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comunicação e expressão
Visão geral da noção
de texto – conceito e
tipologia: descrição

Objetivos da Unidade de aprendizagem


Ao final da aula, o aluno deverá ser capaz de compreender
o que é texto, conhecer as diferenças entre narração, des-
crição e dissertação e ser capaz de elaborar uma descrição.

Competências
Compreensão do conceito de texto e do que seja descre-
ver. Ampliação do repertório.

Habilidades
Associação dos conceitos de textualidade. Reconheci-
mento dos gêneros narração, descrição, dissertação.
Elaboração de uma descrição.
Apresentação
Descrever é uma habilidade necessária a qualquer pro-
fissional que utilize de algum modo a palavra. Pode-se
dizer, sem medo de exagerar, que a necessidade de des-
crever bem aparece diariamente na vida profissional.
Esta aula fornece uma introdução ao assunto, mostra os
aspectos mais importantes e propõe exercícios que per-
mitam avaliar o domínio dessas características do texto
descritivo.

Para Começar
É muito comum nos referirmos à palavra texto em várias
situações, afinal ela é bastante conhecida de todos. Está
presente no cotidiano em muitas atividades e não ape-
nas na escola. Mas o que realmente sabemos a respeito
do texto? Veja a seguir.

Bananas abóboras lixa loira avental imponderável circunspecto


abandono colorido imprescindível impetuosidade paráfrase co-
ronel.

Não se pode considerar, por exemplo, uma sequência


desordenada de palavras como um texto.

O banco fechou suas portas às cinco da tarde. Árvores são parte


integrante das praças e as cidades estão sempre bonitas, quando
limpas.

Um aglomerado de frases sem sentido também não


pode ser denominado como texto.
Dessa forma, duas considerações podem ser feitas:

→→ Não basta sequenciar palavras ou frases para que


o texto se constitua;
→→ Todo texto traz em si um contexto mais amplo. Em outras palavras,
nenhum texto é uma peça isolada, nem seu autor o dono da verdade.

A palavra texto provém do latim textum, que significa “tecido, entrelaça-


mento”. Há, portanto, uma razão etimológica que não devemos esquecer
de que texto resulta de um trabalho, a ação de tecer, entrelaçar unidades
e partes a fim de formar um todo.
Assim, podemos falar também em textura ou tessitura de um texto,
que é a rede de relações internas que garantem sua coesão, sua unidade.
O produtor de textos escritos executa um trabalho que pressupõe qua-
tro princípios: a repetição, a progressão, a não contradição e a relação.
A repetição é o princípio segundo o qual um texto coerente produz
retomadas de elementos (palavras, frases e sequências). Tais retomadas
são feitas por meio de pronomes e pelas terminações verbais que os indi-
cam ou por sinônimos. É preciso cuidado ao utilizar a repetição da mesma
palavra, pois o texto pode perder o ritmo ou ficar cansativo.

Triste história
Há palavras que ninguém emprega. Apenas se encontram nos dicionários como velhas
caducas num asilo. Às vezes uma que outra se escapa e vem luzir-se desdentadamente,
em público, nalguma oração de paraninfo. Pobres velhinhas... Pobre velhinho!
— Mário Quintana, Triste História

O autor utiliza várias formas de retomar e não repetir o termo “palavras”.


Ora utiliza o pronome (elas) oculto, ora as adjetiva (velhas caducas, pobres
velhinhas), ora se vale de expressões (uma que outra). A repetição, dessa
forma, enriquece o texto.
A progressão, em um texto coerente, ocorre por meio de novas infor-
mações que são adicionadas ao que já foi dito. Serve para complementar
a repetição, que garante a retomada de elementos passados, sem que o
texto se limite a repetições indefinidas.

Nenhum homem é uma ilha


Nenhum homem é uma ilha, porque por mais solitário que ele seja, sempre terá al-
guém ao seu lado, dando aquela força. O homem nunca poderia ser uma ilha, pois
está sempre procurando novas coisas, novas emoções, sempre se envolvendo com
gente nova, por mais desconhecido que seja. Mesmo que a pessoa fosse muito soli-
tária, nunca poderia ser comparada a uma ilha. Na verdade, nem mesmo a ilha está
sempre solitária. Por mais feia e sombria que seja, sempre terá algo por perto: as aves,
as pedras, as árvores, a água do mar, os peixes... Por isso e por muitas outras coisas,
um homem não pode ser ilha, porque ele acima de tudo é um ser humano e por ele

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ser um ser humano sempre terá alguém o amando ou o querendo bem, por mais longe
que esteja ou por mais feio e sombrio que ele seja.
— Aluno de ensino médio. Disponível em: http://www.fotolog.com.br/flores_
msg/16792230. Acesso em abril de 2010

Após colocar o tema, o autor utiliza palavras e expressões que introduzem


novos fatos e conceitos para, com isso, fazer o texto avançar. Note que
progressão e repetição ocorrem simultaneamente: o surgimento de novas
informações é acompanhado pela retomada ao tema.
A não contradição é o princípio que impede que elementos contradi-
tórios façam parte do texto para que a coerência seja mantida. Contradi-
ções podem destruir o texto, quando tomam como verdadeiro aquilo que
já foi considerado como falso. Colocar em um mesmo texto frases como
“O país atravessa um momento difícil” e “O país não atravessa um perío-
do difícil” só faria sentido se o escritor pretendesse enfatizar que, apesar
das dificuldades, o país ainda tivesse perspectivas ou se quisesse negar a
existência daquela dificuldade. Veja um texto contraditório:

[...] mas foi a Alemanha nazista, durante a Segunda Guerra Mundial, que realizou as
experiências mais aterradoras. Só que as cobaias eram seres humanos. Prisioneiros
de guerra, principalmente judeus, foram submetidos a todos os tipos de crueldades.
— O Estado de S. Paulo, 3 out 1991 Disponível em: https://aplicweb.feevale.br/site/
files/documentos/doc/16220.doc. Acesso em março de 2010

A notícia diz que as experiências foram aterradoras porque as cobaias


eram seres humanos. Porém ao utilizar a expressão só que, destrói o
vínculo lógico da causa.
É preciso muito cuidado ao produzir um texto para não criar uma con-
tradição e destruir a argumentação do texto.
A relação precisa estar presente para que o texto seja coerente, ou seja,
fatos e conceitos devem estar relacionados. Não basta listar os elemen-
tos que se vai utilizar. É necessário que haja um encadeamento entre as
ideias, e que elas se aproximem, fortalecendo umas às outras.

O espírito democrático da criança não conhece hierarquia: ele sofre da mesma forma
diante da fadiga do trabalhador, da fome de um camarada, da miséria de um burro
de carga, do suplício de uma galinha sendo degolada. O cachorro e o pássaro são
seus próximos, a borboleta e a flor seus iguais. Ela descobre um irmão numa pedra ou
numa concha. Ela se dessolidariza de nós em seu orgulho de novo-rico; ignora que só
o homem possui alma.
Nós não respeitamos a criança porque ela tem muitas horas de vida pela frente.

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Enquanto nossos passos tornam-se passados, nossos gestos interesseiros, nossa
percepção e nossos sentimentos empobrecem, a criança corre, salta, olha em sua vol-
ta, se maravilha e interroga em pura gratuidade. Ela desperdiça suas lágrimas e pro-
digaliza seu riso generosamente. [...]
— Blog da creche São Vicente de Paulo – Disponível: http://crechesvpvotorantim.blo-
gspot.com/2010/04/o-direito-da-crianca-ao-respeito.html. Acesso em agosto de 2010.

Perceba que o texto começa com o tema “espírito democrático da crian-


ça”. Veja que há um avanço ao acrescentar outras ideias, mas todas pro-
curam se relacionar com a intenção de fortalecer o tema. Ao dizer, por
exemplo, que “o cachorro e o pássaro são seus próximos”, mostra, com
outras palavras, que a liberdade desses animais é a mesma da liberdade
da democracia; ao se irmanar com a pedra e concha, reforça o espírito
democrático da igualdade. Como vê, todo o texto se relaciona.

Atenção
A natureza do texto supõe alguns conceitos. Supõe ainda:
estrutura, assunto, espaço, tempo, figuras, relações entre
diferentes textos, contexto...

Consideradas as diferenças que distinguem os textos, é possível classificá-


-los de diversas maneiras. Assim, encontramos textos: poéticos, literários,
científicos, políticos, religiosos, jurídicos, didáticos e vários outros.
Nesta aula e na próxima, trataremos de uma classificação bastante útil
para a leitura e para a produção de texto, que é sua divisão em: descri-
tivos, narrativos e dissertativos. É preciso lembrar que dificilmente esses
gêneros se apresentam em estado puro. É comum encontrar narração e
descrição dentro de uma dissertação, descrições em narrações e assim
por diante.
Por vezes acontece de a descrição conter muito significado em poucas
palavras.
Leia os textos a seguir:

No 1
Os companheiros de classe eram cerca de vinte; uma variedade de tipos que me di-
vertia. O Gualtério, miúdo, redondo de costas, cabelos revoltos, mobilidade brusca
e caretas de símio – palhaço dos outros, como dizia o professor; [...] o Maurílio, ner-
voso, insofrido, fortíssimo na tabuada: cinco vezes dois, noves fora, vezes sete?... lá
estava Maurílio, trêmulo, sacudindo no ar o dedinho esperto... olhos fúlgidos no rosto

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moreno, marcado por uma pinta na testa; o Negrão, de ventas acesas, lábios inquie-
tos, fisionomia agreste de cabra, canhoto e anguloso, incapaz de ficar sentado três
minutos, sempre à mesa do professor e sempre enxotado, debulhando um risinho de
pouca-vergonha [...]
— Raul Pompeia, O Ateneu

Este texto, predominantemente descritivo, tem como característica prin-


cipal apresentar a imagem de pessoas em seus traços mais marcantes
e típicos, captados por meio dos sentidos. Tal caracterização obedece a
uma delimitação espacial.

No 2
Baleia assustou-se. Que faziam aqueles animais soltos de noite? A obrigação dela era
levantar-se e conduzi-los ao bebedouro. Franziu as ventas, procurando distinguir os
meninos. Estranhou a ausência deles. Não se lembrava de Fabiano. Tinha havido um
desastre, mas Baleia não atribuía a esse desastre a impotência em que se achava nem
percebia que estava livre de responsabilidades. Uma angústia apertou-lhe o pequeno
coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçuarana deviam andar
pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas. Felizmente os meninos dormiam na
esteira, por baixo do caritó onde Sinhá Vitória guardava o cachimbo.
— Graciliano Ramos, Vidas Secas

Este segundo texto, de caráter narrativo, constitui uma sequência tempo-


ral de ações desencadeadas por personagens envolvidas em uma trama
normalmente esclarecida ao final.

No 3
[...] Todo especialista em marketing e em propaganda sabe que a cor é fundamental
na apresentação e na aceitação do produto e, mais ainda, que isto é também condi-
cionado ao sexo, idade ou extrato sociocultural do comprador visado. Um produto que
se destina, principalmente, ao mercado feminino deverá ter, por exemplo, embalagem
em que predominem cores “femininas”, isto é, que lembrem suavidade e delicadeza; já
naquele que busque despertar no homem o desejo de comprar as cores serão “mas-
culinas”, traduzindo agressividade e força. O efeito psicológico das cores pode, neste
campo, ter grandes implicações. Não nos esqueçamos da pouca receptividade que,
inicialmente, tiveram as geladeiras pintadas de vermelho, uma cor “quente”, pois as
donas de casa não acreditavam que gelassem tão bem como as brancas...
— Roberto Verdussen, Ergonomia: a racionalização humanizada do trabalho

Este último, dissertativo, consiste na exposição lógica de ideias. Comporta


um tema principal, argumentos e contra-argumentos. Ao final, o leitor é

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conduzido a uma conclusão. Sua principal característica é a argumentati-
vidade.
Como vocês podem verificar, os três exemplos apresentam característi-
cas bem marcantes, que caracterizam cada um dos gêneros comentados.

Dicas
Narrar x descrever x dissertar
A narração é marcada pela temporalidade; a descrição, pela
espacialidade; e a dissertação, pela racionalidade.

Agora vamos nos aprofundar nas características da Descrição.

Fundamentos
Descrever é caracterizar uma cena, um estado, um momento vivido ou
sonhado através de nossa percepção sensorial e de nossa imaginação
criadora. A visão, o tato, a audição, o olfato e o paladar – nossos cinco
sentidos – constituem os alicerces da descrição. (AMARAL, Patrocínio &
SEVERINO, Antonio, 1999, p. 17)
Descrição é o tipo de texto em que se relatam as características de
uma pessoa, de um objeto ou de uma situação qualquer, inscritos num
certo momento estático do tempo. [...] Como os fatos reproduzidos numa
descrição são todos simultâneos, nesse tipo de texto não existe obvia-
mente relação de anterioridade ou posterioridade entre os seus enuncia-
dos. (FIORIN & SAVIOLI, 2009, p. 298)
Descrever é um processo no qual se empregam os sentidos para cap-
tar uma realidade e reprocessá-la num teto. Para a elaboração de texto
final, concorrem a sua habilidade linguística [...] e as finalidades a que ele
se propõe: informar ao leitor, convencê-lo, transmitir-lhe impressões ou
comunicar-lhe emoções. (SCIPIONE, 2006, p. 136)
Observando os conceitos comentados, é possível estabelecer que a
descrição é um texto, literário ou não, em que se caracterizam seres, coi-
sas e paisagens.
Alguns itens podem ser verificados em relação à descrição:

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1. O que descrever
Conforme já vimos, a descrição tem base sensorial. Assim, é possível des-
crever o que vemos (e que está próximo), o que imaginamos (conhece-
mos, mas não está próximo no momento da descrição) ou o que criamos
com a imaginação (qualquer ser imaginado).
Observe os três textos descritivos a seguir e perceba a sensação que
cada um desperta em você.

Há, desde a entrada, um sentimento de tempo na casa materna. As grades do portão


têm uma velha ferrugem e o trinco se oculta num lugar que só a mão filial conhece. O
jardim pequeno parece mais verde e úmido que os demais, com suas palmas, tinhorões
e samambaias que a mão filial, fiel a um gesto de infância, desfolha ao longo da haste.
É sempre quieta a casa materna, mesmo aos domingos, quando as mãos filiais se
pousam sobre a mesa farta do almoço, repetindo uma antiga imagem. Há um tra-
dicional silêncio em suas salas e um dorido repouso em suas poltronas. O assoalho
encerado, sobre o qual ainda escorrega o fantasma da cachorrinha preta, guarda as
mesmas manchas e o mesmo taco solto de outras primaveras. As coisas vivem como
em prece, nos mesmos lugares onde as situaram as mãos maternas quando eram mo-
ças e lisas. Rostos irmãos se olham dos porta-retratos, a se amarem e compreenderem
mudamente [...]
— Vinicius de Morais, A casa materna

Prédio talvez um pouco antigo, porém limpo; desde o portão da chácara pressentia-se
logo que ali habitava gente fina e de gosto bem-educado [...] bolhas de vidro de várias
cores com pedestal de ferro fosco, e lampiões de três globos que surgiam de peque-
ninos grupos de palmeiras sem tronco, e banco de madeira rústica, e tamboretes de
faiança azul-nanquim, alcançava-se uma vistosa escadaria de granito, cujo patamar
guarneciam duas grandes águias de bronze polido, com as asas em meio descanso,
espalmando as nodosas garras sobre colunatas de pedra branca. Na sala de entrada,
por entre muitos objetos de arte, notava-se, mesmo de passagem, meia dúzia de telas
originais, umas em cavaletes, outras suspensas contra a parede por grossos cordéis de
seda frouxa; e, afastando o soberbo reposteiro de redes verdes que havia na porta do
fundo, penetrava-se imediatamente no principal salão da casa.
— Aluísio Azevedo, O Homem

De um dos cabeços da Serra dos Órgãos desliza um fio d’água que se dirige para o nor-
te, e engrossado com os mananciais, que recebe no seu curso de dez léguas, torna-se
rio caudal. É o Paquequer: saltando de cascata em cascata, enroscando-se como uma
serpente, vai depois se espreguiçar na várzea e embeber no Paraíba, que rola majes-
tosamente em seu vasto leito. Dir-se-ia que vassalo e tributário desse rei das águas, o
pequeno rio, altivo e sobranceiro contra os rochedos, curva-se humildemente aos pés

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do suserano. Perde então a beleza selvática; suas ondas são calmas e serenas como as
de um lago, e não se revoltam contra os barcos e as canoas que resvalam sobre elas:
escravo submisso, sofre o látego do senhor [...] Aí o Paquequer lança-se rápido sobre o
seu leito, e atravessa as florestas como o tapir, espumando, deixando o pelo esparso
pelas pontas do rochedo e enchendo a solidão com o estampido de sua carreira.
— José de Alencar, O Guarani

2. Como descrever
Observando os textos, vemos que é possível escolher um entre os aspec-
tos a seguir, para efetuar a descrição ou mesmo a associação de dois e até
três aspectos. São eles:

→→ Pormenorização: detalhamento das características daquilo que que-


remos descrever (Aluísio de Azevedo);
→→ Dinamização: captação dos movimentos dos objetos e seres (José de
Alencar);
→→ Impressão: interpretação subjetiva dos elementos observados (Vini-
cius de Morais)

É possível, em uma descrição, utilizarmos todos os órgãos dos sentidos,


alguns deles ou apenas um. O importante, e que define a descrição, é que
os sentidos são utilizados.

Papo Técnico
A descrição compreende algumas fases: enumeração de
elementos, levantamento sensorial, comparação, imagi-
nação criadora. Leva em conta, ainda, um sujeito e suas
perspectivas.

3. Elementos predominantes na descrição


Caso utilizarmos os sentidos, visão, audição, gustação, olfato e tato, as
sensações são os elementos predominantes na descrição. Como a des-
crição está ligada à experiência sensorial física e percepção subjetiva, é
natural que os órgãos dos sentidos sejam utilizados em parte ou na sua
totalidade. As descrições relacionadas aos órgãos dos sentidos (mais vi-
suais, mais táteis...) são marcadas por certa objetividade, e aquelas que
transmitem tristeza, dor, amor, fome, cansaço, são o veículo da subjetivi-
dade. E há as descrições que misturam sensações:

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Os sons se sacodem, berram, lutam, arrebentam no ar sonoro dos ventos, vaias, kla-
xons, aços estrepitosos. Dentro dos sons movem-se cores, vivas, ardentes, pulando,
dançando, desfilando sob o verde das árvores, em face do azul da baía no mundo
dourado. Dentro dos sons e das cores, movem-se os cheiros, cheiro de negro, cheiro
mulato, cheiro branco, cheiro de todos os matizes, de todas as excitações e de todas as
náuseas. Dentro dos cheiros, o movimento dos tatos violentos, brutais, suaves, lúbri-
cos, meigos, alucinantes. Tatos, sons, cores, cheiros se fundem em gostos de gengibre,
de mendubim, de castanhas, de bananas, de laranja, de bocas e de mucosa.
— Graça Aranha, A Viagem Maravilhosa

Como você sabe, o som não é uma propriedade das cores ou dos cheiros.
Mas no texto de Graça Aranha, os cinco sentidos se misturam, se fundem
com a intenção de provocar uma sensação de completude.
Veja, no esquema a seguir, a ligação entre sujeito, base sensorial e cria-
tividade.

Conceito
Descrever é um processo em que se capta a realidade por
meio dos sentidos; é caracterizar uma cena, um estado, um
momento vivido ou sonhado através da percepção sensorial
e da imaginação criadora.

Figura 1. Descrição. percepção

sujeito objeto
(percebedor) (percebido)

base imaginação
sensorial criadora

O esquema mostra que descrever envolve a percepção do objeto pelo su-


jeito por meio da relação entre a base sensorial [representada pelos cinco
sentidos: tato, visão, audição, olfato e visão] e a imaginação criadora.

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4. Figuras de linguagem e descrição
A utilização de figuras de linguagem serve para facilitar a caracterização
dos elementos que se quer descrever. As mais utilizadas são: metáfora
(uso de uma palavra com sentido diferente daquele que lhe é próprio),
comparação (confronto de duas ideias por meio de uma conjunção com-
parativa: como, tal qual...), prosopopeia (atribuição de características ani-
mais a seres inanimados [animação] e características humanas a seres
não humanos [personificação]), sinestesia (cruzamento de sensações fí-
sicas ou psicológicas diferentes), onomatopeia (imitação aproximada de
ruídos e sons de qualquer natureza), assim como outras figuras de lingua-
gem podem reforçar os sentidos nas descrições.
Leia novamente o texto em que José de Alencar descreve o rio Paque-
quer. Observe como é rico em metáforas, comparações, prosopopeias, si-
nestesias. E perceba como essas figuras facilitam a visualização desse rio.

De um dos cabeços da Serra dos Órgãos desliza um fio d’água que se dirige para o nor-
te, e engrossado com os mananciais, que recebe no seu curso de dez léguas, torna-se
rio caudal. É o Paquequer: saltando de cascata em cascata, enroscando-se como uma
serpente, vai depois se espreguiçar na várzea e embeber no Paraíba, que rola majes-
tosamente em seu vasto leito. Dir-se-ia que vassalo e tributário desse rei das águas, o
pequeno rio, altivo e sobranceiro contra os rochedos, curva-se humildemente aos pés
do suserano. Perde então a beleza selvática; suas ondas são calmas e serenas como as
de um lago, e não se revoltam contra os barcos e as canoas que resvalam sobre elas:
escravo submisso, sofre o látego do senhor [...] Aí o Paquequer lança-se rápido sobre o
seu leito, e atravessa as florestas como o tapir, espumando, deixando o pelo esparso
pelas pontas do rochedo e enchendo a solidão com o estampido de sua carreira.
— José de Alencar, O Guarani

Uma constatação
No Brasil, em pleno século XXI, as empresas se queixam da dificuldade
de encontrar pessoas que escrevam bem. Particularmente importante é
a habilidade de redigir descrições que sejam facilmente inteligíveis, que
não desperdicem palavras e, na medida do possível, que sejam agradáveis
de ler. Por exigências de políticas de qualidade cada vez mais sofisticadas
e abrangentes e de necessidade de certificações (várias modalidades de
ISO, Green Buildings e outras validações de produtos), há uma tendência
da valorização de profissionais capazes de escrever descrições concisas e
corretas. Assim, empenhe-se.

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antena
parabólica
Até meados dos anos 70, o recrutamento de profissionais
por empresas usava a intuição como principal ferramenta.
Hoje, há parâmetros que tornam a escolha de colaborado-
res mais eficiente. Entre eles, está a descrição de cargos e
funções. Pense nessa descrição como uma fotografia instan-
tânea de um conjunto de atividades. Essa descrição precisa
comunicar de forma clara e concisa as responsabilidades
e tarefas e também indicar as qualificações fundamentais
exigidas. Se possível, deve até mostrar os atributos que sus-
tentam um desempenho de excelência.

Lembre-se
A descrição está presente em situações coti-
dianas e sua utilização é tão comum que não
nos damos conta que a estamos praticando.
É largamente empregada nas organizações:
especificação de produtos, serviços, locais,
reuniões, projetos, relatórios e em várias ou-
tras. outras instâncias...

E agora, José?
Agora que você já sabe o que é texto e conhece um pouco
do gênero “descrição”, chegou o momento de dar mais um
passo e verificar como contar um fato, um acontecimento,
um evento. Para isso você aprenderá na próxima aula, o
que é uma narração e como elaborá-la. Aprenderá também
como o fato de conhecer a estrutura da narrativa poderá
auxiliá-lo. Boa sorte!
Referências
AMARAL, E.; SEVERINO, A.; PATROCÍNIO, M. F. SCIPIONI, U. Do Texto ao Texto – Curso práti-
Português: Redação, gramática, litera- co de leitura e redação. São Paulo: Editora
tura e Interpretação de Texto. São Paulo: Scipioni, 2006.
Nova Cultural, Círculo do Livro, 1999. VERDUSSEN, R. Ergonomia: a racionalização
FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Para Entender o humanizada do trabalho. Rio de Janeiro:
Texto: Leitura e Redação. São Paulo: Áti- Livros Técnicos e Científicos, 1978.
ca, 2009.

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2
comunicação e expressão
Visão geral da noção
de texto: narração

Objetivos da Unidade de aprendizagem


Ao final da aula, o aluno deverá ser capaz de compreen-
der o que é narração, as diferenças práticas entre narra-
ção e descrição e ser capaz de elaborar uma narração.

Competências
Compreensão do conceito de narração e ampliação do
repertório.

Habilidades
Associação dos conceitos de descrição e narração. Reco-
nhecimento dos gêneros narração, descrição, disserta-
ção. Elaboração de uma narração.
Apresentação
Descrever é basicamente estático: descreve-se um mo-
mento, uma situação, um objeto ou um sistema. Narrar
é dinâmico: narra-se uma sequência de eventos. Ainda
que haja essas diferenças, é comum que se confunda
descrição e narração. Esta aula se ocupa das técnicas
de narração, úteis ao se apresentar ações sequenciais
(como o desenvolvimento de um sistema) muito comuns
na prática empresarial.

Para Começar
Agora que você já aprendeu o que é texto e sobre as
diferenças entre os gêneros: descritivo, narrativo e
dissertativo; agora que já sabe como identificar uma
descrição, está na hora de conhecer o que é narração
e como elaborar uma.

O ato de escrever é prazer, diversão. É a sensação de poder, de


domínio. Criar gente, fabricar fantasias, inventar cidades, dar
vida e dar morte, criar um terremoto ou furacão, fazer o que eu
quiser. Escrever é um jogo, brincadeira. Conseguir segurar, pren-
der uma pessoa, mantê-la atrelada a si (é o leitor diante do livro:
sua sensação divina).
— Ignácio de Loyola Brandão

As histórias apareceram junto com a linguagem e com


a capacidade de simbolizar — a Antropologia utiliza as
histórias como ferramenta importante para o estudo
de qualquer cultura. As pinturas rupestres nas cavernas
pré-históricas, primeira manifestação artística conheci-
da, eram formas primitivas de narração existentes de-
zenas de milhares de anos antes da invenção da escrita.
Escrituras sagradas, como os Vedas da Índia e a própria
Bíblia judaico-cristã apresentam grande quantidade de
narrativas. As histórias da mitologia greco-romana, os
contos de fadas da Europa medieval recolhidos pelos
Irmãos Grimm, a mitologia brasileira (saci, caipora, negrinho do pastoreio)
são exemplos de narrativas. De maneiras diversas, contam histórias e dão
forma a fantasias.

Atenção
Narrar é um ato inerente à natureza do homem. Desde que
descobriu o poder de encantamento da palavra, ele deu
asas ao pensamento e passou a criar mundos, divindades,
crenças.

Descrever e narrar são experiências muito próximas, que se misturam e


se complementam. Às vezes precisamos introduzir descrições para escla-
recer uma história. Outras, contamos histórias para ilustrar uma descri-
ção. Lugar, tempo e personagem são elementos típicos da narração, po-
rém é relativamente comum utilizarmos a descrição desses dados dentro
de uma narração.
As narrações se apresentam de diversos estilos, mas alguns elementos
presentes em todos eles são: narrador, personagens, ação, tempo e lugar.
Leia os textos a seguir:

Sopa de Pedras
Pedro ia andando por um caminho e sentiu muita fome. Catou umas pedras brancas,
de cristal, lavou bem e levou para uma velha cozinhar. É para fazer uma sopa. E como
é que se faz? Coisa fácil demais, Sá dona! Refoga as pedras com tempero e sal com
alho, cebolinha verde, Tomate. Garra um punhado de macarrão, umas batatas, meia
dúzia de ovos, uns pedaços de toicinho e de pele de porco, mistura tudo, deixa ferver,
deixa cozinhar. E pronto. A mulher fez. Tudo em ordem, Pedro, só o que tem é que as
pedrinhas estão duras. Não tem nada não, Sá dona! Eu como assim mesmo. Bateu
bem pra dentro dois pratarros da sopa de pedra, largou as pedrinhas na panela e
foi embora, que já estava na hora do homem dela voltar da roça. Quando o marido
chegou, que ela contou tudo, tintim por tintim, ele falou: “Mulher burra! Já foi na onda
do Pedro”.
— Ruth Guimarães, A Saga de Malazarte

Tragédia Brasileira
Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade, conheceu Maria Elvira na Lapa,
— prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em
petição de miséria. Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Está-
cio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria. Quando Maria

Comunicação e Expressão / UA 02 Visão Geral da Noção de Texto: Narração 4


Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado. Misael não queria
escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de
casa. Viveram três anos assim. Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael
mudava de casa. Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra,
Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado,
Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato,
Inválidos... Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inte-
ligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal,
vestida de organdi azul.
— Manuel Bandeira, Estrela da Vida Inteira

Chapeuzinho Vermelho
Uma menina chamada Chapeuzinho Vermelho foi visitar sua avó que morava distante
e estava doente. Sua mãe queria notícias da velha senhora e mandou a filha fazer-lhe
uma visita, levando alguns doces. O caminho era longo e passava por uma floresta.
Matreiro o Lobo-Mau, dizendo ser o guarda da floresta abordou a menina no caminho,
fingindo ser amigo, pois sua intenção era comer a neta e a avó. Ao chegar à casa da
avó Chapeuzinho Vermelho foi tomada de surpresa, pois achou-a um tanto diferente
de como a conhecia. O Lobo-Mau já tinha comido a velhinha e vestido sua roupa,
metendo-se em sua cama esperava para dar o bote final na menina.
— Irmãos Grimm — adaptação

Como podem verificar, os três exemplos apresentam os elementos bási-


cos da narração: narrador, personagens, ação, tempo e espaço.

Dicas
Quase sempre a narração se baseia em um conflito de in-
teresses ou desejos entre as personagens que se dividem
em protagonistas e antagonistas. Há também histórias com
personagens-auxiliares.

Agora vamos nos aprofundar nas características da Narração.

Fundamentos
Narrar é fundamentalmente contar uma história ou mostrar uma se-
quência de eventos encadeados. Essa sequência de ações apresenta

Comunicação e Expressão / UA 02 Visão Geral da Noção de Texto: Narração 5


personagens em tempos e espaços determinados. Os exemplos são mui-
tos, da Bíblia às novelas de TV, passando pelas histórias em quadrinhos,
notícias na mídia e tantos outros. Na organização, um exemplo de narra-
tiva é a ata de reunião, que apresenta todas as características citadas.
É possível criar uma narrativa a partir de uma única frase, como “o ôni-
bus chegou atrasado” ou “minha sogra ficou avó” (Oswald de Andrade).
Existe uma narrativa moderna, a chamada twitteratura, que consiste de
microcontos com exatamente 140 caracteres, como:

Acordou com gosto de cabo de guarda-chuva na boca. O sonho, de lembrança muito


vaga, tinha a ver com alguma situação aborrecida e prosaica.
— Twitter bruno_andreoni.

É de se notar que há ações, personagens e um narrador, que, ainda que


possa não aparecer, sempre existe — as frases têm de ser enunciadas
por alguém.
No caso da frase de Oswald de Andrade, o narrador é o genro, os per-
sonagens, além do próprio genro, são a sogra e o neto, a ação é a passa-
gem da situação de não avó para a de avó e o tempo é o passado, marca-
do pelo verbo ficar no pretérito perfeito (ficou).

Atenção
Perguntas respondidas durante a narração: quem, o quê,
quando, onde, como, por quê.

Alguns itens podem ser verificados na narração:

1. Tipos de Discurso
Como você já sabe, existe um narrador que conta a história. Ele pode
contá-la de duas maneiras: de modo direto ou indireto. No modo direto,
o narrador descreve a personagem, apresenta diretamente suas carac-
terísticas físicas, psicológicas, ideológicas. No modo indireto, a história é
percebida por meio do diálogo; ela é construída.
Observe os textos narrativos e perceba a diferença.

No 1
Frederico Paciência era aquela solidariedade escandalosa. Trazia nos olhos grandes
bem pretos, na boca larga, na musculatura quadrada da peitaria, em principal nas
mãos enormes, uma franqueza, uma saúde, uma ausência ruja de segundas intenções.

Comunicação e Expressão / UA 02 Visão Geral da Noção de Texto: Narração 6


E aquela cabelaça pesada, quase azul, numa desordem crespa. Filho de português e
de carioca. Não era beleza, era vitória. Ficava impossível a gente não querer bem ele,
não concordar com o que ele falava.
— Mário de Andrade, Contos Novos

No 2
Relicário
No baile da Corte
Foi o Conde D’Eu quem disse
Pra Dona Bemvinda
Que farinha de Sururu
Pinga de parati
Fumo de Baependi
É comê bebè pitá e caí
— Oswald de Andrade, Poesias Reunidas

O texto 1 utiliza a apresentação direta: o narrador diz o que pensa a res-


peito da personagem. O texto 2 apresenta as personagens por meio do
diálogo (indiretamente) e é necessário construí-las.

2. Foco Narrativo
O ato de narrar pressupõe que o narrador tome uma posição em relação
ao acontecimento. Ele pode assumir três pontos de vista:

a. O narrador participante ou personagem faz parte da história como


principal ou secundário. É como se estivesse “dentro” do evento e
“vê” as ocorrências de dentro para fora. A narrativa é elaborada em
1a pessoa do singular ou plural.
b. O narrador observador apenas efetua um relato dos fatos, registra as
ações e o que dizem as personagens. Ocupa o lugar de espectador
em uma história vivida por outros. A narrativa, neste caso, é escrita
em 3a pessoa.
c. O narrador onisciente ou onipresente, uma testemunha invisível que
conhece toda a ação e tudo o que os personagens pensam e sentem.

3. Organização
Você já sabe que as histórias se baseiam em um ou mais conflitos, mas
relatá-los não é difícil, afinal fazemos isso o tempo inteiro. Desde mui-
to pequenos reproduzimos eventos que nos acontecem. São narrações.
Se pensarmos assim, somos grandes contadores de histórias. Ao narrar,
exercitamos o relacionamento entre situações e indivíduos que participam

Comunicação e Expressão / UA 02 Visão Geral da Noção de Texto: Narração 7


das nossas vidas. Os elementos fundamentais das nossas narrativas são
as personagens e os acontecimentos (as ações).
É preciso lembrar que não “contamos” de forma desordenada tudo o que
nos acontece: estabelecemos uma ordem, para que nos compreendam.
Essa organização do enredo ou tessitura da narrativa pode ser traduzi-
da em respostas a perguntas essenciais: o que aconteceu, quem ou com
quem, como, onde, quando, por quê.
Releia o texto “Tragédia Brasileira”, de Manuel Bandeira. Perceba se res-
ponde às perguntas colocadas no parágrafo anterior. Escreva as respostas.
O ato de narrar implica em passar de um estado inicial de equilíbrio
para um estado de desequilíbrio, que normalmente está representado
pelo(s) conflito(s) e, por fim, o equilíbrio é restabelecido, embora de forma
diferente daquele inicial.
Reveja a “Tragédia Brasileira”: há um equilíbrio inicial representado
pelo encontro de Misael e Maria Elvira e pelas ações positivas ou eufóricas
resultantes desse encontro. Em seguida, estabelece-se um desequilíbrio,
mostrado nas ações negativas ou disfóricas de Maria Elvira para com Mi-
sael. Depois de várias tentativas de resolução, o equilíbrio é restabelecido,
mas não como o início: as disforias cessam, mas Maria Elvira morre.

Papo Técnico
A narração está marcada por um estado inicial de equilíbrio
que se rompe com a existência de um ou mais conflitos.
Após a resolução dos conflitos, o equilíbrio é restabelecido,
embora a situação seja diferente da inicial.

4. A estrutura do texto narrativo


Normalmente a narração segue uma estrutura formada por apresentação
ou introdução, desenvolvimento (também chamado de enredo, entrecho,
intriga, complicação, urdidura), clímax e desfecho (conclusão ou desenlace).
A introdução é o momento em que se apresentam os personagens e
são expostas algumas circunstâncias da história, como tempo e lugar.
Evidentemente existem narrativas que não possuem a introdução — são
aquelas que começam pela ação, pelo conflito, em pleno desenvolvimen-
to. Neste caso, as personagens serão mostradas no decorrer da história.
O desenvolvimento é marcado pelo estabelecimento de um ou mais
conflitos — o momento da ação, que dá origem às transformações do
estado inicial.

Comunicação e Expressão / UA 02 Visão Geral da Noção de Texto: Narração 8


Após essa observação, podemos dizer que os enunciados ocorrem na
narrativa de duas maneiras: os de estado e os de ação. Os enunciados de
estado são os que estabelecem uma relação de posse ou privação entre
um sujeito e um objeto qualquer.

a. O agronegócio é exportador [um sujeito (agronegócio) está de posse


de um objeto (exportação)];
b. A indústria eletroeletrônica não consegue competir [o sujeito está
privado do objeto].

Os enunciados de ação mostram a passagem de um estado inicial para


um estado final — há vários exemplos no texto “Tragédia Brasileira”. A
frase a seguir é um exemplo interessante que utiliza o mesmo contexto
de um dos exemplos de enunciado de estado:

A Rússia passou a comprar carne bovina do Brasil.

Nessa frase, você deduz que havia uma situação inicial (não exportação)
que foi modificada por um sujeito (Rússia) para nova situação (exporta-
ção). No caso foi necessária uma ação, representada pelo verbo (comprar).
Embora pareça que a narração está associada aos textos ficcionais, não
se restringe a eles, como se vê nos exemplos dos parágrafos anteriores.
Quando você comunica que a empresa obteve um contrato ou colocará
um produto no mercado, utiliza o formato narrativo. Quase tudo é “con-
tado”. Evidentemente nem tudo será ação, mas sempre haverá narrador,
personagem, tempo e ação/estado.

Conceito
Fazem parte do texto narrativo: uma situação inicial eufó-
rica, um ou mais conflitos, o clímax e o desfecho, em que
o conflito é resolvido. A resolução do conflito restabelece a
calma inicial, porém trata-se de situação nova.

O clímax é o ponto da narrativa em que a ação atinge seu momento críti-


co, tornando inevitável seu desfecho.
O desfecho ou desenlace é a solução do conflito produzido pelas
ações dos personagens. O equilíbrio é restabelecido e pode haver espaço
para uma avaliação de tudo o que foi narrado. Às vezes é inesperado,
como acontece em textos de humor como o da charge mostrada a seguir.

Comunicação e Expressão / UA 02 Visão Geral da Noção de Texto: Narração 9


Não quero fazer como nossas mães,
que aprendiam costura e tricô.
Somos a geração da liberação,
da tecnologia! Também acho!
Quando crescer, vou querer uma
máquina de tricô eletrônica!

4.1 Tipos de narração


Como narramos desde criança, é fácil imaginar que existam vários tipos de
narração. Comentaremos os mais comuns, mas eles não se esgotam aqui.

Notícia de Jornal

No último domingo, sob a acusação de ter tentado furtar dinheiro da Igreja Nossa
Senhora do Brasil, no Jardim América, foi detido e encaminhado ao 15o Distrito, o
meliante Emílio Santino Alves, de 68 anos que alegou estar fazendo uma oferenda
àquela instituição pia. Segundo os fiéis, o sexagenário, aparentemente embriagado,
tentava pescar o dízimo arrecadado durante a missa, usando um arame para retirá-lo
do cofre.
— E. Amaral, et al.

Como você pode notar, o texto inicia com uma breve exposição do fato
(tentativa de roubo), seguido da prisão do acusado (ação). Alguns fatos
podem ser deduzidos pelo leitor, mas estão presentes todas as caracte-
rísticas narrativas: há o narrador (repórter), que apresenta, por meio do
discurso indireto:

→→ As ações (tentativa de furto e detenção);


→→ O tempo (no último domingo — para saber a que domingo se refere,
basta verificar a data do jornal);
→→ As personagens (Emílio Santino, aquele que o deteve, fiéis).

Existe aí uma estrutura narrativa: ainda que a notícia não apresente uma
sequência de eventos, há aspectos descritivos. De um estado inicial de
equilíbrio, acontecido quando Emílio tentava pescar o dinheiro, passou-se
a um conflito, quando aquele estado foi modificado pelo aparecimento da

Comunicação e Expressão / UA 02 Visão Geral da Noção de Texto: Narração 10


polícia. Emílio foi preso, e a detenção levou a outro estado de equilíbrio
diferente do inicial.

O cartum
Veja o seguinte exemplo de cartum: http://www.allposters.com/-sp/I-ve-
already-told-Mom-about-my-day-ask-her-New-Yorker-Cartoon-Posters_
i9171783_.htm
Cartum é uma história divertida contada em um quadro ou uma tira. As
charges são cartuns que fazem um comentário ou crítica sobre algo atual.
Esse quadro ou tira traz, ainda que muitas vezes de modo não totalmente
claro, o processo narrativo em sua inteireza: personagens, ação, estado
inicial de equilíbrio.
Note que existe um narrador que estabelece dois tempos: o presente,
representado no desenho da chegada do pai e do filho diante da TV; e o
passado, representado pelos verbos (disse, foi). Está implícito um conflito
entre a pergunta (subentendida) do pai e a resposta do filho. O desfecho
está na resposta do filho.

Poema/Canção
Poemas e canções podem comportar narrativas quando ajustam a conci-
são às informações necessárias a esse gênero:

Valsinha
Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito mais quente do que comumente costumava olhar
E não falou mal da poesia como mania sua de falar
E nem deixou-a só num canto; pra seu grande espanto disse: vamos nos amar...
Aí ela se recordou do tempo em que saíam para namorar
E pôs seu vestido dourado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como a gente antiga costumava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a bailar...
E logo toda a vizinhança ao som daquela dança foi e despertou
E veio para a praça escura, e muita gente jura que se iluminou.
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouviam mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu em paz.
— Vinicius de Moraes, Chico Buarque

Observe que todos os elementos narrativos estão aí presentes. Encontre-


-os, escreva-os e comente. Procure outro poema e faça o mesmo.

Comunicação e Expressão / UA 02 Visão Geral da Noção de Texto: Narração 11


Dica
Experimente narrar uma história amorosa e uma de terror.
Elabore conflitos. Observe personagens e tempo. Se pos-
sível, descreva o local. Não se esqueça de que o clímax e o
desfecho são muito importantes.

Fábula
Fábulas são narrações de caráter alegórico que possuem um preceito mo-
ral. Caracterizam-se pela linguagem simples que, no entanto, articulam
um universo complexo, embora fantasioso.

A Raposa e as Uvas
Uma raposa, morta de fome, viu, ao passar diante de um pomar, penduradas nas
grades de uma viçosa videira, alguns cachos de uvas negras e maduras.
Ela então usou de todos os seus dotes e artifícios para pegá-las, mas como estavam
fora do seu alcance, acabou se cansando em vão, e nada conseguiu.
Por fim, deu meia volta e foi embora, e consolando a si mesma, meio desapontada
disse: “olhando com mais atenção, percebo agora que as uvas estão todas estragadas,
e não maduras como eu imaginei a princípio”.
Moral da História: é mais fácil desprezar o que não se pode obter.
— Esopo

Veja que todos os elementos da narração estão presentes. Assim como


a fábula, os contos de fadas e as chamadas histórias da carochinha são
narrativas.

Narração organizacional

Todos os dias as crianças da Creche-Escola tiveram aulas regidas pelas professoras


cedidas através de convênio, com o apoio de duas dinamizadoras e uma orientado-
ra psicopedagógica. Após o almoço as crianças faziam a sesta de uma hora e meia.
À tarde, as crianças, ainda com as monitoras, receberam orientações socioeducati-
vas, reforço escolar, lazer interno, muitos momentos lúdicos dirigidos à sociabilidade,
orientação e exercício de higiene pessoal e ambiental, músicas e outros temas contidos
no currículo escolar.
— Relatório de atividades do Centro Comunitário São Lucas, DF.

Embora de maneira diferente, pois não se trata de ficção, a narrativa orga-


nizacional também conta um fato, um evento, um acontecimento.

