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Recebido: 10/11/11 - Aceite: 26/11/11


NÚMERO

NOV./2011 A construção do saber-fazer na


formação prática do terapeuta
psicomotor
Construção do saber na formação prática do psicomotricista.
Lola García Olalla

competência.
RESUMO

É apresentado um estudo sobre as competências da


formação prática dos terapeutas psicomotores. Com
base numa análise de peritos, são propostas nove
competências consideradas essenciais para a
formação. A presença destas competências é
contrastada empiricamente entre os estudantes do
primeiro curso de formação do mestrado em terapia
psicomotora, organizado pelo Departamento de
Psicologia da Universidade Rovira i Virgili. Para o
efeito, foram utilizados dois instrumentos: o auto-
relato de tutoria e os relatórios do primeiro curso
de formação. Os resultados deste estudo mostram
que podemos verificar a presença destas
competências nos auto-relatórios e/ou relatórios,
mas com diferentes níveis de impacto na perceção
dos alunos. A observação é, de longe, a
competência mais evidente na perceção dos
formandos, enquanto a gestão de fronteiras é
percepcionada como o aspeto que necessita de
maior desenvolvimento.

Palavras-chave: Psicomotricista, formação prática,

48
ISSN: 1577-0788

RESUMO

Apresentamos um estudo sobre as competências da


formação prática dos psicomotricistas. Após a revisão de
alguns peritos, são propostas nove competências
consideradas fundamentais para a formação. A presença
destas competências é contrastada empiricamente entre os
alunos do primeiro ano de mestrado da formação em
psicomotricidade organizada pelo departamento de
psicologia da Universidade Rovira i Virgili. Foram utilizados
dois instrumentos: a auto-aprendizagem e as memórias do
primeiro ano de formação. Os resultados deste estudo
sugerem que podemos verificar a presença destas
competências em auto-relatos e/ou memórias, mas com
diferentes níveis de impacto na perceção dos estudantes. A
observação é, de longe, a competência mais evidente na
consciência dos estudantes, ao passo que a gestão dos
limites é percepcionada como um aspeto que necessita de
ser desenvolvido.

Palavras-chave: psicomotricista, formação prática,


competência

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ISSN: 1577-0788
NÚMERO
Introdução em relação à prática psicomotora e, sobretudo, que
consciência os alunos têm do que aprendem, das
Este artigo apresenta um estudo sobre o que os competências adquiridas em relação a essa prática.
NOV./2011 estudantes aprendem na sua formação prática Podemos formular os objectivos do nosso trabalho
como terapeutas psicomotores. Interessa-nos nos seguintes termos:
aprofundar as competências que estão no cerne do
seu saber-fazer. O que aprendem é, sem dúvida, 1. Passar em revista, sem ser exaustivo, algumas
função das experiências em que participam e sobre propostas consideradas e publicadas por vários
as quais reflectem, no âmbito de um programa de autores, especialistas em formação, que têm a ver
formação. com o saber-fazer do psicomotricista, que
Em primeiro lugar, apresentaremos as modalidades constituem o núcleo da sua formação prática, "o
práticas no âmbito da nossa formação, enquanto coração da prática", e que foram formuladas como
curso de mestrado de dois anos, no qual ingressam competências, aptidões, estratégias, capacidades,
estudantes de diferentes áreas profissionais, disposições ou atitudes.
preferencialmente da educação e da psicologia. Em 2. Propor um conjunto de competências ligadas ao
segundo lugar, interessa-nos investigar as propostas saber-fazer, que reúnam um certo consenso entre
sobre competências publicadas por especialistas os peritos, com base na análise acima referida.
com u m a sólida e reconhecida trajetória neste 3. Acompanhar e documentar as provas destas
campo de formação. Seleccionámos as propostas competências nos relatórios e auto-relatórios dos
que respondem a princípios teóricos e nossos estudantes de mestrado no primeiro ano de
metodológicos que partilhamos. E m t e r c e i r o formação.
l u g a r , estamos interessados em investigar a 4. Analisar a consciencialização que os
presença destas competências na formação prática aprendentes desenvolvem em termos da
dos nossos alunos. realização ou da consecução destas
As questões de investigação que orientam este competências.
trabalho de investigação são as seguintes:
Contextualização: As nossas referências. A nossa
• Podemos encontrar um conjunto de história.
competências consideradas essenciais pelos
especialistas na formação prática dos estudantes? O quadro teórico que inspira esta formação
• Podemos documentar e verificar a presença b a s ei a- s e nos princípios teóricos e
destas competências na experiência e na perceção metodológicos desenvolvidos no domínio da
dos aprendentes? psicomotricidade ao longo dos últimos anos por B.
• Que conhecimentos têm os alunos sobre Aucouturier (1986, 2004) e por outros autores
a sua realização ou consecução? (Arnaiz, Rabadán e Vives, 2001; Sanchez e Llorca,
2008; Mila, 2008), e inclui contribuições valiosas da
Estamos interessados em saber se os nossos alunos psicologia do desenvolvimento, da psicologia da
aprendem o que é considerado valioso pelos educação e da psicanálise. Concebemos a prática
especialistas psicomotora como uma

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NÚMERO Psicologia da Personalidade, e que tem um historial
um processo de acompanhamento da criança na sua
no domínio da intervenção psicomotora.
maturação psicológica, um processo que contribui
para garantir a segurança afectiva e lhe permite
NOV./2011 estar disponível para a comunicação e a criação. A
formação dos estudantes como terapeutas
psicomotores implica a construção de um saber, de
um saber-fazer, de um saber ser e de um saber-
estar, que correspondem às etapas do processo de
formação: a formação pessoal, a formação teórica e
a formação prática, que estão presentes
simultaneamente ao longo da formação. A
implicação mútua e a rede de conexões que se gera
entre estes cenários assegura a coerência dos
processos de mudança e de transformação que o
estudante experimenta no seu percurso de
formação (Garcia e Camps, 2004).
A formação em competências para a ação envolve
um processo de "aprender fazendo" que permite a
aquisição de competências de desempenho
profissional. Entendemos por competência o
conjunto de conhecimentos, capacidades,
habilidades ou aptidões adquiridas que dão origem
a um bom nível de desenvolvimento e desempenho
e que, n o âmbito profissional, permitem ao
indivíduo realizar com sucesso as actividades
laborais da sua área profissional, adaptar-se a novas
situações e transferir os seus conhecimentos,
habilidades e atitudes para outras áreas
profissionais. A essência da competência envolve a
integração na ação do saber, do saber fazer, do
saber ser e do ser, assumindo assim a globalidade
que se expressa no ato que emerge num
determinado contexto (García e Camps, 2006).
Os nossos alunos são formados como terapeutas
psicomotores no âmbito da Pós-graduação e do
Mestrado em Intervenção Psicomotora, organizado
pelo Departamento de Psicologia da Universidade
Rovira i Virgili (Tarragona), ligado à área da
Psicologia do Desenvolvimento e da Educação e da

