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Sebenta TGDC II MRR
Sebenta TGDC II MRR
23-02-2021
O facto em sentido amplo é um acontecimento da vida que produz efeitos jurídicos, ou seja, é
um acontecimento da vida que desencadeia uma previsão normativa.
Os factos (em sentido amplo) podem ser divididos em duas grandes categorias:
NOTAS:
o não quer dizer que o facto em sentido estrito não tenha uma participação humana (porque tem, ou
pode ter), mas tenha ou não tenha uma participação humana, os efeitos jurídicos que se vão
produzir não dependem da vontade;
o quando falamos em factos estamos a referir-nos aos factos em sentido estrito
• Atos jurídicos em sentido amplo - é um acontecimento da vida real que produz efeitos jurídicos,
mas esses efeitos jurídicos são produzidos tendo em atenção o conteúdo da vontade com que o
acontecimento da vida é realizado (ex. contrato de compra e venda; procuração; casamento;
interpelação para cumprimento)
NOTAS:
o em Direito Civil, grande parte dos acontecimentos são atos jurídicos porque o Direito Civil é o
Direito da liberdade das pessoas;
o é importante saber aferir e interpretar a vontade humana
O professor Paulo Cunha, e depois o professor Menezes Cordeiro, tornaram popular uma distinção
dentro dos atos jurídicos em sentido amplo que os divide em duas categorias que são os atos jurídicos
Atos Jurídicos em Sentido Estrito – Acontecimento da vida real que produz efeitos tendo em atenção a
liberdade de celebração (possibilidade de dizer sim ou não), mas não contempla a liberdade e
estipulação (se aceita, aceita exatamente aquilo que é oferecido) – ex. perfilhação (um homem pode
aceitar ou não perfilhar uma criança, mas, perfilhando, não pode dizer que é pai, mas não paga a
alimentação, por exemplo. Isto é, quando aceita ser pai, aceita “o pacote” completo, aceita todas as
implicações que desse compromisso advêm)
Negócio Jurídico – Acontecimento da vida real que produz efeitos jurídicos, no qual, para além da
liberdade de dizer sim ou não (liberdade de celebração), a pessoa tem liberdade de modelar o negócio
(liberdade de estipulação) – ex. compra e venda (numa compra e venda eu posso regatear preços e
condições até chegar a um acordo com a outra parte, posso estipular); procuração
Nos negócios jurídicos a relevância da vontade é muito maior do que aquela que existe nos atos
jurídicos em sentido estrito e, portanto, há determinados institutos que nos negócios jurídicos têm uma
relevância muito mais intensa (ex. instituto da interpretação – Por um lado, na perfilhação [ato jurídico
em sentido estrito], a única coisa que tenho que interpretar é a decisão do homem para saber se perfilhou
ou não perfilhou. Por outro lado, nas procurações (negócio jurídico) eu tenho que saber exatamente
aquilo que determinada pessoa quis fazer ao passar a x determinada procuração, tenho que interpretar a
procuração para saber exatamente que poderes dá a x e etc.; não me basta saber que a procuração existe,
tenho que saber o conteúdo da mesma. Ao contrário da perfilhação que acarreta todas as coisas a ela
inerentes, uma procuração só acarretará exatamente aquilo que a pessoa que a passou quis que
acarretasse e por isso é necessário interpretar).
MRR acha que, embora esta distinção que os professores fazem seja muito divulgada na doutrina
e seja de certa forma prática, é uma distinção que parece não estar de acordo com o nosso direito
positivo e que, portanto, não deve ser adotada. Porquê? O negócio jurídico é um ato da autonomia
privada pelo qual as partes, em maior ou menor medida, autorregulam os seus interesses. Existe em
todos os negócios jurídicos do ordenamento jurídico uma contraposição entre autorregulação
(regulação feita pelo próprio – ex. negócio jurídico) e heterorregulação (regulação feita por outrem – ex.
normas jurídicas). Porque é que isto é assim? Porque em todos os negócios há limites - ex. a procuração
e a compra e venda são dois dos negócios em que há mais liberdade porque as pessoas podem fazer
praticamente tudo, havendo, no entanto, algumas coisas que não podem fazer – eu não posso dar uma
procuração a X para que ele faça o meu testamento porque é proibido (o testamento é um ato
pessoalíssimo e, como tal, não é suscetível de procuração); há coisas que eu não posso comprar e vender,
por exemplo, eu não posso vender um braço porque há uma lei que proíbe a compra e venda de órgãos
humanos.
Não há normas que nos digam que existe uma fronteira entre os atos jurídicos com muita
liberdade de estipulação e os atos jurídicos com pouca liberdade de estipulação, portanto esta distinção
entre atos jurídicos em sentido estrito e negócios jurídicos não está conforme com os dados legislativos.
Não há indicadores que nos digam que há regimes diferentes para o tratamento de cada um desses atos
– é um problema de grau de liberdade e não de diferença de regime jurídico.
Então a categoria dos atos jurídicos em sentido estrito desaparece? Não porque temos um
artigo no Código Civil que é o 295º que nos diz que aos atos jurídicos que não sejam negócios jurídicos
são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo
Artigo 805º CC (interpelação para cumprimento) – ato cujos efeitos dependem totalmente da vontade
do sujeito, mas os efeitos a produzir são apenas aqueles que estão previstos na lei (ato jurídico em
sentido estrito)
Artigo 1318º CC (ocupação) – é um instituto que consiste em alguém se apropriar de uma coisa que não
tem dono. Ao apropriar-me da coisa, eu torno-me proprietário. A ocupação é um ato que depende da
vontade (ex. se eu levar presa no fato banho uma conchinha para casa, não há ocupação porque eu não
tive intenção de me apropriar da conchinha). Na ocupação existe uma vontade e os efeitos são o
nascimento da propriedade. Não existe autorregulação de interesses. -> ato jurídico em sentido estrito
× Factos Constitutivos (ex. nascimento – facto jurídico em sentido estrito que dá origem à
personalidade jurídica), Modificativos (ex. interpelação para atualização da renda de casa – há
uma modificação da renda da casa), Transmissivos (ex. contrato de trespasse) e Extintivos (ex.
decurso do tempo para certos contratos faz caducar o contrato), consoante as situações
jurídicas que esses factos produzam constituam, modifiquem, transmitam ou extingam a
relação jurídica.
× Factos com eficácia real (produz efeitos do âmbito dos direitos reais), obrigacional, familiar
(produz efeitos do âmbito do direito da família), sucessória, comercial, etc. – aqui o que é
relevante é a área do Direito em que estes factos se encontram
NOTA:
o O casamento é um facto com eficácia familiar e também, em certos casos, sucessória; um contrato
de compra e venda é um facto com eficácia real e simultaneamente com eficácia obrigacional;
o Em TGDC damos mais importância à eficácia real e à eficácia obrigacional
da prioridade cronológica – quando existe um conflito de direitos
Estas características fazem com que nos direitos reais haja a regra
Na eficácia real os factos e as situações jurídicas têm oponibilidade erga omnes (sobre tudo;
primeiro lugar; coisa diferente acontece nos direitos obrigacionais
tem efeitos sobre todas as pessoas). Além disso, os factos com eficácia real têm outras características
como a sequela e inerência.
Sequela: significa que uma situação jurídica real persegue a coisa “ainda que ela passe por mil mãos”,
isto é, não cessa com a relação jurídica que lhe serve de base (ex. sou proprietária de um automóvel, mas
o António rouba-mo e vende-o à Margarida; depois a Margarida oferece-o à Alexandra e a Alexandra
vende-o à Rita outra vez. Certo dia, a Rita é parada numa operação STOP e tem que ir a pé para casa
porque descobre que o carro é roubado, ainda que não pela pessoa que lho vendeu. Aqui não interessa
se só o António é que roubou e todos os outros agentes não sabiam de nada, o que interessa é que eu fui
desapossada da minha coisa ilegitimamente e, portanto, eu persigo a coisa onde quer que ela exista); isto
não existe nos direitos obrigacionais – uma obrigação é um direito de uma pessoa sobre outra ( ex. se
eu for credora da Margarida, eu só sou credora da Margarida, portanto, se a dívida prescrever, ou houver
algum tipo de perdão do Estado, a dívida desaparece; eu não posso perseguir a dívida como se a dívida
fosse uma coisa).
Inerência – significa que o direito real é inerente à coisa e essa é uma das razões pelas quais eu consigo
perseguir o meu direito onde quer que a coisa se encontre
Um negócio jurídico é um ato de autonomia privada pelo qual a(s) partes autorregula(m) os
seus interesses.
NOTA: quando surgiu em Portugal, o negócio jurídico foi mal acolhido por uma parte da doutrina: o Código
de Seabra, evidentemente, não consagrava negócios jurídicos, consagrava contratos, e, portanto, houve
uma parte da doutrina portuguesa que entendia que o negócio jurídico era uma atrapalhação e que não
devia ser utilizado por nós; devíamos continuar a trabalhar apenas com os atos jurídicos e com os
contratos.
Parte: palavra técnica que se utiliza para designar as pessoas perante as quais o negócio jurídico produz
efeitos
MRR pensa que um contrato é sempre um negócio jurídico, mas essa opinião não é consensual.
MC (corrente maioritária): o negócio jurídico é o ato da autonomia privada em que existe liberdade de
estipulação e liberdade de celebração, enquanto que no ato jurídico em sentido estrito só existe
liberdade de celebração. Na opinião de MC o casamento é um contrato (e aqui não se levanta qualquer
problema na opinião da MRR), mas não é um negócio jurídico porque não há liberdade de estipulação
(as partes não são livres de determinar o conteúdo concreto do casamento, ou casam ou não casam).
MRR não concorda já que é verdade que quanto aos efeitos pessoais do casamento as partes não têm
liberdade de estipulação, mas isso já não é verdade no aspeto patrimonial do casamento – os noivos
podem estabelecer um regime de bens diferente do regime supletivo, podendo inclusivamente criar um
regime de bens totalmente atípico (com alguns limites, claro).
MC diz que MRR não tem razão porque a parte principal do casamento é a parte pessoal
MC defende que há contratos, como o casamento, que podem não ser negócio jurídico
Existem várias modalidades de negócios jurídicos e vários critérios de classificação dos mesmos.
Alguns deles não têm base legal, mas ainda assim são interessantes porque permitem compreender um
bocadinho melhor o negócio jurídico.
• Negócios onerosos vs. negócios gratuitos (consoante haja esforços económicos em ambas as partes
ou apenas numa)
× Negócio onerosos -> ex. compra e venda (eu vendo o meu livro, mas ao fazê-lo fico sem ele; o
comprador fica com o livro, mas perde o dinheiro gasto para o adquirir) – há esforço económico
de ambos os lados
× Negócio gratuito -> ex. doação (eu dou o meu livro) – o esforço económico é apenas da minha
parte
Artigos 237º, 291º/1 e 939º do Código Civil – há um regime diferente consoante o negócio seja gratuito
ou oneroso
NOTA: A lei não utiliza estas expressões, mas antes bilateral e unilateral (ex. 428º tem menção ao contrato
bilateral) – alguma doutrina critica isto e diz que é infeliz porque todos os contratos são bilaterais (a lei
está a usar a palavra num sentido diferente)
Relevância jurídica: 428º do Código Civil (exceção), 801º do Código Civil (estabelece um regime diferente
para os negócios sinalagmáticos)
× Negócio não sinalagmático (unilateral): negócio que não pressupõe uma reciprocidade entre
as partes (ex. doação)
Por vezes existe uma coisa que se chama sinalagma imperfeito, isto é, uma manifestação de
reciprocidade no seio de um contrato que em si mesmo não é sinalagmático (ex. empresto muito
dinheiro a X e combinamos que me devolve o dinheiro daqui a 5 anos – contrato de mútuo que não é
sinalagmático porque eu emprestei o dinheiro e X tem a obrigação de mo devolver, mas não existe
reciprocidade de obrigações – só X é que tem obrigação; se eu combinar com X que o negócio tem juros
ele passa a ser imperfeitamente sinalagmático porque os juros são uma remuneração do capital, mas são
apenas um pormenor, aquilo que eu quero verdadeiramente receber é o meu dinheiro). Há alguma
reciprocidade, mas não é uma reciprocidade normal.
• Negócios típicos vs. atípicos (consoante o regime que esteja previsto na lei ou não)
× Negócio Típico -> o seu regime vem previsto na lei
× Negócio Atípico -> o seu regime não vem previsto na lei
Relevância: grande porque nos negócios típicos sabemos que vamos buscar o regime jurídico à lei, mas
nos negócios atípicos não porque, em princípio, o regime depende ou do próprio contrato, ou das
estipulações das partes, ou podemos tentar encontrar na lei alguma ajuda nas normas gerais ou em
algumas regras que consigamos aplicar analogicamente, enfim. A grande diferença é saber onde
encontrar o regime jurídico
Exceções:
o Hospedagem é um contrato que é nominado, mas não é típico – vem referida na lei a propósito
do contrato de arrendamento; o trespasse também vem referido na lei pelas mesmas razões,
mas nenhum desses negócios é típico porque não tem o seu regime jurídico estabelecido na lei
o Negócios típicos que não são nominados: contrato de associação (o seu regime vem previsto
na lei, no 157º e seg. do Código Civil, mas a lei nunca se refere ao contrato de associação)
NOTA:
o A doutrina flutua muito quanto à definição destes conceitos e é difícil no caso concreto fazer as
distinções porque temos que olhar para a função que aquela situação jurídica tem no património
do sujeito (ex. normalmente a venda de uma casa é um negócio de disposição porque se eu vender
a minha casa eu estou a eliminar uma situação jurídica cuja função no meu património é estar lá
para eu viver; por outro lado, se se tratar de uma imobiliária, a função das casas altera-se, elas estão
NOTA: todos os negócios implicam uma álea, há sempre incerteza no negócio jurídico. Há negócios que
se celebram, não por causa do risco, mas por causa daquilo que é expectável que seja a parte certa do
negócio. Há outros negócios que se celebram por causa do risco (ex. contrato de seguro)
× Negócios Comutativos -> negócios que se fazem por causa da certeza que a pessoa acha que
tem (ex. generalidade dos negócios jurídicos)
• Negócios Causais vs. abstratos (consoante a sua subsistência/validade dependa da fonte do negócio)
× Negócios Causais –> a subsistência do negócio e/ou a sua validade dependem da fonte (ex.
generalidade dos negócios civis; artigo 265º CC - procuração não se autonomiza do negócio
base)
× Negócios Abstratos –> o negócio subsiste sem a sua fonte, como que se autonomiza da fonte
(ex. o cheque é um negócio abstrato, o que significa que alguém que passou um cheque tendo
sido coagida não pode ir ao banco dizer para que ele não seja pago – a pessoa coagida tem que
se dirigir à pessoa que praticou a coação, pois a entidade bancária nada pode fazer quando se
tratam de cheques. O cheque está totalmente separado da fonte que lhe dá origem [a doação
é, neste caso, viciada por coação moral e, portanto, o negócio é inválido, mas a validade do
cheque não depende da validade da fonte].)
NOTA: MRR não encontra negócios abstratos no Direito Civil, mas admite que possam existir, mas há
áreas do Direito em que a regra é a abstração, nomeadamente no Direito Comercial porque os negócios
abstratos são negócios que existem em áreas em que é muito importante a segurança do trato jurídico
02-03-2021
A declaração negocial é a “célula” do negócio jurídico.
O negócio jurídico permite, com determinados limites, obviamente, que se realize, no mundo
do Direito, aquilo que cada pessoa pretende. Para que isso aconteça, é preciso que cada pessoa diga o
NOTA: Podemos falar em “declaração negocial” (expressão que o Código Civil usa; mais conotada com
teses objetivistas, teses que dão mais prevalência à declaração) ou “declaração de vontade” (expressão
mais antiga e mais conotada com teses subjetivistas, teses que dão muita prevalência à vontade); MRR
vai usar mais vezes a expressão declaração negocial porque é o que vem no Código, mas são sinónimos
NOTA: Temos ainda um extra que se funda não no próprio sujeito do comportamento, mas sim no
ordenamento jurídico, que é a produção de efeitos jurídicos. Portanto, o ordenamento jurídico associa a
este comportamento significativo determinados efeitos jurídicos (aqueles que a pessoa quis)
A declaração negocial, para quem estuda Direito, é como se fosse uma célula, isto é, a parcela
mais pequenina da autonomia privada, portanto, é a partir daqui, e com um conjunto de declarações
negociais, que toda a atividade jurídico-privada se vai desenvolvendo, precisamente porque o Direito
Civil é o Direito onde domina a liberdade dos sujeitos, tudo radica na vontade das pessoas e, portanto,
na declaração, porque a declaração negocial é a única forma de termos acesso à vontade das pessoas.
NOTA: O contrato é um acordo, portanto é o conjunto das declarações das pessoas que se põem de
acordo
Artigo 217º CC: É um artigo infeliz porque o que é relevante não são os exemplos que dá (esses devemos
ignorá-los), mas antes ser ou não um meio direto de manifestação de vontade; há declarações tácitas
escritas, há declarações tácitas realizadas por palavras e também há declarações expressas realizadas
por outras formas de expressão que não as mencionadas no Código.
Numa declaração tácita deve haver algum grau de objetividade porque é necessário que a
declaração resulte, com toda a probabilidade, daquilo que o sujeito fez ou disse – ex. Se alguém me
perguntar se eu quero comprar-lhe o telemóvel por 50 euros e eu lhe responder “toma os 50€ (estou a
pagar o preço) e passa para cá o telefone (estou a exigir o cumprimento do contrato)” eu não estou a
dizer que aceito fazer o negócio propriamente, eu estou a declarar coisas que pressupõem o contrato de
compra e venda (declaração tácita porque com toda a probabilidade se deduz destes sons, deste
comportamento, que eu quero aceitar a proposta, ainda que não tenha dito especificamente que quero
comprar o telefone ou que aceito a proposta; é como se tivesse dado um passo mais à frente e já estivesse
a executar o contrato).
Uma outra figura muito importante, e que na prática costuma dar muitos problemas, é o silêncio. O
silêncio é a ausência da manifestação de vontade, é a ausência de um comportamento. Se não temos o
comportamento, também não temos o sentido e também não temos efeitos jurídicos, em princípio. O
silêncio não é uma declaração tácita porque aí há um comportamento do qual se deduz com toda a
probabilidade uma vontade (manifestação indireta da vontade), no silêncio é 0, não temos coisa alguma.
Artigo 218º CC -> o silêncio só vale como declaração se a lei, um uso ou as partes o disserem (ex. artigo
31º/9 do NRAU - A falta de resposta do arrendatário vale como aceitação da renda, bem como do tipo e
da duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU a partir do 1.º
dia do 2.º mês seguinte ao do termo do prazo previsto nos n.os 1 e 2.; ou seja, se o senhorio escreveu
uma carta ao arrendatário, propondo o aumento da renda, e o arrendatário durante um prazo de 30 dias
nada diz, este artigo atribui valor ao seu silêncio. A falta de resposta vale como aceitação da renda).
NOTAS:
Declarações presumidas: a lei presume que uma pessoa tem uma determinada vontade e permite, no
entanto, que essa pessoa demonstre que a vontade presumida não existiu (é uma presunção ilidível –
artigo 350º/2 CC)
Além das declarações presumidas, existem ainda as declarações fictas – aqui estamos perante
uma ficção, ou seja, a lei regula determinada matéria como se existisse uma declaração e não é possível
demonstrar que ela não existe. Isto, hoje em dia, é considerado má técnica legislativa e tenta-se que
não aconteça, mas às vezes há um ou outro exemplo destas declarações (não são verdadeiras
declarações, são efeitos jurídicos que a lei finge que são declarações negociais quando, na verdade, o
não são).
NOTA: alguns autores falam em receptícias e não receptícias, mas MRR usa a expressão recipienda; dá,
no entanto, liberdade para usarmos a que gostarmos mais
Declarações recipiendas: são aquelas que precisam de ser comunicadas ao destinatário para produzir
Artigo efeitos
224º CC
Declarações não recipiendas: são aquelas que produzem efeitos independentemente de serem
comunicadas ao seu destinatário
MRR: confessa que acha mais adequado dizer que as declarações são recipiendas ou não recipiendas
consoante a notificação ao destinatário seja ou não necessária para a produção de efeitos jurídicos e
não tanto por ter ou não um destinatário porque não vivemos sozinhos, vivemos numa comunidade
jurídica e, portanto, tendencialmente, todas as declarações têm um destinatário - se não tivessem, em
rigor, não era preciso uma declaração. Quando exigimos uma declaração, isso significa que é preciso que
essa vontade seja manifestada para outras pessoas, ou seja, é porque há destinatários. Portanto, do
ponto de vista teórico ou até filosófico as declarações negociais têm todas um destinatário, o que as
distingue é que há umas que só produzem efeitos se forem comunicadas a um destinatário específico e
há outras que produzem efeitos independentemente dessa comunicação.
NOTA: quando falamos de destinatário, neste contexto de declarações recipiendas e não recipiendas,
estamos a referir-nos a um destinatário específico e não à comunidade jurídica porque, mais uma vez, se
fosse a comunidade jurídica, então, todas as declarações, por definição, teriam um destinatário.
Com frequência, é muito difícil identificar quem é o destinatário da declaração negocial porque a lei
não costuma qualificar as declarações como recipiendas ou não recipiendas, isto é, nós temos o 224ºCC
que pressupõe a classificação de cada declaração como recipienda ou não recipienda, mas depois não
sabemos em concreto, na maior parte dos casos, se a declaração A ou a declaração B é ou não
recipienda. Há casos fáceis de resolver:
Declarações recipiendas
Artigo 224º CC – a regra geral é a da receção, isto é, a declaração recipienda torna-se eficaz no momento
em que chega ao poder do destinatário. Também é possível que a declaração produza efeitos, não
quando chega ao poder do destinatário, mas quando é dele conhecida (Teoria do Conhecimento). O nº3
apresenta um caso de relevância negativa da Teoria do Conhecimento (ex. António está a enviar
propostas iguais para várias pessoas de vários países, mas a secretária engana-se e no envelope que vai
para o Bento coloca uma carta que está escrita em língua alemã, a qual Bento não compreende – neste
caso, ao Bento, apesar de ter recebido a carta, não podemos aplicar o nº 1 porque ele, sem culpa, não
consegue compreender a carta, ou seja, a carta apesar de ter sido recebida não produz efeitos).
Artigo 224º/2 – apresenta uma regra diferente para situação diferente: caso das pessoas que andam a
fugir às declarações, arranjando esquemas para não receber as cartas; nesses casos, a declaração produz
efeitos mesmo que a pessoa a não aceite (produz efeitos com a expedição – basta que o declarante envie
a declaração para que ela se torne eficaz).
Produzem efeitos de acordo com a Teoria da Exteriorização, ou seja, assim que há exteriorização da
declaração, há efeitos jurídicos.
A vontade, para valer juridicamente, tem que ser exteriorizada e a isso chama-se forma. A
forma é o suporte físico da exteriorização da vontade.
As declarações, por definição, têm todas uma forma porque são uma exteriorização e para
haver uma exteriorização tem que haver uma materialização qualquer da declaração, ainda que essa
materialização não seja duradoura. Sem forma, a única coisa que temos são pensamentos ou vontades
subjetivas.
A forma pode ser verbal, escrita ou outra. A regra geral no nosso Direito é a de que a declaração
negocial vale, juridicamente falando, com qualquer forma (artigo 219º – consagra o princípio da
liberdade de forma). Há exceções a esta regra, mas temos que ter muita atenção porque são
efetivamente exceções, ou seja, têm que decorrer da lei (forma legal), da vontade do declarante (forma
voluntária) ou de convenção das partes (forma convencional) - se nada destas 3 coisas acontecer, a regra
é sempre a da liberdade de forma.
Diz-se que há forma legal quando a lei exige uma forma especial para a validade da declaração
negocial. Por norma, os negócios de alienação relativos a bens imóveis requerem uma forma especial
(ex. 875º CC, referente à compra e venda, ou 947º CC, referente à doação). Temos ainda outros negócios
que não estes da alienação, mas que também exigem formas especiais (ex. 1069º CC, 1710º CC, 2204º
CC). Se estivermos perante um negócio de forma legal e a forma não tiver sido observada a consequência
é a nulidade (art. 220º CC).
Art. 221º CC - regula a extensão da forma, até onde é que a forma tem que ir; qual é o âmbito das
estipulações contratuais que têm que estar contidas dentro da forma exigida por lei.
Existem razões pelas quais o legislador exige a forma legal e essas razões estão tradicionalmente
aglomeradas em torno de 3:
Hoje em dia há muitas críticas a estas 3 razões da forma – muitos autores (PPV e MC,
• Solenidade
por ex.) até constroem figuras jurídicas a partir da sua negação, como as
• Prova
inalegabilidades formais, interpretações restritivas ou reduções teleológicas de regras
• Reflexão
de forma, colocando em causa que estas razões da forma sejam efetivamente válidas.
MRR acha errado negar estas razões da forma. É verdade que elas não se verificam em conjunto em todos
os casos, no entanto, a verdade é que é possível identificar ao nível do ordenamento jurídico a prevalência
das razões de solenidade, de reflexão e de prova, como fundamento das regras limitadoras da forma.
Solenidade: significa que, tendo em conta o negócio em causa, a lei pretende que ele seja realizado com
uma certa sacralidade
Prova: existe um capítulo no Código que faz depender as regras da prova, designadamente em tribunal,
da observância ou não de determinadas formas dos negócios jurídicos
Reflexão: quando a lei exige, por ex., uma escritura, para celebrar um negócio, não há dúvida de que as
pessoas pensam um bocadinho mais naquilo que estão a fazer (escritura demora mais tempo, é cara e
há intervenção de um técnico que vai acrescentar valor àquele negócio e vai chamar a atenção das partes
para alguma coisa que não esteja tão bem)
As críticas da doutrina à forma não se limitam aos motivos da forma; a própria exigência de
forma é muito criticada, por exemplo por PPV. MRR acha que é uma crítica injusta porque é verdade
que exigências de forma atrapalham um bocadinho, mas a forma evita imensos problemas no futuro,
cria certeza jurídica, obriga as partes a ter mais cuidado com o que estão a fazer – há uma desvantagem
inicial de poder ser mais oneroso, mas há muitas vantagens, sobretudo em negócios mais relevantes. É
muito difícil sustentar as teses limitadoras da forma legal.
Do ponto de vista do Direito positivo é duvidoso que figuras como inalegabilidades formais,
interpretações restritivas ou reduções teleológicas de regras de forma tenham acolhimento no nosso
ordenamento jurídico, precisamente porque a forma legal resulta de uma imposição da ordem pública
e, portanto, não é possível afastá-la assim sem mais nem menos.
Forma voluntária (art. 222º CC): Resulta de uma opção espontânea do declarante (ex. o declarante, sem
a isso estar obrigado, adota uma forma mais solene do que aquela que seria necessária). Em regra, esta
forma não suscita qualquer problema jurídico porque não é passível de violação.
Forma convencional (art. 223º CC): resulta de um acordo das partes. Aqui há, necessariamente, dois
acordos - acordo quanto à forma e acordo propriamente dito. Forma que se tornou obrigatória não por
imposição da lei, mas sim por vontade das partes. É muito vulgar, sobretudo em acordos com alguma
relevância económica. A consequência da não adoção da forma convencionada é mais ou menos
pequena – a violação da forma convencionada dá origem a uma presunção de que as partes não se
quiseram vincular (ex. eu quero comprar os óculos do António, mas tem que ser por escrito por qualquer
razão que não importa. Não chegamos a escrever nada, mas alguém me vê com os óculos dele. Essa
pessoa presume, então, que o António não me vendeu os óculos porque isso teria que ser por escrito,
mas apenas mos emprestou ou eu os roubei; e se tivermos feito a compra e venda sem ser por escrito
como era suposto? Alguém me vê e pergunta-me e eu respondo que acabámos por fazer negócio sem
forma escrita – ilidiu-se a presunção, mas cabe sempre às partes ilidir a presunção que decorre da
convenção de forma especial).