Comunicação e Expressão / UA 02 Visão Geral da Noção de Texto: Narração 12


Estrutura da Narração
O esquema a seguir mostra que a narrativa envolve uma complexidade
bem maior do que percebemos quando contamos nossas histórias. Tal
estrutura é inerente à narrativa, qualquer que seja sua origem.

Figura 1. Estrutura Equilíbrio Ação/ Novo


Desfecho
de Narração. inicial conflito equilíbrio

Tempo
a história
Espaço

Personagens

Direto
Discurso
Indireto

narrador
Participante ou Personagem

Foco narrativo Observador

Onisciente

O esquema difere a História do Narrador e explicita:

→→ Toda história começa com um equilíbrio inicial, parte para a ação/


conflito até seu desfecho se instaurando então um novo equilíbrio;
→→ Ela envolve tempo, espaço e personagens;
→→ O narrador pode utilizar o discurso direto ou indireto;
→→ Seu foco narrativo pode ser participante ou personagem, um obser-
vador ou ser onisciente.

Comunicação e Expressão / UA 02 Visão Geral da Noção de Texto: Narração 13


antena
parabólica
Até o final dos anos 50, as narrativas em jornais eram
feitas em estilo rebuscado e não havia muito empenho
em verificar as fontes e confirmar as histórias. Em um
pequeno jornal do Rio, o Diário Carioca, uma equipe que
incluía professores da Universidade do Brasil (que hoje
é a UFRJ) efetuou uma verdadeira revolução e implantou
a linguagem jornalística de hoje. Em alguns anos, aque-
la equipe, capitaneada por Danton Jobim e Pompeu de
Souza, mudou-se para o Jornal do Brasil. Só no início da
década de 70 os outros grandes jornais do Rio de Janeiro
(como O Globo) e de São Paulo (O Estado de S. Paulo, a Fo-
lha de S. Paulo) — logo seguidos pela imprensa de todo
o País — adotariam algumas das normas de redação e
narrativa lançadas pelo Diário Carioca e fixadas no Jornal
do Brasil.
Curiosamente, o antigo estilo de narrativa subsiste em
colunas sociais de jornais interioranos. Deve ser evitado
com cuidado profissionais de qualquer área que escre-
vam quando do exercício de suas funções.

Lembre-se
A narração está presente em situações co-
tidianas e sua utilização é tão comum que
não nos damos conta que a estamos pra-
ticando. É empregada nas organizações
para expor fatos, propor serviços, infor-
mar sobre ocorrências, mostrar resultados
após ações.

E agora, José?
Agora que você já sabe o que é texto e conhece o gêne-
ro “narração”, é o momento de dar outro passo. Você
aprenderá na próxima aula o que é uma dissertação e
como elaborá-la. Boa sorte!
Glossário
Antropológico: (do grego anthropos , “ho- extremamente vasto: abrange todas as po-
mem”, e logos, “razão”/“pensamento”) é a pulações socialmente organizadas.
ciência preocupada em estudar o homem e Eufórico: termo que serve para designar situa-
a humanidade de maneira totalizante, ou ções e sentimentos positivo.
seja, que abrange todas as suas dimensões. Disfórico: oposto de eufórico.
A antropologia como ciência da humanidade Enunciado: tudo que se diz ou escreve ante-
e da cultura, tem um campo de investigação riormente a qualquer análise linguística ou
lógica.

Referências
AMARAL, E.; SEVERINO, A.; PATROCÍNIO, M. F. FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Para Entender o
Português: Redação, gramática, litera- Texto: Leitura e Redação. São Paulo: Áti-
tura e Interpretação de Texto. São Paulo: ca, 2009.
Nova Cultural, Círculo do Livro, 1999. Relatório de atividades do Centro Comu-
SCIPIONI, U. Do Texto ao Texto – Curso prá- nitário São Lucas. Distrito Federal, 2007.
tico de leitura e redação. São Paulo: Sci- Disponível em: www.cecosal.org.br/site/
pioni, 2006. imagens/.../RELATORIO_ATIV_2007.doc.
Acesso setembro de 2010.

Comunicação e Expressão / UA 02 Visão Geral da Noção de Texto: Narração 15


3
comunicação e expressão
Visão geral da noção
de texto: dissertação

Objetivos da Unidade de aprendizagem


Ao final desta aula o aluno deverá ser capaz de estru-
turar e redigir dissertações com coerência e clareza de
apresentação de ideias.

Competências
Capacidade de definir, ordenar e discutir com precisão
informações e ideias, valendo-se dos recursos apropria-
dos à construção de textos dissertativos informativos ou
polêmicos.

Habilidades
Dar expressão a informações e ideias na modalidade
textual estudada, em linguagem adequada à situação de
produção do texto.
Apresentação
Nesta aula, você aprenderá a estruturar e redigir uma
dissertação, partindo do reconhecimento da organização
e da natureza essencialmente argumentativa desse tipo
de texto. Aprenderá também a expor e relacionar ideias
em cada uma das partes da dissertação; dominando es-
sas informações, você poderá realizar tarefas de com-
posição textual exigidas nos ambientes profissional e
acadêmico.

Para Começar
Veja o link desta tirinha da página Geekcats.com.
Na situação representada nesses quadrinhos, o gato
preto e o malhado reagem com estranheza à fala do
branco, certamente por que a linguagem deste é abstra-
ta, com jeito de especulação filosófica... Ele fala como se
dissertasse acerca de um tema cuja complexidade con-
trasta visivelmente com os temas singelos comentados
pelos outros dois.
Por certo você já deparou com a necessidade de re-
digir um texto de dissertação. Enganam-se aqueles que
pensam que ela pode ser improvisada; esse tipo de texto
tem uma organização muito precisa, para que seja real-
mente eficaz. Ao longo desta aula, você poderá perceber
que se trata de um gênero discursivo de extrema impor-
tância, que merece sua atenção, de modo especial.
Trataremos de questões que devem facilitar a reda-
ção de textos dissertativos, presentes em atividades de
caráter acadêmico (artigos, monografias) e das organiza-
ções empresariais (relatórios, pareceres).
Vamos lá?
Fundamentos
Essa modalidade de texto é temática e toma por objeto teses em torno
das quais se instala uma polêmica, com a exposição de pontos de vista e
argumentos que lhe dão suporte; as partes componentes do texto disser-
tativo são lógicas, havendo diversas formas de ordenamento das sequên-
cias textuais responsáveis pela significação do todo.
A rigor, o texto dissertativo desprende-se de situações concretas e pro-
põe-se como análise destas, ultrapassando o particular, o único, e esten-
dendo-se a muitos casos, pessoas e situações.
A construção do raciocínio do enunciador do texto para defender e
combater teses dá-se pela seleção de um léxico no qual predominam vo-
cábulos abstratos (daí o principal elemento de que decorre a natureza
temática desse tipo de texto). Isso não significa que não se encontrarão na
dissertação termos concretos; eles estarão presentes nela, mas somente
para dar suporte à abstração.
As teses do enunciador e os argumentos de que se vale para prová-
-las são fundadas na realidade histórica, política e humana na qual ele se
insere; seu repertório (valores, leituras, estudos, experiências de vida)
fornece-lhe os elementos de que necessita para desenvolver seu texto;
seu objetivo sempre será conseguir a adesão do outro às ideias que de-
fende; seu fazer é, pois, um fazer crer no que diz. Esse aspecto da disser-
tação confere particular relevância às relações que se estabelecem entre
o enunciador do texto e aquele a quem o texto se dirige, os enunciatários.
O enunciador assume a responsabilidade sobre a afirmação / negação
dos valores inscritos no texto e empreende a busca da adesão do enun-
ciatário. O sucesso daquele será tanto maior quanto maior for a crença
que este depositar tanto no discurso do enunciador quanto no objeto
desse discurso. O reconhecimento da inscrição das estruturas de realida-
de e dos valores de cultura no texto é fundamental para que as teses apa-
reçam alicerçadas e, portanto, passíveis de passar por testes de validade.
Nesse quadro, as relações que se estabelecem entre as partes do texto
serão lógicas – e não cronológicas; caberá, por conseguinte, ordenação
textual por restrição, paralelismo, inclusão, alternância, causa-efeito, con-
tradição, enumeração, entre outras formas de ordenação. Além disso, a
referência a tempo e espaço no texto dissertativo tem função de deflagrar
o comentário que dele se abstrai.
As mudanças, as transformações presentes no texto dissertativo não
são apenas relatadas; são interpretadas.

Comunicação e Expressão / UA 03 Visão Geral da Noção de Texto: Dissertação 4


ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
É lugar-comum apresentar a estrutura da dissertação como sendo cons-
tituída de Introdução, Desenvolvimento e Conclusão. Esses títulos são ge-
néricos, aplicando-se, de resto, não somente à dissertação, mas a todo
gênero de texto que pretenda objetividade, unidade de apresentação e
coerência. Para que essa estrutura ganhe significação, é preciso saber que
elementos caracterizam cada uma de suas partes e como desenvolvê-las.

1. Limitando o assunto e encontrando o tema


Antes mesmo de pensar na Introdução, será preciso definir o recorte do
assunto e o ângulo do qual será abordado – será necessário acertar o
foco, fixar-se num aspecto do assunto, pois o mais das vezes ele apresen-
ta uma generalidade tal, uma multiplicidade de opções de enfoque, que
há risco de o redator perder-se no genérico e tratar o assunto superficial-
mente, deixando escapar aspectos de real importância para uma polêmi-
ca frutífera e criativa.
Pensemos em uma sugestão de assunto como “problemas urbanos”,
apresentado objetivamente como proposta de redação ou abstraído da
leitura de outros textos. Esse assunto inicialmente se apresenta de for-
ma bastante vaga para o redator, sendo, portanto, necessário limitar sua
abrangência, definir seus contornos, selecionando, entre vários, o aspecto
que será desenvolvido. Para abordá-lo, abrem-se várias possibilidades,
tais como:

→→ Objeto a ser considerado: metrópoles; qualquer cidade; os dois tipos


de cidade, comparativamente;
→→ Problemas: de infraestrutura (moradia, transportes, abastecimento
etc.); socioculturais (educação, violência, lazer etc.).

Feita a escolha, terá sido especificado, delimitado o tema e a dissertação


se desenvolverá com contornos nítidos, expondo a real capacidade de
análise e de crítica do redator. Este, por sua vez, terá muito maior segu-
rança e possibilidade de mostrar domínio do tema, lastro para tratá-lo,
habilidade para expor ideias e construir argumentos.
Segue-se, daí, que o primeiro passo para começar a estruturar uma
dissertação é fazer o recorte do assunto, delimitar seus contornos, definir
o tema. Isso é condição para que se passe à introdução, já que esta apre-
sentará o tema ao leitor e, desde logo, apontará o ponto de vista adotado
no tratamento desse tema.

Comunicação e Expressão / UA 03 Visão Geral da Noção de Texto: Dissertação 5


2. Preparando a introdução
É comum que se diga que a introdução explicita a hipótese que o texto
quer provar; de fato, é nas primeiras linhas do texto que se configuram
o tema e o enfoque escolhidos pelo autor. Esse enfoque fica mais bem
definido se o redator traça um objetivo claro; por exemplo, se o tema da
dissertação for “a crise econômica no Brasil”, o objetivo do texto pode ser
definido como “mostrar de que maneira a crise econômica mundial afeta
os brasileiros”.
Observe os três exemplos a seguir:

Exemplo 1

Entender como Tolstoi constrói sua narração não é fácil. Aquilo que tantos narradores
mantêm à mostra – esquemas simétricos, vigas mestras, contrapesos, dobradiças –
nele permanece oculto. Oculto não significa inexistente: a impressão que Tolstoi dá de
levar tal e qual para a página escrita “a vida” (esta misteriosa entidade que para ser
definida nos obriga a partir da página escrita) não passa de um produto da arte, isto
é, de um artifício mais complexo que tantos outros.
— CALVINO, I. ‘Dois Hussardos’. In: Por que ler os clássicos. São Paulo: Cia. das Letras,
1993. p. 162.

Nota-se que a hipótese que deverá ser provada no texto de Calvino está
explicitada na primeira linha do texto: não é fácil entender como Tolstoi
constrói sua narração; em seus textos, os recursos construtivos não estão
evidentes.

Exemplo 2

Os modelos educacionais implantados no País e institucionalizados pelas políticas go-


vernamentais em um sistema nacional de Educação demonstram uma clara desvincu-
lação do trabalho produtivo.
— M.NETO, P. E. Universidade: ação e reflexão. Fortaleza: UF do Ceará, 1983. p. 32.

Nesse texto, a hipótese é a de que no Brasil não há vínculo entre os mo-


delos educacionais e o trabalho produtivo; em outras palavras, que a edu-
cação não se põe a serviço do trabalho.

Exemplo 3

A constatação é geral e pode ser percebida por qualquer professor (ao menos, por
qualquer professor de Letras): o nível intelectual dos alunos que ingressam nas

Comunicação e Expressão / UA 03 Visão Geral da Noção de Texto: Dissertação 6


faculdades vem baixando a cada ano. Vez por outra, mas não com suficiente clareza
e jamais com a energia que seria de esperar, fala-se na incapacidade dos alunos, em
especial na sua incapacidade de redigir. Como solução, tem-se sugerido redação nos
vestibulares e cursos de composição nas faculdades. Isto é tangenciar o problema e
abordá-lo apenas de um lado. Não é só o aluno que está em causa; o professor tam-
bém, como adiante veremos.
— LINS, O. Reflexões sob um Quadro-Negro. In: Do ideal e da glória: problemas in-
culturais brasileiros. São Paulo: Summus, 1977. p. 79.

O que o texto se propõe demonstrar é que se deve considerar também o


trabalho do professor para avaliar o problema das dificuldades em redigir
apresentadas pelos alunos.
Tratemos um pouco da importância da introdução de um texto disser-
tativo para estabelecer o vínculo com o leitor. Reportemo-nos a nossas
próprias experiências com leituras iniciadas e logo abandonadas e pode-
remos encontrar, entre os vários e insondáveis motivos que nos levaram
a deixar de lado um texto de revista, jornal ou livro, a falta de entusiasmo
ocasionada pela natureza “morna” do texto, pelo início pouco atraente,
que deixou de cooptar-nos, deixou de instigar nosso intelecto.
Uma introdução pouco (ou nada) desafiadora, que não desperte o exer-
cício intelectual do leitor pode condenar um texto que teria boa sequência
a ser desprezado antes de a sequência ser conhecida.

3. Redigindo a introdução
Ao introduzir um assunto, podemos / devemos empregar recursos para
atrair a atenção do leitor. Entre os muitos recursos disponíveis, lembra-
mos os seguintes: Interrogação, citação, asserção polêmica, frase de
efeito, definição, afirmação categórica, aforismo, generalização, referên-
cia histórica.
Vamos examinar alguns deles. Por sua natureza, podemos dizer que
a referência histórica, a citação, o aforismo e a generalização constituem
formas de introduzir o tema assentadas no conhecimento de algo que
se supõe seja partilhado com o leitor, podendo, por isso, fazer nascer o
interesse pela argumentação em que se sustentará a hipótese suposta-
mente partilhada.
Reportemo-nos à frase introdutória do parágrafo, já citado, de Osman Lins:

A constatação é geral e pode ser percebida por qualquer professor (ao menos, por
qualquer professor de Letras)...

Comunicação e Expressão / UA 03 Visão Geral da Noção de Texto: Dissertação 7


Trata-se de uma frase contendo uma generalização que abrange o pró-
prio leitor, que está incluído na asserção do autor (a constatação é geral).
Com esse recurso, o autor laça o leitor, que é desafiado a conferir como
será desenvolvido o argumento de que ele próprio seria enunciador.
Vamos observar, a seguir, o efeito de sentido da afirmação categórica,
que se combina com um desafio à experiência do leitor, na introdução de
texto dissertativo de Angélica de Moraes, publicado no Caderno 2/Cultura,
de O Estado de S. Paulo de 14/5/2000, p. 10:

Nada melhor para entender a extensão de um desastre do que seu avesso, ou seja,
o sucesso que ocorre quando as coisas são feitas como podem e devem ser feitas.
Experimente sair de alguma das áreas de maior abuso cenográfico da Bienal do Re-
descobrimento para outras onde houve o fundamental respeito às qualidades das
obras expostas.

O que se pode concluir é que a afirmação categórica pressupõe um co-


nhecimento quase inquestionável, dado ao qual se soma o chamamento
à experiência do leitor, para que faça constatações.
Um outro exemplo:

Claro que a história não se repete. Mas o reprimido sempre volta em nova roupagem,
enquanto não é elevado à consciência e superado junto com suas condições. Europa, a
mãe da modernidade capitalista, também deu à luz o fascismo e, com a versão alemã
do nacional-socialismo, inaugurou o crime contra a humanidade.
— KURZ, R. K. A síndrome neofascista da Fortaleza Europa. In: Mais! Folha de S.
Paulo, 14/5/2000. p. 14.

Efeito análogo provoca o aforismo, por remeter a um conhecimento anô-


nimo, assentado na ciência popular:

“Lobo velho perde o pelo, mas não perde a manha”, ensina velho ditado que aprendi
na Argentina. Serve à perfeição para o Sr X, ou ao menos para o artigo que publicou
ontem nesta Folha.
Nele, esse senhor entoa um hino de amor à democracia e posa de campeão da luta
pela liberdade no Brasil. Falso como nota de R$ 7,50.
— ROSSI, C. As digitais de Maluf. In: Folha de S. Paulo, 20/8/ 1996. Texto adaptado.

Observe, ainda, o efeito de sentido da citação na introdução do texto


dissertativo:

Comunicação e Expressão / UA 03 Visão Geral da Noção de Texto: Dissertação 8


O pensamento tornou-se mais imortal que nunca; ficou volátil, intangível, indestrutível.
Mistura-se ao ar... Ele se transforma, agora, em revoada de pássaros, dispersa-se aos
quatro ventos e escapa de uma só vez todos os pontos do ar e do espaço.
Quem fala assim não é um apologista da Internet, e sim um entusiasta do livro. É
Victor Hugo, que num capítulo de “Notre Dame de Paris” intitulado “Ceci Tuera Cela”,
“isto matará aquilo”, afirma que a imprensa, levando a razão a todos os recantos
da terra, expulsará os últimos resíduos da tirania e da superstição. Em seu conteúdo
descritivo, as palavras de Hugo aplicam-se perfeitamente à nova era da comunicação
digital. Mais do que nunca, o pensamento se desmaterializa, faz-se ar, voa, dispersa-
-se, anula o tempo e o espaço. Mas Hugo não estava elogiando uma nova tecnologia.
Estava tomando posição num debate político.
— ROUANET, S. P. Da pólis digital à democracia cosmopolita, in Mais! Folha de S.
Paulo, 21/5/2000, p. 15.

A citação faz referência a uma personalidade consagrada pela cultura


como especialista num determinado assunto e, com isso, a hipótese lan-
çada pode conduzir o leitor a partilhar o reconhecimento do argumento.
Os trechos a seguir exemplificam a introdução utilizando frase de efei-
to, chocando a opinião do leitor, pelo conteúdo às vezes agressivo e sem-
pre polêmico:

O bazar de sandices culturais que Ziraldo Alves Pinto, presidente da Funarte, enviou
ao ministro da Cultura, Aluísio Pimenta, contém seis equívocos básicos – além dos que
deles derivam –, a saber: (...)
— SUZUKI Jr., M. Um ideário confuso. In: 20 textos que fizeram história. São Paulo:
Folha de S. Paulo. p. 183.

Na barbárie se está atolado até o pescoço. Ninguém põe em dúvida a brutalidade


do cotidiano, vivendo como está as agruras da cidade e a opacidade das relações
humanas.
— GIANOTTI, J. A. A universidade em ritmo de barbárie. São Paulo: Brasiliense, 1986.
p. 9.

É interessante observar que a polêmica frase introdutória de Gianotti vem


precedida dos seguintes comentários, feitos nas “Preliminares” de seu li-
vro: Escrevi este texto como um panfleto, fazendo das ideias armas de com-
bate. Dessa forma, bem apropriado a tal objetivo é o emprego de uma fra-
se de efeito para introduzir as ideias polêmicas sobre as quais discorrerá.
A interrogação é outra maneira de introduzir texto que lança ganchos
sobre o leitor: havendo uma pergunta, espera-se uma resposta; e posta
aquela, cria-se a simulação de um diálogo no texto, cujo efeito de sentido

Comunicação e Expressão / UA 03 Visão Geral da Noção de Texto: Dissertação 9


será uma interação de saberes – o texto se mostrará como o espaço de
construção do conhecimento.
Uma amostra:

Que busca o escritor? O verdadeiro escritor, isto é: o que faz da palavra escrita sua
razão de viver.
— LINS, O. L. Op. cit., p. 43.

4. O Desenvolvimento do texto
Com o desenvolvimento começa mais especificamente o trabalho de ar-
gumentação em torno da hipótese lançada na introdução. Essa fase pode
resumir-se a um único parágrafo, de uma dissertação breve, ou estender-
-se por páginas e páginas de texto. Num e noutro caso, não importa a
extensão, no texto haverá uma ordem lógica presidindo as sequências de
ideias. E, se adentramos o terreno da lógica, devemos atentar para as de-
clarações com as quais argumentamos, pois nossos argumentos podem
estar baseados em fatos, em julgamentos ou em inferências.
Caso argumentemos com base em inferências, teremos como resul-
tado apenas certezas relativas ou presunções. Quanto aos julgamentos,
guardam muito de subjetivismo, são meras declarações de aprovação ou
desaprovação e, por isso mesmo, tendem a levar a declarações vagas e
lugares-comuns que compõem o repertório popular. Finalmente, vêm os
fatos, que são acontecimentos verificáveis e, portanto, dispensados de
questionamento.
Vejamos como uma declaração tem maior ou menor peso argumenta-
tivo dependendo do suporte que a ela se dá:

Fulano é um homem de sólida formação cultural

a. Porque há muitos livros nas estantes de sua casa.


ou
b. Porque pertence a uma geração mais bem preparada.
ou
c. Porque estudou e diplomou-se na Universidade “X”.

Na construção (a), a declaração se apoiou numa inferência, sendo, pois,


baixa a probabilidade de a asserção ser verdadeira e, por consequência,
menor o peso argumentativo. Em (b), a base do que se declara é um jul-
gamento, uma opinião, bastante improvável, sendo também baixo o peso
do argumento. Em (c), referem-se fatos para sustentar a declaração, o que
garante a probabilidade e confere maior peso ao argumento apresentado.

Comunicação e Expressão / UA 03 Visão Geral da Noção de Texto: Dissertação 10


Como já afirmamos, a construção das sequências de ideias obedece à
lógica de concatenação de argumentos, e essa concatenação pode eviden-
ciar, entre outras, as seguintes relações de sentido:

Oposição, restrição, ressalva

Com persistência rara, para o Brasil, 68 ainda povoa o nosso imaginário coletivo, mas
não como objeto de reflexão. É uma vaga lembrança que se apresenta, ora como to-
tem, ora como tabu: ou é a mitológica viagem de uma geração de heróis, ou a proeza
irresponsável de um “bando de porralocas”, como se dizia então.
Na verdade, a aventura dessa geração não é um folhetim de capa e espada, mas
um romance sem ficção. O melhor do seu legado não está no gesto – muitas vezes de-
sesperado; outras, autoritário –, mas na paixão com que foi à luta, dando a impressão
de que estava disposta a entregar a vida para não morrer de tédio. Poucas – certamen-
te uma depois dela – lutaram tão radicalmente por seu projeto, ou por sua utopia. Ela
experimentou os limites de todos os horizontes: políticos, sexuais, comportamentais,
existenciais, sonhando em aproximá-los todos.
— VENTURA, Z. 1968 – o ano que não terminou. Texto com adaptações.

Enumeração

O problema é que medidas como essas causam espécie, primeiro, pelos excessivos
prazos de carência para que entrem em vigor, e que são quase sempre prorrogados.
Essa nova resolução do Conama só valerá a partir de janeiro de 2013, para os veículos
a diesel, e a partir de janeiro de 2014, para os movidos a gasolina e álcool. Não serve
de consolo o “antes tarde do que nunca”, porque o “tarde” quase sempre vira “nunca”.
Em segundo lugar, desanima saber que mesmo daqui a três ou quatro anos, quando
a poluição veicular no Brasil – nos carros novos apenas – será mais de um terço me-
nor, ainda assim estará muito acima da que é tolerada, hoje, na Europa e nos Estados
Unidos...
— Tolerância com envenenamento. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/
estadaodehoje/20090908/not_imp430947,0.php>. Acesso em: maio de 2010.

Interrogação

Uma das características fundamentais do conhecimento contemporâneo é o seu uti-


litarismo.
Em que sentido o conhecimento utilitário das economias globalizadas na sociedade
do conhecimento difere da utilidade ética constitutiva de todo conhecimento?
Procurar responder a essa questão é também procurar entender, na lógica de
funcionamento das tecnociências, como as grandes transformações tecnológicas

Comunicação e Expressão / UA 03 Visão Geral da Noção de Texto: Dissertação 11


influenciam a ciência e como a ciência, ela própria, propicia novas tecnologias e ino-
vações que dinamizam os mercados e ativam o consumo das novidades dos produtos
delas decorrentes.
— VOGT, C. Ética e conhecimento. Com Ciência- Revista Eletrônica de Jornalismo Cien-
tífico – SBPC. Disponível em: <http://www.comciencia.br>. Acesso em: junho de 2007.

Paralelismo

O debate sobre a utilidade econômica e social da pesquisa está longe de ter-se encer-
rado. Alguns pretendem que as descobertas científicas são a fonte essencial da tecno-
logia e do progresso econômico e social que dela decorre. Em suma, os pesquisadores
revelariam as leis da natureza, publicariam artigos, e os engenheiros e as empresas
os transformariam, em seguida, em objetos ou equipamentos úteis. Daí resulta que a
sociedade em geral, e os governos em particular, devem financiar a pesquisa funda-
mental, fator insubstituível de progresso econômico e social.
No outro extremo, alguns pensam que os resultados da pesquisa fundamental, no
pior dos casos, são quase inúteis e, no melhor, tendo em vista o fato de que sua publi-
cação é um “bem gratuito”, estão disponíveis a quem quer que os deseje utilizar. Con-
sequentemente, os governos deveriam financiar a pesquisa fundamental nas mesmas
bases que a arte, o esporte ou as outras formas da atividade cultural.
— PAVITT, K. Tem a pesquisa uma utilidade econômica? In: WITKOWSKI, Nicolas
(coord.). Ciência e Tecnologia Hoje. São Paulo: Ensaio, 1995, p. 85-6.

Por fim, vejamos um exemplar de desenvolvimento por contraste:

Ética e política não convergem com muita frequência na história do Brasil e do mundo.
Esse enigma moral do processo histórico leva a indagar: pode a política ser conforme
à época? A essa pergunta o realismo político, tal como formulado, por exemplo, por
Maquiavel, no capítulo 15 de “O Príncipe”, responde pela negativa. A esta mesma e
sempre recorrente pergunta André Franco Montoro deu uma clara resposta afirmativa,
no percurso de sua fecunda e bem-sucedida vida pública. São precisamente as razões
do seu sim à convergência entre ética e política o que me proponho discutir neste texto,
que é uma homenagem à sua memória e uma celebração da importância de sua lição.
— LAFER, Celso. Ética e política em Franco Montoro. Mais! Folha de S. Paulo,
14/5/2000. p. 17.

Note-se a riqueza de recursos presentes na introdução desse trecho de


Celso Lafer: há uma declaração inicial que remete à história, há interroga-
ção, há citação (argumento de autoridade), todos esses elementos refor-
çando, dando destaque ao contraste que se evidencia no desenvolvimen-
to, a partir da frase: A essa pergunta...

Comunicação e Expressão / UA 03 Visão Geral da Noção de Texto: Dissertação 12


5. A conclusão do texto
Também chamada desfecho, a conclusão do texto dissertativo deve re-
presentar, de modo lógico, o tratamento dado ao tema na fase de de-
senvolvimento do texto. Será lógica a conclusão que, em decorrência dos
argumentos apresentados, expressar a opinião do redator sobre o tema
em discussão. Da mesma forma, será lógica a conclusão que resgatar os
argumentos distribuídos no texto, apresentando uma súmula deles, com
destaque para a informação central visada pelo autor.
Seja de uma ou de outra espécie a conclusão escolhida, devem-se evi-
tar certas soluções consideradas clichês ou fórmulas, quais sejam, os fi-
nais forçadamente éticos, dos quais se extrai uma “moral”, um preceito,
uma “lição de vida” a seguir; também os encerramentos que incitem o
leitor a tomar posição, assumir compromissos, levantar e/ou portar ban-
deiras ideológicas... Essas são todas soluções que, quase invariavelmente,
caem no lugar-comum e, pior, ultrapassam os limites do tema, projetando
conteúdos não incluídos na proposta textual escolhida.
Evitem-se, pois, as referências a soluções mágicas, que se evocam para
neutralizar ou anular o problema discutido (por exemplo, a classe políti-
ca, as leis, o governo...); evitem-se, finalmente, os apelos à consciência,
ao humanitarismo, à solidariedade, à adoção de medidas, à mudança de
atitudes... são clichês que roubam ao texto toda originalidade de que ele
tenha se revestido nas etapas anteriores.
Conclua, como foi dito, com uma referência-síntese do conteúdo do de-
senvolvimento, ressaltando os principais argumentos expostos. Isso será
lógico e revestirá de naturalidade o encerramento do texto.

Comunicação e Expressão / UA 03 Visão Geral da Noção de Texto: Dissertação 13


antena
parabólica
Nas atividades de estudo, assim como nas profissionais
e sociais, deparamos com a necessidade de lançar hi-
póteses, expor teses e sustentar nossos pontos de vista
com argumentos. Nos estudos, o suporte bibliográfico
das disciplinas demanda o contato com textos de ciência
e/ou tecnologia elaborados segundo a matriz da disser-
tação. Como se pode notar, trata-se de um gênero dis-
cursivo muito presente nas várias atividades de nosso
dia a dia. Portanto, dominar as condições de produção e
recepção desse gênero é de grande importância para o
sucesso de várias de nossas ações.

E agora, José?
Bem, agora você já desenvolveu a habilidade de plane-
jar e executar atividades de produção de textos disser-
tativos, sejam eles opinativos ou informativos. Você já
aprendeu as etapas de planejamento do texto e conta
com recursos para compor o desenvolvimento adequa-
do ao tema sobre o qual discorrerá, bem como para
concluir coerentemente o texto. Esses elementos serão
extremamente úteis para outras atividades de produção
textual, especialmente para a elaboração de textos per-
tinentes à área administrativa, tais como Propostas, Pro-
jetos, Pareceres e Relatórios empresariais, assuntos de
que trataremos em aulas posteriores.
Coloque em prática seus novos conhecimentos, com-
petências e habilidades!
Glossário
Afirmação categórica: declaração de caráter fenômenos ou seres semelhantes em uma
assertivo, geralmente indiscutível. classe, termo ou proposição geral.
Aforismo: ditado popular; frase, reflexão ou má- Inferência : Processo pelo qual se chega a uma
xima que sintetiza um princípio ou uma regra proposição, afirmada na base de uma ou ou-
de caráter prático, moral ou costumeiro. tras mais proposições aceitas como ponto de
Citação: referência a ideia ou manifestação, es- partida do processo. (COPI, Irving. Introdu-
crita ou oral, de outrem. ção à lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1977).
Asserção: proposição de intenção declarativa Operação intelectual por meio da qual se
de sentido completo, que pode ser afirmati- afirma a verdade de uma proposição em de-
va ou negativa, verdadeira ou falsa. corrência de sua ligação com outras já reco-
Generalização: operação intelectual que con- nhecidas como verdadeiras. (Dicionário Ele-
siste em reunir um conjunto de fatos, trônico Houaiss da língua portuguesa 1.0.7).

Referências Bibliográficas
ABREU, A. S. Curso de redação. São Paulo: Áti- FARACO, C. A.; TEZZA, C. Prática de texto para
ca, 2004. estudantes universitários. 17a ed. Petró-
BECHARA, E. M
 oderna gramática língua por- polis: Vozes, 2008.
tuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001. GARCIA, O. M. C
 omunicação em prosa moder-
BELLINE, A. H. C. Dissertação. 4a ed. São Pau- na. 18a ed. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
lo: Ática, 1999. GIANOTTI, J. A. A
 universidade em ritmo de
EMEDIATO, W. A fórmula do texto. Redação, barbárie. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 9.
argumentação e leitura. São Paulo: Geração,
2008.

Comunicação e Expressão / UA 03 Visão Geral da Noção de Texto: Dissertação 15


4
comunicação e expressão
Variação Linguística:
diferenças e contextos

Objetivos da Unidade de aprendizagem


Ao final da aula o aluno deverá ser capaz de utilizar dife-
rentes registros da variedade linguística, sabendo ade-
quá-los às circunstâncias das situações comunicativas de
que participa.

Competências
Adequação dos diferentes registros da variedade linguís-
tica a situações comunicativas.

Habilidades
Conhecer as variantes linguísticas da Língua Portuguesa
e seus diferentes graus de formalismo; Distinguir as
peculiaridades das situações comunicativas de que par-
ticipa; Adequar a linguagem à situação comunicativa.
Apresentação
Nesta aula, você aprenderá o que é variação linguística.
Descobrirá que a Língua Portuguesa possui diferentes
registros e que é necessário adequá-los às situações co-
municativas de que participamos.

Para Começar
Você já parou para pensar que dentro da Língua Portu-
guesa falada no Brasil existem várias outras línguas?
Você sabe que a Língua Portuguesa, como todas as lín-
guas do mundo, não é utilizada da mesma forma em todo
o território brasileiro? Seu uso varia de acordo com a épo-
ca, com a região, com a classe social dos falantes e com
a situação em que eles se encontram. Isso significa que
até individualmente as variações acontecem. Uma mesma
pessoa pode, por exemplo, utilizar diferentes variedades
da língua, dependendo do contexto em que se insere.
Neste capítulo aprenderemos o que são essas varia-
ções, como se manifestam e como podem ser adequa-
das às necessidades dos falantes. Vamos lá?

Fundamentos
Todos nós começamos a aprender a Língua Portuguesa
em casa, no contato com nossa família e imitando o que
ouvimos, tanto do ponto de vista do vocabulário utiliza-
do quanto das estruturas e combinações da língua.
À medida que entramos em contato com outras pes-
soas e grupos sociais na rua, na escola, no trabalho,
observamos que nem todos falam da mesma maneira,
embora tenham nascido no mesmo país. Há pessoas
que falam de modo diferente por serem de cidades ou
regiões diferentes, por terem idade diferente da nossa,
por serem de outro sexo ou por pertencerem a outro
grupo social ou cultural. Essas diferenças são chamadas de variações
linguísticas.

Conceito
Variações linguísticas são as diferenças que uma língua apre-
senta, de acordo com as condições sociais, culturais, regio-
nais e históricas em que essa língua é utilizada.

Do ponto de vista estritamente linguístico, é importante que você saiba


que não há variedades linguísticas cujas características nos permitam
classificá-la como melhor ou pior que outra. Todas as variedades são per-
feitamente adequadas para a expressão das necessidades comunicativas
dos falantes que as utilizam. Considerar determinada variedade como
melhor e depreciar outra, corresponde a emitir um juízo de valor sobre
os falantes dessa variedade, utilizando as diferenças linguísticas como um
pretexto para a discriminação social. Sendo assim, o preconceito linguís-
tico é uma forma de discriminação que deve ser fortemente combatida.

Atenção
Não existe variedade linguística que possa ser considera-
da certa ou errada. As variedades podem ser consideradas
adequadas ou inadequadas a uma determinada situação
comunicativa.

De acordo com essa adequação, a língua é considerada um poderoso ins-


trumento de ação social. A linguagem que utilizamos não transmite ape-
nas nossas ideias, mas transmite também um conjunto de informações
sobre quem somos socialmente: a região do país em que nascemos, nos-
so nível social e escolar, nossa formação, nossas características pessoais.
Nesse sentido, a língua pode tanto facilitar quanto dificultar nosso relacio-
namento com as pessoas e a sociedade de modo geral.

Tipos de variação linguística


Existem dois tipos de variedades linguísticas: os dialetos e os registros
(CALLOU, 1995).
Os Dialetos são variedades que ocorrem em função das pessoas que
utilizam a língua e são determinados pelo lugar do qual elas provêm, pela

Comunicação e Expressão / UA 04 Variação Linguística: Diferenças e Contextos 4


faixa etária, pelo sexo, pela classe social e cultural na qual elas se inserem
e pela evolução da própria língua.
Veja, a seguir, alguns exemplos dessas variedades:

1. Variedade determinada pelo lugar


de proveniência dos falantes:

1. Disponível em: Tipos de ladrão1


http://search.
creativecommons.
Assaltante mineiro: Ô sô, prestenção. Issé um assarto, uai! Levantus bra-
org/?q=brasil+dife
ren%E7as+regionai çu e fiketin quié mió pucê. Esse trem na minha mão tá chein di bala…
s&format=Image Mió passá logo os trocado que eu num to bão hoje. Vai andano, uai!
Xispa daqui!!! Tá esperanuquê, sô?!
Assaltante baiano: Ô meu rei… (pausa). Isso é um assalto… (longa pau-
sa). Levanta os braços, mas não se avexe não… (outra pausa). Se num
quiser nem precisa levantar, pra num ficar cansado. Vai passando a
grana, bem devagarinho (pausa pra pausa). Num repara se o berro está
sem bala, mas é pra não ficar muito pesado (pausa maior ainda). Não
esquenta, meu irmãozinho, (pausa) vou deixar teus documentos na en-
cruzilhada.
Assaltante carioca: Aí, perdeu, mermão! Seguiiiinnte, bicho. Isso é um
assalto, sacô? Passa a grana e levanta os braço rapá … Não fica de caô
que eu te passo o cerol. Vai andando e sem olhar pra trás senão o tam-
bor vai rodar pro seu lado …
Assaltante paulista: Isto é um assalto, meu! Erga os braço! Pô, meu…
Passa logo a grana, meu. Mais rápido, mais rápido, meu, que eu ainda
preciso pegar a bilheteria aberta pru jogo de futebol, meu … Pô, agora
se manda, meu, vai… vai..
Assaltante gaúcho: O gurí, ficas atento… isso é um assalto. Levanta os
braços e teaquieta, tchê ! Não tentes nada e cuidado que esse facão
corta uma barbariiidaaade, tchê. Passa as pilas prá cá ! Tri-legal! Agora,
te mandas, senão o quarenta e quatro fala.

2. Variedade determinada pela idade dos falantes:

a. Jovem (cerca de 18 anos): – É cara. Tô azarando uma mina que é


mó da hora e tem um papo supercabeça!
b. Homem (cerca de 40 anos): – Estou interessado numa mulher mui-
to bonita, elegante e inteligente.

Comunicação e Expressão / UA 04 Variação Linguística: Diferenças e Contextos 5


3. Variedade determinada pelo sexo dos falantes:

a. Homem: – Cara. Vamos numa festa comigo? Péraí. Vou trocar de


camisa.
b. Mulher – Gentem!! Fui convidada para uma festa hoje em um lugar
fashion. Preciso comprar uma roupa nova, ir ao cabeleireiro e fazer
as unhas.

Gíria
A gíria ou jargão é um dos dialetos de uma língua. Trata-se de uma forma
de linguagem baseada em um vocabulário especialmente criado por um
determinado grupo ou categoria social com o objetivo de se criar uma
identidade entre os membros do grupo, distinguindo-os dos demais fa-
lantes da língua (CEREJA, 2004).
Os Registros são variedades de estilo que ocorrem em função do uso
que se faz da língua, dependendo do receptor, da mensagem e da situa-
ção. Nesse sentido, envolvem o grau de formalismo da comunicação (lin-
guagem formal, coloquial ou informal), o modo de expressão da lingua-
gem (oral ou escrito) e a sintonia entre os interlocutores.

Grau de formalismo
Veja a seguir um exemplo da diferença no grau de formalismo na linguagem:

→→ Formal: linguagem cuidada, na variedade culta e padrão.


Exemplo: “Houve uma grande confusão na faculdade e muitos bri-
garam.”
→→ Informal: linguagem utilizada entre membros da família ou amigos
íntimos, marcada pelo uso de abreviações, vocabulário de conheci-
mento geral e construções simples.
Exemplo: “Aconteceu o maior rebu na facul e o pau quebrou.”

Modo de expressão: oralidade e escrita


Enquanto a modalidade oral da linguagem é aprendida espontaneamente
pelos falantes, a modalidade escrita exige um longo processo de instrução
formal.

Papo Técnico
O ensino (...) da escrita pressupõe a exposição a diferentes
tipos de textos escritos, assim como a apresentação organi-
zada dos recursos formais e de conteúdo que permitem não

Comunicação e Expressão / UA 04 Variação Linguística: Diferenças e Contextos 6


só a produção de textos (...), mas também a boa compre-
ensão da leitura de textos mais elaborados (...) é por esse
motivo que todos precisamos aprender redação na escola.
(ABAURRE, M. L. et al., Coleção base: português. São Paulo:
Moderna, 2000, p. 10.)

Vale lembrar que, na linguagem oral (língua falada), há uma relação dire-
ta entre falante e ouvinte e a produção e execução do texto ocorrem de
forma simultânea. Isso faz com que o texto oral seja marcado por pausas,
interrupções, retomadas, correções auxiliadas pelo uso de gestos e ex-
pressões faciais.
Por outro lado, a linguagem escrita, geralmente, é marcada pela au-
sência de um dos participantes do processo comunicativo, o que impede
a interação direta entre os interlocutores. O texto escrito se apresenta
acabado, já que houve um tempo para sua elaboração, impossibilitando
interferências do produtor no momento da leitura.

Sintonia entre interlocutores


A Sintonia pode ser entendida como o ajustamento ou adequação que o
falante realiza a partir do conhecimento que tem sobre seu interlocutor.
Podem ser considerados exemplos de sintonia:

→→ O registro usado por uma mãe ao falar com seu filho e o registro
que ela utilizará para falar com seu chefe. Em ambos os casos as
diferenças ocorrerão em função do grau de intimidade que o falante
mantém com seu interlocutor;
→→ Um especialista de um determinado assunto usará registros diferen-
tes ao falar com um outro especialista da área e ao falar com um pú-
blico de pessoas interessadas pelo assunto, mas que não o dominam;
→→ Diferentes registros podem ser observados também em função do
grau de dignidade que o falante julga apropriado ao seu interlocutor
(seu superior ou seu subordinado) ou à ocasião. Serão usados re-
gistros diferentes se se tem como interlocutor alguém que, em uma
hierarquia, for seu superior ou seu subordinado. O mesmo ocorrerá
se o falante se encontrar em uma situação formal como um velório
ou informal como um churrasco;
→→ Registros diferentes também serão utilizados por um jovem ao es-
crever um bilhete para sua namorada, ao redigir uma carta, solici-
tando emprego, ao dirigir-se a uma pessoa idosa e ao requerer algo
de seu chefe.

Comunicação e Expressão / UA 04 Variação Linguística: Diferenças e Contextos 7


antena
parabólica
Você certamente já deve ter se divertido ao ouvir frases,
geralmente pronunciadas por pessoas idosas e prove-
nientes do meio rural como, por exemplo, “Cumi arguma
coisa hoje que me fez mar. Tô cuma baita dor de estam-
bo”. Se isso já aconteceu com você, cuidado! Você come-
teu preconceito linguístico.
Preconceito linguístico é a atitude que consiste em
discriminar uma pessoa por meio da sátira ou do debo-
che devido ao seu modo de falar. Então, tenha cuidado
com sua atitude da próxima vez que ouvir uma variante
diferente daquela que você utiliza.

