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A Cabra 196
A Cabra 196
EDIÇÃOESPECIAL
ABRIL
17 de Abril de 2009
a cabra
Ano XVIII
N.º 196
Quinzenal gratuito
Quando os estudantes
pediram a palavra
D.R.
2 | a cabra | 17 de Abril de 2009 | Sexta-feira
17 1969
ABRIL
Também fora do
edifício a contestação
se fez sentir
17 DE ABRIL DE1969
já vários alunos empunham os car-
tazes pintados na noite anterior.
Por pouco, José Hermano Saraiva
e Américo Thomaz falham a che-
gada do grupo de alunos liderados
por Carlos Baptista e Osvaldo Cas-
tro.
Pouco falta para as 11 horas.
A “VERDADEIRA INAUGURAÇÃO”
Dentro da sala, Alberto Martins já
se encontra sentado, enquanto as
figuras do regime vão ocupando os
lugares da frente. Cá fora, está um
daqueles dias de Abril, com sol mas
com vento frio. Celso Cruzeiro ne-
goceia com um polícia a entrada
dos estudantes, mas depressa os Nesta madrugada de Abril, Coimbra ainda está longe de imaginar as
alunos enveredam pela porta do
edifício.
proporções que um pedido de palavra vão desencadear no movimento
Com a sala já repleta, começam
os discursos oficiais, entretanto,
estudantil e no plano político português. Reportagem por João Miranda
Celso Cruzeiro, que não conseguiu
entrar no edifício, agarra no mi- instigar ainda mais os alunos. Coimbra, peço para usar da pala- dente da República, “bem, mas vanta e abandona a sala.
crofone que o vice-presidente da Terminado o discurso do se- vra”. Na sua perplexidade, Thomaz agora fala o ministro das Obras Pú- Perante todo o cenário, Alberto
comissão administrativa do novo gundo orador, Alberto Martins le- não responde, ao que Alberto Mar- blicas”. A cerimónia continua, fala Martins sobe para uma cadeira e
departamento, Louza Viana, lhe vanta-se e dirige-se a Américo tins volta a repetir o pedido. A eu- o ministro das Obras Públicas, fala declara: “esta é a verdadeira inau-
cede, na esperança de acalmar a Thomaz: “Senhor Presidente da foria das palmas inunda a sala e só o ministro da Educação e por fim guração!”. Osvaldo Castro vai
massa estudantil que se reúne no República, em nome de todos os é substituída por vários murmúrios todas as personalidades do regime abrindo alas à saída de Américo
exterior. Porém, Celso só consegue estudantes da Universidade de quando surge a resposta do Presi- seguem Américo Thomaz que se le- Thomaz que é rodeado por estu-
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ABRIL
MEMÓRIA
FORMIDÁVEL © CMC
NOTA EDITORIAL
ENTREVISTA
ALBERTO MARTINS • PRESIDENTE DA DG/AAC EM 1969
F Martins, na Assembleia
da República, em Lisboa,
que revisitámos as me-
mórias de quem construiu parte da
vens da universidade. Pela primeira
vez na vida universitária, a mulher
tem um papel importantíssimo. A
luta de Coimbra, pela primeira vez
rou não falar?
Não. Tinha de ter condições para o
fazer. O que esperava era que me
prendessem e espancassem, mas eu
encerrada e 49 de nós são incorpo-
rados compulsivamente no exército,
como traidores à pátria. Coimbra,
na altura, foi uma ilha de liberdade.
da canção, da literatura, da oposição
democrática. Os convívios eram
uma forma de atrairmos os estu-
dantes para uma mobilização colec-
história da Universidade de Coim- na história da universidade, tem tinha de pedir a palavra. Era o meu tiva e para os focalizar naquilo que
bra e da própria resistência ao fas- esse protagonista fantástico que são compromisso. Mas quando entrei A partir do momento em que o era o grande objectivo da luta, que
cismo. Com um sorriso no rosto e homens e mulheres em luta. Como para a sala pensei para mim pró- reitor, Andrade Gouveia, em era a greve aos exames. Fizemos
sempre descontraído, o actual líder dizem alguns, o 1969 foi não só uma prio: “isto não vai ter grande efeito, comunicado, nega a palavra à luto, acabamos com a praxe dos ca-
parlamentar do Partido Socialista festa da liberdade mas foi também estou sozinho, eles vão fazer aquilo DG/AAC, como foi traçada a es- loiros e fizemos a greve aos exames.
fala do momento em que pediu a pa- uma festa do amor (risos). que eu estou a pensar que vão fazer, tratégia para poderem inter- Não fizemos a Queima das Fitas e
lavra na sessão de inauguração do vão-me prender”. Mas entretanto vir? fomos prestar esclarecimentos à ci-
Departamento de Matemática, em De que forma foi feita a articu- entram os meus colegas que ocupam Dissemos em comunicados públicos dade porque tinha uma importância
1969, o qual se seguiu a sua prisão e lação entre a DG/AAC e os es- toda a sala. Recordo-me de uma fo- que íamos usar todos os meios legí- económica muito grande para a ci-
uma intensa luta estudantil, pau- tudantes das faculdades? tografia do Celso em cima de um co- timos para poder usar da palavra. dade de Coimbra, e nós tivemos que
tada por uma greve aos exames e o Havia uma articulação muito forte. lega nosso a mandar entrar os Claro que era uma situação de risco, pôr os comerciantes e os habitantes
encerramento da própria universi- Não éramos dirigentes distanciados nossos colegas. Quando vi os meus mas foi um risco racional e criterio- ao lado dos estudantes. Eu posso
dade. Alberto Martins acredita que da vida estudantil. Qualquer fluxo colegas na sala pensei: “a batalha samente assumido. dizer a esta distância que a univer-
“a democratização do ensino é uma informativo se verificava de forma está ganha”. Perante o meu pedido sidade, os professores, os funcioná-
necessidade de desenvolvimento muito veloz e regular. Como diz Mao de palavra, o Américo Thomáz disse As repúblicas e os Organismos rios e a cidade de Coimbra esteve ao
para Portugal” e que “os jovens não Tsé-Tung, um líder sem massas é “bom, e agora fala o ministro das Autónomos da AAC tiveram lado dos estudantes em 1969. E isso
estão alheados das questões políti- como um peixe fora de água. E nós Obras Públicas”. Depois prende- um papel preponderante na foi conseguido pela capacidade dos
cas”. éramos líderes de massas porque es- ram-me nessa noite, à saída da AAC. crise académica. estudantes de fazer sentir que a sua
távamos ligados aos estudantes. Vinham com uma pistola e disseram Sim. Tiveram um papel muito im- luta era justa. Era uma luta pela li-
Até 1969, o movimento estu- “o senhor é o Alberto Martins? portante porque eram uma forma de berdade, por uma universidade me-
dantil assentava na luta pelo Quando tomaram posse, em Então considere-se preso”. Leva- organização livre e autónoma de au- lhor, por um país melhor.
direito de associação. A partir Fevereiro, pensaram que daí a ram-me e lá fiquei até ao meio-dia togestão dos estudantes.
de 1969, passou a concentrar- dois meses estariam a quatro do dia seguinte. Passada uma hora A crise foi um passo impor-
se sobre a universidade. Para metros de distância do poder? oiço um barulho brutal. Eram os co- O movimento juntou pessoas tante para a queda do regime?
si, qual foi o momento que des- Não. Nunca pensámos que as coisas legas que tinham ido para a porta da de esquerda, de direita, católi- Sim. Nós fomos, a determinada al-
poletou a crise académica? se proporcionassem de forma tão PIDE a pedir a minha libertação. cos, mulheres. Como foi possí- tura, a esperança na mudança de
O momento mágico da luta dos es- rápida. Foram banidos violentamente com vel juntar pessoas de vertentes uma ditadura que já tardava em
ENTREVISTA
essenciais para que tenham uma participação dos estudantes nos ór-
“A responsabilidade dos boa formação. gãos da universidade, e continuo a
ser. Mas acho que a partilha da res-
PERFIL
ANTECEDENTES
O CAMINHO
PARA O 17 DE ABRIL
Da luta pela autonomia universitária às greves de 62, um longo historial
de luta e contestação marca as raízes da Crise Académica de 1969.