223º/2 CC: se o negócio já estiver concluído e for convencionada a forma, presume-se que a forma é
meramente consolidativa do negócio.
Forma
(negócios solenes)
Exigida para a própria validade do negócio, Forma que a lei exige, mas, se não for
ou seja, para a substância do negócio – sem observada, temos apenas um problema de
aquela forma, aquele negócio é nulo. forma, isto é, as partes vão ter mais
dificuldades em celebrar o negócio porque
aquela forma também é exigida para a prova
do negócio, mas não para a sua validade.
Em 2019, foi incluído no CC o artigo 1069º, que pode ser aproximado da forma ad probationem, mas mesmo assim MRR
tem algumas dúvidas. O nº2 é uma forma ad probationem, mas que não segue o regime geral do 364º/2 CC; ao invés,
segue o regime previsto no próprio artigo, portanto, o contrato de arrendamento não é nulo, mas a prova tem que ser feita
desta forma (rendas por mais de 6 meses, não oposição do senhorio, falta de forma não é imputável ao arrendatário).
Por vezes, na doutrina, encontra-se a afirmação de que uma determinada forma é uma forma
meramente ad probationem com o objetivo de tentar salvar o negócio. A nulidade é um vício fortíssimo
e normalmente não há nada a fazer quando o negócio é nulo, portanto, os autores, com frequência, para
tentar que o negócio não seja nulo, dizem “ah não, não, isto é uma forma meramente ad probationem,
portanto, vamos provar de outra forma e salvamos o negócio”. Que problemas é que isto suscita?
1. Tem que se demonstrar que a forma é meramente ad probationem e isso vai ser difícil;
2. Se for ad probationem temos o problema da confissão (o regime é o do 364º/2 CC) e é muito difícil
extrair uma confissão.
Confissão: é um meio de prova pelo qual a pessoa que vai ser prejudicada com a prova, declara algo
contra si própria, ou seja, confessa - é muito difícil extrair uma confissão porque é uma coisa contra si
mesmo e, se a pessoa sabe que o outro não tem forma de provar de outra maneira, à partida não se vai
descair (não é nada fácil provar a existência de negócios que não revestiram a forma especial, com
recurso ao 364º/2 CC).
Nas últimas décadas surgiu uma forma nova, a forma eletrónica. A forma eletrónica constituiu
um desafio para as categorias do Direito Civil. Em Portugal, em 1999, foi adotado o DL 290D, de 2 de
agosto, que tem sido sucessivamente modificado e, mais recentemente, foi alterado e republicado pelo
DL 88/2009, de 9 de abril. Grosso modo, este diploma equipara os documentos eletrónicos aos
documentos escritos, mas não são todos os documentos eletrónicos, por exemplo, um email emitido
através de um GMAIL não vale como documento escrito, é preciso que o documento seja assinado
digitalmente, para garantir a autenticidade do mesmo – isso é que os equipara aos documentos escritos;
de facto, um documento escrito é autografado pelo seu autor, portanto, os documentos eletrónicos valem
como se fossem documentos escritos desde que estejam assinados. Ou seja, enquanto que nos
documentos escritos ordinários, o próprio garante a fiabilidade do documento porque pega numa folha,
escreve e assina, no documento eletrónico é necessário o próprio e que ele tenha aderido a um sistema
de assinaturas em que haja um terceiro que, normalmente através de um sistema de passwords, garanta
a autenticidade do documento eletrónico.
Documento: é qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma
pessoa, uma coisa ou um facto (artigo 362º CC). Aqui interessa-nos, sobretudo, os documentos escritos
que são manifestadores da vontade. Os documentos podem ser de vários tipos:
Autênticos
Documentos
Simples
Particulares
Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021
Autenticados
• Documentos autênticos (os mais solenes) - emanados de uma autoridade com fé pública (ex. uma
certidão, uma escritura).
• Documentos particulares (todos os outros) - elaborados pelos particulares (ex. folha de papel; folha
de rascunho que até pode estar toda escrita no verso; guardanapo).
× Simples - aqueles que a pessoa faz, sem qualquer burocracia (ex. agora saco aqui de um
papelinho e pronto, está feito).
o Assinaturas Reconhecidas - a única coisa que o notário ou o advogado faz é olhar
para a assinatura e garantir que aquela assinatura foi feita pela pessoa que diz que
a fez. O notário não se vai preocupar com o conteúdo do documento e se a pessoa
tem a certeza daquilo que pretende fazer, vai apenas pedir o documento de
identificação, olhar para a assinatura e, estando correta, o notário escreve “a
assinatura que consta do documento anexo foi elaborada pela pessoa X, titular do
cartão de cidadão nº Y” (ex. quando um menor viaja para o estrangeiro sozinho,
precisa da autorização dos pais e as assinaturas têm que ser reconhecidas,
normalmente com menções especiais – “quem assinou foi X e, para além de ser X, é
pai do menor Y e é titular do poder paternal”). O reconhecimento das assinaturas
pode ser feito com mais elementos ou menos elementos.
× Autenticados - feitos pelo particular, mas depois o particular agarra nesse documento, vai a
um cartório notarial, ou, hoje em dia, também pode ir a um advogado, e, perante essa
entidade, confirma o documento particular - o notário vai-lhe perguntar se o que lá está
escrito corresponde, efetivamente, àquilo que o particular quer fazer e, uma vez
confirmado, o notário elabora outro documento (termo de autenticação) e agrafa-o à folha
que o particular lhe entregou.
Forma Formalidade
Formalidade - é um procedimento que acompanha a declaração negocial, mas que não corresponde à
exteriorização da vontade
A lei portuguesa flutua na utilização da palavra forma e formalidade – às vezes chama formalidade ao
que é forma e forma ao que é formalidade, portanto a distinção legal não é clara, apesar de na doutrina
o ser. Podemos continuar a defender que são coisas diferentes, mas, à face da lei, o regime jurídico é o
mesmo, ou seja, aplicamos o 219º CC para dizer que, em princípio, não há formalidades exigidas por lei
e aplicamos o 220º CC para saber qual é a consequência da inobservância de uma formalidade (a
consequência é a nulidade, btw).
Artigo 458º/2: aqui o que a lei diz é que a promessa deve constar de documento escrito (forma) e a
seguir diz “se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental” –
verdadeiramente, não são outras formalidades, é outra forma!!
A atribuição do sentido da declaração não é feita ao calhas nem à vontade do freguês (“ah eu
acho que X, ah eu acho que Y) porque o modo de apurar o sentido da declaração vai condicionar o
resultado e, portanto, a lei sabe que regular a matéria de interpretação, ou a forma como se faz
interpretação, também corresponde a regulamentar o próprio negócio (ex. é vulgar, em sentido comum,
atribuir-se sentido ao silêncio – até se costuma dizer que quem cala consente; do ponto de vista da
interpretação, se nós atribuirmos um valor ao silêncio podemos ter um resultado X, se não atribuirmos
teremos o resultado Y, portanto, temos que saber o que é que vamos interpretar e como vamos
interpretar).
Qual é o regime jurídico da interpretação? A nossa lei divide a matéria da interpretação em interpretação
e integração de lacunas do negócio (artigos 236º a 239º CC).
▪ MC: defende uma coisa que vulgarmente se designa por interpretação integrada ou
interpretação complementadora. A interpretação integrada ou complementadora é uma forma
de interpretar que é muito influenciada pela doutrina alemã – no BGB temos duas normas
diferentes, uma que regula a interpretação da declaração negocial e outra que regula a
interpretação do negócio; isto é dificílimo de harmonizar porque o negócio é a declaração
Artigo 237º CC – o que fazer em caso de dúvida quanto à interpretação da declaração negocial? Temos
que saber se estamos perante um negócio gratuito ou oneroso e, perante isso, aplicar a regra. Este artigo
é um artigo muito simpático, mas não vale para todos os negócios, na medida em que há negócios
insuscetíveis de classificação como gratuitos ou onerosos
Artigo 238º/1 CC - trata dos negócios formais ou solenes e diz-nos algo muito semelhante àquilo que
acontece na interpretação da lei - nos negócios solenes, a manifestação da vontade das partes tem que
constar da forma exigida pela lei, ainda que imperfeitamente expresso.
Artigo 238º/2 CC – regra semelhante ao 236º/2, mas mais exigente – temos que saber se o negócio é
formal ou não, quais são as razões determinantes da forma e depois aplicar o artigo
NOTA: há mais algumas regras de interpretação dispersas pelo CC a propósito de alguns negócios, mas
estas são as principais.
O que fazer com as declarações não recipiendas? O artigo 236º CC pressupõe um declaratário, mas e se
não existir? Há uma lacuna da lei – a lei não estabeleceu um regime específico para a interpretação das
declarações não recipiendas. Como preencher essa lacuna? Podemos aplicar o artigo 2187º CC por
analogia porque se justificam as razões justificativas da regulamentação do caso omisso.
09-03-2021
Para recorrermos à integração de lacunas do negócio jurídico é necessário que o negócio tenha
uma lacuna.
É muito difícil haver verdadeiras lacunas nos negócios jurídicos porque as partes são livres de
estabelecerem o regime jurídico, portanto as cláusulas, que entenderem para o seu negócio – o facto de
não ter sido estabelecida uma determinada regulamentação pode significar que o negócio foi mal feito
e que devia ter a cláusula X e não tem, mas pode não existir uma lacuna.
As lacunas negociais ocorrem sobretudo nos casos em que a execução do negócio reclama uma
certa estipulação negocial e essa estipulação não existe – ex. as partes combinaram X e, para que X possa
acontecer, era necessário que as partes também tivessem combinado Y e não combinaram. Este exemplo
é uma lacuna porque aquilo que as partes combinaram (x) não é possível de acontecer sem o y – é
verdade que não deixa de ser um contrato mal redigido, mas não se trata apenas disso: este contrato
fica impossibilitado de produzir os efeitos que era destinado a produzir se não houver um mecanismo
para resolver aquela lacuna.
Se existirem normas supletivas, não há lacunas – ex. A empresta a B 50000€, mas não combinam
a data em que esse dinheiro há de ser devolvido. Isto não é uma lacuna porque há normas no CC que
resolvem este problema: artigo 777º diz que, quando não há prazo, qualquer das partes pode interpelar
Não interessa a a outra para que a outra cumpra, portanto, o problema está resolvido (inclusive o prazo pode não ter sido
vontade que as ajustado exatamente por saberem da existência deste artigo); num contrato de arrendamento diz-se
partes têm “arrendo a minha casa por um prazo certo” e não se diz qual é o prazo – a lei também resolve (1026º CC).
neste
momento,
interessa a
Estando efetivamente perante uma lacuna como é que a integramos?
vontade que
elas teriam tido NOTA: integrar é o termo técnico para arranjar uma solução, para tapar a lacuna, para construir uma regra Se for um
no momento que vai resolver o problema da lacuna. ambas as partes negócio
em que unilateral
celebraram o Artigo 239º CC- Na falta de disposição especial [às vezes há normas que regulam em especial a integração não são as
negócio de lacunas], a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam
tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé [em sentido partes, é a
objetivo], quando outra seja a solução por eles imposta. parte
NOTAS:
Boa fé
× Conjunto dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico vocacionados para intervir no caso concreto;
× Normalmente, hoje em dia, é integrada de acordo com o princípio da tutela da confiança e com o princípio da
primazia da materialidade subjacente
Culpa
× Juízo de censura que o ordenamento jurídico faz a um sujeito que, podendo comportar-se
de acordo com a lei, opta por se desviar
Quando alguém comete um crime, isto é, quando alguém pratica um ato que fere os valores
fundamentais de um sistema jurídico (ex. matar, roubar), a consequência é a mais dramática, vai para a
prisão (em alguns ordenamentos jurídicos a consequência é a morte). Quando violamos um direito (uma
situação jurídica ativa), a consequência é a indemnização (consequência civil) – art. 483º CC. Quando
violamos um direito de personalidade (caso excecional), além da indemnização, existe a possibilidade de
solicitar e obter consequências especialmente adequadas àquela violação (ex. um pedido de desculpas).
O que é que acontece quando se exerce autonomia privada (direito subjetivo, permissão genérica), para
além dos limites da lei? A consequência é que o ato praticado para além dos limites da autonomia não
produz os efeitos que a pessoa queria que ele produzisse – a lei não deixa. A esta barreira à produção
de efeitos jurídicos chama-se os desvalores do negócio jurídico.
NOTA: a autonomia privada é a possibilidade de cada pessoa produzir efeitos jurídicos no mundo do
direito, portanto, revestir de juridicidade (eficácia jurídica) os seus desejos/vontades.
Desvalores do Negócio
Jurídico
Inoponibilidade Nulidade
Anulabilidade
Invalidades Mistas ou AtípicasSendim Fernandes | FDUL 2020-2021
1. Ineficácia Vício externo – não afeta o próprio negócio
Palavra que por vezes é usada no sentido amplo e isso abrange todos os desvalores por isso não
é a esse que nos vamos referir. Ineficácia em sentido estrito é a característica do negócio que não produz
efeitos.
O negócio jurídico que não produz efeitos pode estar perfeitamente são, isto é, pode não ter
problemas, simplesmente não produz efeitos – há casos de ineficácia que são desvalores, produzem
efeitos negativos (ex. é um desvalor a ineficácia prevista no art. 268º/1 CC da representação sem poderes
– o negócio feito por alguém sem poderes de representação não é inválido, simplesmente não produz
efeitos), mas há outros que não são, como o caso das condições ou termos suspensivos que é uma
ineficácia que nada tem que ver com desvalor (termo é a palavra jurídica para designar o momento até
ao qual ou a partir do qual determinada coisa acontece) – ex. prof. precisa de uma secretária para a ajudar
na época dos exames que vai de 1 de junho a 31 de julho, ainda estamos em março, mas como ela quer a
Maria e a Maria é muito solicitada, ela faz já o contrato e no contrato diz que começa a produzir efeitos
no dia 1 de junho. Este contrato de trabalho, neste momento, é ineficaz até ao dia 1 de junho, mas não é
uma ineficácia negativa, sancionatória, as partes apenas quiseram que fosse assim)
1.1 Inoponibilidade
Este vício/desvalor é bastante problemático porque, com frequência, os negócios são bilaterais,
então, faz com que se produzam efeitos quanto a uma pessoa, mas não quanto a outras, ou há conflitos
de direitos.
Significa que o negócio não produz efeito relativamente a uma ou mais pessoas. O artigo 243º/1
CC é um exemplo de inoponibilidade da própria invalidade, da nulidade, mas as inoponibilidades
caracterizam-se por alguém ser refratário, ser imune, aos efeitos de determinado negócio ou, aqui, de
um certo desvalor.
É um mecanismo extremamente utilizado para proteger terceiros de boa fé (pessoas que não
estiveram envolvidos no negócio jurídico e, portanto, a lei não quer que eles sejam castigados pelos
desvalores do negócio jurídico, tendo em atenção a sua boa fé subjetiva, ou seja, ignorância relativamente
ao vício que estava ali em causa).
2. Invalidade
Vícios internos do negócio jurídico, isto é, um negócio jurídico inválido é um negócio que está
doente, que tem um problema qualquer interno e não apenas um problema de não produzir certos
efeitos; vício tão grave que contamina o negócio.
2.1 Nulidade
É a invalidade mais grave do ordenamento jurídico civil e caracteriza-se por o negócio que está
viciado não produzir efeitos.
É a regra no nosso ordenamento jurídico (art. 294º CC – das duas uma, ou resulta da lei outra solução [a
anulabilidade] ou o negócio é nulo).
Norma Violada
ou estabelece a consequência da anulabilidade e, então, é
é imperativa anulável ou, se não estabelecer (e normalmente não estabelece),
a consequência é a nulidade, nos termos do 294º CC
Não há, efetivamente, um negócio, só dizemos que é um negócio nulo por facilidade – há uma
aparência de negócio.
Se for para tribunal discutir este problema, a decisão do tribunal é meramente declarativa – o
tribunal declara a nulidade, não constitui a nulidade.
MC: acha infeliz que o nome da anulabilidade seja tão parecido com o da nulidade porque são vícios muito
diferentes: nulidade priva o negócio de qualquer efeito, enquanto anulabilidade é um vício que tem como
característica constituir, a favor da pessoa que se quer proteger, um direito potestativo de anular o MRR
negócio e, portanto; defende que a anulabilidade se devia chamar impugnabilidade, isto é, o negócio approves
era como os outros, mas era impugnável por uma certa pessoa, era destruível por uma certa pessoa.
Apesar de estes efeitos da nulidade serem gravíssimos, o legislador, como é natural, está a dar
relevância ao carater imperativo das normas – a pessoa, no exercício da sua pseudoautonomia privada
violou uma norma imperativa, o negócio é inválido, então, a lei, no 289ºCC, está a tirar as consequências
dessa invalidade. Não obstante esta preferência pelas normas imperativas, o legislador consagrou dois
grandes mecanismos para tentar, mesmo assim, aproveitar, na medida do possível, os negócios
jurídicos das invalidades que os possam afligir – o negócio, pelo menos no nosso ordenamento jurídico,
e na generalidade dos ordenamentos jurídicos, é visto como algo bom, como algo que pretende dar
juridicidade aos desejos, às vontades, das pessoas e, portanto, nessa medida, são bem vistos pelo
ordenamento jurídico: pretende-se que as pessoas tenham um espaço de liberdade, de realização
pessoal, também no mundo jurídico, e isso é o que justifica, através da lei, tentar-se conferir a máxima
eficácia jurídica ao negócio, ou seja, à autorregulamentação pelas partes da sua vida, das suas
idiossincrasias.
Ordenamen 16-03-2021
to jurídico
Juridicamente, a lei portuguesa desinteressou-se do processo de formação do negócio jurídico,
respeita a
com uma única exceção. É como se o legislador dissesse “façam o que for necessário para se entenderem,
autonomia
desde que haja acordo”. Portanto, a lei portuguesa regulou apenas a existência do acordo, ou seja, a Nos países
privada e
formação do coração do negócio jurídico. anglo-
não faz
saxónicos é
juízos de Artigo 232º CC: para que haja um contrato, é necessário que o acordo abranja tudo aquilo que cada
chamada
valor sobre uma das partes pretendeu incluir no acordo, ou seja, não há contratos parciais.
“all or
aquilo que
NOTA: isto não é assim em todos os países. Há países, por exemplo a Suíça, em que o contrato como que nothing
para o A ou
se forma aos bocadinhos - se as pessoas forem chegando a acordo sobre determinados aspetos do rule”
para o B é
importante contrato, já há contrato quanto a isso (formação progressiva do negócio jurídico).
ou deixa de Com frequência, as negociações são prolongadas. Há negociações que, para além de durarem
ser meses ou anos, têm muitíssimas diligências (ex. visitas dos negociadores de um ao outro, existência de
intermediários, existência de obras). Há ainda a possibilidade de, durante as negociações, haver imensas
versões do contrato (tentativas das partes se irem, gradualmente, aproximando do acordo).
A declaração negocial, portanto, a declaração de vontade pela qual uma pessoa propõe a outra
Não é um contrato, designa-se por proposta.
assim em
todos os As propostas são declarações que têm várias características:
ordenamen Pretende
• Irrevogabilidade (artigo 230º/1 CC): a proposta é irrevogável depois de recebida pelo
proteger as
tos destinatário, salvo declaração em contrário do proponente. Artigo 230º/2 CC: para além da
expectativas
jurídicos declaração em contrário, também pode revoga se, ao mesmo tempo ou antes da proposta, chegar
do
a revogação da proposta, qualquer que seja o meio).
declaratário
× Há um problema quanto à interpretação de “ao mesmo tempo” neste artigo. Há, no
entanto, um certo consenso em torno do entendimento de que o que conta não é um
• Completude (artigo 232º CC): A proposta, para ser uma proposta, deve conter todos os elementos
necessários para a formação do contrato. Se não tiver, trata-se apenas de uma declaração
intercalar, prévia. Ex. Se A diz a B que lhe compra a camisola por 100€, mas não menciona que tem
que ser em prestações, em bom rigor, ainda não chegámos a um acordo porque ainda falta que A
apresente esse elemento e que B se conforme com isso.
NOTA: com frequência, na doutrina, designa-se uma proposta incompleta por um “convite a contratar”,
embora às vezes não seja muito lógico chamar-lhe assim.
• Proposta tem que revestir a forma do contrato que se pretende celebrar. Isto é muito
importante porque o contrato é o conjunto de duas ou mais declarações, portanto, para que
uma declaração dê origem a um contrato, essa declaração tem que revestir a forma necessária
para o negócio. Ex. A acorda o preço de uma casa com B e decidem fazer a escritura daqui a 15
dias. Sem a escritura, A não comprou rigorosamente nada e, a bem ver, não há verdadeiramente
uma proposta e aceitação para efeitos de código, há uma proposta informal porque a proposta
de compra e venda de um imóvel carece da forma prevista no 875º CC e como não tem esta
forma, nem um documento particular autenticado, não há proposta nem aceitação, há
meramente declarações preliminares.
• Tem uma duração (artigo 228º CC): este artigo destina-se a proteger o proponente porque a
proposta cria na esfera jurídica do destinatário um direito potestativo e cria uma situação de
sujeição na esfera jurídica do proponente – o proponente fica à mercê do declaratário e pode, a
qualquer momento, vir a formar-se na sua esfera jurídica um contrato. Ou seja, protege o
proponente no sentido em que não o vincula eternamente a um declaratário que nunca mais
diz nada acerca da proposta; passado aquele tempo previsto no 228ºCC, o proponente pode
Os contratos celebrados segundo cláusulas contratuais gerais são contratos e, portanto, são
acordos. Não existem contratos celebrados segundo cláusulas contratuais gerais se não houver um
acordo quanto àquelas cláusulas. Os formulários só se tornam contrato quando alguém os aceita. As
cláusulas contratuais gerais são uma particularidade na formação do negócio, mas não é por existirem
essas cláusulas que há negócio, só há negócio se houver acordo.
As cláusulas que constem dos formulários, mas não sejam comunicadas às pessoas, não fazem
parte do contrato. Também não valem como aceites as cláusulas que apareçam depois da assinatura
porque se presume que não foram lidas. Ademais, não valem as cláusulas que sejam alteradas após a
assinatura (ex. se eu celebrei o contrato com a EDP em 1999, ainda que ela altere as suas cláusulas
contratuais gerais depois disso, as que valem para mim são as de 1999 – para evitar isto, muitas vezes o
que as grandes empresas fazem são contratos anuais, renováveis).
As pessoas que utilizam cláusulas contratuais gerais têm deveres especiais ao fazerem isso:
Artigo 8º LCCG – se os deveres não forem cumpridos há uma exclusão daquelas cláusulas do contrato,
isto é, as clausulas não comunicadas ou relativamente às quais não tenha havido o cumprimento do dever
de informação são excluídas do negócio jurídico. Apesar de excluir as cláusulas não comunicadas, não
impede a aplicação do regime geral da culpa in contrahendo – por vezes não faz sentido porque como a
cláusula problemática foi excluída, às vezes não há danos para indemnizar, mas, se houver, é possível
aplicá-la.
Artigo 7º LCCG – se porventura, num determinado contrato celebrado segundo cláusulas contratuais
gerais, tiver havido negociação sobre alguma das cláusulas, a cláusula negociada prevalece sobre o
formulário, portanto, se eu chegar a acordo sobre uma determinada cláusula, mesmo que no acordo
esteja o contrário disso, o que vale é o que eu combinei.
Artigo 1º/2 LCCG – o regime das CCG é aplicável aos contratos rígidos, ainda que não estejam, como elas,
predeterminados ou destinados a ser aceites ou propostos por pessoas indeterminadas
Há uma outra área com a qual a lei se preocupou e vem prevista no artigo 227ºCC (culpa na
formação do contrato ou culpa in contrahendo). Este artigo, de uma certa forma, é uma tentativa do
legislador de manter a ordem, manter uma certa moralidade na formação do negócio. Portanto, as
partes são livres, ninguém está obrigado a nada, estão a negociar para ver se se entendem, podem fazer
tudo, mas há limites e o limite é o no artigo disposto:
Boa fé, segundo MC – conjunto dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico vocacionados
para intervir no caso concreto e, normalmente, esses princípios correspondem, hoje, ao princípio da
tutela da confiança e ao princípio da primazia da materialidade subjacente
× Estes princípios, em particular o da tutela da confiança, dão origem a 2 tipos de deveres: deveres
de informação e deveres de lealdade – significa que as partes não se andam a enganar uma à
outra e trocam entre si a informação suficiente para celebrar um negócio jurídico.
➔ Alguma doutrina: entende que, além destes dois tipos de deveres ainda existem os deveres de
proteção – deveres de cada um dos negociadores proteger o património e a pessoa do outro
negociador
➔ MRR: acha que os deveres de proteção não existem. O artigo 227º CC é um artigo que se destina a
proteger a negociação e não o património ou a pessoa do outro negociador – para isso há outros
artigos: este é totalmente focado na negociação do contrato. Para além disso, a boa fé é um conceito
que tem que ver com o relacionamento entre duas pessoas, com as regras de conduta que regem a
forma como duas pessoas se relacionam. Aquilo que protege o património e a pessoa do outro
contraente são valores que estão consagrados no artigo 483º CC.
➔ MC: acha que existem e dá a justificação de que apesar de a pessoa já ter que se comportar como
deve ser antes, quando negoceia tem um dever acrescido na medida em que está próxima da
pessoa, a pessoa baixa a guarda e confia na outra e tal – Doesn’t make any sense ‘cause se alguém
me bater a meio de uma negociação ou me bater no meio da rua sem nenhuma negociação, a
agressão vale exatamente o mesmo e a proximidade é a mesma.
A
consequênci
O que é que acontece se as partes não respeitarem a boa fé nas negociações? 227ºCC – o negociador
a da culpa in
que não respeitou a boa fé tem o dever de indemnizar o outro nos danos em que incorreu.
contrahendo
não é a Quais são os danos que a pessoa que violou a boa fé tem que indemnizar? Esta matéria é muito
invalidade discutida. Debate-se aqui se aquilo que deve ser indemnizado é o interesse contratual negativo
do negócio!! (interesse da confiança) ou o interesse contratual positivo (interesse do cumprimento).
Qual é a diferença?
• Se eu indemnizar o interesse contratual negativo eu vou ter que pagar o que for necessário para
colocar o lesado na posição em que ele estaria antes do facto ilícito, antes das negociações.
• Se eu tiver que indemnizar pelo interesse contratual positivo eu tenho que colocar o lesado na
posição em que ele estaria depois do facto ilícito, mas imaginando que tudo tinha corrido bem.
Ex. eu estou a vender a minha casa de 100 m2, mas no anúncio dou a entender (não digo diretamente)
que ela tem o dobro do tamanho -> há um interessado -> desloca-se de Bragança a Lisboa de autocarro
para ver a casa -> apercebe-se que a casa só tem 100m2 e diz que não se teria deslocado se soubesse que
o real tamanho era aquele.
• O interesse contratual negativo diz que eu tenho que pagar ao senhor o bilhete do autocarro de
Bragança para ca e de cá para Bragança porque a viagem foi inútil e a culpa foi minha (se eu tivesse
sido correta, ou seja, se eu tivesse dito o amanho real da casa, ou pelo menos não tivesse dado a
Qual é o tipo de responsabilidade que está aqui em causa? Há dois grandes sistemas de responsabilidade
civil: responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual. É muito discutida a integração da
culpa in contrahendo num destes universos.
