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DIREITO CIVIL: TEORIA

GERAL DO DIREITO
PRIVADO
Prof. Dr. Caio Morau
TEORIA GERAL DO FATO JURÍDICO
1) Breve introdução
• O que seria um fato jurídico?
• Por fato, desacompanhado de qualquer adjetivação, entende-se
um evento, acontecimento, uma realidade que se manifesta.
• Contudo, não são todos os fatos que interessam ao Direito. Aliás,
a maioria deles passa ao largo das normas jurídicas, ou seja, é
irrelevante para o Direito
• O que verdadeiramente interessa ao Direito são os fatos chamados
de jurídicos, precisamente porque encontram previsão nas normas
jurídicas, que lhes atribuem determinadas consequências
• Por esse motivo, Miguel Reale se referia a eles como fatos
juridicamente qualificados. Renan Lotufo tratava os fatos
jurídicos como todo e qualquer fato, de ordem física ou social,
inserido em uma estrutura normativa, correspondendo ao modelo
de organização ou comportamento configurado por uma ou mais
normas jurídicas.
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• Caio Mário da Silva Pereira: “a chuva que cai é um fato que ocorre
e continua a ocorrer, dentro da normal indiferença da vida jurídica,
o que não quer dizer que, algumas vezes, este mesmo fato não
repercuta no campo do direito, para estabelecer ou alterar situações
jurídicas”
• A chuva, se cai normalmente e não produz nenhum efeito no
mundo das coisas, é tratada como mero fato, ou seja, um simples
acontecimento
• Contudo, se a chuva destrói o telhado de um depósito de material
de construção, atingindo sacos de cimento que seriam entregues no
dia seguinte para o comprador, passa-se a ter um fato juridicamente
qualificado, ou seja, um fato jurídico
• Além dos eventos naturais, diz Caio Mário que outros fatos se dão
com relação às ações do homem. Segundo ele, “o indivíduo veste-
se, alimenta-se, sai de casa, e a vida jurídica se mostra alheia a
estas ações, a não ser quando a locomoção, a alimentação, o
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TEORIA GERAL DO FATO JURÍDICO
• Os fatos jurídicos em sentido amplo podem ser divididos em
fatos jurídicos em sentido estrito, atos-fatos jurídicos e atos
jurídicos em sentido amplo
• Os fatos jurídicos em sentido estrito, também chamados de
fatos naturais, são os que acontecem independentemente da
atuação humana e são divididos em ordinários (ex: nascimento,
morte, decurso do tempo) e extraordinários (terremoto,
tempestade)
• Os atos-fatos jurídicos, por sua vez, deixam em relevo a
consequência do ato sem levar em consideração a vontade de
praticá-lo. Ex: a compra de um doce por um criança ou a
descoberta de um tesouro. Nesses casos, o elemento da
vontade fica em segundo plano, importando a consequência,
ou seja, o fato de que adquiriram a propriedade do doce e do
tesouro
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• Já os atos jurídicos em sentido amplo são, basicamente, as
ações humanas que criam, modificam, transferem ou
extinguem direitos
• Nesse caso, ao contrário dos atos-fatos jurídicos, existe uma
manifestação consciente da vontade para alcançar um resultado
juridicamente previsto
• Os atos jurídicos em sentido amplo podem ser divididos em ato
jurídico em sentido estrito e em negócio jurídico
• No ato jurídico em sentido estrito, o efeito da manifestação de
vontade já está previamente fixado pela lei, como acontece no
caso de reconhecimento de um filho, em que já são pré-
determinados alguns efeitos, como o dever de prestar
alimentos
• Finalmente, chegamos ao negócio jurídico, o tópico mais
relevante na teoria do fato jurídico
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2) Negócio jurídico
• Segundo Miguel Reale, negócio jurídico “é aquela espécie de
ato jurídico que, além de se originar de um ato de vontade,
implica em declaração expressa da vontade, instauradora de uma
relação entre dois ou mais sujeitos tendo em vista um objeto
protegido pelo ordenamento jurídico”
• A diferença com relação aos atos jurídicos, segundo Renan
Lotufo, é no sentido de que “enquanto nos atos jurídicos temos
uma ação e uma vontade simples, nos negócios jurídicos temos
uma ação e uma vontade qualificada, que é produzir um efeito
jurídico determinado, vontade caracterizada por sua finalidade
específica, que é a constituição, modificação e extinção de
direitos”
• Francisco Amaral, ao condensar o conceito de negócio jurídico,
afirma que tem como elementos, em sua essência, a vontade e a
autonomia privada
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• A teoria do negócio jurídico, apesar de ter nascido no século
XVIII, deve o seu desenvolvimento a Savigny e foi
incorporada enquanto figura autônoma no BGB, o Código
Civil Alemão
• O Brasil, no Código de 1916, preferiu adotar a doutrina
unitária francesa, que não o distinguia do ato jurídico,