Por João Miranda
1956 – o mundo assiste a perma- ções estrangeiras. Com o decreto, do Decreto-lei nº 40900. Contudo, perar e vários estudantes ocupam o
nentes convulsões, catalisadoras de surge também a possibilidade da fica provada a capacidade organiza- Palácio dos Grilos e a Torre Cabra,
novos rumos de mudança. Pelas imposição de comissões adminis- tiva dos estudantes. conduzindo a um novo processo
universidades da Europa, o existen- trativas que substituam a direcção disciplinar contra os dirigentes.
cialismo de Sartre e de Beauvoir co- eleita em caso desta se orientar por A importância Em Lisboa, num plenário com
meça a proliferar e com eles as uma “má conduta”. da crise de 62 seis mil estudantes, no dia 9 de
ideias da liberdade individual e da No mesmo dia da aprovação do Quando os cerca de dois mil estu- Maio, decidem-se inúmeras acções
subjectividade do ser humano, ao decreto, os estudantes de Lisboa dantes da Universidade de Lisboa de luta, entre elas, uma greve de
mesmo tempo que as concepções discutem em Reunião Inter-Asso- se agrupam na cidade universitária fome que leva 86 alunos a barricar-
expedidas do recém-formado Pacto ciações (RIA) o teor do novo édito, na manhã do dia 24 de Março de se nas cantinas da universidade
de Varsóvia insurgem na comuni- no encontro marcam presença dois 1962, estão longes de imaginar as para pôr em marcha o plano. Nesse
dade académica uma vontade de delegados da Associação Académica repercussões históricas e o signifi- mesmo dia, a Assembleia Magna da
abertura das instituições às classes de Coimbra (AAC). Inicia-se então cado da acção que estão prestes a AAC delibera nova ocupação da
trabalhadoras. um processo de luta que, segundo levar a cabo. Com o intuito de esta- sede da associação, que se vê frus-
“Orgulhosamente só”, o Portugal belecer ali o Dia do Estudante, os trada pela intervenção da polícia de
de Salazar vive à margem do con- alunos pretendem desfilar pelas choque. A Queima das Fitas é can-
texto internacional. Assim o vivem ruas de Lisboa. Mas o que encon- celada e para colmatar a falta de re-
também as universidades portu- Na crise de 62 tram é uma cidade universitária ceitas que a decisão origina,
guesas. Num sistema universitário cercada pela polícia de choque. enquanto os estudantes vendem
que abrange cerca de 18 mil estu- vários estudantes Quando no percurso entre o pólo poemas nas ruas de Coimbra.
dantes, provindos essencialmente universitário e o restaurante onde é Cerca de um mês depois, um ple-
das famílias abastadas, as universi-
foram suspensos suposto realizar-se o convívio, vá- nário de estudantes em Lisboa de-
dades concentram-se exclusiva- rios estudantes empunham cartazes cide a cessação do luto académico,
mente em Lisboa e Coimbra. com mensagens de protesto. A polí- vários estudantes são suspensos e
Vencidos que estão os estudantes Gabriela Lourenço, Jorge Costa e cia desmobiliza a frente e carrega expulsos das universidades e a AAC
que ainda reclamavam a legalização Paulo Pena, autores da obra “Gran- sobre os manifestantes. No dia se- continua encerrada.
do Movimento de Unidade Demo- des Planos – Oposição Estudantil À guinte, é decidido em RIA o decre-
crática – Juvenil, o regime aponta Ditadura”, conhece dois caminhos tar de luto académico e ao mesmo Nova era na AAC
agora as baterias aos pequenos gru- muito diferentes, em Lisboa e em tempo iniciar uma greve às aulas. Os órgãos gerentes da AAC são no-
pos que começam a penetrar a bar- Coimbra. Enquanto na capital a Sob a AAC paira ainda o processo vamente demitidos em 1965 e é ins-
reira da dificuldade da organização luta se pretende nacional e análoga, de suspensão, pela tentativa da as- taurada pelo ministério uma
do movimento estudantil nas uni- a linha da Associação Académica de sociação em organizar o I Encontro Comissão Administrativa (CA) no-
versidades. O alargamento da pres- Coimbra (AAC) envereda pelo reco- Nacional de Estudantes. Porém, meada pelo reitor. Porém, só uma
tação de serviços das associações de nhecimento da singularidade de também aqui o luto ganha expres- minoria dos estudantes tem conhe-
estudantes a residências, cantinas e Coimbra. Então, pela mão do Con- são. Com a possibilidade da revoga- cimento da medida ministerial. A
apoios sociais como a saúde e o se- selho de Repúblicas (CR) é apre- ção do processo sobre a Academia, resolução não afecta, ainda assim,
guro escolar não vem ajudar a bata- sentada em Assembleia Magna uma Coimbra interrompe o processo de os organismos autónomos, que jun-
lha do governo e a antiga lei de manifestação para o dia seguinte, luta. No dia seguinte o processo é tamente com o Conselho de Repú-
regulação das actividades estudan- em que quase toda a totalidade dos entregue à Policia Judiciária. Tam- blicas (CR) desenvolvem iniciativas
tis 1932 mostra-se assim obsoleta. estudantes de Coimbra marcha tra- bém o órgão dos estudantes – a pu- contra a imposição.
Sob o signo de 40900, Salazar jada entre os Gerais, o actual Pátio A luta desenrola-se até o princí-
pretende finalmente extinguir qual- da Universidade, e o Governo Civil. pio de 68, quando a conjuntura
quer possibilidade de sublevação ou Passa quase um ano sobre o iní- oposicionista dos estudantes decide
objecção por parte dos estudantes. cio dos protestos e o decreto vai a “A CPE era uma criar a Comissão Pró-Eleições
40900 é também o número do de- debate parlamentar. À porta de S. (CPE) e recolher assinaturas num
creto-lei que vai estar na origem de Bento, um grupo de estudantes es- espécie de documento que reivindica eleições
uma das maiores contendas da his- pera para entregar vários abaixo- livres na AAC. “A CPE era uma es-
tória do fascismo português entre o assinados reivindicando a extinção
direcção-geral” pécie de direcção-geral” lembra o
governo e os estudantes. Com o pre- da medida. O presidente da Assem- antigo membro, Osvaldo Castro.
texto de implementar no meio aca- bleia Nacional, Albino dos Reis, re- “Organizou esse abaixo-assinado,
démico o mesmo espírito cebe-os argumentando: “vocês é blicação Via Latina – vê várias mas também um conjunto de ou-
corporativista que se vive nas fábri- que sabem. De qualquer modo, o edições censuradas e a direcção edi- tras iniciativas, nas repúblicas, nos meada em Setembro de 1968 para
cas e escritórios, a medida governa- decreto já está suspenso. E sabemos torial substituída. organismos autónomos”. Recolhi- realizar as eleições depois de anos
mental vela uma nova metodologia as chatices em que estas coisas se Rapidamente a Academia de Lis- das cerca de duas mil assinaturas em que elas não tiveram lugar”, re-
para as associações de estudantes. podem tornar…”. Os dirigentes de- boa volta ao luto académico e, em está concretizado o objectivo essen- corda José Miguel Júdice. Por seu
Assim, as assembleias-gerais pas- cidem então, como explicam os au- solidariedade, seguem-se-lhe as as- cial da acção, o alargamento do mo- lado, Osvaldo Castro defende que as
sam a restringir-se a delegados de tores de “Grandes Planos”, revogar sociações de Coimbra e do Porto. A vimento. eleições se tornam realidade devido
cada ano, as actividades começam a entrega dos documentos. AAC exige a demissão do reitor, Em Setembro de 1968, toma ao movimento entretanto desenvol-
a ter que passar pelo carimbo de As manifestações e focos de con- Guilherme Braga da Cruz e, como posse a quarta comissão adminis- vido pela CPE: “nós forçamos as
aprovação do ministério, assim testação que surgem depois entre retaliação, o Ministério da Educa- trativa, liderada por Jorge Ponce eleições”.
como a composição das direcções Lisboa e Coimbra não conseguem ção Nacional demite a direcção da Leão e com José Miguel Júdice na No dia 12 de Fevereiro de 1969,
eleitas e as relações com associa- evitar a aprovação e implementação associação. A resposta não se faz es- vice-presidência. “A CA foi no- duas listas apresentam-se ao ple-
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ANTECEDENTES
D.R.
biscito, uma dinamizada pela CPE, do CPE liderada por Carlos Baptista raiva. O ministro tenta esquivar-se de matérias sociais, a Fernanda na AAC. Até que surge a notícia da
encabeçada por Alberto Martins e vence as eleições. ao encontro marcando um almoço Baptista também”, conta Osvaldo inauguração do novo edifício do De-
Osvaldo Castro e outra denominada O período que se segue à tomada com os dirigentes. Os membros da Castro. “E ele ficou um bocado es- partamento de Matemática da Uni-
Movimento Renovação e Reforma de posse é de desenvolvimento das direcção-geral encetam então uma pantado porque o que estava a falar versidade de Coimbra. Decide-se
(MRR), dinamizada por sectores linhas programáticas do movi- estratégia para o almoço: cada um naquele momento não comia, só assim a participação e o pedido de
mais identificados com o regime. mento e de reivindicação da melho- coloca as questões que lhes são atri- despejava, despejava, despejava”, palavra, por parte dos dirigentes es-
No antigo ginásio da AAC, actual ria das condições para os buídas e durante esse período não acrescenta. tudantis, na cerimónia de inaugu-
Cantina dos Grelhados, são eleitos estudantes. Osvaldo Castro lembra come. “O Alberto Martins apresen- O momento após a tomada de ração e dá-se início a um dos
seis membros da lista do CPE e um o episódio em que a direcção-geral tou inicialmente os nossos pontos posse é também de reorganização períodos mais marcantes da histó-
do MRR para a direcção-geral. requer uma reunião com o ministro de vista gerais, o Celso Cruzeiro do trabalho da direcção-geral e de ria da Universidade de Coimbra, a
Também a lista do conselho fiscal da Educação, José Hermano Sa- falou de matérias culturais, eu falei preparação para um novo período Crise Académica de 1969.
