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A PEDAGOGIA DE JESUS

06/01/2024

Gostaria apresentar, de uma maneira sistematizada,


a pedagogia de Jesus como mestre. Como é o
conjunto, quais são as suas partes, e como cada uma
se articula no conjunto.

Vou começar com algumas pequenas observações


sobre a questão do guardar a palavra, um dos
elementos importantes desta pedagogia.

Estive tentando mostrar que Jesus não era um


pregador ocasional. Ele tinha uma pedagogia muito
extraordinariamente bem elaborada e conhecia as
etapas da vida espiritual por onde queria conduzir seus
discípulos melhor que ninguém. São aquelas etapas
que começaram a ficar muito claras com o livro do
Castelo Interior de Santa Tereza, já tinham antes
começado a ficar claras com o livro do Ricardo de São
Vitor sobre a Arca da Aliança. Neste livro Ricardo de
São Vitor, no século XII, mostra como a estrutura do
tabernáculo da Aliança de Moisés é a estrutura da vida
espiritual. Depois dele Santa Teresa veio com as sete
moradas e depois os padres dominicanos, do final do
século XIX até o teólogo Antonio Royo Marin,
trataram de estudar o assunto fazendo uma síntese
entre Santa Tersa de Ávila e Santo Tomás de Aquino e
chegaram ao esquema que Royo Marin coloca ao
descrever os nove graus de oração. Mas esta descrição
do desenvolvimento da vida espiritual estava evidente
desde o princípio da pregação evangélica. Aquela
escadinha de São Pedro, que está no princípio da
segunda carta de São Pedro, aquela onde Pedro diz
que se alguém tem uma fé do mesmo valor que a dele,
ou seja, está falando da fé em Cristo, deve começar a
vida espiritual pela fé, à fé acrescentar a virtude, à
virtude o conhecimento, ao conhecimento a enkratéia,
à enkratéia a hypomoné, à hypomoné a eusebéia, à
eusebéia o amor ao próximo, ao amor ao próximo a
caridade e à caridade o supra conhecimento de Cristo.
Esta sequência é a própria descrição dos nove graus
de oração. São todos os graus de oração, do modo
como Jesus os havia ensinado aos Apóstolos, só
faltando, porém, o último grau, o matrimônio
espiritual. Na escadinha de São Pedro não se fala do
equivalente ao nono grau. Na Epístola de São Pedro
não é mencionado, mas é mencionado nos escritos de
São João.

No esquema de Jesus, Jesus aceitou para seus


discípulos judeus praticantes, se fosse hoje, ele
aceitaria hoje para ensinar a católicos perfeitamente
praticantes, como na época foi o jovem rico. Aquele
jovem praticava, dizia ele, os mandamentos desde
criança. "Ótimo", responde Jesus. "Então não te falta
mais nada, exceto uma coisa. Deixe tudo e venha
comigo. Eu estou percorrendo toda a Galiléia inteira.
Venha comigo e eu lhe ensino o restante". Mas o rapaz
não quis. Porém o episódio mostra quem era o tipo de
pessoas que Jesus aceitava para entrar na escola
apostólica. Já na escola apostólica, a idéia era
primeiro levar os discípulos até a oração de
simplicidade, que é o quarto grau da oração, no
esquema do Royo Marin, ou a terceira morada, no
esquema de Santa Teresa, ou até diante do véu do
Santíssimo no Tabernáculo de Moisés, se usássemos o
esquema de Ricardo de São Vitor. A idéia, na
linguagem de Ricardo de São Vitor, seria tirar a
pessoa do pátio dos holocaustos, que são os católicos
praticantes, e introduzi-la dentro do recinto do Santo,
o que precede o Santíssimo. E era isso que Jesus fazia
na primeira parte da sua pedagogia. Foi a época em
que ele deu formação pública aos apóstolos. E foi,
depois, basicamente, a formação que os apóstolos
davam para as primeiras comunidades cristãs.
Tratava-se de ensinar o cristão a conduzir uma vida de
oração, de doação a Deus e ao próximo, e trazê-lo até
à oração de simplicidade, que é o que São Pedro
chama na sua sequência de eusebéia.

Jesus nos diz claramente que ele conseguiu aquilo


o que ele quis. No final da Última Ceia, ele diz: "Pai,
eu cumpri a minha missão, eu manifestei o teu nome
àqueles que me deste". Embora formalmente isto não
seja exatamente a mesma coisa, todavia equivale, na
prática, a dizer: "Eu trouxe essas pessoas, com a
exceção de Judas Iscariotes, à oração de
simplicidade".

No itinerário da vida espiritual vemos,


basicamente, quatro etapas, fases ou ciclos. A primeira
consiste em nos tornamos cristãos ditos, na linguagem
de hoje, praticantes. Cristãos autênticos, que se
afastaram do pecado grave, que conduzem uma vida
de piedade, de oração e de sacramentos. São estas as
pessoas aptas para a segunda etapa da vida espiritual,
que é quando se inicia a busca de uma vida de
perfeição, ou melhor dizendo, quando se buscam os
rudimentos da vida de perfeição, e o objetivo é
conduzir a pessoa até a oração de simplicidade. Isto
seria atravessar as segundas e as terceiras moradas de
Santa Teresa.

A terceira etapa é a que os apóstolos fizeram no


cenáculo com o auxílio da Virgem Maria. E o fizeram
em um tempo inusitadamente rápido. Geralmente isto
requer mais tempo, não é uma questão de alguns dias.
Mas, em situações excepcionais, com boa orientação,
por disposições da divina providência, pela
Ressurreição de Cristo, pela presença da Virgem
Maria, pelas disposições ótimas dos apóstolos e pelos
méritos de Cristo recém subido à direita do Pai, os
apóstolos fizeram isto em questão de poucos dias, um
mês e meio no total e dez dias intensos no cenáculo. É
aquela etapa na qual percorre-se o trajeto que vai da
oração de simplicidade até a contemplação infusa.

A última etapa é aquela que São João fez, em


privado, com a Virgem Maria, hóspede em sua casa.
A Virgem Maria ajudou São João a vir desde a
contemplação até o matrimônio espiritual, ou a sétima
morada, ou a perfeita união com Cristo.

Estas quatro etapas são quatro etapas bem nítidas.


Delas a mais difícil, a mais complicada, porque nesta
época os discípulos são proporcionalmente ainda
muito ignorantes, é a segunda. É quase como querer
ensinar um asno, ainda que ele tenha boa vontade. As
seguintes são bem mais dificeis, consideradas em si
mesmas, mas quando se chega a elas geralmente o
aprendiz está mais bem preparado. A parte mais difícil
é justamente aquela que Jesus tomou pessoalmente e
publicamente. É a etapa onde tomamos um cristão
praticante e o levamos à oração de simplicidade, que é
a parte mais detalhadamente descrita em seus passos
na escadinha de São Pedro. É a parte mais
complicada, porque os alunos são mais difíceis, como
pode ser visto no comportamento de São Pedro e no
comportamento dos apóstolos durante a vida pública
de Jesus. Se Jesus não soubesse em sua infinita
sabedoria que é exatamente assim que as coisas se
dão, teria desmaiado inúmeras vezes de decepção.
Mas é assim que as coisas se dão. E Jesus completou
sua missão, no prazo previsto e com sucesso.

