição dos nove graus de oração. São todos os graus de oração, do modo como Jesus os havia ensinado aos Apóstolos, só faltando, porém, o último grau, o matrimônio espiritual. Na escadinha de São Pedro não se fala do equivalente ao nono grau. Na Epístola de São Pedro não é mencionado, mas é mencionado nos escritos de São João.
No esquema de Jesus, Jesus aceitou para seus
discípulos judeus praticantes, se fosse hoje, ele aceitaria hoje para ensinar a católicos perfeitamente praticantes, como na época foi o jovem rico. Aquele jovem praticava, dizia ele, os mandamentos desde criança. "Ótimo", responde Jesus. "Então não te falta mais nada, exceto uma coisa. Deixe tudo e venha comigo. Eu estou percorrendo toda a Galiléia inteira. Venha comigo e eu lhe ensino o restante". Mas o rapaz não quis. Porém o episódio mostra quem era o tipo de pessoas que Jesus aceitava para entrar na escola apostólica. Já na escola apostólica, a idéia era primeiro levar os discípulos até a oração de simplicidade, que é o quarto grau da oração, no esquema do Royo Marin, ou a terceira morada, no esquema de Santa Teresa, ou até diante do véu do Santíssimo no Tabernáculo de Moisés, se usássemos o esquema de Ricardo de São Vitor. A idéia, na linguagem de Ricardo de São Vitor, seria tirar a pessoa do pátio dos holocaustos, que são os católicos praticantes, e introduzi-la dentro do recinto do Santo, o que precede o Santíssimo. E era isso que Jesus fazia na primeira parte da sua pedagogia. Foi a época em que ele deu formação pública aos apóstolos. E foi, depois, basicamente, a formação que os apóstolos davam para as primeiras comunidades cristãs. Tratava-se de ensinar o cristão a conduzir uma vida de oração, de doação a Deus e ao próximo, e trazê-lo até à oração de simplicidade, que é o que São Pedro chama na sua sequência de eusebéia.
Jesus nos diz claramente que ele conseguiu aquilo
o que ele quis. No final da Última Ceia, ele diz: "Pai, eu cumpri a minha missão, eu manifestei o teu nome àqueles que me deste". Embora formalmente isto não seja exatamente a mesma coisa, todavia equivale, na prática, a dizer: "Eu trouxe essas pessoas, com a exceção de Judas Iscariotes, à oração de simplicidade".
No itinerário da vida espiritual vemos,
basicamente, quatro etapas, fases ou ciclos. A primeira consiste em nos tornamos cristãos ditos, na linguagem de hoje, praticantes. Cristãos autênticos, que se afastaram do pecado grave, que conduzem uma vida de piedade, de oração e de sacramentos. São estas as pessoas aptas para a segunda etapa da vida espiritual, que é quando se inicia a busca de uma vida de perfeição, ou melhor dizendo, quando se buscam os rudimentos da vida de perfeição, e o objetivo é conduzir a pessoa até a oração de simplicidade. Isto seria atravessar as segundas e as terceiras moradas de Santa Teresa.
A terceira etapa é a que os apóstolos fizeram no
cenáculo com o auxílio da Virgem Maria. E o fizeram em um tempo inusitadamente rápido. Geralmente isto requer mais tempo, não é uma questão de alguns dias. Mas, em situações excepcionais, com boa orientação, por disposições da divina providência, pela Ressurreição de Cristo, pela presença da Virgem Maria, pelas disposições ótimas dos apóstolos e pelos méritos de Cristo recém subido à direita do Pai, os apóstolos fizeram isto em questão de poucos dias, um mês e meio no total e dez dias intensos no cenáculo. É aquela etapa na qual percorre-se o trajeto que vai da oração de simplicidade até a contemplação infusa.
A última etapa é aquela que São João fez, em
privado, com a Virgem Maria, hóspede em sua casa. A Virgem Maria ajudou São João a vir desde a contemplação até o matrimônio espiritual, ou a sétima morada, ou a perfeita união com Cristo.
Estas quatro etapas são quatro etapas bem nítidas.
Delas a mais difícil, a mais complicada, porque nesta época os discípulos são proporcionalmente ainda muito ignorantes, é a segunda. É quase como querer ensinar um asno, ainda que ele tenha boa vontade. As seguintes são bem mais dificeis, consideradas em si mesmas, mas quando se chega a elas geralmente o aprendiz está mais bem preparado. A parte mais difícil é justamente aquela que Jesus tomou pessoalmente e publicamente. É a etapa onde tomamos um cristão praticante e o levamos à oração de simplicidade, que é a parte mais detalhadamente descrita em seus passos na escadinha de São Pedro. É a parte mais complicada, porque os alunos são mais difíceis, como pode ser visto no comportamento de São Pedro e no comportamento dos apóstolos durante a vida pública de Jesus. Se Jesus não soubesse em sua infinita sabedoria que é exatamente assim que as coisas se dão, teria desmaiado inúmeras vezes de decepção. Mas é assim que as coisas se dão. E Jesus completou sua missão, no prazo previsto e com sucesso.
Eu estive descrevendo os elementos básicos do
ensinamento de Jesus aos apóstolos durante a sua vida pública. É a escola onde entraria o jovem rico, se este tivesse largado tudo e ido atrás de Jesus. Supõe-se que ele já cumprisse os mandamentos com uma certa perfeição. Se houvesse alguma coisa a corrigir, seria advertido quanto a isso logo de início. Mas em primeiro lugar, o que ele iria aprender nesta etapa da pedagogia de Jesus seria o exercício da fé. É o fundamental, é o ponto de partida, é o fundamento básico de tudo. Jesus queria ensinar os seus discípulos que, além de praticar os mandamentos, temos que aprender a crer. O motivo já o mencionei diversas vezes em outras ocasiões. Trata-se que, no momento em que cremos, nós somente o fazemos porque interagimos com aquela luz sobrenatural que vem do Verbo, aquela luz que São João diz que estava junto com o Verbo e brilhou sobre todos os homens. No momento em que cremos, estamos colocando o nosso fio em uma tomada que procede do interior da Santíssima Trindade, onde está a verdadeira vida. São Paulo diz que o Evangelho é uma força que age sobre aqueles que creem. Se é assim, no momento em que conectamos com a tomada da fé, quando aprendemos a usar a tomada da fé, uma luz se liga. Ainda que no início não a estejamos vendo, ela está realmente vindo. E, pouco a pouco, vai se manifestando. De que modo ela vai se manifestando? Basicamente, na linha que está descrita por São Paulo quando ele descreve os nove frutos do Espírito Santo. Ele diz: "O fruto do espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, enkratéia". As primeiras manifestações desta luz de que fala São João são aqueles frutos do Espírito Santo. No começo não os vemos claramente. Mas à medida em que vamos progredindo vão se tornando cada vez mais evidentes. E, quando isto estava bem evidente, durante a última ceia, Jesus diz para os apóstolos estas palavras que são extraordinárias, se as comparamos com as de São Paulo na Epístola aos Gálatas, onde Paulo diz que entre os frutos do Espírito Santo, ordenando estes frutos, o maior de todos é o amor, depois a alegria, depois a paz, depois os outros.
Na última ceia, no capítulo 15 do Evangelho de
São João, Jesus disse para os apóstolos: "Agora eu sou a videira, meu Pai é o agricultor e vocês são os ramos. Agora quero que vocês não se separem mais de mim. Permaneçam na fé, permaneçam no meu amor, porque eu vos quero amar como o Pai me amou. E, por isso, quero que vocês permaneçam no meu amor. E estou falando isto, porque quero também que a minha alegria esteja em vocês, e esta alegria seja plena".
