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Publicado em NOVA ESCOLA Edição 1022, 06 de Agosto | 2015

Idealismo | Reportagens

Johann Friedrich Herbart


O organizador da pedagogia como ciência
NOVA ESCOLA

Com o filósofo alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841) (leia mais no


quadro abaixo), a pedagogia foi formulada pela primeira vez como uma
ciência, sobriamente organizada, abrangente e sistemática, com fins claros e
meios definidos. A estrutura teórica construída por Herbart se baseia numa
filosofia do funcionamento da mente, o que a torna duplamente pioneira:
não só por seu caráter científico mas também por adotar a psicologia
aplicada como eixo central da Educação. Desde então, e até os dias de hoje, o
pensamento pedagógico se vincula fortemente às teorias de aprendizagem e
à psicologia do desenvolvimento - um exemplo é a obra de Jean Piaget (1896-
1980).

Para Herbart, a mente funciona com base em representações - que podem


ser imagens, ideias ou qualquer outro tipo de manifestação psíquica isolada.
O filósofo negava a existência de faculdades inatas. A dinâmica da mente
estaria nas relações entre essas representações, que nem sempre são
conscientes. Elas podem se combinar e produzir resultados manifestos ou
entrar em conflito entre si e permanecer, em forma latente, numa espécie de
domínio do inconsciente. A descrição desse processo viria, muitos anos
depois, a influenciar a teoria psicanalítica de Sigmund Freud (1856-1939).

Uma das contribuições mais duradouras de Herbart para a Educação é o


princípio de que a doutrina pedagógica, para ser realmente científica, precisa
comprovar-se experimentalmente - uma ideia do filósofo Immanuel Kant
(1724-1804) que ele desenvolveu. Surgiram daí as escolas de aplicação, que
conhecemos até hoje. Elas respondem à necessidade de alimentar a teoria
com a prática e vice-versa, num processo de atualização e aperfeiçoamento
constantes. Herbart fez um trabalho de grande influência porque aprofundou
suas concepções até as últimas consequências, diz Maria Nazaré Amaral,
professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Gênios em profusão na Alemanha


Herbart viveu numa época em que a Alemanha produziu, década após
década, alguns dos mais importantes intelectuais da história da humanidade.
Alguns deles redefiniram seus campos de atuação, como Johann Wolfgang
von Goethe (1749-1832) na literatura e Kant na filosofia. Curiosamente, o país
naquele período era constituído por dezenas de minúsculos principados,
virtualmente independentes, mas subservientes aos grandes centros de
poder, como Paris e Londres. No entanto, uma cultura sólida se desenvolvia
nas universidades alemãs. A influência protestante e a tendência dos
governantes alemães de se cercarem de funcionários cultos também
ajudaram a criar um contexto em que os intelectuais costumavam ser
chamados a contribuir para o bem comum, mesmo que o sistema político
estivesse longe de ser democrático. Nas universidades, os professores de
filosofia tinham de ocupar também cátedras de pedagogia. Várias gerações
de intelectuais - agrupados sob as correntes idealista, romântica e realista -
deixaram, assim, contribuições fundamentais para a Educação.

Moral como objetivo


Na teoria herbartiana, memória, sentimentos e desejos são apenas
modificações das representações mentais. Agir sobre elas, portanto, significa
influenciar em todas as esferas da vida de uma pessoa. Desse modo, Herbart
criou uma teoria da Educação que pretende interferir diretamente nos
processos mentais do estudante como meio de orientar sua formação.

Embora profundamente intelectualista, a pedagogia herbartiana tem como


objetivo maior nem tanto o acúmulo de informações, mas a formação moral
do estudante. Por considerar a criança um ser moldado intelectual e
psiquicamente por forças externas, Herbart dá ênfase primordial ao conceito
de instrução. Ela é o instrumento pelo qual se alcançam os objetivos da
Educação. Para Herbart, só o ignorante comete erros, diz a pedagoga Maria
Nazaré.

A instrução é o elemento central dos três procedimentos que, para Herbart,


constituem a ação pedagógica. O primeiro é o que chamou de governo, ou
seja, a manutenção da ordem pelo controle do comportamento da criança,
uma atribuição inicialmente dos pais e depois dos professores. Trata-se de
um conjunto de regras imposto de fora, como objetivo de manter a criança
ocupada. O segundo procedimento é a instrução educativa propriamente
dita e seu motor é o interesse, que deve ser múltiplo, variado e
harmonicamente repartido. O terceiro é a disciplina, que tem a função de
preservar a vontade no caminho da virtude. Nessa etapa se fortalece a
autodeterminação como pré-requisito da formação do caráter. Ao contrário
do governo, consiste em um processo interno do aluno.