Eu estive descrevendo os elementos básicos do


ensinamento de Jesus aos apóstolos durante a sua vida
pública. É a escola onde entraria o jovem rico, se este
tivesse largado tudo e ido atrás de Jesus. Supõe-se que
ele já cumprisse os mandamentos com uma certa
perfeição. Se houvesse alguma coisa a corrigir, seria
advertido quanto a isso logo de início. Mas em
primeiro lugar, o que ele iria aprender nesta etapa da
pedagogia de Jesus seria o exercício da fé. É o
fundamental, é o ponto de partida, é o fundamento
básico de tudo. Jesus queria ensinar os seus discípulos
que, além de praticar os mandamentos, temos que
aprender a crer. O motivo já o mencionei diversas
vezes em outras ocasiões. Trata-se que, no momento
em que cremos, nós somente o fazemos porque
interagimos com aquela luz sobrenatural que vem do
Verbo, aquela luz que São João diz que estava junto
com o Verbo e brilhou sobre todos os homens. No
momento em que cremos, estamos colocando o nosso
fio em uma tomada que procede do interior da
Santíssima Trindade, onde está a verdadeira vida. São
Paulo diz que o Evangelho é uma força que age sobre
aqueles que creem. Se é assim, no momento em que
conectamos com a tomada da fé, quando aprendemos
a usar a tomada da fé, uma luz se liga. Ainda que no
início não a estejamos vendo, ela está realmente
vindo. E, pouco a pouco, vai se manifestando. De que
modo ela vai se manifestando? Basicamente, na linha
que está descrita por São Paulo quando ele descreve
os nove frutos do Espírito Santo. Ele diz: "O fruto do
espírito é amor, alegria, paz, longanimidade,
benignidade, bondade, fé, mansidão, enkratéia". As
primeiras manifestações desta luz de que fala São
João são aqueles frutos do Espírito Santo. No começo
não os vemos claramente. Mas à medida em que
vamos progredindo vão se tornando cada vez mais
evidentes. E, quando isto estava bem evidente, durante
a última ceia, Jesus diz para os apóstolos estas
palavras que são extraordinárias, se as comparamos
com as de São Paulo na Epístola aos Gálatas, onde
Paulo diz que entre os frutos do Espírito Santo,
ordenando estes frutos, o maior de todos é o amor,
depois a alegria, depois a paz, depois os outros.

Na última ceia, no capítulo 15 do Evangelho de


São João, Jesus disse para os apóstolos: "Agora eu
sou a videira, meu Pai é o agricultor e vocês são os
ramos. Agora quero que vocês não se separem mais
de mim. Permaneçam na fé, permaneçam no meu
amor, porque eu vos quero amar como o Pai me
amou. E, por isso, quero que vocês permaneçam no
meu amor. E estou falando isto, porque quero também
que a minha alegria esteja em vocês, e esta alegria
seja plena".

Gostaria que percebessem que está se tratando dos


dois primeiros frutos do Espírito Santo. Jesus não
tinha usado estas expressões antes. No capítulo 15 de
São João ele diz: "Quero que não se separeis mais de
mim. Quero que permaneçais constantemente na fé.
Quero também que permaneçais no meu amor, porque
só assim é que ireis crescer. Sem mim nada podeis
fazer". Notem que não se trata de um preceito
jurídico. Poder fazer isto depende do nível da
constância e da vivência da fé. Para receber um
pedido como este, a pessoa que o recebe deve ser
capaz de perceber que existe a presença de uma visita
sobrenatural que está produzindo os frutos do Espírito
Santo. E, em perfeita coerência com isso, Jesus
continua: "Então, agora, quero que percebais, quero
que vejais, que pretendo começar a manifestar-vos o
mesmo amor que o Pai me amou desse toda a
eternidade. Desejo transmitir-lhes um pouco da
experiência da Santíssima Trindade. E quero que a
minha alegria, que é o segundo fruto do Espírito
Santo, esteja convosco. Desejo transfundir-vos um
pouco disso". É o próprio Cristo que, em sua natureza
humana, está nos repassando os frutos do Espírito
Santo, amor e alegria. Jesus só poderia estar falando
desta maneira se os apóstolos tivessem chegado à
eusebéia, à oração de simplicidade. É a partir daí que
estas coisas começam a acontecer.
Quero agora chamar atenção de vocês como é que
Jesus tomou pessoas que já seriam católicos
praticantes, ou judeus praticantes e os conduziu à
eusebéia.

Primeiro ensinou-lhes a importância da fé.


Ensinou, na prática, como se deve crer, o que é uma
coisa difícil para a maioria das pessoas. Não porque
seja difícil em si, mas porque nós temos uma natureza
decaída. Apesar de ser uma coisa tão simples, não
conseguimos entender do que se trata. Crer não é
simplesmente concordar e assinar um papel atestando
o fato como se fosse um contrato. Trata-se de uma
experiência. Crer é caminhar em uma luz que não é a
que os olhos podem ver. Crer é um exercício que deve
se tornar permanente. Pela fé, passamos da carne e da
psiquê para o espírito. Pela fé entramos em contato
com o Espírito Santo. Os frutos do Espírito Santo
operam em nós no momento que cremos. O evangelho
é uma força que age sobre aquele que crê. Então, nesta
que é a segunda parte da vida espiritual, aprender a
crer é a primeira coisa. Aprender a crer é onde começa
a escadinha de São Pedro, é a tabuada para os que vão
aprender matemática. É o ponto de partida. Sem fé é
impossível agradar a Deus.

Então, uma vez que se aprendeu-se a crer, Jesus


ensinaria aos apóstolos o modo de crescer na fé.
Vemos que, basicamente, em sua essência, são poucos
modos.

O primeiro destes modos é a oração. Estamos


falando da oração tal como Jesus a ensinou no
capítulo 6 do Evangelho de Mateus, apesar de, sob mil
formas, o mesmo está enraizado em todo o Novo
Testamento. Jesus ensina que entremos no quarto,
entrar no quarto significa que nos recolhamos do
mundo exterior, e fechemos a porta, que significa crer
em Cristo. Com isto quer dizer que, através da fé, pela
sua luz, entraremos em contato com sua humanidade
ressuscitada. Se aprendemos a fazer um ato de fé,
temos certeza que se cremos que Jesus está
ressuscitado, no momento em que cremos, estamos
fazendo isto através daquela luz que procede do
Verbo, mesmo que no início não estejamos vendo
nada a não ser que cremos. Começaremos a ver
alguma coisa depois. Então, no momento que nos
recolhemos para rezar e cremos, estamos em contato
com Cristo. É Cristo que, em sua humanidade unida à
divindade, que pode nos ver e nos abraçar. Neste
ponto, continua Jesus quando ensina a rezar, há que se
buscar um lugar escondido naquele quarto em que,
pela fé, fechamos a porta. Este lugar escondido é um
lugar para amar a Cristo que já está conosco pela fé.
Não é algo diferente do que já fazemos quando
recebemos a Eucaristia. Neste ponto a oração deve ser
semelhante a como se estivéssemos recebendo
Eucaristia, sem as espécies eucarísticas. A oração é
uma espécie de Eucaristia. Não é exatamente a mesma
coisa, mas deve caminhar nesse sentido.

Em seguida Jesus nos ensina que, quando


estivermos na oração em união com Cristo pelo amor,
temos que entender outra coisa mais. Estamos em
comunhão com Ele em sua humanidade, mas Ele não
é apenas um ser humano, é o Verbo. Então, como
Verbo, ele está na Santíssima Trindade. Jesus então
nos pede que façamos a coisa completa. Junto comigo,
diz Jesus, vamos agradecer ao Pai por Ele ter-me
enviado, por ter feito com que eu seja teu irmão.
Vamos agradecer ao Pai, junto com o Espírito Santo.
O Espírito Santo é a recompensa que, quando nós nos
unimos a Cristo no lugar oculto, o Pai nos concede no
manifesto, como diz a passagem do sexto capítulo de
Mateus onde Jesus ensina a rezar. Vamos então, junto
comigo e com o Espírito Santo, agradecer ao Pai, pelo
bem que Ele fez por ter feito o mundo, e por ele estar
te convertendo em filho de Deus. Então, vamos rezar
um Pai Nosso.