E agora, José?
Agora que você já sabe o que é variação linguística, seus
tipos e os fatores que a determinam, chegou a hora de
aprender como utilizar esse conhecimento no proces-
so de leitura e análise de textos. Para tanto, na próxima
aula, você aprenderá a identificar os contrastes e seme-
lhanças entre textos e a depreensão de seus temas ar-
gumentos.
Glossário
Variação: consequência da propriedade da lin- Registros: variedades que ocorrem em função
guagem de nunca ser idêntica em suas for- do uso que se faz da língua, dependendo do
mas em virtude da multiplicidade de usos e receptor, da mensagem e da situação.
situações. Jargão: forma de linguagem baseada em um
Dialetos: variedades que ocorrem em função vocabulário especialmente criado por um
das pessoas que utilizam a língua. determinado grupo ou categoria social.

Referências
ABAURRE, M. L. et al. Coleção base: portu- MOISÉS, M. A literatura portuguesa através
guês. São Paulo: Moderna, 2000. dos textos. 29a ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T .C. Gramática re- TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma
flexiva: texto, semântica e interação. São proposta para o ensino de gramática no
Paulo: Atual, 2004. primeiro e segundo graus. São Paulo: Cor-
CALLOU, D. Variação e norma. In: Anais do tez, 1996.
II Simpósio Nacional do GT de Sociolin-
guística da ANPOLL. Rio de Janeiro, UFRJ/
CNPQ. 1995.

Comunicação e Expressão / UA 04 Variação Linguística: Diferenças e Contextos 9


5
comunicação e expressão
Leitura e Análise de
Texto: contraste
e semelhanças
entre textos

Objetivos da Unidade de aprendizagem


Ao final da aula, o aluno deverá ser capaz de comparar
e identificar estruturas, temas e características de per-
sonagens com a intenção de perceber semelhanças e
diferenças.

Competências
Desenvolvimento da capacidade de leitura e interpreta-
ção de texto. Ampliação do repertório literário.

Habilidades
Associar informações a textos.
Apresentação
A interpretação de textos requer entendimento de cer-
tos princípios e uso de técnicas. Embora textos simples
possam ser compreendidos de modo intuitivo, nem sem-
pre a intuição é suficiente para a compreensão de do-
cumentos complexos. Nesta aula você verá princípios e
técnicas que aprimoram a percepção textual à medida
que sua cultura e experiência se desenvolvem.

Para Começar
Existem dois provérbios bastante conhecidos que apre-
sentam sentidos diferentes. Leia os provérbios a seguir:

Quem espera sempre alcança.

Quem espera desespera.

Embora as duas frases pareçam semelhantes na forma,


é possível perceber diferenças de sentido.

→→ A semelhança, mostrada na estrutura da frase, no


sujeito e no verbo levam a pensar, nos dois casos,
em indivíduos que supostamente estão em posição
de aguardar e não de fazer.
→→ A diferença está no sentido, que aparece na con-
clusão do enunciado: a primeira frase é otimista e
a segunda é pessimista.

Agora leia a letra da música Bom Conselho, de Chico


Buarque. Pense em provérbios que, de algum modo, o
texto faz lembrar. Você é capaz de perceber contrastes
entre a letra e os provérbios? E semelhanças?

Ouça um bom conselho


Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança

Venha, meu amigo


Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar

Corro atrás do tempo


Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade
— Chico Buarque, Bom Conselho

O autor, por meio de jogo de palavras, faz uma paródia das expressões e
dos provérbios a seguir:

→→ Se conselho fosse bom não se dava, vendia;


→→ Não espere sentado (ou “espere sentado”, dito em tom irônico);
→→ Quem espera sempre alcança;
→→ Quem brinca com fogo se queima;
→→ Faça o que eu digo e não o que eu faço;
→→ Pense duas vezes antes de agir;
→→ Devagar se vai ao longe;
→→ Quem semeia vento, colhe tempestade.

Ao observar um texto, percebemos diferenças de sentido que podem


ocorrer ao mudarmos alguns termos. Encontramos semelhanças temá-
ticas e de sentido em gêneros textuais diferentes. As diferenças e seme-
lhanças, no entanto, não se restringem a isso. Tanto diferenças como
semelhanças podem aparecer marcadas por classes de palavras, pelo
contexto, pela forma, pelo sentido.
Neste capítulo aprenderemos como compreender melhor os textos a
partir de semelhanças e diferenças.

Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 4


Atenção
Semelhanças e diferenças textuais dependem de vários re-
quisitos. Uma mesma forma pode conter vários sentidos;
um sentido pode ser escrito de várias formas. Um mesmo
tema pode ser escrito de várias formas e sentidos diferentes.

Vamos nos aprofundar na leitura e interpretação de alguns textos e verifi-


car de que maneira os temas se aproximam ou se distanciam.

Fundamentos
Entendemos semelhança como “a apreensão intuitiva de certa afinidade
entre duas ou mais grandezas, a qual permite reconhecer entre elas, sob
certas condições e com a ajuda de procedimentos apropriados, uma rela-
ção de identidade” (GREIMAS & COURTÉS, 2008, p. 440) e diferença como
“a distância entre duas grandezas [...]” (op. cit., 140), que só pode ser re-
conhecida a partir de semelhanças que lhe sirvam como suporte. Em ou-
tras palavras, só existe a diferença quando existe uma possibilidade de
semelhança.
Dessa forma, semelhanças e diferenças podem ser consideradas como
relações dentro de uma mesma categoria. Nesse sentido, são inúmeras as
relações textuais que podem ser observadas.
Vamos escolher, a título de ilustração, algumas relações possíveis. Lem-
bre-se que não são todas.

1. Oralidade e escrita.
Apesar de haver correspondência entre textos falados e escritos, escrever
apresenta características bastante diferentes de falar. Enquanto o interlo-
cutor está presente durante o ato da fala, está ausente no momento em
que escrevemos. Dessa forma, como localizar aquele para quem escre-
vemos? Quem é nosso leitor? Como seremos compreendidos? Essas são
algumas perguntas que nos ocorrem diante da escrita.
Quando falamos, alguns problemas de interpretação ou compreensão
podem ser percebidos e corrigidos com a interrupção daquele a quem
estamos nos dirigindo. É possível, no momento da fala, retomarmos e
dizermos de outras maneiras, com outras palavras até que sejamos com-
preendidos. O evento da fala pressupõe algumas formas de comunicação

Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 5


não verbais que servem de apoio à compreensão: gestos, expressão fa-
cial, olhares, entonação...
Por outro lado, ao escrever, esses elementos nos faltam e precisamos
pressupor o entendimento do interlocutor apenas pela escolha lexical.
Não é possível introduzir gestos no texto escrito ou supor que as palavras
alcancem o mesmo significado. Dessa forma, escrever precisa de cuida-
dos adicionais.
Apesar das diferenças entre oralidade e escrita, as semelhanças permi-
tem que sejam compreendidas. Vejamos dois textos que, embora apare-
çam escritos, marcam diferentemente fala e a escrita.

1. As diferenças Texto I (falado) Texto II (escrito)


entre Fala e Escrita.
Disponível em:
“Ela tava ali, lindinha e nos conformes, “Digo a você que ela estava lá, diante dos
http://www.
algosobre.com. cara... Fiquei olhando, imaginando um meus olhos. Perfeita. Olhei-a imaginando
br/redacao/as- jeito de dizer, bem, você sabe né? De di- um jeito de dizer o quanto era importan-
diferencas-entre-fala-
zer aqueles negócios que fico pensando te para mim, dizer o que pensava dela
e-escrita.html. Acesso
em 16/5/2010. sem ela. Era hora, agora, vou lá, dou uma quando estava a sós comigo mesmo. Pen-
chavecada nela, buzino umas no ouvidi- sei ser a hora certa, conversa: Mas me fal-
nho dela, tá na minha... Bom, tava faltan- tou coragem. Fugi.”1
do coragem, puxa, foi me dando um frio,
uma coisa, um estado... Virei as costas,
meu irmão, e me mandei.”

Como você pode observar, o texto escrito precisa apresentar um todo


semântico, com as partes bem concatenadas. Uma de suas característi-
cas é que seja desprovido das marcas de oralidade: repetições, pausas,
inserções, expressões vulgares ou continuações. Há exigências que não se
fazem no texto oral: regras gramaticais específicas para garantir a clareza,
grafia das palavras, acentuação, coesão, coerência...
Apesar dessas diferenças, um texto escrito que represente a fala (com
marcas de oralidade) pode ser compreendido perfeitamente. Veja o texto
a seguir.

Caçador de paturis
- Cumpadi, cumé que ocê costuma caçá paturi?
- Cumo quarqué pessoa. Caçando nos mato. Que pergunta mais estapafúrdia, cum-
padi.
- Espera aí, cumpadi. Que é caçando, eu sei, mas quero sabê com o quê ocê custuma
caçá.

Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 6


- Com o que haverá de? Com a minha espingarda de cartucho, ué? Ocê sabe que a
carga é grande. Intão na hora que eu puxo o gatío, eu chaqueio o braço pra móde
espaiá a porta. Derrubo uns 10 paturi só com um tiro da bicharêda.
- Pois eu faço diferente. Caço de noite e sem espingarda nenhuma. A minha lanterna
é daquelas que tem um facho grandão de luz que parece olofróte dos campo de
aviação.
- Ara! Já to querendo sabê como é isso. Caçá de noite e só com a lanterna, pra mim é
nova, cumpadi.
- Espia só. Os paturi chegam em bando e vão se aninhando naquela arve frondosa.
Ficam ali apinhocado mais de 200. Tudo pronto pra drumi. Pois bem. Eu chego quieti-
nho com a minha lanterna no escuro, aprumo pra riba, pra perto da arve e acendo
o facho de luz, pro rumo do céu. Aí eu começo a rodopiá aquele facho de luz. De
repente, os paturi percebe e entra naquele facho de luz que formou ansim quiném
um anér. E entra mais outro, e mais outro. Eu continuo rodando aquele anér de
luz... E quando a roda toda ta cheia de paturi... aí eu, num solavanco de surpresa,
rodopio ao contrário. Os paturi trombam tudo uns nos ôtro e cai aquele despropó-
sito no chão. Tudo tonto co as cabeçada que deram!
— Rolando Boldrin, Contando Causos, Nova Alexandria, 2001

De qualquer forma, mesmo esse texto, por estar escrito segue algumas
regras específicas. É preciso uma apresentação formal: os parágrafos ini-
ciam com letra maiúscula, as palavras devem ser separadas umas das
outras por espaços em branco, as orações são pontuadas e as palavras
seguem a ortografia oficial.

Atenção
Não basta que o autor siga exigências ortográficas e de sin-
taxe para que você leia com facilidade. As ideias precisam ser
transpostas com clareza, o que é obtido por meio da coesão
e coerência textuais.

O assunto é bastante complexo e vasto e não podemos abranger todas as


suas especificidades. Podemos afirmar, no entanto, que a própria oralida-
de apresenta diferenças em situações diversas: um apresentador de tele-
jornal, alguém que fale ao telefone, crianças conversando, adolescentes,
homens de negócios, vendedores, professores universitários... Em cada
uma dessas situações marcadas pela oralidade os textos são diferentes.
Se escritos, mais diferentes ainda.

Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 7


2. Gêneros e Tipos
Antes de passarmos às diferenças e semelhanças, é preciso primeiro es-
tabelecer o que seja tipologia textual e gênero textual, pois existe certa
confusão teórica a esse respeito.
É comum encontrarmos em livros de gramática a divisão de textos
em três gêneros: narração, descrição e dissertação, o que veremos mais
adiante. No entanto, e devido ao aparecimento de diversas mídias com
formas comunicativas novas e próprias, aconteceu uma mistura que de-
safia as relações entre oralidade e escrita.
Ainda por conta disso, diferentes tipos de texto até então desconheci-
dos passaram a existir e houve necessidade de uma divisão.
Alguns teóricos consideram tipologia textual o que comumente se cha-
mava gênero. Assim, os tipos (e não os gêneros) seriam: narração, descri-
ção e dissertação e a palavra gênero passou a denominar as diversas ma-
nifestações textuais que apresentam características sociocomunicativas
definidas. São inúmeras: cartas, romance, bilhete, reportagem, reunião,
notícia, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, ins-
truções, cartazes, inquérito, resenha, edital, gênero jornalístico, televisivo,
piada, conversação, conferência, e-mail, propaganda, novela, aula virtual...
Além dos gêneros e dos tipos, existem os chamados domínios discursi-
vos que propiciam discursos específicos. Assim, temos: discurso jurídico,
religioso, jornalístico.
As características de cada um dos gêneros e mesmo dos tipos são di-
ferentes. As semelhanças que podem ocorrer, nesses casos, residem nos
temas.
Tomemos a cerveja como exemplo. É possível encontrar: propaganda,
notícia, história da cerveja, conversa sobre cerveja, receita culinária com
cerveja. Mas serão enfoques e leituras diferentes. A interpretação será
efetuada de acordo com cada gênero.

Lembre-se
Os tipos de textos seriam: narração, descrição e disserta-
ção. O gênero passou a caracterizar diversas manifestações
textuais que apresentam características sociocomunicativas
definidas, como cartas, romance, bilhete, reportagem, reu-
nião, notícia, receita culinária, bula de remédio. E os domí-
nios discursivos que propiciam discursos específicos são os
discursos jurídico, religioso, jornalístico.

Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 8


Leia a seguir um artigo opinativo publicado na Folha de S. Paulo. Compare-
-o com o texto poético de Carlos Drummond de Andrade. Estabeleça as
semelhanças e as diferenças.

Um novo José
Josias de Souza

Calma José. Diga: ora Drummond, Agora FMI.


A festa não começou, Se você gritasse,
a luz não acendeu, se você gemesse,
a noite não esquentou se você dormisse,
O Malan não amoleceu, mas se se você cansasse,
voltar a pergunta: se você morresse...
E agora, José O Malan nada faria,
Diga: ora Drummond, mas já há quem faça.
agora Camdessus. Ainda só, no escuro,
qual bicho do mato, ainda sem
Continua sem mulher, teogonia,
continua sem discurso, ainda sem parede nua, pra se
continua sem carinho, ainda não encostar,
pode beber, ainda sem cavalo preto,
ainda não pode fumar, cuspir que fuja a galope,
ainda não pode, você ainda marcha José!
a noite é fria,
O dia ainda não veio, Se voltar a pergunta:
o riso ainda não veio, José para onde?
não veio ainda a utopia, Diga: ora Drummond,
o Malan tem miopia, Por que tanta dúvida?
mas nem tudo acabou, Elementar, elementar,
nem tudo fugiu, sigo pra Washington
nem tudo mofou. e, por favor, poeta,
Se voltar a pergunta: não me chame de José.
E agora, José? Me chame Joseph.

Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 9


José
Carlos Drummond de Andrade

E agora, José? o riso não veio, Minas não há mais.


A festa acabou, não veio a utopia José, e agora?
a luz apagou, e tudo acabou Se você gritasse,
o povo sumiu, e tudo fugiu se você gemesse,
a noite esfriou, e tudo mofou, se você tocasse
e agora, José? e agora, José? a valsa vienense,
e agora, você? E agora, José? se você dormisse,
você que é sem nome, Sua doce palavra, se você cansasse,
que zomba dos outros, seu instante de febre, se você morresse...
você que faz versos, sua gula e jejum, Mas você não morre,
que ama, protesta? sua biblioteca, você é duro, José!
e agora, José? sua lavra de ouro, Sozinho no escuro
Está sem mulher, seu terno de vidro, qual bicho do mato,
está sem discurso, sua incoerência, sem teogonia,
está sem carinho, seu ódio – e agora? sem parede nua
já não pode beber, Com a chave na mão para se encostar,
já não pode fumar, quer abrir a porta, sem cavalo preto
cuspir já não pode, não existe porta; que fuja a galope,
a noite esfriou, quer morrer no mar, você marcha, José!
o dia não veio, mas o mar secou; José, para onde?
o bonde não veio, quer ir para Minas,

Aproveitando esse exemplo, podemos passar para o próximo item: dife-


renças e semelhanças na forma com que os textos se apresentam.

3. Forma
Como você viu, as diferenças entre textos orais e escritos residem na es-
colha lexical, no cuidado com a escrita em relação à fala e suas semelhan-
ças podem ser observadas no tema. Ou seja, você pode conversar sobre
determinado assunto – e utilizará propriedades da linguagem oral – ou
escrever sobre esse mesmo assunto – e precisará empregar certas regras
da linguagem escrita.
As diferenças entre os gêneros, assim como oralidade e escrita, tam-
bém estão na maneira de dizer: propagandas, cartazes apresentam
uma linguagem mais visual, em comparação a uma carta ou romance.

Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 10


As semelhanças também se encontram no assunto. Pode-se falar de um
mesmo assunto em diferentes gêneros.
E a forma?
As formas textuais estão ligadas mais à escrita. As formas levam em
conta a estrutura escolhida para veicular determinado tema. Poema e
prosa são diferentes formas, que seguem regras específicas no momento
de sua criação.
Observe a seguir, a forma como se apresenta a letra de uma música
(versos) e uma crônica (prosa), sobre o mesmo tema, a chuva.

Chuva de Prata
Ed Wilson / Ronaldo Bastos

Se tem luar no céu Isso é que é viver...


Retira o véu e faz chover Cola seu rosto no meu
Sobre o nosso amor... Vem dançar
Chuva de prata Pinga seu nome no breu
Que cai sem parar (refrão) Pra ficar
Quase me mata Enquanto se esquece de mim
De tanto esperar Lembra da canção...
Um beijo molhado de luz Toda vez
Sela o nosso amor... Que o amor disser:
Basta um pouquinho Vem comigo!
De mel pra adoçar Vai sem medo
Deixa cair De se arrepender...
O seu véu sobre nós Você deve acreditar
Oh Lua! No que eu digo
Bonita no céu Pode ir fundo
Molha o nosso amor... Isso é que é viver...
Toda vez Chuva de prata ... (refrão)
Que o amor disser: Um beijo molhado de luz
Vem comigo! Sela o nosso amor
Vai sem medo Enquanto se esquece de mim
De se arrepender... Lembra da canção
Você deve acreditar Oh Lua!
No que eu digo Bonita no céu
Pode ir fundo Molha o nosso amor!...

Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 11


Herói em dia de chuva
Sonia Madruga

Susto também passou a minha abrir a porta dos fundos debaixo


mãe nesta noite de tanta chuva. daquele temporal, por motivos
óbvios. Fiquei monitorando pelo
Ela mora aqui perto, em uma casa celular, fiz mil recomendações, e
grande, com suas acompanhantes. estava toda apavorada: que estava
Escurecia quando um som acontecendo?
abafado fazia crer que alguma
coisa tinha caído no jardim O cara da guarita aqui da rua
dos fundos. Misteriosamente, negou fogo: melhor aguardar
momentos depois, a campainha a polícia... Lauro entrou pela
de trás começou a tocar frente da casa, que tem entrada
intermitentemente. independente, verificou com sua
potente lanterna o jardim, do
Todas se assustaram: ninguém segundo andar da casa e, depois
entraria pelo jardim dos fundos de entrevistar os “mordomos”,
e, por mais que perguntassem: e observar os toques espaçados
Quem é? Quem é? ... não havia da campainha, que obedeciam
nenhuma resposta. Cheias de ao ritmo da chuva, chegou à
iniciativa, chamaram a polícia, mas sherlockiana conclusão de que se
assoberbados, não puderam dar tratava de pequeno curto-circuito
atenção. Às 8 da noite, já à beira do na tecla da campainha, causado
pânico, me ligaram narrando o fato. pelo volume de água!

Alguém no jardim, sem poder sair Aliviadas, mas sem abrir a porta
(é um jardim interno), durante de jeito nenhum, a alegria voltou
todas aquelas horas debaixo de a reinar. Lauro Henrique voltou
tanta água... é uma cena dantesca. para casa perto da meia noite,
Falei com Lauro Henrique e, tendo colocado a conversa em
homem varonil e decidido, pegou dia com minha mãe, falado de
sua bengala, o guarda-chuva e foi música e cantarolado o samba
lá dar apoio e averiguar. de breque de Moreira da Silva –
CIDADE LAGOA. Todas dormiram
Para atravessar a rua, teve que ir um sono sossegado, mesmo com
de carro, tamanha a correnteza e a campainha tocando por toda
volume de água. Ninguém queria a noite.

Embora possamos perceber diferenças na forma escolhida para a criação


de um mesmo tema, é preciso lembrar que as possibilidades são inúmeras.

Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 12


Lembre-se
São muitas as semelhanças entre os textos; inúmeras as
diferenças. Entre semelhanças e diferenças, os textos são
universos em construção. O papel do leitor é desvendar tais
universos...

4. Sentido
Já se falou em forma, conteúdo, escolha lexical, tipos de texto, gêneros.
Agora vamos comentar um pouco a respeito dos sentidos que se apresen-
tam nos textos.
Muitas palavras têm um significado genérico, mas podem ser utilizadas
com outro sentido. Tomemos um exemplo bastante simples: a palavra
manga tem alguns significados, conforme o dicionário Aurélio (1999): 1)
parte do vestuário onde se enfia o braço; 2) filtro afunilado para líquidos;
3) qualquer peça de forma tubular que reveste ou protege outra peça; 4)
parte do eixo de um veículo que se encontra dentro da caixa de graxa.
Ainda segundo o mesmo dicionário, significa: 5) fruto da mangueira e,
com sentidos derivados do espanhol: 6) espécie de corredor com paredes
de varas, que conduz a um rio ou igarapé e serve para guiar os bois que
embarcam; 7) pastagem cercada onde se guarda o gado; 8) parte da rede
de pescar que fica nas extremidades.
Como você vê, uma mesma palavra pode trazer muitos significados,
que só serão percebidos pela leitura e conhecimento do leitor. Em síntese,
o leitor também constrói o texto.
Além desses significados, os textos possuem um sentido, ou seja, os
produtores de texto têm uma intenção, ao escrever. É possível que tenha
mais de uma intenção e nesse caso, seu texto poderá ser interpretado de
várias maneiras, apresentará mais de uma leitura.
Escrever implica em deixar marcas para que seja compreendido de
acordo com os sentidos de quem o escreveu.
Ler o texto implica em decifrar as marcas e sinais deixados pelo autor
para compreender o sentido ou sentidos. Assim, o leitor precisa não só
conhecer os significados genéricos que as palavras possuem e que podem
ser encontrados nos dicionários, mas entender porque o escritor as esco-
lheu e porque as dispôs daquela forma.
Não vamos aqui descobrir como se constrói o sentido de um texto ou
de que recursos o escritor dispõe para expressá-los ou até mesmo quais
elementos ele pode utilizar. Porém sabe-se que esse sentido não se forma
apenas pela decifração das marcas e sinais deixados pelo autor. Segundo
uma Ingedore Koch, uma especialista importante em análise de textos, O

Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 13


leitor também é um construtor de sentido, pois para essa construção são
acionados: seu conhecimento de mundo, suas crenças, suas leituras; o
contexto, o conhecimento comunicacional e interacional, os gêneros.
Como você pode perceber, compreender os textos faz parte de uma
atividade complexa. O leitor precisa estar atento a várias instâncias e ain-
da ser um cocriador, ou seja, recriar o que o autor pretendeu dizer e al-
cançar os significados pretendidos.
Quanto mais aberto a interpretações for o texto, ou seja, quanto mais
sentidos ele possuir, mais diferenças poderão ser encontradas e mais di-
fícil será alcançar a que realmente o autor pretendeu dizer.
Histórias em quadrinhos são um bom exemplo de que o leitor precisa
construir o sentido, ou não entenderá a mensagem do autor.
O leitor precisa ir além do que está escrito. É preciso acessar seu co-
nhecimento de mundo, suas leituras, o contexto comunicacional. Há im-
plícitos (subentendidos, pressupostos) que precisam ser desvendados
para a compreensão do texto.

Conceito
Implícitos são inferências, implicações, alusões e insinuações.
Ducrot (1992) estabeleceu os dois implícitos que são consi-
derados mais importantes: pressuposto e subentendido.

5. Conteúdo/Tema
Conforme se viu anteriormente, existem diferentes formas, gêneros e ti-
pos de veicular os mesmos conteúdos. Por outro lado, conteúdos diferen-
tes podem ser escritos em formatações iguais ou diferentes. As possibi-
lidades são infinitas, cabe a cada um escolher a melhor forma, o melhor
meio de dizer e compreender os textos.
A letra da música “Chuva de Prata” e a crônica “Herói em dia de chuva”
são exemplos de temas semelhantes escritos de formas diferentes.

Dica
Uma mesma palavra pode trazer muitos significados, que só
serão percebidos pela leitura e conhecimento do leitor. Em
síntese, o leitor também constrói o texto...

Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 14


antena
parabólica
A Universidade de Harvard publicou há alguns anos os
dez mandamentos do e-mail, que são desde então muito
falados, muito badalados, mas nem sempre seguidos. É
interessante procurar esses mandamentos na Internet.
Vamos focar aqui um aspecto: o emprego do e-mail, que
é de uso muito ácil, para assuntos que ficariam melhor
em uma conversa face a face ou mesmo em um telefo-
nema. Praticamente todos os que trabalham em empre-
sa conhecem pelo menos uma história de e-mail desas-
troso. A lição que fica é que a multiplicidade de meios de
se comunicar obriga a pensar para escolher como cada
comunicação deve ser feita.

E agora, José?
Agora que você já conhece as semelhanças e diferenças
entre diversos tipos e gêneros textuais, vale a pena apro-
fundar seus conhecimentos sobre temas. Bons estudos!
Glossário
Implícito: a maior parte dos enunciados tem, literal “Sim” ou “Não”, mas sim que seu in-
além de seu conteúdo explícito, literal, um terlocutor abra a janela. Trata-se, neste caso,
ou vários conteúdos implícitos. O enuncia- de uma resposta indireta a uma pergunta
do “faz calor” pode significar apenas que a subentendida. A pergunta subentende um
temperatura ambiente está quente. Mas em pedido.
um ambiente fechado com muitas pessoas, Pressuposto: é o tipo de conteúdo implícito
e dependendo do contexto em que for dito, que se caracteriza por algo que está coloca-
pode significar, por exemplo, “abra a janela”, do antes do “posto”. Quando se diz: “Pedro
“posso tirar o casaco?”, “ desligue o aquece- parou de fumar” (este é o posto), há a pres-
dor”, “ligue o ar condicionado”. suposição que ele fumava. Só para de fumar
Subentendido: um dos tipos de conteúdo im- quem já fumou...
plícito definidos por Ducrot que, entre ou- Escolha lexical: trata-se da escolha das pala-
tros fenômenos linguísticos estudou os im- vras que o escritor/falante faz para enunciar
plícitos. Se alguém pergunta: “poderia abrir seus textos.
a janela?”, nem sempre espera a resposta

Referências
AMARAL, E.; SEVERINO, A.; PATROCÍNIO, M. F. FERREIRA, A. B. H. Dicionário Aurélio da Lín-
Português: Redação, gramática, litera- gua Portuguesa. Curitiba: Positivo, 2010.
tura e Interpretação de Texto. São Paulo: FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Para Entender o
Nova Cultural, Círculo do Livro, 1999. Texto: Leitura e Redação. São Paulo: Áti-
BOLTRIN, R. Contando Causos. São Paulo: Nova ca, 2009.
Alexandria, 2001. GREIMAS, A. J,; COURTÉS, J. Dicionário de Semi-
CHARAUDEAU, P.; MAINGHENEAU, D. Dicionário ótica. São Paulo: Contexto, 2008.
de Análise do Discurso. São Paulo: Con- KOCH, I. V. Desvendando os Segredos do tex-
texto, 2004. to. 2a ed. São Paulo: Cortez, 2003.

Comunicação e Expressão / UA 05 Leitura e Análise de Texto: Contraste e Semelhanças Entre Textos 16


6
comunicação e expressão
Leitura e Análise
de Texto: temas

Objetivos da Unidade de aprendizagem


Ao final da aula o aluno deverá ser capaz de reconhecer
elementos temáticos presentes nos textos.

Competências
Compreensão e análise crítica de textos com base na
identificação de temas, em diferentes níveis de leitura.

Habilidades
Aplicar as técnicas de leitura adequadas aos textos temá-
ticos, vistos em suas relações com diferentes contextos e
com outros textos.
Apresentação
Nesta aula, você desenvolverá habilidades de leitura en-
volvidas na construção de sentido dos textos pelo reco-
nhecimento de seus elementos temáticos. Aprenderá a
compor relações de sentido baseadas nos contextos ex-
plícito e implícito, e em diálogos temáticos – as leituras
intertextuais.

Para Começar
É comum que, ao sairmos de uma sala de cinema ou de
um espetáculo de teatro, comentemos o que acabamos
de ver. Mas, será que nosso comentário se limita a “gos-
tei, não gostei, foi legal, foi chato, não entendi...”?
Por certo nossa intenção vai mais além; queremos ex-
pressar nossa análise do que vimos, nossa compreensão
daquele produto cultural.
Para isso, precisamos desenvolver algumas habilida-
des de leitura e análise, com foco nos temas propostos
pela obra em questão. É o que vamos aprender nesta
importante aula, que certamente vai tornar mais aguça-
da nossa percepção dos textos que nos cercam.

Fundamentos
A leitura e a análise de um texto pressupõem a apre-
ensão de seus temas, sua compreensão crítica, estabele-
cendo-se relações de significação com o universo suge-
rido por aquele.
O trabalho de leitura compreende, inicialmente, a de-
codificação dos signos distribuídos pelo texto, mobilizan-
do o léxico e as estruturas de língua, que o leitor deve
reconhecer e dominar para configurar um primeiro ní-
vel de compreensão – o do significado literal das frases,
enunciados e parágrafos do texto.
Vencida essa etapa, a leitura deve reconhecer o tipo predominante do
texto; com isso, mobilizam-se informações que fornecem chaves para a
compreensão da natureza daquele e dos signos que o tipo ostenta. Assim,
caso se trate de um texto no qual predomina a descrição, saberá o leitor
que terá de identificar os termos responsáveis pela caracterização do ser ou
objeto descrito, terá de observar a adjetivação, os detalhes. Diferentemente,
se predominar o tipo dissertativo, terá o leitor de trabalhar com as teses pre-
sentes no texto, buscando a relação entre asserções, opiniões e argumentos
e, ainda, com o contexto histórico-social que dialoga com tais teses. Final-
mente, se estiver diante de um texto narrativo, deverá o leitor preparar-se
para encontrar e decodificar o conjunto de figuras e de eventos que consti-
tuem os núcleos de sentido responsáveis pela organização da trama.
Finalmente, a leitura captará a constituição temática do texto e, para
isso, o leitor estabelecerá diversas ordens de relações de significação, que
incluem seu repertório (isto é, as informações que detém sobre o assun-
to tratado), as informações novas que lhe são apresentadas e – muito
importante – a(s) rede(s) de significação que se tece(m) no texto graças à
interação deste também com o contexto implícito.
Os temas do texto são depreendidos da escolha de palavras nele pre-
dominante. Um bom exemplo está na passagem a seguir:

Rescendia por toda a catedral um aroma agreste de pitangueira e trevo cheiroso.


Pela porta da sacristia lobrigavam-se de relance padrecas apressados, que iam e
vinham na carreira, vestindo as suas sobrepelizes dos dias de cerimônia. Havia na
multidão um rumor impaciente de plateia de teatro. O sacristão, cuidando dos per-
tences da missa, andava de um lado para o outro lado, ativo como um contrarregra
quando o pano de boca vai subir.
Afinal, à deixa fanhosa de um padre muito magro que aos pés do altar desafina-
va uns salmos de ocasião, a orquestra tocou a sinfonia e começou o espetáculo. Cor-
reu logo o surdo rumor dos corpos que se ajoelhavam; todas as vistas convergiram
para a porta da sacristia; fez-se um sussurro de curiosidade, em que se destacavam
ligeiras tosses e espirros, e o cônego Diogo apareceu, como se entrasse em cena,
radiante, altivo, senhor do seu papel e acompanhado de acólito que dava voltas
frenéticas a um turíbulo de metal branco.
E o velho artista, entre uma nuvem de incenso, que nem um deus de mágica, e
coberto de galões e lantejoulas, como um rei de feira, lançou, do alto da sua solenida-
de, um olhar curioso e rápido sobre o público, irradiando-lhe na cara esse vitorioso
sorriso dos grandes atores nunca traídos pelo sucesso.
— Aluísio Azevedo, O mulato.

Trata-se de um texto descritivo de ações, no qual se reconhecem pelo me-


nos dois percursos temáticos: um deles centrado no tema da religiosidade

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(observe as palavras em negrito); o outro, no tema do espetáculo teatral
(observe as palavras sublinhadas). A convivência desses dois percursos
temáticos na descrição do mesmo conjunto de seres e ações leva à leitura
crítica: o narrador descreve a missa, os que dela participam e seus rituais
como um espetáculo teatral, com o intuito de ridicularizá-los para o leitor.
Vamos agora observar aspectos textuais vinculados aos temas que fa-
zem a leitura produzir significações.

1. As relações entre partes de um texto


devem compor uma unidade.
A unidade do texto se expressa no vínculo de sentido entre suas partes:
estas devem manter-se fiéis à temática selecionada, garantindo a sequ-
ência das ideias. Tal sequência nem sempre se mostra como mera expan-
são adesiva da temática escolhida; muitas vezes, o texto cria a sequência
para instalar contrastes ou contradições que visam a estimular discussões
entre polos divergentes de ideias, e instalar a polêmica; noutras vezes,
simula-se uma mudança de rumos, introduzindo “outro assunto” que, de-
pois, se mostrará como base para o desenvolvimento do tema. Um pe-
queno trecho do denso ensaio denominado “A invenção do saber” – que
dá nome ao livro de Gerardo Melo Mourão, de onde se extraiu – , permite
observar a progressão das partes do texto em torno de sua unidade.
O primeiro parágrafo começa por imitar uma situação de diálogo, pro-
pondo perguntas ao leitor. O efeito de sentido dessa estratégia textual é
criar a expectativa em torno das respostas e, ao mesmo tempo, excitar
o conhecimento do interlocutor virtual, para que a elas responda. Assim,
espera-se que as respostas surjam na sequência respondidas, seja para in-
formar o leitor, seja para confirmar as respostas que ele tenha antecipado.

Em princípio e afinal, que é o saber? Quando, onde e por que sua invenção incorpo-
rou-se à história do mundo como a mais fascinante e a mais perigosa das aventuras
ousadas pelo homem?
— Gerardo Mello Mourão, A invenção do saber. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983, p. 9.

Para responder à primeira pergunta, será preciso criar outros suportes


temáticos, cujo desenvolvimento adiantará os recursos necessários à ple-
na compreensão da sequência. Assim, o segundo parágrafo surpreende
o leitor com uma afirmação que desloca o prestígio da história e parece
pouco conectada ao tema:

A história, como caminho para o passado, isto é, para as fontes inaugurais de nos-
sa pobre e estupenda raça planetária, é apenas um beco sem saída. Os próprios

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historiadores sabem disso. Quando não conseguem dar mais um passo, no limiar
dos caminhos imemoriais, costumam dizer que, daí para lá, as coisas “se perdem
na noite dos tempos”.
— Gerardo Mello Mourão, A invenção do saber. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983, p. 9.

Mas, a falta de conexão é apenas aparente: esse trecho é passagem obri-


gatória ao prosseguimento do tema e prepara outra sequência, que forne-
cerá as respostas pretendidas. Os próximos parágrafos ligam os anterio-
res às perguntas iniciais e garantem a possibilidade de dar-lhes resposta:
a rigor, os parágrafos quinto e sexto vão respondendo ao “quando”, “por
quê”, e “onde”:

Não é, pois, a história que nos há de ajudar, mas exatamente esse denso espaço de
mistérios onde não entram os historiadores - a noite dos tempos. É dentro dela, de
resto, que nasce o tempo histórico. Para lá dele – “ailleurs” – .... “irgendwo” – situa-se
o tempo mítico, o tempo auroral do ser e do existir do homem.
Não é por acaso que todos os profetas vão buscar a substância elementar de suas
profecias nos acontecimentos ao mesmo tempo virginais e prístinos do tempo mítico.
O mito precede a história e, pois, preside a história. O próprio materialismo histórico
sabe disto, e Marx mergulha a teoria da luta de classes na madrugada do tempo míti-
co, quando Caim, o primeiro senhor de terras e o pai da agroindústria, assassina seu
irmão Abel, bucólico pastor do país primevo. Caim teria sido o braço dominador da
classe industrial, que esmagou Abel, o primeiro representante da economia pastoril.
Foi também no tempo auroral do mito que o homem se arriscou à invenção do
saber. O saber foi sua primeira aventura humana, seu primeiro gesto de liberdade,
seu primeiro anelo de grandeza e dominação, sua primeira rebelião contra os deu-
ses, sua primeira aliança com o Demônio, o primeiro passo e o primeiro desafio ao
perigo, para sentar-se ao lado da Divindade como Senhor do Mundo. Está no mito do
Paraíso Terrestre, no Livro do Gênesis: “não comereis do fruto da árvore da ciência
do bem e do mal”. E a voz da serpente: “por que não? No dia em que o comerdes,
serei como deuses, tendo o saber de tudo”. A tentação do saber foi mais poderosa do
que a ordem divina: o fruto era belo e deleitoso. Os pais da raça humana, investindo-
-se pela primeira vez da própria liberdade, do privilégio do livre arbítrio, comeram e
ficaram, desde então, de olhos abertos diante do mundo.
A invenção do saber está marcada pelo mesmo sentido de rebelião contra os deu-
ses em todas as mitologias. Bastem, para o entendimento de nossa cultura judaico-
-helênica do mundo ocidental, os episódios da Bíblia e da mitologia grega. Pois, tam-
bém na Grécia, o facho do saber é arrebatado aos deuses por Prometeu, no mesmo
gesto de desafio e de audácia de Adão e Eva, sendo igualmente castigado pela cólera
dos deuses.
— Gerardo Mello Mourão, A invenção do saber. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983, p. 9-10.

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E garantem a resposta à pergunta “Em princípio e afinal, que é o saber?”,
a qual é fornecida, inicialmente, pelo sétimo parágrafo:

Parece claro, assim, que o saber é uma invenção do homem. Mais do que isto: a
invenção, a única invenção, a invenção por excelência, de que foi capaz a criatura
humana.
— Gerardo Mello Mourão, A invenção do saber. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983, p. 10.

O texto prossegue, aprofundando o conceito de saber, para tratar das


relações entre saber e Universidade.

2. As relações entre as partes do texto


são necessariamente fundadas numa
1. Estão expostas ordem de coesão e coerência1
aqui apenas algumas A coesão se reconhece na conexão entre as sequências constituintes do
noções sobre coesão
texto e os enunciados que as constituem; identificada uma determinação
e coerência, pois esse
assunto é tratado de sentido pretendida entre tais sequências e enunciados, selecionam-se
detalhadamente palavras de nossa língua responsáveis pelas relações de sentido visadas.
em outra aula.
Esses elementos de coesão podem fazer referência a termos que lhes são
anteriores ou posteriores (caso dos pronomes, p.ex.) ou estabelecer vín-
culos entre sequências (caso dos conectivos).
Na passagem a seguir, o pronome “outros”, que determina “interes-
ses”, remete ao contexto anterior, a interesses que o texto já mencionou
e que se contrapõem aos que entram em jogo; além disso, o conectivo
“no entanto” estabelece, na sequência, um vínculo de sentido que reitera
a contraposição contida em “outros interesses”, mais uma vez vinculando
o sentido da presente sequência ao sentido da anterior.

Começam a entrar em jogo, no entanto, outros interesses, que estavam latentes des-
de 1976...
—Ricardo Kotscho. Uma chaga de ouro na selva. In: 20 textos que fizeram história.
São Paulo: Folha de S. Paulo. p. 114.

A coerência vincula-se especificamente à unidade do texto, sendo garan-


tia de sua interpretabilidade, porquanto cuida de compatibilizar o sentido
de informações, argumentos e níveis de linguagem.
Um texto que tratasse de representar, por exemplo, uma praça de
guerra, compatibilizaria as imagens componentes do cenário em torno de
objetos pertinentes ao campo de significação de “guerra”: armamentos,
tanques, combatentes etc. Outro que tematizasse as relações de mem-
bros de um grupo de falantes jovens representaria uniformemente seu

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falar em estruturas e vocabulário próprios desse grupo, num nível de lin-
guagem popular, possivelmente com registro de termos de gíria.

3. O contexto explícito e o contexto implícito


são determinantes do sentido do texto.
A unidade de sentido textual nasce, principalmente, do vínculo que o tex-
to mantém consigo mesmo e com o contexto de sua produção, seja ele
explícito (a própria expressão verbal) ou implícito (a situação em que se
produz).
O contexto explícito é a própria unidade linguística maior em que se
insere a unidade linguística menor. É da relação de um parágrafo com o
restante do texto, ou de uma frase com o parágrafo, por exemplo, que
surge o sentido. Observe-se a notícia de jornal:

Jatene pede resistência à equipe econômica

O ministro Adib Jatene (Saúde) pediu no Senado a volta do Imposto Provi-


sório sobre Movimentação Financeira e disse que “o Congresso não deve se
vincular aos interesses da equipe econômica do Governo”.
Jatene quer utilizar em sua área os recursos do IPMF, que vigorou em 94 e
descontava 0,25% de qualquer movimentação bancária. A equipe econômica
é contra.

Folha de S. Paulo

Subtraído do contexto explícito, o título da matéria será lido com base


na sintaxe do verbo “pedir”, que evidencia seus dois componentes com-
plementares: “o quê” e “a quem”, como na frase: “João pede dinheiro aos
amigos”. No contexto explícito, essa leitura é desmentida: a economia
própria dos títulos de matéria jornalística apostou numa supostamente
útil concisão, ao trocar uma frase oracional por uma frase nominal e criou,
no mínimo, uma ambiguidade, que só o contexto explícito desfez, dando a
direção de sentido ao enunciado-título da matéria. Efetivamente, a regên-
cia incompleta de “pede” e de “resistência” destaca as seguintes leituras:

→→ Jatene pede que a equipe econômica resista - e não se diz a


que(m).
→→ Jatene pede (a alguém, que não se diz quem seja) resistência (= que
resista) à equipe econômica.

Comunicação e Expressão / UA 06 Leitura e Análise de Texto: Temas 8


Esse aspecto pode ser desastroso, se não tiver havido predeterminação
para produzir o duplo sentido; ou pode render alguns lucros, se tiver sido
calculado para produzir, por exemplo, os efeitos da falácia semântica cha-
mada ênfase.
Posta no contexto, a frase – Jatene pede resistência à equipe econômica
– tem outro sentido – e este, sim, é o visado pelo autor: Jatene pedia que
o Congresso resistisse aos interesses da equipe econômica, contrários às
pretensões do então ministro.
O contexto implícito não tem manifestação linguística – é a própria
situação na qual o texto se produz. Muitos de nós recordamos a compo-
sição Samba de Orly, de Chico Buarque, Vinícius de Moraes e Toquinho. A
letra reedita um tema que foi caro aos românticos – o exílio – e remete aos
tempos da ditadura de 64, no Brasil, quando muitos de nossos intelectuais,
políticos e artistas tiveram de refugiar-se em outros países, pois aqui eram
considerados personae non gratae. A composição reporta a essa situação,
que lhe é externa, mas imprescindível para definir seu sentido.

Vai, meu irmão, pegue esse avião


Você tem razão de correr assim desse frio
Mas veja o meu Rio de Janeiro
Antes que um aventureiro lance mão
Pede perdão pela duração desta temporada
Mas não diga nada que me viu chorando
E pros da pesada diz que eu vou levando
Vê como é que anda aquela vida à toa
E se puder me mande uma notícia boa.
— Chico Buarque, Toquinho, Vinícius de Moraes

Você pode acompanhar essa música pelo ambiente virtual.