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AS MOVIMENTAÇÕES ESTUDANTIS ocorridas em anos anteriores proporcionaram uma “almofada” internacional para a crise conimbricense
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OPINIÃO
A crise de 69
Crise!
Qual crise?
JOÃO
BOTELHO
REPÚBLICAS
As “ilhotas democráticas” desse Abril
As Repúblicas foram casas de causas que não abandonaram o barco durante a crise, apesar das
dificuldades. Ficaram, lutaram e conseguiram levar a bom porto aquilo a que se propuseram
PEDRO CRISÓSTOMO
Sara Coimbra Histórias que
Maria João Fernandes moldaram a crise
Sara Oliveira João Gonçalves, antigo residente
da Real Ay-ó-Linda, agora com 62
“As repúblicas serviram de plata- anos, confessa que ainda hoje mui-
forma durante aqueles meses”, de- tos dos seus antigos colegas de re-
fende a mestre em Culturas pública, nunca chegaram a
Regionais Portuguesas, Teresa Car- conhecer uma história apenas sua.
reiro. Eram células independentes, Tudo se passou a propósito da
onde se preparava a revolução entre greve aos exames, em Junho de 69.
as paredes que tantas histórias têm O ex-repúblico conta que ele e mais
para contar; sítios onde a PIDE (Po- dois colegas correram todo o bairro
lícia Internacional de Defesa do Es- do Calhabé com uma sovela, um
tado) tinha medo de entrar, mesmo instrumento com que os sapateiros
quando a suspeita era mais que coziam os sapatos, furando todos
muita. Pedidos como “senhor dou- os pneus dos “traidores”, que não
tor, pode vir para ser interrogado?”, fizeram greve. Até hoje permanece
ouviam-se muitas vezes à porta des- o anonimato de quem fez o quê a
tas casas de resistência. E se de re- quem, sendo que “agora já se pode
volta e resistência se fez a crise de contar”, graceja o ex-repúblico.
69, os que passaram por ela dizem Mas as histórias são mais que
que “Coimbra de 69 foi Paris de 68”. muitas em pleno 69. João Martins
Júlio Oliveira, antigo residente da lembra que “às quatro da manhã
Real República Rápo-Táxo, hoje [do dia 17 de Abril] apareceu a po-
com 62 anos, considera que “eram lícia de choque e começou a ferir
tempos difíceis”, mas tinha-se “a muita gente”. O embate entre os
consciência de que algo tinha de cerca de 100 estudantes que lá se
mudar em Portugal”, pois o regime encontravam àquela hora foi muito
não perdoava os irreverentes. Para violento e o ex-repúblico lembra
CER
TEUC
GEFAC
AS ACÇÕES DE RUA, as peças de teatro, os espectáculos musicais e os cartazes eram utilizados para que a mensagem revolucionária se espalhasse pelos estudantes
CORO
O
MIST
A contestação dentro de portas...
Os organismos programação que de um modo Os dias que precederam o 17 de volução não estava naquela sala numa ma-
da AAC foram os geral nos deixava sair um pouco
daquilo que estava no papel e man-
Abril foram turbulentos. O TEUC
preparava-se para a estreia da peça
porque tinha ido com uma colega
resolver um problema de censura
nifestação,
com um gravador
TAUC
pilares que fizeram dar umas ‘bocas’ através dos mi- “A ilha dos escravos”, que iria a devido a uma peça que estava já na desde a [avenida] Sá
vingar os propósitos crofones”, refere. palco poucas vezes. O antigo mem- fase terminal e que pelos vistos não da Bandeira
de uma luta e que Quando em 1968 a lista do Con-
selho de Repúblicas (CR) se prepa-
bro do grupo de teatro mais antigo
da academia, José Oliveira Barata,
podia sair”. Mas ressalva que “es-
tavam muitos elementos do CITAC
até quase à
Praça da Re-
CITAC
viam nas actividades rava para vencer a corrida aos hoje com 60 anos, era o protago- na sala onde houve o primeiro em- pública, andando
um meio de resistência corpos gerentes da AAC, foram os nista da história e conta que “na bate com o Alberto Martins quando ali pelo chão, na busca
organismos autónomos que mais peça estavam retratadas uma série pediu a palavra”. Para além disso, de algum som para o
directamente estavam ligados ao de desigualdades sociais entre pa- Maria Delgado explica que “havia CER”, conta João Sansão
Sara Oliveira
CR que foram consultados em pri- trões e escravos. Essa ‘ilha’ era Por- elementos do CITAC muito bons ao Coelho com entusiasmo.
meira instância, nomeadamente o tugal”. A censura não tardou e, o nível da ilustração e foram eles os “O esforço que os orga-
Por entre as portas dos organis- Teatro de Estudantes da Universi- antigo membro do TEUC explica autores de muitos dos cartazes fan- nismos desenvolviam era
mos autónomos conspirava-se con- dade de Coimbra (TEUC), o Círculo que depois de uma longa conversa tásticos que apareceram na AAC, feito através dos espectácu-
tra o governo de Américo Thomaz e de Iniciação Teatral da Academia que teve com o ministro José Her- de pura sátira e contestação”. los”, sublinha Luís Pais Bor-
a revolta protegia-se e alimentava- de Coimbra (CITAC), o Coro Misto, mano Saraiva, “ele acabou por Já Sansão Coelho conta que os ges, que travou algumas
se dentro da pequena muralha que a Tuna Académica da Universidade banir o espectáculo”. momentos que fizeram da sala 17 batalhas ao utilizar os espec-
tinha o nome de Associação Acadé- de Coimbra (TAUC) e o Coral. de Abril o que é hoje ficaram regis- táculos do GEFAC para trans-
mica de Coimbra (AAC). “Todo Para Luís Pais Borges, antigo A crise de 69 tados. “O Maia, um amigo meu, foi mitir as mensagens em que os
aquele espaço era uma zona acas- membro do Grupo de Etnografia e na primeira pessoa gravar o que aconteceu na sala 17 estudantes acreditavam, e que
telada, quase castrense da Acade- Folclore da Academia de Coimbra Marcelo Ribeiro, ex-membro do de Abril. A determinada altura ele o governo desaprovava re-
mia”, defende um dos antigos (GEFAC), hoje com 59 anos, “a luta CITAC, fez parte do grupo que chegou, e pouco tempo depois, já dondamente. “Num dos es-
membros do Centro Experimental do GEFAC era igual à do TEUC ou marcou presença na sala da inau- estava a ouvir a gravação. Infeliz- pectáculos a sala foi
de Rádio (CER), que hoje deu lugar à do CITAC, e nessa altura havia guração do edifício das Matemáti- mente, teve tanto medo, que ficou mesmo esvaziada e
à actual Rádio Universidade de um maior empenhamento por va- cas e foi membro do grupo que com a fita e escondeu-a”, explica o fomos todos para a
Coimbra, João Sansão Coelho, um lores como a autonomia da UC”. dirigiu os piquetes da greve acadé- jornalista. A fita, essa, foi escon- esquadra, enquanto
jornalista de 59 anos. Pais Borges considera que “era mica posta em prática a 2 e 4 de houve um ‘saque’ ao autocarro a
O CER emitia experimental- mais fácil desenvolver-se esquemas Junho de 1969. Confessa que “é um fim de a PIDE tentar descobrir
mente, explica o jornalista, e num e minar as actividades do regime orgulho ter participado sempre em Viver intensamente mais alguma coisa de que não gos-
circuito interno dentro da AAC, porque os organismos tinham al- todas as lutas académicas contra o tasse”, lembra o antigo membro do
através de pequenas colunas. Ape- guns meios para dominar a propa- regime vigente quer político quer
e inventar diferentes GEFAC, sendo que “as dificuldades
sar disso, Sansão Coelho sublinha ganda, a começar desde logo pelos universitário”. O ex-membro do formas de luta era eram mais que muitas e aquilo
que “ se faziam muitos programas espectáculos que davam, pois apro- CITAC foi preso várias vezes, e [GEFAC] não era folclore nenhum,
gravados com conteúdos vanguar- veitava-se sempre para passar al- numa dessas vezes a Polícia Inter- o caminho para porque o regime apertou muito as
distas que emitiam em várias emis- guns recados”, enfatiza. nacional de Defesa do Estado malhas”.