O Pai Nosso é uma oração trinitária. Nós somente


conseguimos rezar o Pai Nosso se enxergarmos que
estamos entrando na Santíssima Trindade, junto com
Cristo e com o Espírito Santo que nos é enviado pelo
Pai quando nos unimos a Cristo, amando o Pai do
modo como Jesus O amou e recebendo do Pai, através
do Espírito Santo, o mesmo amor com que Cristo foi
amado. Foi por isto que Jesus disse aos apóstolos que
ele queria nos amar com o amor com que o Pai o
amou. Somos envolvidos pelo Espírito Santo, que está
operando seus frutos e mais adiante jorrará como rios
de água viva para que possamos amar ao Pai do modo
como o Verbo o ama na Santíssima Trindade. A oração
que Jesus nos ensina no Evangelho de São Mateus é,
portanto, aquilo que iremos viver se chegarmos à
visão beatifica. O Pai Nosso é o próprio céu. Nunca
encontraremos outra oração e outro modo de oração
tão bem escrito como este. As mais belas orações que
existem, mesmo se forem dos Salmos, não chegam
aos pés do Pai Nosso. Com isto Jesus ensinava aos
seus discípulos que o primeiro modo, para quem já
crê, de aumentar a fé, é a oração. Mas Jesus se referia
principalmente a esta oração como ele no-la ensinou.
Trata-se de recolher-se, entender bem, ter clara
consciência que estamos nos encontrando com Cristo,
crer, ter certeza que se cremos é Cristo, em sua
humanidade, que está conosco e amá-lo, não querer
separar-se mais da união com Ele. E quando
estivermos bem certos que estamos na sua intimidade,
dirijamo-nos para dentro da Santíssima Trindade
junto com Cristo e o Espírito Santo que recebemos do
Pai por ter amado a Cristo, e agradeçamos ao Pai,
junto com Cristo e o Espírito Santo, por Ele ter gerado
o Verbo, do modo como o faremos mais claramente
quando estivermos no Paraíso.

O Pai Nosso, neste sentido, é também um objeto de


meditação profunda. Nele se encontram todos os
desejos do coração de um homem santo. Este é, então,
o primeiro grande método que Jesus ensinou aos
apóstolos para poder crescer na fé. O primeiro grande
ensinamento de Jesus, neste sentido, depois da
importância da própria fé, foi a oração.

O segundo grande ensinamento de Jesus foi o


guardar a palavra. Jesus ensinou que, além da oração,
temos que aprender a guardar a palavra. Trata-se da
palavra dEle mesmo, que nos foi transmitida pelos
apóstolos no Novo Testamento. Por que isso? Se
examinarmos atentamente, Jesus não está exatamente
ensinando como fazer uma leitura espiritual. As
expressões que o Novo Testamento usam referem-se a
guardar a palavra. Não se fala diretamente em leitura.
O que nos é dito é para guardar. Isto é muito forte.
Guardar significa colocar no coração e não mais
remover de lá.

A explicação última do que significa guardar a


palavra depende de entender o que é a eusebéia, a
oração de simplicidade, e papel que ela desempenha
no desenvolvimento da vida espiritual. Quando nós
formos capazes de perceber que na oração, ao nos
recolhermos, os frutos do Espírito Santo começam
operar, e que não se trata de um fenômeno
psicológico, quando começamos a perceber que trata-
se de algo sobrenatural, ainda que seja muito fraco, e
que estamos chegando perto de onde os apóstolos
estavam chegando próximos da última ceia, Jesus vai
nos convidar a permanecer ali, do modo como Ele fêz
aos Apóstolos no capítulo 15 do Evangelho de São
João: "Se vocês chegaram até aqui agora são capazes
de entender o que eu quero dizer: Eu sou a videira,
vocês são os ramos, o ramo não pode viver sozinho.
Ele tem que viver unido à videira, e se vocês
estiverem unidos a esta videira, meu Pai, que é o
agricultor, irá purificá-los para darem mais frutos.
Portanto, a partir de agora não se separem mais de
mim. Permaneçam na fé, permaneçam no meu amor.
Eu quero começar a amá-los como eu fui amado pelo
meu Pai". Jesus está convidando aqueles que
chegaram à eusebéia a permanecerem na sua
presença. Mas só conseguimos fazer isso quando
chegamos na eusebéia, quando começa a ficar
evidente que, ao nos recolhermos e exercermos a fé, o
Espírito Santo está operando. Antes disso não há
como fazer estas coisas.

Muitos de vocês devem ter lido como São Paulo na


Epístola aos Gálatas lhes pergunta se não era evidente
para eles que quando eles rezavam era o Espírito
Santo que rezava neles. Muitos de nós podem ter visto
um problema nesta passagem, porque quando nós
rezamos não percebemos que o Espírito Santo reza
conosco. Só percebemos que nós estamos rezando. A
explicação é que no começo nós de fato não o
percebemos. Só começamos a percebe-lo quando nos
estivermos aproximando da oração de simplicidade.
Quando aprendermos a rezar mais profundamente, a
crer mais profundamente, pouco a pouco irá chegar
uma hora em que quando rezamos, perceberemos que
o Espírito Santo reza dentro de nós e, mesmo assim,
não será algo espetacular, é uma luz que vai surgindo
como a estrela d´alva. Quando vai nascer o dia,
primeiro surge a estrela d’alva. Ainda é noite, surge
aquela pequena luzinha, depois ela vai clareando, o
meio-dia só virá bem depois.

Este é exatamente o motivo por que Jesus queria


que aprendêssemos a guardar a palavra, e não apenas
que fizéssemos uma leitura espiritual. Porque
enquanto não conseguimos permanecer na presença de
Cristo pelo Espírito Santo enviado pelo Pai, Jesus
pede que guardemos a sua palavra como se
estivéssemos nos preparando para permanecer na sua
presença. É como se Ele nos estivesse dizendo: "Se
vocês querem realmente chegar à eusebéia, devem
começar a ter esse amor à palavra, a esta palavra
que eu estou pronunciando com a boca ou
escrevendo, através dos Apóstolos, como se fosse eu
mesmo falando em vocês. Devem fazer com que
aquela palavra não saia do seus corações. Não é
apenas uma questão de memória, apesar da memória
estar envolvida, é uma questão de amor, é uma
questão de perceberem que aquelas palavras foram as
palavras que o Pai me deu para que eu as passasse
como um sinal de amizade. São minhas palavras, e
gostaria que vocês permanecessem nelas, exatamente
como se estivessem se preparando para aquele dia em
que eu lhes disser, mais adiante: agora eu sou a
videira, vocês são os ramos, permaneçam no meu
amor, quero começar a amá-los como o Pai me amou,
através do Espírito Santo que, através de mim, o Pai
lhes enviará. Quero pouco a pouco transfundir-lhes a
alegria que há na Santíssima Trindade, até que a
alegria de vocês seja plena".