Gostaria que percebessem que está se tratando dos
dois primeiros frutos do Espírito Santo. Jesus não tinha usado estas expressões antes. No capítulo 15 de São João ele diz: "Quero que não se separeis mais de mim. Quero que permaneçais constantemente na fé. Quero também que permaneçais no meu amor, porque só assim é que ireis crescer. Sem mim nada podeis fazer". Notem que não se trata de um preceito jurídico. Poder fazer isto depende do nível da constância e da vivência da fé. Para receber um pedido como este, a pessoa que o recebe deve ser capaz de perceber que existe a presença de uma visita sobrenatural que está produzindo os frutos do Espírito Santo. E, em perfeita coerência com isso, Jesus continua: "Então, agora, quero que percebais, quero que vejais, que pretendo começar a manifestar-vos o mesmo amor que o Pai me amou desse toda a eternidade. Desejo transmitir-lhes um pouco da experiência da Santíssima Trindade. E quero que a minha alegria, que é o segundo fruto do Espírito Santo, esteja convosco. Desejo transfundir-vos um pouco disso". É o próprio Cristo que, em sua natureza humana, está nos repassando os frutos do Espírito Santo, amor e alegria. Jesus só poderia estar falando desta maneira se os apóstolos tivessem chegado à eusebéia, à oração de simplicidade. É a partir daí que estas coisas começam a acontecer. Quero agora chamar atenção de vocês como é que Jesus tomou pessoas que já seriam católicos praticantes, ou judeus praticantes e os conduziu à eusebéia.
Primeiro ensinou-lhes a importância da fé.
Ensinou, na prática, como se deve crer, o que é uma coisa difícil para a maioria das pessoas. Não porque seja difícil em si, mas porque nós temos uma natureza decaída. Apesar de ser uma coisa tão simples, não conseguimos entender do que se trata. Crer não é simplesmente concordar e assinar um papel atestando o fato como se fosse um contrato. Trata-se de uma experiência. Crer é caminhar em uma luz que não é a que os olhos podem ver. Crer é um exercício que deve se tornar permanente. Pela fé, passamos da carne e da psiquê para o espírito. Pela fé entramos em contato com o Espírito Santo. Os frutos do Espírito Santo operam em nós no momento que cremos. O evangelho é uma força que age sobre aquele que crê. Então, nesta que é a segunda parte da vida espiritual, aprender a crer é a primeira coisa. Aprender a crer é onde começa a escadinha de São Pedro, é a tabuada para os que vão aprender matemática. É o ponto de partida. Sem fé é impossível agradar a Deus.
Então, uma vez que se aprendeu-se a crer, Jesus
ensinaria aos apóstolos o modo de crescer na fé. Vemos que, basicamente, em sua essência, são poucos modos.
O primeiro destes modos é a oração. Estamos
falando da oração tal como Jesus a ensinou no capítulo 6 do Evangelho de Mateus, apesar de, sob mil formas, o mesmo está enraizado em todo o Novo Testamento. Jesus ensina que entremos no quarto, entrar no quarto significa que nos recolhamos do mundo exterior, e fechemos a porta, que significa crer em Cristo. Com isto quer dizer que, através da fé, pela sua luz, entraremos em contato com sua humanidade ressuscitada. Se aprendemos a fazer um ato de fé, temos certeza que se cremos que Jesus está ressuscitado, no momento em que cremos, estamos fazendo isto através daquela luz que procede do Verbo, mesmo que no início não estejamos vendo nada a não ser que cremos. Começaremos a ver alguma coisa depois. Então, no momento que nos recolhemos para rezar e cremos, estamos em contato com Cristo. É Cristo que, em sua humanidade unida à divindade, que pode nos ver e nos abraçar. Neste ponto, continua Jesus quando ensina a rezar, há que se buscar um lugar escondido naquele quarto em que, pela fé, fechamos a porta. Este lugar escondido é um lugar para amar a Cristo que já está conosco pela fé. Não é algo diferente do que já fazemos quando recebemos a Eucaristia. Neste ponto a oração deve ser semelhante a como se estivéssemos recebendo Eucaristia, sem as espécies eucarísticas. A oração é uma espécie de Eucaristia. Não é exatamente a mesma coisa, mas deve caminhar nesse sentido.
Em seguida Jesus nos ensina que, quando
estivermos na oração em união com Cristo pelo amor, temos que entender outra coisa mais. Estamos em comunhão com Ele em sua humanidade, mas Ele não é apenas um ser humano, é o Verbo. Então, como Verbo, ele está na Santíssima Trindade. Jesus então nos pede que façamos a coisa completa. Junto comigo, diz Jesus, vamos agradecer ao Pai por Ele ter-me enviado, por ter feito com que eu seja teu irmão. Vamos agradecer ao Pai, junto com o Espírito Santo. O Espírito Santo é a recompensa que, quando nós nos unimos a Cristo no lugar oculto, o Pai nos concede no manifesto, como diz a passagem do sexto capítulo de Mateus onde Jesus ensina a rezar. Vamos então, junto comigo e com o Espírito Santo, agradecer ao Pai, pelo bem que Ele fez por ter feito o mundo, e por ele estar te convertendo em filho de Deus. Então, vamos rezar um Pai Nosso.
O Pai Nosso é uma oração trinitária. Nós somente
conseguimos rezar o Pai Nosso se enxergarmos que estamos entrando na Santíssima Trindade, junto com Cristo e com o Espírito Santo que nos é enviado pelo Pai quando nos unimos a Cristo, amando o Pai do modo como Jesus O amou e recebendo do Pai, através do Espírito Santo, o mesmo amor com que Cristo foi amado. Foi por isto que Jesus disse aos apóstolos que ele queria nos amar com o amor com que o Pai o amou. Somos envolvidos pelo Espírito Santo, que está operando seus frutos e mais adiante jorrará como rios de água viva para que possamos amar ao Pai do modo como o Verbo o ama na Santíssima Trindade. A oração que Jesus nos ensina no Evangelho de São Mateus é, portanto, aquilo que iremos viver se chegarmos à visão beatifica. O Pai Nosso é o próprio céu. Nunca encontraremos outra oração e outro modo de oração tão bem escrito como este. As mais belas orações que existem, mesmo se forem dos Salmos, não chegam aos pés do Pai Nosso. Com isto Jesus ensinava aos seus discípulos que o primeiro modo, para quem já crê, de aumentar a fé, é a oração. Mas Jesus se referia principalmente a esta oração como ele no-la ensinou. Trata-se de recolher-se, entender bem, ter clara consciência que estamos nos encontrando com Cristo, crer, ter certeza que se cremos é Cristo, em sua humanidade, que está conosco e amá-lo, não querer separar-se mais da união com Ele. E quando estivermos bem certos que estamos na sua intimidade, dirijamo-nos para dentro da Santíssima Trindade junto com Cristo e o Espírito Santo que recebemos do Pai por ter amado a Cristo, e agradeçamos ao Pai, junto com Cristo e o Espírito Santo, por Ele ter gerado o Verbo, do modo como o faremos mais claramente quando estivermos no Paraíso.
O Pai Nosso, neste sentido, é também um objeto de
meditação profunda. Nele se encontram todos os desejos do coração de um homem santo. Este é, então, o primeiro grande método que Jesus ensinou aos apóstolos para poder crescer na fé. O primeiro grande ensinamento de Jesus, neste sentido, depois da importância da própria fé, foi a oração.