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, perante diversos pontos de vista, interessados
de doze
n u m a compreensão profunda da criança a
anos
partir desta disciplina que os reúne, para além do
académ
seu campo disciplinar.
icos.
Nesta comunidade de aprendizagem, o
Esta
conhecimento é construído a partir do indivíduo,
formaç
mas torna-se uma construção social e
ão
intersubjectiva em que os sujeitos constroem e
reúne
reconstroem um conhecimento baseado na ação e
estudan
regressam a ele para o modificar e melhorar. A
tes de
aprendizagem funciona assim como um processo
formaç
de construção conjunta e m que o aprendente
ões
dá sentido e significado às situações e à sua
diferent
própria atividade, interpretando e significando os
es,
fenómenos em que participa. Os participantes
embora
numa mesma situação vão criar um espaço
próxim
caracterizado por uma dialogicidade crescente. O
as:
professor, formador ou tutor nesta prática tem a
profess
responsabilidade de exercer uma influência
ores,
educativa como mediador neste processo de
pedago
apropriação, que será bem sucedido n a medida
gos,
em que apoiar a atividade construtiva do
psicólo
aprendente e lhe prestar uma ajuda ajustada e
gos,
constante, que sustente este processo de
psicope
construção (García e Camps, 2006).
dagogo
s,
SISTEMA DE FORMAÇÃO
fisioter
apeutas
O mestrado tem a duração de dois anos lectivos. O
, etc.
primeiro ano centra-se na prática educativa e na
Isto
consciencialização da ajuda e o segundo a n o na
coloca-
prática da ajuda e na terapia psicomotora. Este
nos
artigo apresenta o primeiro ano de formação. A
perante
conceção temporal desta formação na prática está
uma
prevista da seguinte forma
confluê
ncia de
saberes
e
práticas

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NÚMERO intervenção para a próxima sessão.
várias fases:

1. Sensibilização para a prática educativa


NOV./2011
Esta é a fase que antecede a imersão na prática. No
primeiro mês de formação, os alunos participam em
vários seminários introdutórios sobre os objectivos,
o quadro teórico e as estratégias da intervenção, e
algumas sessões de prática psicomotora educativa
são analisadas em vídeo.

2. Coparticipação em sessões de prática pedagógica

São formados grupos de trabalho de quatro alunos.


Cada grupo trabalhará com um grupo de crianças
durante dez sessões. As sessões serão
a s s i s t i d a s p o r um formador do programa de
mestrado e pelo psicomotricista que trabalha
habitualmente com o grupo de crianças. O formador
está encarregado de apoiar e orientar a intervenção
dos alunos durante a sessão e o psicomotricista é
responsável pelo grupo de crianças. Em cada sessão,
dois alunos observam e dois participam. Os alunos
alternam as sessões de observação do parceiro e de
participação na sessão. No final de cada sessão, a
análise é efectuada em duas fases:
• Em primeiro lugar, reunir-se-ão em pares de
observador-participante. Ambos falarão sobre a sua
experiência e o que observaram na sessão. Estes
pares manter-se-ão estáveis durante todas as
sessões de trabalho e alternarão o seu papel em
cada sessão.
• Numa segunda fase, todo o grupo se reúne com
o formador. A sessão é analisada com base na forma
como a experiência foi vivida pelos alunos e, em
seguida, é feita uma análise da evolução da sessão,
do significado das produções que foram surgindo no
grupo e das estratégias de intervenção por parte
dos adultos. Conclui-se com propostas de

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m uma criança durante três sessões consecutivas.
Os
Trata-se de uma observação aberta no início, que é
alunos
progressivamente sistematizada. O objetivo desta
regista
observação é compreender a criança em situações
m num
interactivas, relacionar parâmetros psicomotores e
diário
articular uma teoria sobre a criança que nos
de
permita descobrir o significado da sua ação em
sessão
contextos situados. Para levar a cabo esta tarefa,
tudo o
receberam previamente um seminário específico e
que
material sobre o assunto (García, 2000; Arnaiz,
acontec
Rabadán e Vives, 2001). No final das suas
eu
observações, apresentam um trabalho sobre a
durante
observação da criança. São também apoiados na
a
preparação deste trabalho pelos tutoriais práticos.
sessão
e a
4. Observação da prática do auxílio
análise
da
Os alunos são distribuídos em pares por um centro
mesma:
onde participarão como observadores em sessões
feedbac
de ajuda psicomotora ou de terapia. Observam um
k do
mínimo de quatro sessões. No final de cada sessão,
parceir
dispõem de uma hora de análise com o terapeuta
o,
responsável pela sessão.
observa
No final destas sessões, os alunos trabalham em
ções do
estratégias de assistência psicomotora. Centrar-se-
tutor.
ão nas atitudes, nos modos de fazer, de ser e de
estar do terapeuta psicomotor, na análise das
3. Obser
trocas e interacções com a(s) criança(s) e no
vação
ajustamento à expressividade particular de cada
de
criança. Constitui uma reflexão sobre o processo
crianç
de
as na
prátic
a
educat
iva