× MC: entende que estamos perante uma responsabilidade contratual porque acha que existe uma
relação especial entre os negociadores e não apenas deveres genéricos de respeito
× Quem entende que estamos perante uma extracontratual: um dos argumentos principais está no
227º/2 CC que faz uma remissão para o 498ºCC que é um artigo da prescrição, mas da prescrição
extraobrigacional
Ver artigo do prof. Almeida Costa “Responsabilidade Civil pela Rutura das Negociações Preparatórias
de um Contrato”
O artigo 227ºCC e a indemnização por culpa in contrahendo aplicam-se, ou podem aplicar-se, mesmo
que o contrato não se celebre, mesmo que o contrato seja inválido, ou até mesmo se o contrato se
celebra. A responsabilidade civil é um facto jurídico, portanto, não está dependente da produção de
efeitos de um negócio. A aplicação do 227ºCC é independente do destino do contrato - desde que se
verifiquem os pressupostos do 227ºCC, é possível solicitar uma indemnização.
É um instituto com um nascimento puramente doutrinário: Ihering, em 1861, publicou um livro sobre
esta matéria (em 1861 ainda não havia BGB na Alemanha). Ele trabalhou com base no Direito Romano e,
a partir do Direito Romano, tentou encontrar uma justificação para atribuir uma indemnização a danos
que se produziam na fase da negociação, quando os negócios eram inválidos. A partir daqui ele
desenvolveu esta ideia da culpa in contrahendo e depois toda a gente achou excelente foi sendo
progressivamente adotada nos diferentes códigos que se foram formando a partir daí. O nosso atual
Código é o primeiro, em Portugal, a consagrar o instituto. A primeira versão do BGB não consagrava,
mas depois com a alteração passou a consagrar.
NOTA: há várias maneiras de organizar os vícios, de classificar os vícios, de modo a podermos perceber
exatamente do que é que estamos a falar. Todas elas têm vantagens e têm inconvenientes. MRR adota o
critério de classificação clássico, que nalguns pontos já está ultrapassado (do ponto de vista dogmático e
científico é considerado bastante antiquado, mas do ponto de vista pedagógico parece-lhe, sem dúvida,
o melhor, o mais claro, o mais acessível).
Falta de Vontade
Coação física (art. 246ºCC) Falta de consciência na declaração (art. 246ºCC) Declaração não séria (art. 245ºCC)
Neste conjunto de vícios não há sequer vontade, portanto, são os vícios mais graves e, consequentemente, aqueles
que têm as consequências mais graves. A lei diz, em relação a estes vícios, que o negócio ou a declaração é inexistente
Vícios da Vontade
• Vontade de ação – corresponde ao controlo do meu corpo; é muito raro faltar a vontade de
3 níveis ação, mas acontece por ex. com as pessoas que falam durante o sono
progressivos - • Vontade de Declaração – grande parte dos nossos comportamentos têm um sentido (se as
quando não há o pessoas não forem doentes da cabeça) e, normalmente, quando adotamos um determinado
primeiro não há comportamento, também queremos o sentido que esse comportamento tem
mais nenhum
• Vontade funcional ou vontade negocial – o declarante tem vontade de ação, tem vontade de
declaração e além disso quer que aquilo que declarou produza efeitos jurídicos.
1. Falta de vontade
NOTA: vícios que são tão graves que eliminam a vontade
O que verificamos, quer na coação física, quer na falta de consciência da declaração, é que existe, do
ponto de vista legislativo, uma grande prevalência da autonomia privada sobre a segurança jurídica,
mas ao privarmos a declaração dos efeitos jurídicos, não estamos, evidentemente, a desproteger os
terceiros que confiam naquela aparência. A falta de consciência ou a coação física nem sempre são
percetíveis, os terceiros percebem se lá estiverem a ver - MRR até diria que a coação física percebem
necessariamente e a falta de consciência na declaração provavelmente percebem. O problema é que os
declarantes e os declaratários podem não estar no mesmo espaço – a declaração proferida com coação
física ou com falta de consciência na declaração pode ser, por exemplo, escrita ou pode ser gravada e, na
declaração, qualquer que ela seja, pode não ser patente o vício e, portanto, o terceiro acaba por ficar
desprotegido quando lhe disserem que afinal aquilo não produz qualquer efeito, portanto, é verdade
que existe esse problema, mas temos dois interesses em conflito e a lei o que diz é que estes casos são
tão graves que o declarante merece que a sua declaração não produza efeitos quando faltar a vontade
de ação (coação física) ou vontade de declaração (falta de consciência na declaração).
Começamos com os vícios mais graves e agora vamos descendo. Conforme vamos descendo nesta
hierarquia, cada vez mais o legislador vai ter em conta os interesses do declaratário. Na coação física
não tem em conta, na falta de consciência obriga a indemnizar em certos casos, nas declarações não sérias
obriga a indemnizar em muitos outros casos e agora, nos vícios na vontade, e no medo especificamente,
dá um passo mais em frente – há casos em que existe falta de liberdade (medo), mas mesmo assim os
2. Vícios de vontade
2.1. Medo
Existem os 3 patamares da vontade, mas ela foi viciada, é uma vontade doente. Neste caso a
vontade é viciada porque o declarante não é livre – uma pessoa não é livre quando tem receio, medo, de
alguma coisa e esse receio faz com que o sujeito não decida exatamente como queria, ou seja, não seja
livre.
Quando analisamos este vício devemos partir de um pressuposto que alguns autores entendem
que é uma perspetiva errada, mas é a perspetiva jurídica: no Direito Civil (pelo menos) partimos do
postulado que cada pessoa é livre e, portanto, tratamos cada pessoa como um ser livre. O medo, a falta
de liberdade, é relevante precisamente porque para nós o sujeito é um sujeito livre. O sujeito que celebra
negócios jurídicos, idealmente celebra-os num estado em que está a exercer a sua liberdade, portanto,
se há um problema com a sua liberdade há um problema com o negócio jurídico.
Exemplo: António diz ao Bento que, se ele não lhe vender a casa, o mata. Isto é um caso de coação moral
e não de coação física porque a pessoa tem vontade de ação, de declaração e funcional, ainda que
evidentemente elas estejam viciadas porque no fundo do seu coração ele não quer vender a casa, ele
vende a casa porque está com medo que o outro o mate. “Ah, mas ele não tem opção!” – claro que tem,
ele pode sempre escolher que o matem.
• MC: ameaça de morte é um caso de coação física.
• MRR: admite que em certos casos isso possa acontecer, são casos muito limitados porque o que
tem que acontecer é que a pessoa ameaçada fique completamente fora de si, isto é, perca o
controlo do seu próprio corpo porque isso é que caracteriza a coação física. Ora, isto não é o
normal - a pessoa fica completamente ansiosa, preocupadíssima, com muito medo, mas continua
a ter opção e a ser ela a decidir. Na coação física é o terceiro que decide (ex. hipnose).
Ameaça ilícita
Uma ameaça lícita não é suscetível de causar uma coação moral procedente (ex. credor que
ameaça o devedor que é alguém muito importante e que não interessa que se saiba que é caloteiro que
o vai por em tribunal se ele não pagar – este devedor ficou muito aflito porque não queria que se
soubesse? Problema dele, porque a ameaça para gerar coação moral tem que ser ilícita e o que é ilícito
A ameaça ilícita pode respeitar quer à pessoa do declarante, quer de um terceiro e ainda tanto
à pessoa física como à pessoa moral. A nossa lei, ao contrário de outras leis, não estabelece um limite
para este terceiro, ou seja, o terceiro pode ser qualquer pessoa, não tem que ser propriamente alguém
com alguma ligação ao declarante, sendo certo que se o declarante for ameaçado com alguém que não
tem uma ligação forte é pouco provável que se sinta realmente ameaçado, portanto, é pouco provável
que se consiga o tal duplo nexo de causalidade que gera a declaração e, portanto, gera o vício. A ameaça
pode respeitar também ao património (à fazenda), quer do declarante, quer do terceiro, exatamente
nas mesmas condições.
O mal que está subjacente à ameaça pode ser um mal que ainda vai ser criado ou um mal que
vai ser mantido, ou seja, posso dizer a uma pessoa que lhe bato se ela não me vender x, ou posso já estar
a bater-lhe e dizer-lhe que não paro até ela me vender x. A ameaça respeita sempre ao futuro – se o mal
já começou, estamos a falar, então, da não cessação do mal.
Não constitui ameaça o exercício normal de um direito (ex. do credor e do devedor), mas é
ameaça ilícita o exercício anormal de um direito (ex. ameaçar x que o ponho em tribunal, não para ser
pago, mas para o achincalhar) porque a ilicitude decorre do art. 334º CC, portanto, estaríamos perante
um exercício abusivo do direito e, nessa medida, esse exercício não seria lícito, logo, conjugando o
artigo 255º CC com o artigo 334º CC podemos considerar que um exercício abusivo de um direito
constitui uma ameaça ilícita.
Também não constitui ameaça ilícita aquilo que a lei designa por “simples temor reverencial”.
O temor reverencial é o respeito que é natural do ponto de vista social pela posição de superioridade
da outra pessoa – esse respeito causa alguns constrangimentos naturais, sem dúvida, e às vezes a
pessoa que é merecedora do respeito até se pode aproveitar um bocadinho do temor reverencial, mas
se não passar disso não há coação moral. Isto é, o constrangimento/falta de liberdade gerada pelo
temor reverencial é considerado admissível pelo ordenamento jurídico, ou seja, não vicia o
consentimento (ex. António está na livraria a escolher o seu próximo manual e entra a professora. 1 dos
manuais é da autoria da professora. A sra. da livraria diz-lhe para se despachar a escolher que tem pressa
e António, ainda que estivesse mais inclinado para outros, escolhe o livro da professora porque se sente
constrangido a agradá-la – isto não lhe permite anular o negócio porque o temor reverencial é
irrelevante). Pode incluir relações entre pais e filhos, mestres e aprendizes, relações no trabalho,
socialmente, etc.
Intencionalidade da ameaça
Para haver coação moral, é necessário que haja dolo do coator – a lei diz “a ameaça foi feita
com o fim de obter dele a declaração”, portanto, se foi feita com o fim de obter dele a declaração quer
dizer que foi feita de propósito, com aquele objetivo – a coação moral não é suscetível de um
comportamento negligente.
O medo espontâneo não é relevante (ex. eu sei que X é muito violento e sei que vai reagir mal
se eu disser que não lhe vendo os meus óculos. X faz-me uma proposta e eu vendo-lhe os meus óculos –
não há coação moral porque de facto X tem um passado de violência, mas, neste caso, nada fez.)
A doutrina costuma colocar um problema um pouco difícil de resolver. Imaginando que António
ameaça Bento de que se não lhe VENDER os óculos o mata e Bento cheio de medo lhe DOA os óculos,
há ou não há aqui coação moral?
Dupla causalidade
O declarante tem de ter sido ilicitamente ameaçado e essa ameaça ilícita tem de ter causado um receio
de um mal, receio do mal esse que causa a declaração. Se houver uma interrupção não há coação moral.
Por se tratar de um caso que suscita preocupação adicional por parte do legislador, há mais
requisitos na coação moral de terceiros do que na coação moral do próprio declaratário:
• Todos os da coação moral “normal”
• É necessário que o mal de que a vítima tenha sido ameaçada seja grave;
• É necessário que o receio da consumação do mal seja justificado - tem que ser uma ameaça
credível porque, por exemplo, ameaças de morte feitas por pessoas “normais” (aka sem historial)
costumam ter problemas no 256º CC, exatamente por não serem credíveis.
Diz-nos a lei que a anulabilidade só pode ser invocada pela pessoa em cujo interesse a lei a
estabelece. Qual é a pessoa a favor do qual a lei estabelece a anulabilidade num negócio viciado por
coação moral? Evidentemente que é a favor da vítima da coação.
Em relação ao prazo, diz-nos o 287º CC que o negócio pode ser anulado até um ano após a
cessação do vício que lhe serve de fundamento. Qual é esse vício? O medo, a falta de liberdade. Quando
é que cessa o vício da coação moral? O vício da coação moral pode cessar nas alturas mais variadas –
podem decorrer anos e isto não é injusto porque estamos a falar de um problema muito sério.
o “Se o negócio já está feito, a pessoa já não tem que ter medo” – ERRADO!! Se a pessoa teve o
medo e se o medo determinou a celebração do negócio, a pessoa vai ter medo de anular o
negócio - a ameaça persiste por razões de funcionamento normal da vida humana, é como se a
ameaça fosse transferida da celebração do negócio para a manutenção do negócio porque a
anulabilidade consiste na possibilidade de impugnar o negócio, pelo que voltaríamos à estaca
zero.
o Prof. diz a aluno que, se não lhe vender o telemóvel, chumba à disciplina e ele apressa-se a vendê-
lo e em maio resolve invocar a anulabilidade do negócio. Por vezes os alunos dizem que não é
possível porque ainda não começou a decorrer o prazo devido ao facto de ainda não ter feito a
disciplina e, portanto, o prof. ainda pode executar a ameaça, logo ele ainda está sob o império da
coação moral. Ora bem, um dos requisitos da coação moral é a dupla causalidade, ou seja, a
ameaça causa o medo e o medo causa a declaração – se o aluno, apesar de a ameaça se manter,
resolver invocar a anulabilidade quando ainda não tem a cadeira feita é porque este segundo
2.2. Erro
Porque é que isto é um vício? Porque a vontade das pessoas forma-se a partir da ponderação de uma
série de fatores e esses fatores têm que ver com a realidade, ou seja, são uma representação que se
forma na cabeça das pessoas através da realidade – ex. compro um telemóvel novo porque há certas
coisas que acontecem na realidade e que fazem com que eu ache que ele se está a avariar;
Como a representação da realidade influi a tomada de decisão, a lei costuma designar esta
realidade por motivo – as pessoas têm determinados motivos para celebrar um negócio e esses
motivos, ou grande parte desses motivos, prendem-se com a representação que fazem da realidade.
Por definição, o erro é algo que incide exclusivamente sobre o passado ou sobre o presente:
não há erro sobre o futuro, sobre o futuro há previsões (ex. eu estou convencida que amanhã vai chover,
mas preciso de sair e não tenho um guarda chuva, então, hoje, vou comprar um – aqui não há um erro
porque eu posso ter comprado o guarda chuva por ter esta convicção, mas como esta convicção diz
respeito ao futuro isto é um risco meu, eu é que me pus a fazer previsões meteorológicas; eu não tenho
que penalizar as pessoas com quem eu contrato porque as minhas previsões saíram furadas.) O erro falso
costuma designar-se por error in futurum. Quando se fala em previsões não se aplica o regime do erro.
Nos erros verdadeiros, a lei permite a anulação do negócio porque eu proferi uma declaração
baseada num determinado motivo relativamente ao qual estava enganada (quanto a chover amanhã eu
não estou enganada, quanto muito tenho uma errada previsão).
O erro é um vício ainda menos grave do que a coação moral porque no erro nós não temos, em
princípio, ilicitude - temos uma pessoa que está enganada, que realiza uma falsa representação da
realidade. O vício, na sua génese, não tem algo de ilícito (há aqui uma exceção) e isto gera um maior
cuidado do legislador relativo ao regime jurídico do erro. Esse regime jurídico, tal como em todos os
outros vícios, é um compromisso, um ponto de equilíbrio, entre o princípio da autonomia privada e o
princípio da segurança jurídica (nuns pontos penderá mais para a segurança jurídica e noutros mais
para a autonomia privada). Na vida real, estes casos de erro, além de serem muito difíceis teoricamente,
são muito difíceis na prática porque é muito difícil provar a existência de erro na formação do negócio.
O erro pode ser simples ou espontâneo ou pode ser qualificado por dolo. O erro doloso ou erro
qualificado é aquele em que alguém provocou o erro. O erro espontâneo é aquele que é criado pela
própria pessoa, a pessoa está convencida disso por si própria.
06-04-2021
2.2.1. Erro qualificado por dolo (254º CC)
Quando existe erro qualificado por dolo é indiferente qual o objeto do erro, isto é, o erro
qualificado por dolo é um erro, portanto, é uma falsa representação da realidade (consiste em alguém
pensar que alguma coisa aconteceu ou que alguma coisa existe, portanto, pensar que a realidade é de
uma certa maneira quando na realidade não é) e essa falsa representação da realidade foi provocada,
não é espontânea.
NOTA: o regime do erro simples varia em função do elemento sobre o qual incidiu a falsa representação
da realidade (se foi sobre o objeto do negócio, se foi sobre a pessoa do declaratário, etc.)
Artigo 253º/1 CC - O dolo consiste numa sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou
consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo
declaratário ou terceiro, do erro do declarante
× “sugestão ou artifício” – pode ser algo elaborado (ex. teatro, mentira bastante bem construída),
mas também pode ser uma mentira descarada; pode ser qualquer forma de induzir a outra
pessoa em erro
× “empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração”
– não há um dolo negligente; quando alguém diz qualquer coisa e não se apercebe que a outra
pessoa se deixou enganar por aquilo, não se trata de dolo, trata-se apenas de um mal-entendido.
O erro, para efeitos do 253º CC, tem de ser doloso, isto é, tem que ser feito de propósito.
× O autor do dolo pode ser um declaratário ou um terceiro (NOTA: há requisitos diferentes
consoante seja um ou outro).
× O erro pode já existir e o dolo consistir apenas na manutenção do erro (dolo por omissão) ou o
erro pode não existir e ser criado pelo agente do dolo (dolo por ação).
Artigo 253º/2 CC - trata de uma realidade que hoje em dia é muito difícil de tratar e que costuma ser
designada pelo nome em latim dolus bonus (dolo bom) – “Não constituem dolo ilícito as sugestões ou
artifícios usuais, considerados legítimos segundo as conceções dominantes no comércio jurídico, nem
a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, de estipulação
negocial ou daquelas conceções.” Ex. pessoa vai a uma loja e pergunta como lhe fica a roupa que está a
experimentar, ao que o empregado lhe responde que está maravilhosa quando a roupa lhe fica péssima.
Porque aqui não temos preocupações com o declaratário porque o declaratário foi o autor do
dolo, foi ele que se portou mal, ele é que criou o erro na cabeça do declarante e, portanto, não há nada
que mereça proteção aqui, de modo que a lei se basta com a dupla causalidade para permitir a anulação
do negócio.
Se o dolo provier de terceiro as coisas são um bocadinho diferentes, aí aplicamos o disposto no artigo
254º/2 CC e o que há a dizer é que, para que o negócio seja anulável, é necessário que o declaratário
conhecesse ou devesse conhecer o dolo - se isso não acontecer, e muitas vezes não acontece, o negócio
mantém-se, mas se o terceiro (autor do dolo) tirar algum benefício da declaração, a declaração é
anulável em relação a ele (ex. o mediador imobiliário não é parte do negócio, mas promove-o e auxilia
nas negociações – imaginando que o vendedor do imóvel não sabia que não se podia construir ali, então
o negócio não é anulável, no entanto, como o mediador vai receber uma comissão, logo, ser beneficiado
pelo negócio, então, relativamente a ele, o negócio é anulável para que ele não receba o benefício, ou
seja, o mediador não recebe a comissão, mas a compra e venda realiza-se na mesma).
O efeito deste vício é a anulabilidade (253º CC e 254º CC) e é possível aplicar em simultâneo a culpa in
contrahendo (227º CC), principalmente se for dolo do declaratário.
Se o dolo não for relevante porque não se verificam os requisitos, podemos ainda tentar olhar para o
negócio e analisá-lo na perspetiva do erro simples, isto é, o facto de não existir dolo relevante não significa
que o declarante não esteja em erro. Esta prevenção é sobretudo prática.
Erro consiste numa falsa representação da realidade. O regime do erro no nosso CC é bastante complexo
e está dividido em vários sub-regimes, consoante o objeto do erro:
Quanto ao objeto do negócio, MRR faz apelo àquilo que dissemos no 1º semestre acerca da
relação jurídica – “objeto” está empregue no artigo 251º CC como objeto da relação jurídica, portanto,
inclui quer o conteúdo, quer o objeto propriamente dito e inclui erros sobre o conteúdo jurídico do
negócio e sobre o conteúdo material do negócio (é um conceito de objeto bastante amplo).
NOTA: MRR chama a atenção que aqui não é aplicável o artigo 6º do CC (“a ignorância da lei não aproveita
a ninguém”) porque aqui não se trata de obedecer ou não obedecer à lei, de desconhecer a lei para efeitos
de lhe desobedecer, mas antes de um negócio jurídico que foi feito na ignorância de um certo regime
jurídico (quando eu permito a anulação do negócio eu não estou a dizer que as pessoas podem
desobedecer à lei se não a conhecerem, estou a dizer que precisamente por não poderem desobedecer
e elas pensarem que aquela lei não existia, celebraram o negócio – aquilo que se faz não é ultrapassar a
lei, é anular o negócio ou pelo menos tentar ver se os requisitos da anulação estão verificados para se
anular o negócio em atenção a um desconhecimento que determinou a celebração do negócio que por
outras circunstâncias não teria sido celebrado (os negócios celebram-se por vontade das partes – se a
existência ou não existência de uma determinada norma jurídica foi determinante, então, devemos levar
isso em linha de conta).
NOTA: MRR chama a atenção de que o artigo 247º trata do erro obstáculo (um outro tipo de erro) e nós
estamos a tratar, no 251º CC, do erro vício, isto é, de uma falsa representação da realidade acerca do
declaratário ou acerca do objeto do negócio, portanto, quando vamos aplicar o 247º CC por remissão do
251º CC nós não podemos aplicar, por definição, a parte inicial do artigo (“Quando, em virtude de erro, a
vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável”) porque
não estamos perante um caso de erro em que a vontade declarada não corresponde à vontade real,
estamos perante um caso em que a pessoa disse aquilo que queria, mas A queria comprar o automóvel
por achar que ele andava 400km/h e não andava – há um erro na formação da vontade. Ou seja, nós,
conjugando o artigo 251º CC com o artigo 247º CC, vamos aplicar o artigo 247º CC no seguinte: “desde
que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento
sobre que incidiu o erro”.
Aplicando aqui o 287º CC, quem tem legitimidade para anular é evidentemente o declarante (pessoa que
está em erro) e o prazo é um ano após a cessação do vício, ou seja, um ano após o momento em que ele
perceba que estava em erro.
A expressão “base do negócio” é uma expressão importada do direito alemão. É um conceito que
nasceu em 1921, a partir de um estudo publicado por um autor alemão chamado Oertmann. Hoje em dia,
diz o prof. MC que, já há mais de 80 teses sobre a base do negócio e já por aí se vê a confusão existente
em torno do assunto.
O nosso legislador optou por consagrar a doutrina da base do negócio no artigo 437º CC e depois
consagrou também um erro sobre a base do negócio e remeteu deste artigo 252º/2 CC para o artigo
247º CC.
• CF: tem uma opinião diferente, mas bastante vulgar em Portugal – diz-nos que o erro sobre
a base do negócio é um erro bilateral sobre condições que patentemente são
fundamentais no negócio.
• MRR: não concorda com isto porque há aspetos do objeto do negócio que podem ser
fundamentais, mas que não são a base do negócio – a interpretação sistemática destes
artigos leva a que cada um incida sobre um aspeto do negócio diferente, sob pena de
termos regimes conflituantes. Assim, parece-lhe preferível entender que a base do negócio
é diferente do objeto negocial. A base do negócio são as circunstâncias exteriores
condicionantes do negócio.
Ex.1: em 1979 aconteceu uma revolução religiosa e política no Irão em que Ruhollah Khomeini tomou
conta do país, instituiu um regime religioso islâmico e passou a ser proibido vender álcool. O que é que
aconteceu? Havia e continua a haver um contrato de fornecimento de cerveja entre uma sociedade
comercial iraniana e uma empresa alemã e os camiões com a cerveja estavam quase a chegar ao Irão
quando aconteceu a revolução, tendo ficado ali detidos. Posteriormente, o comprador daquela cerveja
não a queria pagar porque dizia que o negócio era inválido por não poder vender a cerveja. Aplicando as
leis de Portugal, o negócio não era inválido, o negócio já estava feito, se ele não podia vender a cerveja
no Irão era um problema dele e não do vendedor, era um risco do comprador. No entanto, o homem era
vendedor, ele não ia comprar tantos litros de cerveja para os beber sem destino – a compra e venda de
cerveja, o negócio em questão, não se tornou inválida só porque aquelas leis proibiam a venda a retalho
(a venda de cerveja aos consumidores), no entanto, percebemos que a alteração destas leis altera
Ex.2: em 1901 morreu a Rainha Vitória. A Rainha Vitória esteve no trono muitos anos e tinha sido corada
em 1837. Como sabemos, os britânicos são bastante conservadores em termos de tradições e, portanto,
havia a tradição de o monarca, no dia da coroação, fazer um determinado cortejo (do Palácio de
Buckingham até à Catedral de Westminster) para ser coroado e as pessoas que tinham casas ao longo do
cortejo da coroação, tradicionalmente arrendavam as suas janelas para que outras pessoas pudessem ver
passar o cortejo, a preços verdadeiramente astronómicos. Ora, pensando que a tradição se manteria,
aquando da coroação de Eduardo VII, os britânicos celebraram os contratos de arrendamento das janelas
para ver passar o Príncipe de Gales, no entanto, houve um problema e o percurso da coroação foi alterado
e não foram dadas as notícias a tempo e horas por razões de segurança. Ora, quando os contratos de
arrendamento das janelas foram celebrados, o cortejo já não ia passar por ali, mas as pessoas não tinham
como saber isso. Mais uma vez, é possível arrendar a janela mesmo que o Príncipe de Gales não passe por
baixo, só que a pessoa que ia arrendar a janela, como é obvio, não quer arrendar aquela janela se o
Príncipe não for passar no dia da sua coroação. Ou seja, este negócio só é compreendido se tivermos em
conta estas circunstâncias que são exteriores ao negócio, mas que o explicam e lhe dão um sentido.
Qual é o regime jurídico? O artigo 252º CC remete para o artigo 437º CC e aqui mais uma vez não vamos
aplicar o regime de alteração das circunstâncias, vamos aplicar o regime jurídico da alteração das
circunstâncias ao erro sobre a base do negócio (temos que estar perante um caso de erro e não um caso
de alteração das circunstâncias). Quando o negócio foi feito, o percurso já tinha sido alterado, as pessoas
é que não sabiam; se o percurso fosse alterado depois do negócio, não teríamos um caso de erro,
teríamos um caso de alteração das circunstâncias.
A grande particularidade do artigo do erro sobre a base do negócio (art. 252º CC) é que ele
permite, ao contrário dos outros regimes jurídicos, não só a anulação do negócio, mas também a
alteração do negócio, de acordo com juízos de equidade (isto é uma grande alteração e por vezes muito
simpática para a parte que é menos prejudicada com a alteração na base do negócio).
× Solicitar a anulação que aqui é chamada de resolução, mas estamos perante uma anulação uma
vez que temos um vício
× Solicitar a modificação segundo juízos de equidade – MRR chama a nossa atenção para o
disposto no artigo 437º/2 CC que é uma manifestação de favor negotii e diz-nos esse artigo que,
se a parte lesada requerer a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando
aceitar a modificação do contrato nos termos do nº anterior, ou seja, nos termos da equidade
(alteração de acordo com a equidade).
× Há alguns autores que entendem que, porque estamos perante uma aplicação do 437ºCC a um
erro, não é possível a modificação, só é possível a resolução → MRR não concorda porque o
legislador não é estúpido e, se quisesse apenas a anulação, teria dito isso e não remetido em
bloco para o 437º CC.
× Também se discute se estaremos perante uma verdadeira resolução ou uma anulação. Aqui
trata-se de uma discussão um bocadinho mais linguística porque os efeitos da anulação e da
resolução são os mesmos, portanto, chamar resolução ou anulação é igual, ou melhor, seria mais
correto dizer que vamos anular o negócio, mas também não vem mal ao mundo se dissermos
que por efeito do 437º CC aplicável ex vi 252º/2 CC resolvemos o negócio com fundamento no
erro sobre a base do negócio porque o resultado final é o mesmo.