soras, e que reflectiam a própria A luta era transversal aos diver- disse-lhe com todas as letras: “você
a vitória Uma maior consciência da res-
revolta contra o regime”. Contudo sos organismos. “Fazíamos acções é mesmo um revolucionário por ponsabilidade que os estudantes ti-
esses programas só podiam ser en- de rua, intervenções nos jardins da conta própria”. dida no telhado de uma das casas nham dentro da sociedade
viados para as antigas colónias, AAC, com manifestações e peças Não foi interdição ter de estar do Terreiro da Erva, na Baixa de portuguesa e a valorização da con-
pois “não havia propriamente uma que de algum modo transmitiam presente no edifício das matemáti- Coimbra, mas nunca mais foi en- testação contra o governo e as suas
censura e o analfabetismo impe- algo”, refere Maria João Delgado, cas no dia 17 de Abril de 69 para contrada. Mas não foram poucos os políticas são as consequências que
rava nesses sítios”, defende. A ne- antigo membro do CITAC, agora mudar a história do movimento es- episódios que marcaram o dia 17, Maria João Delgado afirma terem
cessidade de liberdade de com 63 anos. “Houve nitidamente tudantil em Portugal, até porque a que percorreram a cidade do Mon- vindo de uma luta “árdua” que não
expressão reinava e era também muita coisa que saiu das nossas ca- revolta não se resumiu apenas dego de lés a lés e que até hoje não se ficou apenas pelo papel, mas que
por isso que os estudantes de beças e dos nossos corpos durante àquele. Maria João Delgado pode foram esquecidos. “Recordo-me de teve nos actos e dentro da acade-
Coimbra lutavam. “Tínhamos uma essa altura”, lembra. comprová-lo. “No dia da grande re- andar a tentar captar os passos mia a sua bandeira.
12 | a cabra | 17 de Abril de 2009 | Sexta-feira
17 1969
ABRIL
PERFIL
CELSO CRUZEIRO • ELEMENTO DA DG/AAC EM 1969 PEDRO CRISÓSTOMO
CELSO
ESTÁ MAIS VOLTADO PARA O FUTURO
ESCRITÓRIO da casa em Cajadães, Oliveira de Frades, onde Celso Cruzeiro vive
Cedo veio estudar para Coimbra e cedo se deixou envolver pelo movimento estudantil.
A sua visão apartada do aparelho partidário repele-o da máquina. Uma visão despegada
que o leva a ser tido como o cronista da crise académica. Por Pedro Crisóstomo
steve envolvido na crise até 1969” – foi “um ajuste de contas com Foi acusado, como muitos, de par- de cor, uma passagem de um comu- ziu. Da única vez que se filiou num
ENTREVISTA
CARLOS BAPTISTA • PRESIDENTE DA JUNTA DE DELEGADOS DE CIÊNCIAS E DO CF/AAC EM 1969
MEMÓRIA
D.R. D.R.
AS REUNIÕES de alunos foram uma constante em 69 ACÇÃO DE LUTA a favor da greve aos exames
ra bastante raro ir dor- Geral da AAC em 1969, Joaquim O que é certo é que os estudantes ciais, vários estudantes foram per- pois, teve lugar a chamada “Ope-
E
“
mir numa cama, o que Gil, fala com entusiasmo da as- que foram aos exames, contra o seguidos pela GNR (Guarda Na- ração Balão”. Cada estudante levou
aliás não era muito se- sembleia de 28 de Maio, onde que foi decidido em Assembleia cional Republicana), tendo um ou mais balões desde a sede da
guro; a maior parte das cerca de seis mil estudantes con- Magna, ficaram com uma péssima entrado no Mercado Municipal. AAC até à Portagem, onde os lar-
vezes dormia uma ou duas horas cordaram com a greve aos exames: imagem junto dos seus colegas. gou, criando “um grande impacto
no chão ou num sofá”. Não, não é “Era empolgante, porque era a pri- “Havia, na associação, listas com visual”, recorda o antigo estudante
um extracto de um diário de meira vez que eu via os Jardins da os nomes deles”, recorda Carlos de Direito.
guerra. Trata-se, sim do testemu- AAC completamente cheios. Santarém. Hoje, com 68 anos, Ao mesmo tempo, havia espaço
nho de Joaquim Matos Pereira, Aquilo era gente que ia decidir se lembra que “durante anos e anos, para o humor. Lauro Ramos conta
membro da Direcção-Geral da As- ia ou não fazer greve. A imagem um traidor era um traidor”. a história de um colega a quem foi
sociação Académica de Coimbra que me ficou foi a daquela gente pedida a identificação por um po-
(DG/AAC) em 1969. Era este o am- imensa a dizer quase unanime- A cidade ocupada lícia a cavalo. O colega não resistiu
biente vivido em Coimbra no pós- mente que a iria fazer”. A greve aos Perante o aumento de contestação A greve aos exames e mostrou o cartão, não ao polícia,
17 de Abril. exames foi também uma forma de e de manifestações anti-regime, mas ao cavalo. Resultado: deten-
O luto académico, decretado a a comunidade universitária se foram enviados para Coimbra con- foi decidida pelos ção. Também Carlos Santarém
22 de Abril, em Assembleia fazer ouvir, com resultados massi- tingentes de polícias e militares. Os sorri ao lembrar-se de como goza-
Magna, foi a forma mais forte de vos: em 1969, pouco mais de dez acessos à universidade foram guar- seis mil estudantes vam com a polícia: “como os agen-
protesto que os estudantes encon- por cento dos estudantes foi fazer dados e qualquer exteriorização de tes eram de fora não conheciam as
traram contra as prisões de outros exames. Contudo, na altura, cor- acções contrárias à ditadura eram
presentes na magna ruas e ruelas da Alta, a malta
colegas. O antigo estudante de Me- riam histórias de que quem fosse contidas pela polícia de choque. A metia-se com eles e gritava. Eles
dicina, Lauro Ramos, recorda que tinha a vida facilitada, bastando história de Carlos Santarém é elu- Lá, os agentes da polícia provoca- vinham atrás de nós e depois já
magnas eram “muito participadas” marcar presença para ter a passa- cidativa do que se vivia: “uma vez, ram vários danos materiais aos não sabiam bem onde estavam!”.
e que “toda a Academia se interes- gem à disciplina assegurada. O an- na Praça da República, houve uma vendedores. Como pedido de des- Joaquim Gil resume a vivência
sava”, provocando, por vezes, “um tigo presidente da secção social da carga policial em que a polícia de culpas, os estudantes, no dia se- dessa época dentro “de um espírito
ambiente escaldante”. De resto, as AAC, Carlos Santarém, não con- choque entrou à cacetada a sério! guinte, compraram todas as flores poético, talvez por influência do
Assembleias Magnas tornaram-se firma, mas também não desmente Eu estava na AAC, do lado das can- do mercado e foram distribuí-las Maio de 68”, em que “a contesta-
símbolos da participação e do acti- a veracidade destas histórias: “não tinas, e um polícia de Coimbra pela Baixa – da rua Ferreira Bor- ção não entrava directamente nas
vismo estudantil durante a crise pode ser provado, mas há depoi- disse-me: ‘fujam que estes gajos ges à Portagem. Segundo Carlos motivações políticas”. O antigo es-
académica, onde invariavelmente mentos. A verdade é que ao go- são umas bestas!’. O próprio polí- Santarém, “esta era uma maneira tudante lembra que “o regime
reuniam milhares de estudantes. verno interessava ter uma média cia dizia isso e de facto era assim”. de haver uma comunhão entre os ficou mesmo abalado [com a ade-
O vice-presidente da Assembleia de ida aos exames e de passagens”. Durante uma das cargas poli- estudantes e a cidade”. Dias de- são à greve aos exames]” e fala,
LUTO ACADÉMICO
A Crise Académica de 1969 foi marcada pela contestaçã
operações Balão e Flor e, sobretudo, a greve aos exam
ao 17 de Abril. P
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17 1969
ABRIL
MEMÓRIA
D.R. D.R.