Os
alunos
observa

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NÚMERO
mudança na criança como resultado da intervenção observação da criança e sensibilização para ajudar.
do terapeuta psicomotor. Trata-se de um processo de elaboração pessoal
b a s e a d o n o s seus diários de prática, na análise
NOV./2011 5. Aulas particulares do parceiro e do formador, nas tutorias e nas pontes
construídas com a formação pessoal e teórica. Nesta
Os alunos têm uma tutoria individual com o tutor de análise, devem construir uma reflexão sobre: A
formação prática, na qual reflectem sobre o seu tecnicidade e as estratégias que permitem o
processo de participação na prática com crianças. desenvolvimento da sessão; Como me posicionei
A s questões colocadas aos alunos para reflexão em relação às crianças; As minhas experiências de
são: participação (observador/participante ativo);
Como estão a correr os estágios (impressão geral)? Análise das minhas competências, bloqueios e
Como é que o dispositivo funcionou (observar, ser limitações.
observado, análise de grupo), que competências,
aptidões, conhecimentos adquiriu nestas sessões, Competências do saber-fazer na formação
que limitações e áreas de melhoria encontrou na prática do terapeuta psicomotor.
sua prática, que conteúdos da formação teórica
foram mais úteis para si na prática da sala de aula, Método
que aspectos da formação pessoal são úteis para a
sua prática? No início deste artigo, propusemo-nos o objetivo de
encontrar uma série de competências consideradas
6. Estágios de extensão opcionais essenciais pelos especialistas na formação prática
dos terapeutas psicomotores. Para o efeito,
Os alunos que o desejarem podem observar a r ev im o s os trabalhos mais recentes de
prática psicomotora com bebés. É interessante que, alguns autores que aludem explicitamente a
apesar das dificuldades iniciais em frequentar as competências, estratégias, aptidões, capacidades ou
práticas obrigatórias, na última parte deste primeiro atitudes,que foram publicados. Esta revisão não
curso recebemos numerosos pedidos de extensão pretende ser exaustiva , mas sim
das práticas. umponto de partida para posteriores revisões mais
extensas e contrastadas. Considerámos um
7. Elaboração do relatório conjunto de autores cujos princípios teóricos e
metodológicos estão em consonância com a
No final do primeiro ano, os alunos apresentam um formação ministrada no nosso mestrado e cuja
relatório que inclui todas as áreas da sua formação e experiência na formação prática de terapeutas
exige uma reflexão aprofundada sobre a psicomotores é amplamente reconhecida. Tomámos
transformação experimentada na área da formação como referências especializadas: os trabalhos do
pessoal, a elaboração teórica baseada nos Professor Bernard Aucouturier (1986, 2004), os
seminários recebidos e, finalmente, sobre a sua trabalhos de Juan Mila e seus colaboradores (2008);
participação na prática. Nesta última secção, os trabalhos realizados pelos Professores Josefina
analisam a sua intervenção na prática educativa, a Sánchez e Miguel Llorca (2008), e os trabalhos de

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Pilar
Arnaiz,
Marta

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NÚMERO
Rabadán e Yolanda Vives (2001). A partir de agora, encontrar evidências das competências acima
referimo-nos a estes autores como referências mencionadas. As evidências de auto-relato foram
especializadas. quantificadas de acordo com a análise de
NOV./2011 Procedemos à análise das publicações acima frequência; a sua presença foi registada quando foi
referidas e efectuámos uma análise das mesmas em nomeada pelo aluno em resposta à pergunta "O que
termos de formação prática. De seguida, realizámos aprendeu durante a sua formação prática" e
um processo de convergência das competências que atribuída à respectiva competência. Os relatórios
poderiam ser agrupadas na mesma área de foram utilizados para ilustrar a presença d a
competência. Identificámos nove competências competência durante o processo de análise e
relacionadas com o saber-fazer do terapeuta reflexão que os alunos realizam ao longo do curso.
psicomotor, com base na análise dos peritos:
Resultados
1. Observação de crianças
2. Sintonia afectiva com a criança A descrição das nove competências identificadas é
3. Gestão do dispositivo de sessão feita através de uma apresentação ordenada d o s
4. Utilização de mediadores pessoais seguintes elementos para cada competência: a sua
5. Segurança afectiva descrição pelos peritos, a sua frequência de
6. Promover o desenvolvimento ocorrência e a forma como é designada nos auto-
7. Dificuldades de manuseamento relatórios dos alunos, e a sua ilustração nos
8. Relação com outras pessoas significativas relatórios, caso exista.
(pessoas, instituições) para a criança
9. Construção do conhecimento 1ª Competência: Observação da criança.

No início do estudo, perguntámo-nos se poderíamos Os especialistas referem-se a ela como a capacidade


documentar e verificar a presença destas de observar, ouvir e compreender a criança através
competências na experiência e perceção dos alunos. da expressividade psicomotora. É uma competência
Para responder a esta questão, utilizámos dois amplamente reconhecida e documentada na
instrumentos: formação de terapeutas psicomotores. Para B.
• Os auto-relatórios dos estudantes realizados no Aucouturier (2004) trata-se de compreender a
espaço de mentoria. criança através da sua expressividade psicomotora,
• As memórias do primeiro ano de formação. "a expressividade motora é a forma como cada
criança mostra o prazer de ser ela própria, de se
Utilizando ambos os instrumentos, recolhemos construir de forma autónoma e de mostrar o prazer
dados de 27 alunos, que constituíam o grupo total de descobrir e conhecer o mundo que a rodeia"
de alunos do ano letivo 2010-2011 do nosso (p.130).
mestrado, no primeiro ano de formação. "Compreender outra pessoa não é considerá-la
Procedemos ao esvaziamento e análise dos auto- como um objeto de análise intelectual sobre o qual
relatos e à análise dos seus relatórios, com o se pode exercer um poder de dominação "através
objetivo de da

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NÚMERO "O mais importante é observar e refletir sobre a razão
saber", mas é antes de mais uma tentativa de
pela qual se tem
apreender o sentido do seu testemunho
emocional" (p. 212).
NOV./2011 Como referem Sanchez e Llorca (2008), esta é uma
capacidade essencial para dar uma resposta
adequada às exigências e necessidades da criança,
uma capacidade de interpretação do corpo e do
movimento, que para além de observar as
componentes posturais e instrumentais, deve servir
para fazer uma leitura da intencionalidade e do
significado para além do que se vê e do que é
formal.
A competência para observar e escutar requer
certas disposições prévias, tais como: a paragem,
que nos permite olhar calmamente para a criança e
para o grupo, a empatia, que nos permite estar
próximos dos sentimentos dos outros sem nos
fundirmos com eles, e o controlo das nossas
próprias projecções, que implica um
questionamento do nosso próprio olhar.
O desenvolvimento de estratégias, instrumentos
e planos de observação é frequentemente objeto
de trabalho com os alunos, e para isso temos tido
propostas bem fundamentadas e bem elaboradas
nos últimos anos (Aucouturier, 2004; Sanchez e
Llorca, 2008; Arnaiz e Bolarin, 2000; Arnaiz,
Rabadán e Vives, 2001; García, 2000).
Quando os alunos reflectem sobre as competências
que adquiriram durante o primeiro ano de
formação, esta é a competência mais representada
no nosso caso, sendo nomeada por 17 dos 27
alunos. Referem-se a ela nos seguintes termos:
Aprendi a fazê-lo:
"Sair do jogo, observar e depois atuar (antes nunca
parava)"; "Observação, a primeira coisa a fazer é
observar";
"Saber observar e esperar que a criança faça, não
me precipitar";
"Fazer uma observação global";