O segundo grande ensinamento de Jesus foi o
guardar a palavra. Jesus ensinou que, além da oração, temos que aprender a guardar a palavra. Trata-se da palavra dEle mesmo, que nos foi transmitida pelos apóstolos no Novo Testamento. Por que isso? Se examinarmos atentamente, Jesus não está exatamente ensinando como fazer uma leitura espiritual. As expressões que o Novo Testamento usam referem-se a guardar a palavra. Não se fala diretamente em leitura. O que nos é dito é para guardar. Isto é muito forte. Guardar significa colocar no coração e não mais remover de lá.
A explicação última do que significa guardar a
palavra depende de entender o que é a eusebéia, a oração de simplicidade, e papel que ela desempenha no desenvolvimento da vida espiritual. Quando nós formos capazes de perceber que na oração, ao nos recolhermos, os frutos do Espírito Santo começam operar, e que não se trata de um fenômeno psicológico, quando começamos a perceber que trata- se de algo sobrenatural, ainda que seja muito fraco, e que estamos chegando perto de onde os apóstolos estavam chegando próximos da última ceia, Jesus vai nos convidar a permanecer ali, do modo como Ele fêz aos Apóstolos no capítulo 15 do Evangelho de São João: "Se vocês chegaram até aqui agora são capazes de entender o que eu quero dizer: Eu sou a videira, vocês são os ramos, o ramo não pode viver sozinho. Ele tem que viver unido à videira, e se vocês estiverem unidos a esta videira, meu Pai, que é o agricultor, irá purificá-los para darem mais frutos. Portanto, a partir de agora não se separem mais de mim. Permaneçam na fé, permaneçam no meu amor. Eu quero começar a amá-los como eu fui amado pelo meu Pai". Jesus está convidando aqueles que chegaram à eusebéia a permanecerem na sua presença. Mas só conseguimos fazer isso quando chegamos na eusebéia, quando começa a ficar evidente que, ao nos recolhermos e exercermos a fé, o Espírito Santo está operando. Antes disso não há como fazer estas coisas.
Muitos de vocês devem ter lido como São Paulo na
Epístola aos Gálatas lhes pergunta se não era evidente para eles que quando eles rezavam era o Espírito Santo que rezava neles. Muitos de nós podem ter visto um problema nesta passagem, porque quando nós rezamos não percebemos que o Espírito Santo reza conosco. Só percebemos que nós estamos rezando. A explicação é que no começo nós de fato não o percebemos. Só começamos a percebe-lo quando nos estivermos aproximando da oração de simplicidade. Quando aprendermos a rezar mais profundamente, a crer mais profundamente, pouco a pouco irá chegar uma hora em que quando rezamos, perceberemos que o Espírito Santo reza dentro de nós e, mesmo assim, não será algo espetacular, é uma luz que vai surgindo como a estrela d´alva. Quando vai nascer o dia, primeiro surge a estrela d’alva. Ainda é noite, surge aquela pequena luzinha, depois ela vai clareando, o meio-dia só virá bem depois.
Este é exatamente o motivo por que Jesus queria
que aprendêssemos a guardar a palavra, e não apenas que fizéssemos uma leitura espiritual. Porque enquanto não conseguimos permanecer na presença de Cristo pelo Espírito Santo enviado pelo Pai, Jesus pede que guardemos a sua palavra como se estivéssemos nos preparando para permanecer na sua presença. É como se Ele nos estivesse dizendo: "Se vocês querem realmente chegar à eusebéia, devem começar a ter esse amor à palavra, a esta palavra que eu estou pronunciando com a boca ou escrevendo, através dos Apóstolos, como se fosse eu mesmo falando em vocês. Devem fazer com que aquela palavra não saia do seus corações. Não é apenas uma questão de memória, apesar da memória estar envolvida, é uma questão de amor, é uma questão de perceberem que aquelas palavras foram as palavras que o Pai me deu para que eu as passasse como um sinal de amizade. São minhas palavras, e gostaria que vocês permanecessem nelas, exatamente como se estivessem se preparando para aquele dia em que eu lhes disser, mais adiante: agora eu sou a videira, vocês são os ramos, permaneçam no meu amor, quero começar a amá-los como o Pai me amou, através do Espírito Santo que, através de mim, o Pai lhes enviará. Quero pouco a pouco transfundir-lhes a alegria que há na Santíssima Trindade, até que a alegria de vocês seja plena".
Então, nesse sentido, o guardar a palavra não é
apenas uma leitura espiritual que fazemos de manhã e depois vamos trabalhar e a esquecemos, até no dia seguinte fazermos mais alguns minutos de leitura espiritual. Fazer isto é válido, mas não era exatamente isso o que Jesus queria dizer quando falava sobre guardar a palavra. Jesus disse aos judeus que tinham acabado de crer nele: "Se vocês creram, permaneçam na minha palavra e sereis verdadeiramente meus discípulos". Então, se têm algo importante e sério para fazer, que exija atenção, façam. Mas, caso contrário, em vez de se preocuparem com pensamentos desocupados, entendam que nosso coração não pode estar nesse mundo, nem nas curiosidades deste mundo. O nosso coração deve já estar no lugar onde um dia estaremos. E nós temos que começar a aprender a fazer isto pela palavra. Trata-se de uma maneira de purificar toda a nossa mente, toda a nossa alma, e fazer com que o nosso coração se destaque do mundo, da carnalidade, da vã curiosidade do dia a dia, e comecemos a aprender a ter um coração cheio de Deus. Obviamente, portanto, apesar da memória estar envolvida, não se trata apenas de um exercício da memória, trata-se de um exercício da fé. Tanto a oração, como o guardar a palavra, são exercícios da fé. Guardar a palavra só alcança a sua finalidade se crermos que aquelas palavras são as de Cristo, e que este é o mesmo Cristo que encontramos quando estamos em oração, e que, ao nos debruçarmos sobre a palavra com esta fé, justamente por causa desta fé, iremos compreender o seu conteúdo não apenas pelas nossas próprias capacidades intelectuais. No momento em que cremos há uma luz sobrenatural do Verbo que age sobre nós. Então, no momento em que cremos, se estamos guardando a palavra, uma luz sobrenatural, que vem do Espírito Santo através do Verbo, age sobre nós e começa a nos mostrar um sentido mais profundo daquela palavra. A experiência dos que guardam a palavra, desde os primórdios do Cristianismo, é que começam a entender um sentido mais profundo daquilo que leemos e guardam, e que outras pessoas em sua volta não conseguem alcançar, por mais que lhes seja explicado, a menos que sejam pessoas que estejam também empenhadas em uma vida de oração e de busca da intimidade divina. Apesar da memória estar bastante envolvida, não se trata apenas de um exercício da memória. É diferente, por exemplo, de quando estuda-se matemática. Os grandes matemáticos também guardavam a matemática. Eram pessoas que não pensavam em outra coisa, mas o que faziam não era um exercício da fé, tratava-se de um simples exercício da inteligência natural. Do mesmo modo, a oração não produzirá os efeitos apontados por Jesus se não for um exercício da fé e se ela não produzir um aumento da fé. E o guardar a palavra, apesar de ser como que uma fisioterapia da permanência na presença de Cristo, uma preparação para permanecer na presença de Cristo quando se chega à eusebéia, não é apenas um exercício da memória, não pelo menos no sentido que o homem do século XX e XXI entende esta palavra. O guardar a palavra somente produz os resultados que Cristo nos ensinou a esperar se recebermos a palavra com a mesma fé com que recebemos Eucaristia e com a mesma fé com que nos aproximamos da oração. Trata- se de um exercício de fé, e mais, de um exercício para aumentar a fé. Esta era a pedagogia de Jesus nesta etapa. Para quem já é cristão praticante, que cumpre os mandamentos porque já tem alguma fé, já tem alguma vida de oração, ainda que desordenada, e já tem uma vida sacramental, Jesus ensina primeiro o exercício da fé e depois nos dá os exercícios para fazer a fé crescer. O primeiro deles é a oração, quando nos recolhemos na intimidade com Cristo, pela fé e, através do Pai Nosso, mergulhamos na Trindade, de onde nos foi enviado Cristo. O segundo deles é o guardar a palavra, que também é um exercício da fé. Se guardamos a palavra, através da fé, somos iluminados por uma luz que nos irá permitir entendê- la melhor, e nosso coração irá se destacando das coisas terrenas enquanto ainda não conseguimos perceber claramente que, quando rezamos, o Espírito Santo está rezando conosco, ainda que muito silenciosamente. Os grandes santos o percebiam de uma maneira estrondosa. Os santos da perfeita união com Cristo o percebiam de uma maneira muito mais estrondosa. Para quem alcançou a eusebéia é apenas a estrela d’alva, mas uma estrela d’alva claramente visível. Embora tudo esteja ainda escuro, já desponta no firmamento uma estrelinha que não põe em dúvida que é o prenúncio de que irá nascer o dia.