É um erro residual e inclui uma falsa representação sobre todos os outros motivos que não o
objeto, a pessoa do declaratário e a base do negócio (estão aqui sobretudo os chamados motivos
subjetivos, aqueles motivos que podem ter determinado alguém a celebrar determinado negócio).
× Essencialidade – é necessário que o erro seja essencial para que se possa anular o negócio
× É necessário que as partes hajam reconhecido por acordo a essencialidade do motivo – não é
preciso que este reconhecimento seja expresso, mas ele tem que existir. O que é que é isto?
Isto é o declaratário a assumir o risco daquele erro, o que faz todo o sentido porque nós estamos
perante aspetos dificilmente controláveis (ex. eu compro um dicionário de 10 volumes que não
foi nada barato porque achava que ele tinha pertencido a um senhor que conheci e de quem era
muito amiga – isto é um erro sobre os motivos porque não é sobre o objeto, não é sobre o
declaratário, não é sobre a base do negócio [porque é importante para mim, mas não é para a
outra pessoa], mas para mim é determinante porque eu só quero estes dicionários devido ao
facto de estar convencida de que eles pertenciam ao meu amigo. Ora, o declaratário não sabe
disto e não tem maneira de controlar isto - ele tem maneira de controlar se a coleção está ou
não completa, se está ou não em bom estado, o preço, mas a quem pertenceu não e não tem
maneira de saber que isto é importante para mim. Para eu conseguir aplicar o erro sobre os
motivos, o que tem de acontecer é que eu tenho que chegar ao pé do vendedor e dizer-lhe
“Estou a comprar a coleção de dicionários porque pertenceu a um amigo e isso para mim é
fundamental, o senhor aceita vender-me a coleção?” Ao que ele responde “ah, mas olhe que
eu não sei se isto pertenceu ao seu amigo”, e eu respondo “está bem, o senhor não sabe, mas
eu só compro se tiver pertencido, se não tiver pertencido não compro.” E o vendedor diz “bem,
está bem, eu aceito que só está a comprar por esse motivo” → o declaratário como que assume
O efeito da verificação deste vicio é a anulabilidade e, como é óbvio, é muito difícil de se verificar
porque é muito raro conseguirmos anular um negócio por erro quanto aos motivos, tão difícil que o
prof. MC equipara este erro (quando verificado) a um negócio sujeito a condição (obviamente há
diferenças: aqui estamos perante um vício na vontade e no negócio sujeito a condição trata-se de um
negócio perfeitamente válido).
O erro sobre os motivos é um erro residual só se aplicando o 252º/1 CC se não houver hipótese
de aplicar um regime de outro tipo de erro (base do negócio, quanto ao objeto ou quanto ao
declaratário), ainda que o erro sobre a base do negócio não esteja lá expressamente mencionado.
QUID IURIS em relação a todos os erros: O que fazemos se estivermos perante um negócio que não tem
um declaratário?
O que devemos fazer é eliminar os requisitos dos erros que visem proteger os declaratários, ou
seja, o conhecimento ou a cognoscibilidade da essencialidade ou o acordo, no caso do artigo 252º/1 CC
(nesses casos, além disso, é necessário que a essencialidade resulte do próprio negócio porque isso é a
única maneira que temos de proteger o comércio jurídico). Portanto, para alguém conseguir provar que
uma determinada realidade para ele era essencial, isso tem que decorrer do negócio porque se não tudo
é possível. Ao eliminar os requisitos da proteção do declaratário e ao ser um bocadinho mais exigente
com a essencialidade estamos a aplicar o regime que vem previsto também para o erro no testamento
(2202º CC)
Este vício é um vício híbrido e, portanto, não é muito fácil de enquadrar – ele não é bem um vício
da vontade, não é uma divergência entre a vontade e a declaração, etc…
1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente
incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde
que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.
2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.
Em termos de requisitos, o que nós temos aqui é alguém que, acidentalmente, está
incapacitado, isto é, por um motivo qualquer, no momento em que celebra o negócio, tem uma falha,
uma falta, uma debilidade, tem uma impossibilidade que pode ser ou de entender ou de querer que
são os dois grandes vícios (os vícios na formação do negócio são vícios ou do entendimento ou da
formação de vontade). É ainda preciso que esta incapacidade, para dar lugar à anulabilidade, seja
notória ou, não sendo notória, mesmo assim seja conhecida do declaratário, precisamente para
protegermos o declaratário. Verificando-se estes requisitos o negócio é anulável.
Os exemplos típicos aqui são negócios celebrados com pessoas que estão embriagadas ou
drogadas e é também o artigo utilizado para resolver problemas com pessoas maiores com fragilidades
que não são acidentais, que são permanentes, mas que não têm o regime jurídico da maioridade
acompanhada decretado e, portanto, apesar de a debilidade dessa pessoa ser permanente e não
Este artigo é um artigo que se aplica de uma forma um bocadinho residual, portanto, quando não
conseguirmos encaixar o problema num dos outros vícios da vontade ou da declaração podemos
sempre tentar ver se através do 257º CC arranjamos uma solução, atendendo a que este artigo nos diz
que se aplica qualquer que seja a causa da debilidade/incapacidade.
Enquanto que no capítulo anterior nós tínhamos uma vontade mal formada (o declarante na raiz da sua
motivação tem um problema que é ou a falta de conhecimento ou a falta de liberdade e, por causa desse
problema, ele forma uma vontade que está viciada, que está doente, que não está bem formada à
partida), agora temos uma situação totalmente diferente – a vontade do sujeito foi bem formada, há é
um problema entre a passagem da vontade que se tem da mente para o exterior (não há um problema
na formação da vontade, há um problema na exteriorização). Aliás, pode até haver um problema na
formação de vontade, mas isso é irrelevante quando estamos a tratar dos problemas das divergências.
• Vontade real – aquela que a pessoa efetivamente teve; não interessa se foi perfeita, se não foi
perfeita, se estava ou não a ser ameaçado; trata-se daquilo que a pessoa quis naquele momento
• Vontade declarada – aquela que a pessoa declarou; não é aquilo que ela quis dizer, é aquilo que
resulta da interpretação jurídica da declaração (236º CC); é o valor jurídico da declaração; aquilo
que, de acordo com o seu comportamento, exterioriza.
NOTA: por isso é que só podemos resolver os problemas dos vícios da declaração e até da vontade depois
de termos interpretado as declarações negociais.
• Vontade conjetural (ou hipotética) – ao contrário das outras duas, é uma vontade que não
existe, é aquela que teria existido se o declarante se tivesse determinado em condições ótimas
de esclarecimento e liberdade
NOTA: é perfeitamente possível que esta vontade seja igual à vontade real e à vontade declarada; quando
há vícios na vontade, há diferenças entre a vontade real e a vontade conjetural.
Quando há diferenças entre a vontade declarada e a vontade real, então, o que há é uma divergência
entre a vontade e a declaração e não um problema de vício, ainda que possa haver um vício a outro
título qualquer.
× Ex. António diz ao Bento que se ele não lhe vender o carro o denuncia às finanças por uma
falcatrua qualquer - qual é a vontade real do António? Vender o carro. “Ah, mas ele quer isso
para evitar a denúncia”. É verdade. Mas ele quer isso, ele preferiu vender o carro a ser
denunciado, portanto, aquilo que ele quer realmente é vender o carro. O que é que ele disse
que queria? Vender o carro. Então, se a vontade real (vender o carro) e a vontade declarada
(vender o carro) são iguais não há um problema de divergências. Qual teria sido a vontade do
Bento em condições ótimas de liberdade e esclarecimento? Quanto ao esclarecimento não há
problemas, mas quanto há liberdade há porque ele só quer vender o carro para não ser
denunciado – ele está a ser coagido. Numa situação ótima, de liberdade, ele não vendia o carro.
Ora, como a vontade conjetural é diferente da vontade real temos um vício na vontade. Falta
a liberdade, portanto, temos coação moral, se faltasse o esclarecimento teríamos erro.
3.1. Simulação
Uma simulação é uma divergência que consiste em alguém, por acordo com o seu declaratário,
declarar uma vontade diferente da sua vontade real, com o intuito de enganar terceiros (ex. António
tem dívidas e os credores andam atrás dele - para não perder a casa onde mora, António combina com o
seu amigo Bento que lhe vende a casa por 300.000 €, no entanto isto é tudo um teatro porque não só o
António não quer vender a casa e o Bento não a quer comprar, como também o Bento não paga os
300.000€ e o António não recebe os 300.000€, aliás, o António nem sequer sai da casa dele e o Bento não
vai para lá, ou, se vai, é tudo a fingir. O que eles querem fazer é enganar os credores e como tal, não
querem na realidade o negócio que declararam querer). Enquanto que nas declarações não sérias há um
teatro feito na expectativa de que o declaratário conheça a falta de seriedade da declaração, na
simulação há um teatro combinado entre o declarante e o declaratário para enganar terceiros ao
negócio.
NOTA: qualquer uma delas é simulação - a única relevância que MRR aponta para a simulação fraudulenta
encontra-se no art. 242º/2 CC, quanto ao resto, o regime da simulação inocente e da simulação
fraudulenta é exatamente o mesmo.
242º/2 CC: “A nulidade pode também ser invocada pelos herdeiros legitimários que pretendam agir em
vida do autor da sucessão contra os negócios por ele simuladamente feitos com o intuito de os
prejudicar”, ou seja, se a simulação for inocente, os herdeiros legitimários não têm legitimidade para
invocar a nulidade da simulação. Essa legitimidade só existe em relação às simulações fraudulentas.
Quanto aos efeitos jurídicos: o negócio simulado é nulo (art. 240º/2 CC). Além disso, alguns casos de
simulação são crime, por ex. a simulação fiscal (além das consequências civis tem também consequências
criminais).
A nulidade da simulação tem uma parcela do seu regime que é típica e tem uma parcela do seu
regime que é atípica ou mista:
Exemplo: António e Bento fizeram a simulação e o Bento que tem a casa do António em nome dele precisa
agora de dinheiro e decide vender a casa que, na realidade, é do António, mas que está no nome dele, a
Carlos. Carlos vai ao registo e verifica que o proprietário é o Bento e, portanto, se é proprietário pode
vender e vende. Passado um tempo, António vai ter com Carlos e manda-o embora porque a casa é dele,
explicando-lhe que o negócio foi simulado e, portanto, não produz efeitos, tendo Carlos comprado a uma
pessoa que não é proprietária. Segundo o artigo 243º, o António e o Bento (simuladores) não podem
invocar a nulidade da simulação contra o Carlos que não sabe de nada, está de boa fé e, portanto, é
protegido pelo artigo.
Exemplo: D vende uma casa ao E por 300000€, mas para pagarem menos impostos, em vez de
na escritura dizerem que venderam por 300.000, dizem que venderam por 200.000. -> temos uma
simulação porque há uma divergência entre a vontade real (vender por 300000) e a vontade declarada
(vender por 200000), esta divergência entre a vontade real e a vontade declarada é proferida por acordo
e o objetivo é enganar (neste caso, enganar o Estado pagando impostos só sobre os 200.000 e não sobre
os 300.000).
Exemplo: Contrato entre A e B – A e B simulam uma compra e venda, mas, na realidade, não
querem nada (o negócio escondido, a vontade real, é 0, estando eles a declarar a compra e venda apenas
para enganar os credores de A).
× O negócio simulado é nulo (artigo 240º/2 CC) e isto aplica-se quer a simulação seja relativa,
quer a simulação seja absoluta. Quando a simulação é relativa, além de analisarmos o negócio
simulado (que é nulo) temos que analisar o negócio dissimulado.
× Rege o negócio dissimulado, o artigo 241º CC. MRR acha que este artigo tem uma epígrafe muito
infeliz (“Simulação Relativa”) porque às vezes leva a que o apliquemos nas simulações relativas
e a que achemos que está tudo resolvido. A epígrafe deveria ser “Negócio Dissimulado” porque
este artigo só regula o negócio dissimulado, não regula o negócio simulado e na simulação
relativa temos o negócio dissimulado, mas também temos, ou continuamos a ter, o simulado.
Portanto, ao simulado aplicamos o 240º/2 CC e ao dissimulado, se existir, aplicamos o 241º CC
Art. 241º CC: quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar [o
dissimulado], é aplicável a este [ao dissimulado] o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem
dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado. -> O que aqui
temos é uma espécie de redução ex lege – o artigo manda esquecer o negócio que corresponde à vontade
declarada e olhar para o da vontade real como se não tivesse existido esse outro, o que virá a significar
que o negócio simulado não afeta o negócio dissimulado e, como tal, o negócio dissimulado tanto pode
ser válido como inválido.
Normalmente, estes negócios fazem-se, como é evidente, para enganar pessoas e grande parte
dos negócios simulados são negócios formais porque são aqueles negócios mais relevantes e em que as
pessoas se dão ao trabalho de enganar outras de uma forma mais teatral (por ex. gastando dinheiro com
escrituras, registos, etc.) e, portanto, com frequência, temos problemas de forma no negócio
dissimulado (podem não ser os únicos problemas tho). Quando a forma exigida por lei é uma forma
pública (documento autenticado ou escritura pública), não é possível observar a forma no negócio
simulado e no dissimulado (ex. se eu vender a minha casa ao António por 200.000€ através de uma
escritura, eu não posso fazer o negócio dissimulado também por escritura porque se não o negócio
dissimulado deixa de ser escondido e passa a ser público – no exemplo dos impostos até era impossível
porque aí, em vez de pagar impostos sobre 200.000€, pagava sobre 500.000€. Além disso, não é possível
vender a mesma coisa duas vezes).
O que fazer com a forma dos negócios dissimulados? O artigo 241º/2 CC trata especificamente desta
matéria - “Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a
forma exigida por lei.”
× MRR está convencida que esta atitude benigna para com a simulação já está a mudar porque
como agora as finanças são mais aptas, mais proactivas, há menos pessoas a fazer e como há
menos pessoas a fazer, as pessoas estão mais intolerantes com os que conseguem fazer;
× Solução da MRR: um negócio dissimulado formal, que não tenha forma exigida por lei é nulo -
não há nada a fazer. Aquilo que a lei manda é olhar para o negócio como se não existisse
simulação. Se não existisse simulação eu podia vender uma casa assim de boca? Não. Então, se
não podia, o negócio é inválido. Há, no entanto, casos em que é possível que o negócio seja
válido – quais? 2 casos:
• Aqueles em que a forma também é uma forma particular (ex. quando os jogadores de
futebol, para pagarem impostos pelo mínimo, celebravam um contrato pelo ordenado
mínimo e esse era o oficial que ia para a segurança social, para a federação e etc. e
depois o verdadeiro que ficava com o clube e com o jogador – neste caso, o negócio
dissimulado é valido porque a forma era a escrita e foi respeitada). -> nos negócios em
que a forma legal é uma forma não pública e é respeitada, não há problema.
• Casos de negócios em que, por aplicação do disposto no art. 221º CC, conseguimos
dizer que a divergência entre a vontade e a declaração, diz respeito a um aspeto que
não é um dos elementos pelo qual a lei exigiu a forma e, portanto, nos termos do 221º
CC, pode estar fora da forma e, estando, não há problema (ex. eu vou vender a minha
casa e na escritura diz que a casa é vendida devoluta de bens e não, lá dentro estão
livros – isto não tem problema nenhum. Há uma mentira, uma simulação, sem dúvida,
quanto ao estado do imóvel, mas não há problema nenhum porque por conjugação do
art. 875º CC com o 221º CC as razões determinantes da forma do 875º CC não exigem
que a forma seja observada também para o estado interior do imóvel e, portanto,
também neste caso o negócio dissimulado é válido porque, aplicando as regras gerais,
seria válido na mesma.)
NOTA: Os negócios típicos da simulação (simulação fiscal, portanto, vender por um preço mais baixo do
que aquele que é o preço real) são nulos também por falta de forma porque as razões fiscais são uma das
razões pelas quais o Estado exige escritura pública e, hoje em dia, mais ainda as regras para tentar evitar
o branqueamento de capitais que foram incluídas na prática notarial e, portanto, dizer que se vende por
um preço enquanto se vende por outro é constituir uma divergência entre a vontade e a declaração numa
área em que a lei não quer que isso aconteça, precisamente porque um dos objetivos da forma pública é
fazer o controle da situação de capitais. Também não é admissível, evidentemente, uma simulação em
que o negócio simulado seja de um tipo e o dissimulado seja de outro e ambos careçam de forma legal
(ex. simulação entre a doação e a compra e venda de imóveis – o negócio dissimulado é inválido porque,
em princípio, é impossível a forma ter sido observada no negócio simulado e no dissimulado).
Exemplo: A tem uma casinha que está arrendada a C e C tem direito de preferência. A quer
vender a sua casa a B e não a C e então, como C tem preferência, o que acontece é que A combina com B
1. Neste caso, se o C descobrir que o negócio afinal foi feito por um preço mais baixo pode ir a tribunal
(é interessado), invocar a nulidade do negócio simulado (240º/2 CC) e preferir pelos 200 000€. O
exercício da preferência aqui não coloca problemas porque o negócio simulado é nulo, o C é o
interessado porque tem um direito pendente da nulidade da simulação e, portanto, pode invocá-la.
Do ponto de vista nulidade da simulação este caso não coloca problemas, mas coloca um problema
sério – como o negócio dissimulado é nulo por falta de forma, C, em bom rigor, não vai conseguir
exercer o seu direito de preferência porque não se exerce a preferência sobre negócios nulos. O
negócio é nulo e se é nulo não produz efeitos e se não produz efeitos o C vai preferir no que? Não
tem nada para preferir. Portanto, apesar de numa perspetiva das regras da simulação não haver
problemas de maior aqui, o problema é que o negócio dissimulado é nulo e por isso vai tudo ao
charco.
2. Mas pode acontecer outra coisa: A diz a C que a compra e venda vai ser feita por 500.000€, C diz que
não quer e o A diz ao B que já tem uma carta de C a dizer que não quer preferir e que podem fazer a
compra e venda. Vão então ao cartório e B diz “oh, pagar impostos (porque há um imposto sobre as
transações imobiliárias que faz com que, nas transações de imóveis, o adquirente tenha que pagar
mais ou menos 6,5% sobre o valor de venda) sobre os 500.000€... temos aqui a carta, vamos, mas é,
fazer a escritura e declaramos os 200.000” (ou seja, a simulação feita não é para enganar o
teorias para tentar ultrapassar o problema do preferente, no
Desde 1966, na doutrina portuguesa surgem, então, imensas
preferente, é para enganar o Estado). Imaginando que o C tem acesso à escritura e vê lá a declaração
dos 200.000€ pode achar que foi enganado e então vai ter com B e diz-lhe que afinal vai ficar com a
casa; B conta-lhe a verdade; C, se for esperto, dir-lhe-á que tem muita pena, mas, nos termos do
artigo 243º/1 CC, a nulidade da simulação lhe é inoponível por ser um 3º de boa fé, portanto, para
ele, o negócio simulado é válido, não é nulo (para ele o negócio simulado produz efeitos e, portanto,
ele poderá preferir pelos 200.000€ e não pelos 500.000€)
Doutrina e jurisprudência: omg, que escândalo!! Se toda a gente simula, não há terceiros de boa fé
porque eles já têm que estar a contar com a simulação.
MRR: C tem direito a adquirir pelos 200.000€ - A e B simularam porque quiseram e, portanto, agora
assumem as consequências.
× C pode propor uma ação de preferência (art. 1410º CC) para ser ele a ficar com o imóvel, pagando
ele os 200.000€. Se isto avançar nestes termos o A e o B terão um prejuízo brutal – o B porque
fica sem o imóvel e o A porque fica sem o imóvel e recebe apenas 200.000, em vez dos 500.000
que já tinha combinado com o B. Isto funciona assim porque a nulidade da simulação tem um
regime misto e permite, no caso da existência de terceiros de boa fé, que a nulidade da simulação
seja inoponível aos terceiros de boa fé (243º CC) – C é um terceiro de boa fé e A e B são
simuladores.
A simulação, precisamente porque é uma mentira combinada entre pessoas que, normalmente, perante
oficiais públicos reiteram a mentira, tem regras estabelecidas pela lei que são um bocadinho draconianas
quanto à prova da simulação. De acordo com o artigo 394º/2 CC é proibido provar a simulação através
de testemunhas (os tribunais permitem a prova por testemunhas desde que haja um princípio de prova
documental – ex. recibo, cheque onde se fale de um valor diferente do valor declarado, etc.).
1. Defendida por muitos autores, talvez o primeiro dos quais Manuel de Andrade (professor de
Coimbra): no artigo 243º CC deve fazer-se uma interpretação restritiva da expressão “terceiro
2. 473º CC (Instituto do Enriquecimento Sem Causa) – este instituto reverte situações em que
alguém tenha aumentado o seu património sem um título jurídico, sem uma causa; quando não
existe essa justificação, os incrementos patrimoniais devem ser restituídos/devolvidos. Assim,
alguns autores diziam que o terceiro não podia preferir pelo valor declarado porque isso
correspondia a um enriquecimento sem causa e como o ordenamento proíbe os
enriquecimentos sem causa, então o terceiro, a preferir, teria de preferir pelo valor real.
• MRR: esta tese é bastante fraquinha porque há uma causa (o 243º/1 CC) – o enriquecimento sem
causa impede incrementos patrimoniais destituídos de uma fonte. Ora bem, nós aqui temos uma
fonte legal, nem sequer é convencional, é uma fonte legal que protege o terceiro relativamente ao
vício mais grave que é a nulidade. Portanto, é difícil dizer que não há causa, há causa: o legislador
especificamente quis que esta nulidade não fosse oponível ao 3º de boa fé.
3. Tese abandonada pelo MC, mas que a MRR achava interessantíssima. 243º/2 CC (A boa fé
consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respetivos direitos.)
- O prof. MC pegava neste artigo para construir a sua proposta de solução e dizia assim: Qual é
o tempo em que foram constituídos os direitos do preferente? Não estamos a falar do direito
de preferência porque esse é muito anterior (no exemplo da prof. tem origem 1 ano ou 2 depois
do contrato de arrendamento, mas não tem nada a ver). Estamos aqui a falar do direito de
propriedade do preferente sobre o imóvel (A vende a casa a B, mas C quer exercer o seu direito
de preferência) – o que temos que fazer é ver qual é o momento em que se constituem os
direitos do C sobre a casa. Supondo que Carlos foi notificado para a preferência em junho de
2020 e não quis, em setembro A e B celebram a compra e venda e em dezembro C descobre a
simulação, nos termos do 1410º CC propõe uma ação de preferência. Neste momento, o
proprietário é o B. A ação vai correr o seu caminho e quando o A e o B forem notificados pela
ação, eles vão dizer na contestação que houve uma simulação e mostrar provas disso. O
processo vai continuar. Quando chegamos ao fim do processo vamos ter uma sentença e, nos
termos dessa sentença, o tribunal vai atribuir a casa que estava na esfera jurídica de B ao C.
Assim, o prof. MC diz que o momento relevante para efeitos de aplicação do 243º CC é o
momento da sentença e no momento da sentença o C sabe o ou não da simulação? Sabe e,
portanto, já não está de boa fé.
• MRR: A falha desta tese é considerar que o tempo em que foram constituídos os respetivos direitos
é a aquisição do direito de propriedade. A aquisição do direito de propriedade é uma mera
consequência do exercício do direito pelo preferente. O direito do preferente concretiza-se no
momento em que o A pretende vender ao B, depois trata-se apenas de executar. Assim, esta tese
não é procedente, mas é muito interessante porque explora muito bem as potencialidades do 243º
CC.
MRR: solução é muito simples – o terceiro tem direito a preferir pelos 200.000€ porque o A e o B é que
fizeram asneira.
Quando as partes simulam apenas o valor para pagar menos impostos, o que a maior parte dos autores
entendia era que o negócio dissimulado era válido porque tudo o resto se mantinha (entendiam, então
que as razões determinantes da forma não se aplicavam ao quantitativo do preço).
• MRR não concorda com isto porque apesar de se tratar de um aspeto não tanto negocial, mas que
tem mais a ver com a forma como o Estado se organiza, a verdade é que uma das razões para que os
negócios relativos a imóveis tenha que revestir uma forma especial é o controlo da fiscalidade
associada às transações de imóveis – o Estado não quer ser prejudicado e uma forma eficaz é pôr um
terceiro imparcial (notário) a controlar o negócio e, portanto, o preço é uma das razões para se exigir
uma forma especial. Agora (há 2 ou 3 anos) foi promulgada uma outra lei que obriga os notários a
dizerem o número do cheque e o banco do(s) cheque(s) que pagaram o preço ou o número das contas
bancárias de onde saiu o dinheiro e para onde saiu o dinheiro, com vista a dificultar o branqueamento
de capitais (norma de ordem pública). Não é aceitável que salvemos o negócio da nulidade quando a
divergência for “apenas” uma divergência de preço porque isso é altamente relevante. Este negócio
não tem salvação, mesmo sendo apenas uma divergência de preço, precisamente porque não
consegue aplicar o 221º CC à forma.
A reserva mental é uma divergência entre a vontade real e a declaração, feita com o intuito de
enganar o declaratário. A grande diferença em relação à simulação é que esta é unilateral, ou seja, não
há acordo entre o declarante e o declaratário porque se houvesse um acordo o declarante não poderia
enganá-lo (o declarante diz uma coisa diferente daquela que corresponde à sua vontade e o intuito dessa
afirmação é enganar o declaratário e não o terceiro como acontece na simulação).
Art. 244º/2 CC: não há efeitos que resultem da existência do vício (“A reserva não prejudica a validade
da declaração, exceto se for conhecida do declaratário; neste caso, a reserva tem os efeitos da
simulação.”) – no caso de ser conhecida do declaratário é como se existisse acordo, ou pelo menos não
há necessidade de proteger as expectativas do declaratário e, portanto, nesses casos, é possível dizer que,
em homenagem ao princípio da autonomia privada, se a declaração não corresponde à vontade como é
apanágio da reserva mental, e se o declaratário sabia dessa divergência, então, a declaração é nula
NOTA: é nulo aquilo que corresponder à declaração; se houver um negócio dissimulado, teria que se ver
se é válido ou não é válido e provavelmente também não será válido porque não foi manifestado.
O artigo 244º é relativo a um vício que tem uma relevância prática muito pequena, entre outras razões,
porque a existência do vício não tem um efeito anulatório lato sensu. No entanto, é importante perceber
a existência deste vício por razões teóricas: para se verificar, entre outras coisas, que o facto de uma
pessoa querer algo, por si só, não faz com que o Direito atribua efeitos jurídicos a isso que se quis, o
legislador entende que o facto de uma pessoa querer x, se ela disse uma coisa diferente, ainda para
mais com intuito de enganar o declaratário, não tem qualquer hipótese de levar a sua avante - no
confronto com a autonomia privada, vence a segurança, vence a responsabilidade, a declaração, a
aparência.
O primeiro problema do erro obstáculo é o seu nome: em português adotamos o mesmo nome
para o erro vício e agora para o erro obstáculo quando são dois vícios totalmente diferentes.
• Erro vício: é um erro na formação da vontade, é uma falsa representação da realidade que
contamina a formação da vontade e, portanto, leva a que o sujeito tenha uma vontade diferente
daquela que em condições ótimas teria;
• Erro obstáculo: é um erro na declaração, isto é, é uma divergência entre a vontade real e a vontade
declarada, mas é uma divergência não intencional (o declarante queria dizer algo, mas disse outra
coisa por engano) - ex. eu quero um CC, mas estive a falar com um amigo à porta da livraria sobre
um problema qualquer do Código Penal e ao falar com a senhora da livraria acabo por pedir um
Código Penal, quando aquilo que eu queria realmente, e não tenho quaisquer dúvidas disso, era um
Código Civil. Do ponto de vista da formação de vontade não há problemas nem de falta de
liberdade nem de falta de conhecimento, o que aconteceu aqui foi que houve um problema na
exteriorização da vontade.