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"; "Procuro coisas novas";
A
"Visão periférica, não perder de vista todo o
c ri a
g r u p o , ter olhos para todos";
n ç a
"Ver as suas capacidades;
agia
"Estar mais atento, agora vejo mais toda a gente";
desta
"Ouvir mais, estar mais atento";
forma,
"Ser capaz de ver como é cada criança, cada criança
observav
é diferente".
a mais à
As suas palavras destacam muitos dos aspectos
distância
apontados como requisitos ou elementos de uma
";
boa observação pelos especialistas: paragem,
"
espera, sentido de ação, olhar periférico, atenção à
E
singularidade ou ênfase nas competências.
s
Nas suas memórias, há um registo dos progressos
c
realizados neste concurso:
u
"O olhar periférico é um dos aspectos em que
t
melhorei, a confiança que adquiri nas minhas
a
intervenções permite-me elevar o meu olhar em
direção ao grupo. O olhar periférico é dominado
e
quando somos capazes de nos distanciar e não
somos absorvidos pelo desejo do outro".
o
"Antes de agir, observo, paro por um momento e
b
olho para onde posso ir, ou melhor, para onde sou
s
necessário. Faço-o de uma forma automática
e
(segundo o meu observador). Penso que este é um
r
ponto necessário para ser um bom terapeuta
v
psicomotor quando se trabalha com um grande
a
grupo, ter uma visão periférica".
ç
As limitações são igualmente assinaladas:
ã
"Os meus colegas falam de crianças que eu não
o
vi, não reparei nelas... Reflicto sobre a razão e o
motivo pelo qual tenho tendência a reparar
d
naqueles que apresentam um comportamento
o
inibido... é porque eu apresento o mesmo
comportamento... na minha formação pessoal...
o
é por isso que me sinto mais identificado com
u
t
r
o

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NÚMERO
eles". "Tenho de perder o medo de me colocar ao nível da
Este primeiro concurso prepara-nos para um cri ança, de entrar no seu mundo, de me colocar ao
segundo, com o qual está intimamente ligado: seu nível, e isso limita-me.
NOV./2011
2ª Competência: Sintonia afectiva 3ª Competência: Manuseamento do dispositivo de
sessão
Para B. Aucouturier (2004), trata-se de viver o
prazer de existir numa relação empática com cada O terapeuta psicomotor gere o dispositivo da sessão
criança. (Aucouturier, 2004), elabora de forma criativa e
comunicação. ajustada diferentes cenários para a prática
Neste sentido, o terapeuta psicomotor pode atuar psicomotora (Sánchez e Llorca, 2008), intervém a
como um modelo, um espelho no qual se podem partir da organização dos lugares e dos materiais, e
r e f l e t i r as experiências, emoções, percepções e faz propostas colectivas que são anunciadas no
representações das próprias crianças. início da sessão e também propostas
em momentos específicos, brincar para a criança e complementares ou individuais durante e após a
não com a criança, com um envolvimento próximo sessão (Arnaiz, Rabadan e Vives, 2001). A gestão do
dos níveis emocionais, mas distanciado a níveis de dispositivo da sessão implica a organização dos
expressividade motora, ... Sabe escutar o indivíduo espaços, do tempo e dos materiais. É o quadro que
e/ou o grupo e amplificar (comunicar ao resto do permite a evolução da expressividade psicomotora.
grupo) as situações de interesse para o grupo São ajustados em função da idade e do
(Arnaiz, Rabadan e Vives, 2001). desenvolvimento da capacidade de ação e de
Quando os alunos reflectem sobre as competências simbolização (Aucouturier, 2004).
que adquiriram durante o primeiro ano de É de salientar que, tanto nas memórias como nos
formação, seis alunos referem-se a esta auto-relatos, os alunos referem frequentemente,
competência. Referem-se a ela nos seguintes nas primeiras sessões, dificuldades em orientar-se
termos: na sala e em encontrar o seu lugar em cada
Aprendi a fazê-lo: momento da sessão, o que se reflecte nas
"Agora gosto (antes sentia-me inseguro)"; "Gosto"; expressões seguintes:
"Adaptação à criança"; "Sinto-me inseguro sobre onde me instalar";
"Ajustamento"; "Há espaços que não frequento";
"Muito sobre a disponibilidade"; "Estou mais em alguns sítios do que noutros;
"Confiar mais nas crianças"; "Tenho dificuldade em desvincular-me de certos
"Valorizar as suas capacidades". sítios". Quando os alunos reflectem sobre as
Reflectem experiências de prazer, ajustamento, competências que adquiriram durante o primeiro
adaptação, disponibilidade e confiança. ano de formação, esta competência é
Encontrámos também um aluno que referiu mencionada por sete alunos, que se referem a ela
dificuldades em estabelecer esta sintonia: nos seguintes termos
Aprendi a:
"Agir";

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"
P
r
o
p
o
r
"
;

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NÚMERO a estabelecer limites, não acho difícil. Noto que,
"Ser engenhoso";
quando o faço, a minha expressão e o meu tom
"Tomar a iniciativa";
mudam, torno-me mais sério. As crianças
"Ser capaz de se deslocar na sala"; "Ser capaz de
NOV./2011 dirigir uma sessão sozinho";
"Organizar uma sessão".