ESTUDANTES largam centenas de balões como forma de protesto A UNIVERSIDADE cercada pela GNR
saudoso, numa “beleza guerreira, primeira página do livrinho de conta com carros “muito pouco va- sos tornou Carlos Santarém num
que atingiu o seu máximo com as Santarém, todo ele uma crítica à riados”… pois eram todos da polí- dos estudantes referenciados pelas
A SÃ DEMOCRACIA
escadas monumentais cheias de presença policial em Coimbra. cia. Nota-se, sempre, a grande autoridades, como o próprio faz PARTICIPATIVA
capacetes de ferro e arame farpado Esta “queima” tem uma Serenata ironia nos trabalhos de Carlos San- questão de mostrar num docu-
por todo o lado”. tarém. mento da Polícia Judiciária (PJ), As magnas de 69 ficaram na
Os estudantes que fizeram os sem esconder algum orgulho. No história tanto pela participação
A crise em desenhos exames, os chamados “traidores”, entanto, nunca foi preso, embora como pelo ambiente intenso que
A luta estudantil de 1969 também constituem outro dos grupos visa- estivesse ciente desse risco. “Acre- se vivia. O antigo estudante José
era feita com papel e caneta e Car- dos pelo artista. Um polícia que ditava que podia ser preso, mas Dias lembra que, “na altura, havia
los Santarém é a prova disso. Os leva por uma trela um estudante quando se tem 20 anos não se uma mão cheia de bons oradores”.
seus desenhos fizeram grande su- para o exame e um “traidor” com pensa muito nisso”, afirma. Apesar Tão bons que “a malta estava em
cesso durante a crise, como refere orelhas de burro a um canto sob as da sua segurança, o antigo estu- silêncio e só depois é que batia
Joaquim Gil: “O Santarém fazia A caricatura foi palavras “Orgulhosamente só” (co- dante conta um episódio em que palmas”. A par das assembleias –
uns bonecos que foram um êxito e nhecida frase de Salazar), são al- esteve perto de ser detido: “Uma realizadas no Pátio das Escolas, no
eram distribuídos por todo o mo- muito utilizada guns exemplos. vez estava uma colega com os Ginásio (Cantina dos Grelhados)
vimento”. Para além da mensagem que meus desenhos no Palácio da Jus- ou nos Jardins da AAC – havia uma
Um dos trabalhos é um pequeno para os estudantes transmitiam, estes desenhos ti- tiça [antiga sede da PJ] e estava o componente de animação. Zeca
livro que “saúda” a Queima das nham outro objectivo. Carlos San- inspector a perguntar quem os Afonso e Adriano Correia de
Fitas de 1969, organizada pelo go-
se unirem na luta tarém era presidente da Secção tinha feito. Eu também estava lá, Oliveira eram alguns dos artistas
verno. Na realidade, a maior festa Social da AAC e a sua grande mis- mas a entregar tabaco e doces. Não que participavam. E não havia
dos estudantes não foi realizada em que os polícias, rodeando a Sé são era fazer chegar tabaco, refri- fui preso por acaso”, desabafa. magnas curtas. Muitas começavam
nesse ano, por ordem dos grelados. Velha, são os verdadeiros artistas; gerantes, bolachas e outras Sorte diferente teve Joaquim à tarde, mas “sabíamos que se pro-
Contudo, Carlos Santarém cele- um baile que mais não é do que guloseimas aos estudantes presos, Matos Pereira. “Uma noite das longavam pela noite”. Depois, jan-
brou-a à sua maneira. “Como é do uma carga policial; na Garraiada, “mas para isso era preciso di- raras em que fui dormir a casa, a tava-se e José Dias lembra-se em
conhecimento geral, não se reali- os carneiros são os “traidores” que nheiro”, diz. Então, os desenhos polícia foi-me buscar cedo à cama, especial da tasca do Raul e das
zou a tradicional festa da Queima fizeram exames; a tarde desportiva que fazia foram vendidos para an- às seis da manhã e fui transpor- sandes de dois andares com queijo
das Fitas. O governo, sempre integra o atletismo (estudantes que gariar fundos e enviados para todo tado para a AAC, que tinha sido e presunto. Música, sandes e dis-
atento aos interesses dos seus súb- fogem da polícia), o automobi- o país. “Eram uma maneira das ocupada pela polícia”, conta o an- cussão à parte, o actual presidente
ditos, resolveu tomar a seu cargo, lismo (a polícia de “jeep”) e o hi- pessoas saberem o que se passava tigo estudante de Direito. Não, não do Conselho da Cidade define as
embora tardiamente, a sua realiza- pismo (cavalos montados nos cá”, lembra. é o extracto de um diário de magnas de 69 como exemplos da
ção”. É assim que se pode ler na agentes); e, finalmente, o cortejo Ser autor de desenhos tão famo- guerra. “sã democracia participativa”.
LUTA ACADÉMICA
ão. Assembleias Magnas com milhares de estudantes, as
mes foram os pontos altos dos meses que se seguiram
Por João Ribeiro
16 | a cabra | 17 de Abril de 2009 | Sexta-feira
17 1969
ABRIL
TAÇA DE PORTUGAL
D.R.
D.R.
IL
25 DE ABR
COMUNICADOS de apoio à luta estudantil foram surgindo ao longo da crise
ENTAÇÃO
Para lá de Coimbra
E DOCUM
CENTRO D
cresce o movimento
A Crise Académica cer, crescia nos pólos académicos de nham que viver numa semi-clandes- riosidade. "O movimento de Lisboa Luta Estudantil", documento que ex-
Lisboa e do Porto uma vontade em tinidade". Em Setembro de 1968, era disperso porque a universidade plica a evolução da situação estu-
de 69 veio trazer conhecer Coimbra e perceber o mo- José Dias vem para Coimbra. Atra- tinha características diferentes em dantil em Lisboa e no Porto. O
profundas alterações vimento que estava em marcha. “Fa- vés do Conselho de Repúblicas, en- termos de implantação na cidade. O documento alerta para o facto de "os
à actividade e lavam-nos de Coimbra como sendo volve-se logo com estudantes que de Coimbra tinha uma grande cen- filhos da maioria dos portugueses
uma associação académica – ‘lá reivindicavam eleições livres para a tralidade, era mais coeso", reconhece não terem acesso à universidade” e
metodologia do aquilo é uma coisa bestial’”. A ex- DG/AAC. Eduardo Graça. que "os problemas fundamentais de
movimento estudantil pressão pertence a José Dias, presi- O movimento podia ter sido muito Na continuação da onda de con- democratização e reforma da Uni-
português, que tentou dente do Conselho da Cidade de maior caso houvesse uma boa liga- testação, dá-se a final da Taça de versidade e de todo o Ensino conti-
Coimbra, que entre 1965 e 1968 es- ção entre as três academias. "O mo- Portugal em que a Académica de- nuam por resolver".
convergir numa luta tudava no Porto. vimento estudantil das três fronta o Benfica e esta era uma opor- Depois de vencidas inúmeras difi-
nacional Entre 1965 e 1968, José Dias foi universidades não tinha uma auto- tunidade que não se podia perder culdades, mais de cinco mil estudan-
estudante na Universidade do Porto. estrada de comunicação", explica para mostrar o desagrado. tes provenientes das três academias
Da altura em que frequentou a Uni- José Dias, que ainda acrescenta a re- Dois dias depois, foi preciso ir ao reuniram-se em Coimbra e aprova-
Nuno Agostinho
versidade do Porto, conta que "teve Porto distribuir comunicados sobre ram a declaração em que exigem ao
uma acção que extravasava a vida e a greve aos exames. O presidente do governo "a demissão do Ministro da
“São inúmeras as expressões de a luta estudantil por uma luta polí- “A crise foi um Conselho da Cidade de Coimbra ex- Educação Nacional e das autoridades
apoio à luta dos estudantes de Coim- tica mais globalizante" e que foi de- plica que os contactos que tinha no académicas responsáveis, o levanta-
bra oriundas dos mais diversos sec- vido a essa luta que passou a vir fenómeno tão forte Porto foram úteis para “organizar mento de todos os processos instau-
tores da Nação Portuguesa”, frequentemente a Coimbra. Aqui co- pequenas brigadas com amigos cató- rados e a libertação de todos os
declarava a Direcção-Geral da Asso- meçou a ouvir falar de movimentos
que qualquer licos e de diversas faculdades para estudantes presos”.
ciação Académica de Coimbra estudantis organizados e de alguns estudante o sentia” pôr nas caixas dos correios toda a Como resposta ao documento, o
(DG/AAC) num dos muitos comuni- momentos históricos na luta acadé- propaganda". governo destitui todos os órgãos da
cados da crise. A dimensão que o mica, tal como a Tomada da Bastilha. Entretanto, os estudantes tomam AAC com excepção das secções des-
movimento tomou a partir dos acon- E como em Coimbra existia uma ver- lutância existente entre os principais consciência de que não têm a ligação portivas e da secção Filatélica.