Se o erro for patente provavelmente não teremos problemas jurídicos porque, nos termos do
artigo 236º CC, a declaração vale com o sentido que o declaratário normal, colocado na posição do real
declaratário, pudesse deduzir do comportamento - ex. eu e a senhora da livraria já estivemos montes de
tempo a falar sobre o CC e quando ela no fim me pergunta se é mesmo aquele Código que quero levar eu
Art. 249º CC: “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou
através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta.” -> este
artigo permite ao declarante corrigir uma declaração que se mantém no tempo, portanto, uma
declaração documentada, o que pode ser muito interessante para ele porque a declaração está
documentada e pode ser exibida a outras pessoas que não tenham em atenção, por exemplo, as
circunstâncias em que a declaração foi proferida e que permitem corrigi-la, mas podem induzir em erro
terceiros. Este artigo é muito utilizado, por exemplo, em peças processuais (quando os advogados se
enganam, mas resulta claro do articulado ou dos documentos que ali houve um lapso, têm todo o
interesse em corrigi-lo e, então, podem usar o 249º CC. O mesmo se passa com as escrituras – é vulgar as
partes pedirem ao notário que corrija uma escritura (se o erro for patente, o notário pode, ao abrigo do
249º CC, fazer um averbamento na escritura e dizer qualquer coisa do género “onde se lê X deve ler-se Y
porque como se pode ver a cláusula A, B, C blablabla” e explica ali um bocadinho porque é que está a
fazer aquela correção).
Se o erro não for patente, aplica-se o 247º CC diretamente. Este artigo aplica-se ao erro na
declaração e não ao erro vício (aplica-se ao erro vício do 251º CC apenas por remissão).
247º CC: “Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a
declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a
essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.” Ou seja, na primeira parte do
artigo temos, grosso modo, uma definição de erro obstáculo (“Quando, em virtude de erro, a vontade
declarada não corresponda à vontade real do autor” – divergência entre a vontade real e a vontade
declarada não de propósito, mas sim em virtude de um lapso); na segunda parte temos os requisitos da
anulabilidade.
• Essencialidade do erro para o declarante (sem aquele erro/com aquele erro, o declarante, não teria
proferido a declaração negocial);
• Necessidade de que o declarante conheça ou não deva ignorar a essencialidade, para o declarante,
do elemento sobre que incidiu o erro. Este é um requisito mais exigente porque exige uma
ponderação da segurança jurídica e dos interesses do declaratário – se não houver como saber que
aquele elemento é essencial para o declarante, então, não vamos anular o negócio.
248º CC: “A anulabilidade fundada em erro na declaração não procede, se o declaratário aceitar o negócio
como o declarante o queria.” – ex. Eu vou comprar um CC, mas engano-me e digo que quero um CP e a
senhora traz-me o CP, põe dentro do saquito, eu nem reparo, pago, vou para casa e, quando chego a casa,
vejo que é um CP e não quero por isso volto à livraria. Admitindo que ela deveria conhecer a
essencialidade do negócio porque me conhecia e sabia que aquela não era a minha área de trabalho,
eu posso anular o negócio, mas se o declaratário (senhora da livraria) aceitar o negócio que corresponde
à vontade real (comprar o CC) eu já não posso destruir o negócio, o que faz sentido porque se o problema
foi um lapso (foi dizer uma coisa diferente daquela que eu queria, mas eu queria algo), então, se o
declaratário aceitar esse algo, eu não tenho motivo para anular o negócio.
NOTAS:
1. A declaração negocial inexatamente transmitida por quem seja incumbido da transmissão pode ser
anulada nos termos do artigo 247.º
2. Quando, porém, a inexatidão for devida a dolo do intermediário, a declaração é sempre anulável.
Este artigo aplica-se ao núncio. O núncio é, como diz o 250º CC, uma pessoa encarregada de
transmitir a declaração de outra.
Núncio Representante
Ex. eu quero comprar um CC e digo a uma pessoa Ex. se eu constituir um representante o meu representante tem
que vá à livraria e que transmita a minha vontade poderes para comprar um CC, mas os poderes dele não se limitam a
de adquirir um CC – essa pessoa só lá vai dizer dizer exatamente aquilo que eu quero, ele tem uma vontade própria
exatamente aquilo que eu lhe disse para dizer. que tem a virtualidade de produzir efeitos na minha esfera jurídica
É vulgar os alunos perante um caso concreto misturarem a matéria do erro e a matéria da interpretação.
Temos que tratar sempre a interpretação antes de tratar qualquer dos vícios e, como tal, o erro
obstáculo inclusive. É a interpretação que nos vai dizer qual é o sentido jurídico da declaração e é perante
esse sentido jurídico que os problemas se colocam ou não.
O prof. MC vem chamar a atenção, na forma como apresenta estes vícios, para um problema que
também é tratado pelo prof. Ferrer Correia que é o seguinte: a fronteira entre o erro obstáculo e a falta
de consciência na declaração é uma fronteira que com frequência não é nítida, apesar de
aparentemente serem vícios muito diferentes.
No erro obstáculo temos, por exemplo, a pessoa a dizer que quer comprar um Código do
Trabalho, quando na verdade quer um Código Civil. Aquilo que o prof. MC diz, e o prof. Ferrer Correia de
uma certa forma também, é que o erro obstáculo é um erro espontâneo, um lapso; o declarante não
quis proferir aquela declaração, proferiu-a por engano, o que significa que não se deu conta, ou seja,
em relação ao Código do Trabalho a pessoa não tem consciência de que fez aquela declaração. Dizem
então estes profs, sobretudo o MC: então porque é que eu estou a tratar de uma forma diferente um
caso em que uma pessoa não tem consciência que proferiu uma declaração, aplicando o 247ºCC porque
ela queria proferir outra, mas se a pessoa não tem consciência de que proferiu uma declaração e não
queria proferir declaração alguma então já aplicamos o 246ºCC com consequências completamente
diferentes?
× MC: propõe que os casos de 246º CC (Falta de Consciência na Declaração) fossem tratados como se
fossem casos de erro obstáculo porque das duas uma: ou são patentes e resolvem-se por eles
próprios, designadamente pela interpretação, ou então, se não são patentes a pessoa declarou uma
coisa que não queria, portanto, agora vai ter que anular a declaração, ou seja, erro obstáculo
(247ºCC).
× MRR: Do ponto de vista da realidade subjacente não há dúvida nenhuma que o MC tem razão – de
facto, quanto à declaração de compra e venda do Código do Trabalho, não há consciência da
declaração. Acontece é que os artigos da lei se interpretam também de acordo com o elemento
sistemático e o que se verifica é que há 2 regimes jurídicos muito diferentes para tratar os casos em
que uma pessoa disse uma coisa da qual não tinha consciência pura e simplesmente ou disse uma
coisa quando queria dizer outra (queria proferir uma declaração negocial, mas diferente daquela)
e esses regimes são, para a segunda hipótese, o 247º CC (erro obstáculo) e, para a primeira, a falta
de consciência na declaração. Portanto, apesar de sem dúvida haver semelhanças entre os dois
casos, o regime jurídico é diferente em atenção, provavelmente, ao facto de o declarante, no caso
da falta de consciência da declaração, não estar num ambiente negocial (ele não quer celebrar
negócio jurídico nenhum – não tem vontade de declaração, quanto mais negocial; ele realizou um
comportamento que no ambiente em que ele se encontra tem um sentido, mas ele nem se
apercebeu, não quer aquilo). Na outra hipótese a pessoa quer um determinado negócio jurídico, a
pessoa controla mais ou menos o seu corpo, mas pelo menos o seu comportamento foi destinado
por si a produzir efeitos jurídicos – é verdade que a pessoa em relação àquilo que fez não tinha
consciência só que há outros aspetos que o legislador considerou e, portanto, MC não tem razão.
Por isso, apesar destas semelhanças ontológicas, o erro obstáculo é tratado no 247º CC e a falta de
consciência, isto é, aqueles lapsos em que uma pessoa profere uma declaração sem ter vontade de
a fazer, são tratados pelo 246º CC.
As divergências podem ser espontâneas ou deliberadas.
× Espontâneas = erro obstáculo, 247º CC (ex. quero CC, mas declaro querer CPC) - há uma
divergência entre a vontade real e a vontade declarada.
× Deliberadas = simulação (bilateral) ou reserva mental (unilateral)
Ora, se eu estivesse a par das alterações legislativas eu saberia que o meu CC não estava
desatualizado e, portanto, não quereria comprar um novo. Há, portanto, uma divergência entre a vontade
real (eu quero um CC) e a conjetural (eu não quereria, estou em erro por falta de conhecimento). O que
temos aqui é um erro vício, um erro na formação da vontade.
Se a diferença entre a vontade real e a vontade conjetural fosse não falta de conhecimento, mas
falta de liberdade (ex. eu não queria, mas a senhora da livraria chantageou-me para eu comprar um CC),
numa situação ótima e de liberdade, eu não quereria fazer a compra; aqui falta-me liberdade pelo que
estamos perante um caso de coação moral.
Supondo que há uma simulação, mas que desta vez não é de preço, e este negócio, para além de ser
dissimulado tem um problema por ex. de erro obstáculo (247º CC). Como é que isto se resolve? Quando
os negócios têm vários problemas, estes devem ser resolvidos começando pelas divergências, ou seja,
neste caso, pela simulação. O negócio simulado é nulo e o dissimulado vamos ver quais são os vícios (241º
CC). Não faz sentido, do ponto de vista técnico, começar por analisar o dissimulado, exatamente por ele
estar escondido – só o devo analisar depois de me livrar do outro. 1º constato que há uma simulação e
aplico-lhe o 240º/2 CC (negócio simulado é nulo, desaparece). Agora olha-se para o dissimulado como
manda o 241º CC, ou seja, como se o outro não existisse e vai-se ver qual é o problema que há para
resolver.
Consagra um
Art. 291º CC: caso de
1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a inoponibilidade
móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título a favor de 3º de
oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação de boa fé que se
nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio. aplica a todos os
2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a ação for proposta e registada dentro vícios, desde
dos três anos posteriores à conclusão do negócio. que verificados
3. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem os requisitos
culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.
CASO: A e B celebram, em 2009, um negócio viciado por coação moral. Passados 2 anos, B vendeu a casa
que tinha adquirido ao A a um terceiro de boa fé, o C. O C não faz a mínima ideia que houve coação moral,
foi ao registo e estava tudo certo.
O que este artigo diz é que se o terceiro estiver de boa fé (check), se existiu registo (claro), se o
negócio for oneroso (compra e venda é) e se já tiverem passado 3 anos desde o primeiro negócio, então
o direito do terceiro não é afetado. Apesar de só terem passado 2 anos, ainda não há uma ação em tribunal
porque o A ainda tem medo, por ex. Em 2015 B morre e A vai propor uma ação para anular a compra e
venda – o A até pode propor a ação, mas o C não vai perder a casa porque já passaram 3 anos. A ação de
anulação vai ser registada apenas em 2015 e em 2015 já passaram mais de 3 anos, há um negócio oneroso,
portanto, mesmo que o negócio seja anulado, a anulação não é oponível ao C (C vai ser protegido).
Este artigo é muito importante porque como a invalidade tem efeitos retroativos e como por via
do artigo 286º CC (nulidade) e 287º CC (anulabilidade), para alguns casos como estes da coação moral, o
prazo pode ser muito distante do negócio, se permitíssemos uma eficácia sem fronteiras da invalidade,
estávamos, por definição, a prejudicar direitos de pessoas totalmente inocentes e, portanto, este artigo
destina-se a consolidar a posição dos terceiros de boa fé e a permitir que, ao fim de 3 anos da celebração
do negócio viciado, já nada lhes possa acontecer.
O conteúdo é muito variado pelo que, desde cedo, os juristas tentaram distinguir vários
elementos do conteúdo do negócio, de modo a ser mais claro o discurso sobre o conteúdo, ou até, às
vezes a resolução de problemas. Nessa medida, há imensas classificações. MRR utiliza a classificação do
MC. Esta classificação distingue os elementos do negócio em duas categorias:
O tipo é um conceito muito prático porque normalmente quando nós trabalhamos com NJ é
vulgar referirmo-nos à compra e venda, ao arrendamento, ao contrato de sociedade, etc. e estas
referências normalmente são feitas a pensar naquilo que é o normal, ou seja, naquilo que é o típico –
naquilo que tem que ser e o que é normal.
O tipo é uma figura própria dos direitos da europa continental e não dos direitos anglo-
saxónicos. Os direitos anglo-saxónicos repousam muito no direito consuetudinário e na matéria da
contratação em clausulados, portanto, em conteúdos voluntários eventuais extensíssimos. Claro que isto
é um ciclo vicioso: os clausulados são muito extensos porque não há normas supletivas e também não há
normas supletivas porque os clausulados são muito extensos e, portanto, as pessoas habituaram-se a
estipular quase tudo. Isto tem uma série de consequências e é uma forma de contratar que, quando é
transportada para os países de civil law, na opinião da MRR, não é muito saudável, dando mais problemas
do que aqueles que resolve.
Um conceito que por vezes surge nos manuais é o de “tipo social”. Um tipo social não é um tipo
em sentido próprio: é um negócio, uma modalidade de negócio jurídico, que resulta dos usos, resulta
da prática, e que a utilização de uma certa designação permite compreender de que negócio é que se
trata. Em PT há poucos tipos sociais porque o nosso legislador é frenético e cada vez que surge um
negócio que não tem regulação na lei, em regra, o legislador vai logo a correr regulamentar - MRR acha
um milagre a permuta não ter uma regulamentação legal. Portanto, um tipo social é um contrato que
não tem um regime jurídico legal, mas que na prática tem uma configuração estável (há usos que
apontam num determinado sentido).
O nosso CC usou, para regular esta matéria, a linguagem da relação jurídica – por objeto vamos
entender quer o objeto mediato, quer o conteúdo, ou seja, quer as estipulações das partes, os efeitos
jurídicos, quer o objeto sobre o qual esses efeitos incidem.
Esta matéria está regulada a partir do artigo 280º do CC. A consequência da violação do artigo
280ºCC é a nulidade – os negócios são nulos quando, no momento da celebração, falha um dos
requisitos:
• Impossibilidade -> os negócios fisicamente impossíveis são nulos. Quer a estipulação, quer o
objeto podem ser fisicamente impossíveis se não existirem ou forem inviáveis na natureza (exs.
A combina com B vender-lhe um dinossauro – este negócio é nulo porque, como não há
dinossauros, o objeto é impossível; A obriga-se, mediante determinada quantia, a engolir a água
do mar – este negócio também é nulo porque, apesar da água do mar existir, não é possível uma
pessoa engolir a água do mar toda [A está a obrigar-se a uma prestação fisicamente impossível]).
Há vários tipos de impossibilidade:
× Objetiva ou Absoluta vs. Subjetiva ou Relativa: em princípio, só gera nulidade para
efeitos do 280ºCC a impossibilidade absoluta ou objetiva. Se a impossibilidade for
meramente subjetiva, então, o devedor tem de encontrar outra solução (ex. A obriga-se
a ir passear o cão de B, mediante pagamento. Se A partir uma perna, não pode ir porque
não consegue andar, mas o problema é só de A porque há milhões de pessoas no mundo
que podem ir passear o cão, por isso, o que A tem que fazer é arranjar outra pessoa para
ir porque não é impossível o cumprimento desta obrigação, A é que não a pode cumprir.).
Por vezes, há algumas impossibilidades subjetivas que valem como se fossem
impossibilidades objetivas porque nalguns contratos a pessoa do devedor não é fungível
e, portanto, se aquela pessoa não pode, aquele contrato não é cumprível por outra pessoa
– ou seja, se, de acordo com o negócio que foi celebrado, houver uma particularidade
quanto à pessoa do devedor, então a impossibilidade subjetiva transforma-se numa
impossibilidade absoluta porque naquele caso o devedor não é fungível (ex. Cristiano
Ronaldo parte a perna, mas não pode mandar outra pessoa para ir jogar na vez dele).
× Definitiva vs. Temporária: para efeitos do artigo 280ºCC, a impossibilidade deve ser
definitiva e não meramente temporária. Se a impossibilidade for meramente temporária
o negócio não é nulo porque, em rigor, o contrato não é impossível, tem é que se esperar
um pouco.
× Impossibilidade efetiva vs. Impossibilidade meramente económica ou da maior
onerosidade: em princípio, a impossibilidade tem que ser uma impossibilidade efetiva e
não uma impossibilidade meramente económica, no entanto pode haver problemas aqui,
tendo em conta a lógica do negócio e tendo em conta também critérios de normalidade
social, de exigibilidade (ex. A obriga-se a entregar a B um anel que vale 500€. Supondo
que A está a fazer a travessia do Tejo e, sem culpa, o anel que traz no dedo cai ao rio, há
que notar que, de facto, não é impossível encontrar o anel, mas, do ponto de vista da
normalidade social, não é possível colocar nadadores de resgate, como se faria no caso de
NOTA: MRR aconselha a ouvir alguns webbinars que o Centro de Investigação de Direito Privado da
faculdade tem online no canal do YouTube, quer sobre os problemas gerais do covid relacionados com
a impossibilidade por alteração das circunstâncias, quer sobre contratos específicos.
Ver também os artigos da prof. Catarina Monteiro Pires sobre a impossibilidade na revista da faculdade.
• Impossibilidade Legal -> um negócio diz-se legalmente impossível quando o seu conteúdo ou o
seu objeto são juridicamente inviáveis, ou seja, são aqueles cujo objeto a lei não admite como
objeto negocial (ex. A quer vender o Marquês de Pombal, mas o Marquês de Pombal é uma coisa
imóvel que está fora do comércio - se não fosse um monumento nacional podia-se vender;
também não é possível constituir direitos reais que não existam em Portugal porque os direitos
reais são típicos e há direitos reais que existem noutros países, mas não existem em Portugal e
esses não se podem constituir cá, por exemplo, não é possível hipotecar uma garrafa de água
porque em PT a hipoteca só existe sobre bens imóveis ou alguns móveis sujeitos a registo).
• Contrariedade à lei -> um negócio diz-se contrário à lei quando viola normas imperativas (ex.
celebração de um contrato de mediação imobiliária por um particular não é possível porque a
atividade de mediação é exclusiva das sociedades de mediação imobiliária, logo, um particular
não pode celebrar um contrato destes; contrato de trabalho em que A se obriga a trabalhar 50h
por semana também contraria a lei.).
NOTA: Qual é a diferença entre a contrariedade à lei e a impossibilidade legal? Na impossibilidade legal
o conteúdo ou objeto do negócio é inviável; na contrariedade à lei o objeto é viável, mas há algumas
estipulações que violam a lei (ex. eu posso celebrar contratos de trabalho, não pode é ser por 50h
semanais, tem de ser por menos; quanto à compra e venda do Marquês de Pombal não é mesmo possível).
Na impossibilidade legal o próprio negócio que se pretende celebrar não tem pernas para andar; na
contrariedade à lei, aquele negócio faz-se, mas não exatamente como as pessoas combinaram.
• Indeterminação -> são nulos os negócios cujo objeto tenha fronteiras que não se conseguem
definir (ex. se A emprestar dinheiro a B e o negócio for só isto, é nulo porque não sabemos quanto
dinheiro é que ele emprestou; nos contratos promessa às vezes há nulidade por indeterminação
porque as partes não souberam redigir o contrato e não se percebe efetivamente a que é que se
obrigam – o contrato devidamente interpretado não nos diz qual é a declaração que aquelas
pessoas têm que proferir).
NOTA: No direito alemão os “bons costumes” é uma figura com uma noção muito ampla. Os alemães não
têm o conceito de ordem pública e, portanto, concentram nos bons costumes aquilo que nós tratamos na
ordem pública e nos bons costumes. Além disso, esta interpretação alargada dos bons costumes no direito
alemão é acompanhada também de uma previsão na lei muito ampla de proibição de atuações contrárias
aos bons costumes e então os alemães abusam um bocadinho desse artigo do código e tudo aquilo que
eles não conseguem enfiar noutros artigos tentam fazer passar pelo artigo dos bons costumes.
Na opinião do MC e da MRR no direito material não há fraude à lei, a fraude à lei não tem
autonomia. O que temos que fazer é interpretar como deve ser as normas jurídicas – temos que olhar
para o art. 877ºCC, por ex., e ver se a lei proíbe o resultado ou a conduta. Se a lei proibir a obtenção do
resultado, então qualquer maneira é inválida e não há fraude à lei, há aplicação da regra x. Se a lei apenas
proibir aquela conduta e não proibir a conduta utilizada, então é válida. Não existe aqui manipulação da
lei, existe sim o exercício de liberdade das pessoas.
Finalidade do negócio
O fim do negócio vem regulado no artigo 281º do CC e esse artigo diz-nos que o negócio é nulo
se o fim do negócio for contrário à lei, à ordem pública ou aos bons costumes. Ou seja, o objeto do
negócio não tem problema, mas o fim, se for contrário à lei, à ordem pública ou aos bons costumes, causa
também a invalidade do negócio. No entanto, o fim do negócio, para gerar invalidade, tem de ser comum
às duas partes (ex. A aluga uma casa para servir de entreposto de tráfico de droga – se o senhorio não
souber, é óbvio que o contrato de arrendamento é válido porque o problema não é o contrato, é a
atividade de A; por outro lado, se ambos tiverem esse objetivo, apesar de o arrendamento ser um
contrato sem qualquer problema, o fim é ilícito, causando a nulidade do negócio). Na teoria é
relativamente simples de perceber se o negócio é válido ou inválido, mas na prática é difícil perceber o
que é que significa o fim ser comum a ambas as partes porque com frequência ambas as partes têm
interesse no negócio, mas ter interesse no negócio não é suficiente para se dizer que o fim é comum
(isto acontece sobretudo nos negócios onerosos, em que ambas as partes obtêm vantagens com os
negócios, logo, têm interesse). Ora, não podemos dizer que o senhorio, porque recebe a renda, tem uma
finalidade em comum com o arrendatário porque não tem, o senhorio nem sequer sabia das atividades
do arrendatário. Pode é haver problema se o senhorio souber e pensar “oh, ele paga a renda todos os
meses e não dá chatices, quero lá saber!!” – aqui, apesar de o senhorio não ser também ele traficante,
está a conformar-se com aquela atividade e, portanto, está como que a fazer seu o fim que
originariamente era apenas do inclino, mas que passou a ser dos dois porque de certa maneira, o dinheiro
da renda será obtido através dos proventos da atividade ilícita e, como tal, o senhorio está a conformar-
se com o desenvolvimento, no seu imóvel, de atividades ilícitas porque tem benefícios com isso.
Este artigo funciona um bocadinho como uma espécie de frente avançada do ordenamento
jurídico, isto é, o legislador apesar de o objeto do negócio não ser inválido pensou “espera, mas às vezes
o objeto é válido, mas depois há qualquer coisa mais etérea, intangível, como fim que causa problemas”.
Sendo assim, o que vamos fazer é que, se essa finalidade for comum a ambas as partes, considera-se que
o negócio é inválido.
• CF coloca a usura entre os vícios da vontade e, de facto, a usura tem algumas características
próprias dos vícios da vontade, mas também tem características próprias de vícios do conteúdo
do negócio.
• MRR acha que, tendo que escolher, é mais característico da usura o vício do conteúdo do que o
vício da vontade. Além disso, o CC na sua sistemática coloca a usura junto às regras sobre o
conteúdo do negócio e não sobre os vícios da vontade.
O nome também varia. Por vezes, chama-se à usura “lesão enorme”, “onerosidade”, etc. Em
português talvez a variação maior seja entre a usura e a lesão enorme.
É uma figura que teve origem no canonismo, portanto, na Idade Média, e que se desenvolveu
muito a propósito dos juros. Os cristãos em geral desde sempre condenaram os juros – juros não deviam
ser praticados porque correspondiam a um aproveitamento do tempo que era um dom concedido por
Deus a todos os homens de forma igual e, portanto, quando se cobrava juros, a pessoa que os recebia
estava a aproveitar-se do decurso do tempo que não era dela porque o tempo não é de ninguém.
Exemplo de negócio usurário: A tem um filho que está a morrer e precisa de um empréstimo para tratá-
lo então pede a B. B sabe que A está desesperado e aproveita-se pedindo um juro altíssimo, o qual A
aceita prontamente.
Será que a usura só existe nos casos estabelecidos no CC? Os autores variam.
Quanto aos benefícios excessivos ou injustificados, podem reverter ou para o usurário ou para um
terceiro (usurário pode tentar com a usura beneficiar um terceiro e não a si próprio).
Um capítulo muito desenvolvido dos negócios usurários é o dos negócios em que a usura provém VER
dos juros. No nosso CC existe regulamentação específica para os juros usurários nos artigos 559º, al. a) MANUAL
e 1146º. DO MC
Tendo em conta a forma como PT se formou, durante séculos os juros eram proibidos e, portanto,
os comerciantes arranjavam formas muito engenhosas de contornar a proibição dos juros e de conseguir
os mesmos resultados, mas sem os cobrar. Depois, os juros passaram a ser permitidos nalguns negócios
e a seguir generalizou-se. Hoje em dia os juros são permitidos, mas são muito regulamentados (as
pessoas não podem cobrar os juros que lhes apetecer).
Consequência da usura – quando estamos perante um negócio usurário, o negócio tem uma dupla
sanção: é anulável ou modificável, segundo juízos de equidade. Nos termos do art. 283º/2 CC, a
modificação é preferível à anulação – se a vítima da usura solicitar a anulação do negócio usurário, o
usurário pode opor-se à anulação, aceitando uma modificação segundo juízos de equidade. MRR diz
que é por esta razão que, a ter de escolher, entende que a usura é um vício do conteúdo (há um negócio
desequilibrado e o que o 283ºCC diz é que, se equilibrarmos o negócio, este não é inválido. Ou seja, se
fosse um vício da vontade e estivéssemos a dar prevalência à situação de fragilidade em que a vítima da
usura celebrou o negócio, então o negocio era inválido, mas assim não: o negócio mantém-se, desde que
esteja equilibrado. Para o nosso sistema, o problema é o desequilíbrio no conteúdo porque se os juros
forem mais baixos não há nada que se lhe diga e o negócio mantém-se.).
NOTA: é conveniente que nalguns casos que à primeira vista nos parecem ser coação moral, se não
conseguimos aplicar o 255ºCC da coação moral porque falta um qualquer requisito, dar uma espreitadela
na usura porque às vezes, se o negócio for desequilibrado, é possível anulá-lo ou pelo menos modificá-lo
pela usura. A usura, com frequência, é como se fosse uma irmã gémea da coação moral, por isso é preciso
cuidado para não confundir os dois vícios ou quando se estiver a aplicar um regime e esse regime não
funcionar, dar uma espreitadela a ver se os requisitos do outro regime funcionam porque até pode ser
que se consiga uma solução justa para o caso.
Cláusulas são estipulações, são partes do NJ, partes do conteúdo do negócio, são aquilo em
que se traduz o acordo das partes. Normalmente, fala-se em acordo, mas, se o contrato não for muito
simples, o acordo pode ter várias parcelas e, então, cada uma dessas parcelas é uma cláusula.
As cláusulas dizem-se acessórias quando fazem parte dos elementos voluntários eventuais do
NJ – podem estar ou não no contrato. São típicas porque vêm na lei e não por fazerem parte do tipo
(tipo = elementos normativos + elementos voluntários necessários). Vêm previstas na lei porque são
muito frequentes – o legislador colocou no CC 16 contratos que são os principais, aproveitando para
estabelecer um regime equilibrado.