4ª Competência: Utilização de mediadores


pessoais

O terapeuta psicomotor ajusta-se à ação da criança


através de vários mediadores de comunicação,
corporais ou linguísticos, como o olhar, o gesto, a
voz, o uso da linguagem (Mila, 2008; Sanchez e
Llorca, 2008). O uso do gesto, do olhar e da
linguagem são também necessários para a gestão
dos limites e das regras, e para o reconhecimento
afetivo da criança.
Quando os estudantes reflectem sobre as
competências que adquiriram durante o primeiro
ano de formação, esta competência é nomeada por
seis estudantes. Referem-se a ela nos seguintes
termos:
• Gestão de fronteiras:
Aprendi a fazê-lo:
"Estabelecer
limites"; "A lei";
"Estabelecer normas";
"Ser mais permissivo, não estabelecer tantas
regras".
• Gestão da voz e da língua:
Aprendi a fazê-lo:
"Falar com a criança";
"Adaptar a linguagem, o tom a utilizar"; "Falar
em público para crianças".
Também relatam este facto nas suas memórias:
"O local de salto é também um local onde é
necessário estabelecer limites. É preciso avisá-los de
que têm de saltar um de cada vez, estabelecer
curvas para eles saltarem, etc. Sinto-me confortável

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seleccionados para esta análise. Segundo B.
aceitar
Aucouturier (2004), é necessário criar um
os
ambiente de segurança afectiva para a criança no
limites.
quarto, para favorecer os processos de segurança.
O quarto é um espaço simbólico de segurança e de

apoio que representa o corpo da mãe, um espaço
Competê amado, através do qual a criança pode circular
ncia: com t r a n q u i l i d a d e , ou um espaço não
Garantia amado que deve ser rejeitado (puxado,
afectiva empurrado, atacado, destruído); é também um
espaço de transição. A prática psicomotora
A favorece os processos de tranquilização face à
psicolo angústia, através do prazer das actividades
gia do motoras, através dos processos de tranquilização
desenv psicológica.
olvimen Nas palavras de Arnaiz, Rabadán e Vives (2001), o
to professor de psicomotricidade cria um ambiente
demons acolhedor e tranquilizador, garante a segurança de
trou todos, valoriza os progressos e as competências
que a como forma de reconhecimento e compreende a
seguran profundidade da expressão comportamental das
ça crianças. Quando os alunos reflectem sobre as
afectiva competências que adquiriram durante o primeiro
é a ano de formação, esta competência é mencionada
necessi por cinco alunos. Referem-se a ela n o s
dade seguintes termos:
mais
Aprendi a fazê-lo:
importa
"Ouvir a criança;
nte na
"Ouvir mais, estar mais atento";
infância
"Empatia, compreender o outro sem julgar, sem
. Esta é
interpretar, colocar-me no lugar do outro";
també
"Relação com os filhos";
m a
"Para comunicar mais com as crianças".
opinião
dos
peritos
em
psicom
otricida
de

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NÚMERO
Nas suas memórias, encontramos citações ligadas a durante a sessão, em suma, para promover a
Esta competência, como mostra o exemplo abaixo: autonomia nas acções e jogos das crianças
...Antecipar momentos posteriores... . Selecionar
NOV./2011 "Este fim de semana, Aitor foi hospitalizado com actividades relacionadas com o prazer sensório-
febres muito altas. Acho que hoje na enfermaria motor, introduzindo pequenas modificações,
ele estava a refletir esta história, estava a trabalhando a frustração de forma progressiva,
tranquilizar-se perante a angústia da através de propostas que facilitem
hospitalização, da separação e da perda da mãe.
Precisou de muito contacto, e muitos saltos no
vazio à procura de contacto com o adulto em
cada queda. Precisou que eu fosse uma presença
muito próxima em todas as suas acções. ...
Brincava de encher e esvaziar as construções, só
colocava as peças dentro do recipiente, mas não o
esvaziava, juntava-as como símbolo de reunião e
reencontro, mas não aceitava a separação. Penso
que hoje a sua segurança emocional está afetada
pela hospitalização".

6ª Competência: Promover o desenvolvimento

O terapeuta psicomotor deve utilizar estratégias


que promovam e favoreçam o desenvolvimento, o
desenvolvimento da motricidade, o
desenvolvimento da função simbólica e os
processos de descentração (Aucouturier, 2004;
Sanchez e Llorca, 2008). Favorecer o
desenvolvimento da função simbólica, através do
prazer de fazer, brincar, criar, passando por
diferentes níveis de simbolização, desde o prazer de
fazer até ao prazer de pensar sobre o fazer...
Favorecer o desenvolvimento do processo de
descentração, que permite aceder ao prazer de
pensar e ao pensamento operatório (Aucouturier,
2004).
É importante fazer propostas tendo em
c o n t a a s actividades das crianças para
reforçar e completar as suas acções, para que
possamos incentivar a repetição espontânea de

64
ISSN: 1577-0788
os desenvolvimento da criança: estratégias gerais, no
temas a ritual de entrada, nas actividades sensório-
desenv motoras, na atividade simbólica, na representação,
olver no ritual de saída (Sanchez e Llorca, 2008).
com Não encontrámos uma referência explícita a esta
base competência nos auto-relatos dos alunos, mas
nas encontrámo-la nas suas memórias, tal como
situaçõ relatado por este aluno:
es que "Na sessão de hoje, pude observar a troca de
surgem papéis no jogo simbólico:
e nos Um rapaz e uma rapariga construíram um castelo e
interes eu perguntei-lhes quem eram. A rapariga explicou
ses das que o rapaz era o rei e ela era a sua escrava.
criança Estavam a jogar para cumprir as ordens do rei.
s Pouco depois, o rapaz saiu do jogo e entrou outra
(Arnaiz, rapariga, mas os papéis não mudaram. A nova
Rabada participante era a rainha e ela continuava a ser a
n e escrava submissa. Perguntei-lhes sobre as suas
Vives, actuações
2001). ... Passado algum tempo, voltei a observá-los. Ela
O explicou-me que era agora a imperadora e que o
terapeu seu companheiro era o seu criado que vivia numa
ta pequena sala escura debaixo do seu trono.
psicom Normalmente, A segue as iniciativas dos outros.
otor Hoje foi capaz de mudar de papel, de deixar de ser
deve submissa e de brincar ao comando.
ser O objetivo é que a criança possa progredir no seu
capaz desenvolvimento, o que se consegue ouvindo
de ativamente as suas necessidades, o que é, sem
utilizar dúvida, o aspeto mais importante desta formação
diferen prática.
tes
estraté
gias de
envolvi
mento
no jogo
para
promov
er o