Então, nesse sentido, o guardar a palavra não é


apenas uma leitura espiritual que fazemos de manhã e
depois vamos trabalhar e a esquecemos, até no dia
seguinte fazermos mais alguns minutos de leitura
espiritual. Fazer isto é válido, mas não era exatamente
isso o que Jesus queria dizer quando falava sobre
guardar a palavra. Jesus disse aos judeus que tinham
acabado de crer nele: "Se vocês creram, permaneçam
na minha palavra e sereis verdadeiramente meus
discípulos". Então, se têm algo importante e sério para
fazer, que exija atenção, façam. Mas, caso contrário,
em vez de se preocuparem com pensamentos
desocupados, entendam que nosso coração não pode
estar nesse mundo, nem nas curiosidades deste
mundo. O nosso coração deve já estar no lugar onde
um dia estaremos. E nós temos que começar a
aprender a fazer isto pela palavra. Trata-se de uma
maneira de purificar toda a nossa mente, toda a nossa
alma, e fazer com que o nosso coração se destaque do
mundo, da carnalidade, da vã curiosidade do dia a dia,
e comecemos a aprender a ter um coração cheio de
Deus. Obviamente, portanto, apesar da memória estar
envolvida, não se trata apenas de um exercício da
memória, trata-se de um exercício da fé. Tanto a
oração, como o guardar a palavra, são exercícios da
fé. Guardar a palavra só alcança a sua finalidade se
crermos que aquelas palavras são as de Cristo, e que
este é o mesmo Cristo que encontramos quando
estamos em oração, e que, ao nos debruçarmos sobre a
palavra com esta fé, justamente por causa desta fé,
iremos compreender o seu conteúdo não apenas pelas
nossas próprias capacidades intelectuais. No momento
em que cremos há uma luz sobrenatural do Verbo que
age sobre nós. Então, no momento em que cremos, se
estamos guardando a palavra, uma luz sobrenatural,
que vem do Espírito Santo através do Verbo, age sobre
nós e começa a nos mostrar um sentido mais profundo
daquela palavra. A experiência dos que guardam a
palavra, desde os primórdios do Cristianismo, é que
começam a entender um sentido mais profundo
daquilo que leemos e guardam, e que outras pessoas
em sua volta não conseguem alcançar, por mais que
lhes seja explicado, a menos que sejam pessoas que
estejam também empenhadas em uma vida de oração
e de busca da intimidade divina. Apesar da memória
estar bastante envolvida, não se trata apenas de um
exercício da memória. É diferente, por exemplo, de
quando estuda-se matemática. Os grandes
matemáticos também guardavam a matemática. Eram
pessoas que não pensavam em outra coisa, mas o que
faziam não era um exercício da fé, tratava-se de um
simples exercício da inteligência natural. Do mesmo
modo, a oração não produzirá os efeitos apontados por
Jesus se não for um exercício da fé e se ela não
produzir um aumento da fé. E o guardar a palavra,
apesar de ser como que uma fisioterapia da
permanência na presença de Cristo, uma preparação
para permanecer na presença de Cristo quando se
chega à eusebéia, não é apenas um exercício da
memória, não pelo menos no sentido que o homem do
século XX e XXI entende esta palavra. O guardar a
palavra somente produz os resultados que Cristo nos
ensinou a esperar se recebermos a palavra com a
mesma fé com que recebemos Eucaristia e com a
mesma fé com que nos aproximamos da oração. Trata-
se de um exercício de fé, e mais, de um exercício para
aumentar a fé. Esta era a pedagogia de Jesus nesta
etapa. Para quem já é cristão praticante, que cumpre
os mandamentos porque já tem alguma fé, já tem
alguma vida de oração, ainda que desordenada, e já
tem uma vida sacramental, Jesus ensina primeiro o
exercício da fé e depois nos dá os exercícios para
fazer a fé crescer. O primeiro deles é a oração, quando
nos recolhemos na intimidade com Cristo, pela fé e,
através do Pai Nosso, mergulhamos na Trindade, de
onde nos foi enviado Cristo. O segundo deles é o
guardar a palavra, que também é um exercício da fé.
Se guardamos a palavra, através da fé, somos
iluminados por uma luz que nos irá permitir entendê-
la melhor, e nosso coração irá se destacando das
coisas terrenas enquanto ainda não conseguimos
perceber claramente que, quando rezamos, o Espírito
Santo está rezando conosco, ainda que muito
silenciosamente. Os grandes santos o percebiam de
uma maneira estrondosa. Os santos da perfeita união
com Cristo o percebiam de uma maneira muito mais
estrondosa. Para quem alcançou a eusebéia é apenas a
estrela d’alva, mas uma estrela d’alva claramente
visível. Embora tudo esteja ainda escuro, já desponta
no firmamento uma estrelinha que não põe em dúvida
que é o prenúncio de que irá nascer o dia.

Então, enquanto não chegamos lá e não


conseguimos permanecer junto com Cristo, pela fé,
através dos frutos do Espírito Santo, procuramos
permanecer na palavra. E essa palavra, através do
exercício da fé, chegará junto com a luz da graça que
irá se mostrar, entre outros modos, através da
evidência de um sentido mais profundo do que é
guardado. Mas se se tratar apenas de um exercício
literário, de um estudo gramatical, semântico,
histórico, exegético no sentido arqueológico da
expressão, não conduzirá a este resultado.

Então, temos já dois elementos importantes da


pedagogia de Jesus. Ele recebeu os judeus praticantes
e os cristãos praticantes e os ensinou a crer. Ensinou-
lhes também duas maneiras de fazer com que a fé
cresça: a oração e o guardar a palavra. Quando Jesus
morreu, acrescentou um terceiro elemento, que é a
Eucaristia, o partir do pão. A Eucaristia é um aperitivo
da oração de simplicidade.

A oração de simplicidade ocorre quando nos


recolhemos e, "crendo, somos capazes de ouvir a
própria palavra no silêncio". Estas são expressões de
Santo Inácio de Antioquia, que também dizia que
Jesus é aquela "alegria imaculada" que nos vem
quando rezamos e estamos próximos da oração de
simplicidade. Ele também dizia que Jesus é "a
palavra que precede o silêncio". Queria dizer que
quando se está na oração de simplicidade, a própria
vinda de Cristo na oração prepara um silêncio ainda
mais profundo. São palavras de Santo Inácio de
Antioquia, discípulo de São João.

A Eucaristia é um aperitivo desta oração de


simplicidade para quem está começando a vida
espiritual. Os apóstolos demoraram três anos e meio
para chegar à oração de simplicidade, e isso
considerando que estavam sendo ensinados
diretamente por Jesus. Ele não havia confiado esta
parte nem para Virgem Maria. Quis fazê-la Ele
mesmo, porque é a parte mais difícil. Demorou três
anos e meio. Para nós que não temos esse convívio
aberto e direto com Cristo, onde ele pode chamar-nos
abertamente a atenção, pode demorar mais. Mas,
enquanto não chegamos lá, Jesus pensou: "Bem, já
que estou indo embora, vou deixar alguma coisa no
meu lugar, vou deixar a Eucaristia". A Eucaristia é um
aperitivo da oração de simplicidade que nós podemos
experimentar inclusive no dia seguinte após a
conversão. Se a conversão é sincera, se nos batizamos
ou nos confessamos, cremos realmente, e queremos
seguir uma vida cristã, ao começar a receber
Eucaristia já é possível perceber alguns dos frutos da
oração de simplicidade no próprio sacramento.

Para entender como é possível isto, vamos


examinar o que ocorre na Eucaristia.

Na Eucaristia nos rcolhemos, recebemos o próprio


corpo e sangue de Cristo e a partir deste momento não
pensamos em mais nada, exceto em amar a Cristo,
porque ele está ali nos fazendo uma visita. Durante a
Eucaristia não meditamos nas Escrituras, não rezamos
o breviário, não rezamos o terço, não cantamos em
gregoriano, não fazemos nada destas coisas e de muito
mais coisas. Naquele silêncio, a Eucaristia existe para
levar o amor ao ato. Estas são palavras de Santo
Tomás de Aquino na Suma Teológica. O efeito próprio
da Eucaristia, diz Santo Tomás, é levar o amor ao ato.
É uma refeição de amor. Levar o amor ao ato por
alguém que está ali presente. É uma pessoa, não é um
texto, não é um Salmo, não é uma música, não é uma
liturgia, não é uma oração. É o próprio Cristo, em
carne e osso, literalmente falando.

Não é difícil perceber a semelhança que aí existe


com a oração de simplicidade. A Eucaristia é já um
aperitivo da própria oração de simplicidade, como que
Cristo nos estivesse dando o modelo de como
devemos rezar. Orem do modo como comungam, e
um dia tudo isso vai fazer sentido e as peças irão se
juntando em uma coisa só.

Neste sentido, o terceiro grande instrumento que


Jesus deu, não para os apóstolos durante a sua vida
pública, mas para nós, foi a Eucaristia. Durante a vida
pública de Jesus os apóstolos usaram de sua presença
física. Quando foi para o Pai, quis ficar presente
fisicamente entre nós através da Eucaristia. Cristo
instituiu a Eucaristia no dia que foi embora como se
nos estivesse dizendo: Vou embora, mas não vou
totalmente embora; continuarei fisicamente presente
entre vocês por meio da Eucaristia. E nos Atos dos
Apóstolos, São Lucas diz que os primeiros discípulos
perseveravam na palavra ou ensinamento dos
apóstolos, na oração, na Eucaristia, e na koinonia.
Aparecem aí os três elementos da pedagogia de Jesus
que acabamos de descrever. Os apóstolos estavam
ensinando os primeiros cristãos com a mesma
pedagogia que Jesus havia usado. A Eucaristia é uma
invenção de Jesus mas que o próprio Jesus não havia
utilizado na sua vida pública. Os apóstolos a
receberam de Jesus, no último dia, para ser repassada
aos que haveriam de crer.
Temos aí três fortes instrumentos para o
desenvolvimento da vida espiritual, supondo que a
pessoa tenha aprendido a crer. Sem fé, nenhum destes
instrumentos terá alguma eficácia. Na Eucaristia, é
preciso crer que Jesus está lá. Mesmo que alguém não
creia, Cristo ali estará independentemente da fé. Na
Eucaristia, o pão e o vinho realmente se transformam
no corpo e sangue de Cristo, quer alguém creia ou não
creia. Mas para produzir os efeitos que Jesus desejava,
haveria que se crer. Quanto mais profundamente
crermos, mais iremos tê-lo. Na oração ocorre o
mesmo. Há que se crer que, no momento em que nos
recolhemos, estamos nos abraçando com o Verbo
encarnado. Ele ressuscitou, mas continua vivo e
presente em nós, através da fé. E o guardar a palavra
não é apenas um exercício de memorização, nem de
leitura. Deve ser um exercício de fé, um exercício de
comunhão, um exercício de amor pelo qual
guardamos a palavra no coração.