Então, enquanto não chegamos lá e não
conseguimos permanecer junto com Cristo, pela fé, através dos frutos do Espírito Santo, procuramos permanecer na palavra. E essa palavra, através do exercício da fé, chegará junto com a luz da graça que irá se mostrar, entre outros modos, através da evidência de um sentido mais profundo do que é guardado. Mas se se tratar apenas de um exercício literário, de um estudo gramatical, semântico, histórico, exegético no sentido arqueológico da expressão, não conduzirá a este resultado.
Então, temos já dois elementos importantes da
pedagogia de Jesus. Ele recebeu os judeus praticantes e os cristãos praticantes e os ensinou a crer. Ensinou- lhes também duas maneiras de fazer com que a fé cresça: a oração e o guardar a palavra. Quando Jesus morreu, acrescentou um terceiro elemento, que é a Eucaristia, o partir do pão. A Eucaristia é um aperitivo da oração de simplicidade.
A oração de simplicidade ocorre quando nos
recolhemos e, "crendo, somos capazes de ouvir a própria palavra no silêncio". Estas são expressões de Santo Inácio de Antioquia, que também dizia que Jesus é aquela "alegria imaculada" que nos vem quando rezamos e estamos próximos da oração de simplicidade. Ele também dizia que Jesus é "a palavra que precede o silêncio". Queria dizer que quando se está na oração de simplicidade, a própria vinda de Cristo na oração prepara um silêncio ainda mais profundo. São palavras de Santo Inácio de Antioquia, discípulo de São João.
A Eucaristia é um aperitivo desta oração de
simplicidade para quem está começando a vida espiritual. Os apóstolos demoraram três anos e meio para chegar à oração de simplicidade, e isso considerando que estavam sendo ensinados diretamente por Jesus. Ele não havia confiado esta parte nem para Virgem Maria. Quis fazê-la Ele mesmo, porque é a parte mais difícil. Demorou três anos e meio. Para nós que não temos esse convívio aberto e direto com Cristo, onde ele pode chamar-nos abertamente a atenção, pode demorar mais. Mas, enquanto não chegamos lá, Jesus pensou: "Bem, já que estou indo embora, vou deixar alguma coisa no meu lugar, vou deixar a Eucaristia". A Eucaristia é um aperitivo da oração de simplicidade que nós podemos experimentar inclusive no dia seguinte após a conversão. Se a conversão é sincera, se nos batizamos ou nos confessamos, cremos realmente, e queremos seguir uma vida cristã, ao começar a receber Eucaristia já é possível perceber alguns dos frutos da oração de simplicidade no próprio sacramento.
Para entender como é possível isto, vamos
examinar o que ocorre na Eucaristia.
Na Eucaristia nos rcolhemos, recebemos o próprio
corpo e sangue de Cristo e a partir deste momento não pensamos em mais nada, exceto em amar a Cristo, porque ele está ali nos fazendo uma visita. Durante a Eucaristia não meditamos nas Escrituras, não rezamos o breviário, não rezamos o terço, não cantamos em gregoriano, não fazemos nada destas coisas e de muito mais coisas. Naquele silêncio, a Eucaristia existe para levar o amor ao ato. Estas são palavras de Santo Tomás de Aquino na Suma Teológica. O efeito próprio da Eucaristia, diz Santo Tomás, é levar o amor ao ato. É uma refeição de amor. Levar o amor ao ato por alguém que está ali presente. É uma pessoa, não é um texto, não é um Salmo, não é uma música, não é uma liturgia, não é uma oração. É o próprio Cristo, em carne e osso, literalmente falando.
Não é difícil perceber a semelhança que aí existe
com a oração de simplicidade. A Eucaristia é já um aperitivo da própria oração de simplicidade, como que Cristo nos estivesse dando o modelo de como devemos rezar. Orem do modo como comungam, e um dia tudo isso vai fazer sentido e as peças irão se juntando em uma coisa só.
Neste sentido, o terceiro grande instrumento que
Jesus deu, não para os apóstolos durante a sua vida pública, mas para nós, foi a Eucaristia. Durante a vida pública de Jesus os apóstolos usaram de sua presença física. Quando foi para o Pai, quis ficar presente fisicamente entre nós através da Eucaristia. Cristo instituiu a Eucaristia no dia que foi embora como se nos estivesse dizendo: Vou embora, mas não vou totalmente embora; continuarei fisicamente presente entre vocês por meio da Eucaristia. E nos Atos dos Apóstolos, São Lucas diz que os primeiros discípulos perseveravam na palavra ou ensinamento dos apóstolos, na oração, na Eucaristia, e na koinonia. Aparecem aí os três elementos da pedagogia de Jesus que acabamos de descrever. Os apóstolos estavam ensinando os primeiros cristãos com a mesma pedagogia que Jesus havia usado. A Eucaristia é uma invenção de Jesus mas que o próprio Jesus não havia utilizado na sua vida pública. Os apóstolos a receberam de Jesus, no último dia, para ser repassada aos que haveriam de crer. Temos aí três fortes instrumentos para o desenvolvimento da vida espiritual, supondo que a pessoa tenha aprendido a crer. Sem fé, nenhum destes instrumentos terá alguma eficácia. Na Eucaristia, é preciso crer que Jesus está lá. Mesmo que alguém não creia, Cristo ali estará independentemente da fé. Na Eucaristia, o pão e o vinho realmente se transformam no corpo e sangue de Cristo, quer alguém creia ou não creia. Mas para produzir os efeitos que Jesus desejava, haveria que se crer. Quanto mais profundamente crermos, mais iremos tê-lo. Na oração ocorre o mesmo. Há que se crer que, no momento em que nos recolhemos, estamos nos abraçando com o Verbo encarnado. Ele ressuscitou, mas continua vivo e presente em nós, através da fé. E o guardar a palavra não é apenas um exercício de memorização, nem de leitura. Deve ser um exercício de fé, um exercício de comunhão, um exercício de amor pelo qual guardamos a palavra no coração.