× Cláusula acessória típica pela qual as partes estabelecem que o NJ, ou parte do NJ apenas, produz
ou deixa de produzir efeitos a partir de um facto futuro e certo.
o Se os efeitos se começarem a produzir a partir do facto o termo diz-se suspensivo (ex. A foi
colocado na FDUL em agosto e vive em Abrantes. Os pais de A vão arrendar um apartamento
em lisboa ainda no mês de agosto, identificando uma casa que lhes interessa e celebrando
de imediato o contrato, mas para produzir efeitos a partir do dia 1 de outubro - o contrato
está celebrado, mas só começa a produzir efeitos em outubro, o contrato existe, mas os seus
efeitos estão suspensos);
o Se os efeitos deixarem de se produzir a partir do facto, o termo é resolutivo (ex. faculdade
quer contratar um professor para substituir uma que está de licença de maternidade, não
dando aulas o ano todo. A faculdade podia ter feito um contrato de trabalho com o professor
substituto por o número de meses que a outra ia estar ausente, cessando-se os efeitos
jurídicos após esse tempo; também pode acontecer que o contrato de um professor seja
para dar duas disciplinas, mas uma delas tenha um termo. Sendo assim, há uma parte do
contrato que deixa de produzir efeitos jurídicos, mas a outra continua).
o Certo quanto ao momento da verificação (ex. 1 de outubro; 10 meses);
o Incerto quanto ao momento da verificação (ex. A contrata B para substituir C que está
doente, mas não sabe quando é que C volta – é um termo incerto porque depende da
recuperação de C). É um termo porque, apesar de ser incerto quanto ao momento da
verificação, é de verificação certa.
NOTAS:
• É vulgar chamarmos termo ao próprio evento, mas isso está errado porque o termo é a cláusula
que subordina os efeitos do negócio a um evento futuro e certo.
• Um contrato com um termo não é um contrato promessa. Aqui o acordo existe e é um acordo
definitivo, a única coisa que está suspensa são os efeitos do negócio.
A pendência é um conceito técnico que designa o tempo entre a celebração do contrato e a ocorrência
do evento. O regime jurídico da pendência do termo pode ser delicado porque temos duas pessoas que
têm interesses potencialmente contraditórios (temos o inquilino que já é inquilino, mas ainda não pode
entrar em casa; temos o senhorio que já é senhorio, mas que ainda não recebe a renda). Este regime está
no 272º e 273º CC que regulam a condição, mas para os quais remete o artigo 278º in fine. Grosso modo,
estamos perante uma obrigação de atuação de acordo com a boa fé objetiva e depois temos o regime
para os atos conservatórios no 273ºCC.
NOTA: Prazo é o nome técnico que se dá ao tempo que decorre até ao termo.
27-04-2021
CONDIÇÃO
× Cláusula acessória típica pela qual as partes subordinam a eficácia do NJ ou de uma parte do NJ
(tal como o termo, a condição pode afetar todo o negócio ou apenas uma parcela desse negócio) a
um evento futuro e incerto.
Ex. A arrenda uma casa em Lisboa para o caso de entrar numa Universidade em Lisboa, mas ainda não
sabe se entra porque os resultados ainda não saíram -> o NJ já está celebrado, mas os efeitos só se
produzem se o A entrar, a partir desse momento.
Ex. B recebe uma proposta ótima para comprar uma mota, mas como queria muito uma, uns dias antes
comprara uma rifa em que o prémio era precisamente uma mota. Quando B celebra o contrato de compra
e venda, se chegar a acordo com a parte contrária, pode combinar o seguinte: “olha, eu compro-te a mota
(…)” e o negócio começa logo a produzir efeitos porque ele paga a mota, leva a mota para casa e etc., mas
acrescenta “(…) mas, se daqui a um mês me sair o prémio na rifa, o nosso negócio resolve-se, é como se
não existisse” – aqui B devolveria a mota, a parte contrária devolveria o preço e etc.
NOTAS:
× É preciso aqui alguma atenção porque, por vezes, tratar-se de um termo ou de uma condição
depende muito da formulação da cláusula pelas partes. Isto não é um truque: os negócios são fruto
da autonomia privada, portanto, as partes combinam aquilo que quiserem. Um negócio cuja
eficácia seja subordinada a uma das partes morrer é um termo porque como é óbvio todas as
pessoas morrem (a morte é um termo), mas se o negócio for subordinado ao evento “A morre antes
de B” já não é um termo, é uma condição (sabemos que ambos vão morrer, mas não sabemos qual
morre primeiro – é um facto futuro e incerto).
× Tal como no termo, por vezes por facilidade, chamamos condição ao próprio evento condicional,
mas isso não é uma utilização rigorosa da palavra – esse evento é o evento condicional ou o facto
condicional e a condição é a cláusula.
× Um contrato sujeito a condição não é um contrato promessa. É possível as pessoas celebrarem um
contrato promessa em vez de um contrato sujeito a condição – depende quer dos interesses que
estão em causa, quer até da experiência que as partes têm em celebrar contratos. Como é óbvio,
um contrato sujeito a condição, em princípio é algo mais seguro do que um mero contrato
promessa, portanto, mediante os interesses das partes, talvez seja melhor celebrar um contrato
sujeito a condição, mas, como é evidente, os contratos só são celebrados se houver acordo (pode
uma das partes não estar disponível para um contrato sujeito a condição, mas estar para um
contrato promessa). Qual é a diferença? Num contrato sujeito a condição o acordo definitivo já
existe, apenas a eficácia do negócio é que está em suspenso ou pode ser resolvida, portanto, ainda
não é certo qual vai ser a extensão da produção dos efeitos naquele negócio, mas o negócio já está
celebrado. Num contrato promessa temos dois contratos: o primeiro que é um preliminar (a
promessa) e depois temos o definitivo (as partes têm que proferir duas declarações de vontade).
Num negócio sujeito a condição não: há um acordo e o que se passa a seguir são factos aos quais
as partes atribuíram eficácia jurídica.
Depois, há outras condições, as “condições meramente potestativas” que são entendidas pela
generalidade da doutrina como não sendo verdadeiras condições. Uma condição meramente
potestativa é uma condição que depende em absoluto da liberdade de uma das partes, ou seja, se
interpretarmos bem a vontade das partes, chegamos à conclusão de que aquela pessoa, em rigor, não
se quis vincular porque a condição trata-se, ao fim ao cabo, do exercício do livre arbítrio (ex. se eu disser
“vendo-te o meu automóvel amanhã se estiver para aí virada” – isto, devidamente interpretado significa
que eu não me quis vincular.). Se se disser “eu dou-te o meu automóvel se conseguir acabar o curso” claro
que depende de mim, mas interpretando este NJ chegamos à conclusão de que a pessoa efetivamente
quer vender o automóvel, mas essa venda está subordinada a um efeito futuro que depende da vontade
dela, mas não é uma coisa arbitrária – em princípio, uma pessoa termina ou não um curso por uma série
de circunstâncias que dependem da sua vontade, mas dependem de muitas outras coisas e a vontade de
acabar um curso superior está bastante desligada, em regra, de comprar ou vender um automóvel,
portanto, neste segundo exemplo, temos uma verdadeira condição, apesar de a condição estar
dependente, numa certa medida, da vontade de uma das partes. No exemplo de “estar para aí virada” a
dependência da vontade é tal que “contamina” a própria vinculação: em rigor não existe uma
vinculação - aquela pessoa continua totalmente livre relativamente à palavra que deu ao outro
contraente.
Em suma, nas condições meramente potestativas, em rigor, não temos uma condição e, em
rigor, nem sequer temos um negócio na maior parte dos casos (NOTA: temos obviamente que ver caso
a caso, mas temos que estar despertos para a possibilidade de, quando as condições são totalmente
discricionárias nesse sentido de estarem totalmente dependentes da vontade de uma das partes ou às
vezes até das duas, não termos um NJ – temos negociações, declarações de intenções, etc., mas quase de
certeza que não temos uma vontade firme de duas pessoas de se vincularem a um determinado programa
negocial).
A condição enquanto cláusula é, tal como o termo, uma cláusula muito vulgar e extremamente útil porque
o futuro é uma dimensão incerta, o que significa que não o controlamos, mas as pessoas sensatas
planeiam-no e previnem-se relativamente ao que nele vai acontecer, portanto, é conveniente, quando
celebramos negócios, termos em conta, na medida dos nossos interesses, as variáveis que podem surgir
no futuro e que nós não controlamos. Com uma condição nós conseguimos adaptar os negócios àquilo
que pode acontecer (evidentemente que para isto é preciso chegar a acordo, mas isso é em todos os
contratos, só que assim como eu não prevejo o futuro a parte contrária também não e, portanto, é
possível celebrar negócios equilibrados e bons para ambas as partes, mas que estejam a contar com
determinados cenários possíveis no futuro). Ou seja, as condições permitem-nos, de alguma forma,
dominar o futuro numa medida que um negócio celebrado hoje apenas com as circunstâncias de hoje
não permite – se eu celebro um negócio hoje, prevendo uma determinada evolução para o futuro eu
estou a arriscar, mas se eu introduzir condições, eu arrisco muito menos (ex. eu quero comprar uma
casa no Porto porque estou a concorrer para um emprego lá e as negociações estão super avançadas –
eu posso arriscar e comprar a casa, mas não ser colocada no Porto, ficando com um problema ou posso
subordinar o negócio à condição de ser colocada no Porto, e aí já é completamente diferente). Pode-se
dizer que o dono da casa pode não querer se assim for, mas eu também posso estar disposta a pagar um
A condição tem determinados requisitos que vêm previstos no artigo 271ºCC. MRR chama a
atenção para o seguinte: de acordo com o que está estabelecido neste artigo, em primeiro lugar estamos
a falar de requisitos da condição e não do negócio (esses vêm no 280ºCC) - Nos negócios condicionais,
além dos requisitos do 280ºCC, temos os requisitos do 271ºCC que são privativos da condição e não do
negócio como um todo.
• 272º CC (Artigo Geral da Pendência da Condição) – “Aquele que contrair uma obrigação ou
alienar um direito sob condição suspensiva, ou adquirir um direito sob condição resolutiva, deve
agir, na pendência da condição, segundo os ditames da boa fé, por forma que não comprometa a
integridade do direito da outra parte.” - ex. eu vendo a minha bicicleta à Ana, sob condição
resolutiva de eu própria não comprar uma mota até ao final do mês (vendi a bicicleta à Ana hoje,
mas existe uma condição resolutiva, ou seja, eu ainda posso voltar a ser proprietária da bicicleta).
Se a Ana amanhã agarrar na bicicleta e a vender a um sucateiro, mesmo que a condição se
verifique, no fim do mês eu já não vou ter bicicleta nenhuma porque já está destruída. De facto,
a Ana, enquanto proprietária, pode vender a bicicleta, mas neste caso, ela tem que se comportar
de acordo com as regras da boa fé, de forma a não comprometer a possibilidade de eu voltar a
ser proprietária da bicicleta. Ou seja, o problema é que na condição, durante a pendência, aquele
direito não é ainda um direito definitivo, é um direito como que temporário, há uma indefinição
quanto ao caráter definitivo da atribuição jurídica quer à Ana quer a mim – há uma incerteza.
• 273º CC – os atos conservatórios são aqueles que visam conservar o direito ou a utilidade do
direito do titular da expectativa jurídica (no exemplo da bicicleta, eu). Este artigo permite a
proteção da minha expectativa jurídica, portanto, é um ato conservatório de um direito que eu
ainda não tenho (direito de propriedade), mas que posso vir a ter e a expectativa jurídica traduz-
se precisamente na possibilidade de, através do artigo 273º CC, eu proteger a hipótese de vir a
ser proprietária.
× Inocêncio Galvão Teles – “a expectativa é um processo de construção gradual de um direito”.
Aqui, o direito seria o direito de propriedade sobre a bicicleta e o processo de constituição
seria o período da pendência da condição. Portanto, teríamos: contrato de compra e venda
< pendência da condição < verificação ou não da condição. Durante esse processo
constitutivo, a lei protege a possibilidade de eu vir a ser proprietária e protege a utilidade
económica do direito e, portanto, protege-me contra atentados a essa possibilidade. No
caso da Ana ir vender a bicicleta ao sucateiro eu deveria requerer uma providência cautelar
ou então ela podia vender a bicicleta, mas sujeita à condição suspensiva de a minha condição
resolutiva não funcionar.
Esta matéria dos atos conservatórios e da possibilidade de atuação das partes na pendência da
condição é especialmente grave porque, de acordo com as regras do 276º e 277º CC a verificação ou não
verificação da condição, em princípio, tem eficácia retroativa. Isto, mais uma vez, é uma diferença em
relação ao termo porque no termo há certeza de que vai acontecer, portanto, o que é natural é que o
termo não seja retroativo. A condição não – normalmente a vontade é uma vontade condicional, logo,
querem ou não os efeitos, dependendo da verificação ou não da condição e, portanto, a lei,
supletivamente, estabeleceu o regime da retroatividade. Há uma exceção: nos contratos de execução
continuada ou periódica (277º/1 CC) aplicam-se as regras que vêm presentes no 434º/2 CC que nos
dizem que a retroatividade da condição não ocorre e apenas deixam de se produzir efeitos a partir do
momento em que a condição se verifica porque, mais uma vez, é aquilo que, em princípio, é o mais
ajustado à vontade das partes. Além disso, a retroatividade da condição, não abrange os atos de
administração, nem abrange os frutos (para os frutos aplicamos as regras do possuidor de boa-fé – 1270º
e seguintes CC) porque quer quanto aos atos de administração, quer quanto aos frutos o que é natural é
que a pessoa que é o titular da coisa no momento em que é necessário praticar o ato de administração
ou no momento em que se colhe o fruto, precisamente porque tem legitimidade, se aproveite do fruto e
pratique o ato de administração.
A retroatividade é uma consequência muito séria porque afeta a produção de efeitos no negócio
e o negócio pode ter impacto na esfera jurídica de terceiros. Ora os negócios jurídicos são factos privados:
a retroatividade da condição que resulta de uma estipulação de um contrato privado ter efeitos perante
uma pessoa que é terceira a esse contrato, é algo de extremamente sério, por isso é que nos negócios
jurídicos com uma forma legal (com uma forma especial), por norma, a forma abrange, nos termos do
• 274ºCC (Atos Dispositivos) – esses atos são afetados pela retroatividade da condição, ou seja, a
condição destrói também os atos dispositivos que tenham ocorrido.
NOTA: supondo que a Ana não vendeu a bicicleta a um sucateiro, mas a um terceiro que não a vá destruir
– nos termos do artigo 274ºCC, se a condição se verificar, a eficácia da condição vai afetar esse terceiro,
portanto, o terceiro vai ter que devolver a bicicleta. Aqui, os alunos costumam preocupar-se com o facto
de o terceiro não saber que a Ana não devia estar a fazer aquilo. De facto, quando o terceiro não tem
noção da situação à volta há um problema - provavelmente houve culpa in contrahendo da parte da Ana
porque ela não podia deixar de avisar que o negócio podia ser destruído se a condição se verificasse.
Como vender bicicletas não está sujeito a registo nem a forma especial, o terceiro torna-se bastante mais
vulnerável.
MODO OU ENCARGO
× Cláusula acessória típica que é privativa de negócios jurídicos gratuitos e através da qual as partes
estabelecem a cargo do beneficiário do negócio uma obrigação (ex. eu ofereço um quadro do
Picasso ao António, mas ele fica obrigado a emprestar o quadro uma vez por ano, por exemplo
durante um mês, à Gulbenkian). Vem regulado nos artigos 963º a 968º (doações) e 2229º e
seguintes (testamentos).
Sucede que é possível as partes combinarem um modo e combinarem que o não cumprimento desse
modo dê origem ao direito potestativo de resolver (966ºCC a contraria – “O doador, ou os seus herdeiros,
também podem pedir a resolução da doação, fundada no não cumprimento de encargos, quando esse
direito lhes seja conferido pelo contrato.”). Ou seja, é possível o doador ter o direito de resolver uma
doação se o encargo for violado, mas teoricamente são coisas muito diferentes: numa doação modal, o
beneficiador tem obrigação de fazer uma coisa e a resolução não é automática, trata-se apenas do
direito de resolver se o encargo não for cumprido. Isto é uma característica típica dos negócios
Por vezes é muito difícil perceber se uma determinada cláusula é uma condição ou é um modo
– se estivermos perante uma compra e venda ou um contrato de arrendamento é evidente que é uma
condição porque o modo só existe nos negócios gratuitos e os referidos são onerosos. Acontece é que a
condição pode existir tanto nos gratuitos como nos onerosos e, portanto, numa doação podemos estar
perante uma condição. A solução para esta pergunta é sempre a interpretação do negócio. As partes
podem estipular o que elas quiserem, podem estipular uma condição ou um modo e, portanto, aquilo que
precisamos de fazer é interpretar o negócio. Às vezes é difícil e, portanto, no limite, a solução é aplicar o
artigo 237ºCC e, portanto, na dúvida, a cláusula é uma condição porque o 237ºCC diz-nos que nos
negócios gratuitos a dúvida resolve-se a favor do disponente, ou seja, do doador. Para o doador, a
melhor solução é a da condição porque se assim for ele pode manter o negócio e exigir o cumprimento
da obrigação ou pode resolver; se for o modo ele só pode exigir o cumprimento e pedir indemnização,
não pode resolver.
Artigo 963º CC: “2. O donatário não é obrigado a cumprir os encargos senão dentro dos limites do valor
da coisa ou do direito doado.”
o ex.1 A oferece um quadro do Picasso a B e diz-lhe que tem que emprestar o quadro ao museu
Gulbenkian uma vez por ano – em principio é natural que seja um encargo
o ex.2 A oferece um Picasso a B no valor de 50.000€ e o encargo é que B lhe pague as dívidas no
valor de 51.000€ - isto não é residual: provavelmente se B não pagar as dívidas a A, ele não estará
disponível para lhe dar o quadro.
No ex.1 aquilo que A quis foi beneficiar a outra pessoa, mas no segundo há dúvidas:
quase de certeza que o primeiro objetivo de A estava no cumprimento que B teria que fazer e não no
benefício que ele teria – o modo ser algo muito importante é uma pista significativa para o afastarmos e
irmos mais para a condição, mas tudo depende do caso concreto.
No artigo 967º CC quanto ao conteúdo do encargo existe uma remissão para as regras do testamento
(2229º e seguintes do CC).
SINAL
➔ Cláusula acessória típica que tem uma característica diferente daquela que temos estado a
estudar, de ser uma cláusula real quod constitutionem pela qual uma das partes entrega à outra
uma coisa que pode coincidir ou não com a coisa devida nos termos do contrato que estão a
celebrar, e essa coisa é havida como sinal e como antecipação do cumprimento (pode não ser
havida como antecipação do cumprimento se as partes afastarem essa hipótese, ou seja, se
disserem que querem apenas que aquela entrega valha como sinal – 440ºCC)
Esta cláusula é uma cláusula muito vulgar nos contratos promessa de compra e venda – ex. eu
prometo comprar a casa de A por 300.000€ nos próximos 90 dias e com a celebração do contrato
promessa eu entrego, por exemplo, 10% correspondentes ao valor do sinal.
NOTA: esta cláusula não é privativa dos contratos promessa – pode ser posta na generalidade dos
contratos.
O sinal funciona da seguinte forma: se aquela pessoa que entrega o sinal deixar de cumprir o
contrato, perde o sinal; se for aquele que recebeu o sinal que deixa de cumprir o contrato, então a
O sinal, em Portugal, é uma cláusula com uma história muito rica. Em Portugal, o regime jurídico
do sinal resulta de uma confluência de duas tradições diferentes, portanto, duas naturezas jurídicas
diferentes. Por um lado, serve de garantia do cumprimento do contrato, reforçando a probabilidade do
contrato ser cumprido e também constituindo uma liquidação antecipada do dano (quer os danos sejam
maiores ou menores que o sinal) – esta função do sinal designa-se por sinal confirmatório-penal,
portanto, é um sinal que confirma a vontade das partes e funciona como cláusula penal porque se
houver algum problema, a consequência é aquele pagamento pré-estabelecido
Além disso, o sinal desempenha uma segunda função: o sinal também serve de “preço do
arrependimento”, isto é, serve como uma forma de limitar a responsabilidade civil contratual das partes
(442º/4 CC) – esta norma diz-nos que, se as partes tiverem estabelecido um sinal, salvo estipulação em
contrário, não há lugar ao pagamento de danos que excedam o valor do sinal - esta característica do
sinal chama-se sinal de penitencial; também é uma cláusula penal, aplicando-se em caso de
incumprimento.
A esmagadora maioria das regras sobre o sinal são regras supletivas, portanto, é possível, num
determinado contrato, modelarmos as cláusulas, tornando possível o funcionamento do sinal de
maneiras um bocadinho diferentes desta, mas a verdade é que normalmente funciona assim.
As cláusulas contratuais gerais são uma forma de contratar que tem particularidades muito
significativas ao nível da formação do contrato e também ao nível do conteúdo do negócio.
O que se passa aqui é que, como se compreende, é vulgar as cláusulas contratuais gerais, quanto
ao seu conteúdo, serem desequilibradas – trata-se de minutas de contratos, de NJ, que são elaboradas
exclusivamente por uma das partes e que essa parte não está disposta a alterar porque pensou o seu
negócio em função daquela estrutura contratual (ex. EDP fornece eletricidade a milhões de portugueses
e elabora uma minuta de contrato de acordo com aquilo que é a estrutura do seu negócio – se assim é [e
é], é natural que as CCG sejam desequilibradas a favor do utilizador das cláusulas, neste caso a EDP).
Precisamente porque se começou a aperceber disto, o legislador, desde muito cedo, quando começou a
intervir nas cláusulas contratuais gerais, preocupou-se com o conteúdo das cláusulas para repor o
equilíbrio: como não há negociação, o legislador proíbe a parte rígida e inflexível de fazer certas
cláusulas, com certo conteúdo.
• 15º e 16º da LCCG – cláusula geral de boa fé, isto é, a lei proíbe todas as CCG que sejam contrárias
à boa fé, nos termos desses artigos (15º tem o princípio geral e 16º tem duas concretizações que
são grosso modo fundadas no princípio da tutela da confiança e no da primazia da materialidade
subjacente). Isto não espanta porque o autor material deste DL foram o prof. MC e o prof.
Almeida Costa e, portanto, é natural que o prof. MC tenha vazado no diploma aquilo que são as
suas convicções relativamente ao que é a boa fé e à relevância da mesma e etc.
• 17º a 23º LCCG (conjunto de concretizações específicas).
a) Confiança suscitada nas partes pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa pelo
processo de formação do contrato singular formado, pelo teor deste e ainda por quaisquer
outros elementos atendíveis
b) O objetivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efetivação à luz do
tipo de contrato utilizado
➔ Ou seja, aquilo que se pretende é que a parte aderente possa confiar que aquilo é efetivamente
o que é suposto ela estar à espera, tendo em conta a formação do contrato, o objetivo do
contrato e etc. e também que o contrato seja consentâneo com aquilo que se pretende dele
próprio (princípio da materialidade subjacente)
Ex. contrato de seguro desportivo, mais concretamente de boxe, não pode na cláusula 47 de 50 excluir
acidentes provocados por murros porque se o atleta é boxer e isto é um contrato de seguro desportivo,
ele vai fazê-lo para se proteger na modalidade que pratica (não se pode excluir o coração do negócio).
Apesar de o boxer ter a obrigação de ler todo o contrato, a cláusula geral da boa fé permite proteger os
contraentes contra surpresas deste género.
Os artigos 15º e 16º podem funcionar sem os artigos seguintes, portanto, não é preciso
encontrarmos uma previsão específica de proibição de cláusula contratual geral para que a cláusula
contratual geral seja proibida, basta que seja contrária à boa fé. É claro que temos sempre tendência a
procurar uma das previsões específicas porque é mais fácil quando já lá está escrito, ao passo que ao
aplicar o 15º e o 16º temos que realizar uma fundamentação muito mais complexa.
O que é um empresário ou uma entidade equiparada? Retira-se do art. 17º que os empresários são
aqueles que detém uma identidade produtiva ou exercem profissões liberais, singulares ou coletivas,
quando intervenham apenas nessa qualidade e no âmbito da sua atividade específica, ou seja, o que
conta aqui não é o status, mas a competência específica (ex. eu sou médica, mas não é por eu ser médica
que todos os contratos com CCG que eu celebre são contratos celebrados entre empresários – para isso
é preciso que eu celebre o contrato no âmbito da minha atividade específica).
A noção de consumidor é residual: consumidores são todos aqueles que não são empresários.
Art. 20º LCCG: “Nas relações com os consumidores finais e, genericamente, em todas as não abrangidas
pelo artigo 17.º” – portanto, consumidores finais são todos os que não estiverem no art. 17º (o que
importa é interpretar bem o art. 17º e depois, todos os que estiverem fora são consumidores).
As proibições da lei nas relações que se passem apenas entre empresários são mais suaves
porque se presume que o empresário tem maior poder negocial, ou pelo menos está mais esclarecido
relativamente aos negócios que está a celebrar porque aquele é o seu dia a dia e, portanto, se o negócio
ainda assim for desequilibrado, a probabilidade de haver grandes prejuízos é pequena, precisamente
porque estamos a falar de um profissional que está a atuar no âmbito da sua competência específica.
Nas relações com os consumidores (20º) aplicam-se quer as proibições dos consumidores, quer
as dos empresários: “Nas relações com os consumidores finais e, genericamente, em todas as não
NOTA: temos que ter cuidado quando estivermos a aplicar o diploma - se estivermos perante um caso
não de consumidores, mas sim de empresários, não podemos aplicar os artigos 21º e 22º.
As cláusulas mais chocantes estão nos empresários porque é o mínimo do qual a lei não abdica.
A parte dos consumidores são artigos que protegem bastante mais os contratos em atenção à
presumível fragilidade do aderente que é um consumidor e não um empresário.
➔ Proibições absolutas: não é permitido celebrar contratos com CCG com aquelas cláusulas. Se um
contrato com CCG tiver uma das cláusulas que consta do artigo 18º ou do art. 20º essa cláusula
é proibida.
➔ Proibições relativas: aquelas que no caso concreto podem ser proibidas ou permitidas, de
acordo com o quadro negocial padronizado. Portanto, apesar de estar aqui enunciada nos art.
19º e 23º, há casos em que aquela cláusula, naquele contrato, é permitida e há casos em que
aquela cláusula, naquele contrato, não permitida. Como saber isto? Não é muito simples. A lei
utiliza aqui um conceito que não utiliza em mais lado nenhum do ordenamento jurídico, segundo
a MRR, que é o do “quadro negocial padronizado”.
O quadro negocial padronizado não é o tipo contratual, mas também não é o caso concreto (o
contrato singular). MRR define o quadro negocial padronizado como o tipo (no sentido não técnico) de
negócio que as partes celebraram, mas tendo em conta aquilo que é normal naquele género de negócios
(ex. compra e venda de um automóvel – o tipo é a compra e venda, mas a compra e venda de um
automóvel novo ou usado tem particularidades completamente diferentes entre si, mas em cada um deles
são grosso modo sempre as mesmas, portanto, há um padrão).
Este conceito a seguir vai ser conjugado com as várias alíneas que tratam das cláusulas
relativamente proibidas, de modo a percebermos se perante o quadro negocial padronizado aquela
estipulação é proibida ou não. Como fazer isto? Cada uma das alíneas das cláusulas relativamente
proibidas tem um conceito indeterminado (ex. “prazos excessivos”, “injustificadamente”, “compensação
adequada”, “dispêndios consideráveis”). Estes conceitos têm que ser conjugados com o quadro negocial
padronizado.