65
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NÚMERO
7ª Competência: Lidar com as dificuldades Tive dúvidas sobre quanto tempo deveria deixá-lo,
mas no final foi a própria criança que marcou o
Faz parte do saber-fazer do psicomotricista lidar tempo". "Com a proposta de lutar com as
NOV./2011 com as dificuldades e os comportamentos almofadas, deixei-me cair demasiado, as crianças
problemáticos das crianças ou em relação ao saltaram para cima de mim e eu não me conseguia
dispositivo. Por vezes, estas dificuldades aparecem mexer".
como uma repetição de comportamentos instáveis, Noutro caso, uma aluna reflecte sobre a projeção dos
impulsivos, provocadores ou inactivos, que seus próprios medos:
persistem apesar de se oferecer à criança um "Parecia que eu tinha medo porque, enquanto as
espaço de acolhimento e de segurança afectiva. crianças andavam no banco, eu estava sempre a
Outras vezes é a criança que tenta desestabilizar a dizer-lhes 'o mais longe possível', e pareceu-me que
posição do psicomotricista, e como sair da estava a projetar o meu medo nelas".
provocação sem destruir a confiança recíproca? É Neste caso, uma aluna é confrontada com a sua
preciso compreender no provocador o desejo de ser própria angústia inesperada:
reconhecido como diferente e de exprimir o seu "De repente, um rapaz aproxima-se de mim,
desejo de identidade (Aucouturier, 2004). agarra a minha perna, não sei como reagir, toco-
Arnaiz, Rabadán e Vives (2001) também apontam lhe, desço ao seu nível e pergunto-lhe o que quer,
neste sentido: Ser recetivo aos bloqueios que ele não diz nada, mas continua a agarrar-me, eu
podem ocorrer em algumas crianças. Manter um acaricio-o. Ele deita-se ao meu lado como se
ambiente comunicativo e fazer evoluir os estivesse morto, continua hipotónico, não sei o
comportamentos provocadores, sedutores, inibidos, que fazer. Sinto-me cada vez mais angustiada,
agressivos... ajudando as crianças a melhorar os não sei como lidar com esta situação, não
seus actos comunicativos. percebo o que Aleixo quer e não sei como agir.
Não encontrámos uma referência explícita a esta Ele levanta-se, vai para os tapetes e esconde-se lá
competência no relatório dos alunos, mas dentro, eu brinco com ele e ele sorri, diverte-se,
encontrámo-la nos seus relatórios. Vejamos alguns mas continua deitado e não quer sair daqui.
exemplos. Sinto-me mal e não percebo porquê. Vêm mais
Um aluno refere a dificuldade em gerir os limites: crianças e adoptam a mesma atitude que Aleixo. A
"Depois de o ter avisado várias vezes para não primeira coisa que me vem à cabeça é "Não, por
deitar abaixo as paredes da casa do leão porque não favor, mais não! E penso: porque é que o Aleixo
se pode deitar abaixo as construções das outras me escolheu a mim? Tento não mostrar o meu
crianças, peguei-lhe na mão e pedi-lhe para se desconforto. Cubro toda a gente com o tapete e
sentar um pouco no banco para pensar porque é continuamos a jogar ao pek-a-boo. Anunciam que
que não se pode deitar abaixo as construções das a sessão terminou... Não me sinto bem, sinto que
outras crianças. Pedi-lhe para estar calado e depois algo se mexeu dentro de mim. Apetece-me
devolvi-lhe a bola. Esteve no banco apenas três chorar.
minutos e veio ter comigo dizendo que não voltaria
a fazê-lo e que se eu lhe devolvesse a bola. Eu disse 8ª Competência: Relação com os outros
que sim e ele não se incomodou mais. ...eu tinha significativos (pessoas, instituições) para a criança

66
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O
terapeut
a
psicomot
or
intervém
frequent
emente
no
âmbito
do

67
ISSN: 1577-0788
NÚMERO mãe-filha. Eu proponho
escola, ou outra instituição de ensino ou de saúde.
É c o n f r o n t a d o com a necessária relação com
outros colegas e profissionais, ou com a própria
NOV./2011 direção da escola. Por vezes, tem de ser um
mediador entre os diferentes ambientes que
rodeiam a criança. Neste sistema de relações, a
família desempenha um papel central,
nomeadamente quando a criança tem dificuldades.
Explicar o nosso trabalho com a criança e ajudar a
compreender os comportamentos problemáticos e
a nossa forma particular de lidar com eles é
importante para aprofundar a compreensão da
criança, do aluno (Mila, 2008; Sanchez e Llorca,
2008; Arnaiz, Rabadan e Vives, 2001). É importante
formar os alunos para o trabalho interdisciplinar e
para o apoio às famílias. Quando trabalhamos com
outras pessoas significativas para a criança, os
efeitos da nossa intervenção são multiplicados.
Não encontrámos uma referência explícita a esta
competência nos auto-relatórios dos alunos,
embora ela apareça em alguns dos seus relatórios.
O relato deste aluno aponta para uma intervenção
com os pais, neste caso com uma mãe que assiste
pessoalmente à sessão:
"A Cláudia tem 18 meses e sofre de uma grande
angústia quando é separada da mãe. É a segunda
sessão e a mãe está na sala, o bebé nos seus braços
começa a construir comigo. A mãe diz: "Sabes, eu
sabia que ela não ia fazer nada, ela é tão tonta, faz
sempre a mesma coisa quando eu estou lá, Cláudia,
vá lá, faz qualquer coisa! Brinca sozinha, mostra à
Eva o que fazes, olha como esta criança brinca e tu
não". Eu digo à mãe para não sofrer, para não ter
pressa, que a Cláudia precisa do seu tempo e que
tem de começar a ver a s coisas positivas que ela
faz, em vez das negativas; a criança precisa desta
relação antes de começar a brincar sozinha ou com
os outros. Só há angústia, choro e gritos quando
alguém s e a p r o x i m a do território de fusão

68
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que os fazia. ....
A mãe
A dificuldade de uma criança é a dificuldade de
sai da
todo o seu ambiente: família, educadores, nós
sala
próprios perante as dificuldades da c r i a n ç a ,
durant
onde vemos o espelho das nossas próprias
e
dificuldades. É importante reconhecer que quando
algum
trabalhamos com crianças, trabalhamos com todo
tempo,
um ambiente e toda uma teia de relações e
concor
experiências, e toda uma história que a criança
da e
carrega consigo.
diz-me:
Vejamos o exemplo de uma aluna a quem é pedido
"Não
que trabalhe com dois grupos de crianças de cinco
import
anos numa escola primária durante o seu primeiro
a, ela
ano de formação, e que está a lidar com a sua
també
primeira relação com a instituição:
m não
Na entrevista anterior com o diretor, ele disse-me:
vai
"Acima de tudo, não façam barulho, e se tiverem
fazer
de os manter durante uma hora sem fazer nada,
nada
têm de os manter, estas crianças precisam de
sem
muitos limites".
mim".
No
9ª Competência: Construção de conhecimentos
final da
sessão,
Neste sistema de formação, o aluno significa as
falo
situações e a sua própria atividade, constrói um
com a
conhecimento que parte da ação e regressa a ela
mãe
p a r a a modificar e melhorar. Ao mesmo
sobre
tempo, criam uma rede de ligações com a
os seus
formação teórica e pessoal. O conhecimento é
julgam
construído a partir da pessoa, mas também na
entos
troca com os outros, tornando-se assim uma
negativ
construção social e intersubjectiva. Nesta
os e ela
competência, emerge a teoria da prática.
diz-me
que Quando os formandos reflectem sobre as
nunca competências que adquiriram durante o primeiro
se ano de formação, esta competência é nomeada
tinha por quatro formandos. Referem-se a ela na secção
aperce
bido de