Além destes três elementos, faltaria ainda um
quarto, que em outro momento comentaremos mais a fundo. Este quarto elemento Jesus só o ensinou para os apóstolos a partir da metade de sua vida pública. O guardar a palavra e a oração Jesus ensinou imediatamente nos primeiros dias. Para os cristãos que vieram depois dos apóstolos, a Eucaristia começa também no primeiro dia, logo após a conversão. Uma vez convertidos, os cristãos já podem começar a comungar logo após o batismo ou da confissão. Para os que vieram depois dos Apóstolos, o guardar a palavra, a oração e a Eucaristia começam logo no início. Mas, a partir do meio de sua vida pública, Jesus ensinou uma quarta coisa importante para os apóstolos. É aquilo ao qual ele se refere quando, anunciando a sua morte, também começou a falar que os demais cristãos também devem levar a sua própria cruz. Ou, traduzindo em outras palavras, é o ensinamento sobre a hypomoné. A hypomoné é um quarto elemento da pedagogia de Jesus, fundamental, mas da qual ele não falou no início, começou a falar no meio. Vocês podem enxergar isto muito claro no Evangelho de São Marcos e na escadinha de São Pedro. Na escadinha de São Pedro a hypomoné está bem no centro de sua lista. A hypomoné vem antes da eusebéia e depois de termos aprendido a amar a Cristo na oração, que é a enkratéia. A hypomoné está no meio. Jesus também ensinou a hypomoné para os Apóstolos quando ele, no meio da vida pública, começou a explicar que ele iria ser crucificado. E os apóstolos, não entendendo, lhe responderam: "Não mestre, jamais, não pense nisto, isto jamais irá acontecer, Deus não não o permitiria, principalmente consigo". Neste momento Jesus se volta para os apóstolos e lhes responde: "Como assim? O que estão pensando? Então julgam que se isto acontecer seria um imprevisto, um acidente que Deus jamais permitiria? Na verdade, quero dizer-lhes que esta será a regra. Não sou apenas eu que terei que levar a minha cruz, vocês também terão que aprender a levar as suas. Terão que aprender a levar a cruz que lhes for enviada. Aquela que o Pai me enviou é esta, pela qual eu serei crucificado para a salvação dos homens. Mas, para cada um de vocês, o Pai enviará outras, de acordo com as necessidades de cada um. E vocês terão que aprender a levá-las com alegria. Terão que levá-las com hypomoné. Eu levarei mais dura que a de todos, para que ninguém possa reclamar de própria, julgando levar uma cruz mais pesada do que a que eu levei. Nunca haverá outra pior que a minha. Mas todos terão, de acordo com a necessidade de cada um, outra adequada para cada um. E terão que aprender a levá-la com hypomoné. Do modo como eu fizer na cruz, onde não reclamarei, não desistirei, sendo que bastaria dar uma pequena ordem e tudo pararia imediatamente. Eu não desisti, não desanimei, não reclamei, não praguejei. Vocês terão que aprender a fazer assim, e isso é importantíssimo. Sem isto, não se consegue terminar de chegar na eusebéia. Só se chega na eusebéia com uma hypomoné bastante perfeita. Aquele que reclama das cruzes da vida, aquele que reclama de tudo que acontece, que julga que o mundo é horrível, que ele não é compreendido, que o mundo é um lodo e a vida é insuportável, que não merecia o que está recebendo e continuamente reclama de tudo, esta pessoa nunca chegará à eusebéia".
O Novo Testamento está repleto de textos onde se
repete este mesmo ensinamento. Um dos mais evidentes é o capítulo quinto da Epístola aos Romanos, onde São Paulo diz: Eu me glorio nas tribulações. Ele quer dizer: "Todas as vezes em que surge um problema, eu não reclamo; ao contrário, fico contente. Agradeço a Deus por ele ter me enviado mais essa tribulação. Porque é através disso que aprendo a ter hypomoné". São Paulo nos está ensinando que a hypomoné começa a ser aprendida quando aprendemos a, em vez de reclamarmos dos problemas que acontecem conosco, nós, em vez disto, nos alegrarmos com eles. Entendam que ele não está nos pedindo para que criemos problemas. São Paulo se refere àqueles que surgem espontaneamente, sem que os tenhamos pedido para ninguém. Talvez tenhamos sido nós mesmos que os provocamos, mas não intencionalmente. São Paulo não nos pede que provoquemos mais problemas para nós, não nos pede para amar o sofrimento pelo sofrimento, mas pela hypomoné. Não se trata de masoquismo. Trata-se de aceitarmos com alegria os problemas que vem, para que possamos desenvolver a hypomoné. Na verdade, não estamos querendo sofrer, estamos querendo, na verdade, aprender a não sofrer. Estamos querendo aprender a ser alegres sempre que alguém quiser nos torturar. Estamos querendo aprender a alegria e não o masoquismo, estamos querendo aprender a hypomoné. Não é para desejar continuar sofrendo por toda a vida, é para, ao contrário, aprender a não sofrer mais e entender que nenhuma destas coisas podem nos afetar. Quando fazemos isto, desenvolvemos a hypomoné.
E examinem o que diz São Paulo na continuação
deste quinto capítulo da Epístola aos Romanos: "Se aprendermos a hypomoné, a hypomoné pode se tornar uma virtude perfeita". São Paulo chama a esta virtude perfeito da dokimé. Este é o nome grego. Dokimé seria aquela virtude consagrada em que ninguém pode encontrar um defeito. Se pudermos aprender a não reclamar e a nos alegrarmos com as cruzes que o Senhor nos enviar, não outras que procurarmos de propósito, se aprendermos nos alegrarmos com elas e ter hypomoné, isso levará a uma virtude totalmente comprovada, que ele chama de a dokimé.
Então São Paulo diz que a dokimé produz a
esperança, e a esperança faz com que a caridade de Deus se derrame em nossos corações pelo Espírito Santo que nos é dado. Notem que coisa mais interessante. São Paulo diz que os que possuem dokimé, o que quer dizer, uma hypomoné nota 10, isto produz a esperança. Por que? Porque estas pessoas são aquelas que, naquela sequência da parábola do semeador, venceram o espinheiro. Quando estas pessoas se recolhem para rezar, elas não têm mais perturbação nenhuma, elas podem trancar a porta e terem certeza que não entrará junto perturbação alguma. São como criancinhas na presença de Deus. Ora, isso é exatamente o ambiente interior que favorece o surgimento dos frutos do Espírito Santo. E à medida em que vamos vendo que os frutos do Espírito Santo estão começando a operar, aí surge uma expectativa de que finalmente as promessas de Cristo irão começar a se cumprir. Agora Nosso Senhor Jesus Cristo começa a se manifestar em nossa alma. Aquele amor com que Jesus diz que quer nos amar como o Pai nos amou, vai começar a ficar evidente, e o amor de Deus, através desta esperança, irá se derramar, pelo Espírito Santo, em nossos corações.
Temos, então, um quarto elemento fundamental no
ensinamento de Jesus, que é a hypomoné. Uma vez que o aluno aprendeu o que é a fé, e aprendeu como fazer a fé crescer, pela Eucaristia, pelo guardar a palavra e pela oração, para que isto seja levado à perfeição, ele ainda tem que aprender a hypomoné. A hypomoné, na prática, se aprende através dos reveses que temos na vida. Toda vez que vier um problema, em vez da reclamarmos, temos que nos alegrar, até que se gere a hypomoné e até a hypomoné tornar-se perfeita. Quando a hypomoné se tornar perfeita, ao receber a Eucaristia, ao guardar a palavra e ao rezar, a operação dos frutos do Espírito Santo irá começar a manifestar-se mais evidente na oração. E aí surgirá a esperança de que agora tudo está começando a se encaixar dentro do que se esperava, as coisas estão começando a funcionar, o motor engatou, o navio vai zarpar e o avião vai decolar. E que está para ser derramado em nós aquele amor de Deus, que Jesus apresentou aos seus discípulos durante a última ceia, quando lhes anunciou que se iniciaria uma nova fase em que eles passariam a perceber que não somos apenas nós que amamos a Deus, mas que o próprio Cristo começaria a nos amar com o mesmo amor com que é amado na Santíssima Trindade pelo Pai.