tecimentos do 17 de Abril fez de dadeira associação com um espaço dirigentes de Lisboa em deslocarem- que procuravam com as cinturas in- Depois da declaração, apareceram
Coimbra o bastião pela construção físico em que todas as faculdades es- se a Coimbra: "lembro-me de pes- dustriais, onde pretendiam chegar no país vozes que se uniam à luta
de uma “Universidade Nova”. tavam representadas e era possível soas, como eram os dirigentes de para unir as lutas. Os estudantes pas- preconizada pelos estudantes de
“A crise foi um fenómeno tão forte constituir um movimento organi- Económicas de Lisboa, que tiveram sam então a fazer sessões de esclare- Coimbra, nomeadamente do Grupo
naquele contexto que qualquer estu- zado. A realidade portuense, por seu uma relutância enorme em vir a cimento aos trabalhadores sobre os de Democratas de Braga e de alguns
dante, mesmo que não estivesse en- lado, era completamente diferente. Coimbra. Eu desafiei-os, mas só aí à motivos da luta, como refere José pais de jovens de Viseu que pediam
volvido no movimento associativo, o “Eu vinha de uma salinha do Porto terceira vez é que consegui que vies- Dias. "Deu-se um movimento biuní- que se resolvesse a situação. Por
sentia”. Quem o diz é Eduardo onde vendia réguas de cálculo e onde sem". voco, em que foi preciso explicar às outro lado, 48 jornalistas de Lisboa
Graça, que em 1969 estudava no an- recebia os estudantes um a um, um Actualmente presidente do Insti- cinturas e aos trabalhadores porque lamentavam "a impossibilidade de
tigo Instituto Superior de Ciências pouco a medo”, lembra. tuto António Sérgio do Sector Coo- é que estávamos inquietos", explica. darem conhecimento público da
Económicas e Financeiras, em Lis- No Porto, a maior parte das asso- perativo, Eduardo Graça relata que Mais tarde é lançada a "Declaração exemplar e patriótica acção dos es-
boa. ciações e pró-associações não tinha chegou a vir a Coimbra, não por mo- do Movimento Democrático Eleito- tudantes”.
Mas mesmo antes de tudo aconte- instalações próprias, pelo que “ti- tivos institucionais, mas mais por cu- ral sobre a Crise Universitária e a Com Pedro Crisóstomo
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17 1969
ABRIL
T pessoal do 25 de Abril
de 1974. Tinha na altura
dezanove anos e a expe-
riência vivida dessa época deixou-
biente era mais fácil ouvir uma
anedota a achincalhar o presidente-
fantoche Tomás do que ver uma ati-
tude de corajoso afrontamento. E,
de o número de estudantes ser bas-
tante menor do que hoje, estas eram
condições férteis para manifestação
de consciência crítica, de indignado
toma que permitiu que a revolução
encontrasse os estudantes preveni-
dos. A AAC foi reaberta, a universi-
dade ganhou de novo alma com o
nias ou uns colóquios com este ou
aquele participante. Assim aconte-
cerá com a crise de 69.
A reescrita exige, pelo menos aos
me marcas que não convivem bem no entanto, quantas movimenta- exercício efectivo de direitos demo- novo Reitor, verdadeira referência, interessados numa perspectiva
com visões dela que considero dis- ções houve, de centenas ou de mi- cráticos. o Doutor Teixeira Ribeiro. A efer- equilibrada, uma leitura dos vários
torcidas, incompletas, mal intencio- lhares de pessoas, ao longo de todo vescência começou e, tal como an- contributos e uma atitude de filtra-
nadas ou ingénuas. Sei, por isso, o o período de letargia! A crise de 69 teriormente a resistência, ajudou a gem crítica guiada pela descon-
risco que se corre quando se fala de é um bom exemplo, a par com mui- formar a consciência cívica e demo- fiança relativamente aos aspectos
O MEIO UNIVERSITÁRIO
uma época da qual não se teve ex- tos outros, envolvendo camadas so- crática dos estudantes dessa época. que geram unanimismos e aos tra-
periência de contacto íntimo (em- ciais variadas contra o regime. DE COIMBRA REVELOU A crise de 69, como referência ços acessórios ou anedóticos que
bora sobre o 25 de Abril os vícios Cinco anos antes do 25 de Abril, a MAIS UMA VEZ AS SUAS histórica do movimento estudantil frequentemente dão origem a gene-
escritos não sejam predominante- crise de 69 ocorreu numa fase tam- e da luta geral do país contra o fas- ralizações abusivas.
mente de autores não contemporâ- bém de crise, mas do regime. A CARACTERÍSTICAS cismo, corre riscos habituais, como Finalmente, quanto aos aprovei-
neos dessa época). Em 1969 eu guerra colonial consumia cerca de SINGULARES (...) todas as referências históricas: o es- tamentos, eles também tenderão a
tinha catorze anos e, vivendo em 40 por cento da riqueza do país e os batimento da memória, ou dos sig- esbater-se com o decurso do tempo,
Coimbra e convivendo com univer- jovens rapazes de então tinham a O ministro da educação dessa nificados dela, que se acentuará por razões biológicas, mais que por
sitários, tive contacto abundante. certeza de ir parar a essa guerra que época, o inefável (que digo eu? quando a geração protagonista gra- quaiquer surpreendentes razões de
Conheci alcunhas e ciciares relati- não lhes dizia respeito. A fraseolo- Abundante e jocosamente comen- dualmente desaparecer; a reescrita ética subitamente assumida. A crise
vos a personagens mais ou menos gia oficial, oca e patrioteira, era ri- tado, hoje como então!) J. Hermano ou, melhor dizendo, as reinterpre- de 69 foi, entre outras coisas, um
saboreadas pela corrosiva opinião dicularizada pelos estudantes, com Saraiva, era figura ridícula, alvo tações segundo as opções de pers- movimento colectivo e só por isso
dos estudantes que, então talvez um a cínica amargura da antevisão da fácil do sarcasmo unitário. Justa- pectiva de quem reinterpreta, assumiu as proporções que assu-
pouco mais do que agora (impres- morte. Havia condições, de facto, mente. Caiu. Seguiu-se-lhe Veiga criando várias versões do período e miu. As personalizações, porque
são nostálgica de velho?), eram (al- para que as pessoas se insurgissem, Simão. Com a AAC encerrada, a dos seus conteúdos; e, finalmente, forçadas, são sempre redutoras e di-
guns) especialmente cáusticos e com a coragem de serem muitas e universidade ameaçada com o cu- o aproveitamento, político ou pes- ficultam a percepção da importân-
preocupadamente cultos. Mas de o medo ser, por isso, muito par- telo, pendente sobre a academia, soal, que a falta de uma certa ética cia dos movimentos colectivos na
quem se lembrou de mim para esta tilhado. dos pides e dos informadores, inau- permite aos que têm esse tipo espe- evolução das sociedades.
contribuição não espera testemu- O meio universitário de Coimbra gurou-se a era da reforma de curta cífico de carência. Vice-reitor da UC. Presidente
nho de memória presencial, de revelou mais uma vez as suas carac- duração e longas repercussões. Du- O risco do esbatimento da memó- da DG/AAC em 1975/76
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ABRIL
MEMÓRIA
Como as mulheres lutaram
por uma “Universidade Nova”
A participação das mulheres na crise levou a uma maior afirmação das estudantes na cidade
de Coimbra. Apesar de tudo, esta participação “não se baseou na luta pelos direitos das
mulheres”. Por Diana Craveiro e Andreia Silva
papel da mulher na so- reverência, “sabíamos que não condições de vida das mulheres”, afirma que “actos pioneiros” Coimbra participaram num livro
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ABRIL
ENTREVISTA
MANUELA CRUZEIRO • INVESTIGADORA DO CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO 25 DE ABRIL
O movimento estudantil de 69
juntou centenas de estudantes.
Como foi possível esta mobiliza-
ção?
Penso que o principal motivo terá
sido a estratégia da lista vencedora
para a direcção da Associação Acadé-
mica de Coimbra (AAC) que fez com
que a luta passasse da associação
para a universidade. Foi um movi-
mento conduzido de uma forma inte-
ligente, de uma forma gradual, ou
seja, os objectivos não eram imedia-
tamente radicais. Não se pedia uma
coisa como ‘Abaixo o Governo!
Abaixo a ditadura!’. Isso estava im-
plicado numa mudança da universi-
dade que, entendida em todas as suas
consequências, conduziria a isso.