69
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NÚMERO
seguintes termos: com a ajuda dos meus colegas e do meu tutor.
"Eu ligo-me à teoria, ao significado"; Trabalhar enquanto alguém nos observa é
"Posso refletir sobre tudo, porque necessário. É a forma de ver as acções que fazemos,
NOV./2011 n o r m a l m e n t e n ã o se pára para pensar se são ajustadas ou se são projecções nossas. Penso
nisso"; que m e l h o r e i em termos de olhar
"Mudou completamente a minha conceção da perifericamente para o grupo e de me adaptar às
prática"; exigências. Trabalhei para não me sentir absorvida
"As crianças são mais pessoas e mais inteligentes do pelo desejo da criança e, pouco a pouco, estou a
que eu pensava". conseguir. Um aspeto em que ainda não me sinto
Aparece também no relato das suas memórias: confiante é a resolução de conflitos na sala.
"Aitor construiu hoje uma casa com a minha ajuda, "Ser observada permitiu-me aceitar aspectos
uma casa com portas e janelas. A casa simboliza um pessoais que não controlava e trabalhar para os
invólucro protetor contra a pulsionalidade dos melhorar.... . Trabalhar com os meus colegas e com
fantasmas. A casa é também uma metáfora do o nosso tutor deu-me mais sensibilidade na
corpo em relação ao ambiente, com os seus fechos observação, mais facilidade de movimento no
e aberturas, portas e janelas, ... lugares que espaço. Consegui observar as minhas falhas e
simbolizam a história do prazer e do desprazer nas aprender com elas. Tenho dificuldade em
experiências corporais da criança... . Somos actividades relacionadas com a altura e o salto.
transformados quando conseguimos transformar as C a u s a m - m e muita ansiedade. Também tenho
nossas dificuldades, e é então que podemos consciência das minhas limitações no que diz
transformar a forma como agimos no nosso respeito à gestão de conflitos entre crianças e sei
ambiente". que isso está relacionado com a forma como gero a
O aluno também constrói um conhecimento minha vida.
sobre a sua própria imagem profissional, um
conhecimento elaborado com os outros: Dificuldades expressas
"Mais uma vez, a análise da sessão foi muito
positiva, partilhar experiências e opiniões com os Nos auto-relatórios, perguntámos a o s alunos o
meus colegas e o meu tutor é muito produtivo que ainda tinham de aprender, que limitações
para mim, pois há sempre novos contributos com que acham a sua prática. Os
que não contávamos e ouvir a opinião dos outros resultados mostram que o maior núcleo de
faz-nos abrir a mente a novas formas de ver e dificuldades aparece em relação à quarta
sentir a psicomotricidade...". competência (Utilização de mediadores pessoais) e
"Hoje é a última sessão. Há um certo ar de nostalgia está ligado à gestão dos limites (doze alunos). Eles
entre nós. Trabalhámos e m equipa. Somos um exprimem-no nos seguintes termos:
bom grupo de trabalho que se respeita e que, ao Preciso de melhorar em ..., aprender a ... :
mesmo tempo, se ajuda a crescer como pessoas e "Estabelecer limites";
como psicoterapeutas. "Pessoalmente, penso que "Autoridade";
melhorei os aspectos necessários desta prática e foi "Eu marco a lei; eu marco-a, mas eles não me
sempre com ouvem, é difícil para mim mudar a minha cara";

70
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"Tornar
a lei
mais
segura;

71
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NÚMERO Lidar com dificuldades (dois alunos): "Lidar com
"Pôr a lei em vigor, mas torná-la visível, à s v e z e s
conflitos";
n ã o s e i se é suficiente: o tom, a postura;
"Tomar uma posição, falar claramente"; "Detê-
NOV./2011 los quando me atacam".
Em segundo lugar, nomeado por cinco alunos,
surgem limitações em relação à primeira
competência (Observação). A dificuldade em ter em
conta o grupo como um todo é particularmente
evidente:
"Mais olhares periféricos",
"Mais olhares periféricos",
"Concentro-me demasiado nalgumas crianças e
noutras que mal conheço".
Também é também observa
limitações na auto-
observação:
"Observamos as crianças mais do que nos
observamos a nós próprios". Por fim, é apontada a
necessidade de melhorar a qualidade da
observação:
"Saber observar melhor".
Em terceiro lugar (quatro alunos) apontam algumas
limitações relacionadas com a competência três
(Manuseamento do dispositivo). Centram-se na
criatividade:
"Alargamento das estratégias";
"Seja criativo, proponha variações"; e
responsabilidade:
"Executar a sessão";
"Mais responsabilidade na direção de um grupo".
Existem também limitações ligadas à construção
do conhecimento (três alunos):
"Significado
"; "Teoria";
"Psicologia da criança";
Sintonia afectiva (dois alunos):
"Saber adaptar-se às suas necessidades, s a b e r do
que precisam";
"Paciência";

72
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alunos). De acordo com as suas palavras:
"Gerir o
"Mais segurança
sofrimen
pessoal"; "Segurança";
to no
"Perder a vergonha";
caso de
"Autoconfiança para agir"; "Superar os medos
se
(o salto)";
magoar
"Controlo-me para não transmitir o medo às
em". crianças"; "Tenho vindo a curar o meu medo de
Neste
saltar";
inquérit
"Já não tento controlar tudo.
o às
suas
Conclusões
limitaçõ
es,
Esta secção baseia-se nas questões iniciais que
outros
presidiram ao nosso estudo:
aspecto
s
1. Podemos encontrar um conjunto de
aparece
competências consideradas essenciais pelos
m
especialistas na formação prática dos estudantes?
també
Sim, encontrámos algumas competências que
m nos
são consensuais entre os especialistas, embora
seus
estas competências possam estar organizadas
auto-
ou designadas de forma diferente de acordo
relatos:
com os autores. Com base na análise dos seus
falta de
textos, identificámos nove competências.
seguran
2. Podemos documentar e verificar a presença
ça
destas competências na experiência e na perceção
pessoal
dos aprendentes?
(seis
Sim, documentámos a sua presença através de
alunos),
auto-relatórios (tutoria) e relatórios. Encontrámos
medos
mais evidências para algumas competências e
que
menos para outras, dependendo também do
querem
instrumento utilizado. Podemos pensar noutros
ultrapas
métodos para a verificação de competências,
sar ou
como a observação.
não
projetar
nas
crianças
(quatro