Muitas das contribuições de Herbart (leia mais no quadro abaixo) para a


psicologia e a pedagogia continuam valiosas, mas seu pensamento e a prática
que dele se originou no século 19 se tornaram ultrapassados, sobretudo com
o aparecimento do movimento da escola ativa. Seu principal representante, o
norte-americano John Dewey (1859-1952), fez duras críticas à doutrina
herbartiana. A pedagogia contemporânea tornou o aluno sujeito do ensino e
substituiu o individualismo do século 18 por uma visão mais complexa dos
fatores envolvidos no trabalho de ensinar. Hoje, admite-se no plano teórico
que a mente humana é originalmente ativa, enquanto na prática, no Brasil,
ainda se costuma despejar conhecimento sobre o aluno, como queria
Herbart, critica Maria Nazaré.

Um padrão escolar para o século 19

A obra pedagógica de Herbart teve enorme influência em todo o mundo


ocidental (e também no Japão) na segunda metade do século 19. Por se
basear no princípio de que a mente humana apenas apreende novos
conhecimentos e só participa do aprendizado passivamente, o
herbartianismo resultou num ensino que hoje qualificamos de tradicional. As
escolas herbartianas transmitiam um ensino totalmente receptivo, sem
diálogo entre professor e aluno e com aulas que obedeciam a esquemas
rígidos e preestabelecidos, diz a educadora Maria Nazaré. Herbart previa
cinco etapas para o ato de ensinar.
A primeira, preparação, é o processo de relacionar o novo conteúdo a
conhecimentos ou lembranças que o aluno já possua, para que ele adquira
interesse na matéria. Em seguida vem a apresentação
ou demonstração do conteúdo. A terceira fase é a associação, na qual a
assimilação do assunto se completa por meio de comparações minuciosas
com conteúdos prévios. A generalização, quarto passo do processo, parte do
conteúdo recém-aprendido para a formulação de regras globais e é
especialmente importante para desenvolver a mente além da percepção
imediata. A quinta etapa é a da aplicação, que tem como objetivo mostrar
utilidade para o que se aprendeu.

Biografia

Johann Friedrich Herbart nasceu em Oldenburg, na Alemanha, em 1776 e


conheceu alguns dos mais importantes intelectuais de seu tempo. Aos 18
anos, já era aluno do filósofo Johann Fichte (1762-1814) na Universidade de
Iena. Logo em seguida, trabalhou durante quatro anos como professor
particular em Interlaken, na Suíça, período em que ficou amigo do educador
Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827). Tornou-se professor na Universidade
de Göttingen em 1802. Seis anos depois, assumiu a cátedra deixada vaga por
Immanuel Kant em Königsberg, onde lecionou até 1833, quando reassumiu o
posto de professor de filosofia em Göttingen. Em Königsberg, fundou um
seminário pedagógico com uma escola de aplicação e um internato. Os
estudos mais importantes de Herbart foram no campo da filosofia da mente,
à qual subordinou suas obras pedagógicas (entre elas, Pedagogia Geral e
Esboço de um Curso de Pedagogia). A influência de sua teoria se estendeu a
uma legião de pensadores, dando origem a várias interpretações, até entrar
em declínio no início do século 20.

Para pensar

John Dewey criticou a teoria herbartiana dizendo que ela previa um mestre
todo-poderoso, encarregado de manipular os processos mentais do aluno
por meio da instrução. Para Dewey e a maioria dos pedagogos do século 20, o
pensamento de Herbart subestima e até ignora a ação do próprio aluno e sua
capacidade de autoeducar-se. Mas não se pode negar que Herbart foi um dos
pensadores que mais se interessaram pela psicologia do educando e o modo
como ela influi em seu aprendizado. Você considera satisfatório seu
conhecimento dos processos psíquicos das crianças em geral e de seus
alunos em particular? Se acha que sim, de que modo pode utilizá-lo para
aprimorar suas aulas?

Para saber +

História da Educação e da Pedagogia, Lorenzo Luzuriaga, 312 págs., Cia. Ed.


Nacional, tel. (11) 2799-7799 (edição esgotada)

História Geral da Pedagogia, Francisco Larroyo, 501 págs., Ed. Mestre Jou
(edição esgotada)

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