Cronologia
da MEMÓRIA
1968
19
FEV
O “verdadeiro”
Eleições para a AAC e fim das
comissões administrativas rei-
vindicada pela Comissão Pró-
Eleições (CPE)
17 de Abril
25
NOV
Comemoração da Tomada da
Bastilha. Estudantes gritam
não foi notícia
“Eleições, já” defronte da AAC
Entre estudantes presos e greves, os
27 jornais só “tiveram conhecimento”
FEV
E
1969 m 1969, a Academia de quer factos tidos como “desagradá-
Coimbra viveu um dos veis” e susceptíveis de fomentar mais
10 episódios mais célebres e sublevações. O importante era passar
FEV marcantes de toda a sua a imagem de que o país vivia numa
Debate entre as duas listas história. A 17 de Abril desse ano, di- harmonia inquebrável. Primeiro as
concorrentes à DG/AAC: Con- versas personalidades distintas da aparências, depois as evidências.
selho de Repúblicas e MRR plêiade política portuguesa, das quais Este aspecto do indubitável re-
cabe destacar o chefe de Estado Amé- curso à censura como meio para de-
12 rico Thomaz, descolaram-se até monstrar a “estabilidade” social e
FEV Coimbra para inaugurar o “grandioso política constitui, por si só, o sinal de
A lista do Conselho de Repú- edifício da secção de Matemática da que Portugal era governado por um
blicas vence as eleições para a Faculdade de Ciências”, tal como regime de cariz ditatorial e anti-de-
AAC com 75% dos votos destacou o Diário de Notícias na edi- mocrático. Na verdade, esse carácter da faculdade de ciências, cujo valor Neste sentido, num tom marcada-
ção do referido dia. Contudo, os jor- do regime político então instaurado dispensava, segundo o Ministro da mente descritivo, são apresentados
7 nais da época nada mencionaram tornou-se tão mais claro pelas moti- Educação Nacional, José Hermano ao leitor, com pormenor, as etapas da
MAR
acerca do momento áureo que veio a vações que originaram a rebelião. Em Saraiva, “quaisquer considerações”. sessão de inauguração, os custos
Tomada de posse da nova mergulhar a cidade na profunda crise última instância, tanto a censura, A obra financiada pelo “Plano In- exactos das obras e são relatados os
DG/AAC por parte da lista do académica de 1969. Alberto Martins, como a privação do uso da palavra tercalar de Fomento” constituiu, em discursos dos que presidiram à inau-
Conselho de Repúblicas presidente da Direcção-Geral da As- confluem e confundem-se num si mesmo, o objecto noticioso dos di- guração e puderam falar. Os artigos
14 sociação Académica de Coimbra mesmo factor. A inexistência da li- ferentes organismos de comunicação são também aproveitados para pro-
ABR (DG/AAC) foi impedido de usar da berdade de expressão e comunicação social. O curioso (ou não) é que os ar- paganda política e realçar os traba-
DG/AAC confirma presença na palavra pelos estudantes da Univer- era, portanto, incontestável. tigos do Diário de Notícias alusivos lhos do Governo, tal como espelha a
inauguração das Matemáticas e sidade durante a “sessão solene inau- Os periódicos da época, ainda hoje ao acontecimento, seja da edição do afirmação “gastar-se-ão 277000 con-
expressa a intenção de usar da gural”. Seguiu-se o cerco à cidade sobejamente conhecidos, como próprio dia, seja da edição do dia tos em edifícios do ciclo preparató-
palavra pelas forças policiais, decretou-se o sejam o Diário de Notícias, o Jornal subsequente, apenas relatavam o rio…”.
luto académico e greves a aulas e exa- de Notícias e o Diário de Coimbra, modo como decorreu a cerimónia de Por contar ficou que os estudantes,
16 mes. Mas as notícias foram outras. sublinhavam a data como sendo um inauguração do edifício, engrande- por quererem falar, foram presos.
ABR
Hoje, volvidos quarenta anos, e dia de assaz importância, no qual a cendo a beleza arquitectónica do Cerco policial, greves a aulas e exa-
Reitor nega, em comunicado, numa análise à “vista desarmada” Universidade de Coimbra concreti- mesmo. Uma rápida consulta nou- mes, demissão dos órgãos da AAC e
o uso da palavra por parte da pelos jornais daquele dia, a ilação zara uma “velha aspiração”. “Nunca tros órgãos da imprensa escrita que Assembleias Magnas também não
DG/AAC na sessão solene que se pode tirar é óbvia. Os artigos porventura a Humanidade esperou tenham noticiado o acontecimento, “mereceram atenção” pela imprensa.
17 eram cuidadosamente inspecciona- tanto dos mestres e dos estudantes poderia questionar o leitor se não es- Ter-se-ia que esperar mais cinco
ABR dos pelos organismos encarregues do como nos dias que estamos a viver” taria a ler novamente o mesmo jor- anos pela chegada da liberdade de
Inauguração do edifício das Lápis Azul, sob o signo da censura, destacou o Diário de Notícias, ao re- nal, uma vez que o teor das notícias imprensa com a Revolução dos Cra-
Matemáticas e detenção do evitando, desse modo, relatar quais- ferir a importância do novo edifício mantém-se. vos.
presidente da AAC, Alberto
Martins
18
ABR
AAC faz saber que o presi-
dente foi preso e que tudo se
iria fazer para que fosse liber-
tado. Milhares de estudantes
acorrem ao Pátio da UC
21
ABR
DG/AAC exige representação
no Senado Universitário e
protecção deste face à re-
pressão policial
22
ABR
Decretado o Luto Académico.
Elementos da DG/AAC priva-
dos de actividade na UC
30 6 8 28 2
ABR MAIO MAIO MAIO JUN
Ministro da Educação Nacional, Encerramento da Universidade Cancelamento da Queima das Fitas Seis mil estudantes votam em Primeiro dia de greve aos exa-
Hermano Saraiva, acusa estu- de Coimbra, antes de terminar o por solidariedade aos dirigentes da Assembleia Magna greve aos mes. A Universidade de Coim-
dantes de crime, sediação e ano lectivo normal AAC que tinham sido castigados, em exames. Aprovadas Operação bra está cercada pela GNR, PSP
desrespeito ao Chefe de Estado comunicado dos estudantes grelados Balão e a Operação Flor e polícia de choque
17 de Abril de 2009 | Sexta-feira | a cabra | 23
17 1969
ABRIL
MEMÓRIA
PEDRO CRISÓSTOMO
22 8 OUT 1970 14 19
JUN AGO JAN FEV
Final da Taça de Portugal entre a AAC é encerrada por ordem do 49 estudantes recebem nota de José Hermano Saraiva é substi- José de Gouveia Monteiro
Académica e o Benfica. o Presi- governo, que demite os corpos incorporação de emergência nas tuído por José Veiga Simão no substitiu Jorge Andrade de
dente da República não compa- gerentes fileiras do Exército Ministério da Educação Nacio- Gouveia como reitor da UC
rece ao jogo, como era habitual nal S.O.
24 | a cabra | 17 de Abril de 2009 | Sexta-feira
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ABRIL
SONDAGEM
O QUE OS ESTUDANTES (NÃO) SABEM SOBRE A CRISE ACADÉMICA
O começo da movimentação estudantil estudantes. Apesar da maioria ter certeza de stituído por José Veiga Simão. José Lello FICHA TÉCNICA:
Depois de percorrer as aconteceu quando o presidente da Direcção- que o presidente da DG/AAC era Alberto ocupou o cargo de ministro da Juventude e Esta sondagem foi realizada pelo Jornal
faculdades para avaliar Geral da Associação Académica de Coimbra Martins, muitos estudantes pensaram ser Emí- do Desporto entre 1999 e 2002. José Au- Universitário de Coimbra – A CABRA –
o conhecimento dos (DG/AAC), Alberto Martins, foi impedido de dio Guerreiro, que apenas foi presidente em gusto Seabra foi ministro da Educação entre entre os dias 1, 2 e 3 de Abril. O universo
falar na inauguração do Edifício das 1990/91. José Miguel Júdice foi vice-presi- 1983 e 1985.Quanto aos acontecimentos é composto por estudantes da Universi-
estudantes sobre a Matemáticas e foi o único dirigente a ser de- dente da Comissão Administrativa da AAC, propriamente ditos durante a crise, foi dec- dade de Coimbra. A amostra foi estratifi-
crise, aqui ficam as tido. Nem o aumento das propinas, nem o nomeada pelo governo, em 68/69, e Osvaldo retado o luto académico em Assembleia cada em função da proporção de alunos
respostas sobre os fim da Queima das Fitas foram as razões que de Castro o vice-presidente da direcção- Magna. Em Junho, a universidade é ocupada nas oito faculdades da Universidade de
estiveram na origem do protesto. Também o geral de Alberto Martins. Do lado do regime, por destacamentos da GNR. As Repúblicas Coimbra. Foram obtidos 1373 inquéri-
factos e os aconteci- conhecimento de quem foram os protago- José Hermano Saraiva era o Ministro da Edu- não foram encerradas, nem houve manifes- tos válidos. A margem de erro associ-
mentos em questão nistas não está bem definido na cabeça dos cação Nacional. Em Janeiro de 1970, foi sub- tações a nível nacional. ada é de 3,5 por cento, com um nível
17 de Abril de 2009 | Sexta-feira | a cabra | 25
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ABRIL
SONDAGEM
HISTORIADORES ALERTAM
ACTUALIDADE
O 17 de Abril de 2009 JORGE
SERROTE
H
á quarenta anos atrás,
voltou a repetir. Cerca de 6 mil estu- tros contornos". José Medeiros Fer- Coimbra era o centro do
dantes encheram os jardins da Asso- reira pensa que as épocas são muito movimento estudantil.