4. Afirmar um tema para negar outro


Nem sempre o texto se enuncia exclusivamente no momento e do ponto
de vista de sua enunciação: é muito comum que remeta a concepção di-
versa da que defende, vindo a organizar seus temas dialeticamente. Essa
tradição do texto-contraponto é comumente identificada nas estéticas li-
terárias, nas quais se apresentam temáticas representativas de pontos de
vista em oposição, para negar ou para afirmar. Lembremo-nos de algu-
mas das teses realistas e vejamos como elas se afirmam negando outras
(no caso, românticas), no texto de Machado de Assis:

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Capítulo XXVII / VIRGÍLIA?

Virgília? Mas então era a mesma senhora que alguns anos depois? ... A mesma; era
justamente a senhora, que em 1869 devia assistir aos meus últimos dias, e que antes,
muito antes, teve larga parte nas minhas mais íntimas sensações. Naquele tempo
contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais atrevida criatura da
nossa raça e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a pri-
mazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isso não é romance, em que
o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também
não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Era bonita,
fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o
indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação. Era isso Virgília,
e era clara, muito clara, faceira, ignorante, pueril, cheia de uns ímpetos misteriosos,
muita preguiça e alguma devoção – devoção, ou talvez medo; creio que medo.
Aí tem o leitor, em poucas linhas, o retrato físico e moral da pessoa que devia
influir mais tarde na minha vida; era aquilo com dezesseis anos. Tu que me lês, se
ainda fores viva, quando estas páginas vierem à luz, – tu que me lês, Virgília amada,
não reparas na diferença entre a linguagem de hoje e a que primeiro empreguei
quando te vi? Crê que era tão sincero então como agora; a morte não me tornou
rabugento, nem injusto.
– Mas, dirás tu, como é que podes assim discernir a verdade daquele tempo, e
exprimi-la depois de tantos anos?
Ah! Indiscreta! ah! ignorantona! Mas é isso mesmo que nos faz senhores da terra,
é esse poder de restaurar o passado, para tocar a instabilidade das nossas impres-
sões e a vaidade dos nossos afetos. Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço
pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição,
que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o
editor dá de graça aos vermes.
— Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas

Pontifica, no texto machadiano, a polêmica que contrapõe a visão idea-


lizada à visão realista da mulher amada, da perspectiva de um narrador
que promove a revisão de suas ideias de jovem. É a perspectiva dialética
assumida pelo texto que o inscreve na história que o leitor reconhece, ao
reconhecer as diferentes perspectivas de enunciação.

5. Diálogos temáticos – a intertextualidade


A intertextualidade é um dos aspectos da composição temática muito im-
portante para o ato de leitura e análise textual. Trata-se, em palavras mui-
to simples, de um diálogo de textos, atuando na construção de percursos
temáticos, percursos de significação na leitura. Sendo diálogo, envolvem

Comunicação e Expressão / UA 06 Leitura e Análise de Texto: Temas 10


vozes que se alternam no texto, evidenciando pontos de vista acerca de
determinados assuntos ou estilos, pela imitação.
Assim, haverá sempre um texto imitado e outro que o imita, e, depen-
dendo da natureza dessa imitação, fala-se em paródia e em estilização
– uma e outra são modalidades dialógicas de texto, pois colocam em evi-
dência pontos de vista sobre um estilo, pela imitação.
Há duas espécies de imitação: a estilização e a paródia, as quais va-
mos estudar na sequência.

5.1. Estilização
Na estilização, o texto coloca em evidência um tema ou um estilo de compo-
sição textual, pela imitação reverencial, de seus traços; capta, portanto, o es-
tilo imitado para reafirmá-lo. O recurso consiste numa revitalização de temas
ou de traços estilísticos próprios de uma corrente estética, gênero ou autor.
Novamente remetemos você à obra de Chico Buarque de Holanda, à
letra da composição “João e Maria”, com música de Mestre Sivuca, e cuja
interpretação você pode acompanhar acessando o ambiente virtual.

Agora eu era o herói


e o meu cavalo só falava inglês
a noiva do cowboy
era você
além das outras três
eu enfrentava os batalhões
os alemães e seus canhões
guardava o meu bodoque
e ensaiava um rock
para as matinês
Agora eu era o rei
era o bedel e era também juiz
e pela minha lei
a gente era obrigada a ser feliz
e você era a princesa
que eu fiz coroar
e era tão linda de se admirar
que andava nua pelo meu país
Não, não fuja não
finja que agora eu era o seu brinquedo
eu era o seu pião
o seu bicho preferido
sim, me dê a mão

Comunicação e Expressão / UA 06 Leitura e Análise de Texto: Temas 11


a gente agora já não tinha medo
no tempo da maldade
acho que a gente nem tinha nascido
Agora era fatal
que o faz de conta terminasse assim
pra lá deste quintal
era uma noite que não tem mais fim
pois você sumiu no mundo
sem me avisar
e agora eu era um louco a perguntar
o que é que a vida vai fazer de mim
— Chico Buarque de Holanda, João e Maria

A temática dessa letra remete a diversos produtos da cultura; a base é a


ficção, o faz de conta que o narrador assume e que tem passagem por
figuras associadas a temas de vários outros textos: dos contos de fada
(eu era o rei / você era a princesa que eu fiz coroar), ligados à lenda anglo-
2. Conheça a lenda, -saxônica de Lady Godiva2 (e era tão linda de se admirar / que andava nua
do séc, XI, fazendo pelo meu país); dos jogos infantis (eu era o seu brinquedo / eu era o seu
uma pesquisa
pião / o seu bicho preferido); dos bangue-bangues (agora eu era o herói / e
na internet.
o meu cavalo só falava inglês / a noiva do cowboy era você ...); dos filmes de
guerra (eu enfrentava os batalhões, alemães e seus canhões).
Assim, ao ouvir ou ler a letra da composição, o leitor deverá analisar seu
conteúdo pela referência ao diálogo entre esses temas diversos, mas uni-
ficados na imaginação do narrador, descobrindo a riqueza da composição.
Como se depreende, a intertextualidade não está restrita ao texto ver-
bal e há bons exemplos dela também no cinema (o filme “Cliente morto
não paga” dialoga com o chamado “cinema noir”), na pintura, como mos-
tram as telas de Édouard Manet (Almoço na relva - 1863) e de Pablo Picas-
so (Almoço na relva – 1960 – uma das 26 releituras da obra), na música
(quem não se lembra das hilariantes paródias produzidas pelos Mamonas
Assassinas?).

5.2. Paródia

Conceito
Modalidade que também estabelece um diálogo textual, o
texto paródico imita o estilo para subvertê-lo, valendo-se,
para isso, da revisão crítica ou irônica de seus temas, esti-
los, valores.

Comunicação e Expressão / UA 06 Leitura e Análise de Texto: Temas 12


Vamos conhecer a imitação por paródia pela observação
de dois poemas: “Vou-me embora pra Pasárgada”, de Ma-
nuel Bandeira e “Vou-me embora de Pasárgada”, de Mil-
lôr Fernandes.

Vou-me embora pra Pasárgada


Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada Pra me contar as histórias


Lá sou amigo do rei Que no tempo de eu menino
Lá tenho a mulher que eu quero Rosa vinha me contar
Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo
Vou-me embora pra Pasárgada É outra civilização
Aqui eu não sou feliz Tem um processo seguro
Lá a existência é uma aventura De impedir a concepção
De tal modo inconsequente Tem telefone automático
Que Joana a Louca de Espanha Tem alcaloide à vontade
Rainha falsa e demente Tem prostitutas bonitas
Vem a ser contraparente Para a gente namorar
Da nora que nunca tive E quando eu estiver mais triste
E como farei ginástica Mas triste de não ter jeito
Andarei de bicicleta Quando de noite me der
Montarei em burro brabo Vontade de me matar
Subirei no pau-de-sebo – Lá sou amigo do rei -
Tomarei banhos de mar! Terei a mulher que eu quero
E quando estiver cansado Na cama que escolherei
Deito na beira do rio Vou-me embora pra Pasárgada
Mando chamar a mãe-d’água

Comunicação e Expressão / UA 06 Leitura e Análise de Texto: Temas 13


Que Manoel Bandeira me perdoe, mas
Vou-me embora de Pasárgada
Millôr Fernandes

Vou-me embora de Pasárgada Aqui não quero ficar.


Sou inimigo do Rei Vou-me embora de Pasárgada
Não tenho nada que eu quero
Não tenho e nunca terei Pasárgada já não tem nada
Aqui eu não sou feliz Nem mesmo recordação
A existência é tão dura E nem fome nem doença
As elites tão senis Impedem a concepção
Que Joana, a louca da Espanha, Telefone não telefona
Ainda é mais coerente Drogas são falsificadas
Do que os donos do país. E prostitutas aidéticas
São as nossas namoradas.
A gente só faz ginástica
Nos velhos trens da Central E se hoje acordei alegre
Se quer comer todo dia Não pensem que vou ficar
A polícia baixa o pau Nosso futuro já era
E como já estou cansado Nosso presente já foi
Sem esperança num país Dou boiada pra ir embora
Pra ficar não dou um boi .
Em que tudo nos revolta Dou quase nada, coisa pouca,
Já comprei ida sem volta Somente uma vaca louca.
Pra qualquer outro lugar

Os traços da paródia são identificados na negação – a visão ideal da Pa-


sárgada de Bandeira é negada na paródia de Millôr; no primeiro, trata-se
do espaço da evasão, para o qual se deseja partir, visto como lugar agra-
dável; já no segundo, trata-se do lugar em que se está e do qual se deseja
fugir. Pode-se notar que a perspectiva idílica da Pasárgada imitada altera-
-se substancialmente, para uma perspectiva política e de crítica social na
paródia.
Seja na estilização seja na paródia, devemos reconhecer os traços e te-
mas do estilo imitado, sob pena de não se captarem os efeitos de sentido
visados pelo autor das recriações.
Existe homologia entre a formação textual e as estruturas sociais.
O tempo histórico e suas ideologias têm suas estruturas ressoando
nos temas presentes nos textos produzidos por seus sujeitos; como há,

Comunicação e Expressão / UA 06 Leitura e Análise de Texto: Temas 14


inevitavelmente, diversidade de ideologias, de interesses e de captação da
realidade, a presença dos temas nos textos homologa essa diversidade,
testemunhando as nuances das concepções de mundo que convivem e
contrastam num mesmo tempo historicamente circunscrito.

Comunicação e Expressão / UA 06 Leitura e Análise de Texto: Temas 15


antena
parabólica
Em praticamente todas as situações de nosso dia a dia
estamos diante da necessidade de reconhecer os temas
de nossas conversações, dos textos que lemos nos jor-
nais, nas notícias que ouvimos, nos comandos que da-
mos ou recebemos, nos textos organizacionais que te-
mos de redigir. É pela seleção e identificação dos temas
que compomos as relações de sentido necessárias à co-
municação eficaz.

E agora, José?
Agora que você já sabe como trabalhar os temas e suas
conexões de sentido, é chegado o momento de conhe-
cer os argumentos que poderá utilizar na construção de
textos e aqueles que você deverá identificar nos textos
produzidos por outros. Essa passagem para a próxima
unidade é fundamental para lidar com situações diver-
sas dentro das organizações. Bons estudos!
Glossário
Sentido literal: é o sentido próprio das pala- Polêmica: debate de ideias; controvérsia.
vras, por oposição ao sentido figurado. Perspectiva dialética: em sentido amplo, tipo
Homologia: semelhança, relação fundada em de abordagem baseada em discussão, con-
reconhecimento. tradição, contraposição de ideias.

Referências
FIORIN, J. L; SAVIOLI, F. P. Lições de texto: lei-
tura e redação. 2a ed. São Paulo: Ática,
1997.
_____.  Para entender o texto: leitura e reda-
ção. São Paulo: Ática, 1997.

Comunicação e Expressão / UA 06 Leitura e Análise de Texto: Temas 17


7
comunicação e expressão
Leitura e Análise de
Texto: argumentação

Objetivos da Unidade de aprendizagem


Ao final da aula o aluno deverá ser capaz de reconhecer
os diferentes recursos argumentativos utilizados em um
texto e suas formas de elaboração.

Competências
Compreensão e análise crítica de textos caracterizados
pela utilização de recursos argumentativos.

Habilidades
Conhecer as técnicas de leitura adequadas aos textos
argumentativos, Reconhecer a funcionalidade desses
textos e suas formas de composição.
Apresentação
Nesta aula, você conhecerá as principais técnicas de lei-
tura adequadas aos textos argumentativos e aprenderá
sobre a funcionalidade desses textos e suas formas de
composição.

Para Começar
Você já se deu conta de quantas vezes na vida somos
convencidos a fazer algo que, a princípio, não quería-
mos? Veja um exemplo dessa situação:

Esta é Me dá a
minha banana ou
banana! Eu quero eu chamo o A banana
essa banana. meu amigo. é tua...

Não, a banana
é minha!

Na cena apresentada anteriormente, vemos o diálogo


entre dois personagens: um homem e um macaco, dis-
putando uma banana. Nessa disputa, cada um deles faz
uso de argumentos diferentes para defender o mesmo
ponto de vista, qual seja, o direito de ficar com a banana.
No entanto, observamos que, enquanto o homem se li-
mita a dizer que a banana lhe pertence (“Minha banana”),
usando essa afirmação como argumento por duas vezes,
o macaco utiliza dois argumentos: o primeiro baseia-se
no seu desejo (“Eu quero”), o segundo, mais convincente,
fundamenta-se em uma relação de causa e consequência
que pode ser explicitada da seguinte forma:

causa consequência
Dar a banana Sair ileso
Chamar o amigo gorila para
Não dar a banana
resolver a situação
Esse exemplo demonstra o poder que pode ter um argumento quando se
caracteriza pela qualidade, consistência e capacidade de fundamentar e
aprofundar o ponto de vista de quem o utiliza.
Geralmente, pensa-se que comunicar é simplesmente transmitir infor-
mações. No entanto, a comunicação somente se realiza com eficiência
quando o emissor da mensagem consegue agir sobre o receptor. Nesse
sentido, quando se comunica não se pretende apenas que o receptor re-
ceba e compreenda a mensagem, pretende-se, principalmente, que ele
acredite nela e faça o que nela se propõe. Para tanto, a utilização de argu-
mentos é fundamental.
Neste capítulo aprenderemos o que é um argumento, quais são os ti-
pos de argumentos existentes e quais são as principais estratégias argu-
mentativas utilizadas na produção de textos. Vamos começar?

Fundamentos
Argumento é todo procedimento linguístico que tem por objetivo persu-
adir, fazer o receptor aceitar o que lhe foi comunicado, crer no que foi
dito e fazer o que foi proposto (FIORIN, 2003). Quando bem feita, a argu-
mentação dá consistência ao texto, produzindo sensação de realidade ou
impressão de verdade.
No entanto, a boa argumentação não garante a veracidade e fidedig-
nidade das ideias apresentadas no texto. Pode-se convencer uma pessoa
de alguma coisa utilizando raciocínios que não são logicamente demons-
tráveis, mas são plausíveis. Isso quer dizer que se pode argumentar uti-
lizando como prova não só aquilo que é necessariamente certo ou real,
mas também o que é provável, plausível, possível, lógico, racional. Daí a
importância da habilidade do leitor capaz de detectar os argumentos uti-
lizados em um texto e sua forma de composição.

Conceito
A palavra argumento vem do latim argumentum cujo signi-
ficado é prova, indício. Portanto, argumentar significa apre-
sentar fatos, ideias, razões, provas que comprovem uma
afirmação, um ponto de vista ou uma tese.

Comunicação e Expressão / UA 07 Leitura e Análise de Texto: Argumentação 4


Tipos de Argumentos
Existem inúmeros tipos de argumentos. Entre eles destacam-se o argu-
mento de autoridade, o argumento baseado no consenso, o argumento
baseado em provas concretas, o argumento baseado no raciocínio lógico,
o argumento baseado na competência linguística, o argumento baseado
na comparação e o argumento baseado na alusão histórica (CEREJA, 2004).

1. Argumento de autoridade
O argumento de autoridade baseia-se na apresentação do ponto de vista
de autores renomados ou de uma pessoa reconhecida na área do assunto
em discussão. Geralmente, essa apresentação é feita por meio de citações
que, por um lado, criam a imagem de que o falante conhece profunda-
mente o assunto que está apresentando e, por outro lado, torna as pes-
soas citadas fiadoras da veracidade do ponto de vista apresentado.
Observe a utilização desse tipo de argumento no fragmento apresen-
tado a seguir:

1. Herança do Sociedade do conhecimento1


bem. Disponível
em: http://www.
(...) Pouco antes de falecer, Peter Drucker disse que a educação é o setor
aprendervirtual.com.
br/noticiaInterna. que mais crescerá nos próximos 20 anos. O motivo da expansão é o fim
php?ID=63&IDx=52 da sociedade industrial, caracterizada pelo dinheiro como capital, e o iní-
cio da sociedade de serviços, cujo bem maior é o conhecimento. “Drucker
referia-se essencialmente à educação continuada e sua afirmação está
revelando-se uma realidade”, destaca Carlos Monteiro, diretor-presidente
da CM Consultoria. (...)

Para validar o ponto de vista apresentado no texto que ressalta a impor-


tância da educação na sociedade contemporânea, o autor recorre a duas
autoridades no assunto: Peter Drucker, filósofo e economista austríaco,
considerado pai da administração moderna, e Carlos Monteiro, diretor-
-presidente de uma empresa de consultoria para instituições de ensino
superior.

Atenção
Para ter validade, um argumento de autoridade deve obe-
decer a duas regras: a autoridade citada tem de ser reconhe-
cidamente especialista do assunto em questão e não deve

Comunicação e Expressão / UA 07 Leitura e Análise de Texto: Argumentação 5


haver discordância significativa entre a opinião expressa por
essa autoridade e as de outros especialistas da área.

2. Argumento baseado no consenso


Argumentos consensuais são aqueles que se baseiam em máximas e
proposições universalmente aceitas como verdadeiras e que, portanto,
não exigem demonstração.
Por exemplo:

Quando se mantém o jovem na escola, além de tirá-lo da rua e reduzir o risco de


envolvimento com a violência, pode-se apostar (pelo menos apostar) que ele tenha
menos dificuldade de obter um emprego.
— Dimenstein, Gilberto. A melhor bolsa de Lula. Folha de S. Paulo, 28/8/ 2007.

Embora esse tipo de argumento seja muito utilizado, não se deve confun-
di-lo com o lugar-comum, expressões que são repetidas abusivamente,
carentes de base científica e de validade discutível.

3. Argumento baseado em provas concretas


Todo e qualquer ponto de vista poderá ser questionado e terá pouca va-
lidade se não vier apoiado em fatos comprobatórios. Sendo assim, ar-
gumentos baseados em provas concretas consistem na apresentação de
dados estatísticos, resultados de enquetes, dados objetivos, cifras, estatís-
ticas, dados históricos, fatos da experiência cotidiana etc.
Veja um exemplo:

Na crise, banco lucra US$ 5 milhões por hora

O grupo financeiro JPMorgan lucrou US$ 5 milhões por hora no primeiro trimestre
deste ano. Dá praticamente R$ 9 milhões, o que significa que um trabalhador bra-
sileiro de salário mínimo levaria cerca de 1.500 anos para receber o que um grupo
como esse ganha em uma hora.
O JPMorgan não está sozinho em ganhos tão siderais: o Goldman Sachs registrou
lucros de pelo menos US$ 25 milhões em cada um dos 63 dias úteis do ano (R$ 44
milhões).
No total, os 14 maiores bancos de investimento tiveram uma receita conjunta de
US$ 78,8 bilhões no primeiro trimestre, os melhores números em três anos, apenas
US$ 1,2 bilhão abaixo do pico de US$ 80 bilhões registrado no primeiro trimestre de
2007 (antes da eclosão da crise chamada então de crise das “subprimes”).
— ROSSI, Clóvis. Folha de S. Paulo. Caderno Dinheiro, 12/5/2010.

Comunicação e Expressão / UA 07 Leitura e Análise de Texto: Argumentação 6


4. Argumento baseado no raciocínio
lógico (causa e consequência)
Argumentos baseados no raciocínio lógico são responsáveis pelo estabe-
lecimento de relações de causalidade entre as ideias apresentadas em um
texto e a tese defendida por seu autor.
Observe como esse tipo de argumento é construído no texto apresen-
tado a seguir:

Violência epidêmica
A violência urbana é uma enfermidade contagiosa. Embora possa acometer indivíduos
vulneráveis em todas as classes sociais, é nos bairros pobres que ela adquire caracte-
rísticas epidêmicas. A prevalência varia de um país para outro e entre as cidades de
um mesmo país, mas, como regra, começa nos grandes centros urbanos e se dissemi-
na pelo interior. A incidência nem sempre é crescente, mudança de fatores ambientais
e medidas mais eficazes de repressão, por exemplo, podem interferir em sua escalada.
As estratégias que as sociedades adotam para combater a violência flutuam ao
sabor das emoções, raramente o conhecimento científico sobre o tema é levado em
consideração. Como reflexo, a prevenção das causas e o tratamento das pessoas
violentas evoluíram muito pouco no decorrer do século 20, ao contrário dos avanços
ocorridos no campo das infecções, câncer, diabetes e outras enfermidades.
A agressividade impulsiva é consequência de perturbações nos mecanismos bio-
lógicos de controle emocional. Tendências agressivas surgem em indivíduos com di-
ficuldades adaptativas que os tornam despreparados para lidar com as frustrações
de seus desejos.
A violência urbana é uma doença com múltiplos fatores de risco, dos quais os
mais relevantes são a pobreza e a vulnerabilidade biológica.
Os mais vulneráveis são os que tiveram a personalidade formada num ambiente
desfavorável ao desenvolvimento psicológico pleno.
A revisão dos estudos científicos já publicados permite identificar três fatores princi-
pais na formação das personalidades com maior inclinação ao comportamento violento:

1. Crianças que apanharam, foram abusadas sexualmente, humilhadas ou despre-


zadas nos primeiros anos de vida.
2. Adolescência vivida em famílias que não lhes transmitiram valores sociais altruís-
ticos, formação moral e não lhes impuseram limites de disciplina.
3. Associação com grupos de jovens portadores de comportamento antissocial.

Na periferia das cidades brasileiras vivem milhões de crianças que se enquadram


nessas três condições de risco. Associados à falta de acesso aos recursos materiais, à
desigualdade social, à corrupção policial e ao péssimo exemplo de impunidade dado
pelos chamados criminosos de colarinho-branco, esses fatores de risco criam o caldo
de cultura que alimenta a violência crescente nas cidades.

Comunicação e Expressão / UA 07 Leitura e Análise de Texto: Argumentação 7


Na falta de outra alternativa, damos à criminalidade a resposta do aprisionamen-
to. Embora pareça haver consenso de que essa seja a medida ideal e de que lugar
de bandido é na cadeia, não se pode esquecer que o custo social de tal solução está
longe de ser desprezível. Além disso, seu efeito é passageiro: o criminoso fica impe-
dido de delinquir apenas enquanto estiver preso. Ao sair, estará mais pobre, terá
rompido laços familiares e sociais e dificilmente encontrará quem lhe dê emprego.
Ao mesmo tempo, na prisão, terá criado novas amizades e conexões mais sólidas
com o mundo do crime.
Construir cadeias custa caro; administrá-las, mais ainda. Para agravar, obrigados
a optar por uma repressão policial mais ativa, aumentaremos o número de prisio-
neiros a ponto de não conseguirmos edificar prisões na velocidade necessária para
albergá-los. As cadeias continuarão superlotadas, e o poder dentro delas, nas mãos
dos criminosos organizados.
Seria mais sensato investir o que gastamos com as cadeias em educação, para
prevenir a criminalidade e tratar os que ingressaram nela. Mas, como reagir diante
da ousadia sem limites dos que fizeram do crime sua profissão sem investir pesado
no aparelho repressor e no aprisionamento, mesmo reconhecendo que essa é uma
guerra perdida? Estamos nesse impasse!
Na verdade, não existe solução mágica a curto prazo. Precisamos de uma divisão
de renda menos brutal, motivar os policiais a executar sua função com dignidade,
criar leis que acabem com a impunidade dos criminosos bem-sucedidos e construir
cadeias novas para substituir as velhas, mas isso não resolverá o problema enquan-
to a fábrica de ladrões colocar em circulação mais criminosos do que nossa capaci-
dade de aprisioná-los.
Só teremos tranquilidade nas ruas quando entendermos que ela depende do en-
volvimento de cada um de nós na educação das crianças nascidas na periferia do
tecido social. O desenvolvimento físico e psicológico das crianças acontece por imi-
tação. Sem nunca ter visto um adulto, ela andará literalmente de quatro pelo resto
da vida. Se não estivermos por perto para dar atenção e exemplo de condutas mais
dignificantes para esse batalhão de meninos e meninas soltos nas ruas pobres das
cidades brasileiras, vai faltar dinheiro para levantar prisões.
Enquanto não aprendemos a educar e oferecer medidas preventivas para que os
pais evitem ter filhos que não serão capazes de criar, cabe a nós a responsabilidade
de integrá-las na sociedade por meio da educação formal de bom nível, das práticas
esportivas e da oportunidade de desenvolvimento artístico.
— VARELA, Drauzio. Folha de S. Paulo. 9/3/2002.

Partindo da tese de que a violência é epidêmica, ou seja, como uma epi-


demia, atinge (contagia) simultaneamente um grande número de indiví-
duos, o autor fundamenta seus textos apresentando fatos que corres-
pondem às causas dessa epidemia: ambiente familiar desfavorável ao

Comunicação e Expressão / UA 07 Leitura e Análise de Texto: Argumentação 8


desenvolvimento psicológico pleno, falta de acesso a recursos materiais,
desigualdade social, corrupção policial e casos de impunidade aos chama-
dos criminosos de colarinho-branco.
Na análise da utilização desse tipo de argumento, você deve prestar
atenção em alguns defeitos que geralmente o acometem: a fuga do tema
e a tautologia que consiste em demonstrar uma tese, repetindo-a com pa-
lavras diferentes. Por exemplo: A poluição faz mal à saúde porque prejudi-
ca o organismo (prejudicar o organismo é exatamente fazer mal à saúde).

5. Argumento baseado na competência linguística


Esse tipo de argumento é utilizado em situações que exigem a utilização
da variante culta da língua como forma de garantir maior confiabilidade
ao que se diz. Nesse caso, a utilização de um vocabulário adequado à situ-
ação comunicativa em que o falante se encontra dá maior credibilidade às
informações veiculadas e pode impressionar o interlocutor (KOCH, 2000).
Veja por exemplo a frase apresentada a seguir:

A terapia teve um efeito idiossincrático com prognóstico favorável em caso de pronta


supressão.
— Língua e Poder. Disponível em http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=10929

Essa frase, aparentemente enigmática para as pessoas que desconhecem


o vocabulário médico, significa que “o remédio teve efeito contrário, mas
não causará problemas se for suspenso logo”. Embora seu significado seja
facilmente compreendido pela maior parte dos falantes de Língua Portu-
guesa, a maneira como ela foi apresentada no exemplo dado conferiu-lhe
maior imponência e importância.

6. Argumento baseado na comparação


O argumento baseado na comparação estabelece um confronto entre duas
realidades diferentes, seja no tempo, no espaço, nas características etc.
Por exemplo:

Julgamento do último ditador da Argentina lembra que por lá a auto-


2. Disponível em:
anistia não funcionou2
http://search.
creativecommons.or Anthony W. Pereira
g/?q=compara%E7%
E3o+brasil+e+argen
O julgamento de Bignone é um forte lembrete das diferenças entre o últi-
tina&format=Text
mo regime militar argentino e a ditadura brasileira. (...)

Comunicação e Expressão / UA 07 Leitura e Análise de Texto: Argumentação 9


Uma segunda diferença importante em relação ao Brasil foi que a ten-
tativa de autoanistia dos militares argentinos fracassou. (...) Uma terceira
diferença é que, após a anistia ser anulada, os julgamentos dos perpetra-
dores de violência sob o regime militar foram uma marca da democracia
argentina. (...)

7. Argumento baseado na alusão histórica


O argumento baseado na alusão histórica retoma acontecimentos do pas-
sado para explicar fatos do presente. Veja como esse tipo de argumento é
utilizado no texto apresentado a seguir:

3. Disponível em: A crise de 1929 e a de agora, 80 anos depois3


http://search.
creativecommons.or
Além de errarem na avaliação e na duração da crise que começou nos
g/?q=compara%E7%
E3o+brasil+e+argen EUA, os economistas cometeram 62 cálculos equivocados, o que garante
tina&format=Text a todos eles um possível ou suposto Prêmio Nobel da idiotice, combinado
com o da imprudência e da incompetência. Só que, apesar de tudo, são
ouvidos e seguidos. Também insistem em comparar 1929 com 2009, Roo-
sevelt com Obama. Algumas coisas são parecidas, mas o que vale mesmo
é a dessemelhança (“O quão dessemelhante”). 80 anos depois, juram que
as crises são iguais. São parecidas pelo fato de envolverem muito dinhei-
ro, aventureiros financeiros e nenhuma fiscalização.
Todo o resto é diferente, inteiramente diferente.

Comunicação e Expressão / UA 07 Leitura e Análise de Texto: Argumentação 10


antena
parabólica
Bons cenários para a observação de disputas argumen-
tativas são os debates políticos. Um argumento político
é um exemplo de uma argumentação lógica aplicada à
política. Portanto, da próxima vez que assistir a um de-
bate, preste atenção nos discursos pronunciados pelos
candidatos, verificando se são exemplos de argumenta-
ção ou de persuasão. Não se deixe enganar!

E agora, José?
Agora que você já sabe o que é argumentação, seus ti-
pos e seu processo de construção nos textos, chegou a
hora de aprender como utilizar esse conhecimento no
processo de Produção de textos da área administrativa.
Para tanto, na próxima aula, você aprenderá a produ-
zir os principais textos referentes à sua área de atuação
profissional como resumos, resenhas, paráfrases, cor-
respondências organizacionais, propostas e projetos.
Bons estudos e até a próxima aula!
Glossário
Argumento: todo procedimento linguístico que Subprimes: mercado obrigacionista/de crédito
tem por objetivo persuadir, fazer o receptor imobiliário de menor qualidade.
aceitar o que lhe foi comunicado, crer no que Alusão: referência.
foi dito e fazer o que foi proposto.

Referências
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. G
 ramática re- KOCH, I. V. A
 rgumentação e linguagem. 6a ed.
flexiva: texto, semântica e interação. São São Paulo: Cortez, 2000.
Paulo: Atual, 2004.
FIORIN, L. J.; SAVIOLI, F. P. Lições de texto: lei-
tura e redação. 6a ed. São Paulo: Ática,
2003.

Comunicação e Expressão / UA 07 Leitura e Análise de Texto: Argumentação 12


8
comunicação e expressão
Produção de textos da
área administrativa:
resumo, resenha
e paráfrase

Objetivos da Unidade de aprendizagem


Ao final da aula o aluno deverá ser capaz de distinguir
formas de composição de textos citantes.

Competências
Conhecimento e capacidade de utilização da modalidade
de textos citantes, como forma de resgatar, sintetizar,
criticar e interpretar informações.

Habilidades
Produção de textos a partir de outros textos, utilizando
as técnicas de elaboração de resenhas de textos e fatos,
resumos e paráfrases explicativas.
Apresentação
Nesta aula, você conhecerá técnicas envolvidas na com-
posição textual que tem como ponto de partida a com-
preensão e a apreensão de textos alheios. As modalida-
des envolvidas pertencem ao gênero dos textos citantes,
mobilizando domínio de vocabulário e habilidade de dis-
tinguir ideias e informações principais e secundárias.

Para Começar
Você se lembra daquele livro de muitas páginas que você
devia ler e utilizar como base de um trabalho na escola?
Lembra-se de como tentou fazer um resumo, que aca-
bou ficando tão extenso que rivalizou com o tamanho
do livro? Quem sabe você desistiu no começo da em-
preitada e buscou “ajuda mágica” na internet... Se isso
aconteceu, você não foi conquistado nem pelo livro, nem
pela atividade que lhe foi proposta. Faltou, quem sabe,
conhecer a importância das técnicas de aproximação e
apreensão dos textos, que facilitam o desenvolvimento
de várias tarefas, na escola ou no ambiente profissional.
Vamos aprender, nesta aula, como trabalhar com tex-
tos sobre outros textos – os resumos, as resenhas e a pa-
ráfrase. Você vai constatar que já sabe muita coisa sobre
o assunto e que não é nenhum bicho de sete cabeças.

Fundamentos
Vamos começar entendendo que essas três espécies de
texto, os resumos, as resenhas e a paráfrase, têm uma
característica comum: são textos que podem referenciar
outros textos, ou seja, textos que contém citações de
outros autores, isso é, exigidos sempre que houver ne-
cessidade de registrar informações importantes contidas
em outros textos, ou, no caso das resenhas, também em
fatos. Sua aplicação é bastante ampla: nas atividades acadêmicas, faze-
mos uso dessas modalidades textuais quando temos de entender, com-
pilar e reproduzir informações e ideias contidas em textos de várias mí-
dias (livros, jornais, revistas, CD, CDV...) as quais mencionamos em nosso
próprio texto. O mesmo ocorre nas organizações, quando preparamos
uma apresentação de assuntos técnicos, quando interpretamos um ma-
nual, registramos as ocorrências de uma reunião... enfim, serão diversas
as ocasiões em que faremos uso desses textos.
Vamos conhecer cada um deles.

1. RESUMO
Todos nós certamente já vivemos alguma situação em que precisamos
resumir algo: pode ter sido naquele dia em que você teve de contar a seus
pais por onde você andou, chegando a casa só depois das três da manhã.
Sua habilidade em resumir foi demonstrada, pois você relatou o essen-
cial de suas ações, de seus percurso e permanência fora de casa. Você de-
monstrou habilidade em suprimir informações supérfluas, impertinentes
ou indesejáveis, focando-se no principal.
Na vida profissional, temos o desafio de resumir quando colocamos em
uma ou duas folhas de papel as informações a nosso respeito, fazendo
nosso Curriculum Vitae, ou quando nos apresentamos a um entrevista-
dor, relatando a ele nossas qualificações profissionais, dados pessoais e
habilidades.
Então: sabemos ou não resumir?
Em sua forma escrita e quando tem por fonte (ou objeto) um texto, o
resumo é parte componente de Relatórios, Pareceres da correspondência
organizacional (modalidades de texto que você estudará na Aula 9), bem
como das atividades de estudo, nos cursos superiores.
Vamos manter o foco na forma escrita do resumo, pois se trata de
um método de estudo que aponta nossa maior ou menor capacidade de
apreensão e compreensão de informações e conceitos.
Os resumos se propõem apresentar com fidelidade às ideias ou aos
fatos essenciais contidos num texto; as opiniões do autor do texto resu-
mido são levadas em conta, devendo-se evitar comentário ou julgamento
do texto-objeto. O resumo deve buscar o essencial e apresentá-lo com
fidelidade. Mas deve-se evitar, a todo custo, a reprodução de trechos do
texto resumido. Se o texto é narrativo, reduz-se ao essencial, o encade-
amento de ações e relações entre personagens, expondo-se o esqueleto
da intriga; se o texto é dissertativo, acompanha-se o desenvolvimento das
ideias nele contidas.

Comunicação e Expressão / UA 08 Produção de Textos da Área Administrativa: Resumo, Resenha e Paráfrase 4


Há um aspecto subjetivo na atividade de resumir: o leitor interage com
o texto-fonte e seleciona aquilo que se mostrou mais importante; em ou-
tras palavras, a mente do leitor escolhe informações, com base em sua
capacidade de apreensão e, até, em suas preferências. Pode-se dizer que
aquilo de que nos lembramos ao final da leitura de um texto já é um resu-
mo dele formatado por nós.
Quais estratégias podemos utilizar para produzir bons resumos?

1.1. Selecionar o essencial.


Essa estratégia consiste em fazer da leitura do texto-fonte uma operação
de “limpeza” do que não interessa. E como se faz isso? Destacando as in-
formações principais, tais como conceitos e exemplos, seja copiando-as
ou sublinhando-as no texto-fonte.

1.2. Reescrever o trecho ou texto, com


base no essencial selecionado.
Vamos ao exemplo.

Crise e oportunidade são representadas pelos mesmos ideogramas chineses, como


se ouve muito em palestras inspiradoras para empresários. Segundo a velha sabedo-
ria chinesa, o azar de uns pode ser a sorte de outros; o que, para uns, é desastre,
para outros, é bênção.
Quando querem dar uma ideia da crise econômica na Alemanha durante a re-
pública de Weimar, sempre recorrem à mesma imagem: a hiperinflação era tama-
nha que, para se comprar um pão na padaria, era preciso levar marcos num car-
rinho de mão. O valor de tudo era medido em carrinhos de mão cheios de marcos,
e eram necessários cada vez mais carrinhos de mão para carregar os marcos cada
vez mais desvalorizados. É possível imaginar os carrinhos de mão engarrafando o
trânsito nas ruas de Berlim. E todos se queixando da situação, dizendo que aquilo
não podia continuar, que era preciso um governo forte para acabar com aquilo, que
assim não dava mais, etc.
Todos, menos o Kurt. O Kurt estava feliz. Enquanto à sua volta os outros per-
diam dinheiro e se lamentavam, o Kurt prosperava e exultava. Sua pequena in-
dústria crescera e não parava de crescer. Em vez de desempregar, Kurt empregava.
E enriquecia em meio à crise. Como aquilo era possível?
Kurt, claro, tinha a única fábrica de carrinhos de mão da Alemanha.
— Luís Fernando Veríssimo, Crise e consequência. Bom Dia, 19/4/2009. Texto adaptado.

Os trechos em negrito são o resultado da operação “limpeza” – as infor-


mações essenciais estão destacadas. Para completar o ciclo, a próxima

Comunicação e Expressão / UA 08 Produção de Textos da Área Administrativa: Resumo, Resenha e Paráfrase 5


operação da estratégia é reescrever, isto é, produzir o resumo. E ele nasce
facilmente:
Crise e oportunidade andam juntas, pois aquilo que é prejudicial a uns
pode beneficiar outros. Exemplo disso ocorreu na Alemanha durante a
República de Weimar, num período em que a inflação altíssima fazia as
pessoas transportarem o dinheiro até à padaria em carrinhos de mão;
mas nessa crise, um comerciante prosperou: o fabricante dos carrinhos.
Podemos notar claramente que, nesse resumo, o essencial do texto foi
mantido e as informações secundárias foram descartadas.
Vamos observar, agora, o resumo de um texto da área de gestão.

Milhares de pessoas dentro do universo empresarial estão insatisfeitas com a


sua situação. Ou ganham pouco ou estão desajustadas no ambiente de traba-
lho, têm atritos com chefes ou mesmo frustram-se ante as remotas possibilida-
des de crescimento profissional. Abate-se sobre elas uma terrível frustração, que vai
corroendo seu ânimo e exaurindo suas energias. Que fazer? Deixar que o processo
de obsolescência acabe por mergulhar a pessoa em uma depressão profunda, tomar
uma grande decisão e mudar completamente de rumo ou encontrar meios e for-
mas que, integradamente, possam tirar a pessoa do estado letárgico em que se
encontra? Pessoalmente, sou favorável à última alternativa. É arriscado mudar
radicalmente de posição, aconselhando-se o bom sendo de se procurar via mais ló-
gica de medidas que venham soerguer paulatinamente a pessoa.
— TORQUATO, Gaudêncio. O marketing do profissional. In: _____. Cultura, poder, comu-
nicação e imagem – fundamentos da nova empresa. São Paulo: Pioneira, 2003. p. 91.

Os trechos sublinhados indicam o essencial, que se resume a:


Há, no meio empresarial, pessoas insatisfeitas, por causa de sua remune-
ração, desajustamento, atritos com seus superiores ou falta de perspectiva
de ascensão profissional. Diante disso, entre deixar essas pessoas se depri-
mirem, levá-las a mudar completamente de rumo e encontrar meios de fazê-
-las reerguer-se, o autor indica sua preferência pela terceira opção.
Nossas considerações sobre os resumos devem ser completadas com
a norma da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) sobre o as-
sunto – a NBR 6028/2002, que traz a regulamentação da elaboração de
resumos em trabalhos como monografias, artigos, relatórios e teses. De
acordo com essa NBR, tais resumos devem ser redigidos em um único
parágrafo, vir acompanhado de palavras-chave e ter número de palavras
definido em função do tipo de trabalho (até 500 palavras, nas teses, dis-
sertações e relatórios; até 250 palavras, nas monografias e artigos; até
100 palavras nas notas e comunicações breves).

Comunicação e Expressão / UA 08 Produção de Textos da Área Administrativa: Resumo, Resenha e Paráfrase 6


Ainda segundo a NBR 6028/2002, os resumos podem ser informativos
ou indicativos. Os informativos são aqueles que fornecem ao leitor infor-
mações suficientes para que o leitor conheça o fundamental, mesmo sem
ler o texto citado; é mais completo, portanto. Já os resumos indicativos
não fornecem pormenores, apenas prestam algumas informações sobre
o texto-fonte – é o caso dos resumos utilizados para dar notícia de pros-
pectos, produtos (industriais ou comerciais), catálogos, manuais.

Dica
Conheça o texto integral da NBR 6028/2002. Ele é muito
importante, pois, como norma, deverá direcionar o desen-
volvimento de suas atividades acadêmicas.

2. RESENHA
Denomina-se resenha o texto elaborado com a finalidade de prestar in-
formações acerca de fatos ou de outros textos. Encontram-se, portanto:

→→ Resenhas de fatos, que se reportam a referentes reais, tais como


reuniões, eventos (jogos, atos públicos, reuniões etc); e
→→ Resenhas de textos, que se reportam a referentes textuais, como
livros, artigos, filmes.

As do tipo (1) são as resenhas descritivas, entre as quais estão as atas


de reuniões e assembleias, os relatos (por exemplo, os acontecimentos,
os acidentes), as descrições (de lugares, objetos, processos).
Pode-se dizer que as resenhas do segundo tipo são textos que sinteti-
zam e comentam outro texto.
Na aula 9 você conhecerá com detalhes as atas, principal texto organi-
zacional pertencente à categoria das resenhas descritivas; hoje, vamo-nos
dedicar ao tipo (2), às resenhas que têm por objeto os textos – também
chamados textos-fonte.
No âmbito acadêmico, emprega-se o termo “resenha” para designar
um tipo de texto produzido por cientistas e por estudantes: estes costu-
mam fazer resenha como parte do exercício de compreensão e de crítica
de um texto; aqueles têm por tarefa escrever resenhas de livros. Tais rese-
nhas permitem fazer a seleção bibliográfica, parte das mais importantes
na fundamentação dos trabalhos acadêmicos.
Nesse caso, espera-se que uma resenha informe o leitor sobre o as-
sunto tratado no livro, suas características especiais (se as tiver), o modo

Comunicação e Expressão / UA 08 Produção de Textos da Área Administrativa: Resumo, Resenha e Paráfrase 7


como o assunto é tratado, se é interessante e agradável, se o leitor deve
possuir algum conhecimento prévio para lê-lo, se a organização do livro
é boa, se terá utilidade para quem o ler, se tem vínculos com outros tex-
tos. É nesse sentido que se diz que uma resenha é crítica, não porque ela
traz comentários irônicos ou mordazes. Nessa modalidade de resenha, o
autor analisa o texto resenhado, comentando-o, apontando qualidades,
falhas, filiações ideológicas etc.
Recomenda-se que os pontos mais importantes do texto resenhado
estejam no início da resenha, que deve conter os seguintes dados: título
(e subtítulo) do livro, nome(s) do(s) autor(es) ou do(s) organizador(es), data
de publicação, número da edição (a partir da segunda), editora, local da
publicação, número de páginas, número de tabelas, figuras e fotos, preço
da obra.
Mas não é só o texto-livro que pode ser resenhado. Por certo você já
leu uma resenha que tem por objeto um game, um CD de sua banda pre-
ferida, um DVD recém-lançado, etc. Os diversos gêneros midiáticos têm
produtos que originam resenhas críticas – é com base nelas que nos inte-
ressamos ou não pelo objeto, decidindo se vale ou não a pena comprá-lo
ou fruí-lo.
Note que, para fazer uma resenha, você deve saber como fazer um re-
sumo, visto que há uma substancial participação do resumo na apresen-
tação do produto-texto ao leitor da resenha. Por isso você primeiramente
aprendeu a compor resumos.
Vamos comentar, agora, um tipo de texto muito útil para a realização
de atividades acadêmicas – a Ficha de leitura; também chamada de Fi-
cha de Documentação Bibliográfica, combina descrição e resumo.
A parte descritiva contém:

→→ Título da obra ou artigo;


→→ Nome do(s) autor(es);
→→ Editor ou publicação e coleção (se for o caso);
→→ Lugar e data de publicação;
→→ Número de volumes e de páginas (quando for o caso);
→→ Descrição sumária da estrutura (divisão em livros, capítulos) e;
→→ Indicação de língua original (quando estrangeira) e nome do tradutor
(em caso de tradução).