Além destes três elementos, faltaria ainda um


quarto, que em outro momento comentaremos mais a
fundo. Este quarto elemento Jesus só o ensinou para
os apóstolos a partir da metade de sua vida pública. O
guardar a palavra e a oração Jesus ensinou
imediatamente nos primeiros dias. Para os cristãos que
vieram depois dos apóstolos, a Eucaristia começa
também no primeiro dia, logo após a conversão. Uma
vez convertidos, os cristãos já podem começar a
comungar logo após o batismo ou da confissão. Para
os que vieram depois dos Apóstolos, o guardar a
palavra, a oração e a Eucaristia começam logo no
início. Mas, a partir do meio de sua vida pública,
Jesus ensinou uma quarta coisa importante para os
apóstolos. É aquilo ao qual ele se refere quando,
anunciando a sua morte, também começou a falar que
os demais cristãos também devem levar a sua própria
cruz. Ou, traduzindo em outras palavras, é o
ensinamento sobre a hypomoné. A hypomoné é um
quarto elemento da pedagogia de Jesus, fundamental,
mas da qual ele não falou no início, começou a falar
no meio. Vocês podem enxergar isto muito claro no
Evangelho de São Marcos e na escadinha de São
Pedro. Na escadinha de São Pedro a hypomoné está
bem no centro de sua lista. A hypomoné vem antes da
eusebéia e depois de termos aprendido a amar a Cristo
na oração, que é a enkratéia. A hypomoné está no
meio. Jesus também ensinou a hypomoné para os
Apóstolos quando ele, no meio da vida pública,
começou a explicar que ele iria ser crucificado. E os
apóstolos, não entendendo, lhe responderam: "Não
mestre, jamais, não pense nisto, isto jamais irá
acontecer, Deus não não o permitiria, principalmente
consigo". Neste momento Jesus se volta para os
apóstolos e lhes responde: "Como assim? O que estão
pensando? Então julgam que se isto acontecer seria
um imprevisto, um acidente que Deus jamais
permitiria? Na verdade, quero dizer-lhes que esta
será a regra. Não sou apenas eu que terei que levar a
minha cruz, vocês também terão que aprender a levar
as suas. Terão que aprender a levar a cruz que lhes
for enviada. Aquela que o Pai me enviou é esta, pela
qual eu serei crucificado para a salvação dos
homens. Mas, para cada um de vocês, o Pai enviará
outras, de acordo com as necessidades de cada um. E
vocês terão que aprender a levá-las com alegria.
Terão que levá-las com hypomoné. Eu levarei mais
dura que a de todos, para que ninguém possa
reclamar de própria, julgando levar uma cruz mais
pesada do que a que eu levei. Nunca haverá outra
pior que a minha. Mas todos terão, de acordo com a
necessidade de cada um, outra adequada para cada
um. E terão que aprender a levá-la com hypomoné.
Do modo como eu fizer na cruz, onde não reclamarei,
não desistirei, sendo que bastaria dar uma pequena
ordem e tudo pararia imediatamente. Eu não desisti,
não desanimei, não reclamei, não praguejei. Vocês
terão que aprender a fazer assim, e isso é
importantíssimo. Sem isto, não se consegue terminar
de chegar na eusebéia. Só se chega na eusebéia com
uma hypomoné bastante perfeita. Aquele que reclama
das cruzes da vida, aquele que reclama de tudo que
acontece, que julga que o mundo é horrível, que ele
não é compreendido, que o mundo é um lodo e a vida
é insuportável, que não merecia o que está recebendo
e continuamente reclama de tudo, esta pessoa nunca
chegará à eusebéia".

O Novo Testamento está repleto de textos onde se


repete este mesmo ensinamento. Um dos mais
evidentes é o capítulo quinto da Epístola aos
Romanos, onde São Paulo diz: Eu me glorio nas
tribulações. Ele quer dizer: "Todas as vezes em que
surge um problema, eu não reclamo; ao contrário,
fico contente. Agradeço a Deus por ele ter me
enviado mais essa tribulação. Porque é através disso
que aprendo a ter hypomoné". São Paulo nos está
ensinando que a hypomoné começa a ser aprendida
quando aprendemos a, em vez de reclamarmos dos
problemas que acontecem conosco, nós, em vez disto,
nos alegrarmos com eles. Entendam que ele não está
nos pedindo para que criemos problemas. São Paulo
se refere àqueles que surgem espontaneamente, sem
que os tenhamos pedido para ninguém. Talvez
tenhamos sido nós mesmos que os provocamos, mas
não intencionalmente. São Paulo não nos pede que
provoquemos mais problemas para nós, não nos pede
para amar o sofrimento pelo sofrimento, mas pela
hypomoné. Não se trata de masoquismo. Trata-se de
aceitarmos com alegria os problemas que vem, para
que possamos desenvolver a hypomoné. Na verdade,
não estamos querendo sofrer, estamos querendo, na
verdade, aprender a não sofrer. Estamos querendo
aprender a ser alegres sempre que alguém quiser nos
torturar. Estamos querendo aprender a alegria e não o
masoquismo, estamos querendo aprender a hypomoné.
Não é para desejar continuar sofrendo por toda a vida,
é para, ao contrário, aprender a não sofrer mais e
entender que nenhuma destas coisas podem nos afetar.
Quando fazemos isto, desenvolvemos a hypomoné.

E examinem o que diz São Paulo na continuação


deste quinto capítulo da Epístola aos Romanos: "Se
aprendermos a hypomoné, a hypomoné pode se tornar
uma virtude perfeita". São Paulo chama a esta virtude
perfeito da dokimé. Este é o nome grego. Dokimé seria
aquela virtude consagrada em que ninguém pode
encontrar um defeito. Se pudermos aprender a não
reclamar e a nos alegrarmos com as cruzes que o
Senhor nos enviar, não outras que procurarmos de
propósito, se aprendermos nos alegrarmos com elas e
ter hypomoné, isso levará a uma virtude totalmente
comprovada, que ele chama de a dokimé.

Então São Paulo diz que a dokimé produz a


esperança, e a esperança faz com que a caridade de
Deus se derrame em nossos corações pelo Espírito
Santo que nos é dado. Notem que coisa mais
interessante. São Paulo diz que os que possuem
dokimé, o que quer dizer, uma hypomoné nota 10, isto
produz a esperança. Por que? Porque estas pessoas são
aquelas que, naquela sequência da parábola do
semeador, venceram o espinheiro. Quando estas
pessoas se recolhem para rezar, elas não têm mais
perturbação nenhuma, elas podem trancar a porta e
terem certeza que não entrará junto perturbação
alguma. São como criancinhas na presença de Deus.
Ora, isso é exatamente o ambiente interior que
favorece o surgimento dos frutos do Espírito Santo. E
à medida em que vamos vendo que os frutos do
Espírito Santo estão começando a operar, aí surge uma
expectativa de que finalmente as promessas de Cristo
irão começar a se cumprir. Agora Nosso Senhor Jesus
Cristo começa a se manifestar em nossa alma. Aquele
amor com que Jesus diz que quer nos amar como o
Pai nos amou, vai começar a ficar evidente, e o amor
de Deus, através desta esperança, irá se derramar, pelo
Espírito Santo, em nossos corações.