Temos aqui, então, quatro instrumentos
fundamentais da pedagogia de Jesus. Trata-se de uma pedagogia muito bem arquitetada, de quem sabe onde quer chegar e o que fazer em seguida quando chegar. São os elementos básicos da pedagogia de Jesus.
A estes quatro, na verdade, deveríamos ainda
acrescentar um quinto. Este quinto é um elemento pós eusebéia, tal como está descrito na escadinha de São Pedro. A partir do momento que aprendemos perfeitamente estes quatro primeiros elementos, e com isto alcançamos a eusebéia, Jesus ainda nos diz, no final de sua vida pública: Agora tenho uma novidade. Vocês já começam a perceber como eu os amo, amo- os como o Pai me amou. Mas isto é apenas o começo, é apenas a estrela d’alva. Se perseverarem, irão ver muito mais. Mas para que eu os possa amar mais do que a estrela d’alva, preciso ainda que façam outra coisa. Quero que do modo como já vêem que eu vos amo, que se amem uns aos outros. Quero que comecem a se amarem uns aos outros como eu vos amei. E, para aqueles que são casados, este amar uns aos outros como eu os amo vale de uma maneira especial para o próprio cônjuge. Temos que amar a esposa como Cristo amou a Igreja. Na verdade, é deste modo que devemos aprender a amar a todos. Mas, para os que são casados, amar a esposa como Cristo amou a Igreja tem um lugar especialíssimo neste aprendizado. Há que haver uma mudança profunda a partir deste momento, e esta mudança deve-se dar com uma vontade, um desejo profundo, não apenas de dar comida, atenção, carinho, mas principalmente de transmitir a vida espiritual. Foi para isto que Jesus se encarnou, e este é um quinto elemento da pedagogia de Jesus.
Resumindo e retomando, nesta pedagogia temos o
seguinte. em primeiro lugar, há que se aprender a ser um cristão praticante e cumprir perfeitamente os mandamentos. Estar disposto a antes morrer do que pecar. Costumamos pensar que se encontrarmos uma pessoa com estas características já seja um santo, mas na verdade, não passa de uma pessoa que cumpriu as exigências para matricular-se na escola de Jesus.
Uma vez cristão praticante, o elemento básico que
está por trás das que seriam as cinco matérias básicas da escola de Jesus é a fé, é o primeiro assunto propedêutico antes das cinco grandes matérias. Temos que aprender a crer. E temos que aprender a crer não apenas em Deus, mas também a crer em Cristo. Jesus fala isso claramente no capítulo 14 do Evangelho de São João: "Vocês já acreditam em Deus, agora quero que vocês creiam em mim também". Isto é, não apenas que eu vim, que nasci em Belém, que ressuscitei dos mortos ressuscitei e minha natureza humana continua viva, mas também que quando vocês creem, sou eu que estou com vocês em minha natureza humana.
Então, uma vez cristão praticante, o primeiro
assunto da escola de Jesus é a fé. Isto vai exatamente na linha das palavras de São Paulo quando ele diz, em Romanos 1, 17: "O meu Evangelho é uma força, uma dynamis de Deus, que age sobre aqueles que creem, que crescem da fé para a fé e que vivem da fé". Veja que São Paulo está se referindo a uma progressão. No momento que aprendemos a crer, uma força age sobre nós. A partir daí temos que começar a crescer "de fé para fé". Até chegar ao ponto em que vivemos da fé, que é o ponto que começa a se iniciar na eusebéia. É esta fé que irá nos conduzir em todo esta aprendizado. É esta fé da qual o Santo Inácio de Antioquia diz, em sua Epístola aos Efésios: "O princípio da vida espiritual é a fé, e a sua perfeição é a caridade. Quando essas duas coisas se transformam em uma unidade, nós encontramos Deus". Isso é claríssimo, e tudo isso que eu estou falando aqui, não se encontra apenas na Epístola aos Romanos de Paulo e na Epístola aos Efésios de Santo Inácio de Antioquia. Está tudo ali em todas as cartas e em todos os escritos apostólicos. Permeia todo o Novo Testamento. É uma onipresença impressionantíssima.
Uma vez cristãos praticantes, quando Jesus nos
convida à sua escola e quer nos ensinar o resto, a primeira coisa que ele faz é nos ensinar a crer. Uma vez aprendido o básico do que é a fé, há cinco matérias na etapa seguinte da vida espiritual que vai até a eusebéia. Três devem ser aprendidas desde o primeiro dia. O quarto deve ser aprendido no meio e o quinto é somente pode ser entendido e aprendido perto do fim deste período. Estamos falando do período que conduz à oração de simplicidade.
Os três primeiros elementos para fazer crescer a fé
são a Eucaristia, o guardar a palavra e a oração, desde que possamos entendê-las como Jesus as quis ensinar. Guardar a palavra não é uma simples leitura espiritual. Por isto é dita "guardar", em grego "terein", "a palavra". Terein em grego é guardar. O modelo de oração é aquele que Jesus nos dá no Sermão da Montanha. Mas está em muitos outros lugares. Por exemplo, quando São Paulo diz, na Epístola aos Colossenses: "Se pois, fostes co-ressuscitados com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Considerai as coisas do alto, não as da terra, pois morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, se manifestar, então vós também com ele sereis manifestados em glória". Ao falar deste modo, São Paulo está descrevendo a mesma realidade que Jesus nos ensinou ao nos explicar o Pai Nosso. E São Paulo o faz também em inúmeras outras passagens, quando nos diz, no início da Epístola aos Efésios: "Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com toda a bênção espiritual, nos mais alto dos céus, em Cristo, conforme nos escolheu nEle, antes da fundação do mundo, para sermos santos e imaculados diante dEle no amor". Só é possível entender o júbilo que está por detrás destas palavras se entendermos que trata-se da alegria de alguém que havia aprendido a rezar como Jesus havia ensinado. E a mesma coisa lemos nas cartas de Santo Inácio de Antioquia, quando ele nos diz, no quarto capítulo da Epistola aos Efésios, falando aos cristãos dos primeiros anos do segundo século: "Cada um de vós forme um coro, estando na sinfonia de um só pensamento e alcançando o tom de Deus na unidade, para cantardes ao Pai em uma só voz, através de Jesus Cristo". Todas estas pessoas e estas e outras inúmeras passagens estão se referindo à prática da oração, como Jesus no-la havia ensinado. Quanto à Eucaristia, que foi instituída na última ceia, temos a este respeito um dos comentários mais lindos e perfeitos o que está na terceira parte da Summa Teologiae de Santo Tomás de Aquino. Foi depois que Santo Tomás terminou de escrever essa parte da Summa que se deu o episódio em que se inclinou da Cruz, o abraçou e lhe disse: "Tomás, meu filho, como você escreveu tão bem sobre mim! O que você quer como recompensa?" Há muitas outras coisas lindas sobre a Eucaristia, mas talvez a mais perfeita seja esta, apesar de que nada substitui a prática. A Eucaristia é algo de extremamente prática, é um aperitivo da vida espiritual. Nela já podem ser vistas as coisas acontecendo desde o primeiro dia. Há, portanto, estes três temas que Jesus ensinou logo de início. A oração e o guardar a palavra, que ele ensinou para os apóstolos e, para os que viessem depois dos Apóstolos, a oração, o guardar a palavra e a Eucaristia. No meio do curso Jesus ensinou um quarto tema, que é o levar a própria cruz ou, em outras palavras, a hypomoné, que é o elemento que precede a entrada na oração de simplicidade. Se tivermos aprendido a viver a Eucaristia, guardar a palavra e a oração, mas não tivermos hypomoné, nunca chegaremos à oração de simplicidade. Mas não é necessário aprender perfeitamente sobre a hypomoné logo desde o início. Jesus, de fato, começou a ensiná-la para os apóstolos no meio da vida pública e vemos também, na escadinha de São Pedro, que ela também está exatamente no meio, não no começo, nem no fim, logo antes da eusebéia. Santa Teresa comenta o msmo, com suas palavras, no livro das Moradas, quando ela comenta porque tão poucos cristãos passam da terceira morada, porque a maioria dos que realmente começam a progredir se detém na terceira e não saem dela. Santa Teresa explica dando exemplos de pessoas que ela conheceu. Descreve pessoas dotadas de uma certa psicologia que não lhes permitia passar adiante. Examinando os exemplos que ela dá, pode-se perceber que tratavam-se de pessoas que, apesar de terem uma vida exemplar como cristãos e realmente se dedicarem a uma vida de oração, eram incapazes não só de praticar, como até de entender o que fosse a hypomoné. Eram pessoas que, embora sem ofender ninguém, reclamavam de tudo. Não importa se reclamavam com razão ou sem razão, a questão é irrelevante. O fato é que, com este modo de proceder, haverá um espinheiro de que Jesus já falava que não nos deixaria cair no solo fértil onde as árvores realmente podem crescer.