A parte resumitiva é constituída de:

→→ Indicação sumária do assunto tratado (conteúdo da obra);


→→ Ponto de vista adotado pelo autor (tom, método, gênero);

Comunicação e Expressão / UA 08 Produção de Textos da Área Administrativa: Resumo, Resenha e Paráfrase 8


→→ Resumo expondo o essencial, de acordo com o plano geral do texto;
→→ Comentários pessoais ou observações, se necessário.

3. PARÁFRASE
Segundo o dicionário Houaiss Eletrônico, paráfrase é “interpretação ou tra-
dução em que o autor procura seguir mais o sentido do texto que a sua
letra”, “interpretação, explicação ou nova apresentação de um texto”. O
termo vem do grego para-phrasis (repetição de uma sentença).
Na Antiguidade clássica empregava-se a paráfrase para transpor em
prosa um texto em verso, desenvolvendo-o ou abreviando-o. Hoje, a pa-
ráfrase é o desenvolvimento explicativo, interpretativo, de um texto.
O termo é empregado para designar o desenvolvimento explicativo de
um texto, de uma expressão ou de outra palavra. Pode-se considerar a
paráfrase uma espécie de “tradução” dentro da própria língua – é, pois,
um texto que esclarece o conteúdo de outro, conservando as informações
essenciais do original.
Note que o conteúdo do texto parafraseado permanece. O que muda é
apenas a forma, o modo de dizer – mudam as palavras, mas se preservam
as informações do texto parafraseado.
Reiterando: paráfrase é citação do conteúdo do discurso alheio, mu-
dando-se as palavras, o estilo (vocabulário e estrutura de frase). Observar
que a paráfrase deve evidenciar o pleno entendimento do texto original.

Comunicação e Expressão / UA 08 Produção de Textos da Área Administrativa: Resumo, Resenha e Paráfrase 9


antena
parabólica
Utilize as técnicas que aprendeu nesta aula para praticar
a elaboração de fichas de leitura, resumos e paráfrases,
no contexto de seus trabalhos acadêmicos durante as
outras disciplinas e trabalhos que terá pela frente.

E agora, José?
Muito bem. Agora que você já domina as informações
e técnicas de apropriação de outros textos pelas mo-
dalidades estudadas nesta unidade (resenha, resumo e
paráfrase), você poderá conhecer textos da área admi-
nistrativa que demandam o domínio prévio dessas téc-
nicas. Nas próximas aulas, você terá contato com tais
textos, para desempenhar da melhor maneira possível
suas atividades profissionais nas corporações em que
vier a atuar. Bons estudos!
Glossário
Artigo: texto que constitui uma unidade numa Monografia: trabalho escrito acerca de um de-
publicação; texto de caráter científico ou terminado assunto.
tecnológico para publicação em livros, revis- Tese: denominação da monografia produzida no
tas, anais de congressos etc. final de cursos de pós-graduação, a qual o
Dissertação: neste contexto, denominação da aluno tem de defender diante de uma banca
monografia produzida no final de cursos de para obter o título de Doutor.
pós-graduação, a qual o aluno tem de de-
fender diante de uma banca para obter o
título de Mestre.

Referências
ANDRADE, M. L. O. R
 esenha. São Paulo: Paulis- GARCIA, O. M. C
 omunicação em prosa moder-
tana, 2006. na. 18a ed. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. LEITE, M. Q. R
 esumo. São Paulo: Paulistana,
Resumos. NBR 6028/2002. Rio de Janeiro. 2006.

Comunicação e Expressão / UA 08 Produção de Textos da Área Administrativa: Resumo, Resenha e Paráfrase 11


9
comunicação e expressão
Correspondência
Organizacional: Carta
Comercial, Ata e E-mail

Objetivos da Unidade de aprendizagem


Ao final da aula o aluno deverá ser capaz de distinguir
as várias formas de comunicação organizacional e suas
situações de uso.

Competências
Conhecimento e capacidade de utilização das várias for-
mas de comunicação organizacional como ferramenta
estratégica nas relações profissionais.

Habilidades
Compreender a importância da comunicação nas organi-
zações, saber utilizar as diferentes formas da comunica-
ção organizacional para o marketing pessoal, networking
negociação e gerenciamento de conflitos.
Apresentação
Nesta aula, você conhecerá a importância da comunica-
ção nas organizações. Além disso, aprenderá a utilizar as
diferentes formas da comunicação organizacional para
o marketing pessoal, networking negociação e gerencia-
mento de conflitos.

Para Começar
Você já percebeu como uma pequena falha no proces-
so de comunicação dentro de uma empresa pode gerar
consequências desastrosas?
Embora, muitas vezes, pareça irrelevante, o modo
como o processo de comunicação organizacional é ad-
ministrado está diretamente relacionado com o padrão
de eficácia de uma empresa, sendo fundamental para
que se alcancem as metas relacionadas à produtividade
e à longevidade.
Por isso, neste capítulo aprenderemos o que é comu-
nicação organizacional e três dos principais documentos
desse tipo de comunicação: a carta comercial, a ata e o
e-mail. Vamos começar?

Fundamentos
A comunicação organizacional é a comunicação pratica-
da nas organizações para conduzir as ações e alcançar os
resultados desejados, sendo parte integrante da maioria
das atividades realizadas pelos colaboradores que nelas
atuam.
Esse tipo de comunicação pode ser utilizada nos am-
bientes internos e externos à organização. Internamente,
é usada entre funcionários e se caracteriza pela nature-
za administrativa e operacional, destinando-se a produ-
zir ações e provocar resultados. No ambiente externo,
caracteriza-se pela natureza administrativa e negocial, sendo praticada na
comunicação com clientes, fornecedores, concorrentes e quaisquer ou-
tras entidades com as quais a organização se relaciona.
A comunicação organizacional praticada no ambiente interno das em-
presas é responsável por manter a união e a coesão dos recursos huma-
nos em torno das atividades produtivas e na direção das metas estabele-
cidas (MACHADO NETO, 2003).

Conceito
A comunicação organizacional compreende um conjunto de
atividades, ações, estratégias, produtos e processos desen-
volvidos para criar e manter a imagem de uma organização
junto aos seus públicos de interesse.

Carta, Ata e E-mail


A carta comercial, a ata e o e-mail são três dos principais documentos
utilizados na comunicação empresarial. A opção por um desses documen-
tos depende do objetivo da mensagem e de seu destinatário, conforme
veremos a seguir.

1. Carta Comercial
A carta comercial é um tipo de comunicação escrita endereçada a uma ou
várias pessoas com o objetivo de transmitir uma mensagem que seja facil-
mente compreendida e leve o receptor à ação. Portanto, deve ser escrita
em linguagem clara, simples, objetiva, concreta, correta e sua elaboração
deve obedecer a uma série de regras que regulamentam a confecção des-
se tipo de documento (MEDEIROS, 2001).

1.1 Formato
Quanto ao formato, a carta comercial deve seguir as seguintes orienta-
ções:

→→ Papel de 21 x 29,7 cm, ou 215,9 mm x 279,4 mm.


→→ O texto deve ser impresso em um só lado do papel.
→→ Margem direita: 2 cm; margem esquerda: 3 cm; margem superior:
2 cm; margem inferior: 2 cm.
→→ Espaço: 1 e ½. Entre os parágrafos, é costume duplicar esse espaço
interlinear.

Comunicação e Expressão / UA 09 Correspondência Organizacional: Carta Comercial, Ata e E-mail 4


→→ O vocativo de uma carta, a expressão utilizada para chamar o inter-
locutor, deve vir acompanhado de dois-pontos.

Tendo em vista a objetividade e a rapidez exigidas nos dias de hoje, é


fundamental que o texto prime pela clareza, pela apresentação das ideias
em uma sequência lógica e pelo vocabulário exato. Sendo assim, é impor-
tante que, antes de iniciar a redação, você:

→→ Tenha um objetivo em mente;


→→ Coloque-se no lugar de quem vai receber a carta;
→→ Tenha à disposição informações suficientes sobre o assunto a ser
tratado;
→→ Planeje a estrutura do texto, seu começo, meio e fim;
→→ Conheça o significado de todas as palavras utilizadas;
→→ Saiba tratar o assunto com propriedade, conhecendo-o profunda-
mente;
→→ Selecione fatos para usar como argumentos;
→→ Evite o uso de opiniões e julgamentos pessoais;
→→ Reflita adequada e suficientemente sobre o assunto;
→→ Seja natural, conciso e correto;
→→ Use linguagem de fácil compreensão;
→→ Responda a todas as perguntas que eventualmente tenham sido fei-
tas pelo destinatário.

Atenção
A linguagem empolada, rebuscada é causa, muitas vezes,
de obstáculo à comunicação. Portanto, o redator de cartas
comerciais deve optar por palavras conhecidas e formas sim-
ples para ser compreendido e obter uma resposta. Seu obje-
tivo é ser claro mais do que causar boa impressão.

Depois de redigir o texto, você deve considerá-lo como um rascunho que


deve ser lido e corrigido até se encontrar uma forma adequada e que seja
compreensível ao receptor.
Nesse processo de correção, vale atentar para alguns enganos costu-
meiros que devem ser evitados:

→→ Estilo: evitar vocabulário rebuscado, períodos excessivamente longos,


neologismos, estrangeirismos e frases de efeito (sobretudo latinas);

Comunicação e Expressão / UA 09 Correspondência Organizacional: Carta Comercial, Ata e E-mail 5


→→ Abreviações: sempre que possível, as abreviações devem ser evita-
das. Escreva por extenso;
→→ Frases feitas: são expressões desaconselháveis, porque são inúteis
como, por exemplo: venho por meio desta;
→→ Escrita de algarismos: o procedimento de digitar o número seguido
do numeral entre parênteses é inútil. Ou uma coisa ou outra, mas a
preferência é pelo número;
→→ Despedida: evitar expressões como não tenho nada mais para o mo-
mento, que se constitui uma obviedade;
→→ Pontuação: Deve-se colocar ponto final após local e data e dois-pon-
tos ou vírgula após a saudação inicial (Prezado Senhor:);
→→ Gramática: Devem-se evitar expressões como: Em anexo; Face à e
Pedimos para. Tais expressões devem ser substituídas, respectiva-
mente, por: Anexo(a); Em face de e Solicitamos que.

Veja, a seguir, um exemplo de uma carta comercial redigida como respos-


ta a uma consulta feita a uma empresa:

São Paulo, 20 de outubro de 2020.

Senhores:

Em atenção a sua consulta sobre imóveis industriais,


temos o prazer de anexar à presente relatório de alguns
imóveis que se acham à venda por intermédio de nosso
escritório.

Maiores esclarecimentos a respeito dos imóveis


relacionados poderão ser prestados pelo Sr. Fulano de Tal,
que está pronto para atendê-lo.

Queremos ainda frisar que as condições constantes no


relatório estão sujeitas a alterações sem aviso prévio.

Atenciosamente,

Sicrano de Tal,
Diretor.

Comunicação e Expressão / UA 09 Correspondência Organizacional: Carta Comercial, Ata e E-mail 6


2. Ata
A ata é um documento no qual se registra o que se passou em uma reu-
nião, assembleia ou convenção (MARTINS, 2000). Há dois tipos de ata: a
ordinária e a extraordinária.
A ata ordinária é aquela que resulta de reuniões estabelecidas em es-
tatutos ou convocadas com regularidade. A extraordinária ocorre fora das
datas costumeiramente previstas.
Como a ata é um documento de valor jurídico, sua elaboração deve
obedecer a algumas normas:

→→ Deve ser lavrada em livro próprio ou em folhas soltas de tal modo


que impossibilite a introdução de modificações;
→→ Quando lavrada em livro próprio, este deve conter um termo de
abertura e um termo de encerramento, assinados pela autoridade
máxima da entidade;
→→ Deve sintetizar de maneira clara e precisa as ocorrências verificadas
na sessão;
→→ Na ata do dia, são consignadas as alterações feitas à ata anterior;
→→ O texto, digitado ou manuscrito, não pode apresentar rasuras;
→→ O texto deve ser compacto, sem parágrafos ou com parágrafos nu-
merados, mas não se deve fazer uso de alíneas;
→→ Se manuscrito, nos casos de erros constatados no momento de redigi-
-la, emprega-se a partícula corretiva “digo”, retificando o pensamento;
→→ Quando o erro for notado após a redação de toda a ata, recorre-se
à expressão “em tempo”. Exemplo: Em tempo: na linha 10 onde se lê
“pote”, leia-se “bote”;
→→ Os números devem ser grafados por extenso e as abreviações de-
vem ser evitadas;
→→ Quando ocorrem emendas à ata ou alguma contestação oportuna, a
ata só será assinada após aprovadas as correções;
→→ A ata deve ser redigida por um secretário efetivo. No caso de sua
ausência nomeia-se outro secretário (ad hoc) designado para essa
ocasião;
→→ A ata deve ser assinada por todas as pessoas presentes à sessão ou,
quando deliberado, apenas pelo presidente e pelo secretário.

Comunicação e Expressão / UA 09 Correspondência Organizacional: Carta Comercial, Ata e E-mail 7


2.1 Termo de abertura

Contém este livro 100 (cem) folhas numeradas a máquina de 1

(um) a 100 (cem), por mim rubricadas, e se destina ao registro

das Atas das Reuniões da Diretoria da Sociedade ����, com sede,

nesta capital, na Rua _______________________________________, nº ������ .

A minha rubrica é a seguinte: ������������������������������������������

São Paulo, ____________ de ___________________ de ____________

Presidente: ����������������������������������������������������������������

��������������������������������(Assinatura)
����������������������������������������������

(Nome em letra de forma)

2.2 Termo de fechamento

Contém este livro 100 (cem) folhas numeradas a máquina de 1

(um) a 100 (cem), que, rubricadas pelo Presidente �����������������

_____________________________________ destinaram-se ao registro das

Atas das Reuniões da Diretoria da Sociedade �����������������������

_____________________________________ conforme se lê no Termo de

Abertura.

São Paulo, ____________ de ___________________ de ____________

Presidente: ����������������������������������������������������������������

��������������������������������(Assinatura)
����������������������������������������������

(Nome em letra de forma)

Devem constar de uma ata:

→→ Dia, mês, ano e hora da reunião (por extenso);


→→ Local da reunião;
→→ Declaração do presidente e do secretário;
→→ Ordem do dia;
→→ Fecho;
→→ Assinatura de presidente, secretário e participantes.

Comunicação e Expressão / UA 09 Correspondência Organizacional: Carta Comercial, Ata e E-mail 8


2.3 Modelo de Fecho

… Nada mais havendo a tratar, Fulano de Tal agradece a presença do Senhor X, do Senhor Y, das

demais autoridades presentes declara encerrada a reunião, da qual eu, ������������������������������,

Secretário em exercício, lavrei a presente ata, que vai assinada pelo Senhor Presidente e por mim.

São Paulo, ____________ de ___________________ de ____________

Fulano de Tal, Presidente.

Fulano de Tal, Secretário.

Veja, a seguir, um exemplo de ata:

ATA DA REUNIÃO DA DIRETORIA


RAZÃO SOCIAL: ��������������������������������������������������������������������������������������
CNPJ: ��������������������������������������������������������������������������������������������������

Aos _____________ ( ____ ) dias do mês de __________________ de 20____ , às ___________________


( ________ ) horas, na sede social, sita nesta capital, na rua _____________________________
________________ , nº _______ , reuniram-se os diretores de _______________________________
, sob a presidência do Sr. _________________________________________________________ , Diretor-
Administrativo, que convidou a mim, _________________________________________________________
, para secretariar a sessão. Abrindo os trabalhos, o Sr. Presidente fez ampla exposição
da situação da sociedade e da necessidade de ampliar as suas atividades e aparelhar-
se para melhor atender ao seu crescente desenvolvimento, dizendo da necessidade
de instalar-se uma filial na cidade de ______________________________________. Com a palavra, o
Sr. _________________________________________________________ , Diretor-Comercial, tendo por base
a exposição do Sr. Presidente, propôs que se abrisse uma filial no ________________________
______________ , já estando a Diretoria em entendimentos para a locação do prédio onde
irá funcionar a referida filial, o de nº _______ da rua __________________________________________ ,
tudo conforme proposta já apresentada e em poder da mesa, sugerindo e propondo
também que se atribuísse o capital de R$ __________________ ( ____________________________
_____________________________ reais) para a filial. Posta em discussão a proposta, sobre a
mesma falou o Sr. _________________________________________________________ , Diretor-Financeiro
da sociedade, apoiando-a e fazendo sentir à Diretoria que o assunto era de caráter
urgente, pois a expansão da sociedade estava a exigir medidas concretas e urgentes
para o seu desenvolvimento. Posta em votação a proposta do Sr. ________________________
_________________________________ , foi ela aprovada por unanimidade. Nada mais havendo a
tratar, o Sr. Presidente suspendeu os trabalhos pelo tempo necessário para a lavratura
desta ata. Reabertos os trabalhos, foi esta ata lida e, achada conforme, aprovada por
todos os presentes.

_________________________________________________, ___________de __________________ de ___________

_________________________________________________ (Diretor Administrativo)


_________________________________________________ (Diretor Comercial)

Comunicação e Expressão / UA 09 Correspondência Organizacional: Carta Comercial, Ata e E-mail 9


3. E-mail (Mensagens Eletrônicas)
E-mail é um método que permite compor, enviar e receber mensagens
por meio de sistemas eletrônicos de comunicação. O termo e-mail é apli-
cado tanto aos sistemas que utilizam a Internet, como àqueles sistemas
conhecidos como intranets, que permitem a troca de mensagens dentro
de uma empresa ou organização.
Por ser um veículo de comunicação relativamente novo nas organi-
zações, sua linguagem adequada ainda não possui regras ou princípios
estabelecidos. Isso faz com que poucas organizações se preocupem em
normalizar o uso desse veículo de comunicação. O resultado é que a co-
municação por correio eletrônico vem sendo feita, muitas vezes, de forma
desordenada e desestruturada, causando sérios prejuízos à imagem das
organizações e seus colaboradores (MEDEIROS, 2001).
Tendo isso em vista, são apresentadas a seguir algumas orientações
que devem guiar a elaboração de uma mensagem eletrônica.

→→ Tenha foco: o mais importante é saber o que se tem a comunicar e


qual o objetivo;
→→ Considere o nível de conhecimento de seu interlocutor: saiba
que incorreções na escrita podem trazer sérios prejuízos a você, pois
transmitem uma imagem ruim de sua pessoa;
→→ Linguagem: utilize uma linguagem coloquial, mas respeitosa e gentil;
→→ Priorize a objetividade: quanto mais curta uma mensagem melhor
ela é, evitando-se o risco de ser obscuro, repetitivo e irrelevante. Se
a mensagem ultrapassar o limite de três parágrafos, seu veículo ade-
quado não é o e-mail, mas uma carta;
→→ E-mail para alguém de um nível hierárquico superior ao seu: seja
breve e diga apenas o necessário, sem formalismo, mas com res-
peito e polidez. Em geral, essa comunicação é feita para comunicar
ações já realizadas e seus resultados. Se precisar de mais do que
dois parágrafos para redigi-la, cuidado! Você corre o risco de estar
comunicando o que interessa a você e não ao seu leitor;
→→ E-mail para alguém de um nível hierárquico igual ao seu: vá dire-
to ao ponto. Quanto mais objetivo e direto, melhor. Tome cuidado
apenas para não parecer impositivo e formal em demasia;
→→ E-mail para alguém de um nível hierárquico inferior ao seu: nes-
se caso a dica também é ser breve e dizer apenas o necessário, sem
formalismo, mas com respeito e polidez. Geralmente, essa comuni-
cação é feita para solicitar informações ou orientar subordinados
sobre ações em andamento. Se o texto precisar de mais de dois

Comunicação e Expressão / UA 09 Correspondência Organizacional: Carta Comercial, Ata e E-mail 10


parágrafos para ser escrito, faça um memorando ou uma circular e
envie como Anexo;
→→ Estrutura: o texto deve apresentar um assunto, ter um vocativo
(saudação inicial), a mensagem propriamente dita, uma despedida
respeitosa e assinatura (nome do remetente);
→→ Clareza: a mensagem não pode ser excessivamente aberta, com ter-
mos imprecisos, como semana que vem, depois do feriado, final do
mês, de manhã etc. Substitua todas as expressões que você perceber
que podem gerar dúvidas;
→→ Formatação: evite o excesso de destaque, como o uso de letras
maiúsculas, itálico, sublinhado, negrito, aspas, fontes coloridas e
outros recursos que podem ofuscar o objetivo da mensagem.

Comunicação e Expressão / UA 09 Correspondência Organizacional: Carta Comercial, Ata e E-mail 11


antena
parabólica
O mau uso dos meios de comunicação empresarial pode
acarretar sérios problemas para as organizações e seus
colaboradores. Como profissional você estará sujeito a
cometer essas falhas e dependendo do grau do proble-
ma ocasionado pode gerar até demissões por justa cau-
sa, para evitar que isso ocorra, seja cuidadoso, atencioso
e tenha bom senso ao se comunicar em seu trabalho.

E agora, José?
Agora que você já sabe o que é comunicação organiza-
cional e como se escrevem cartas comerciais, e-mails e
atas, chegou a hora de aprender outros tipos de docu-
mentos utilizados nas organizações. Para tanto, na pró-
xima aula, você aprenderá a produzir também Relatórios
e Pareceres.
Até a próxima aula!
Glossário
Rebuscado: bastante aprimorado; esmerado, Memorando: mensagem escrita, breve e infor-
requintado. mal, usada como instrumento de comunica-
Neologismo: emprego de palavras novas, deri- ção administrativa, em impresso apropriado,
vadas ou formadas de outras já existentes, geralmente em correspondência interna nas
na mesma língua ou não. organizações.
Estrangeirismo: palavra ou expressão estran- Circular: comunicação escrita de interesse co-
geira. mum, que é reproduzida em vários exem-
Alínea: primeira linha de um novo parágrafo. plares e transmitida a diferentes pessoas ou
Ad hoc: pessoa designada, nomeada para exe- entidades.
cutar determinada tarefa.

Referências
MACHADO NETO, O. Competência em comu- MARTINS, D. S.; ZILBERKNOP, L. S. Português
nicação organizacional escrita: o manu- instrumental. 21. ed. Porto Alegre: Sagra
al da comunicação escrita utilizada nas Luzzatto, 2000.
empresas: novas técnicas, parâmetros e MEDEIROS, J. B. Correspondência: técnica de
princípios para o planejamento e a pro- comunicação criativa. 14a ed. São Paulo:
dução da comunicação escrita na ativi- Atlas, 2001.
dade profissional. Rio de Janeiro: Quality-
mark, 2003.

Comunicação e Expressão / UA 09 Correspondência Organizacional: Carta Comercial, Ata e E-mail 13


10
comunicação e expressão
Correspondência
Organizacional:
Relatório, Parecer,
Proposta e Projeto

Objetivos da Unidade de aprendizagem


Ao final da aula o aluno deverá ser capaz de distinguir
as várias formas de comunicação organizacional e suas
situações de uso.

Competências
Conhecimento e capacidade de utilização das várias for-
mas de comunicação organizacional como ferramenta
estratégica nas relações profissionais.

Habilidades
Compreender a importância da comunicação nas
Organizações e saber utilizar as diferentes formas da
comunicação organizacional para o marketing pessoal,
networking, negociação e gerenciamento de conflitos.
Transformar conjuntos de ideias em textos realistas e
consequentes.
Apresentação
Gestores escrevem bastante, mas habilidades e compe-
tências na comunicação e na expressão escrita são tes-
tadas e exercidas ao máximo na redação de documentos
organizacionais.
Nesta aula, você aprenderá as várias formas de comu-
nicação organizacional e suas situações de uso. Apren-
derá ainda a elaborar Relatórios, Pareceres, Propostas
e Projetos, documentos que podem ser utilizados como
ferramentas estratégicas nas relações organizacionais. A
redação desses tipos de documentos deve ser concisa,
organizada e clara. Em relação à elaboração de Proposta
ou de Projeto é indispensável, por exemplo, situar esses
documentos em um contexto sem despender mais que
algumas frases. Esta aula mostra algumas técnicas en-
volvidas nessa redação e fornece roteiros básicos.

Para Começar
Você já parou para pensar em quantas pessoas altamen-
te qualificadas estão desempregadas nos dias de hoje?
Com a grande oferta de mão de obra em algumas áreas,
hoje é comum os funcionários serem selecionados pela
demonstração de sua competência mais do que por um
currículo extenso.
Na área administrativa, uma das competências mais
exigidas na contratação de um funcionário corresponde
à sua capacidade de comunicação por meio da utilização
da correspondência organizacional. Depois de estudar-
mos a carta, a ata e o e-mail, chegou a hora de reconhe-
cer e de aprender a elaborar outros documentos igual-
mente importantes: o Relatório, o Parecer, a Proposta e
o Projeto. Vamos começar?
Fundamentos
Entre as características exigidas dos documentos que fazem parte da cor-
respondência organizacional estão a clareza e a brevidade.
Tão importante quanto a clareza e a brevidade são o respeito e a poli-
dez ao se relacionar com seus colegas de trabalho. Portanto, essas serão
também características exigidas ao se elaborarem Relatórios e Pareceres,
documentos que têm em comum o fato de apresentarem uma visão bas-
tante pessoal dos fatos relatados.

Conceito
Relatório é uma exposição minuciosa dos fatos colhidos por
meio da observação de uma determinada situação.
Parecer é a opinião dada por alguém acerca de determi-
nado assunto.

1 Relatório
O Relatório é um documento por meio do qual se expõe um ou vários
fatos, em que se discriminam seus aspectos e elementos. É, geralmente,
dirigido ao superior hierárquico e dele consta exposição circunstanciada
sobre atividades em função do cargo que exerce o relator.
Depois de lido e examinado, esse documento é arquivado. Desse
modo, ele constitui-se um documento importante, disponível, a qualquer
tempo, para consulta da organização. Decorre daí a necessidade de as
pessoas encarregadas de sua elaboração aprimorarem ao máximo sua
execução, obedecendo a algumas normas básicas que darão coerência ao
documento, tornando-o claro, fácil de ser consultado e substancial (MAR-
TINS, 2000).

1.1 Normas para elaboração de um Relatório

→→ Questões essenciais: antes de redigir o Relatório, o autor deve ela-


borar um esquema, respondendo às seguintes questões: O quê? Por
quê? Quem? Onde? Quando? Como? Quanto? E daí?
→→ Extensão: a extensão do relatório vai depender da importância dos
fatos relatados. No entanto, sempre que possível, convém evitar a
elaboração de documentos muito longos, pressupondo que ele é
feito exatamente para economizar o tempo da pessoa que o lê.

Comunicação e Expressão / UA 10 Correspondência Organizacional: Relatório, Parecer, Proposta e Projeto 4


→→ Formato: deve-se usar, preferencialmente, papel com as seguintes di-
mensões: 21 x 29,7 cm. A impressão deve ser feita de um só lado do
papel. As margens superiores e inferiores deverão ter 2,5 cm; à esquer-
da, 4 a 4,5 cm, para permitir a perfuração e a colocação em pastas, e,
à direita, 2 cm. O título deverá ser grafado sempre em letra maiúscula.
→→ Linguagem: sem omitir qualquer dado importante, a linguagem
deve ser objetiva, despojada, precisa, clara e concisa.
→→ Redação: o documento deve ser redigido de modo simples, com boa
pontuação e ortografia padrão.
→→ Objetividade: deve-se evitar, ao redigir o documento, a utilização
de rodeios, floreios de linguagem e literatices, pois sua qualidade
essencial deve ser a clareza.
→→ Exatidão: as informações devem ser precisas, não deixando quais-
quer dúvidas quanto aos dados apresentados.

1.2 Partes de um Relatório


Uma sugestão para a montagem de um relatório é dividi-lo nas seguintes
partes (MACHADO NETO, 2003):

→→ Título: sintético e objetivo, deve dar uma ideia do todo;


→→ Objeto: introdução ao problema, objetivo do trabalho;
→→ Delimitação: mencionar o que deixou de ser abordado e por quê;
→→ Referências: fontes de consulta;
→→ Texto principal: observações, dados, números, comentários;
→→ Conclusões: resumo, resultados e constatações;
→→ Sugestões: providências recomendadas.

1.3 Tipos de Relatório


Relatórios Organizacionais podem ser basicamente de dois tipos: Relató-
rios Gerenciais e Relatórios de Projetos.

1.3.1 Relatórios Gerenciais


Os Relatórios Gerenciais são diretos, concisos, objetivos e podem conter
uma recomendação ou uma conclusão. São apresentados a seguir quatro
tipos mais comuns de Relatórios Gerenciais: situacional, de reunião, de
auditoria e de viagem.

Comunicação e Expressão / UA 10 Correspondência Organizacional: Relatório, Parecer, Proposta e Projeto 5


1.3.2 Relatório Situacional (status report)

→→ Descrição: documento de caráter informativo que descreve o que


ocorreu em um determinado período, em relação a uma ou mais
ações, projeto, tarefa ou atividade, de rotina ou especial.
→→ Estrutura:

→→ Abertura: resumo da situação anterior, o que deveria acontecer


no período e por quê.
→→ Corpo: o que foi realizado e por quê.
→→ Fechamento: o que aconteceu e como está agora; em que fase se
encontra; quais foram os resultados alcançados; o que falta alcan-
çar; qual é o prognóstico em relação ao alcance da meta fixada.

1.3.3 Relatório de Reunião

→→ Descrição: documento de caráter informativo que descreve o resulta-


do de uma reunião, o que foi discutido, definido e os próximos passos.
→→ Estrutura:

→→ Abertura: a finalidade da reunião e sua pauta;


→→ Corpo: o que foi decidido para cada item da pauta; quais os res-
ponsáveis designados para conduzir as ações e os prazos estabe-
lecidos; quais os resultados esperados;
→→ Fechamento: próximos passos para que se alcance o resultado.

1.3.4 Relatório de Auditoria ou Inspetoria

→→ Descrição: documento que detalha os trabalhos de verificação rea-


lizados para avaliar se operações, processos e procedimentos estão
em conformidade com normas, regulamentos e políticas.
→→ Estrutura:

→→ Abertura: a finalidade do relatório;


→→ Corpo: o que foi verificado em relação a cada item e o que foi
encontrado;
→→ Fechamento: as conclusões específicas do auditor sobre suas
verificações, os responsáveis por efetuar correções e os prazos
alocados a cada um.

Comunicação e Expressão / UA 10 Correspondência Organizacional: Relatório, Parecer, Proposta e Projeto 6


1.3.5 Relatório de Viagem

→→ Descrição: documento de caráter informativo que descreve os acon-


tecimentos principais de uma viagem de trabalho.
→→ Estrutura:

→→ Abertura: finalidade da viagem e o programa de trabalho;


→→ Corpo: o que foi realizado em relação a cada item do programa e
os resultados alcançados;
→→ Fechamento: conclusões gerais, eventuais responsáveis por
conduzir as ações e os prazos estabelecidos para isso, os próxi-
mos passos para que se alcancem os resultados que motivaram
a viagem.

→→ Processo de produção do corpo do relatório gerencial

→→ 1º parágrafo: deve ser iniciado com um período com frases posi-


tivas e polidas sobre a empresa. Isso demonstra reconhecimento
e favorece a recepção da mensagem.
→→ 2º parágrafo: é constituído por dois até quatro períodos sobre o
problema ou a situação que originou o relatório, descrevendo-o
resumidamente.
→→ 3º parágrafo: é a descrição do objetivo do relatório. A frase inicial
deve ser “O objetivo deste relatório é...”.
→→ 4º parágrafo: aborda os principais aspectos ligados ao problema
ou situação. Contém exemplos explicações, testemunhos, compa-
rações e contrastes, dados e fatos e, principalmente, os resulta-
dos provocados pelo problema ou situação. Ao citar cada aspecto,
o redator deve sempre procurar comprová-lo, o que pode ser fei-
to com quadros, gráficos, tabelas etc.
→→ 5º parágrafo: é reservado às recomendações. A frase que inicia o
período é “O Relatório recomenda que...”. O texto que o completa
explica as razões que justificam a recomendação.

1.3.6 Relatórios de Projetos


Diferentes dos Relatórios Gerenciais, os Relatórios de Projetos são instru-
mentos de controle da alta administração. São longos, descrevem por-
menorizadamente uma situação ou um problema e oferecem ao leitor
todos os aspectos relacionados sob a forma de informações e ideias. Po-
dem ser Reativos quando oferecem uma recomendação para a solução
do problema ou situação. Podem ser Conclusivos quando diagnosticam

Comunicação e Expressão / UA 10 Correspondência Organizacional: Relatório, Parecer, Proposta e Projeto 7


determinada situação ou problema e oferecem conclusões. Geralmente,
são utilizados por consultorias profissionais.
Os Relatórios de Projetos são redigidos em uma ordem diferente: pri-
meiro a parte intermediária, o corpo; depois a parte final, o fechamento;
por último, a parte inicial, a abertura.
O corpo é redigido primeiro porque é a parte na qual o redator insere
e desenvolve as ideias e informações que constituem o assunto-chave do
relatório e porque é a parte mais árdua e mais trabalhosa do relatório,
exigindo mais tempo e raciocínio.

→→ Estrutura
O Relatório de Projetos é estruturado em seis segmentos, chamados seções:

a. Seção do Problema ou Situação: é a primeira a ser redigida.

i. Deve ser iniciada por um título interessante e esclarecedor so-


bre o problema ou situação (onde surgiu, como surgiu, por que
surgiu, o que afetou ou está afetando).
ii. Após o título, deve-se descrever o problema ou situação deta-
lhadamente.
iii. Terminada a descrição, devem-se abordar em detalhes os as-
pectos ligados ao problema ou à situação, utilizando-se exem-
plos, explicações, testemunhos, comparações etc.
iv. Ao final dessa seção, deve-se encerrar com a descrição dos re-
sultados provocados pelo problema ou situação.

b. Seção da Solução: é a segunda a ser redigida.

i. Deve ter um título interessante e esclarecedor sobre o caminho


da solução apresentada.
ii. O primeiro período dessa seção deve mostrar de onde surgiu a
solução, como surgiu e o que ela fará em benefício da solução
do problema.
iii. Após esse período deve-se descrever a solução em detalhes,
antecipando todas as objeções e respondendo a todas as per-
guntas que o leitor possa fazer.
iv. Ao final dessa seção, deve-se encerrar descrevendo cada um
dos benefícios que serão alcançados. Tais benefícios devem ser
redigidos na ordem do mais para o menos importante, sempre
apoiados com o seu porquê.

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c. Seção da Introdução: é o início do corpo do relatório e a terceira
parte a ser redigida.

i. Deve ser curta, tendo, no máximo, três parágrafos.


ii. O texto deve esclarecer o assunto ao leitor, por meio de um
breve histórico sobre o que originou o problema.

d. Fechamento: quarta parte a ser redigida

i. Deve colocar em evidência os principais pontos descritos no


corpo do relatório.
ii. Deve listar os principais pontos do problema e, em seguida, os
pontos da solução
iii. A conclusão deve ser redigida em um único parágrafo.

e. Recomendações: é a quinta parte a ser redigida.

i. Deve dizer claramente ao leitor o que deve ser feito.


ii. Deve ser escrito de maneira afirmativa para não deixar dúvidas.
iii. Seus períodos devem começar com verbos no infinitivo (reali-
zar, crescer, mudar etc).
iv. As recomendações devem ser escritas em forma de lista.

f. Abertura: é a última parte a ser redigida e contém o sumário do


relatório.

i. Sumário: é composto por cinco parágrafos, obedecendo à estru-


tura do corpo do Relatório Gerencial apresentado anteriormente.

2. Parecer
Parecer é um documento que apresenta a análise de um caso, apontando
uma solução favorável ou contrária ao processo analisado. Enquanto uma
informação fornece os fatos, o Parecer os interpreta, indicando de forma
fundamentada, em dispositivos legais e informações diversas, a melhor
solução para o caso analisado.
É um procedimento administrativo que, por meio da análise e apresen-
tação de um ponto de vista fundamentado, esclarece dúvidas e emite a
opinião do parecerista acerca do problema que lhe coube analisar (ME-
DEIROS, 2001).

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Estrutura
O Parecer é composto pelas seguintes partes:

→→ Título: parecer, seguido do número de ordem, dia, mês e ano;


→→ Assunto: objeto de análise do parecerista;
→→ Contexto: exposição detalhada do assunto;
→→ Conclusão: ponto de vista do redator sobre o assunto analisado,
apresentando posicionamento favorável ou desfavorável;
→→ Fecho: data, assinatura e cargo do parecerista.

Lembre-se
Profissionais de empresas e organizações têm nos relatórios
e pareceres a oportunidade de demonstrar como conduzi-
ram as tarefas sob sua responsabilidade e quais foram os
resultados alcançados.

3. Proposta
Escrever no dia-a-dia dos trabalhos de uma empresa requer correção gra-
matical e ortográfica, coerência, coesão e estilo, isso sem falar em evi-
tar erros, como o “onde” que erradamente substitui qualquer pronome
relativo. Além disso, há técnicas específicas para produzir determinados
documentos. Entre eles, estão as Propostas – técnicas e comerciais – e os
Projetos.
Não é exagero dizer que o desembaraço em produzir esses tipos de
documentos vai aumentar de modo significativo seu valor de mercado:
propostas bem feitas, que expliquem de modo claro e agradável o que
está em oferta têm melhor chance de sucesso que textos confusos e que
demandam esclarecimentos; relatórios mal feitos podem colocar a perder
esforços de estudo e projetos tecnicamente bem feitos.
De todas as qualidades que propostas e projetos devem ter (além de
correção ortográfica e gramatical) uma se destaca: concisão, a economia
de termos. A preocupação com volume é legítima e mais adiante é mos-
trado como lidar com ela, mas a linguagem tanto de propostas como de
relatórios, deve ser enxuta, econômica. A prática dessa qualidade ajuda
todas as outras, como a exatidão e o estilo.
Em relação à elaboração de uma Proposta, imagine a situação:
Suponha que você trabalhe como consultor. Formou-se, é esperto e
aprendeu bastante. Conhece uma empresa que tem problemas em sua
administração e sabe que ela deve fazer. Você faz uma visita ao dono da

Comunicação e Expressão / UA 10 Correspondência Organizacional: Relatório, Parecer, Proposta e Projeto 10


empresa e consegue convencê-lo de que precisa de ajuda. Ele, então, so-
licita uma proposta.
O que ele quer? Elaborar uma proposta, embora ela tenha uma carta
de encaminhamento, é muito diferente de confeccionar uma carta.
Seu cliente em potencial quer saber:

a. Como você entendeu o problema;


b. O que, exatamente, você oferece;
c. Quais os resultados que ele pode esperar;
d. Quanto vai custar;
e. De que modo ele vai pagar.

Uma boa proposta é aquela que, sem desperdiçar palavras, aborda de


modo bem-sucedido todas essas questões. O item c é importante e deve
ser feito com cuidado, porque nem sempre é possível prometer resulta-
dos. Por exemplo, os funcionários de seu cliente podem não fazer o que
você sugeriu. Assim, no item b a proposta precisa explicar muito bem o
que sua empresa vai fazer, de modo a que seu cliente possa perceber que,
se fizer o prescrito, obterá os resultados que deseja.
Vamos, então, examinar como você deve desenvolver a proposta de
consultoria.
Em âmbito de empresa, uma proposta é a:

→→ Descrição de um fornecimento de produtos ou serviços;


→→ Apresentação das condições em que esse fornecimento será efetuado.

A importância do desenvolvimento de boas propostas dificilmente pode ser


exagerada: sem vender, a empresa não sobrevive; se vender mal, também
não. A proposta na maioria dos casos é o documento contratual de referên-
cia e não deve deixar dúvidas sobre escopo e condições de fornecimento.
A proposta, portanto deve ser:

→→ Bem escrita:
→→ Sem erros de ortografia ou gramática;
→→ Clara e sem margem a diferentes interpretações;
→→ Em estilo direto – deve-se evitar a voz passiva (que enfraquece
o texto) e o gerundismo (“vamos estar fazendo”), vício grave que
denota falta de compromisso.

→→ Concisa:
→→ Sem palavras desnecessárias e sem repetições.

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→→ Atraente:
→→ Graficamente bem feita e com realce aos méritos do produto ou
serviço.

A tabela a seguir mostra como o nível de compromisso é alterado de acor-


do com a maneira de dizer.

Tabela 1: Escala
quando a pessoa diz o que quer dizer nível de compromisso
de compromisso. Farei o que estiver
É uma questão de
Fonte: PAULA, 2008 ao meu alcance para Compromisso máximo.
honra para mim.
resolver seu problema.
A solução será dada
Resolverei seu problema. Compromisso forte.
em algum futuro.
Se tudo der certo,
Vou resolver seu problema. Garantia relativa.
eu resolvo.
Estarei resolvendo
Não conte com isso. Compromisso mínimo.
seu problema.

1.1 Proposta técnica e proposta comercial


Geralmente, as propostas se dividem em técnica, que descreve o que o
proponente quer fornecer e comercial, que basicamente fornece o cro-
nograma de desembolso pelo cliente. A proposta técnica consome maior
tempo de redação.

Dica
A preocupação com o volume da proposta é legítima – pro-
postas com poucas páginas podem dar a impressão de pou-
co esforço ao fazê-las. Para contornar esse problema sem
sacrificar a concisão do texto use anexos, figuras, tabelas e
textos ilustrativos.

1.2 Partes da proposta


A proposta basicamente consiste em:

→→ 1.2.1 Objetivo;
→→ 1.2.2 Sumário executivo;
→→ 1.2.3 Antecedentes;
→→ 1.2.4 Descrição do fornecimento;
→→ 1.2.5 Exclusões;

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→→ 1.2.6 Cronograma e prazo;
→→ 1.2.7 Proposta comercial.

Dependendo da proposta exclusões e sumário executivo são opcionais.

1.2.1 Objetivo (e escopo de serviço)


O objetivo deve mostrar concisamente a que a proposta se destina. No
caso da consultoria administrativa, você pode colocar:

→→ O objetivo desta proposta é apresentar detalhes e condições sobre os


serviços de consultoria em organização que a empresa X fornecerá à
empresa Y.

Uma variação muito usada em propostas de serviços é a colocação do


escopo de serviço (uma descrição precisa) junto com o objetivo. Para este
caso, o título da seção deve ser: objetivo e escopo de serviço. Por exemplo:

→→ O objetivo desta proposta é apresentar detalhes e condições sobre os


serviços de consultoria em organização que a empresa X fornecerá à
empresa Y. Esses serviços consistirão de:

→→ Definição das unidades de produção;


→→ Estudo dos métodos ora utilizados e sugestões de melhoria;
→→ Desenvolvimento de manuais detalhados;
→→ Treinamento de pessoal.