Temos, então, um quarto elemento fundamental no


ensinamento de Jesus, que é a hypomoné. Uma vez
que o aluno aprendeu o que é a fé, e aprendeu como
fazer a fé crescer, pela Eucaristia, pelo guardar a
palavra e pela oração, para que isto seja levado à
perfeição, ele ainda tem que aprender a hypomoné. A
hypomoné, na prática, se aprende através dos reveses
que temos na vida. Toda vez que vier um problema,
em vez da reclamarmos, temos que nos alegrar, até
que se gere a hypomoné e até a hypomoné tornar-se
perfeita. Quando a hypomoné se tornar perfeita, ao
receber a Eucaristia, ao guardar a palavra e ao rezar, a
operação dos frutos do Espírito Santo irá começar a
manifestar-se mais evidente na oração. E aí surgirá a
esperança de que agora tudo está começando a se
encaixar dentro do que se esperava, as coisas estão
começando a funcionar, o motor engatou, o navio vai
zarpar e o avião vai decolar. E que está para ser
derramado em nós aquele amor de Deus, que Jesus
apresentou aos seus discípulos durante a última ceia,
quando lhes anunciou que se iniciaria uma nova fase
em que eles passariam a perceber que não somos
apenas nós que amamos a Deus, mas que o próprio
Cristo começaria a nos amar com o mesmo amor com
que é amado na Santíssima Trindade pelo Pai.

Temos aqui, então, quatro instrumentos


fundamentais da pedagogia de Jesus. Trata-se de uma
pedagogia muito bem arquitetada, de quem sabe onde
quer chegar e o que fazer em seguida quando chegar.
São os elementos básicos da pedagogia de Jesus.

A estes quatro, na verdade, deveríamos ainda


acrescentar um quinto. Este quinto é um elemento pós
eusebéia, tal como está descrito na escadinha de São
Pedro. A partir do momento que aprendemos
perfeitamente estes quatro primeiros elementos, e com
isto alcançamos a eusebéia, Jesus ainda nos diz, no
final de sua vida pública: Agora tenho uma novidade.
Vocês já começam a perceber como eu os amo, amo-
os como o Pai me amou. Mas isto é apenas o começo,
é apenas a estrela d’alva. Se perseverarem, irão ver
muito mais. Mas para que eu os possa amar mais do
que a estrela d’alva, preciso ainda que façam outra
coisa. Quero que do modo como já vêem que eu vos
amo, que se amem uns aos outros. Quero que
comecem a se amarem uns aos outros como eu vos
amei. E, para aqueles que são casados, este amar uns
aos outros como eu os amo vale de uma maneira
especial para o próprio cônjuge. Temos que amar a
esposa como Cristo amou a Igreja. Na verdade, é
deste modo que devemos aprender a amar a todos.
Mas, para os que são casados, amar a esposa como
Cristo amou a Igreja tem um lugar especialíssimo
neste aprendizado. Há que haver uma mudança
profunda a partir deste momento, e esta mudança
deve-se dar com uma vontade, um desejo profundo,
não apenas de dar comida, atenção, carinho, mas
principalmente de transmitir a vida espiritual. Foi para
isto que Jesus se encarnou, e este é um quinto
elemento da pedagogia de Jesus.

Resumindo e retomando, nesta pedagogia temos o


seguinte. em primeiro lugar, há que se aprender a ser
um cristão praticante e cumprir perfeitamente os
mandamentos. Estar disposto a antes morrer do que
pecar. Costumamos pensar que se encontrarmos uma
pessoa com estas características já seja um santo, mas
na verdade, não passa de uma pessoa que cumpriu as
exigências para matricular-se na escola de Jesus.

Uma vez cristão praticante, o elemento básico que


está por trás das que seriam as cinco matérias básicas
da escola de Jesus é a fé, é o primeiro assunto
propedêutico antes das cinco grandes matérias. Temos
que aprender a crer. E temos que aprender a crer não
apenas em Deus, mas também a crer em Cristo. Jesus
fala isso claramente no capítulo 14 do Evangelho de
São João: "Vocês já acreditam em Deus, agora quero
que vocês creiam em mim também". Isto é, não apenas
que eu vim, que nasci em Belém, que ressuscitei dos
mortos ressuscitei e minha natureza humana continua
viva, mas também que quando vocês creem, sou eu
que estou com vocês em minha natureza humana.

Então, uma vez cristão praticante, o primeiro


assunto da escola de Jesus é a fé. Isto vai exatamente
na linha das palavras de São Paulo quando ele diz, em
Romanos 1, 17: "O meu Evangelho é uma força, uma
dynamis de Deus, que age sobre aqueles que creem,
que crescem da fé para a fé e que vivem da fé". Veja
que São Paulo está se referindo a uma progressão. No
momento que aprendemos a crer, uma força age sobre
nós. A partir daí temos que começar a crescer "de fé
para fé". Até chegar ao ponto em que vivemos da fé,
que é o ponto que começa a se iniciar na eusebéia. É
esta fé que irá nos conduzir em todo esta aprendizado.
É esta fé da qual o Santo Inácio de Antioquia diz, em
sua Epístola aos Efésios: "O princípio da vida
espiritual é a fé, e a sua perfeição é a caridade.
Quando essas duas coisas se transformam em uma
unidade, nós encontramos Deus". Isso é claríssimo, e
tudo isso que eu estou falando aqui, não se encontra
apenas na Epístola aos Romanos de Paulo e na
Epístola aos Efésios de Santo Inácio de Antioquia.
Está tudo ali em todas as cartas e em todos os escritos
apostólicos. Permeia todo o Novo Testamento. É uma
onipresença impressionantíssima.

Uma vez cristãos praticantes, quando Jesus nos


convida à sua escola e quer nos ensinar o resto, a
primeira coisa que ele faz é nos ensinar a crer. Uma
vez aprendido o básico do que é a fé, há cinco
matérias na etapa seguinte da vida espiritual que vai
até a eusebéia. Três devem ser aprendidas desde o
primeiro dia. O quarto deve ser aprendido no meio e o
quinto é somente pode ser entendido e aprendido perto
do fim deste período. Estamos falando do período que
conduz à oração de simplicidade.