73
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NÚMERO
Neste sentido, dispomos de instrumentos valiosos a eventual identificação de outros que possam
como o elaborado por Sanchez e Llorca (2008): contribuir para a definição do perfil profissional do
Guion para la observación del psicomotricista. psicomotricista.
NOV./2011 • Contrastar estas competências no quadro da
3. Que consciência têm os alunos das suas outras formações de graduação e pós-graduação.
realizações ou resultados? • Conceber modalidades de formação que
As competências identificadas têm garantam o desenvolvimento e a avaliação da sua
têm uma presença desigual na consciência e formação baseada nas competências.
no discurso dos alunos, tal como evidenciado pelos • Refletir sobre a consciência necessária que os
seus auto-relatos. A observação é, de longe, a estudantes devem ter destas competências desde o
competência mais representada. Por ordem de início do seu processo de formação.
representação, segue-se: 2º Gestão do dispositivo; • Encontrar diferentes métodos e conceber, se
3º Sintonia afectiva e utilização de necessário, instrumentos para observar e avaliar
mediadores pessoais; 4º Garantia afectiva; 5º e m que medida os aprendentes adquirem estas
Construção do conhecimento. Algumas competências.
competências não aparecem nos auto-relatórios, • Preservar a riqueza de certas práticas já
mas aparecem nas memórias: Promoção do consolidadas na formação prática dos terapeutas
desenvolvimento, gestão das dificuldades, relação psicomotores, tais como a formação de grupos e
com as pessoas significativas para a criança. dinâmicas, a autonomia progressiva na gestão da
A observação é a competência mais presente na sessão, a coerência com a formação pessoal e
consciência dos alunos e a gestão dos limites é o teórica.
aspeto que eles consideram mais necessitar de ser
trabalhado. O saber-fazer do terapeuta psicomotor constrói-se a
Estamos num bom momento para dar forma à partir da pessoa, mas na troca com os outros, um
formação do psicomotricista, a partir das saber-fazer contextualizado e significativo, que dá
competências básicas a serem trabalhadas. O nosso ao estudante a oportunidade de aprofundar a sua
grupo tem trabalhado intensamente na própria prática psicomotora, num quadro que o
identificação das competências para a formação assegura e ajuda a crescer, não só como
pessoal/corporal dos psicomotricistas (Camps, Mila, profissional, mas também como pessoa.
García, Pelleci & Tomás, 2011). O estudo aqui
apresentado pretende ser apenas um ponto de BIBLIOGRAFIA
partida na identificação de competências relevantes
para um grupo de especialistas cuja presença Arnaiz, P.; Rabadán, M. e Vives, Y. (2001).
verificámos num grupo do primeiro ano de um Psicomotricidade na escola: Uma prática preventiva
mestrado em psicomotricidade. Como perspectivas e educativa. Málaga: Aljibe.
futuras seria de todo o interesse:
Arnaiz, P. e Bolarin, M. J. (2000). Uma proposta para
• Aprofundar a definição e o significado do a observação de parâmetros psicomotores. Entre
competências aqui descritas e para progredir em líneas, 8, 6-9.

74
ISSN: 1577-0788
NÚMERO
Aucouturier, B. (1986). Reeducação e terapia Docente em vários cursos de pós-graduação
psicomotor. Madrid: Científico-médica. em Psicomotricidade. Membro dos seguintes grupos
(2004). Fantasmas da ação e da prática de investigação: "Intervenção e Desenvolvimento
Psicomotor".
NOV./2011 psicomotor. Grao: Barcelona. coordenadora do curso de Pós-graduação em
Camps, C. e García, L. (2004). A formação pessoal do Intervenção Psicomotora e do Mestrado em Terapia
psicomotricista como um processo de mudança e Psicomotora desta universidade.
transformação. Entre líneas, 16, 7-20.
Camps, C.; Mila, J.; García, L.; Pelleci, M.;
Tomás,
I. (2011). El psicomotricista en su cuerpo. Buenos
Aires: Miño y Dávila.
García, L. (2000). Observação psicomotora:
transformar a experiência partilhada em
compreensão. Entre líneas, 7, 10-14.
García, L. e Camps, M. (2004). Intervenção
psicomotora: uma experiência de formação global
em três dimensões a partir da pessoa. III Simpósio
Ibero-americano de Docência Universitária: Para um
espaço de aprendizagem partilhado. Universidade
de Deusto.
García, L. e Camps, M. ( 2006). A formação na
prática: a aquisição de competências profissionais
em psicomotricidade. Revista Iberoamericana de
Psicomotricidad y Técnicas Corporales, Vol. 6 (4), 24,
79-92.
Mila, J. (2008). De profesión psicomotricista.
Madrid: Miño y Dávila.
Sánchez, J. e Llorca, M. (2008). Recursos e
estratégias em psicomotricidade. Màlaga: Aljibe.

Detalhes do autor

Lola Garcia Olalla é doutorada em Psicologia e


Psicomotricista. Professora no Departamento d e
Psicologia da Universidade Rovira i Virgili
(Tarragona, Espanha). Responsável por várias
disciplinas na área da Psicologia do
Desenvolvimento e da Educação. Professora e

75
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Psicoló vários artigos e comunicações sobre o
gica" e desenvolvimento socioemocional na infância e a
"Intera psicomotricidade.
ção e Endereço de contacto: lola.garcia@urv.cat
Comuni Comunicação apresentada no I Congresso
cação Internacional de Psicomotricidade. Prevenção,
em Educação e Clínica. Contribuições interdisciplinares.
Context Santiago do Chile, novembro de 2011
os
Educati
vos".
Respon
sável
por
vários
project
os de
inovaçã
o
pedagó
gica a
nível
universi
tário.
Assesso
ra na
formaç
ão de
profess
ores
para a
educaç
ão de
infânci
a e
psicom
otricida
de.
Autora
de

76

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