1.2.2 Sumário executivo


Em propostas longas, como em outros tipos de documentos, é interessan-
te colocar um sumário executivo imediatamente após o objetivo. O sumá-
rio executivo leva em conta o fato de que a pessoa responsável por decidir
sobre a liberação da verba ou sobre a proposta vencedora raramente tem
tempo para ler a proposta em sua inteireza.

1.2.3 Antecedentes
Os antecedentes são também chamados de background, palavra em in-
glês – é uma metáfora que significa “plano de fundo”. Os antecedentes
descrevem a situação que levou o cliente a querer contratar o serviço
ou produto.
Deve-se prestar muita atenção para não depreciar o cliente e mencio-
nar, por exemplo, melhorias em vez de solução de problemas. O back-
ground é uma descrição breve do contexto em que o fornecimento será

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realizado. Por exemplo, aquisição de maquinário para uma expansão. No
caso da consultoria mencionada, o background deve:

→→ Apontar os problemas mais notórios;


→→ Não usar adjetivos. Não escrever que um procedimento é ineficien-
te, mas apontar os problemas causados;
→→ Escrever que a empresa pode se beneficiar de uma consultoria que
aperfeiçoe os processos.

1.2.4 Descrição do fornecimento


A descrição do fornecimento deve se equilibrar entre duas necessidades
aparentemente opostas:

→→ Concisão, ou seja, economia de palavras e incentivo à clareza, que


fica comprometida quando há prolixidade;
→→ Inteireza: especificação de todos os dados para evitar que algo fique
fora da proposta.

Dica
Há necessidade de consistência. Não se pode, por exemplo,
escrever no objetivo que se oferecerá o quanto for necessá-
rio de treinamento de funcionários para, na descrição, incluir
que esse treinamento será de no máximo uma semana.

A descrição do fornecimento deve ser realizada em tópicos, com o uso de


diagramas onde for necessário. No caso da proposta de consultoria, veja
um exemplo extraído de empresa M&B Consultoria:

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1. Exemplo cedido Os serviços serão efetuados segundo os tópicos descritos a seguir1.
pela empresa M&B
Consultoria S/C Ltda.
a. Processos:

→→ Identificação dos processos;


→→ Levantamento dos procedimentos relativos a cada processo;
→→ Fluxograma detalhado de cada processo, contendo as etapas e
ligações entre elas, como no exemplo a seguir, que trata de rece-
bimento de mercadorias:

Administração
envia

Pedido de material

Analisa pedido Envia N.F. e


de material para Pedido de
Ok? Sim
esperar fornecedor material para
balcão

Não
Pedido de
material
Arquiva Problemas possíveis N.F. 2ª via

Produto N.F. 1ª via


faltando;
Recebe caminhão do
Produto errado;
fornecedor e pega
Caixas abertas
as N.F.
ou estragadas

N.F. 2ª via Produto a mais


ou sem prazo de
N.F. 1ª via validade

Anexa ao respectivo Relatar eventuais Processo


pedido de material problemas. de reposição e
Ok estocagem

Pedido de
material
N.F. 2ª via

N.F. 1ª via

Orienta local para


descarregar material

Verifica se N.F. e
materiais conferem

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b. Identificação de problemas:

→→ Gargalos;
→→ Perdas de informação;
→→ Trabalhos duplicados.

c. Soluções:

→→ Automação de processos;
→→ Escolha de softwares;
→→ Entradas e saídas de cada módulo automatizado;
→→ Novos fluxogramas.

d. Instruções e treinamento:

→→ Manual de instruções;
→→ Treinamento de até 5 funcionários, com a duração de 15 horas.

Note que a descrição dos serviços poderia ser sucinta, conforme o que
verá no quadro seguinte:

Os serviços incluirão:

a. Identificação e investigação de processos;


b. Descrição das soluções;
c. Manual e treinamento.

Essa segunda descrição não está errada, mas proporciona multiplicidade


de interpretações. Certamente causaria problemas, porque o cliente po-
deria entender diferentemente do fornecedor a respeito do que seja, por
exemplo, investigação de processos. Poderia pensar que o treinamento
incluiria a presença do fornecedor até que os funcionários do cliente se
declarassem satisfeitos, o que deixaria o fornecedor à mercê do humor
dos funcionários. Em outras palavras, a descrição precisa ser muito clara,
com o maior detalhe possível.

Comunicação e Expressão / UA 10 Correspondência Organizacional: Relatório, Parecer, Proposta e Projeto 16


Conceito
A descrição do fornecimento deve ser detalhada de modo a
não deixar dúvidas sobre o que está sendo oferecido.

1.2.5 Exclusões
Sempre que houver possibilidade de dúvidas em relação ao escopo de
serviço, deve-se mostrar claramente o que não faz parte dele.
No caso-exemplo da consultoria, as exclusões seriam:

→→ Fornecimento de software;
→→ Treinamento para mais de 5 pessoas e/ou além de 15 horas.

1.2.6 Cronograma e prazo


Em propostas simples, com fornecimentos de pequeno porte, basta mos-
trar o prazo. Em trabalhos de maior complexidade, coloca-se um crono-
grama com as etapas e prazo de cada uma.
Existem programas especializados que é possível construir planilhas
bem detalhadas, mas é possível que elas sejam criadas também em for-
mato de tabelas mais simplificas em qualquer editor de texto.
A proposta comercial, conforme mencionado, consiste basicamente em
um cronograma de desembolso.
O desembolso é baseado em eventos. É comum haver um pagamento
inicial de 10% do valor. Sempre existe uma retenção, ou seja, o final do
pagamento sempre se dá com a conclusão do fornecimento.

1.3 Cartas de encaminhamento


As propostas são sempre acompanhadas de uma carta de encaminha-
mento. Os termos são simples e a carta costuma ter dois ou três pará-
grafos. O corpo dessa carta simplesmente diz que determinada proposta
para fornecimento do produto ou serviço está sendo encaminhada. In-
forma também qual o fornecimento. É comum que o último parágrafo
expresse confiança em que a proposta atenderá aos objetivos do cliente.

1.4 Cartas-proposta
A carta-proposta costuma ser utilizada para trabalhos de pequeno porte.
Combina a carta de encaminhamento e a proposta propriamente dita
em um único documento. O número máximo de páginas se situa em
torno de 10.

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2. M&B Consultoria A seguir, um exemplo2:
S/C Ltda.

À
Smart SLG Comércio de Sistemas de Automação Ltda
Av. Luis Carlos Prestes, 410 sl 307 - Barra da Tijuca
22775-050 Rio de Janeiro, RJ

At.: Eng. Norberto Maresca


Assunto: Proposta técnica e comercial

Cachoeira Paulista, 1º de dezembro de 2005


Prezado Eng. Norberto:
É com satisfação que lhe enviamos nossa proposta técnica e comercial para execução de telas para um
sistema supervisório em uso em uma indústria farmacêutica.
Temos certeza de poder executar um bom serviço. Segue o texto da proposta.

Objetivo
Esta proposta se destina a apresentar as condições de fornecimento de telas para efetuar a Interface
Homem-Máquina de um sistema supervisório para ar condicionado em uma indústria farmacêutica.

Antecedentes
Em uma indústria farmacêutica, o sistema de ar condicionado é muito importante, por assegurar, além
do conforto aos técnicos e engenheiros, temperatura e umidade adequadas ao processamento de
medicamentos e ausência de contaminação no ar. Na fábrica de vacinas da Fundação Oswaldo Cruz o
ar condicionado é controlado através de um sistema de telas gráficas, que necessita ter figuras e layout
melhorado.

Escopo de serviço
O escopo de serviço está no aprimoramento de telas existentes e confecção de novas telas conforme
padrões fornecidos pelo cliente, e em conformidade com a norma ASM, incluindo cores e layout. O limite do
número de telas para este escopo é de 25, entre aprimoradas e originais.
Se desejado, poderão ser também efetuados os links com o banco de dados, bastando para tal que
sejam fornecidas as instruções, documentada ou verbalmente.

Coordenação e prazos
O serviço será executado conforme as seguintes etapas:
d. Reunião com o cliente e com o usuário, definindo o objetivo e características das telas;
e. Entrega pelo cliente da lista de telas, com a tela correspondente a aperfeiçoar ou descrição de
variáveis e instruções gerais de layout para as telas novas.
f. Entrega, em 20 dias corridos, de até 25 telas prontas, para comentários do cliente.
g. Ajustes, se houver, em até 5 dias.
Durante a execução, haverá uma ou mais reuniões com o cliente e/ou o usuário, para resolução de dúvidas
e tomadas de decisão sobre alternativas que venham a surgir.

Remuneração
A remuneração será de R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais), aí incluídos os serviços e todas as despesas,
inclusive de viagem.
Os pagamentos estarão assim distribuídos:
→→ Início dos serviços: 10%
→→ Entrega e aceitação final dos trabalhos: 90%

3. Reunião de kickoff O serviço poderá ser iniciado imediatamente. Em V. Sª assim desejando, poderá marcar a reunião de kickoff 3
no Rio ou em S. Paulo.
é a reunião de início
dos trabalhos, Com cordiais saudações,
menção comum em
______________________________________________________
propostas de serviços. Luiz Eduardo Pedregal
M&B Consultoria

Comunicação e Expressão / UA 10 Correspondência Organizacional: Relatório, Parecer, Proposta e Projeto 18


1.5 A revisão final
Em tudo o que se escreve e particularmente em propostas, deve ser feita
uma revisão final do texto. Quase sempre se descobrem erros durante
essas revisões.

2. Projetos
O que você pensa que seja um projeto?
Você de algum modo sabe, pois projetos fazem parte do cotidiano.
Quando a mãe de uma criança, por exemplo, prepara uma festa de ani-
versário, ela desenvolve um projeto. Pode ser até que não esteja conscien-
te disso, mesmo que capriche como a autora do bolo.
Um projeto é um empreendimento:

→→ Não repetitivo;
→→ Caracterizado por uma sequência clara e lógica de eventos;
→→ Com início, meio e fim;
→→ Dotado de objetivo claro e definido;
→→ Conduzido por pessoas dentro de parâmetros predefinidos de tem-
po, recursos e qualidade.

O diálogo a seguir mostra o que acontece quando as coisas não estão


bem estabelecidas.

Chefe: Valdir, temos um novo projeto para nos empenhar e você será o
responsável.
Funcionário: Muito bom, e quem eu devo comandar?
Chefe: Não se preocupe que eu faço isso.
Funcionário: Quanto eu tenho disponível para investir no projeto?

Comunicação e Expressão / UA 10 Correspondência Organizacional: Relatório, Parecer, Proposta e Projeto 19


Chefe: Hum, bem eu vou ter que aprovar todas as despesas.
Funcionário: Está bem, vou começar a traçar o projeto então.
Chefe: Fique tranquilo, isto já está predefinido na minha cabeça.
Funcionário: Uma pergunta, caso algo dê errado quem responderá pelo
projeto?
Chefe: Bem, você está responsável pelo projeto.

Existem duas acepções comumente usadas para projeto. A primeira trata


do projeto propriamente dito. Por exemplo, a elaboração do conjunto de
documentos e desenhos que orientam a construção de uma usina hidre-
létrica. A segunda define o resultado do projeto, no caso a hidrelétrica
construída, como na frase “Itaipu é um projeto monumental”.
Aqui não trataremos do projeto como resultado, mas como um em-
preendimento que se destina a atingir um objetivo. Os exercícios serão
pequenos projetos de pesquisa. Nas empresas e em administração, esse
tipo de atividade é muito comum e será importante, para sua atuação
como profissional de gestão, saber desenvolver e apresentar resultados
de uma investigação.
Um bom projeto se define por um encadeamento lógico das seguintes
etapas, que devem ser bem definidas:

→→ Formulação precisa do problema a resolver;


→→ Estrutura bem organizada, incluindo os tópicos discutidos mais
adiante.

Como no caso da proposta (e, na verdade de qualquer texto) certas quali-


dades devem ser observadas tais como linguagem correta e adequada, sem
erros de ortografia ou gramática, linguagem clara e sem margem a diferen-
tes interpretações e estilo direto – aquele que escreve precisa evitar duas
construções que enfraquecem o texto: a voz passiva e o gerúndio.
Quem apresenta o projeto deve adicionar cuidados com estrutura, for-
mato e linguagem concisão.

2.1 Partes de um projeto


A apresentação de um projeto é subdividida em:

2.1.1. Objetivo;
2.1.2. Sumário Executivo;
2.1.3. Antecedentes;
2.1.4. Desenvolvimento;

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2.1.5. Resultados;
2.1.6. Conclusão;
2.1.7. Documentação.

Dependendo da proposta é aconselhável confeccionar um sumário exe-


cutivo.

Conceito
A apresentação de um projeto em uma empresa tem dife-
renças importantes em relação a um projeto acadêmico.

2.1.1 Objetivo
O objetivo é a formulação do problema. Deve ser escrito com brevidade.
Por exemplo:

→→ O objetivo deste estudo é formular um conjunto de procedimentos


para o setor de compras da empresa X.

Como se pode perceber, não parece necessário escrever nenhuma outra


palavra para definir a que o estudo se propõe.

2.1.2 Sumário Executivo


É muito frequente que o responsável pela decisão, por exemplo, da libe-
ração de verbas não tenha tempo ou mesmo paciência de ler um relatório
inteiro. O sumário executivo destina-se a essas pessoas. Trata-se de um
resumo do conteúdo com os principais resultados e mostra claramente
as conclusões.

2.1.3 Antecedentes
Consistem em uma descrição breve do contexto que tornou necessário o
desenvolvimento do projeto.
Por exemplo, um mercado em expansão que leva a um estudo de via-
bilidade para ampliação de uma fábrica.
Os antecedentes, tais como aparecem em propostas e projetos são às
vezes chamados de background, conforme mencionado anteriormente.

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2.1.4 Desenvolvimento
É o coração do projeto, e quem escreve um relatório deve ter isso em
mente. Precisa ser realizado em tópicos cuidadosamente subdivididos,
com o uso de diagramas e tabelas onde for necessário.

Dica
Um bom modo de confeccionar o desenvolvimento é pri-
meiro listar os tópicos, e depois escrever os textos. Ao cor-
rer do trabalho, a estrutura pode mudar.

2.1.5 Resultados
Os resultados devem ser apresentados com simplicidade. Deve-se cuidar
para não colocar palavras ou números desnecessários.

2.1.6 Conclusão
As conclusões constituem a resposta ao problema formulado no objetivo.

2.1.7 Documentação
Geralmente apresentada em anexos. No caso de trabalhos acadêmicos, é
necessário mostrar uma bibliografia segundo critérios rígidos.

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antena
parabólica
Hoje é muito comum, ao assistir a um noticiário político
na televisão, tomarmos conhecimento da instauração de
mais uma CPI. CPI é uma Comissão Parlamentar de In-
quérito instaurada como um organismo de investigação
e apuração de denúncias com o objetivo de proteger os
interesses da população.
A CPI é uma investigação conduzida pelo Poder Le-
gislativo (Câmara de Deputados Federais e Estaduais ou
Vereadores), que transforma a própria Câmara Parla-
mentar em uma comissão. Tal comissão é nomeada pe-
los membros da Câmara e age em nome da instituição,
realizando um inquérito ou uma investigação. Concluída,
a CPI elabora um Relatório que aponta, ou não, os cul-
pados e suas penalidades.
Em relação à Proposta, muitas vezes uma proposta
mal feita pode levar uma firma à falência. Em 2001, uma
firma de engenharia que havia sido líder em Engenha-
ria Industrial no país construiu uma instalação para uma
grande indústria.
Como não ficou claro o que havia sido realmente ofe-
recido, a empresa, temendo desgaste, tentou fazer o que
o cliente desejava. Acabou perdendo dinheiro e credibili-
dade, pois não teve recursos para terminar a obra.
É muito comum que o pessoal de vendas prometa
muito por um preço baixo (afinal, o objetivo é vender) e
influencie quem desenvolve as propostas. É necessário
tomar muito cuidado com isso.

E agora, José?
Assim como é importante aprender a desenvolver pro-
postas e redigir relatórios de projetos, você também
deve ser capaz de fazer uma boa apresentação. É o que
verá na próxima aula.
Glossário
Situacional: referente à situação. Parecerista: pessoa responsável pela elabora-
Auditoria: processo de exame e validação de ção de um Parecer.
um sistema, atividade ou informação.

Referências
JAY, R; GOZZI, R. Como Redigir Propostas. São MEDEIROS, J. B. Correspondência: técnica de
Paulo: Pearson, 2008. comunicação criativa. 14a ed. São Paulo:
LARA, F. A. M
 anual de Propostas Técnicas. Atlas, 2001.
São Paulo: Pini, 2002. MOREIRA, F; SILVA, B. M
 icrosoft Project 2007 -
MACHADO NETO, O. Competência em comu- Gestão E Desenvolvimento De Projetos.
nicação organizacional escrita: o manu- São Paulo: Relativa, 2008.
al da comunicação escrita utilizada nas PAULA, L. Q. V
 ícios de linguagem. Encontre-
empresas: novas técnicas, parâmetros e -se.com 1º Encontro Regional em Ges-
princípios para o planejamento e a pro- tão e Secretariado das FATEC’S. Indaiatu-
dução da comunicação escrita na ativi- ba. 2008. Palestra. Disponível em: http://
dade profissional. Rio de Janeiro: Quality- www.fatecindaiatuba.edu.br/encontre-se/
mark, 2003. encontrese/slides_1encontrese/palestra_
MARTINS, D. S.; ZILBERKNOP, L. S. Português leda.ppt
instrumental. 21a ed. Porto Alegre: Sagra
Luzzatto, 2000.

Comunicação e Expressão / UA 10 Correspondência Organizacional: Relatório, Parecer, Proposta e Projeto 24


12
comunicação e expressão
Coesão e Coerência
em diferentes
gêneros discursivos:
conceituação

Objetivos da Unidade de aprendizagem


Fornecer ao aluno instrumentos para preparar apresen-
tações em público, em função de diferentes situações de
comunicação.

Competências
Preparação de palestras e exposições orais em geral,
com a seleção de técnicas comunicacionais voltadas aos
diversos objetivos das apresentações em público.

Habilidades
Apresentar ideias e projetos em público, valendo-se de
recursos adequados à interação com diferentes públicos
e à eficácia da comunicação.
Apresentação
Nesta aula, você aprenderá a utilizar os mecanismos de
coesão e coerência para o processo de leitura, compre-
ensão e produção de textos.

Para Começar
Na primeira aula da disciplina Comunicação e Expressão
de nosso curso, você foi apresentado ao conceito de tex-
to. Naquela aula, você viu que texto é uma sequência de
palavras que forma um todo significativo para um deter-
minado grupo de pessoas, em uma determinada situa-
ção. Isso significa que um texto, como unidade de sen-
tido, não é apenas a soma do resultado de suas partes.
Um texto pressupõe uma organização interna específica,
como, por exemplo, a sequência das partes e a relação
existente entre as ideias e as palavras.
Juntando todas as partes do texto, é possível perceber
que as relações existentes entre palavras, frases e ideias
é que fazem com que o texto seja um todo significativo e
não um aglomerado de palavras e frases desconexas. Ao
conjunto de características que fazem com que um texto
seja um texto dá-se o nome de textualidade.
Entre os fatores que contribuem para formar a textu-
alidade, há dois que serão estudados nesta aula: coesão
e coerência. Vamos conhecê-los?

Fundamentos
1. Coesão Textual
A ligação textual obtida por meio de elementos linguísti-
cos específicos chama-se coesão textual.
Para tornar mais claro esse conceito, imagine duas si-
tuações: a construção de uma casa e as placas de sinali-
zação de trânsito.
Coesão: a “argamassa” textual

Pense na construção de uma casa: Como você sabe, as paredes são es-
truturas fundamentais nessa construção. Para construí-las, utilizam-se
tijolos. No entanto, não basta dispor os tijolos lado a lado para que as
paredes sejam construídas. É necessário ligá-los por meio de argamassa
para que constituam uma estrutura firme e harmoniosa.
O mesmo ocorre com a construção de um texto. A base de construção
de um texto são as palavras e frases que, por sua vez, expressam ideias.
No entanto, não basta dispor palavras e frases lado a lado para que um
texto seja produzido e apresente sentido. É preciso encontrar elementos
que estabeleçam uma ligação entre as várias partes do texto, da mesma
maneira que a argamassa vai unindo os tijolos de uma casa.
À ligação textual obtida por meio de elementos linguísticos específicos,
chamamos de coesão textual.

Coesão: um sistema de sinalização textual

Imagine agora o trânsito de uma grande cidade. Com o aumento no nú-


mero de veículos circulando pelas metrópoles, percebeu-se a necessidade
da criação de um conjunto de símbolos que pudessem orientar e instruir
os motoristas, de modo a organizar a locomoção de todos. Pense no que
aconteceria se alguém, por brincadeira, invertesse todas as placas de
trânsito de uma cidade durante a noite. Certamente, na manhã seguinte,
quando os motoristas saíssem à rua, encontrariam um cenário caótico.
Situação semelhante pode ser observada na elaboração de um texto.
As palavras responsáveis pela ligação entre as várias ideias de um texto

Comunicação e Expressão / UA 12 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Conceituação 4


funcionam como um sistema de direcionamento e controle de sua leitura.
Sendo assim, a utilização inadequada desses elementos de ligação pode
deixar o leitor confuso e desorientado, sem saber exatamente como ler o
texto que tem em mãos. Por ser a coesão textual responsável pela ligação
dos elementos de um texto, problemas na sua construção têm um efei-
to desarticulador sobre o texto, dificultando não apenas sua leitura, mas
também sua compreensão.
Com base nessa comparação, vamos agora observar em um pequeno
parágrafo como funcionam essas “placas de trânsito” textuais.

1. DORNELAS, J. Empreendedor deve gostar do que faz ou fazer o que gosta?1


Disponível em:
http://www.
“Os empreendedores bem-sucedidos geralmente gostam do que fazem,
josedornelas.
com.br/artigos/ dedicam-se de corpo e alma ao negócio e acabam por ser especialistas no
empreendedor- seu setor. É a máxima que prega 99% de transpiração e 1% de inspiração.
deve-gostar-do-
Isso é bem fácil de identificar, basta você olhar ao seu redor e notar como
que-faz-ou-fazer-
o-que-gosta/ se comportam os empreendedores que você conhece e os quais você con-
sidera bem-sucedidos. Mas há exceções e precisamos entender que para
termos mais chances de sucesso devemos gostar do que fazemos (...)”

Vamos imaginar que pudéssemos associar algumas das placas de trân-


sito, comuns em nosso cotidiano, com os elementos coesivos que estão
estabelecendo as relações entre as várias partes do texto apresentado.
Considere que essas placas devem ser entendidas da seguinte forma:

Adicione a ideia que vem a seguir ao que foi dito antes.

Volte ao trecho já lido e procure a expressão


a que essa última palavra se refere.

O raciocínio vai mudar de direção.

Agora leia o trecho com as indicações:

Comunicação e Expressão / UA 12 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Conceituação 5


Os empreendedores bem-sucedidos geralmente gostam do que fazem,

dedicam-se de corpo e alma ao negócio e acabam por ser

especialistas no seu setor. É a máxima que prega 99% de transpira-

ção e 1% de inspiração. Isso é bem fácil de identificar, basta

você olhar ao seu redor e notar como se comportam os empreendedores

que você conhece e os quais você considera bem-sucedidos. Mas

há exceções e precisamos entender que para termos mais chances

de sucesso devemos gostar do que fazemos (...).

Você deve ter notado que todas as placas foram utilizadas para fazer

o leitor voltar ao texto e procurar algo que já foi dito. No primeiro período,

por exemplo, elas remetem à expressão “empreendedores bem-sucedi-

dos” (os empreendedores bem-sucedidos dedicam-se, acabam e o setor

ao qual o texto se refere é o setor dos empreendedores bem-sucedidos).

No caso da placa , sua utilização não foi feita para remeter o leitor a

algo já dito no texto, mas para estabelecer um vínculo entre duas ideias

(“99% de transpiração e 1% de inspiração”). Em relação à placa , seu

uso indica que o texto não seguirá na mesma direção em que se encontra

até o momento. Será estabelecido um contraste, uma oposição entre o

que foi dito antes e o que será dito depois da placa.

Comunicação e Expressão / UA 12 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Conceituação 6


Com base nesses exemplos, podemos assim definir coesão textual:

Conceito
Coesão textual são as articulações gramaticais existentes
entre palavras, orações, frases, parágrafos e partes maiores
de um texto que garantem sua conexão sequencial. (CEREJA,
Magalhães, p. 36)

2. Coerência Textual
Além da coesão, outro fator que contribui para a textualidade, ou seja,
para fazer com que um texto seja um todo significativo, é a coerência
textual.
Você, sem dúvida, já disse ou já ouviu alguém dizendo “isso é incoe-
rente”, “aquilo não faz sentido”. Isso ocorre porque, de um modo geral,
sempre procuramos atribuir significados ao que lemos ou ouvimos, recor-
rendo aos nossos conhecimentos.
Assim, enquanto a coesão diz respeito ao aspecto formal, linguístico
do texto, sendo alcançada pela escolha de palavras cuja função é justa-
mente estabelecer referências e relações; a coerência textual estabelece
uma articulação no plano das ideias e conceitos. Estando no âmbito da
significação, a coerência se manifesta pela reunião de ideias, informações
e argumentos compatíveis entre si.
Sempre que produzimos um texto, nossa intenção é informar, divertir,
explicar, convencer, discordar, ordenar, ou seja, o texto é uma unidade de
significado produzida sempre com uma determinada intenção. Da mesma
maneira que uma frase não é uma simples sucessão de palavras, o texto
também não é uma simples sucessão de frases, mas um todo organizado
capaz de estabelecer contato com nossos interlocutores, influindo sobre
eles. Quando isso ocorre, temos um texto em que há coerência.
A coerência é resultante da não contradição entre as várias partes que
compõem um texto as quais devem estar encadeadas logicamente. Cada
segmento textual pressupõe o segmento seguinte de modo sucessivo,
formando assim uma cadeia em que todas as partes estejam concatena-
das harmonicamente. Quando há quebra nessa relação harmoniosa entre
as partes, ou quando um segmento atual está em contradição com um
anterior, perde-se a coerência textual. Veja como isso ocorre no outdoor
apresentado a seguir:

Comunicação e Expressão / UA 12 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Conceituação 7


A incoerência no exemplo apresentado decorre da flagrante oposição en-
tre as ideias presentes no texto. A informação expressa pela frase: “Aber-
to todos os dias” pressupõe que o estabelecimento anunciado tem nor-
malmente funcionamento ininterrupto e contínuo, ou seja, não é fechado
em nenhum dia da semana. No entanto, essa ideia é contrariada ao se
informar que terça-feira é o dia da semana escolhido para descanso dos
funcionários e, consequentemente, fechamento da empresa.
Vejamos outra situação:

Joãozinho, se você
não me xingar mais
eu prometo que não
Sua chata,
corro mais atrás de
cabeça de ET,
você e ainda te dou
balofa...
um beijo.

Após a leitura, o que podemos dizer do texto? Ele não é de todo coeren-
te? É verdade que a última cena nos causa estranheza, mas, se conside-
rarmos que se trata de um gênero textual caracterizado pelo humor, a
própria “estranheza” é propiciadora da coerência. Além disso, vejamos as
informações que podem ser depreendidas do texto:

→→ A menina propõe não bater mais em Joãozinho e ainda lhe dar um


beijo, se ele parar de xingá-la;
→→ Essa proposta se mostra adequada ao perfil feminino, comumente
associado à afetividade;

Comunicação e Expressão / UA 12 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Conceituação 8


→→ Após ouvir a proposta, Joãozinho xinga a menina;
→→ A reação de Joãozinho à proposta da menina leva-nos à conclusão de
que ele prefere continuar apanhando a ganhar um beijo;
→→ A postura de Joãozinho é condizente com o que, em geral, se asso-
cia ao perfil masculino, marcado por racionalidade e masculinidade,
qualidades consideradas próprias do homem.

Com base nessas considerações, podemos afirmar que a noção de coe-


rência não se aplica, isoladamente, ao texto, nem ao autor, nem ao leitor,
mas se estabelece na relação entre esses três elementos. Desse modo,
não é possível apontá-la, destacá-la ou sublinhá-la no texto, mas somos
nós, leitores, em efetivo processo de interação com o autor e o texto,
baseados nas pistas que nos são dadas e nos conhecimentos que possu-
ímos, que construímos a coerência.

Conceito
Coerência textual é o resultado da articulação das ideias de
um texto; é a estruturação lógico-semântica que faz com
que numa situação discursiva palavras e frases componham
um todo significativo para os interlocutores. (CEREJA, Maga-
lhães, 1999, p. 36)

3. Coesão e Coerência
Embora a coesão seja um elemento importante na estruturação de tex-
tos, ela não é condição necessária nem suficiente para o estabelecimen-
to da coerência.
Vejamos um exemplo disso:

Coesão sem Coerência

Fui à praia me bronzear, porque estava nevando. Quando isso ocorre, o


calor aumenta, o que faz com que sintamos frio.

Na construção do fragmento apresentado, podemos observar a utilização


de vários elementos de coesão. No primeiro período, há a presença da con-
junção “porque”, utilizada para estabelecer uma relação de causalidade en-
tre duas orações. No segundo período, o pronome “isso” remete à ideia de

Comunicação e Expressão / UA 12 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Conceituação 9


estar nevando. Como você pode observar, a presença desses elementos
conectores não assegura a inteligibilidade do texto, ou seja, sua coerência.
Vejamos agora um exemplo contrário:

Coerência sem Coesão

O pulso (Titãs)

(...) Reumatismo, raquitismo


Cistite, disritmia
Hérnia, pediculose
Tétano, hipocrisia
Brucelose, febre tifoide
Arteriosclerose, miopia
Catapora, culpa, cárie
Câimba, lepra, afasia...
— Arnaldo Antunes

Composta por uma relação de nomes de doenças apresentadas em forma


de lista, o texto composto por Arnaldo Antunes não apresenta nenhum
elemento de conexão entre as palavras. No entanto, o texto cumpre sua
função comunicativa ao inserir comportamentos e sentimentos humanos,
como a hipocrisia e a culpa, no rol das doenças apresentadas. Sendo as-
sim, observamos que a coerência não se encontra no texto em si, não
pressupõe, necessariamente, no plano da materialidade linguística, a li-
gação entre os enunciados de forma explícita, mas constrói-se a partir do
texto. Na e para a produção de sentido do texto, é necessário que o leitor
ative conhecimentos previamente constituídos e armazenados na memó-
ria, construindo sentido para o que lê.

Lembre-se
A coesão por si só não é responsável pela coerência textual,
porque a coerência não está no texto, mas é constituída pelo
leitor com base em seus conhecimentos e na materialidade
linguística do texto. Sempre que nos for possível construir
um sentido para o texto, este será, em uma dada situação
de interação, um texto coerente. (KOCH, Elias, 2009, p. 187)

Comunicação e Expressão / UA 12 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Conceituação 10


antena
parabólica
Como vimos, a noção de coerência não se aplica, isola-
damente, ao texto, mas se estabelece na relação entre
texto, leitor, autor e contexto. Isso pode, muitas vezes,
ser observado na criação de anúncios publicitários em
que uma certa “estranheza” – ruptura da lógica – é criada
propositalmente para chamar a atenção do consumidor,
assim como em charges, histórias em quadrinhos etc.

E agora, José?
Agora que você já sabe o que é Coesão e Coerência,
chegou a hora de aprender alguns mecanismos que
contribuem para a coesão em um texto. Para tanto, na
próxima aula, você aprenderá como os pronomes de-
monstrativos podem contribuir para a elaboração de
textos organizacionais.
Até a próxima aula!
Referências
CEREJA, W. R.,; MAGALHÃES, T. C.; Gramática re- ______ Ler e compreender: os sentidos do tex-
flexiva: texto, semântica e interação. São to. São Paulo: Contexto, 2009.
Paulo: Atual, 1999. LEITE, R. ET al. Novas palavras: literatura,
FIORIN, L. J.; SAVIOLI, F. P. Lições de texto: lei- gramática, redação e leitura. São Paulo:
tura e redação. 6a ed. São Paulo: Ática, FTD, 1997.
2003.
KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever: estra-
tégias de produção textual. São Paulo:
Contexto, 2009.

Comunicação e Expressão / UA 12 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Conceituação 12


13
comunicação e expressão
Coesão e coerência em
diferentes gêneros
discursivos: Coesão
Referencial

Objetivos da Unidade de aprendizagem


Ao final da aula, o aluno deverá reconhecer os dois tipos
de coesão referencial — por retomada e por antecipação
— e os elementos que os provêm.

Competências
Redigir textos com a seleção adequada dos elementos
coesivos lexicais e gramaticais responsáveis pela reto-
mada e pela antecipação.

Habilidades
Selecionar e empregar, em contextos dados ou de sua
própria elaboração, elementos coesivos de diferentes
espécies, em particular pronomes pessoais, termos rela-
cionados por sinonímia, hiperonímia, hiponímia e conti-
guidade de sentido.
Apresentação
Nesta aula, você aprenderá o que é a coesão referencial,
reconhecendo os recursos linguísticos disponíveis para
retomar e para antecipar ideias e informações no texto,
garantindo a progressão das sequências de texto. Você
conhecerá a coesão lexical (aquela que envolve o em-
prego do estoque de palavras associadas pelo sentido) e
a gramatical (a que emprega termos gramaticais, como
pronomes, por exemplo).

Para Começar
Atente para os termos empregados no título desta notí-
cia de jornal:

Bolas paradas e coesão devem marcar a estreia da


seleção na Copa
O time do técnico Dunga demonstra unidade e discrição
nos treinos e nas entrevistas coletivas. O recurso das bo-
las paradas pode ajudar em partidas contra times meno-
res que apostam mais na defesa.
— Bom Dia Brasil, de 15/6/2010.

Importante palavra esta: coesão...


Você já notou como os esportes nos quais nós, os bra-
sileiros, somos campeões exigem a união de forças, a
soma de talentos individuais? Isso é traduzido na ima-
gem das mãos entrelaçadas dos jogadores da equipe
brasileira de vôlei — tantas vezes campeã — e no texto
do jornal. Coesão é imprescindível no vôlei, no futebol e
nos demais esportes coletivos. O desportista que ima-
gina que pode fazer tudo sozinho rompe a corrente e
prejudica os resultados de sua equipe. Coesão, portanto,
é isto: vínculo das partes com o todo, entrelaçamento
e unidade.
Não é diferente a coesão na apresentação de ideias: elas devem estar
vinculadas, associadas, solidárias. Tal qual nos esportes, se elas são ex-
postas de forma desarticulada, fragmentada, sem vínculos umas com as
outras, o resultado é negativo. Você já foi apresentado a esse assunto na
Aula 14. Então, tenha em mente os conceitos nela veiculados, como forma
de acompanhar mais satisfatoriamente a aula de hoje, que vai acrescentar
informações àquelas que você já obteve.
Observe, no texto seguinte, os elementos de coesão que garantem a cla-
ra exposição das ideias e, por consequência, sua compreensão pelo leitor.

O burro e a flauta
Jogada no campo estava desde faz tempo uma Flauta que já ninguém tocava, até que
um dia um Burro que passeava por ali soprou forte nela fazendo-a produzir o som
mais doce de sua vida, quer dizer, da vida do Burro e da Flauta.
Incapazes de compreender o que tinha acontecido, pois a racionalidade não era o
seu forte e ambos acreditavam na racionalidade, se separaram rapidamente, enver-
gonhados do melhor que um e outro tinham feito durante toda a sua triste existência.
— MONTERROSO, A. A ovelha negra e outras fábulas. Rio de Janeiro: Record, 1983. p. 65.

Agora note os entrelaçamentos e a progressão das informações na fábula:

... que já ninguém tocava — a palavra que substitui a


palavra Flauta (ninguém tocava a Flauta).

... soprou forte nela (isto é, soprou forte na Flauta).

... fazendo-a produzir o som (fazendo a Flauta produzir o som).


Uma Flauta ... da vida da Flauta (trata-se de um termo que já foi introduzido ao
(apresentação da informação leitor, portanto passa a ser mencionado com o artigo definido — a).
ao leitor, com o artigo
indefinido: até este ... de sua vida (vida da Flauta).
momento, trata-se de ... a racionalidade não era o seu forte (o forte da Flauta).
uma Flauta qualquer...)
... ambos (a Flauta e o Burro).

... se separaram (a Flauta separou a Flauta do Burro).

... um e outro (a Flauta e o Burro).

... sua triste existência (a existência da Flauta).

... que passeava — a palavra que substitui a palavra


Burro (um Burro passeava por ali).

... de sua vida (vida do Burro).

... da vida do Burro (trata-se de um termo que já foi introduzido ao leitor,


Um Burro
portanto passa a ser mencionado com o artigo definido — o).
(apresentação da informação
ao leitor, com o artigo ...a racionalidade não era o seu forte (o forte do Burro).
indefinido: até este momento,
trata-se de um Burro qualquer) ...ambos (a Flauta e o Burro).

... se separaram (o Burro separou o Burro da Flauta).

... um e outro (a Flauta e o Burro.

... sua triste existência (a existência do Burro).

No campo ...ali (no campo).

Comunicação e Expressão / UA 13 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Coesão Referencial 4


Você percebeu que os termos que fazem referência a Flauta, Burro e no
campo evitam a repetição dessas palavras e são os responsáveis pela pro-
gressão das ideias nessa fábula? Eles são alguns dos elementos de coesão
que usamos na produção de nossos textos — de todos eles, sem exce-
ção. É muito importante, portanto, conhecer e empregar com precisão os
elementos coesivos existentes em nossa língua. Conhecendo-os e empre-
gando-os bem, podemos garantir que nossas comunicações do dia a dia,
pessoais ou profissionais, orais ou escritas, sejam adequadas e eficazes.
Vamos agora desenvolver esse tema da aula de hoje, para aprender quan-
do e como empregar alguns dos mais importantes elementos de coesão.

Fundamentos
COESÃO TEXTUAL
Para recolocar em cena o tema acima, leia este belo poema de João Cabral
de Melo Neto, da obra Fazendeiro do ar.

Tecendo a manhã
1 2
Um galo sozinho não tece uma manhã: E se encorpando em tela, entre todos,
ele precisará sempre de outros galos. se erguendo tenda, onde entrem todos,
De um que apanhe esse grito que ele se entretendendo para todos, no toldo
e o lance a outro; de um outro galo (a manhã que plana livre de armação).
que apanhe o grito que um galo antes A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
e o lance a outro; e de outros galos que, tecido, se eleva por si: luz balão.
que com muitos outros galos se cruzam
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
— João Cabral de Melo Neto

O poema de Cabral pode ser lido como uma espécie de “definição po-
ética” da construção de um texto, do entrelaçamento das ideias que o
compõem. O elemento do poema que permite desencadear essa inter-
pretação é a palavra tecido, que provém do latim textus; como se nota,
trata-se da mesma palavra que originou, em nossa língua, o termo texto.
Interessante, não é?
Existe nesse poema a sugestão de uma analogia entre os cantos inte-
grados dos galos (os quais se sucedem e harmonizam até que a luz do dia

Comunicação e Expressão / UA 13 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Coesão Referencial 5


se firme) e a ordenada amarração de palavras, frases, períodos, parágra-
fos e pausas que formam o texto escrito ou falado.
Então: sabemos que a coesão é a responsável pela articulação orgâni-
ca, pela concatenação que deve existir entre os enunciados; e que ela não
resulta apenas das relações sintáticas, mas das relações de sentido esta-
belecidas entre os enunciados. São tais relações, sintáticas e de sentido,
que dão aos textos as necessárias coesão e coerência.
Na aula de hoje, vamos tratar de mais algumas dessas relações: as que
se baseiam na retomada e na antecipação de informações dentro do
texto, promovendo a adequada progressão de seu tema. Esses dois pro-
cessos também são chamados, respectivamente, de anáfora e catáfora.

COESÃO POR RETOMADA


Como o nome sugere, a coesão dessa espécie é baseada em termos que
recuperam outros termos precedentes.
Vamos ilustrá-la com um trecho de uma crônica de Carlos Drummond
de Andrade, “A manhã do Dia do Poeta”.

Chego atrasado para registrar a passagem do Dia do poeta, que ocorreu na última
quinta-feira. Absorvido pelo cotidiano miúdo, nem reparei nele. Para o meu ami-
go Horácio, entretanto, a data não passou em branca nuvem (também, com esse
nome...). Horácio já produziu três livros de poemas e costuma ser indigitado em seu
círculo de relações como “o poeta”. Ganhou mesmo certa notoriedade, a ponto de,
uma ocasião, pretendendo assistir a um filme pornô muito badalado, ser reconheci-
do pela bilheteira, que lhe sorriu, dizendo:
— Como vai o ilustre poeta?
Manhã cedo, três vigilantes associações de poetas telefonaram para ele, convi-
dando-o a participar de tardes comemorativas, onde leria versos com fundo musical
e tomaria chá com bolinhos:
— O meu amado poeta não pode faltar, pois não?
— Reservamos um lugar de honra para o admirável bardo.
— Distinto aedo, contamos com a sua presença.
Eram três mulheres, secretárias das três sociedades, o que não é de estranhar,
sabido que, na faixa dos 15 aos 55 anos, o número de poetas femininos é considera-
velmente superior ao de poetas masculinos. Depois dos 55, cresce a percentagem de
poetas varões. Todos insexualmente, como fez questão de acentuar em entrevista à
TV Educativa, uma inspirada cultora do verso:
— Não há nem pode haver distinção de sexos na poesia. Essa discriminação de
poetisa, algo deprimente para nós, já era. (...)
Horácio acabou prometendo que não faltaria às festividades, uma na Tijuca,
outra no Leme, a terceira no centro, todas no mesmo horário. E já matutava que

Comunicação e Expressão / UA 13 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Coesão Referencial 6


desculpa daria pela ausência, sempre por motivo de força maior (variado), quando
tocou o representante da geração-xerox:
— Poeta, eu sei que o Dia do Poeta é todo dia, em todo lugar, inclusive na rua,
onde vendo os meus livros, aliás com tremendo sucesso. Mas hoje é mais dia do
que outro dia qualquer, entende? E você, irmão mais velho, receba o meu abraço
fraternal.
— In: Boca de Luar. Rio de Janeiro: Record, 1984, p. 163-4.

Você notou quantas vezes o narrador se refere à personagem Horácio?


Notou que essa personagem é referida por expressões sempre diferen-
tes? No caso, o texto emprega termos que pertencem ao campo de sig-
nificação da palavra poeta, a partir da referência ao conhecido poeta lati-
no Horácio.
Observe, no quadro a seguir, como se dá a progressão de ideias no
trecho dessa crônica, pela retomada de informações:

expressões dia do três poetas poetas o representante


horácio
iniciais poeta mulheres femininos masculinos da geração-xerox

expressões • Data • Seu (círculo) • Secretárias • Cultora • Poetas • Eu


de • Nele • “O poeta” das três do verso varões • Meus
retomada sociedades • Poetisa • Todos
• Tardes • Lhe • Meu
comemorativas • O ilustre poeta • Nós
• Festividades • Ele
• Uma (convidando)-o
• Outra • O meu amado
• A terceira poeta
• Todas • O admirável
bardo
• Distinto aedo
• Você
• Irmão mais velho
• poeta

Podemos constatar que os termos que retomam as expressões iniciais


são de diversos tipos: ora são pronomes (ele, nele, lhe, o, você, nós, seu,
eu, meu, todos); ora são artigos e numerais (uma, outra, a terceira) ora são
termos que se associam àqueles referidos graças a uma relação de con-
tiguidade que permite aproximar os sentidos das palavras e expressões
(dia, data, tardes, festividades; poeta, bardo, aedo; mulheres, secretárias;
poetas femininos, poetisas; poetas masculinos, poetas varões). Noutras
ocorrências, há aproximações de caráter subjetivo (irmão mais velho, re-
presentante da geração-xerox).