× Exemplo: tem que se ver, por exemplo, se perante a alínea e) do 19º “Façam depender a garantia
das qualidades da coisa cedida ou dos serviços prestados, injustificadamente, do não recurso a
terceiros;”. Aplicando isto à compra e venda de um carro novo:
o Um carro novo tem uma garantia e vamos supor que é de 5 anos e o concecionário diz
que só garante se durante 5 anos as mecânicas do carro não forem mexidas por outras
pessoas. MRR diria que isto é justificado, atendendo ao que custa um carro e ao valor da
garantia, é justo que o concessionário exija que seja apenas ele a mexer na mecânica do
veículo;
o O meu carro tem um furo e vou concertá-lo; passado um tempo volto ao concecionário
e dizem-me “não, a senhora teve um furo, este pneu não é original, não veio cá mudar
os pneus, portanto não garantimos, está excluído da garantia”. Isto já não é razoável
porque uma coisa é a garantia depender de a pessoa não mexer na parte mecânica do
veículo, outra diferente é eu ter um furo e tirar o pneu para por outro, até porque podia
ter tido o furo longe de uma oficina autorizada pelo concessionário. Não é razoável
porque mudar o pneu não interfere com a segurança da mecânica do veículo.
Curiosidade: com a crise de 2008 os bancos começaram a prever nos contratos de mútuo cláusulas de
alteração unilateral da taxa de juros e outros encargos bancários. Esta cláusula, à primeira vista, teria
problemas, seria inválida, porque permitiria aos bancos alterar unilateralmente as cláusulas contratuais,
mas a LCCG no art. 22º/2 protege os bancos, permitindo que, nos contratos com entidades financeiras,
haja cláusulas de alteração unilateral. Isto é uma regra extremamente penalizadora dos aderentes e o
Banco de Portugal tentou suavizar um bocadinho isto, emitindo uma série de regras para os bancos
cumprirem que são exigentes, mas a verdade é que os bancos não costumam cumprir essas regras do
Banco de Portugal e costumam massacrar na mesma os aderentes com alterações unilaterais das
cláusulas. Isto é agravado pela circunstância de, em Portugal, ser vulgar a compra de habitação própria
com recurso a crédito – o crédito à habitação é um contrato de mútuo com um prazo muito prolongado
(20/30 anos e às vezes mais) que duram ao fim ao cabo toda a vida ativa das pessoas. Os bancos
emprestam a longo prazo e financiam-se a eles próprios a curto prazo e, portanto, os bancos podem ser
com frequência surpreendidos por prejuízos para eles próprios com o crédito à habitação que depois
tentam repercutir nos consumidores.
Quando há um problema com uma cláusula num contrato singular, num contrato efetivamente
celebrado, o que há a fazer é o que se faz nos outros contratos celebrados de acordo com o CC – a pessoa
tem um problema, fala com a contraparte e, não chegando a acordo, vai para tribunal. O problema é
que é vulgar que os contratos celebrados com CCG serem contratos de pequena importância e, portanto,
não se justifica recorrer aos tribunais, então a lei no artigo 25º consagra uma novidade no nosso
ordenamento jurídico: ação inibitória. Esta ação é uma ação original (muito até) e que é própria de
esquemas de tutela de consumidores ou de interesses difusos, isto é, cada um dos consumidores tem
pouco interesse na prepositura de uma ação porque isso é muito mais caro do que a vantagem que vai
obter com a ação e, portanto, não se mexe, mas se pensarmos na totalidade dos consumidores, então,
as coisas são muito diferentes. A lei prevê, nas ações inibitórias, que a legitimidade para propor a ação
caiba não a cada um dos consumidores, mas sim a associações de defesa daquelas áreas e/ou ao MP e o
objetivo não é tratar do caso concreto como acontece em 99,9% das ações judiciais, mas sim proibir
cláusulas abstratas. O resultado das ações inibitórias é publicado em jornais e eventualmente
acompanhado por sanções pecuniárias compulsórias que são também sujeitas a registo, portanto,
existe aqui uma pressão grande para que os utilizadores das cláusulas as deixem de utilizar e depois
todos os outros, vendo as listas de cláusulas proibidas, naturalmente inibem-se de as usar.
Uma vez proibida, cada pessoa que celebrou um contrato, no seu contrato pode invocar a
sentença e com facilidade dizer que essa clausula não se aplica porque foi proibida (claro que tem que
ser proibida numa ação em que seja parte a pessoa com quem está a negociar, mas seja como for é uma
excelente mais valia para os aderentes em contratos celebrados segundo cláusulas contratuais gerais).
NOTA: esta lei ainda é pouco aplicada nos tribunais porque ainda existe pouco, por parte de juízes e
advogados, a cultura do direito do consumidor
Acresce que, tendo em conta a forma como hoje se celebram a generalidade dos negócios,
frequentemente é necessário conjugar a lei de defesa do consumidor com o CC.
De acordo com a Lei nº 24/96 consumidor é todo aquele a quem sejam fornecidos bens,
prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos destinados a uso não profissional por pessoa que
exerça com caráter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios (2º/1). Esta
lei expressamente inclui na categoria de profissionais o Estado e as outras pessoas coletivas públicas,
bem como os concessionários de serviços públicos enquanto fornecedores (2º/2)
MRR: esta lei é uma lei muito poética (no mau sentido) porque em muitas disposições é dominantemente
dirigida ao Estado (ex. artigos 3º a 7º - destinam-se a sensibilizar o Estado a implementar um conjunto de
regras ou circunstâncias favoráveis aos consumidores).
Nos artigos 8º a 9º, b), existem um conjunto de deveres pré contratuais muito mais
desenvolvidos do que o artigo 227º CC, portanto, se estivermos perante um contrato celebrado por um
profissional e um consumidor, além do 227ºCC temos que aplicar em primeira linha estes artigos da
LDC.
Art. 7º/5: “As informações concretas e objetivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado
bem, serviço ou direito consideram-se integradas no conteúdo dos contratos que se venham a celebrar
após a sua emissão (…)”, ou seja, se numa mensagem publicitária, o profissional publicitar X, X passa a
fazer parte do contrato, o que significa que se a coisa não tiver X estamos perante um caso de violação
do contrato e, portanto, o prestador de serviço vai ter que indemnizar o consumidor. Aqui também está
prevista uma ação inibitória e também estão previstas regras de promoção e proteção das associações
de consumidores.
04-05-2021
A lei das cláusulas contratuais gerais não se destina exclusivamente à proteção dos
consumidores, destina-se à proteção dos aderentes a negócios celebrados segundo cláusulas
contratuais gerais, muitos deles são consumidores, outros não são.
DL nº 24/2014, de 14 de fevereiro
Este diploma regula aqueles contratos que são celebrados sem a presença física de ambas as
partes ou com essa presença física, mas fora do estabelecimento comercial (ex. negócios celebrados em
viagens, em reuniões, porta a porta, nas casas das pessoas ou no estabelecimento comercial, mas depois
do próprio estabelecimento comercial ter feito um contacto para essa pessoa se dirigir até lá). Ou seja,
pretende-se que este regime se aplique àqueles negócios em que não foi o consumidor que solicitou o
negócio ou que se deslocou livremente por sua iniciativa a celebrar o negócio.
Este diploma só trata como consumidores pessoas singulares, pessoas coletivas estão fora da
proteção do decreto lei nº 24/2014, de 14 de fevereiro.
Aqui, tal como nas cláusulas contratuais gerais, existe uma explicitação dos deveres de
informação pré-contratuais no artigo 4º e existe também a explicitação de cuidados especiais a ter com
o consumidor no artigo 5º.
Estes contratos devem revestir a forma escrita (art. 9º) e o consumidor tem o direito de resolver
livremente, ou seja, destruir a eficácia negocial daquele negócio jurídico, no prazo de 14 dias após a
celebração do negócio, bastando que o consumidor revogue/envie a revogação nos 14 dias (vale aqui a
teoria da expedição). Este direito é um direito importantíssimo que vem previsto no artigo 10º/1 e
basicamente destina-se a proteger os consumidores daquilo que se designa por compras por impulso
que são muito vulgares nestes casos – não é o consumidor que solicita o negócio, ele apenas responde a
uma solicitação e, com frequência, tendo em conta quer as características das pessoas, quer as técnicas
de venda dos profissionais, é vulgar a pessoa, ou por impulso ou porque não consegue resistir à
argumentação do profissional que está a falar com ele, adquirir o bem ou celebrar contrato: então tem
14 dias para se arrepender, não precisa de fundamentar, basta que não queira.
Se o consumidor não tiver sido informado pelo profissional do direito à resolução, em vez do
direito à resolução ter um prazo de 14 dias, passa a ter um prazo de 12 meses + 14 dias, portanto,
expande-se brutalmente o prazo, precisamente para dar a possibilidade de a pessoa se informar de
alguma maneira e poder mesmo assim exercer o direito ao arrependimento, revogando o negócio. Depois
da resolução, o profissional tem 14 dias para reembolsar o consumidor.
O consumidor pode entregar o bem manuseado e inspecionado (art. 14º) – por vezes essa é a
única maneira da pessoa ter a certeza de querer ou não querer o bem, sobretudo naqueles casos em que
o contrato é mesmo celebrado à distância (a pessoa contacta com o bem pela primeira vez quando o
recebe, portanto, tem 14 dias para se arrepender).
Se houver danos para além da informação e etc. o consumidor pode vir a ser indemnizado,
exceto se não tiver sido informado do direito de resolução (aí, como já vimos, aplica-se o regime especial).
É necessário que qualquer um destes negócios tenha sido celebrado com um consumidor e aqui
o consumidor pode ser quer uma pessoa singular quer uma pessoa coletiva.
Muito útil
Este diploma facilita, através de um jogo de presunções, a prova do não cumprimento do atendendo a
contrato ou da desconformidade do bem relativamente àquilo que era devido, ou seja, do não que o regime
cumprimento na modalidade de cumprimento defeituoso. geral do
cumprimento
Art. 4º/1: “Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta
defeituoso
seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à
traz muitas
resolução do contrato.” - permite-se que o consumidor, se o bem não estiver em conformidade com
dúvidas
aquilo que foi assegurado ou que devia existir em função do contrato que foi celebrado, tenha direito
relativamente
a que a conformidade do bem com o contrato seja reposta sem encargos para ele.
à sua
O diploma estabelece prazos de garantia quer dos bens, quer dos serviços no art. 5º: 2 anos abrangência -
para os bens móveis e 5 anos para os bens imóveis e durante esse período vale o dever de este artigo
conformidade, o que, como é compreensível, aumenta muito os direitos do consumidor. facilita nesse
aspeto
No art. 5º/6 existe um novo prazo de garantia caso o bem tenha sido reparado ou substituído
(ex. eu compro um computador e ele tem de ser reparado ao fim de um 1 ano – essa reparação também
tem uma garantia, portanto, quando se esgotar a garantia inicial do computador não há problema porque
a própria reparação tem um prazo de garantia, desde que o problema seja o mesmo que originou a
reparação - se for outro é o prazo inicial que vale).
NOTAS:
NOTA: não esquecer que o tempo se repercute de muitas outras maneiras, por exemplo, no 1º semestre
estudamos a condição dos menores – a maioridade é um efeito do tempo sobre a vida do ser humano.
1. PRESCIÇÃO
No Código de Seabra e ainda hoje nalguns ordenamentos do mundo que não o nosso, existiam
dois tipos de prescrição: a extintiva e a aquisitiva. Tratava-se de duas matérias totalmente diferentes,
mas que tinham que ver precisamente com a repercussão do tempo nas situações jurídicas. No caso da
prescrição aquisitiva, o tempo tinha como efeito adquirir situações jurídicas; na prescrição extintiva, o
decurso do tempo fazia com que as situações jurídicas cessassem.
NOTA: a usucapião não é matéria de TGDC, daqui para a frente vamos falar exclusivamente da prescrição
extintiva.
Do lado do credor (titular do direito) o que acontece é que esse direito não se extingue, mas
modifica-se, tornando-se uma obrigação natural. As obrigações naturais vêm reguladas nos artigos 402º
a 404º do CC.
402º CC: “A obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo
cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.”
Ou seja, estamos perante uma situação jurídica ativa que existe, mas que o devedor só
cumpre se quiser, se não quiser invoca a prescrição e o credor não pode obrigá-lo a cumprir.
Isto pode parecer injusto. De facto, se o devedor deve, se a obrigação não se extinguiu, se o
credor continua a ter o direito, então porque é que o devedor não cumpre? No entanto, isto não é
injusto. Para ser injusto, deve ser contrário ao Direito, mas o Direito é feito de regras, mas também é feito
de paz social, de segurança jurídica, de certeza – ex. Aquele movimento Islâmico recente designado por
DAESH ou Estado Islâmico, reclamava o direito a ocupar a Península Ibérica porque tinham sido expulsos,
e de facto, não há dúvidas disso (Reconquista Cristã) – se a passagem do tempo não tivesse repercussões,
a casa onde moramos que de acordo com o Direito português é nossa, provavelmente não seria porque
Lisboa a uma certa altura foi conquistada a estas pessoas de quem o DAESH se diz herdeiro e isto não é
admissível do ponto de vista de uma civilização, ou seja, não é admissível nós irmos desenterrar histórias,
por mais hediondas que elas sejam, no caso com mais de 900 anos; a segurança jurídica é um bem jurídico
fundamental e sem segurança, em rigor, não há justiça por isso a prescrição, de uma certa forma, vem
responder a esta necessidade de estabilidade nas situações jurídicas, de nós sabermos com o que
podemos contar.
Além disso, há outros problemas, nomeadamente a dificuldade com a prova dos factos – quando
passa tempo sobre uma determinada situação jurídica torna-se difícil demonstrar o que é que
efetivamente aconteceu e, portanto, o legislador prefere que as pessoas se conformem com aquilo que
efetivamente existe do que estar a fazer julgamentos sobre situações que, em rigor, ninguém tem bem a
certeza do que é que aconteceu, ninguém já sabe bem como é que se passou ou como é que se deixou de
passar e, portanto, podemos estar a fazer uma injustiça a uma pessoa pura e simplesmente por não haver
elementos de prova suficientes (decisões sobre factos mais antigos, tendencialmente são más decisões,
são decisões com uma grande fatia de incerteza).
Por último, o legislador não pretende facilitar a inércia das pessoas no exercício das situações
jurídicas. As situações jurídicas, a pessoa pode optar por não exercer, mas se assim for que o assuma –
não deve haver inércia na dinâmica jurídica.
Porque se destina a proteger a paz pública, a segurança jurídica, a prescrição tem um regime
jurídico bastante rígido. A paz pública é um bem de ordem pública, não é um bem de interesse particular,
portanto, o art. 298º/1 CC diz-nos que estão sujeitos a prescrição todos os direitos exceto duas
categorias: os direitos indisponíveis (se não estão disponíveis pelas partes, as partes não podem pelo seu
O regime da prescrição não é alterável pelas partes (art. 300º CC), ou seja, o regime da
prescrição é um regime da ordem pública, não é modelável, não existe aqui autonomia privada. Também
não é renunciável por antecipação (art. 302º/1 CC) – o devedor não pode renunciar antecipadamente à
prescrição, só depois de decorrido o prazo prescricional, depois de ele já ter adquirido o direito, é que
ele pode, se quiser, renunciar à prescrição. Isto tem que ver com a certeza jurídica e com o facto de as
pessoas disporem facilmente daquilo que não têm (é fácil eu alienar algo que ainda não é meu) porque
como ainda não a têm não percebem bem a necessidade/utilidade que essa coisa pode ter para elas. No
art. 809º CC existe uma proibição de renúncia a um conjunto de direitos que vêm estabelecidos a
propósito do não cumprimento e este art. 302º/1 é mais um fundamento desse princípio de que as
pessoas não devem poder dispor daquilo que ainda não têm (ex. não se pode renunciar a uma herança
quando ainda não se herdou, só se pode fazer isso depois do de cujos morrer).
A prescrição não extingue a situação jurídica – o devedor que não cumpriu, se quiser, pode
cumprir: o que se passa apenas é que o credor não pode exigir judicialmente o cumprimento (ex. Numa
dívida normal, o prazo prescricional ordinário é de 20 anos. Imaginando que eu pedi um empréstimo a
uma pessoa há 21 anos atrás e ainda não paguei – eu não paguei, portanto continuo a ser devedora; se
eu quiser pagar, eu posso pagar e se a pessoa me quiser pedir o dinheiro, pode pedir porque é credora.
Acontece é que eu tenho uma exceção e posso não pagar porque já passaram mais de 20 anos e, como
tal, a dívida já prescreveu, se eu fizer isto, a pessoa não pode ir ao tribunal para o tribunal me obrigar a
pagar porque como eu posso não pagar em virtude da exceção, isso seria inútil. Além disso, a pessoa teve
todo aquele tempo para propor a ação, se não o fez foi porque não quis, ou seja, se ela durante 20 anos
não solicitou ao tribunal diligências para me obrigarem a pagar, não vai ser agora - já passou tempo
demais para que o tribunal se dedique a investigar se eu devo ou não pagar e em que termos.).
Porque a dívida não se extingue, isto é, porque se eu pagar não estou a fazer um favor, estou a
pagar uma dívida, não há repetição da prestação (art. 304º/2 CC), mesmo que haja erro. Repetir, em
Direito, significa restituir, significa devolver e não fazer outra vez. Portanto, mesmo que eu tivesse
entregue o dinheiro em erro, por ex. por desconhecer a prescrição, eu não poderia pedir o dinheiro de
volta, precisamente porque a dívida existe e o pagamento foi espontâneo.
Não existe conhecimento oficioso da prescrição (art. 303º CC), o que faz todo o sentido. A
prescrição constitui um direito potestativo do devedor se recusar a cumprir – é um direito, ele pode não
o exercer. A decisão de o exercer ou não é uma decisão do devedor e não do tribunal e por isso ele não
pode declarar oficiosamente a prescrição. Se ela for invocada, o tribunal absolve o réu, mas se não for
invocada o tribunal condena o réu porque ele, não querendo exercer a prescrição, é devedor, logo, tem
que pagar.
Art. 305º CC – os credores do devedor também podem invocar a prescrição (ex. eu vou pagar o que devo
a A, mas eu também devo a B e C – a dívida de A já prescreveu, mas eu pretendo pagar-lha e, fazendo-o,
fico sem dinheiro para pagar as minhas dívidas aos outros credores e, portanto, eles podem invocar a
prescrição da minha dívida com A, para não correrem o risco de eu ficar sem maneira de pagar a minha
dívida para com eles, a qual ainda não prescreveu).
Quando é que começa a correr o prazo prescricional? A regra geral vem no art. 306º – o prazo começa
a correr quando o direito puder ser exercido. Isto tem que ver com a prescrição ser uma espécie de
punição, um castigo para a preguiça do credor, portanto, se o credor já pode exercer o direito, então
• Há vários, dependendo dos direitos em causa. A regra geral é a de que todos os direitos estão
sujeitos a prescrição e depois quando há prazos a regra geral é a dos 20 anos (art. 309ºCC).
• Existem prazos especiais de 5 anos no art. 310º CC que tem que ver normalmente com direitos
periódicos (rendas, juros, pensões, isto é, direitos que se vencem periodicamente). Não é Na
conveniente deixar passar muito tempo, precisamente porque, por ex., uma pessoa que vive numa interrupção
casa alugada paga a renda todos os meses – ao fim de 7 ou 8 anos se lhe perguntarem se ele pagou o que
a renda de casa de fevereiro de 2012 a pessoa sabe lá já se pagou ou não. É muito diferente para o acontece é
devedor conseguir demonstrar que pagou uma dívida periódica do que se for uma só prestação em que existe o
que normalmente as pessoas sabem: ou pagaram ou não pagaram. Na renda da casa, como se paga reconhecime
todos os meses, se lhe perguntarem se pagou o mês x do ano y só se tiver acontecido alguma coisa nto claro do
extraordinária naquele mês é que ela se vai lembrar se pagou ou não. direito do
• No 311ºCC há uma regra especial para os direitos reconhecidos por sentença ou por título credor ou
executivo. Esses direitos, mesmo que o prazo prescricional seja mais curto, passam a ter um prazo uma
prescricional de 20 anos. vontade do
• Depois há várias leis avulsas, e até inclusivamente no CC, que estabelecem prazos prescricionais credor de
diferentes (ex. responsabilidade civil – 3 anos porque se torna muito difícil fazer a prova dos factos exercer o
muito mais tempo depois de eles terem ocorrido) seu direito,
Na suspensão
portanto,
o que existe é
não
uma
podemos
impossibilidad O prazo prescricional pode ser suspenso ou interrompido.
dizer que o
e ou uma
× A suspensão significa que deixamos de contar o prazo durante o período em que ele estiver credor
dificuldade
suspenso, mas depois desse período passar retomamos a contagem (ex. eu devo dinheiro ao continua
grande de agir
António desde 2010, mas há uma cláusula de suspensão de 2015 a 2017 – de 2010 a 2015 já sem fazer
do credor, ou
passaram 5 anos, mas em 2015 suspende-se até 2017 e em 2017 retoma-se porque acaba a nada – o
seja, ele não
suspensão, e, como tal, 2018 é o ano 6, 2019 é o ano 7 e assim por diante [há ali uma paragem, credor
exerceu
mas depois retoma o prazo que já começou antes].). As causas da suspensão estão previstas no tentou
porque não
art. 318º e seguintes do CC. exercer o
pôde e, como
× Na interrupção o que acontece é que quando ocorre um facto interruptivo o prazo interrompe-se seu direito,
tal, o prazo
e quando acaba a interrupção começamos a contar do 0, portanto, os 5 anos que estavam para ou existiu
suspendeu-se
trás perdem-se. No ano de 2018 começava-se a contar do 0. As causas da interrupção estão um
naquele
previstas no art. 323º e seguintes do CC. reconhecime
período.
nto por
parte do
2. CADUCIDADE devedor de
que aquela
A caducidade ocorre quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser dívida existia
exercido dentro de um certo prazo. e devia ser
A caducidade, ao contrário da prescrição, extingue o direito, portanto, o direito tem um prazo cumprida e,
e, se não for exercido nesse mesmo prazo, extingue-se. Aqui não há propriamente um problema de portanto, o
inércia no exercício como existe na prescrição, mas antes um direito que se esgota ao fim de um certo prazo
anterior
perde-se e
Sendim Fernandes | FDUL 2020-2021 começa a
contar um
novo prazo
prazo (a própria configuração do direito depende do tempo; estes direitos existem num certo prazo,
depois esgotam-se, esvanecem-se). Também ao contrário da prescrição, a caducidade pode ser legal ou
convencional (as partes podem convencionar a caducidade de certos direitos).
O prazo de caducidade inicia-se no momento em que o direito puder ser exercido (art. 329ºCC).
Na caducidade legal, por regra, não há suspensão nem interrupção (328º CC) – começa o prazo
e, supondo que o direito tem um prazo de caducidade de 1 ano, o direito tem que ser exercido durante
aquele ano sem se suspender e sem se interromper: é 1 ano é um 1 ano, e ao fim desse ano acabou-se o
direito, a pessoa perdeu o direito porque ele caducou.
3. NÃO USO
O não uso é um instituto próprio dos direitos reais, em particular dos direitos reais de gozo. Os
direitos reais de gozo podem extinguir-se pelo não uso (298º/3 CC). Um direito de crédito não se
extingue pelo não uso – pode prescrever, pode haver caducidade, mas o não uso é próprio de direitos
reais.
Prescrições Presuntivas
Ao contrário do que o nome indica, as prescrições presuntivas não são um caso de prescrição,
são um caso de presunção.
As prescrições presuntivas vêm reguladas nos artigos 312º a 317º do CC e por vezes são
referidas como prescrições de muito curto prazo (estamos a falar normalmente de prescrições de 6
meses a 2 anos, portanto, claramente, é muito pouco prazo).
A prescrição presuntiva não é uma prescrição, é uma presunção e é uma presunção de quê? De
cumprimento. Uma presunção consiste em, a partir de um facto conhecido, pressupormos um facto
desconhecido. Na prescrição presuntiva, a partir do decurso do tempo sem que se argumente o
cumprimento, presume-se que o cumprimento existiu. Portanto, a prescrição presuntiva é um caso de
uma presunção em que o facto conhecido é a passagem do tempo e não outro facto qualquer.
A prescrição presuntiva é uma presunção um bocadinho difícil de ilidir porque, ao contrário das
outras, nos termos do artigo 313ºCC só pode ser ilidida por uma confissão, portanto, tem que ser o
devedor a confessar que não pagou, apesar de ter decorrido aquele tempo.
Os casos de prescrição presuntiva são casos em que normalmente do ponto de vista estatístico
o cumprimento é rápido, é imediato, em regra por 3 ordens de razões:
1. A primeira é que a maior parte das pessoas que estão contempladas como sendo credores de
devedores que podem beneficiar das prescrições presuntivas são comerciantes ou
profissionais liberais, ou seja, os créditos são créditos que resultam da sua atividade
profissional. Essas pessoas, a vida delas é aquela, portanto, o dinheiro é dinheiro que elas
precisam para a continuação da sua atividade profissional – se os clientes não lhes pagarem, e
não lhes pagarem nos prazos estipulados, o comerciante tem que fechar a loja, o advogado tem
que fechar o escritório, o médico a mesma coisa, portanto, estamos a falar de dívidas que
normalmente, precisamente por aquilo que é natural na organização económica (aqui num
sentido amplo) deste género de credores são pagas logo.
2. Também estão aqui contemplados outro tipo de prestações que tem um caráter alimentar (de
uma certa maneira estes estes créditos dos comerciantes e dos profissionais liberais também
tem um caráter alimentar, isto é, o pão de cada dia destas pessoas vem daqueles negócios). No
exemplo dado de pedir 20.000€ ao António, isso não é a vida dele, ele não se sustenta a fazer
empréstimos e aliás nem sequer disse que o empréstimo tinha juros; ao contrário, o dinheiro
para sustentar a casa de um comerciante resulta dos créditos sobre os seus clientes, portanto,
os clientes têm de pagar, se não estas pessoas não conseguem sobreviver, por isso é que,
normalmente, os clientes destas pessoas pagam logo e se decorrer muito tempo presume-se
que já pagaram porque isso é que é o normal.
3. Além disso, ainda há a circunstância de que muitas vezes estamos a falar em créditos de
pequeno valor – não é muito natural (apesar de agora a vida ter mudado um bocadinho com a
história dos recibos e com a possibilidade de poder descontar no IRS) as pessoas pedirem recibos
de quantias pequenas (e mesmo quantias grandes, mas até há bem pouco tempo quantias
pequenas era mesmo invulgar) e isto significa que era difícil provar que já se tinha liquidado a
dívida, o que consubstancia mais uma razão para se presumir que a pessoa pagou.
Provas
As provas são matéria de processo civil, no entanto, exististe o direito probatório formal e o
direito probatório material. O direito probatório material vem regulado no CC, na parte geral. Aqui só
Do ponto de vista substancial esta matéria é importantíssima quanto à tentativa de fazer justiça
às pessoas. A justiça é uma realidade que não pode ser negada – quando alguém tem um problema, se
essa pessoa não tem meios de recorrer aos tribunais e, portanto, de que alguém diga qual é o direito e
exerça a justiça do caso concreto, vai-se recorrer à lei do mais forte, à lei da selva, e isso não pode
acontecer. O direito existe para que as pessoas tenham um conjunto de normas que rege as suas vidas e
não tenham que elas próprias tratar dos seus assuntos pelas suas próprias mãos ou pelas mãos de outros
a quem paguem para fazer x ou y.
Como os tribunais têm que ter factos para aplicar o direito a lei estabelece um conjunto de
ónus, de obrigações, para realizar a prova dos factos, para que na dúvida, ou se não tiverem sido
provados todos os factos, funcionem esses ónus da prova e o tribunal acabe por tomar uma decisão
para uma das pessoas porque o A não conseguiu provar, o B não conseguiu provar, então a decisão é Z.