ciação Académica de Coimbra (AAC) diferentes e incomparáveis, mas diz Foi aqui que se criaram as
naquela que é considerada a maior ser concebível que haja "movimenta- vozes mais críticas ao regime Salaza-
AM da história da academia coimbrã. ções estudantis por pessoas relacio- rista, foi aqui que se deram os mo-
Hoje, o número de estudantes que nadas com a vida das universidades e mentos mais marcantes e foi aqui que
participa numa assembleia não chega com as condições de vida dos estu- se tomaram aquelas que foram as
aos 1000, numa altura em que a Uni- dantes". Estanque vai mais longe e grandes decisões que revolucionaram
versidade de Coimbra (UC) tem cerca avança a possibilidade de "o movi- o imaginário da época.
de 20 mil alunos. mento estudantil, à semelhança do O dia 17 de Abril de 1969 foi sem
O sociólogo e professor da Facul- que acontece em países da América dúvida um marco incontornável
dade de Economia da Universidade Latina, se aproximar do movimento desse tempo. Foi nesse dia o culmi-
de Coimbra (FEUC), Elísio Estanque, sindical", levando a que surjam "for- nar de várias acções de relevo para a
não culpa os estudantes do afasta- mas de protesto e resistência conjun- história da Academia, da cidade e do
mento da vida política. O docente tas". "É possível que venham a país. Os estudantes assumiram uma
aponta o distanciamento que há entre ocorrer movimentos de protesto posição clara de intervenção e escre-
os partidos políticos e os cidadãos maiores do que aquilo que aconteceu veram História. Daqui para a frente,
como algo que contribui para este até aqui", reforça. O sociólogo explica tudo mudou.
alheamento. "As pessoas olham com que "se os mecanismos de diálogo e Nos dias que correm, efectiva-
desconfiança para aqueles que estão as estruturas democráticas se virem mente, os motivos que levavam os es-
à frente das lideranças partidárias", cada vez mais restringidas, teremos tudantes a lutar são diferentes dos
explica o sociólogo, "e isso, infeliz- que assistir a explosões sociais", mas que motivam hoje os estudantes.
mente, é um risco que está a aconte- tem esperança que tal não seja ne- Contudo, ao falarmos de gestão de-
cer à democracia em geral". No cessário, "porque se as instituições mocrática ou representação estudan-
entanto, essa desconfiança não se li- funcionam e se a democracia for efi- til, se em 69 isto eram bandeiras, com
mita à classe política e o professor da caz é possível que as autoridades que o Regime Jurídico das Instituições de
FEUC recorre aos resultados de um estão nos órgãos de gestão percebam Ensino Superior voltam novamente
estudo feito pelo Centro de Estudos a importância do diálogo e da repre- em estar a causa estas questões – re-
trocedemos quatro décadas.
Actualmente questões como a
“Há um desfasa- “Os estudantes têm Acção Social, o Financiamento ou a
mento e uma distan- a obrigação de ser Empregabilidade estão na ordem do
dia, assumindo-se como as causas
ciação em relação à politicamente mais que os estudantes de hoje têm vindo a
defender.
vida política” interventivos” A evolução do Movimento Estu-
dantil tem sido marcada por um alar-
Sociais (CES) para o exemplificar: "a sentatividade dos diferentes sectores gamento de horizontes e de áreas de
maioria dos estudantes acredita que dos estudantes". actuação. Para além da participação
os líderes que vão para a frente das Embora a conjuntura política ac- activa dentro da sua instituição, o As-
listas e que têm ambição de chegar à tual seja diferente da de há 40 anos, sociativismo tem vindo a tentar re-
direcção-geral não o fazem por al- hoje em dia o acesso à informação solver as lacunas que os Estudantes
truísmo" mas sim "por protagonismo faz-se sem qualquer problema, ao sentem, seja a nível pedagógico, como
pessoal, por uma ambição individual contrário do que acontecia em 69. a níveis de cultura e lazer, emprega-
e política". Elísio Estanque defende que, "os es- bilidade e informação, acção social e
Também o professor da Faculdade tudantes, em tese, têm a obrigação de formação. O que as instituições de
de Ciências Sociais e Humanas da ser política e socialmente mais cons- Ensino Superior e as instituições pú-
Universidade Nova de Lisboa cientes e interventivos". "Acho que é blicas do local onde vivem e estudam
HÁ CADA vez menos estudantes a participar na vida política da Academia
(FCSH), José Medeiros Ferreira, re- necessário que o movimento estu- não conseguem hoje responder, as
conhece que há "um desfasamento e que mais se impõe é a falta de repre- dade é importante referir o processo dantil, juntamente com aqueles que Associações têm assumido esse papel
uma distanciação em relação à vida sentatividade dos estudantes nestes de crescente feminização das univer- têm intervenção pública crítica nesta de forte intervenção social.
política que tem a ver com o facto de órgãos. Elísio Estanque explica que sidades e o facto de esta não ter a cor- área, estejam activos e presentes na Podemos afirmar que o papel que
se pensar que é muito difícil modifi- isto aconteceu porque na última dé- respondente tradução na presença do denúncia dos riscos que hoje se aba- as Associações têm desempenhado na
car as coisas como elas estão". No en- cada "perante o discurso da paridade, sector feminino na gestão dos órgãos tem sobre as universidades públicas", Sociedade, tem sido fundamental
tanto, o docente não perde a impôs-se o discurso da eficácia, da da universidade", nota. alerta. para a formação da consciência de
esperança e acredita "que nestes mo- necessidade de tomar decisões rápi- A 17 de Abril de 2009 são poucos muitos jovens que se sentem úteis e
mentos de maior dificuldade que es- das". A lógica que "está escondida no Explosões sociais os alunos do ensino superior que par- que podem ter sucesso.
tamos a atravessar" os estudantes novo RJIES" é "uma restrição da li- 40 anos depois da crise académica de ticipam activamente na vida política. Efectivamente 17 de Abril de 69 foi
"venham a ter um papel mais activo". berdade e da democracia na gestão 69, surge uma questão: será possível 40 anos depois da crise académica a de facto uma data histórica. E marca
"Não tenho uma visão pessimista das universidades", acusa. O docente haver um movimento de estudantes acomodação tomou conta dos estu- ainda hoje, quarenta anos depois, a
sobre a actual geração", conclui. acrescenta que "o discurso da pari- igual ou semelhante ao do 17 de dantes, como concluíram Elísio Es- história desta Academia e do movi-
Em 69, os alunos do ensino supe- dade foi completamente posto de Abril? Elísio Estanque defende que tanque e José Medeiros Ferreira. No mento associativo.
rior lutavam também pela paridade lado porque as mentes do 'status quo' não, "porque as condições estrutu- entanto, Estanque não desanima: Os ideais de ontem são ainda os
nos órgãos de gestão. Hoje, com o Re- julgaram que havia um excesso de rais, sociais e económicas são muito "este é um alheamento que pode ser nossos ideais. As lutas que se trava-
gime Jurídico das Instituições do En- igualitarismo e que isso atrapalhava diferentes". "A forma como o estu- temporário... as coisas podem ram são ainda as nossas lutas.
sino Superior (RJIES), o problema as decisões". "Mas em relação à pari- dante se relaciona com o campo cul- mudar". Presidente da DG/AAC
17 de Abril de 2009 | Sexta-feira | a cabra | 27
17 1969
ABRIL
D.R.
OPINIÃO
EDITORIAL
OS 40 DO 17
“
Os mesmos valores que se
denfendiam há 40 anos são hoje
postos em causa por medidas como
o Regime Jurídico das Intituições do
Ensino Superior
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ESTUDANTES DA UC
48 %
possui conhecimento vago sobre o 17 de Abril
Sondagem A CABRA mostra que há um desconhecimento geral sobre os pormenores da
Crise Académica de 1969. Historiadores corroboram os resultados e apontam causas P 24 e 25
Palavra de intervenção
Nas crises académicas de 1962 e 1969, Baptista Bastos e Urbano Tavares Rodrigues expressaram o apoio à luta estudantil.
Em 62, estiveram entre os filiados da Sociedade Portuguesa de Autores que assumiram a causa. Sete anos mais tarde, Tavares
Rodrigues ofereceu livros com dedicatórias sobre o movimento. Hoje, escrevem para assinalar os 40 anos da crise de Coimbra
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ciação Académica de Coimbra da P4e5 P 26 P 20 acabra.net