Os três primeiros elementos para fazer crescer a fé


são a Eucaristia, o guardar a palavra e a oração, desde
que possamos entendê-las como Jesus as quis ensinar.
Guardar a palavra não é uma simples leitura espiritual.
Por isto é dita "guardar", em grego "terein", "a
palavra". Terein em grego é guardar. O modelo de
oração é aquele que Jesus nos dá no Sermão da
Montanha. Mas está em muitos outros lugares. Por
exemplo, quando São Paulo diz, na Epístola aos
Colossenses: "Se pois, fostes co-ressuscitados com
Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está
sentado à direita de Deus. Considerai as coisas do
alto, não as da terra, pois morrestes e a vossa vida
está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo,
que é a vossa vida, se manifestar, então vós também
com ele sereis manifestados em glória". Ao falar deste
modo, São Paulo está descrevendo a mesma realidade
que Jesus nos ensinou ao nos explicar o Pai Nosso. E
São Paulo o faz também em inúmeras outras
passagens, quando nos diz, no início da Epístola aos
Efésios: "Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo, que nos abençoou com toda a bênção
espiritual, nos mais alto dos céus, em Cristo,
conforme nos escolheu nEle, antes da fundação do
mundo, para sermos santos e imaculados diante dEle
no amor". Só é possível entender o júbilo que está
por detrás destas palavras se entendermos que trata-se
da alegria de alguém que havia aprendido a rezar
como Jesus havia ensinado. E a mesma coisa lemos
nas cartas de Santo Inácio de Antioquia, quando ele
nos diz, no quarto capítulo da Epistola aos Efésios,
falando aos cristãos dos primeiros anos do segundo
século: "Cada um de vós forme um coro, estando na
sinfonia de um só pensamento e alcançando o tom de
Deus na unidade, para cantardes ao Pai em uma só
voz, através de Jesus Cristo". Todas estas pessoas e
estas e outras inúmeras passagens estão se referindo à
prática da oração, como Jesus no-la havia ensinado.
Quanto à Eucaristia, que foi instituída na última ceia,
temos a este respeito um dos comentários mais lindos
e perfeitos o que está na terceira parte da Summa
Teologiae de Santo Tomás de Aquino. Foi depois que
Santo Tomás terminou de escrever essa parte da
Summa que se deu o episódio em que se inclinou da
Cruz, o abraçou e lhe disse: "Tomás, meu filho, como
você escreveu tão bem sobre mim! O que você quer
como recompensa?" Há muitas outras coisas lindas
sobre a Eucaristia, mas talvez a mais perfeita seja esta,
apesar de que nada substitui a prática. A Eucaristia é
algo de extremamente prática, é um aperitivo da vida
espiritual. Nela já podem ser vistas as coisas
acontecendo desde o primeiro dia. Há, portanto, estes
três temas que Jesus ensinou logo de início. A oração
e o guardar a palavra, que ele ensinou para os
apóstolos e, para os que viessem depois dos
Apóstolos, a oração, o guardar a palavra e a
Eucaristia.
No meio do curso Jesus ensinou um quarto tema,
que é o levar a própria cruz ou, em outras palavras, a
hypomoné, que é o elemento que precede a entrada na
oração de simplicidade. Se tivermos aprendido a viver
a Eucaristia, guardar a palavra e a oração, mas não
tivermos hypomoné, nunca chegaremos à oração de
simplicidade. Mas não é necessário aprender
perfeitamente sobre a hypomoné logo desde o início.
Jesus, de fato, começou a ensiná-la para os apóstolos
no meio da vida pública e vemos também, na
escadinha de São Pedro, que ela também está
exatamente no meio, não no começo, nem no fim,
logo antes da eusebéia. Santa Teresa comenta o
msmo, com suas palavras, no livro das Moradas,
quando ela comenta porque tão poucos cristãos
passam da terceira morada, porque a maioria dos que
realmente começam a progredir se detém na terceira e
não saem dela. Santa Teresa explica dando exemplos
de pessoas que ela conheceu. Descreve pessoas
dotadas de uma certa psicologia que não lhes permitia
passar adiante. Examinando os exemplos que ela dá,
pode-se perceber que tratavam-se de pessoas que,
apesar de terem uma vida exemplar como cristãos e
realmente se dedicarem a uma vida de oração, eram
incapazes não só de praticar, como até de entender o
que fosse a hypomoné. Eram pessoas que, embora sem
ofender ninguém, reclamavam de tudo. Não importa
se reclamavam com razão ou sem razão, a questão é
irrelevante. O fato é que, com este modo de proceder,
haverá um espinheiro de que Jesus já falava que não
nos deixaria cair no solo fértil onde as árvores
realmente podem crescer.

O quarto tema da pedagogia de Jesus é a


hypomoné. Podemos encontrar este tema
extraordinariamente bem situado no Opúsculo sobre o
Mandamento da Caridade de Tomás de Aquino.
Trata-se, na verdade, da introdução ao seu
Comentário sobre os Mandamentos. Pode ser
encontrado no site do Cristianismo, entre os textos de
Tomás de Aquino, com o título de "Mandamento da
Caridade". Ali, na maior parte do texto, Tomás
explica o que é a caridade e as suas características.
Mas, no fim, ele nos ensina como proceder para
adquirir a caridade. Ele afirma que há quatro maneiras
para adquirir a caridade.

A primeira maneira é a meditação, pois se ouvimos


falar coisas boas de alguém, nos apaixonamos por esta
pessoa. Portanto, se meditarmos e ouvirmos coisas
boas de Deus, iremos começar a amar a Deus.

A segunda maneira é agradecer porque, por pior


que sejamos, se alguém nos fizer algum bem e nós o
agradecermos, começaremos a amar a pessoa.
Portanto, diz Tomás de Aquino, se você quer amar a
Deus, deve agradecer a Deus pelos bens que dele
recebeu.

Mas, uma vez adquirida a caridade, se quisermos


crescer nela, há mais duas coisas a fazer.

A primeira será renunciar aos bens da terra,


desapegar-se dos bens deste mundo, afastar o coração
do que é terreno. De fato, diz Tomás: "Ninguém é
capaz de amar a Deus e ao mundo, e quanto mais nos
afastarmos do amor do que é terreno, tanto mais nos
firmaremos no amor divino". Tomás completa o
raciocínio citando o Segundo Livro dos Macabeus: "O
Sol, que antes estava entre nuvens, refulgiu". Isto é, o
Sol, que é o intelecto humano, estava entre nuvens
quando entregue às coisas terrenas. "Resplandescerá
quando for afastado e removido do que é terreno: a
cobiça dos bens terrenos é veneno da caridade".
Estas coisas São João já as falava claramente:
"Filhinhos, não amem o mundo, nem as coisas que há
no mundo. Quem ama o mundo nele não pode estar o
amor de Deus. Tudo que há no mundo é o desejo da
carne, o desejo dos olhos e o orgulho da vida. Quem
está nestas coisas, o amor do Pai não pode estar
nele" (I Jo. 2, 15-16). Santo Tomás de Aquino está
dizendo as mesmas coisas. Não está inventando nada.
Portanto, diz Tomás, depois de haver explicado o
que é o amor, se alguém quiser aprender amar a Deus,
primeiro deve aprender a meditar. Temos exemplos
disto todos os dias. Quando os pregadores falam bem
de Deus as pessoas se convertem, porque ao ouvir
estes bons pregadores, as pessoas já estarão
começando a meditar, e se alguém ouve e medita
coisas boas de uma pessoa, ela começa a amar essa
pessoa. A segunda coisa é agradecer, e a terceira é
abandonar a cobiça dos bens terrenos.

Mas, o melhor de todos os meios, diz Tomás de


Aquino, é suportar pacientemente as adversidades,
porque é isto que vemos acontecer com os artífices. O
artífice que trabalhou mais duramente numa obra, será
esta a obra que amará mais. Portanto, se alguém
quiser realmente amar a Deus, deve aprender a ter
paciência nas adversidades. Santo Tomás coloca isso
mais alto do que a meditação, mais alto do que o
agradecimento, e mais alto do que a própria renúncia
da cobiça terrena. Santo Tomás coloca a paciência na
adversidade no topo dos meios para aprender a amar a
Deus.

Isso também não deveria ser uma novidade para


quem leu o Evangelho porque Jesus, depois de receber
os praticantes, de ensinar-lhes sobre a fé e dar-lhes a
Eucaristia, ensiná-los a guardar a palavra e a rezar diz:
"Agora você deve aprender a levar a própria cruz, com
hypomoné, e eu vou dar-lhe o exemplo levando a
minha. Não exijo que tomem uma cruz igual à minha
mas, segundo o modo como eu fizer com a minha,
quero que façam com as suas. Se eu fiz tudo isso,
vocês podem aguentar os pequenos problemas que
surgem na vida de vocês e vencê-los com alegria.
Temos que alcançar a hypomoné, até que a hypomoné
se transforme em dokimé. Quando isto acontecer,
começarão a operar os frutos do Espírito Santo, caso
tenham adquirido aquelas três coisas antes. Isto irá
produzir uma esperança que fará com que o amor de
Deus se derrame no coração, e este amor de Deus é o
que os irá conduzir à contemplação. Então a
hypomoné é o quarto tema do curso, que deve entrar
em todo o seu conteúdo no meio do curso.