Comunicação e Expressão / UA 13 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Coesão Referencial 7


COESÃO POR ANTECIPAÇÃO
O nome dado a essa espécie de coesão já indica que se trata do emprego
de termo que sintetiza informação ou informações, colocando-se antes
dela(s). Esse emprego está exemplificado nas frases:

→→ Há três setores envolvidos: RH, Compras e Expedição.


→→ As autoridades prestigiaram o evento: o Governador e o Prefeito
fizeram questão de comparecer.
→→ Tudo já está decidido — o tipo de evento, a data e os palestrantes.
→→ Os interessados estavam ali: padre, juiz, delegado...

Partindo desses conceitos e exemplos, vamos tratar dos diferentes tipos


de coesão, por retomada e por antecipação.

1. COESÃO LEXICAL
Ocorre esse tipo de coesão quando se empregam as palavras da língua
que correspondem às denominações (substantivos, adjetivos, verbos, ad-
vérbios) dos dados de realidade. Obtém-se coesão lexical por meio de
dois processos: a reiteração e a colocação.

1.1. REITERAÇÃO
Há reiteração quando se repete o mesmo item lexical (a mesma palavra),
ou quando se empregam sinônimos, hiperônimos, hipônimos e nomes
genéricos. Para entender a diferença, vamos examinar os exemplos.

1.1.1. Reiteração pela repetição de palavra ou expressão

É sempre no passado aquele orgasmo,


é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.

É sempre no meu peito aquela garra.


É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.

É sempre no meu trato o amplo distrato.


Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.

É sempre nos meus pulos o limite.


É sempre nos meus lábios a estampilha.

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É sempre no meu não aquele trauma.

Sempre no meu amor a noite rompe.


Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.
— Carlos Drummond de Andrade, O enterrado vivo. In: Fazendeiro do ar.

A rigor, na quase totalidade dos textos, a reiteração — ou repetição — só


se justifica por absoluta necessidade, devendo ser evitada, para garantir
a concisão, a objetividade do texto. Já na linguagem da poética (caso do
exemplo dado), serve para produzir um efeito de sentido; no poema de
Drummond, trata-se do reforço da ideia do inexorável, da falta de saída,
da fatalidade das situações que nunca mudam.

1.1.2. Emprego de sinônimos:


Empregamos termos sinônimos para retomar a informação anterior:

→→ Queria esclarecer umas dúvidas e procurei o professor, mas o mes-


tre recusou-se a atender-me.
→→ Era um menino esforçado, garoto de bons princípios.

1.1.3. Emprego de hiperônimos.


Antes do exemplo, uma explicação: hiperônimos são termos de sentido
mais amplo do que aqueles a que fazem referência. São exemplos, entre
muitos outros, a relação entre vegetal e flor, entre flor e rosa.
Note a relação entre o termo inicial e aquele que o retoma, seu hete-
rônimo:

→→ O liquidificador fazia um barulho muito estranho. O aparelho ron-


cava feito um carro velho. (Aparelho designa um gênero de objetos
do qual faz parte liquidificador.)

1.1.4. Emprego de hipônimos


O hipônimo é um termo de sentido mais restrito do que o termo que ele
retoma; é o caso da relação entre celular e telefone, MP4 em relação a
eletroeletrônico, entre outros exemplos, como nas frases:
A organização resolveu contratar novos profissionais. Os tecnólogos
em gestão iniciarão suas atividades ainda nesta semana. (Tecnólogo em
gestão é um entre vários tipos de profissionais.)

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1.1.5. Emprego de nomes genéricos:
São palavras de sentido amplo, que podem se referir a outras de sentidos
diferentes.
Veja como as palavras evento e acontecimento se colocam em re-
lação a expressões de sentidos tão diferentes como exposição de arte,
acidente, Copa do Mundo, feijoada beneficente...

→→ A exposição de arte chamou a atenção da imprensa internacional.


Foi o evento/ acontecimento mais comentado na mídia.
→→ O acidente na Via Anhanguera deixou muitos feridos. O triste aconte-
cimento / evento mobilizou o Corpo de Bombeiros de várias cidades.
→→ A Copa do Mundo monopoliza a atenção de todos nós, sendo com
certeza o maior evento / acontecimento esportivo do ano.
→→ Essa instituição religiosa promove uma feijoada beneficente, acon-
tecimento / evento que desperta a solidariedade dos habitantes
da cidade.
→→ Depois da morte do filho, a pobre moça definhou. É lamentável ver
uma pessoa acabar-se depois de um acontecimento triste.

Um outro exemplo, no qual se destaca o termo genérico treco:

Aluno: Professora, quer ver meu celular novo?


Professora: Não! Quero que você desligue e guarde esse treco.

1.2. COLOCAÇÃO
Também conhecida por contiguidade, a colocação ocorre quando se uti-
lizam termos pertencentes ao mesmo contexto de significação, de infor-
mação. Observe-se, no exemplo abaixo, como os termos grifados rela-
cionam-se por contiguidade, por aproximação, pois estão no contexto de
assuntos, de temas compatíveis:

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→→ O acidente bloqueou a rodovia, ali chegando muitas ambulâncias e
carros do Corpo de Bombeiros. Os vários feridos foram transpor-
tados para hospitais de Campinas.
→→ Preciso trocar meu fogão; o forno não funciona, os queimadores
estão entupidos, os acendedores não funcionam mais...

2. COESÃO POR TERMOS GRAMATICAIS


Nesse caso, a referência (retomada ou antecipação) é feita por itens da
língua que não têm significado próprio, sendo sua interpretação sempre
feita pela remissão a outros itens do enunciado. É o caso de:

2.1. Referência pronominal,


É feita pelos pronomes pessoais, indefinidos e possessivos:

→→ Minha irmã e eu dissemos a Jofre: Você vai gostar de viajar conosco.


→→ Pedro e José são muito amigos; eles se conhecem desde meninos.

Filha: Mãe, por que o papai tem que sair todo dia de manhã?
Mãe: Ora, filha! Porque ele precisa de dinheiro para cuidar da gente, para
passear, dar-lhe uma boa educação, vestimenta, comida...

Observe, no texto da cena anterior, a referência pelos pronomes ele (re-


ferindo-se a papai) e lhe (referindo-se à interlocutora Filha).

→→ Li vários livros sobre o assunto, e cada qual me forneceu preciosos


subsídios para a elaboração de meu trabalho.

Comunicação e Expressão / UA 13 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Coesão Referencial 11


→→ Convidou todos os colegas e professores para sua festa, mas ne-
nhum compareceu.
→→ Paulo me contou que entrou ladrão na loja dele.
→→ A camiseta do uniforme de Mariana está impecável. A minha, ao
contrário, está toda amarrotada.

Um outro exemplo de coesão pronominal pelo possessivo, que pode ser


visto na frase:

→→ O livro dos 30 anos do JN: uma reflexão inédita sobre sua histó-
ria. (Sua: do JN)

2.2. Referência por numerais

→→ Renato, Valéria e Hilda são funcionários do setor de RH; os três cui-


dam da seleção de candidatos a funções na empresa.
→→ A Comissão julgadora atribuirá prêmios aos melhores contos. O pri-
meiro será uma bolsa de estudos no exterior.
→→ Lúcia e Paulo foram premiados: a primeira, com uma viagem à Áfri-
ca, o segundo (ou o último), com um passeio ao Butantã.
→→ No mês passado, gastei R$ 200,00 em compras de alimentos; neste
mês, gastei o dobro!
→→ A verba será distribuída da seguinte forma: um terço para novos
projetos e dois terços para treinamento de pessoal.

2.3. Referência por verbos


Compreendem os verbos fazer e ser, em construções como:

→→ Prometeu ajudar-me, mas até agora não o fez. (Isto é: não me ajudou...)
→→ Vamos apoiar seu projeto, mas é porque a ideia é realmente boa.
(Note que a palavra “é” equivale a “vamos apoiar seu projeto”.)

2.4. Referência demonstrativa


É realizada por meio de pronomes demonstrativos (assunto que você es-
tudará mais detalhadamente na próxima aula, a de número 16), de advér-
bios indicativos de lugar, entre outras classes de palavras. Observe esse
tipo de referência nas frases seguintes:

→→ Tudo está corretamente elaborado: projetos, orçamentos, contratos.


→→ Poucos se manifestaram contra a medida — apenas os habituais
críticos e os adversários políticos.

Comunicação e Expressão / UA 13 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Coesão Referencial 12


→→ Realizei os meus desejos, menos este: ter um filho.
→→ Conheço Pedro e Paulo há muitos anos... Este eu conheço da escola;
aquele, do clube.
→→ O professor costumava gritar com os alunos, e isso os irritava pro-
fundamente.
→→ Entre as consequências da política econômica apontam-se as se-
guintes: recessão, inflação, queda do poder aquisitivo.
→→ Ponha os livros aí de novo, na estante de onde você os retirou.
→→ Tenho saudade da cidadezinha; lá fiz diversos bons amigos.
→→ Vamos considerar o seguinte: (...)
→→ Observe-se acima o que se disse dos equipamentos.
→→ Viajou para a Itália no ano passado, e não o vejo desde então.

3. COESÃO POR SUBSTITUIÇÃO


Na substituição, emprega-se um item em lugar de outro elemento (ou de
outros elementos) da frase ou, ainda, em lugar de uma oração inteira: As
palavras gramaticais que fazem a substituição são: também, assim, o(a)
mesmo(a).

→→ Já entreguei meu relatório, e Júlia, também. (Isto é: já entregou o


relatório.)
→→ Carlos acredita que a situação do país vai melhorar, mas Vânia não
pensa assim. (Ou: desse modo, de forma semelhante.)
→→ Já que o técnico elogiou o equipamento, nós fizemos o mesmo. (Isto
é: elogiar o equipamento.)

4. COESÃO POR ELIPSE


Ocorre elipse quando se tem uma substituição por zero, isto é, omite-
-se uma palavra, uma oração ou um enunciado inteiro, sendo possível
recuperá-los pelo contexto.

→→ — O gerente já saiu?
— (0) Já (0).

Observe que na econômica frase — Já — foram suprimidas as palavras o,


gerente e saiu (O gerente já saiu).
Outro exemplo:

→→ — Mariana vai entregar o relatório?


— (0) Vai (0).

Comunicação e Expressão / UA 13 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Coesão Referencial 13


Para concluir, vamos tratar, com mais detalhes, dos elementos de coesão
denominados pronomes pessoais. Recordando:
Os pronomes (em geral) substituem outras palavras dentro de um enun-
ciado. Os chamados pronomes pessoais expressam as pessoas do discurso:
o emissor ou os emissores (primeira pessoa), o receptor ou os receptores
(segunda pessoa) e o assunto, objeto da conversação (terceira pessoa).
Conforme a função que desempenham no enunciado, esses pronomes
mudam de forma. Vejamos como isso funciona, na prática.

→→ Pedro é um bom profissional. Pedro respeita os colegas.

Na segunda frase, Pedro é sujeito de respeita; empregando-se um prono-


me para substituir o nome Pedro temos:

→→ Pedro é um bom profissional: ele respeita os colegas.

O pronome ele, que representa Pedro, também é sujeito de respeita.

→→ Pedro é um bom profissional, e os colegas respeitam Pedro.

Na segunda frase, Pedro é complemento (objeto direto) de respeitam;


empregando-se um pronome para substituir o nome Pedro, temos:

→→ Pedro é um bom profissional, e os colegas o respeitam.

O pronome o, que representa Pedro, é o complemento de respeitam


(cujo sujeito é os colegas).

Atenção
Se o pronome o/a/os/as aparecerem depois de r, s ou z,
mudam para lo/la/los/las.
O/a/os/as vindos depois do som nasal, devem ser mu-
dados para no/na/nos/nas.

a. Se os pronomes o/a/os/as aparecerem depois de r, s ou z, mu-


dam para lo/la/los/las, eliminando-se aquelas consoantes:

→→ Gostei desse projeto: vou aprová-lo imediatamente. (aprovar o


projeto / aprovar + o = aprová-lo)

Comunicação e Expressão / UA 13 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Coesão Referencial 14


→→ Foi João que fez este projeto; fez o projeto quando trabalhava em
nosso setor.
→→ Foi João que fez este projeto; fê-lo quando trabalhava em nosso
setor. (fez o projeto / fez + o = fê-lo)

b. Vindo depois de som nasal, os pronomes o/a/os/as devem ser


mudados para no/na/nos/nas:

→→ Se os relatórios estão prontos, coloquem-nos na mesa do Gerente


(coloquem os relatórios / coloquem+ os = coloquem-nos);
→→ Precisamos das plantas do imóvel. Peçam as plantas do imóvel
ao proprietário. Precisamos das plantas do imóvel. Peçam-nas ao
proprietário (peçam as plantas / peçam+ as = peçam-nas).

Percebe-se que, dependendo da função sintática, o pronome adquire uma


forma específica. Vamos conhecer tais formas, por meio do quadro seguinte.

substituem substituem palavras com substituem prep. + palavras


palavras com função de complemento com função de complemento
função de sujeito objeto direto objeto indireto
me
Ele me confiou a tarefa.
eu
me (prep. +) mim
Talvez eu aceite
Seu argumento me convenceu. Ele confiou a mim a tarefa.
a proposta.
comigo
Pode contar comigo.

lhe(s)
A empresa lhe atribui uma
você(s) nova responsabilidade.
o(s) / a(s)
Querem que você
Ninguém o / a criticou.
assuma o cargo. (prep. +) você
A empresa atribui a você uma
nova responsabilidade..

se
Ele se prometeu uma semana de descanso.
se
Ele se dedicou muito à empresa.
(prep. +) si
ele, ela Não confia em si mesmo.
o (lo) (no) / a (la) (na)
Creio que ele será
Eu o encontrei há pouco.
promovido. lhe
Pretendemos promovê-lo.
Entreguei-lhe os documentos.
Os técnicos procuravam uma solução e
encontraram-na num antigo projeto.
consigo
Leva consigo os documentos pessoais.

nos
Não nos deu chance de explicar o acontecido.
nós
nos (prep. +) nós
Esperam que nós
Espero que nos mencionem no relatório. Espero que lute por nós.
apresentemos a palestra.
conosco
Trabalhe conosco.

Comunicação e Expressão / UA 13 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Coesão Referencial 15


substituem substituem palavras com substituem prep. + palavras
palavras com função de complemento com função de complemento
função de sujeito objeto direto objeto indireto

se
Eles se permitem errar!
se
Eles se comprometem com
(prep. +) si
os objetivos da empresa.
eles, elas Não confiam em si mesmos,
Elas têm plenas por isso não dão palpite.
o (lo) (no) / a (la) (na)
condições de
Todos na empresa o respeitam.
assumir o cargo. lhe
A investigação pode comprometê-los.
Entreguei-lhes os documentos.
Querem boas funcionárias e buscam-
nas nos bancos de currículos.
consigo
Levam consigo os documentos pessoais.

Comunicação e Expressão / UA 13 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Coesão Referencial 16


antena
parabólica
Nossas atividades de produção de linguagem envolvem
o bom domínio da língua, falada ou escrita, para garantia
de eficácia. Como comunicar é tornar comum uma ideia,
um sentimento, um desejo, é muito importante que a
linguagem verbal utilize mecanismos linguísticos que ga-
rantam esse compartilhamento. Você deve ter notado
que os elementos de coesão que estudamos são usuais
no dia a dia, fazem parte de todas as nossas comunica-
ções verbais. Portanto, conhecê-los e saber como utilizá-
-los irá garantir o aprendizado e o bom desempenho em
outras disciplinas, o sucesso nas relações interpessoais,
na recepção e na decodificação de textos. Como você
pode notar, não se pode negar a importância desse tema
para o ser social e profissional que cada um de nós é.

E agora, José?
Bem, agora que você já conhece os tipos de coesão refe-
rencial tratados nesta unidade, está pronto para estudar,
em nossas próximas unidades, dois mais importantes ele-
mentos responsáveis pela coesão num texto — os prono-
mes demonstrativos e os pronomes relativos. Até lá!
Glossário
Coesão lexical: relação entre palavras que per- de sentido mais específico, com base na
tencem ao vocabulário da língua; é o reper- existência de traços comuns de significação
tório, o acervo linguístico. (p.ex. felino é hiperônimo para tigre).
Palavras gramaticais: palavras da língua que Hiponímia: relação que se estabelece entre pa-
são usadas como relacionadores das palavras lavra de sentido mais específico e outra de
do léxico, caso das preposições, das conjun- sentido mais genérico, com base na existên-
ções, dos pronomes. cia de traços comuns de significação (p. ex.
Sinonímia: relação entre palavras de significa- cão é hipônimo de animal).
ção próxima, de tal forma que uma possa ser Elipse: supressão de um termo que pode ser
usada pela outra no contexto, sem prejuízo identificado graças ao contexto.
de sentido. Contiguidade: relação de proximidade de sen-
Hiperonímia: relação que se estabelece entre tido entre palavras, que se podem associar
palavra de sentido mais genérico e outra numa sequência dada.

Referências
FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Lições de texto: leitu- KOCH, I. V. A Coesão textual. 2a ed., São Paulo:
ra e redação. 2a ed. São Paulo: Ática, 1997. Contexto, 1990.
_____. Para entender o texto: leitura e reda-
ção. São Paulo: Ática, 1997.

Comunicação e Expressão / UA 13 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Coesão Referencial 18


14
comunicação e expressão
Coesão e Coerência
em diferentes
gêneros discursivos:
uso de pronomes
demonstrativos em
textos organizacionais

Objetivos da Unidade de aprendizagem


Ao final da aula o aluno deverá ser capaz de reconhecer
e empregar os pronomes demonstrativos como elemen-
tos coesivos responsáveis pela reativação do referente
em um texto.

Competências
Conhecimento e capacidade de utilização adequada dos
pronomes demonstrativos para a produção e intelecção
de textos.

Habilidades
Habilidade na manipulação das diversas formas de refe-
rência pronominal associadas às diferentes possibilida-
des de se dirigir a interlocutores em diferentes contextos
de comunicação.
Apresentação
Nesta aula, você aprenderá a empregar os pronomes
demonstrativos como elementos coesivos utilizados na
produção e intelecção de textos.

Para Começar
Muitas vezes, você já deve ter sido solicitado a demons-
trar algo a alguém. De origem latina, o verbo “demons-
trar” significa exatamente aquilo que você deve ter feito
nessas ocasiões, ou seja, “fazer ver, dar a conhecer ou
indicar”.
Pensando no significado desse verbo, veja com aten-
ção a cena apresentada a seguir:

Homem: Eu nunca fiz isto antes, me ajude.


Mulher: Tudo bem vá lavando esse arroz, eu vou falando
como deve fazer.

Observe que:
As palavras “isso” e “esse” usadas são pronomes de-
monstrativos. Com base nisso, perguntamos: você
sabe a diferença entre elas? Elas podem ser usadas
indistintamente em qualquer situação? Você sabe quando deve optar pelo
uso de uma ou de outra?
É exatamente isso que vamos aprender nesta nossa aula. Vamos lá?

Fundamentos
Pronomes Demonstrativos
Os pronomes demonstrativos são aqueles que situam a pessoa ou a coisa
demonstrada em relação às três pessoas do discurso. Essa localização,
indicando proximidade ou distanciamento, pode se dar no tempo, no es-
paço ou no próprio texto.

dica
As três pessoas do discurso ou pessoas gramaticais são:

→→ 1a pessoa (falante): eu (singular) / nós (plural);


→→ 2a pessoa (ouvinte): tu (singular) / vós (plural);
→→ 3a pessoa (assunto): ele, ela (singular) / eles, elas (plural).

No que se refere à 2a pessoa do discurso, você dificilmente utiliza o prono-


me “tu” ou “vós” no seu dia a dia, não é mesmo? Então, vai aí um lembrete
importante:

lembre-se
Os pronomes “você” e “vocês” substituem os pronomes “tu”
e “vós” em muitas regiões do país. Por isso são considerados
também pronomes de 2a pessoa, apesar de exigirem o verbo
na 3a pessoa.

Tendo isso em vista, os pronomes demonstrativos podem ser apresenta-


dos de acordo com a seguinte tabela:

Comunicação e Expressão / UA 14 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Uso de Pronomes Demonstrativos em Textos Organizacionais 4
variáveis
Tabela 1. Pronomes pessoas masculino feminino invariáveis
Demonstrativos.
singular plural singular plural

1a este estes esta estas isto

2a esse esses essa essas isso

3a aquele aqueles aquela aquelas aquilo

Os pronomes demonstrativos podem ocorrer combinados com as pre-


posições de e em, do que resultam as formas deste (e suas flexões), disto,
nisso; desse (e flexões), nesse (e flexões), disso, nisso; daquele (e flexões),
naquele (e flexões), daquilo, naquilo.
Os pronomes aquele(s), aquela (s) e aquilo podem também combinar-se
com a preposição “a”, caso em que recebem o sinal indicativo da ocorrên-
cia de crase: àquele(s), àquela(s), àquilo. Observe a frase:

→→ Enviamos a correspondência àqueles candidatos, solicitando seu


comparecimento à empresa.

Classificam-se também como pronomes demonstrativos as palavras, o, a,


os, as, quando equivalem a isso, isto, aquele, aquela, aqueles, aquelas. Veja
na cena a seguir:

Menino: Olha só o que eu achei.

Na cena, a frase “Olha só o que eu achei!”, temos a palavra “o” como cor-
respondente de “aquilo”.
Também são considerados pronomes demonstrativos os vocábulos
mesmo e próprio, quando reforçam pronomes pessoais ou fazem refe-
rência a algo expresso anteriormente:

Comunicação e Expressão / UA 14 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Uso de Pronomes Demonstrativos em Textos Organizacionais 5
1. Disponível em: Administração do tempo – parte 31
http://www.acresa. (...) Quem trabalha como empregado está, na realidade, vendendo ao em-
com.br/site/?p=864
pregador parte de seu tempo (e do uso de sua inteligência, de suas com-
petências, de seu esforço) em troca de um salário (dinheiro). Isso quer di-
zer que o uso de nosso tempo durante o horário de trabalho é, em parte,
determinado pelo nosso empregador, não por nós mesmos. (...)

→→ (nós mesmos)

Podem ainda ser classificadas como pronomes demonstrativos as pala-


vras tal e semelhante, quando equivalentes a esse, essa, aquela. Veja:

2. MAMEDE, R. (...) Infelizmente, a realidade é que este mesmo jovem não está ainda pre-
R. Educação em
empreendedorismo
parado para se inserir profissionalmente no mercado de forma autônoma
como fator de e empreendedora. Tal situação é resultado tanto do sistema educacional
desenvolvimento brasileiro, como de valores da nossa sociedade, que ainda impregnam
econômico: uma
nossos jovens com a “síndrome do empregado”, mesmo percebendo que
proposta para
o município de este elemento, o emprego, está desaparecendo no contexto de um mun-
Campo Grande- do globalizado. (...)2
MS. Disponível em:
http://www.oei.
es/etp/educacao_
empreendedorismo_ →→ (Tal = essa)
fator_
desemvolvimento_
economico.pdf Emprego dos pronomes demonstrativos

1. Em relação ao espaço

a. Este(s), esta(s) e isto: são pronomes utilizados para fazer referência


a algo que se encontra perto da pessoa que fala:

→→ Este caderno que está aqui é meu.

Observe que essa proximidade é reforçada pelo advérbio aqui.

b. Esse(s), essa(s) e isso: são pronomes utilizados para fazer referência


a algo que se encontra perto do ouvinte:

→→ Esse caderno na sua mão é seu?

Comunicação e Expressão / UA 14 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Uso de Pronomes Demonstrativos em Textos Organizacionais 6
Na frase o pronome esse indica que o objeto (caderno) que estava próxi-
mo de seu interlocutor.

c. Aquele(s), aquela(s) e aquilo: são pronomes utilizados para fazer


referência a algo que se encontra longe do falante e do ouvinte:

→→ Aquela moça é muito bonita.

No exemplo, foi usado o pronome aquela para referir-se a uma moça (bo-
nita) que se encontrava distante do interlocutor e do seu ouvinte.

dicas
Na utilização dos pronomes demonstrativos para indicar a
localização espacial, há geralmente uma correlação natural
com os advérbios de lugar: aqui, ali e lá. Veja:

→→ Proximidade com o falante: Isto aqui.


→→ Proximidade com o ouvinte: Isso ali.
→→ Proximidade com o assunto: Aquilo lá.

Em sua prática profissional, será muito comum a utilização desses prono-


mes na redação de documentos empresariais. Você utilizará, por exem-
plo, nesta (carta, empresa, cidade etc), quando o foco estiver no emissor
do documento ou nessa (carta, empresa, cidade etc), quando o foco esti-
ver no destinatário ou receptor do documento.

2. Em relação ao tempo

a. Este(s), esta(s) e isto: indicam o tempo presente em relação à pes-


soa que fala:

3. Texto adaptado Fofoqueiro está sujeito a demissão3


do jornal Folha de Uso de meios digitais para espalhar boatos sem identificação é crime.
S. Paulo, de 13/6/
2010. Disponível
em: http://www1. Segundo especialistas, profissionais podem ser rastreados e prejudicar a
folha.uol.com.br/ carreira; defesa nessas situações é “difícil”.
fsp/empregos/
Mesmo quando as mensagens são postadas ou enviadas anonimamen-
ce1306201002.htm
te, o funcionário está sujeito a penalidades previstas na Constituição, no

Comunicação e Expressão / UA 14 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Uso de Pronomes Demonstrativos em Textos Organizacionais 7
Código Civil e na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que podem le-
var à demissão por justa causa, ao pagamento de indenização e, no limite,
à detenção.
Segundo o perito digital Wanderson Castilho, uma mensagem de e-mail
enviada anonimamente pode render demissão por justa causa.
De janeiro a maio deste ano, Castilho diz ter identificado e trabalhado
com 19 ocorrências de mensagens eletrônicas enviadas anonimamente
para falar mal de outras pessoas ou empresas.

Tendo em vista a data de publicação da matéria apresentada (13/6/2010),


a expressão deste (ano) usada pelo redator remete ao momento presente
em que ele se encontra, ou seja, o ano de 2010.

b. Esse(s), essa(s) e isso: indicam o tempo passado ou futuro, mas re-


lativamente próximo à época em que se situa a pessoa que fala. Ve-
jamos:

4. BRASIL, R. A. S.,
Gestão empresarial
Após longos anos pertencendo ao setor privado (até meados da década
por processos de
negócio e seis sigma: de 60), o sistema de telefonia brasileiro consolidou seu processo de esta-
estudo de caso tização em 1972 com a criação da Telebrás. Durante praticamente duas
aplicado ao segmento
décadas, mais precisamente até 1998, essa holding ditou as regras e regula-
de telefonia móvel
celular. Disponível mentou a comunicação no Brasil. Exatamente nesse ano se iniciou a criação
em: http://www. do cenário de telefonia móvel celular no Brasil, tal qual conhecemos hoje.4
leansixsigma.
com.br/ACERVO/
ACERVO_14112414.
PDF No fragmento apresentado, o pronome esse (presente na expressão “nes-
se ano”) é utilizado para fazer referência a um passado relativamente pró-
ximo (ano de 1998) em relação à época em que ocorreu a produção do
texto (2006).

c. Aquele(s), aquela(s) e aquilo: indicam um afastamento no tempo,


um passado vago ou muito remoto.

A pedra angular do pensamento de Gary Hamel é a importância vital da


inovação. “Defendo a teoria de que, quanto maiores forem as dificulda-
des econômicas, maior a tentação de cortar despesas, mas é nesses mo-
mentos que a inovação radical se torna o único modo de avançar. Em um
mundo descontínuo, apenas a inovação radical conseguirá criar riquezas

Comunicação e Expressão / UA 14 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Uso de Pronomes Demonstrativos em Textos Organizacionais 8
novas. Apesar do naufrágio das empresas ponto.com, basta analisar o
que aconteceu na última década para concluir que a maioria das recentes
riquezas foi criada por estreantes no setor ou por empresas jovens. A
5. O laboratório de
única conclusão a que se pode chegar é que a inovação move a criação de
inovação em gestão. riquezas”, afirma Hamel.(...)
Disponível em: Hamel compara a atual visão da inovação com o conceito de qualidade
http://br.hsmglobal.
que predominava no mundo dos negócios na década de 1970. Naquela
com/adjuntos/14/
documentos/000/ época, as pessoas reconheciam a importância da qualidade, mas desco-
061/0000061637.pdf nheciam os processos ou sistemas que permitiriam sua concretização.5

Como o texto faz referência a um passado remoto (década de 1970), o


pronome demonstrativo utilizado para indicá-lo foi “aquela”, presente na
expressão “naquela época”.

dicas
Os pronomes demonstrativos também podem ser usados para
indicar uma relação de posse, deixando claro se o possuidor é o
falante, o ouvinte ou o ser que serve como assunto. Veja:

→→ Falante: Esta ideia é minha.


→→ Ouvinte: Esse seu argumento não me convence.
→→ Assunto: Aquele relatório é dele.

3. Em relação às referências a segmentos do texto


6. Três fatores
de sucesso para
aumentar a a. Este(s), esta(s) e isto: esses pronomes são utilizados quando se
efetividade de quer fazer referência a alguma coisa sobre a qual ainda se vai falar.
uma negociação. Vejamos:
Disponível em:
http://site.suamente.
com.br/tres-
fatores-de-sucesso- Em todos os cursos de negociação ouvem-se frases como esta: “em
para-aumentar-
uma negociação o cliente é quem tem o poder”; mas, O que é nego-
a-efetividade-de-
uma-negociacao/ ciar? Qual o verdadeiro objetivo de uma negociação? (...)6

No parágrafo apresentado, o pronome esta faz referência à frase


que será mencionada a seguir, qual seja, “em uma negociação o
cliente é quem tem o poder”.

Comunicação e Expressão / UA 14 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Uso de Pronomes Demonstrativos em Textos Organizacionais 9
b. Esse(s), essa(s) e isso: esses pronomes são empregados quando se
quer fazer referência a alguma coisa sobre a qual já se falou. Observe:

7. Três fatores
A arte da negociação7
de sucesso para
aumentar a Em todos os cursos de negociação ouvem-se frases deste tipo:
efetividade de
uma negociação.
→→ “Em uma negociação o cliente é quem tem o poder.”
Disponível em:
http://site.suamente. →→ “Os vendedores não tem outra opção que aceitar as preten-
com.br/tres- sões dos clientes.”
fatores-de-sucesso- →→ “É necessário outorgar condições favoráveis aos clientes.”
para-aumentar-
a-efetividade-de-
uma-negociacao/ Isso faz com que muitas vezes nos esqueçamos de qual é o verdadei-
ro objetivo de uma negociação.

Lendo atentamente o texto, podemos observar que enquanto o pro-


nome este, presente na expressão “deste tipo”, remete a algo que
ainda será mencionado no texto, o pronome Isso retoma toda a ideia
mencionada anteriormente. Nesse sentido, Isso corresponde a “ou-
vir as frases mencionadas nos cursos de negociação”. É, pois, ouvir
tais frases o que “faz com que muitas vezes nos esqueçamos de qual
é o verdadeiro objetivo de uma negociação”.

c. Este e aquele: esses pronomes são ambos utilizados num mesmo


enunciado quando se faz referência a termos já mencionados, usan-
do-se aquele para o termo mencionado em primeiro lugar e este
para o último termo mencionado. Veja:

Muitos teóricos da área de gestão ressaltam, na definição do perfil


do líder contemporâneo, a diferença entre os conceitos de poder e
liderança. Enquanto aquele é definido como uma faculdade pela
qual se exige um subordinado faça a vontade de seu chefe, mesmo
que isso seja contrária a sua própria vontade; esta se define como
uma habilidade pela qual se motiva as pessoas a fazerem o que é
necessário, de boa vontade, por inspiração e conhecimento de sua
verdadeira finalidade.

Comunicação e Expressão / UA 14 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Uso de Pronomes Demonstrativos em Textos Organizacionais 10
No fragmento apresentado, o pronome aquele se refere a “poder”
termo mencionado em primeiro lugar no texto, enquanto esta se
refere a “liderança”, último termo mencionado.

atenção
Embora seja comum na leitura de diversos textos a observa-
ção do uso indistinto dos pronomes demonstrativos, a ina-
dequação na utilização desses pronomes pode comprometer
a inteligibilidade e clareza do texto.

Comunicação e Expressão / UA 14 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Uso de Pronomes Demonstrativos em Textos Organizacionais 11
antena
parabólica
Como vimos, os pronomes demonstrativos são aqueles
que situam a pessoa ou a coisa demonstrada em relação
às três pessoas do discurso, ou seja, fazem ver, dão a
conhecer ou indicam algo. Em virtude dessas caracterís-
ticas, tais pronomes são muito utilizados em anúncios
publicitários, cuja função primordial é justamente apre-
sentar ou demonstrar determinado produto.
Preste atenção da próxima vez que você ver um anún-
cio publicitário. Certamente, encontrará um dos prono-
mes estudados nesta aula.

E agora, José?
Agora que você já sabe quais são os pronomes demons-
trativos e como utilizá-los adequadamente na elabora-
ção de um texto, chegou a hora de aprender sobre outro
tipo de pronome: os pronomes relativos. Para tanto, na
próxima aula, você aprenderá como os pronomes relati-
vos podem também contribuir para a elaboração de tex-
tos organizacionais.
Até a próxima aula!
Referências
CEREJA, W. R.,; MAGALHÃES, T. C.; Gramática re- KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever: estra-
flexiva: texto, semântica e interação. São tégias de produção textual. São Paulo:
Paulo: Atual, 1999. Contexto, 2009.
FIORIN, L. J.; SAVIOLI, F. P. Lições de texto: lei- _____ Ler e compreender: os sentidos do tex-
tura e redação. 6a ed. São Paulo: Ática, to. São Paulo: Contexto, 2009.
2003. LEITE, R. Et al. Novas palavras: literatura,
gramática, redação e leitura. São Paulo:
FTD, 1997.

Comunicação e Expressão / UA 14 Coesão e Coerência em Diferentes Gêneros Discursivos: Uso de Pronomes Demonstrativos em Textos Organizacionais 13
15
comunicação e expressão
Coesão Textual:
Pronomes Relativos

Objetivos da Unidade de aprendizagem


Ao final desta aula, o aluno deverá conhecer os prono-
mes relativos da língua portuguesa e as condições de
uso dessa classe de palavras.

Competências
Reconhecer os pronomes relativos adequados às rela-
ções coesivas que garantem a progressão das ideias no
texto.

Habilidades
Selecionar e empregar, em contextos dados ou de sua
própria elaboração, elementos coesivos da classe dos
pronomes relativos, construindo sequências textuais
adequadas, nas diferentes modalidades de texto.
Apresentação
Nesta aula, você aprenderá a empregar os pronomes re-
lativos como elementos coesivos utilizados na produção
e intelecção de textos. Conhecerá as especificidades de
uso desses pronomes nos contextos em que aparecem,
podendo, com isso, para fazer a seleção adequada dessa
espécie de coesivo.

Para Começar
Você conhece o poema “Quadrilha” de Carlos Drum-
mond de Andrade?

João amava Teresa



QUE amava
Raimundo

QUE amava
Maria

QUE amava
Joaquim

QUE amava
Lili

QUE não amava
ninguém.

Notou que a construção da quadrilha é baseada numa


cadeia de amores e desamores? E que essa cadeia tem
seus elos na palavra QUE, referindo-se a diferentes pes-
soas? Isso é possível porque estamos lidando com o cha-
mado pronome relativo. Note como se forma o encade-
amento de amores e desamores no poema:
Nesta aula, conheceremos melhor essa classe de palavras em suas es-
pecificidades e diferentes empregos em nossa língua. Vamos lá!

Fundamentos
A classe dos pronomes relativos é um dos principais elementos de coesão
num texto que produzimos. É necessário, inicialmente, compreender a
função de pronome, para, depois, entender a função de relativo (isto é,
responsável por relações).
Os pronomes, de modo geral, têm função substitutiva (“pro” = em lugar
de); assim, ocupam na cadeia do enunciado o lugar de um conteúdo que
se queira expressar, sem repetir a forma dada a tal conteúdo, isto é, sem
repetir a palavra ou expressão daquele conteúdo.
A referência do pronome pode ser linguística (de palavra, ou palavras)
ou extralinguística (referindo-se à realidade extraverbal, às coisas, ideias
e seres do universo abarcado pelo conhecimento).
Há pronomes que se referem ao mundo extralinguístico, representan-
do, no enunciado, as figuras do emissor, (aquele que fala) e do receptor
(aquele a quem fala o emissor). Esses pronomes são eu e nós (para o
emissor) você(s) (para o receptor).
Já vimos, em nossa aula anterior, vários pronomes capazes de fazer a
retomada de informações precedentes, como ocorre nas seguintes frases:

→→ O Gerente saiu, e o Supervisor foi com ele.


→→ Apanhe o folheto, guarde-o na gaveta e não deixe de levá-lo à escola,
amanhã.

Observe-se, agora, o enunciado abaixo.

→→ O professor nos indicou um livro, e o livro é muito interessante.

Nele, fica clara uma repetição desnecessária da palavra livro; numa pri-
meira etapa, poder-se-ia substituir livro por ele:

→→ O professor nos indicou um livro, e ele é muito interessante.

Mas o resultado ainda não é a forma ideal, de um enunciado de elabora-


ção sintático-semântica fluente. A “fluência” só será atingida quando se

Comunicação e Expressão / UA 15 Coesão Textual: Pronomes Relativos 4


empregar um termo que associe as funções de substituição e de nexo, de
elo entre as partes do período.
Esse termo, capaz de reunir essas funções (de substituto e de relator),
é exatamente o pronome relativo, cujo emprego dá ao enunciado a se-
guinte feição:

→→ (1) O professor nos indicou um livro, (2) que é muito interessante.

Como se percebe, o responsável, ao mesmo tempo, pela substituição de


livro e pela ligação entre as orações (1) e (2) é o pronome relativo que.
A escolha do relativo adequado para a frase que estivermos elaboran-
do deverá ser feita a partir da análise de diversos fatores; um deles - que
é primordial – é o antecedente do pronome, isto é, a palavra que o pro-
nome substituirá na frase. A análise desse antecedente levará em conta
se ele é animado ou inanimado, humano ou não humano, compatível com
algum tipo de palavra (por exemplo, lugar). Esse critério baseado na defi-
nição da natureza do antecedente é um dos mais importantes para definir
a escolha adequada do pronome relativo.
Outro elemento de importância nessa escolha é o sentido do próprio
relativo. Há relativos que têm sentido próprio: é o caso de onde, que guar-
da o significado de “lugar”, de cujo, que tem sentido de “posse” (seu, sua,
dele), de quem, que identifica “pessoa”, e de quanto(s)(as), com sentido
próprio de “quantidade”. Entre esses, quem, onde e quanto(s)(as) po-
dem ser usados sem antecedente expresso, (o chamado uso absoluto),
exatamente porque o relativo traz seu próprio sentido à frase. Observe:

→→ O funcionário a quem encaminhei a proposta demitiu-se.


→→ “Quem eu quero não me quer...”
→→ Vejo que a casa onde mora é luxuosa.
→→ “Onde me espetam, fico.”
→→ “Tenho tudo quanto quero.”
→→ Livros? Compro sempre quantos posso.

É preciso, ainda, verificar a combinatória dos pronomes relativos com ou-


tras palavras da frase: enquanto alguns relativos podem-se combinar com
qualquer tipo de palavra (caso de cujo e quanto, e suas flexões), outros
combinam com preposições monossilábicas (que), com preposições não
monossilábicas (caso de o qual e suas flexões, que se usado sem prepo-
sição estará distanciado de seu antecedente).
Imaginemos enunciados em “estado bruto”, cujas partes deverão ser
ligadas por pronomes relativos:

Comunicação e Expressão / UA 15 Coesão Textual: Pronomes Relativos 5


a. A reunião foi muito proveitosa. Compareci à reunião ontem.
b. Não conheço a pessoa. Você diz que encontrou os documentos na
sala dela.
c. Estivemos no edifício daquela empresa. Nele ocorreu um incêndio.

Na frase 1, o antecedente do pronome é a palavra reunião: portanto, o


antecedente é inanimado, não humano; será substituído pelo relativo na
frase onde ocorre o verbo comparecer, verbo, como se vê, acompanhado
de preposição monossilábica. Nessas condições, a resposta será: o relati-
vo é que:

a. A reunião a que compareci ontem esteve muito animada.

(Note a “quebra” da primeira parte da declaração, para a inclusão da


frase contendo o pronome relativo: isso sempre ocorrerá para manter-se
o relativo o mais perto possível de seu antecedente.)
Na frase 2, o antecedente é a palavra pessoa, retomada pelo pronome
possessivo dela = a sala da pessoa. Existe aí uma indicação claríssima de
posse; portanto, só pode caber na frase CUJA, concordando com sala. A
declaração 2 realiza-se com o pronome relativo da forma seguinte:

b. Não conheço a pessoa em cuja sala você diz que encontrou os


documentos.

Finalmente, o enunciado 3; nele existe um antecedente compatível com


lugar: edifício da empresa. Para lugar, usa-se onde:

c. Estivemos no edifício daquela empresa onde ocorreu um incêndio.

Vamos agora fazer uma descrição mais pormenorizada de cada um dos


pronomes relativos.

1. Pronome relativo: QUE


Que é um pronome do tipo “doador universal”, visto que pode ocorrer
substituindo palavras de naturezas as mais diferentes, pode-se combinar
– ou não – com preposições, pode ser usado em lugar de outros relativos.
Essa propriedade desse pronome se deve principalmente a sua neutrali-
dade. Observe que ele não tem flexão de gênero (masculino / feminino)
nem de número (singular / plural); também é vazio de sentido – seu signi-
ficado na frase será sempre o significado de seu termo antecedente.
Veja essas características nos contextos a seguir:

Comunicação e Expressão / UA 15 Coesão Textual: Pronomes Relativos 6


→→ O homem que caiu do telhado ficou muito ferido.
→→ A moça que caiu do telhado ficou muito ferida.
→→ Os gatos que caíram do telhado ficaram muito feridos.
→→ A antena que caiu do telhado ficou completamente destruída.
→→ As telhas que caíram do telhado ficaram completamente que-
bradas.

Você pôde perceber que o relativo que substitui diferentes antecedentes,


adquirindo, portanto, diferentes sentidos:

O homem ficou muito ferido ... o homem caiu do telhado


A moça ficou muito ferida ... a moça caiu do telhado
Os gatos ficaram muito feridos ... os gatos caíram do telhado
A antena ficou completamente
... a antena caiu do telhado
destruída
As telhas ficaram
... as telhas caíram do telhado
completamente quebradas

Veja, agora, esse mesmo pronome em combinação com preposições:

→→ A atividade escolar de que mais gosto é a leitura.


→→ Essa é a atividade em que pretendo investir e a que dedico mais
tempo.

Por fim, note como ele pode ser usado em lugar de outros relativos.

Não conheço o funcionário Não conheço o funcionário


a quem você se refere. a que você se refere.
A rua onde moro é muito A rua em que moro é
movimentada. muito movimentada.
Os objetivos pelos quais
Os objetivos por que luta são nobres.
luta são nobres.

2. Pronome relativo: O QUAL, A QUAL, OS QUAIS, AS QUAIS


Esses pronomes também não têm sentido próprio; podem substituir an-
tecedentes animados (humanos e não humanos) e inanimados. As con-
dições de emprego deles são muito semelhantes às condições de uso do
relativo que. O que pode diferenciá-los, então?
Em primeiro lugar, a distância entre o antecedente e o relativo. No
desenvolvimento da frase, o antecedente e o relativo devem estar o
mais próximos possível – em geral, o antecedente é a palavra vizinha do

Comunicação e Expressão / UA 15 Coesão Textual: Pronomes Relativos 7


pronome. Mas, se as condições em que se apresenta a informação não
permitem essa proximidade, é necessário criar uma referência mais pre-
cisa, o que se faz flexionando o relativo na mesma forma do antecedente.
Vamos ver como isso ocorre na prática.
Se alguém afirma:

→→ Não gostei da proposta desse novo diretor, que me parece mui-


to indecente!