passando a acolher a posição dualista (atos e negócios)
somente no Código Civil de 2002
• Como já ressaltado na definição de Renan Lotufo, o negócio
jurídico apresenta finalidade negocial, na medida em que
objetiva a aquisição, conservação, modificação ou extinção de
direitos
• Negócio jurídico não significa um único ato, mas um conjunto
de atividades (nec + otium, ou seja, a negação do ócio, uma
atividade)
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• Importante notar que o negócio jurídico não está restrito ao
aspecto patrimonial, mas pode se manifestar também na seara
extrapatrimonial
• O fato é que antes da adoção formal do negócio jurídico pelo
Código Civil de 2002, a clássica teoria do negócio jurídico
vinha sofrendo grandes transformações ao longo do século XX
• A ideia da vontade, ainda que continuasse a ser a essência de
todo negócio jurídico, acabou por perder, gradativamente, o
seu caráter absoluto, na medida em que passou a ser
condicionada por normas de ordem pública
• Em outras palavras, o Direito contemporâneo reconheceu que
os agentes emissores da vontade não podiam ser considerados
sempre partes iguais em uma dada relação jurídica, sob pena
de se coroarem situações de inegável injustiça
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• Nesse contexto, a igualdade formal passou a dar lugar a
igualdade material e à proteção da dignidade da pessoa
humana, de modo que se modificou a interpretação do negócio
jurídico, sobretudo com relação à sua principal espécie, que é o
contrato
3) Planos do negócio jurídico
A) Existência
• A tripartição dos planos do negócio jurídico em existência,
validade e eficácia teve como precursor Pontes de Miranda e
como um de seus mais importantes estudiosos o Professor
Antonio Junqueira de Azevedo
• O Professor Moreira Alves, ao elaborar a parte correspondente
no Código Civil, optou por adotar a teoria bipartida, ou seja,
prescindindo da existência, que deveria ser presumida, já que
quando se legisla, passa-se a estar no campo da validade
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• Costuma-se utilizar para a verificação dos planos que
estudaremos a seguir o chamado método da exclusão, por meio
do qual afere-se, progressivamente, se o negócio é existente,
depois se é válido e, por fim, se é eficaz
• O plano da existência é o dos elementos, ou seja, tudo o que
integra a essência de uma coisa, sua composição. Neste plano
específico, não se pergunta pela validade ou eficácia de um
negócio jurídico, bastando apenas a realidade da existência
• Não é unânime entre os doutrinadores, já que o Código Civil
não dispõe expressamente a respeito, quais são exatamente os
elementos do negócio jurídico que se situam no plano da
existência
• Para Carlos Roberto Gonçalves, os elementos são os seguintes:
declaração de vontade, finalidade negocial e idoneidade do
objeto
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• A declaração de vontade figura como elemento de existência
porque não pode haver negócio jurídico se a vontade não for
exteriorizada. É precisamente a declaração, segundo Caio Mário,
que torna a vontade conhecida
• A manifestação da vontade, como é sabido, pode ser expressa
(se dá de modo explícito, permitindo o conhecimento imediato
da vontade), tácita (deduzida pelo comportamento do agente) ou
presumida (não se dá de forma expressa, mas a lei considera
presente por meio de alguns comportamentos do agente).
• Ainda a respeito de declaração de vontade, que é um dos
elementos que confere existência ao negócio jurídico, deve-se
tratar ainda de dois aspecto importantes: o silêncio e a reserva
mental
• Para que haja uma declaração de vontade, via de regra, será
necessário alguma manifestação, comportamento ativo do
agente ou então uma presunção em virtude de lei.
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• Diante desse necessário, dificultoso concluir que o silêncio terá
alguma relevância para efeitos de declaração de vontade. Ledo
engano. A título de exemplo, confira-se o teor do art. 111 do nosso
Código Civil, que dispõe que "o silêncio importa anuência quando as
circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a
declaração de vontade expressa“
• Ou seja, o silêncio pode sim ser interpretado como manifestação de
vontade, quando a lei lhe atribui esse efeito, conferindo, portanto,
existência ao negócio jurídico
• Com relação à reserva mental, trata-se de situação juridicamente
prevista em que um dos declarantes oculta a sua intenção, não
desejando, em seu íntimo, um efeito que declara querer. Nesse caso,
se a outra parte desconhecia a reserva mental, isto é, se não sabia dos
desígnios íntimos do outro agente que se contradizem com sua
declaração de vontade, não há repercussão jurídica alguma

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