Temos, então, que a pedagogia de Jesus se divide


como se fosse um programa dividido em quatro séries:
o fundamental, o colegial, a universidade e a pós-
graduação. O fundamental é ser cristão praticante. O
colegial, que é o mais difícil, não por si mesmo, mas
por causa de nossa burrice, é onde todos reprovam e
onde é necessário um professor especial, e Jesus
resolveu ser ele mesmo o mestre para mostrar melhor
como se faz. No início desta série temos que aprender
a usar da fé, a Eucaristia, o guardar a palavra e a
oração. E no meio da série é onde entra plenamente a
hypomoné. E quando estivermos próximos à
formatura desta série, vem um quinto tema, quando já
estamos quase formados e praticamente quase
recebendo o diploma do segundo grau. Em suas
últimas aulas deste que seria o segundo grau, Jesus
acrescenta um novo tema. "Se já alcançaram a
eusebéia, vocês já estão começando a experimentar
como é que eu os amo. Não sou apenas eu que os
estou amando, é o próprio Pai que os está amando. E
eu os estou amando com o amor que eu recebi do Pai,
desde toda a eternidade. E vocês já experimentam a
alegria que eu estou transfundindo nos seus corações,
aquela alegria imaculada que sou Eu mesmo. Se já
são capazes de experimentar aquela paz que o mundo
não dá, a que só eu sou capaz de dar, pois eu lhes
tirei a paz que o mundo dá, e estou dando-lhes a
minha, agora quero uma quinta coisa de vocês. Quero
que se amem uns aos outros como eu vos amei. Do
modo como já estou fazendo com vocês, quero que
façam com os outros". Não é possível fazer isto no
curso no curso fundamental, nem no começo do
secundário, mas apenas no fim, depois da hypomoné,
quando já estamos praticamente com o diploma na
mão para poder passar para a Universidade. Aprender
a amar o próximo, como Jesus nos amou significa,
dentre outras coisas, não apenas ter um carinho, uma
atenção, uma dedicação especial, mas significa
principalmente poder e querer transmitir a vida
sobrenatural que Cristo começa a fazer crescer dentro
de nós. Significa a gente ensinar o Evangelho, não
como quem lê um texto e o repete, ainda que com
muitos cometários tirados de outros livros, mas como
alguém que dá testemunho da grandiosidade que há
nestas coisas, que só pode começar fazer quem
chegou pelo menos neste ponto.

Com isto, na nossa analogia, recebemos o diploma


do segundo grau. Teríamos que nos inscrever para
cursar a Universidade. Os que entram na Universidade
já conhecem muitas coisas, como matemática,
química, física, história, português, alguma língua
estrangeira, geralmente inglês e, a partir daí, irá
aprender muitas coisas totalmente novas. Na nossa
analogia, os que entram para a Universidade são
aquelas pessoas que já alcançaram a eusebéia, estão
procurando amar o próximo como Jesus os amou, e
buscam permanecer na presença de Cristo. A partir daí
estes alunos deverão estar procurando o caminho da
contemplação. Em nossa analogia a Universidade
significa passar a porta estreita e chegar à
contemplação infusa, o que os apóstolos fizeram no
dia de Pentecostes. Ali termina a faculdade e se inicia
a pós-graduação. O que seria a pós-graduação seria a
caminhada para a perfeita união com Cristo, o mesmo
que Santa Teresa entende pela sétima morada.
Os apóstolos fizeram a Universidade sob a
orientação da Virgem Maria, de modo
excepcionalmente muito rápido, com a assistência de
Cristo ressuscitado, no cenáculo. O que chamamos de
pós-graduação foi o que aconteceu quando São João
tomou a Virgem Maria como mãe e a levou por cerca
de 20 anos para residir em sua casa. São João era o
orientando e a Virgem Maria era a orientadora. Ela o
levou, através da graça que há em Cristo, até a perfeita
união com Cristo. Não há dúvida, pelo modo como
escreve São João, que ele tenha chegado a isto. Assim
como São João, muitos santos na história também
chegaram, mas trata-se de algo difícil de documentar
quais e quantos pela sublimidade que o termo encerra.
Santa Teresa, São Bernardo de Claraval, São João da
Cruz, São Paulo da Cruz, com certeza alcançaram esta
perfeita união com Cristo. São Francisco de Assis,
Santa Catarina de Sena, e provavelmente Santo Tomás
Aquino também chegaram. O Apocalipse se refere a
uma multidão inumerável. O Senhor gostaria que
todos chegassem a isto, é a nossa burrice e decadência
que não nos deixa chegar. É importantíssimo que nos
preocupemos em entender o conjunto todo desta
extraordinária pedagogia, para que possamos alcançar
a compreensão dos objetivos daquilo a que Jesus se
referia quando pediu que ensinássemos a todas as
nações tudo o que Ele nos havia ensinado, em nome
das três pessoas da Trindade e, de um modo especial,
para a situação em que penso que a maioria de nós se
encontra, como ser um cristão praticante e poder
chegar à eusebéia.

Para isto temos aí um princípio e cinco


instrumentos básicos. O princípio é a fé e os
instrumentos básicos, são três de partida: a oração, o
guardar a palavra e a Eucaristia. Outro está no meio
do programa, que é a hypomoné, e o outro está no
final do programa, que não é o simples amor que
devemos ao próximo como a nós mesmos, mas um
amor muito maior, que somente quem está perto da
oração de simplicidade consegue exercer. Não é amar
ao próximo como a si mesmo, mas amar o próximo
como Jesus nos amou. E Jesus o diz com ênfase:
"Nisto ficará evidente a todos que são meus
discípulos, quando se amarem uns aos outros como eu
os amei".

Há estes cinco grandes instrumentos na pedagogia


de Jesus para esta segunda fase. É uma pedagogia
muito clara. Para poder percorrer o conjunto todo das
quatro etapas, deve-se primeiro tomar um cristão
praticante e conduzi-lo antes à eusebéia. Há que se
tomar o indivíduo que terminou o curso fundamental e
conduzi-lo até o fim do secundário. Depois disto há
uma faculdade e uma pós-graduação. Mas como se faz
para conduzir um católico praticante à eusebéia? Não
é possível fazer isto com um recém convertido. Ele
deve primeiro aprender a cumprir os mandamentos,
aprender a se desvencilhar do pecado grave. Quando
se tornar um cristão sem defeito, como Jesus disse de
Natanael: "Eis aí um verdadeiro israelita, em quem
não há dolo" (Jo. 1, 47), encontramos um diplomado
no primeiro grau, pode ser admitido no secundário,
como o poderia também ter sido o jovem rico, se o
tivesse querido. No propedêutico do curso tem que se
aprender a crer. E, aprendendo a crer, há em seguida
três coisas básicas a aprender, das quais temos
insistido muito até aqui na oração. Mas agora eu
gostaria de nos concentrarmos mais no que é guardar
a palavra. A estas duas soma-se a Eucaristia. E, no
meio do curso, se imaginarmos a analogia do curso
secundário, temos o aprendizado da hypomoné, até
tornar-se dokimé. E, próximo ao final, como um
trabalho de conclusão de curso, mas que se estenderá
pelos demais ciclos, vem a chave de ouro, que é
aprender amar o próximo como Jesus nos amou.
Porque a partir daí o jovem já principiou a
experimentar como Jesus o ama. Ele viveu isso. Não é
mais uma teoria. E não é apenas isto, ele percebe que
este amor vem de dentro da Trindade, não é apenas
um amor de um homem ressuscitado. É um amor que
vem do interior da Santíssima Trindade, onde estava a
vida. É o que o Evangelho de São João nos diz: "No
princípio era o Verbo, o Verbo estava com Deus, o
Verbo era Deus, tudo que há no mundo foi feito por
meio dEle e nEle estava a vida". O que começa a
surgir na eusebéia, próximo do fim do curso
secundário, é a vida que havia no Verbo junto do Pai,
é a estrela d’alva da vida que há na Santíssima
Trindade. Então, é a partir daí que nós podemos
aprender a grande lição: amar ao próximo como Jesus
nos amou.

Estas coisas que estou expondo não são simples


perfumarias ou exortações. Tudo isto que estou
expondo é fundamental para que possamos ingressar
no curso superior. Só entra no curso superior quem
aprender a amar o próximo desta maneira. O amor
profundo por Deus só se dá naqueles que tiverem
aprendido isto, o que é uma verdadeira conversão,
uma mudança completa de vida, é um sair definitivo
de nós mesmos como éramos no homem velho. Faz-se
necessário, para isto, entender a grandiosidade do que
Jesus veio fazer. Ele veio para amar e salvar todos os
homens. E ao aceitarmos amar o próximo como Ele
nos amou iremos aceitar, junto com ele, fazer a
mesma coisa, através dele. Não é mais para viver a
nossa vida, trata-se de amar a todos, a terra inteira,
todas as pessoas, não só os que estão mais próximos,
não apenas a nossa esposa, apesar de que, para os que
são casados, a esposa tem um lugar todo especial em
tudo isto e daí e vice-versa, as esposas para com os
maridos.

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