No cível quem faz a prova em primeiro lugar é o autor (em princípio, o autor é que tem o ónus
da prova). Nos termos do art. 342º e 343º cada pessoa que invoca o facto tem que provar o facto que
invoca e do qual pretende retirar direitos.
CASO: o autor não conseguiu provar nada, as testemunhas eram um flop, não sabiam nada, umas
percebia-se que estavam a inventar as coisas, enfim, foi uma miséria – o réu, se for esperto, o que é que
faz? Não faz absolutamente nada, fica calado, não faz prova porque a prova pode-lhe correr mal ou o
autor pode, quando está a interrogar as testemunhas do réu fazer com que digam até coisas contrárias
àquilo que o réu quer, então se o réu ficar calado o que é o que o tribunal tem para decidir? Tem as
testemunhas do autor e a prova do autor que não provou nada, então vai ter que decidir contra ele, de
acordo com a distribuição do ónus da prova.
Meios de prova
Antigamente era um meio de prova extremamente valorizado (torturas para obter confissões)
– quando alguém confessava estava o problema resolvido. Hoje em dia, isso não é bem assim: percebe-
se que, sobretudo no crime, há muitos fatores que podem levar a que uma pessoa confesse quando na
verdade não foi ela que praticou o crime. Não é muito vulgar as pessoas reconhecerem um facto que
lhes é desfavorável, portanto, quando isso acontece é natural que a pessoa esteja a dizer a verdade –
As confissões não são admitidas quanto a todos os factos, há factos insuscetíveis de confissão.
A confissão tem certas regras para poder valer como meio de prova, designadamente só vale se for
aceite na totalidade, portanto, se for inequívoca (ex. dívida vencia a 1, mas eu só paguei a 15 e digo isso
em tribunal; a outra parte não pode pegar nisto e dizer que eu confessei que não paguei, porque aquilo
que eu disse foi que realmente não paguei no dia em que a dívida vencia, mas que paguei depois,
portanto, não estou a confessar nada – quanto ao atraso houve confissão, quanto a não ter cumprido a
minha obrigação não). Como a confissão tem que ser aceite na totalidade, se a outra parte se quiser
prevalecer da confissão quanto a juros de mora tem que aceitar também que eu efetivamente paguei
a dívida.
• Prova pericial (388º e seguintes CC): meio de prova que se destina a proporcionar ao tribunal,
através do recurso a especialistas, conhecimentos que o tribunal não tem por definição. O juiz é
um jurista, portanto se for necessário saber a causa da morte de uma pessoa ele não sabe e,
portanto, tem de recorrer a médicos legistas para que eles lhe deem essa informação. Não
obstante, o valor da perícia é aquele que o juiz entender, ou seja, o juiz pode não acreditar no
médico (normalmente isso não se verifica, mas pode acontecer). Não há perícias sobre matérias
jurídicas, o juiz é o perito de Direito e se não sabe tem que estudar.
• Prova por inspeção (390º e seguintes CC): quando se deslocam a determinado local para ver com
os seus próprios olhos. É um meio de prova muito relevante para casos que envolvam direitos reais
(direitos que envolvem certidões de passagem, prédios encravados, etc.) ou acidentes de viação.
• Prova testemunhal (392ºCC): é a prova mais normal. A maior parte da prova é feita, sobretudo, ou
através de documentos ou através de testemunhas. É uma prova difícil porque depende bastante
da subjetividade das testemunhas e dos juízes também porque na apreciação da prova testemunhal
há um grau maior de subjetividade do que nos restantes meios de prova (há pessoas mais
perspicazes, há pessoas que mentem, há pessoas em erro). MRR acha que os juízes são muito
brandos com as testemunhas que mentem – ela acha que se os juízes chamassem o MP a levantar
processos de crime contra estas pessoas elas mentiriam menos.
Há alguns casos, e as prescrições são um deles, em que a prova só pode ser feita de uma
determinada maneira (ou por confissão, ou por documento autenticado, etc.) e há também alguns casos
(muito raros) em que o valor da prova é tabelado, ou seja, em vez da prova ser de apreciação livre pelo
juiz, o juiz, em certos casos, tem que acreditar em certas coisas que estão na prova x ou na prova y.
11-05-2021
Posições do MC vs. Posições da MRR
(Relativamente aos Vícios da Vontade)
Aquilo que está subjacente às posições do MC é uma visão bastante objetivada do NJ, isto é, MC
olha para o NJ sobretudo como um programa contratual e não tanto como uma manifestação de
vontade num sentido um bocadinho mais subjetivo.
A falta de consciência na declaração, a coação física e as declarações não sérias são os vícios
onde há falta de vontade (de declaração, de ação ou negocial). Estes são os casos em que o MC “embirra”
mais porque como tem uma visão mais objetiva do NJ e como objetivamente existe qualquer coisa,
para ele é bastante negativo que privemos aquilo que existe de eficácia jurídica em atenção à pseudo
não existência da vontade. Isto não está dito assim no manual do MC, mas se lermos com atenção os
vários vícios e compararmos as posições dele nesses vários vícios, é essa a conclusão a que se chega, isto
é, a de que a vontade é bastante castigada pela visão que o MC tem relativamente ao NJ.
MC propõe uma interpretação extremamente restritiva do artigo 246ºCC. Aquilo que o MC diz
é que existe uma desarmonia entre o artigo 236ºCC e o 246º e 247ºCC. MC diz que a declaração negocial
deve ser analisada de fora para dentro, isto é, não podemos partir da vontade para os efeitos jurídicos,
mas sim daquilo que existe objetivamente no comportamento negocial da declaração para dentro, ou
seja, para tentar alcançar a partir da declaração aquilo que terá sido a vontade negocial, temos que
olhar para cada declaração negocial como se fossemos um terceiro e não como se fossemos o
declarante. Os critérios que o ordenamento jurídico nos dá, diz MC, para percebermos a declaração
negocial são os do art. 236ºCC (o art. 236º é que nos vai permitir saber se perante um certo
comportamento existe ou não consciência da declaração).
Se a falta de consciência não for notória, a solução, diz o MC, deve ser ou o erro ou a
incapacidade acidental e vamos ao 257ºCC ver se conseguimos anular com esse fundamento. O artigo
246ºCC, diz o MC, rege apenas a falta de consciência notória.
MRR diz que não há dúvida que existe uma desarmonia entre o artigo 246º e 247º CC. Se eu
quero comprar um CC e me engano dizendo que quero um CPC por definição eu, relativamente àquilo
que disse, não tenho consciência. Se há uma declaração que não corresponde à vontade real, por
problemas na exteriorização, quanto àquilo que efetivamente aconteceu, no momento em que
aconteceu, eu não tive consciência e de facto é curioso que as consequências sejam tão distintas porque
se houver um erro na declaração a consequência é a anulabilidade, se houver falta de consciência na
declaração a consequência é a inexistência ou, para o MC, a nulidade, mas o ponto é que mesmo para
o MC é uma consequência completamente diferente.
Aquilo que o MC faz não é harmonizar os dois preceitos, é como que anular um porque ele
praticamente priva a falta de consciência da declaração de âmbito de aplicação, fazendo passar
praticamente todos os casos para o 247ºCC, ou seja, tratando todos os casos como casos de erro na
declaração – MRR acha que isto não é correto.
MRR reconhece que há aqui uma desarmonia, há qualquer coisa que parece que não está bem,
mas acha que a nossa função como juristas é encontrar uma solução que compagine as duas figuras,
porque não há dúvida que ambas existem. É possível que se fossemos nós a criar o Código não tivéssemos
colocado os dois artigos, mas uma vez que eles lá estão, temos que encontrar uma solução que os articule
e não que esvazie um e encha o outro. O exercício que o MC faz de tratar o problema da falta de
consciência da declaração em conjunto com o problema da interpretação da declaração negocial não
está correto porque são duas realidades, dois planos, diferentes. No art. 236ºCC trata-se de interpretar
uma declaração, ou seja, trata-se de dar sentido a determinados comportamentos; no 246ºCC trata-se
de saber se existe uma declaração suscetível de interpretação. Ou seja, a aplicação do 246ºCC é prévia
à aplicação do 236ºCC – antes de interpretar o que quer que seja, tenho que saber se o que quer que seja
existe porque pode não existir e, se não existir, não há nada para interpretar. Isto é muito relevante
porque os critérios do 236ºCC são extremamente diferentes dos critérios do 246ºCC. MC o que faz é
aplicar os critérios da interpretação não só à interpretação como também à questão que consiste em
saber se existe uma declaração negocial e esses critérios não vêm no 236ºCC porque o 236ºCC só nos
Não há dúvida de que há alguma desarmonia, alguma inconsistência, entre os artigos 246º e
247º CC, no entanto, a fronteira entre estes dois artigos é clara:
× No artigo 246ºCC não há vontade de declaração nem daquilo que se disse nem daquilo que não
se disse, simplesmente não há.
× No artigo 247ºCC há vontade de declaração, o que acontece é que essa vontade foi mal
exteriorizada. Portanto, eu queria declarar uma coisa, eu abri a boca porque quis e queria proferir
a declaração negocial, mas fui trapalhona, enganei-me, não sei falar bem, não domino esta língua,
mas existe uma vontade de produzir efeitos jurídicos – no 246ºCC não há nada disso, nem vontade
de produzir efeitos, nem vontade de declarar.
NOTA: podemos até achar um absurdo que para dois vícios tão parecidos a consequência ser tão
diferente, mas é o que há, não temos que concordar com todas as leis, mas não é por isso que essas leis
deixam de existir.
Há um aspeto, no entanto, para o qual o MC chama a atenção e tem toda a razão e nunca é
demais salientar isso: a falta de consciência na declaração não pode ser, e não é, uma coisa íntima, tem
que ser suscetível de prova. Nós estamos sempre a falar de realidades jurídicas, portanto, para que
alguém veja uma declaração declarada inexistente com fundamento no 246ºCC, essa pessoa tem que
provar que não tinha consciência na declaração: não basta que ela diga, porque ela pode dizer e o juiz
não acreditar nela, portanto, tem que haver circunstâncias objetivas que lhe permitam demonstrar que
não existiu vontade de declaração – quando não é possível provar, é a palavra dela contra o mundo inteiro
e de facto MRR reconhece que se objetivamente tudo apontar para uma declaração há de ser muito
difícil provar que havia falta de consciência na declaração, mas isso é um problema de prova e esta
dificuldade de prova não nos deve levar a objetivar todo o instituto.
Mais uma vez, MC parte de fora para dentro e mais uma vez aplica o 236ºCC para saber se
estamos perante uma declaração não séria ou não. Na posição do MC o 245ºCC só se aplicaria àquelas
declarações cuja motivação não séria o declaratário tivesse captado, portanto, se o declaratário não
captou a declaração não séria então vale, à luz do 236ºCC aquilo que objetivamente foi dito.
MRR discorda. Mais uma vez, o MC aplicou o 236ºCC a uma realidade para a qual esse artigo
não serve – o 236ºCC destina-se a apurar sentidos de declarações e não dizer-nos se estamos ou não
perante uma declaração. O 245ºCC é um artigo prévio ao 236ºCC e, portanto, para sabermos se aquele
comportamento vale como declaração, primeiro aplicamos o 245ºCC e só depois de passar o crivo do
245ºCC é que vamos interpretar para saber quais são os efeitos jurídicos que decorrem daquele
comportamento. É claro que temos sempre que interpretar num sentido amplo, temos sempre que
saber o que temos diante de nós e, portanto, nessa medida, temos sempre que interpretar o que ali
está, mas quando interpretamos neste sentido amplo não estamos a aplicar o 236ºCC, estamos apenas
a identificar o que ali está. Ex. sou polícia e vou na rua e vejo dois indivíduos a dar uma bofetada noutros
2, num caso é uma agressão e noutro é um miúdo que foi malcriado e o pai dá-lhe a bofetada – são dois
casos juridicamente diferentes e o polícia tem que perceber o que se está a passar em cada um deles e se
deve intervir ou não, não aplica o 236ºCC. “Ah mas tem que interpretar” - claro que sim, mas é uma
interpretação diferente. A interpretação do 236ºCC é uma interpretação de uma declaração negocial, é
uma interpretação cujo objetivo é apurar o sentido dos efeitos jurídicos que se vão produzir, em
atenção à vontade das partes. A interpretação que temos que fazer à luz do 245ºCC é uma interpretação
diferente, é uma interpretação que não é da declaração negocial, servindo para percebermos que facto
é aquele e, portanto, quais são as normas cuja aplicação é suscitada por aqueles factos. Portanto, ao
fim ao cabo, o que estamos a fazer é o encaixe dos factos nas previsões das normas para saber quais são
as estatuições e, mais uma vez, isso não é interpretar à luz do 236ºCC.
No manual o prof. traça a fronteira entre as declarações não sérias e os outros casos, no
entanto não apresenta um único exemplo. MRR já fez várias vezes a tentativa de arranjar exemplos à
luz da doutrina do MC e não consegue, provavelmente porque não há. Isto é, em tese, MC até consegue
fazer uma distinção entre aquilo que seria uma declaração não séria captável e não captável, mas depois
quando se começa a tentar encontrar exemplos, não se consegue.
Mais uma vez aqui também se deve salientar a necessidade de prova – quando alguém se quer
prevalecer do 245ºCC é preciso que demonstre que estamos perante uma declaração não séria e isso
pode ser bastante difícil, mas novamente isso é um problema de prova, o que é diferente da interpretação
à luz do 236ºCC.
Declaração séria que é tomada como não séria e é aceite por brincadeira: aqui a declaração
não séria é aceitação não é a proposta. Aqui o MC aplica o 245ºCC. Não é muito fácil resolver isto em
abstrato, mas aqui podíamos estar perante um caso um bocadinho diferente de uma declaração não séria
porque aquele que aceitou por brincadeira tinha que demonstrar que a sua declaração era uma
declaração não séria e, atendendo a que ele também pensava que o outro estava a brincar podemos
estar perante um problema de erro e não um problema de declarações não sérias.
• Reserva mental
O art. 244º/2 CC o legislador remete para os efeitos da simulação quanto à reserva mental que
tenha sido conhecida do declaratário.
× MC diz que para aplicarmos esta remissão é necessário que se verifiquem os requisitos
da simulação, nomeadamente o acordo simulatório.
× MRR acha que isso não está correto. Quando aplicamos o 244ºCC estamos perante um
caso de reserva mental conhecida. A reserva mental consiste numa declaração diferente
da vontade real com o intuito de enganar o declaratário. Ora bem, se houver acordo
simulatório, não há intuito de enganar o declaratário porque eu já combinei com ele que
lhe vou dizer algo diferente da minha vontade real e, portanto, ele já não será enganado
– não posso enganar uma pessoa se antes a tiver avisado que vou dizer x para a enganar.
Além disso, o outro requisito da simulação é o intuito de enganar terceiros, enquanto
aqui temos o intuito de enganar o declaratário. Assim, não é possível aplicar os requisitos
da simulação à reserva mental conhecida, se não, não temos uma reserva mental, temos
uma simulação. Aliás, aquilo que a lei manda fazer é aplicar os efeitos da simulação e não
os requisitos, esses estão no 244º/2 CC.
També aqui MC sugere que se aplique o 236º/2 CC e mais uma vez isso acabaria com a reserva
mental – o 236º/2 é um artigo para interpretar e a simulação não é um problema de interpretação, é
um problema de declaração diferente da vontade real. “Ah, mas se eu conheço a vontade real é de
acordo com a vontade real que vale a declaração” - Não, é que aqui a declaração e a vontade real têm
sentidos diferentes. No 236º/2 CC o que se trata é de interpretar a declaração à luz da vontade real
quando a vontade real está na origem daquela declaração. Na reserva mental temos um vício, é como
se tivéssemos uma vontade real da declaração e uma vontade real da reserva mental (ex. eu quero
impressionar o MC e sei que ele vai estar na livraria na segunda feira às 9 da manhã e então eu decido lá
ir nesse mesmo dia a essa mesma hora comprar os códigos anotados dele, apesar de não os querer, só
para o impressionar. Telefono para a senhora da livraria e conto-lhe que lá vou nesse dia para ela já ter
os livros preparados porque tenho aulas logo a seguir. Quando lá chego está lá também o MTS e eu
baralho-me e digo que quero o Código do Processo Anotado. Ora, eu não quero nem o Código do Processo
Anotado, nem o Código Anotado. Eu estou a proferir uma declaração diferente da minha vontade com
um objetivo de impressionar o MC, mas quando lá cheguei enganei-me e disse uma coisa que a senhora
da livraria sabia que não era o que eu queria porque eu já lhe tinha telefonado – a senhora da livraria
conhecia a minha vontade real e, portanto, entrega-me logo aquilo que eu realmente queria (aplicação
do 236º/2 CC). Contudo, a vontade real para efeitos do 244ºCC ainda não é aquela porque na reserva
• Erro obstáculo
MC: “Há um dever de boa fé de fazer corresponder a declaração àquilo que se pretende”.
MRR pensa que isto não é um dever, é um ónus. O declarante pode não se expressar bem e, se assim
for, o problema é dele porque a declaração vai valer com o sentido do 236ºCC e ele quanto muito pode
anular à luz do 247ºCC, preenchidos os requisitos do erro.
Quando MC e outros autores que fazem isto tentam afirmar que existe um dever de boa fé de
fazer corresponder a declaração àquilo que se pretende, normalmente estão a pensar em facilitar a
aplicação da culpa in contrahendo porque, por vezes, a anulação dos negócios por erro causa prejuízos
ao declaratário. Há ordenamentos em que a lei permite as anulações por erro, mas impõe ao declarante
o dever de indemnizar como acontece no art. 81º das limitações aos direitos de personalidade.
Se for um ónus a tarefa não é tao fácil, se conseguir conseguiu, se não conseguir não conseguiu.
MRR pensa que não há base legal para dizer que é um dever, pelo contrário, tal como o nosso regime
quer da formação do negócio quer do erro está configurado, a competência declarativa dos declarantes
é uma mais valia, mas se não houver sofre as consequências. “Ah, mas às vezes os outros também
sofrem” - epá, pois é, mas é assim a vida. Em situações muito chocantes é óbvio que pode haver lugar a
culpa in contrahendo, mas MRR não vê isso como muito fácil.
No 247ºCC o legislador nem sequer exigiu a desculpabilidade como requisito do erro, o que faz
com que, pensa a MRR, quando o erro é desculpável, seja muito difícil ser anulado o negócio porque,
em princípio, não é exigível ao declaratário que conheça a essencialidade do erro porque se o erro é
desculpável a pessoa vai pensar que o indivíduo simplesmente não está em erro, está a fazer o negócio
por outro motivo qualquer. Não vai, então, haver dano nem lugar a indemnização, mas também não vai
ser possível anular o negócio. MRR reconhece, porém, que teria sido melhor o legislador consagrar aqui
algum mecanismo facilitador da indemnização no caso de anulação por erro.
• Erro vício
MC propõe que se aplique o regime do erro vício aos unilaterais também e diz que o 247ºCC deve ser
aplicado com adaptações.
MRR não concorda. As adaptações que seriam necessárias no 247ºCC para que esse artigo pudesse ser
aplicado a negócios unilaterais seriam absolutamente excessivas, isto é, teríamos de construir um artigo
novo. No 251ºCC temos a previsão da existência do erro e a lei diz que esse tipo de declarações serão
anuláveis se o declaratário não devesse ignorar a essencialidade do elemento sobre que incide o erro
para o declarante. O que estamos a aplicar no 247ºCC é a necessidade da essencialidade e o
conhecimento ou cognoscibilidade da essencialidade pelo declaratário. Se formos fazer adaptações, a
única coisa que aproveitamos é a essencialidade. Era como se nos negócios unilaterais, havendo erro,
o negócio fosse anulado e ponto final. MC diria que fazíamos adaptações, mas quais adaptações se o
247ºCC não é aplicável a negócios unilaterais? Teríamos que fazer um art. novo porque os critérios do
247ºCC implicam a existência de um declaratário, tal como o 236ºCC.
Quando um artigo não funciona e é necessário, o que temos que fazer é verificar se há algum
artigo parecido cujas razões de regulamentação sejam idênticas às do caso omisso e aplicamos esse art.
por analogia. Só se faltar esse art. é que podemos construir uma noma de acordo com o espírito do
• Simulação
MC exige, para que o negócio simulado seja nulo, que o intuito de enganar tenha tido impacto nos
terceiros que se pretenderam enganar.
MRR pensa que não é assim e diz não haver qualquer base legal para fazermos uma exigência destas.
MC apoia-se na jurisprudência porque, diz a MRR, “infelizmente há acórdãos para tudo”. Mas, continua
ela, o facto de termos algumas decisões jurisprudenciais em que se exige que o engano tenha tido
consequências não faz com que isso passe a ser um requisito da simulação. O engano em si, mesmo que
não tenha consequências, é extremamente negativo – é negativo as pessoas celebrarem negócios,
declarando coisas diferentes daquelas que querem com o objetivo de enganar terceiros, mesmo que não
consigam enganá-los ou mesmo que esse engano não tenha o tal impacto negativo de que fala o MC. Do
ponto de vista da paz social, do ponto de vista das instituições isto é extremamente negativo. É também
este caráter extremamente perturbador da convivência social da simulação que explica o pendor negativo MRR diz que
do regime jurídico associado à simulação, por exemplo, a impossibilidade da prova por testemunhas. esta questão
Quebra a confiança da comunidade naquelas pessoas e das pessoas umas nas outras. da
legitimidade
Pode acontecer que os tais terceiros enganados, mas que não sofreram qualquer consequência pode de facto
negativa da simulação não tenham legitimidade para invocar a nulidade da simulação? – isso sim porque acontecer,
têm legitimidade os interessados, mas se eles não sofreram qualquer impacto então, se calhar, não são mas não
interessados porque não têm nenhuma situação jurídica cuja viabilidade dependa do negócio simulado. implica que
não haja um
negócio
MC chama a atenção para uma circunstância que é correta e que de facto MRR não falou sobre ela antes simulado na
por achar que podia confundir, mas está muito bem visto: a celebração de um contrato celebrado com o mesma
propósito de contornar a lei, isto é, de enganar o Estado enquanto entidade governativa ou legislativa
não preenche os requisitos necessários para ser uma simulação e isto é correto. Quanto muito, para
quem admitisse, com o objetivo de contornar a lei estaríamos perante um caso de fraude à lei ou reserva
mental, mas violar a lei, contornar a lei, enganar o Estado, no sentido em que por ex. quero celebrar um
negócio que não é permitido sem chamar a atenção, não é uma simulação porque estamos a falar do
Estado enquanto legislador e não dos interesses do estado. Enganar o Estado, enquanto autoridade
tributária, isso já é relevante para efeitos de simulação porque lesa interesses do Estado enquanto
pessoa jurídica.
Um dos problemas principais da construção do MC em matéria de simulação tem que ver com aquilo
que MC chama de simulação objetiva parcial ou simulação imprópria. Diz MC que há casos em que o
negócio simulado e o negócio dissimulado são idênticos, mudando apenas um aspeto desse negócio e
o exemplo que dá é o da simulação de valor (digo que vendo por 20 e vendo por 40 ou ao contrário). MC
diz que aqui não haveria simulação porque as partes celebram apenas um negócio, uma compra e
venda.
MRR diz que isso não é assim. A forma, não é um enfeite que se põe e tira, a forma é a exteriorização da
declaração, portanto, a declaração consubstancia-se na forma. Nos negócios formais eu não tenho um
negócio e depois já agora também uma forma – o negócio implica a forma porque a forma é a
exteriorização da declaração. Assim, se na escritura dizem que vendem por 10, mas venderam por 20 são
dois negócios diferentes. Há consequências muito diferentes de vender por 10 ou vender por 20,
Qual é a solução que o MC apresenta para a simulação de valor? É a da correção do valor. Como se isto
fosse fácil, lol – se eu quiser corrigir vou ter que ir às finanças outra vez, vou ter que pagar o valor adicional
do IMT, o notário provavelmente vai ter que retificar a escritura, etc. De há uns anos para cá passou a ser
obrigatório as partes dizerem o número do cheque com que pagaram o preço ou então as duas contas
bancárias de onde saiu e para onde entrou o dinheiro – isto é mais uma razão para que não se pense que
é indiferente pagar 10 ou pagar 20 porque demonstra que o legislador está preocupado em saber como
é que pagou.
Quanto à invocação de acórdãos MRR volta a dizer que é uma infelicidade termos acórdãos para tudo e
mais alguma coisa, significando que o STJ não anda a fazer o seu trabalho de uniformização da
jurisprudência e que, se calhar, os juízes não são assim tao rigorosos porque se fossem não havia assim
tanta originalidade.
Quando o MC diz que na simulação objetiva parcial (simulação de valor) estamos perante o mesmo
negócio e só muda um pequeno aspeto, se isso fosse assim praticamente não tínhamos simulações
porque podemos dizer relativamente a qualquer negócio que estamos perante o mesmo negócio e só
muda um pequeno aspeto (ex. vontade declarada – venda; vontade simulada – doação -> são as mesmas
partes, é o mesmo objeto, só muda um pormenor: em vez de ser compra e venda é doação). Se fosse
assim passávamos a ter apenas casos de simulação subjetiva e mesmo aí se calhar também o MC diria
“não, não, aí também só muda um pequeno aspeto, o sujeito”
Quando olhamos para o 241ºCC aquilo que devemos retirar em primeiro lugar não é que o
negócio dissimulado, em princípio, é válido – isto é uma afirmação errada e bastante infeliz. O que
devemos retirar do artigo 241ºCC é que o negócio dissimulado não é afetado pela nulidade do negócio
simulado, portanto, o negócio dissimulado é analisado como se tivesse sido celebrado sem dissimulação
– olhamos para esse negócio sem qualquer preconceito, como se não houvesse simulação.
Neste aspeto, o MC entende que a doação dissimulada de compra e venda é válida porque
existe uma escritura. Estamos aqui perante o mesmo raciocínio de há pouco: tratar a forma, neste caso
a escritura, como um adereço e isso não é assim – MRR defende que esta doação dissimulada de compra
e venda é impossível de salvar porque os elementos essenciais do negócio estão fora da escritura. E
mais, na escritura estão elementos que não pertencem àquele negócio e que são até contrários a ele,
ou seja, que dão ao negócio um caráter oneroso quando o negócio é gratuito. A doação e a compra e
venda têm elementos essenciais diferentes um do outro, têm uma tributação diferente, há ilegitimidades
que ocorrem na doação e não ocorrem na compra e venda e vice-versa. O caráter de doação ou de
compra e venda é sujeito a registo porque tem um regime completamente diferente, designadamente
para efeitos de proteção dos credores e dos herdeiros (art. 291ºCC é utilizado para proteger terceiros
de boa fé e dá uma relevância central ao caráter oneroso dos negócios). Se o negócio não tiver uma
forma pública e se a forma tiver sido observada claro que é possível salvar a doação, mas se falarmos
da doação de um imóvel simulada com uma compra e venda esqueçam lá isso!
MC diz que o art. 243º/1 CC sobre a invocação da nulidade da simulação deve ser alargado a mais
pessoas além dos simuladores.
Outra solução possível é o abuso de direito. Portanto, estes indivíduos que não são os
simuladores, mas que estão de má fé e que de alguma forma sabiam daquilo tudo, podem ser impedidos
de invocar a nulidade por isso constituir um abuso de direito. No entanto, é muito difícil o abuso de
direito funcionar aqui porque a nulidade é de conhecimento oficioso (se bem que esta da simulação tem
particularidades), é um vício de ordem pública, portanto, é difícil, mas MRR admite que haja casos tão
chocantes em que se possa dizer “Está bem, não és simulador, mas invocares a nulidade nestas
circunstâncias é algo que claramente é contrário aos princípios fundamentais do sistema jurídico,
designadamente ao princípio da tutela da confiança ou da primazia da materialidade subjacente”.