O quarto tema da pedagogia de Jesus é a
hypomoné. Podemos encontrar este tema extraordinariamente bem situado no Opúsculo sobre o Mandamento da Caridade de Tomás de Aquino. Trata-se, na verdade, da introdução ao seu Comentário sobre os Mandamentos. Pode ser encontrado no site do Cristianismo, entre os textos de Tomás de Aquino, com o título de "Mandamento da Caridade". Ali, na maior parte do texto, Tomás explica o que é a caridade e as suas características. Mas, no fim, ele nos ensina como proceder para adquirir a caridade. Ele afirma que há quatro maneiras para adquirir a caridade.
A primeira maneira é a meditação, pois se ouvimos
falar coisas boas de alguém, nos apaixonamos por esta pessoa. Portanto, se meditarmos e ouvirmos coisas boas de Deus, iremos começar a amar a Deus.
A segunda maneira é agradecer porque, por pior
que sejamos, se alguém nos fizer algum bem e nós o agradecermos, começaremos a amar a pessoa. Portanto, diz Tomás de Aquino, se você quer amar a Deus, deve agradecer a Deus pelos bens que dele recebeu.
Mas, uma vez adquirida a caridade, se quisermos
crescer nela, há mais duas coisas a fazer.
A primeira será renunciar aos bens da terra,
desapegar-se dos bens deste mundo, afastar o coração do que é terreno. De fato, diz Tomás: "Ninguém é capaz de amar a Deus e ao mundo, e quanto mais nos afastarmos do amor do que é terreno, tanto mais nos firmaremos no amor divino". Tomás completa o raciocínio citando o Segundo Livro dos Macabeus: "O Sol, que antes estava entre nuvens, refulgiu". Isto é, o Sol, que é o intelecto humano, estava entre nuvens quando entregue às coisas terrenas. "Resplandescerá quando for afastado e removido do que é terreno: a cobiça dos bens terrenos é veneno da caridade". Estas coisas São João já as falava claramente: "Filhinhos, não amem o mundo, nem as coisas que há no mundo. Quem ama o mundo nele não pode estar o amor de Deus. Tudo que há no mundo é o desejo da carne, o desejo dos olhos e o orgulho da vida. Quem está nestas coisas, o amor do Pai não pode estar nele" (I Jo. 2, 15-16). Santo Tomás de Aquino está dizendo as mesmas coisas. Não está inventando nada. Portanto, diz Tomás, depois de haver explicado o que é o amor, se alguém quiser aprender amar a Deus, primeiro deve aprender a meditar. Temos exemplos disto todos os dias. Quando os pregadores falam bem de Deus as pessoas se convertem, porque ao ouvir estes bons pregadores, as pessoas já estarão começando a meditar, e se alguém ouve e medita coisas boas de uma pessoa, ela começa a amar essa pessoa. A segunda coisa é agradecer, e a terceira é abandonar a cobiça dos bens terrenos.
Mas, o melhor de todos os meios, diz Tomás de
Aquino, é suportar pacientemente as adversidades, porque é isto que vemos acontecer com os artífices. O artífice que trabalhou mais duramente numa obra, será esta a obra que amará mais. Portanto, se alguém quiser realmente amar a Deus, deve aprender a ter paciência nas adversidades. Santo Tomás coloca isso mais alto do que a meditação, mais alto do que o agradecimento, e mais alto do que a própria renúncia da cobiça terrena. Santo Tomás coloca a paciência na adversidade no topo dos meios para aprender a amar a Deus.
Isso também não deveria ser uma novidade para
quem leu o Evangelho porque Jesus, depois de receber os praticantes, de ensinar-lhes sobre a fé e dar-lhes a Eucaristia, ensiná-los a guardar a palavra e a rezar diz: "Agora você deve aprender a levar a própria cruz, com hypomoné, e eu vou dar-lhe o exemplo levando a minha. Não exijo que tomem uma cruz igual à minha mas, segundo o modo como eu fizer com a minha, quero que façam com as suas. Se eu fiz tudo isso, vocês podem aguentar os pequenos problemas que surgem na vida de vocês e vencê-los com alegria. Temos que alcançar a hypomoné, até que a hypomoné se transforme em dokimé. Quando isto acontecer, começarão a operar os frutos do Espírito Santo, caso tenham adquirido aquelas três coisas antes. Isto irá produzir uma esperança que fará com que o amor de Deus se derrame no coração, e este amor de Deus é o que os irá conduzir à contemplação. Então a hypomoné é o quarto tema do curso, que deve entrar em todo o seu conteúdo no meio do curso.
Temos, então, que a pedagogia de Jesus se divide
como se fosse um programa dividido em quatro séries: o fundamental, o colegial, a universidade e a pós- graduação. O fundamental é ser cristão praticante. O colegial, que é o mais difícil, não por si mesmo, mas por causa de nossa burrice, é onde todos reprovam e onde é necessário um professor especial, e Jesus resolveu ser ele mesmo o mestre para mostrar melhor como se faz. No início desta série temos que aprender a usar da fé, a Eucaristia, o guardar a palavra e a oração. E no meio da série é onde entra plenamente a hypomoné. E quando estivermos próximos à formatura desta série, vem um quinto tema, quando já estamos quase formados e praticamente quase recebendo o diploma do segundo grau. Em suas últimas aulas deste que seria o segundo grau, Jesus acrescenta um novo tema. "Se já alcançaram a eusebéia, vocês já estão começando a experimentar como é que eu os amo. Não sou apenas eu que os estou amando, é o próprio Pai que os está amando. E eu os estou amando com o amor que eu recebi do Pai, desde toda a eternidade. E vocês já experimentam a alegria que eu estou transfundindo nos seus corações, aquela alegria imaculada que sou Eu mesmo. Se já são capazes de experimentar aquela paz que o mundo não dá, a que só eu sou capaz de dar, pois eu lhes tirei a paz que o mundo dá, e estou dando-lhes a minha, agora quero uma quinta coisa de vocês. Quero que se amem uns aos outros como eu vos amei. Do modo como já estou fazendo com vocês, quero que façam com os outros". Não é possível fazer isto no curso no curso fundamental, nem no começo do secundário, mas apenas no fim, depois da hypomoné, quando já estamos praticamente com o diploma na mão para poder passar para a Universidade. Aprender a amar o próximo, como Jesus nos amou significa, dentre outras coisas, não apenas ter um carinho, uma atenção, uma dedicação especial, mas significa principalmente poder e querer transmitir a vida sobrenatural que Cristo começa a fazer crescer dentro de nós. Significa a gente ensinar o Evangelho, não como quem lê um texto e o repete, ainda que com muitos cometários tirados de outros livros, mas como alguém que dá testemunho da grandiosidade que há nestas coisas, que só pode começar fazer quem chegou pelo menos neste ponto.