É possível perguntar: afinal, quem é indecente: a proposta ou o diretor?


Essa ambiguidade não existiria se o relativo escolhido tivesse as marcas
do seu antecedente.
Assim sendo, se a indecência for atributo do diretor, a frase será:

→→ Não gostei da proposta desse novo diretor, o qual me parece


muito indecente!

Já, se a indecência for atributo da proposta, a frase será:

→→ Não gostei da proposta desse novo diretor, a qual me parece


muito indecente!

Definida a questão, acaba a dúvida!


Cabe ainda observar que há um critério de ordem subjetiva que leva ao
emprego desse relativo; trata-se da entonação, daquilo que nosso ouvido
entende como uma combinatória sonora harmoniosa. É um tanto quanto
difícil “afinar” esse critério, razão pela qual é preferível observar combina-
tórias com preposições tônicas, monossilábicas ou não, com as quais esse
relativo (também tônico) soa melhor:

→→ Estes são os critérios mediante os quais foram escolhidos os can-


didatos à vaga.
→→ Houve obstáculos, diante dos quais suspendemos a execução do
projeto.
→→ Há opiniões segundo as quais o mercado de ações voltará a equili-
brar-se.

3. Pronome relativo: QUEM


Esse relativo tem sentido próprio, como se afirmou: ele carrega consigo
a carga semântica de pessoa, ser humano. Logo, seu antecedente tem de
ter esse atributo, como nas frases:

Comunicação e Expressão / UA 15 Coesão Textual: Pronomes Relativos 8


→→ João foi o funcionário a quem se atribuiu a função de Supervisor.
Afinal, ele é a pessoa em quem o Diretor da empresa deposita total
confiança.

Você percebeu que antes desse pronome há sempre uma preposição?


Pois é: isso sempre ocorre quando ele tem o antecedente expresso. Nes-
sas duas ocorrências, o relativo quem possui antecedentes, respectiva-
mente funcionário e pessoa.
Mas é possível empregá-lo também sem antecedente, já que ele tem
sentido próprio. Note essa propriedade em:

→→ Quem souber do paradeiro dela deve avisar a polícia.

Essa particularidade de quem está presente nos ditos populares, com


sentido de generalização da ideia de pessoa, equivalendo a toda pessoa
que. Eis alguns exemplos:

→→ Quem tudo quer nada tem.


→→ Quem espera sempre alcança.
→→ Quem com ferro fere com ferro será ferido.
→→ Quem vê cara não vê coração.

4. Pronome relativo: CUJO, CUJA, CUJOS, CUJAS


Afirmamos que esse relativo expressa a informação de posse. Vamos per-
ceber que o mecanismo de seu emprego é um pouco diferente daqueles
dos demais relativos, porque cujo(a)(s) mantêm uma dupla relação: com
um termo antecedente e com um termo consequente. Como isso se dá?
Em toda relação de posse, existe um possuidor e uma coisa possuída,
certo? São esses os dois elementos que esse pronome relaciona: o possui-
dor é o antecedente; a coisa possuída é o consequente.
Na frase:

→→ Elogiei o funcionário deste setor. O projeto do funcionário foi


premiado.

Possuidor: o funcionário. Coisa possuída: o projeto.


Na relação entre esses dois termos, temos:

→→ Elogiei o funcionário cujo projeto foi premiado.


↓ ↓
possuidor coisa possuída

Comunicação e Expressão / UA 15 Coesão Textual: Pronomes Relativos 9


Agora note a flexão desse relativo:

→→ Elogiei o funcionário cuja proposta foi premiada.


→→ Elogiei o funcionário cujos projetos foram premiados.
→→ Elogiei o funcionário cujas propostas foram premiadas.

Percebeu que esse pronome relativo concorda com a coisa possuída, com
o consequente?
Uma última e muito importante observação:

Atenção
Nunca use artigo (o, a, os, as) depois de cujo, cuja, cujos,
cujas! O artigo está embutido na flexão nominal do pronome.

5. Pronome relativo: ONDE


Esse relativo também tem sentido próprio. Onde significa lugar em que...
assim, só pode ser usado quando o antecedente dele tiver sentido de lu-
gar, como ocorre em:

→→ A rua onde moro, a cidade onde vivemos...

Rua e cidade são referências espaciais, são lugares.


É preciso ficar alerta para não fazer uso indevido desse pronome; aliás,
ele tem sido uma espécie de “muleta de frase”, entrando em contextos os
mais esquisitos, só para ligar uma frase com outra, independentemente
do que se diz!
Fuja de ocorrências como – Eles fizeram um estudo onde concluíram que
a empresa deve investir em agronegócio. Afinal, estudo não é um lugar...

Dica
Existe aonde?
Sim, essa forma nada mais é do que o relativo onde com-
binado com a preposição A.
Essa forma ocorre sempre que existe na frase um verbo
com sentido de direção, por exemplo, o verbo ir:

Comunicação e Expressão / UA 15 Coesão Textual: Pronomes Relativos 10


→→ Vou aonde me mandam...
→→ Não sei aonde eles foram.
→→ A montanha aonde se dirigem os alpinistas é muito perigosa.

Também se pode encontrar a forma donde, que nada mais é do que de


onde (aliás, uma construção mais contemporânea...); essa forma aparece
com verbos que têm sentido de procedência:

→→ O lugar donde vieram os tiros ainda não foi determinado pela


perícia.

Você notou que nessas duas frases o relativo onde foi empregado sem an-
tecedente expresso? Isso ocorre pelo fato de ele ter sentido próprio de lu-
gar (da mesma maneira que ocorre com o relativo quem, conforme vimos).

6. Pronome relativo: QUANTO(A)(S)


Esse é um relativo que só se usa quando existe a noção de quantidade.
E há uma diferença entre ele e os demais: ele tem antecedentes fixos,
em número limitado. Ele se refere às palavras tudo, todos, todas, tanto,
tantos, tantas.
Veja os exemplos:

→→ Ele tem tudo quanto desejou na vida.


→→ Comprou os DVDs e assistiu a todos quantos “couberam” num só
dia...
→→ Realizou as tarefas, tantas quantas lhe foram exigidas.

Também se admite o emprego absoluto desse relativo:

→→ Saibam quantos estão aqui presentes que nossa empresa vai ex-
pandir suas atividades.

Dica
Na sequência, você encontrará um quadro que resume a
descrição dos pronomes Relativos; ele traz os elementos
que definem a seleção do pronome adequado, partindo da
observação e da análise de antecedente, combinatória,
sentido e uso absoluto. Para resolver seus exercícios, ou
para produzir seus textos, acadêmicos, empresariais ou de

Comunicação e Expressão / UA 15 Coesão Textual: Pronomes Relativos 11


qualquer outro gênero, use o quadro – ele vai ajudá-lo a
fazer a escolha adequada do pronome relativo.

Tabela 1. Quadro dos relativo antecedente combinatória sentido uso absoluto


pronomes relativos.
1. Sem preposição.
• Animado (humano
ou não humano); 2. Com preposição Não tem sentido
que Não é possível.
pura / monossilábica próprio.
• Inanimado.
(a, de, em, por).

1) Com ou sem
preposição, se o
antecedente estiver
o (a) • Animado (humano distanciado.
qual ou não humano); Não tem sentido
2) Com preposição Não é possível.
os (as) próprio.
quais • Inanimado. ocasional / não
monossilábica (com,
sem, mediante, para,
segundo, etc.).

Com antecedente É possível, sem


quem Humano Pessoa
e preposição preposição.

• Animado (humano
cujo(s) ou não humano); É livre Posse Não é possível.
cuja(s)
• Inanimado.

1. Sem preposição.
Compatível 2. Com preposições
onde Lugar É possível.
com lugar. (a: aonde, de:
donde / de onde).

quanto(s) Todos, todas,


É livre. Quantidade É possível.
quanta (s) tanto(s), tantas, tudo

Comunicação e Expressão / UA 15 Coesão Textual: Pronomes Relativos 12


antena
parabólica
Tal como comentado em nossa aula anterior, o adequa-
do emprego dos pronomes relativos é garantia de efi-
cácia do texto, pois permite que o circuito de comunica-
ção se estabeleça de tal maneira que emissor e receptor
compartilhem a mesma informação. O correto uso des-
ses pronomes dará a todos os textos que você produzir,
nas atividades de estudo, profissionais ou sociais, a cer-
teza de que você está se comunicando bem!

E agora, José?
O desenvolvimento de incontáveis atividades em seu
cotidiano vai demandar os recursos de língua que você
estudou nesta unidade. Os elementos coesivos aqui tra-
tados são imprescindíveis à produção de qualquer gêne-
ro textual e também da compreensão de textos – afinal,
eles são portadores de informações que circulam pelos
textos em geral. Compreendê-los, saber analisá-los e
empregá-los é um grande passo para seu desempenho
nas mais diversas situações de comunicação. Agora você
já está preparado para isso!
Glossário
Sintático-semântico: termo composto que se duas importantes propriedades que devem
refere aos dois tipos de relação que pode estar presentes em frases, períodos e textos.
haver no texto: a relação sintática é própria Antecedente: termo que vem antes do prono-
das relações hierárquicas e da organização me relativo e cujo conteúdo é retomado por
dos termos entre si (sujeito X verbo; verbo X este.
complemento; palavra de ligação x comple- Consequente: termo que vem depois do relati-
mento etc.); a relação semântica é referente vo “cujo(a)(s)” e que designa a coisa possuí-
aos vínculos de sentido entre as palavras no da, numa relação de posse.
contexto. Atualmente, não se separam essas

Referências
BECHARA, E. Moderna gramática língua por-
tuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001
MARTINS, D. S. ; ZILBERKNOP, L. S. Português
Instrumental. 25a ed. São Paulo: Atlas,
2004.

Comunicação e Expressão / UA 15 Coesão Textual: Pronomes Relativos 14


16
comunicação e expressão
Coesão e coerência
em documentos
empresariais e em
textos midiáticos

Objetivos da Unidade de aprendizagem


Ao final da aula, o aluno deverá ser capaz de identificar
falta de coesão e coerência em textos noticiosos e em
propagandas, filtrar informações e ainda escrever um
texto empresarial mantendo a coerência e a coesão.

Competências
Compreensão do processo de identificação de falhas de
coesão e coerência em textos midiáticos.

Habilidades
Compreensão do processo de identificação de falhas de
coesão e coerência em textos midiáticos
Apresentação
É comum, no ambiente empresarial, que textos causem
excelente impressão sem que o leitor saiba exatamente
por quê. É o caso de textos que, além de coerentes, são
coesos. Coerência é um conceito simples de entender e
atendê-la requer, sobretudo domínio do assunto trata-
do e atenção. Coesão é, ao menos a princípio, uma ideia
menos intuitiva, mas muito importante, como demons-
tra esta aula. E, em relação aos textos midiáticos, essa
aula também examina coerência e coesão na mídia, es-
pecialmente no texto noticioso. Esse estudo auxiliará o
gestor a exercer um olhar crítico sobre o que lê e reforça
os conceitos de coerência e coesão.

Para Começar
É muito comum que erros sejam cometidos em empre-
sas por redação defeituosa de textos, com consequente
dificuldade de compreensão. Mas o que torna um tex-
to organizacional inteligível? Algumas características do
bom texto são fáceis de entender: termos claros e bem
definidos, construção direta sempre que possível e au-
sência de palavras desnecessárias. Outras propriedades
do texto organizacional adequado não são tão óbvias,
inclusive e principalmente a coerência e a coesão.
Um texto coerente, como já foi visto, é o texto livre de
inconsistências e contradições. É muito importante no
mundo empresarial ser lógico e consistente.
Parece fácil, não? Mas não é exatamente. A falta de
coerência nem sempre é óbvia, como será demonstrado
ainda nesta aula.
O conceito de coesão é mais complexo, como você
já percebeu nas aulas anteriores. Mas certamente você
já viu muitas e muitas vezes, por exemplo, cartas que
começavam na 3ª pessoa (a empresa decidiu...) e lá pe-
las tantas mudava para a 1ª pessoa (resolvemos que as
ações serão...). Outro exemplo é o uso indiscriminado de
singular e plural com a intenção de significar exatamente a mesma coisa,
como um relatório que menciona “o gerente” em um determinado pará-
grafo e “os gerentes” um pouco mais adiante.
Vamos, então, ver como reconhecer essas armadilhas que se põem no
caminho da coerência e da coesão dos textos empresariais.
É importante ressaltar que muitos desses textos organizacionais são
muito comuns em formato midiático. O texto midiático é também muito
utilizado nas organizações e tem particular importância. Embora vários
sejam os gêneros a ele associados (publicitário, ficcional – novelas, políti-
co), vamos fixar no noticioso que, de certa maneira, é capaz de esclarecer
o modo como certas características se desenvolvem nos textos da mídia.
É claro que uma notícia tem de ser escrita com coerência. Imagine um
jogo de futebol noticiado como tendo acontecido na estação espacial or-
bital: evidentemente, lá não há espaço para isso... Ou um anúncio que
prometa emagrecimento de 50 quilos por dia. Existem certas incoerências
grosseiras – as mencionadas, por exemplo. Fáceis de perceber. Ninguém
acreditaria na possibilidade do tal jogo em espaço tão pequeno e, ainda
por cima, sem a força da gravidade. Da mesma forma, qualquer pessoa,
por menos esclarecida que seja, tem consciência da impossibilidade de
perder 50 quilos em um único dia. Mas, às vezes, o que é claro para um
não o é para o outro.
Nesta aula vamos estudar a forma como a coerência é construída nos
textos empresariais e midiáticos, jornalísticos e publicitários. A coesão
também será observada como forma de melhoria textual.

Dica
Ter cuidado evita problemas!
Erros de coerência e coesão são detectáveis e podem ser
corrigidos a partir do entendimento dos conceitos e atenção
ao produzir o texto.

Fundamentos
Fávero e Koch (1998) afirmam que todo falante de uma língua é capaz
de distinguir um texto coerente de um aglomerado incoerente de enun-
ciados e esta é especificamente uma competência linguística em sentido
amplo.

Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 4


Lembremos que coesão e coerência são fatores de textualidade com-
plementares e nem sempre aparecem separados. Para alguns autores
como Koch (2000), a coesão é um fenômeno distinto que diz respeito ao
modo como os elementos linguísticos presentes na superfície textual se
encontram interligados. Para esta autora, a coesão se constitui sobree
duas bases: a remissão e a sequenciação. A primeira ocorre no texto por
meio da referenciação anafórica ou catafórica, formando cadeias coesivas
mais ou menos longas – são elementos que retomam referentes princi-
pais ou temáticos e estão presentes, geralmente, no texto inteiro. Você já
estudou esse assunto na aula 14, lembra?
A coerência se configura em um aspecto externo ao texto, uma vez que
está relacionada aos contextos de situação. Nesse sentido, estão envolvi-
dos os diversos fatores interpessoais, além e outras formas de influência
recebida pelo falante em situação de comunicação. Isso significa dizer que
o contexto no qual está inserido o falante é significativo para a construção
da coerência textual.
Os erros de coerência e coesão no texto organizacional são, na maior
parte das vezes, parecidos uns com os outros. É nos erros mais comuns
que vamos nos concentrar de modo a que você possa aperfeiçoar seu
método de análise e produção de textos.

Conceito
A coesão refere-se à forma como os elementos gramaticais
se relacionam no texto e a coerência refere-se ao contexto.

1. Coerência
Os aspectos da coerência que vamos examinar são:

1.1. Causalidade;
1.2. Certeza;
1.3. Consequência.

1.1 Causalidade
A causalidade é tornada evidente quando se estabelecem relações de cau-
sa e efeito; seus nexos são: porque, já que, pois, por causa de, suposto que,
como que.
Um erro comuníssimo em textos empresariais acontece quando se es-
creve que algo é importante (ou mesmo muito importante) sem explicar
o motivo. Por alguma razão, as pessoas que cometem esse erro gostam

Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 5


muito da expressão “é fundamental”. Praticamente todos os que traba-
lham em organizações já viram isso.
Segue exemplo de e-mail extraído de uma empresa de engenharia:

→→ Seu relatório omite informações importantes. Pedimos que o revise.

Nesse caso real, a frase entre aspas não menciona quais as informações
importantes que foram omitidas e cuja ausência provoca a necessidade
de revisão. Explicitar as relações de causa e efeito, nesse caso, evitará
dúvidas e retrabalho.
O texto correto seria:

→→ Seu relatório omite informações importantes como: (mencionar as in-


formações importantes). Solicitamos (ou pedimos) que o revise.

Outro caso, na mesma empresa:

→→ É fundamental que o relatório não ultrapasse duas páginas.

Trata-se de erro frequente. Não foi explicado o motivo da limitação do


número de páginas do relatório.
O correto seria mencionar a(s) causa(s) dessa importância. Exemplos:

→→ É fundamental que o relatório não ultrapasse duas páginas para ga-


rantir que seja lido na sua totalidade.
→→ É fundamental que o relatório não ultrapasse duas páginas por ser
esta a norma da empresa.

Atenção
A afirmação de importância ou relevância de determinado
assunto ou fato desacompanhada das causas dessa impor-
tância transmite falta de real conhecimento do assunto ou
desleixo ao produzir o trabalho.

Outro erro comum envolvendo causalidade é a inversão de causa e efeito.


Trata-se de uma inconsistência particularmente comum em discussões
entre clientes e fornecedores.
Veja este caso: uma empresa de grande porte na área de construção
enviou uma carta a um cliente importante alegando que “[...] os atrasos

Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 6


na obra foram provocados pelas medidas tomadas pela fiscalização”. O
cliente pode entender que a fiscalização agiu por causa dos atrasos. Isso
configura uma inversão de causa e efeito.
Quem escreve em ambiente empresarial deve ter atenção a afirmações
que, não explicadas, passem por inversão de causa e efeito.
Um modo correto de escrever seria, por exemplo, “os atrasos na obra
foram provocados por exigências da fiscalização fora do escopo de con-
trato: relatórios diários, apresentação de procedimentos escritos antes de
se executar os trabalhos e testes não usuais.” Aqui não há possibilidade
de duplicidade de interpretação.

1.2 Certeza
A certeza reforça as ideias que o autor apresenta no texto, ou seja, signifi-
ca uma afirmação que não admite ser contestada. Seus nexos são: eviden-
temente, seguramente, de fato, claro, ademais. Colocada em um documen-
to organizacional, deve ter base sólida, ou poderá destruir a credibilidade
do texto. Leia o exemplo retirado de um relatório técnico:

→→ Nossa experiência permite afirmar conclusivamente que existe ine-


ficiência operacional.

Essa frase (elaborada por gerente de empresa metalúrgica) concluiu um


relatório em que eram somente apontados sinais de má operação, sem
nada de conclusivo. Nesse caso, a certeza foi utilizada com improprieda-
de. Melhor seria dizer:

→→ Nossa experiência permite apontar para indícios de ineficiência ope-


racional.

De um modo geral, as afirmações de certeza devem ser evitadas e subs-


tituídas por fatos. Quando em maio de 2010 o presidente da Telefônica
disse, sobre a compra da Vivo: “Nós não temos nenhuma dúvida de que
os acionistas da Portugal Telecom aprovarão a venda”, ele substanciou a
informação com um fato: “A oferta é impecável. Ambas as companhias
se beneficiarão com o acordo”. Ainda que se entenda que um negócio de
grande porte provoque envolvimento emocional do presidente da empre-
sa compradora, aquele executivo faria melhor se tivesse falado somente
nas vantagens para as duas organizações e não mencionasse a certeza,
dispensável. Aliás, o negócio acabou se complicando...

Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 7


1.3 Consequência
A consequência relaciona a continuidade das ideias, conforme o encade-
amento de frases, orações ou parágrafos. Alguns de seus nexos são: pois,
deste modo, depois, portanto. Os erros mais comuns de consequência,
presentes com frequência em textos de propostas organizacionais, estão
listados e comentados a seguir.

a. Afirmação do consequente: ocorre quando o consequente não é re-


sultado de um argumento baseado no antecedente. Por exemplo,
“como se sabe, uma boa proposta leva à vitória em licitações. Como
vencemos a licitação, podemos concluir que desenvolvemos uma
boa proposta”. Quem trabalhou em empresas sabe que, às vezes,
uma proposta é mal escrita e mesmo assim a empresa vence a con-
corrência. Esse tipo de erro é particularmente pernicioso, pois difi-
culta as melhorias nos textos.
b. Negação do antecedente: acontece quando o antecedente é negado
com recurso à ausência do consequente. Por exemplo, “se perdemos
a licitação, isso significa que nossa proposta foi mal feita”. Aplicam-se
aqui observações análogas às do item anterior, ou seja, o fato de per-
der não significa que o texto da proposta tenha sido mal elaborado.
c. Argumento de antiguidade: é muito comum que se justifique uma ati-
tude ou ação a partir da tradição como único argumento. Veja, por
exemplo este texto: “a empresa está no mercado há 40 anos – se re-
solveu cortar mão de obra operacional, deve estar certa”. Um texto
correto seria: “a empresa, que está no mercado há 40 anos, detectou
excesso de mão de obra e resolveu cortá-lo por estar segura de que
esse corte não afetará sua capacidade operacional.” A antiguidade
pode até compor a argumentação, mas não pode ser o único argu-
mento.
d. Non sequitur (não segue): conclusão que não se sustenta nos an-
tecedentes. Veja, por exemplo, este texto: “Esse gerente tem nome
alemão. Deve ser muito competente”. Nesse caso, mesmo em uma
multinacional de origem alemã, o fato de um indivíduo ser alemão
não lhe confere competência.
e. Apelo à autoridade: bastante comum em organizações, trata-se de
conclusão a partir de apelo à autoridade como único argumento. Por
exemplo, observe esta construção:

→→ Se o diretor disse que é indispensável que trabalhemos todos os


sábados, deve estar com a razão.

Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 8


A autoridade concedida ao diretor não esclarece o motivo da neces-
sidade do trabalho fora de horário normal. Melhor seria dizer, por
exemplo:

→→ O diretor disse que é indispensável que trabalhemos todos os sá-


bados para recuperar o atraso no projeto.

2. Coerência no Texto Jornalístico


Leia o texto a seguir:

1. Giacomo Mancini, Texto no 11


Correio da Bahia, Tem melhor data para o Dia dos Namorados que um sábado à noite? Pois
em 6/6/2010.
vocês já sabem: restaurantes, bares e até botecos lotadíssimos.

Como vocês podem perceber, esse primeiro texto apresenta uma impro-
priedade lógica: se bares, restaurantes e botecos estão lotadíssimos no
sábado à noite, aqueles não seriam os melhores lugares para namorados
festejarem, afinal é de se supor que eles prefiram ambientes mais aconche-
gantes que uma fila enorme. Haverá barulho, confusão, demora no aten-
dimento, o que também não combina com a intimidade esperada para a
data. Esse é um exemplo de falta de coerência em um texto jornalístico.
Clareza é uma das características indispensáveis dos textos jornalísti-
cos. Para que sejam coerentes, é preciso evitar implícitos que os tornem
inconsistentes.

2. Disponível em Texto no 22
www.itamaraty.gov.br Seminário “Novos Cenários para a Política Nacional Antidrogas”
/sala-de-imprensa/
notas-a-imprensa/
2003/03/27/ Com o objetivo de promover o debate sobre a condução da Política Na-
cional Antidrogas, está sendo realizado o Seminário “Novos Cenários para
a Política Nacional Antidrogas”, nos dias 26 e 27 de março corrente, no
Auditório do Palácio Itamaraty.
O Seminário, promovido pela Secretaria Nacional Antidrogas do Gabi-
nete de Segurança Institucional, conta com a participação de representan-
tes de órgãos do Governo Federal, da comunidade científica e da socie-
dade civil, presidentes e membros dos Conselhos Estaduais e Municipais
Antidrogas/Entorpecentes, entre outros.

Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 9


Ao final do Seminário, no dia 27 de março, às 18h30, será realizada Con-
ferência de Imprensa, na Assessoria de Comunicação Social do Itamaraty.

O texto no 2 é claro e apresenta todos os dados referentes ao seminário,


tema da notícia. Não há espaço para duplas interpretações. Há coerência
entre tema e corpo da notícia.

3. Agência EFE, Texto no 33


4/10/2009. O Movimento Socialista Pan-helênico (Pasok), liderado por Giorgio Papan-
dreu, obteve hoje a maioria absoluta nas eleições parlamentares gregas,
segundo as primeiras pesquisas de boca de urna. O Pasok recebeu até
44% dos votos, com o apoio de 159 dos 300 deputados do Parlamento.

Uma conta muito simples mostra que o número 159 corresponde a 53%
de 300, e não a 44%. E 53% é mais da metade do número de deputados,
o que obviamente não acontece com 44%, que não é maioria absoluta...
Provavelmente a porcentagem refere-se ao número de votantes, dos
quais 44% votaram no partido, mas isso não fica claro. Se fosse dito que
os votos proporcionaram a eleição de 159 dos 300 deputados ficaria claro.
É preciso lembrar que números, por serem exatos, parecem demons-
trar confiabilidade e emprestam credibilidade aos textos. No entanto, a
propósito de seu emprego na mídia jornalística, os profissionais da área
costumam ter uma formação que não privilegia os números. Isso provoca,
muitas vezes, impropriedades textuais que causam incoerências.
Vejamos exemplos específicos de incoerências na utilização dos núme-
ros na mídia jornalística.

Exemplo 1:

→→ Pesquisadores anunciam um novo remédio que é 50% mais efetivo


que o remédio tradicional.

Como não está claro sobre qual valor incidem os 50%, é possível que o
leitor pense que 50% do total de pacientes terão seus problemas resol-
vidos. No caso, o remédio tradicional funcionava em 4% dos casos. Se o
desempenho do medicamento melhorou 50%, isso significa que o novo
medicamento atinge 6% dos pacientes e não 50% como é a impressão
inicial do leitor desavisado.

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Se outros números fossem colocados na reportagem, os resultados
seriam:

→→ 30% tomaram um placebo, sem qualquer tratamento médico, e


melhoraram;
→→ 34% dos que usaram o remédio antigo melhoraram;
→→ 36% dos que usaram o novo remédio melhoraram.

Um jornalista com desembaraço com números se sentiria seguro para


perguntar o que, afinal, significariam os tais 50% e poderia fornecer a in-
formação ao leitor sem produzir incoerência entre o fato e a notícia.

Exemplo 2:

→→ Entre 1985 e 1994, 62 por cento das fêmeas de urso polar estu-
dadas escavaram tocas na neve. De 1998 a 2004, apenas 37 por
cento o fizeram.

Esses são os únicos números fornecidos pela reportagem e o leitor aten-


to questiona vários pontos: por cento de quanto? Dez ursos? Mil ursos?
O primeiro período (1985 a 1994) cobre dez anos, mas o segundo somen-
te sete anos. E o que aconteceu em 1995, 96 e 97? Se o período integral
de dez anos for mostrado, quais os resultados? É preciso que a notícia
apresente elementos conclusivos, ou coloque claramente uma questão
não respondida para evitar que o leitor tenha interpretação equivocada.
Faltam dados, ou seja, falta coerência. A coerência exige completude de
informação. Essa notícia apareceu em vários jornais norte-americanos do
modo como apresentado em itálico. Nenhum jornalista fez os questiona-
mentos que aparecem no final do parágrafo precedente.
A incoerência verificada, motivada pela incompletude das informações,
não permite que apresentemos a você uma correção.

4. Bernardo Pombo,
Texto no 44
Globo On-Line,
19/6/2010. [...] Engaiolado, espremido, na classe econômica, você termina a viagem
- seja qual for a opção - com os ossos moídos. E já desce do bonde andan-
do, porque não há tempo para o descanso: é preciso ir às ruas (lugar de
repórter) e observar, conversar, ouvir histórias.
(Isso – alô estudantes de jornalismo! – faz parte do romanceado gla-
mour da vida de correspondentes internacionais).

Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 11


Mas, enfim, isso aqui não é uma queixa: apenas um registro sobre a
melhor profissão do mundo.

O texto número 4 mostra um tipo bastante interessante de incoerência


proposital que necessita de esforço do leitor para sua compreensão. Trata-
-se da figura de linguagem ironia. Compare o primeiro parágrafo, que fala
de problemas e das inúmeras tarefas do profissional de jornalismo, com o
segundo e terceiros parágrafos, que mostram, ironicamente, a opinião que
se tem sobre o correspondente internacional. Como você pode observar,
glamour não combina com engaiolado, espremido, ossos moídos, falta de
tempo para descanso... Da mesma forma, não faz sentido considerar uma
profissão com tantos percalços, como a melhor do mundo. O que o jornalis-
ta quis dizer, em mensagem implícita, é que os benefícios da profissão são
suficientemente importantes para que se relevem os malefícios.

Dica
Coesão e Coerência: dois fatores de textualidade que não
podem ser desprezados durante a construção do texto midi-
ático, sob pena de comprometerem sua compreensão.

3. Coesão
Você já sabe o que é coesão. Os erros mais comuns no texto empresarial
estão relacionados a:

2.1. Arranjo formal;


2.2. Sequenciamento e ordenação;
2.3. Uso de conectivos;
2.4. Encadeamento de frases.

3.1 Arranjo formal


Todos os textos empresariais devem ter, de algum modo: uma introdu-
ção, com os objetivos do texto; uma explicação sobre os antecedentes
(contexto que levou à produção do documento); um desenvolvimento e
uma conclusão. Isso se aplica mesmo a e-mails, em que o objetivo pode
estar, por exemplo, no título; ou em uma carta, em que o objetivo pode
vir declarado formalmente no início, ou ao menos em uma linha, na apre-
sentação do assunto. Como se sabe, uma carta deve ter, depois da data,
o destinatário e, em seguida, uma linha com a apresentação do assunto.

Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 12


São comuns textos em que não se explica o objetivo no início. Isso faz
com que, às vezes, o leitor chegue ao final da leitura sem saber o que o
autor realmente pretendia. Infelizmente, essa falha é muito comum em
relatórios.

Lembre-se
Um relatório deve iniciar com uma explicação concisa do ob-
jetivo, para que o leitor saiba, imediatamente e sem muito
esforço, sobre que assunto vai ler.

Segue um exemplo de e-mail cujo título era “impacto no projeto”, elabora-


do por empresa de mineração:

→→ Em tempo adequado, foram identificadas dificuldades que impac-


taram no projeto. Esses impactos foram ajustados, absorvidos e
consolidados nos aditivos contratuais emitidos. A dinâmica do em-
preendimento, no entanto, não permitiu o cumprimento das metas.
Constantes adaptações, ajustes e principalmente modificações de
última hora introduzidas pela fiscalização, acabaram por impactar
no desenvolvimento do projeto.

Esse texto está tão confuso, que não se sabe se solicitava mais prazo,
outro aditivo contratual ou se era simplesmente um relato. Além de não
evidenciar o objetivo, que esclareceria parte do texto, a falta de coesão
representada pela má escolha de termos compromete ainda o entendi-
mento. Exemplos de mau uso de palavras: “tempo adequado” – não é
apropriada ao contexto; “dinâmica do empreendimento” – expressão que
não explica a que se refere; “no entanto” – termo deslocado. O texto afir-
ma que dificuldades impactaram o projeto, mas não diz quais foram essas
dificuldades. Não se sabe se os impactos da primeira e da última frase são
os mesmos. Se o autor tivesse explicitado um objetivo, talvez fosse possí-
vel entender o que quis dizer.
Outro item do arranjo formal que pode ser fonte de equívocos é o ta-
manho dos parágrafos, que não devem ser curtos ou compridos demais.
Propostas e relatórios extensos podem ter, após a declaração de objeti-
vos, um sumário executivo, que se destina à leitura rápida de quem está
interessado no assunto, mas não tem tempo para ler os detalhes. Esse
sumário pode consistir de um único parágrafo longo ou ser dividido em
parágrafos menores.

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3.2 Sequenciamento e ordenação
O sequenciamento é uma das fontes mais comuns de erros de coesão no
texto organizacional. Um exemplo mostra como esse tipo de erro acon-
tece. Veja a seguir, uma enumeração de itens retirada de um texto orga-
nizacional:

a. A pesquisa dos antecedentes é necessária;


b. Desenvolver um plano de ação;
c. Cálculo de custos;
d. Benefícios.

Ainda que essa lista esteja coerente, há algo errado com ela: cada item da
enumeração está escrito de um modo diferente. Não se sabe, por exem-
plo, se a pesquisa de antecedentes, que é necessária, já foi feita. Não se
sabe, também, o que será feito a respeito dos benefícios: se serão só lis-
tados ou se também calculados.
De qualquer modo, a diferença entre as maneiras de escrever os itens
não dá fluência à ideia de ações sequenciais. A maneira correta de enu-
merar passa pela coesão dos elementos iniciais de cada item. Se você
escolher elencar com verbos no infinitivo, faça-o em todos os itens, con-
forme exemplo a seguir, que elimina as incertezas comentadas:

a. Pesquisar os antecedentes;
b. Desenvolver um plano de ação;
c. Calcular os custos;
d. Listar e calcular os benefícios.

Note que não há, agora, dúvida sobre o encadeamento dos itens. Enu-
merações e sequências devem, pelas razões citadas, obedecer à mesma
forma gramatical, em um procedimento que se denomina paralelismo.
Como exercício, troque por substantivos os verbos que aparecem no
Infinitivo na lista apresentada. Elabore as adequações necessárias.

Atenção
A mensagem que se passa ao leitor, usando construções di-
ferentes em uma sequência ou enumeração é a de que os
itens não pertencem à mesma ação.

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3.3 Uso de conectivos
Os conectivos, como visto em aulas anteriores, são elementos importan-
tes de coesão. Os erros mais comuns no texto organizacional relaciona-
dos ao uso desses elementos são listados e comentados a seguir. Todos
os exemplos foram extraídos de documentos reais.

a. Uso de elementos de outra categoria gramatical, com destaque para


má utilização do pronome relativo “onde”. Exemplo:

→→ Esta é uma proposta para um cliente importante, onde deve ser


feita com cuidado.

O pronome relativo onde só pode ser usado quando se refere a lu-


gar, conforme você já observou em aula anterior. O certo é:

→→ Esta é uma proposta para um cliente importante, portanto deve


ser feita com cuidado; ou
→→ Esta é uma proposta para um cliente importante e deve ser feita
com cuidado.

Outra palavra muito usada de maneira inadequada é “entretanto”


para significar “no entanto”. Exemplo:

→→ Trabalhamos durante todo o fim de semana, entretanto o traba-


lho não ficou pronto.

O correto seria:

→→ Trabalhamos durante todo o fim de semana, no entanto, o traba-


lho não ficou pronto.

b. Uso de conectivos inadequados para estabelecimento de uma rela-


ção lógica. Por exemplo:

→→ O projeto originalmente definido no processo licitatório mostrou-se


inexequível desde limitações do hardware fornecido pelo cliente.

O certo é:

→→ O projeto originalmente definido no processo licitatório mostrou-se


inexequível devido a limitações do hardware fornecido pelo cliente.

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c. Ausência de conectivos necessários. Por exemplo, um e-mail de 2010
com justificativa de atraso para uma reunião importante diz: “che-
gamos atrasados à reunião tivemos problemas no trânsito”. Como
você pode observar, faltou um conectivo e o leitor sente claramente
a ausência de um termo de ligação. Como exercício, formule a frase
de forma correta.

d. Uso de gerúndio para evitar conectivos: essa imprecisão coesiva não


é exatamente um erro gramatical, mas certamente empobrece o tex-
to empresarial.
Por exemplo: “foram realizadas ações de marketing melhorando a
perspectiva de vendas”.
Mais correto será escrever “foram realizadas ações de marketing
que melhoraram a perspectiva de vendas”. Note-se que a perspecti-
va de venda poderia ter sido melhorada por outra providência e que
as ações de marketing poderiam ter outra finalidade. O conectivo
elimina qualquer dúvida!

dicas
Como o gerúndio se tornou hábito para a maioria das pes-
soas, revise seu texto procurando “ndo” com a ferramenta
de procura do Word. Em cada gerúndio encontrado, procure
possibilidades de uso de conectivos. Dá certo!

3.4 Encadeamento de frases


A digitação de textos em computador trouxe benefícios importantes, mas
trouxe também, entre outras possibilidades de erros, as frases soltas. O
texto é modificado, às vezes com pressa, e permanecem as tais frases sol-
tas. Como em outros aspectos relativos à coesão, revisões antes do texto
final são, na maior parte dos casos, suficientes para evitar esse tipo de fa-
lha. Segue um exemplo retirado de uma carta, de 2009, relativa a contrato
que envolvia quantias elevadas.

→→ Após a ocorrência dos problemas citados, foi nomeado um novo fiscal


com poderes decisórios e foram modificadas as atribuições do geren-
te do contrato. Papel de observador sem interferir em decisões.

Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 16


A última frase, solta, não mostra se o papel de observador é só do gerente
ou se de mais alguém. Aliás, não há certeza de que a última frase pertença
ao contexto.
O certo seria:

→→ Após a ocorrência dos problemas citados, foi nomeado um novo fis-


cal com poderes decisórios e foram modificadas as atribuições do
gerente do contrato, que passou a exercer o papel de observador
sem interferir em decisões.

4. Coesão no Texto Jornalístico


A seguir, vamos observar problemas de coesão no discurso jornalístico.
Você vai, na análise dos textos, perceber a aplicação do que aprendeu até
agora em aulas anteriores. Lembre-se de que a coesão ocorre na super-
fície textual, por meio de conectivos e outros elementos de ligação corre-
tamente colocados.

5. Jornal O Dia, Texto no 15


18/6/2010. Rio – Defeito em uma das portas do trem do metrô, que seguia para
a Central do Brasil, na manhã desta sexta feira, fez com que a empresa
retirasse os passageiros e embarcassem em outro trem.

Há aqui um desvio de foco e de sintaxe, provocado por utilização equi-


vocada de conectivo. O texto correto deveria ser: “Defeito em uma das
portas do trem do metrô, que seguia para a Central do Brasil, na manhã
desta sexta-feira, fez com que a empresa retirasse os passageiros para
que embarcassem em outro trem”.

6. Jornal O Dia, Texto no 26


18/6/2010. Mas a paixão por Júlio Cesar é tanta que Daiane Cristina não quer nem
arriscar quem vai fazer os gols.

O texto no 2 fala de uma leitora do jornal, que se apresenta como grande


fã de Júlio Cesar, goleiro da seleção brasileira de futebol. Na redação des-
se texto, observa-se a falta do verbo principal: dizer. Falta também uma
vírgula. Da forma como está escrito, não fica claro se Daiane não quer
arriscar errar um prognóstico ou arriscar a integridade do jogador. Para

Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 17


evitar essa duplicidade de entendimento, o texto deveria ficar da seguinte
forma: “Mas a paixão por Júlio Cesar é tanta, que Daiane Cristina não quer
nem se arriscar a dizer quem vai fazer os gols.

7. Jornal O Dia, Texto no 37


18/6/2010. Na última rodada, a Dinamarca enfrenta o Japão e Camarões, a Holanda.

Conforme já comentado, o discurso jornalístico deve, a bem da clareza,


evitar duplos sentidos, assim é preciso especial atenção aos problemas
de coesão, que ocorrem também por erros da pontuação. No texto 3, que
fala dos jogos da Copa do Mundo 2010, não fica claro, em uma primeira
leitura, que a Dinamarca enfrenta o Japão e que Camarões enfrenta a Ho-
landa. Do jeito como aparece, a primeira impressão é de erro grosseiro
ou de deslocamento indevido da vírgula. Lê-se que a Dinamarca enfrenta
Japão e Camarões. Nesse caso, a Holanda estaria fora do contexto. Só
em uma segunda leitura, com esforço, se torna claro o que realmente o
repórter quis dizer. A questão se resolve com a pontuação adequada do
texto. Veja: “Na última rodada, a Dinamarca enfrenta o Japão, e Camarões,
a Holanda”.

5. Coerência no Texto Publicitário


Se de um lado, o discurso jornalístico necessita da coesão e da coerência
para evitar duplicidade de compreensão, por outro, o discurso da propa-
ganda às vezes apela propositalmente à incoerência para justamente pro-
vocar tal duplicidade. Como se trata de um discurso passional, com forte
apelo ao desejo de consumir, não mostra claramente sua pretensão, mas
deixa pistas sobre aquilo que quer provocar no consumidor.
Uma propaganda de cerveja que mostre um cidadão rodeado de
mulheres deslumbrantes e extremamente satisfeitas sugere que con-
sumir aquela marca de cerveja faz com que lindas moças sejam atraí-
das pelo indivíduo. É evidente que a mensagem não é verdadeira e que
os consumidores têm consciência disso. Mas essa é justamente a men-
sagem que permanece no inconsciente do consumidor. A intenção do
anunciante é essa ação sobre o inconsciente. Onde está a incoerência?
No fato de que consumir qualquer marca de cerveja não atrai mulheres
bonitas (nem feias).

Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 18


antena
parabólica
Com as necessidades de certificação de qualidade que de-
ram um salto na primeira década do século XXI, indústrias
como a de medicamentos e a de construção passaram a
exigir documentação cada vez mais apurada. As empresas
de projetos e obras não demoraram a perceber que tinham
em seus quadros engenheiros eficientíssimos em projetar e
construir, mas que escreviam mal. Documentos foram rejei-
tados e pagamentos atrasados por falta de documentação
apropriada. As empresas procuraram professores de Por-
tuguês para melhorar seus textos e experimentaram outra
dificuldade: os professores nem sempre conseguiam en-
tender a tecnologia envolvida. A partir daí, engenheiros que
escrevem bem passaram de personagens semifolclóricos a
peças importantes naquelas organizações.
E em relação aos textos midiáticos, a propaganda enga-
nosa tem sido uma preocupação da sociedade desde que
a propaganda existe. Apesar disso, nessa mídia, a falácia
ainda aparece com certa frequência. Diferentemente do
que se possa pensar, esse fato ocorre mundialmente, inclu-
sive em países desenvolvidos. Ficou famosa a punição da
empresa que fabrica as sopas Campbell que, para mostrar
que a sopa possuía muitos pedaços de alimentos sólidos,
fez um ator esvaziar diante das câmeras uma lata de sopa
cheia de... bolas de gude! No Brasil, a indústria da propa-
ganda criou, para evitar ações judiciais que se arrastassem
por anos, o CONAR, Conselho Nacional de Autorregulação.
Trata-se de entidade privada que tem suas decisões sempre
respeitadas.

E agora, José?
Você viu como utilizar conceitos de coerência e coesão em
textos empresariais. Também aprendeu a identificar esses
mesmos conceitos em textos midiáticos. Agora é importan-
te repassar todas as aulas para sedimentar esse conteúdo
em sua aprendizagem.
Referências
CHARAUDEAU, P. Discurso das Mídias. São KOCK, I. V. Coesão e Coerência Textuais. São
Paulo: Contexto, 2006. Paulo: Contexto, 2008.
CHAVES, M. G. D. M
 anual Prático de Redação SCIPIONI, U. Do Texto ao Texto – Curso práti-
Empresarial. São Paulo: Edifieo, 2007. co de leitura e redação. São Paulo: Editora
AVERO, L. Coesão e Coerência Textuais. São Scipioni, 2006.
Paulo: Ática, 2004. TABOADA, M. T. Building Coherence and Co-
FAVERO, L. L.; KOCH, I. V. Línguística Textual – hesion. Amsterdam: John Benjamins, 2004.
Introdução. 3a ed. São Paulo: Cortez, 1994.
FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. P
 ara Entender o
Texto: Leitura e Redação. São Paulo: Áti-
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Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 20

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