Com isto, na nossa analogia, recebemos o diploma
do segundo grau. Teríamos que nos inscrever para cursar a Universidade. Os que entram na Universidade já conhecem muitas coisas, como matemática, química, física, história, português, alguma língua estrangeira, geralmente inglês e, a partir daí, irá aprender muitas coisas totalmente novas. Na nossa analogia, os que entram para a Universidade são aquelas pessoas que já alcançaram a eusebéia, estão procurando amar o próximo como Jesus os amou, e buscam permanecer na presença de Cristo. A partir daí estes alunos deverão estar procurando o caminho da contemplação. Em nossa analogia a Universidade significa passar a porta estreita e chegar à contemplação infusa, o que os apóstolos fizeram no dia de Pentecostes. Ali termina a faculdade e se inicia a pós-graduação. O que seria a pós-graduação seria a caminhada para a perfeita união com Cristo, o mesmo que Santa Teresa entende pela sétima morada. Os apóstolos fizeram a Universidade sob a orientação da Virgem Maria, de modo excepcionalmente muito rápido, com a assistência de Cristo ressuscitado, no cenáculo. O que chamamos de pós-graduação foi o que aconteceu quando São João tomou a Virgem Maria como mãe e a levou por cerca de 20 anos para residir em sua casa. São João era o orientando e a Virgem Maria era a orientadora. Ela o levou, através da graça que há em Cristo, até a perfeita união com Cristo. Não há dúvida, pelo modo como escreve São João, que ele tenha chegado a isto. Assim como São João, muitos santos na história também chegaram, mas trata-se de algo difícil de documentar quais e quantos pela sublimidade que o termo encerra. Santa Teresa, São Bernardo de Claraval, São João da Cruz, São Paulo da Cruz, com certeza alcançaram esta perfeita união com Cristo. São Francisco de Assis, Santa Catarina de Sena, e provavelmente Santo Tomás Aquino também chegaram. O Apocalipse se refere a uma multidão inumerável. O Senhor gostaria que todos chegassem a isto, é a nossa burrice e decadência que não nos deixa chegar. É importantíssimo que nos preocupemos em entender o conjunto todo desta extraordinária pedagogia, para que possamos alcançar a compreensão dos objetivos daquilo a que Jesus se referia quando pediu que ensinássemos a todas as nações tudo o que Ele nos havia ensinado, em nome das três pessoas da Trindade e, de um modo especial, para a situação em que penso que a maioria de nós se encontra, como ser um cristão praticante e poder chegar à eusebéia.
Para isto temos aí um princípio e cinco
instrumentos básicos. O princípio é a fé e os instrumentos básicos, são três de partida: a oração, o guardar a palavra e a Eucaristia. Outro está no meio do programa, que é a hypomoné, e o outro está no final do programa, que não é o simples amor que devemos ao próximo como a nós mesmos, mas um amor muito maior, que somente quem está perto da oração de simplicidade consegue exercer. Não é amar ao próximo como a si mesmo, mas amar o próximo como Jesus nos amou. E Jesus o diz com ênfase: "Nisto ficará evidente a todos que são meus discípulos, quando se amarem uns aos outros como eu os amei".
Há estes cinco grandes instrumentos na pedagogia
de Jesus para esta segunda fase. É uma pedagogia muito clara. Para poder percorrer o conjunto todo das quatro etapas, deve-se primeiro tomar um cristão praticante e conduzi-lo antes à eusebéia. Há que se tomar o indivíduo que terminou o curso fundamental e conduzi-lo até o fim do secundário. Depois disto há uma faculdade e uma pós-graduação. Mas como se faz para conduzir um católico praticante à eusebéia? Não é possível fazer isto com um recém convertido. Ele deve primeiro aprender a cumprir os mandamentos, aprender a se desvencilhar do pecado grave. Quando se tornar um cristão sem defeito, como Jesus disse de Natanael: "Eis aí um verdadeiro israelita, em quem não há dolo" (Jo. 1, 47), encontramos um diplomado no primeiro grau, pode ser admitido no secundário, como o poderia também ter sido o jovem rico, se o tivesse querido. No propedêutico do curso tem que se aprender a crer. E, aprendendo a crer, há em seguida três coisas básicas a aprender, das quais temos insistido muito até aqui na oração. Mas agora eu gostaria de nos concentrarmos mais no que é guardar a palavra. A estas duas soma-se a Eucaristia. E, no meio do curso, se imaginarmos a analogia do curso secundário, temos o aprendizado da hypomoné, até tornar-se dokimé. E, próximo ao final, como um trabalho de conclusão de curso, mas que se estenderá pelos demais ciclos, vem a chave de ouro, que é aprender amar o próximo como Jesus nos amou. Porque a partir daí o jovem já principiou a experimentar como Jesus o ama. Ele viveu isso. Não é mais uma teoria. E não é apenas isto, ele percebe que este amor vem de dentro da Trindade, não é apenas um amor de um homem ressuscitado. É um amor que vem do interior da Santíssima Trindade, onde estava a vida. É o que o Evangelho de São João nos diz: "No princípio era o Verbo, o Verbo estava com Deus, o Verbo era Deus, tudo que há no mundo foi feito por meio dEle e nEle estava a vida". O que começa a surgir na eusebéia, próximo do fim do curso secundário, é a vida que havia no Verbo junto do Pai, é a estrela d’alva da vida que há na Santíssima Trindade. Então, é a partir daí que nós podemos aprender a grande lição: amar ao próximo como Jesus nos amou.
Estas coisas que estou expondo não são simples
perfumarias ou exortações. Tudo isto que estou expondo é fundamental para que possamos ingressar no curso superior. Só entra no curso superior quem aprender a amar o próximo desta maneira. O amor profundo por Deus só se dá naqueles que tiverem aprendido isto, o que é uma verdadeira conversão, uma mudança completa de vida, é um sair definitivo de nós mesmos como éramos no homem velho. Faz-se necessário, para isto, entender a grandiosidade do que Jesus veio fazer. Ele veio para amar e salvar todos os homens. E ao aceitarmos amar o próximo como Ele nos amou iremos aceitar, junto com ele, fazer a mesma coisa, através dele. Não é mais para viver a nossa vida, trata-se de amar a todos, a terra inteira, todas as pessoas, não só os que estão mais próximos, não apenas a nossa esposa, apesar de que, para os que são casados, a esposa tem um lugar todo especial em tudo isto e daí e vice-versa, as esposas para com os maridos.