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12, no 1, 18– 27
Resumo
Destacamos neste artigo aspectos que consideramos fundamentais para o processo de ensino/aprendizagem
em psicologia clínica, baseados em nossa experiência como supervisores para alunos de graduação em Psi-
cologia na Universidade de Brasília. Enfocamos particularmente a formação do papel de terapeuta enfati-
zando nisto a relevância da supervisão. Destacamos o Psicodrama como método de trabalho e a utilização
do role playing como técnica. Nosso objetivo mais amplo é contribuir para a reflexão sobre as característi-
cas do ensino clínico, bem como sobre a qualidade da formação do psicólogo.
Palavras chave: Psicodrama, supervisão, role playing, clima terapêutico.
Considerações iniciais
Este artigo se propõe a mostrar uma experiência de supervisão de estágio em grupo, com a utilização
do Psicodrama como método de trabalho, no Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos – CAEP - a
Clínica/Escola do Departamento de Psicologia da Universidade de Brasília. Este estudo compreende o perí-
odo de 2000 a 2003, durante seis semestres consecutivos.
Pensamos, inicialmente, que alguns esclarecimentos sobre o funcionamento do CAEP se fazem perti-
nente. Trata-se de uma clínica-escola pública, que tem a função de proporcionar estágios para a formação
clínica dos alunos e de prestar serviços à comunidade, oferecendo, também, campo para a pesquisa científi-
ca. De acordo com o Regulamento Interno (2001) específico “o CAEP, unidade especial de ensino teórico-
prático, pesquisa e extensão do Instituto de Psicologia da UnB, tem por finalidade a prestação de serviços
psicológicos nas áreas de clínica, educação e trabalho1” (p. 7), compreendendo atividades de atendimento
clínico, ensino, pesquisa e extensão em psicologia, abrangendo as prestações de serviços no local ou fora
dele, para as comunidades interna e externa.
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ção do papel profissional de psicólogo psicote- No que diz respeito aos alunos, a
rapeuta “o que possibilita tornar esse aprendi- supervisão se justifica nas situações em que o
zado uma experiência tão rica quanto comple- supervisionando identifica uma dificuldade
xa” (Aguirre e cols., 2000, p. 50). própria em manejar uma determinada situação
na relação com seu paciente e também quando
A supervisão didática deseja ver como um caso ou situação
A supervisão é um procedimento específica é trabalhado por outro profissional.
pedagógico, por isto o complemento ‘didática’ A este respeito, uma das condições mais
que normalmente segue o termo, que figura importantes na aprendizagem do papel de
como etapa acadêmica de um curso. É também, terapeuta clínico passa necessariamente pela
segundo Calvente (2002), uma aprendizagem capacidade crescente do terapeuta iniciante de
especial porque tem como finalidade articular estabelecer, o que consideramos chamar de
teoria e prática, constituindo-se uma matriz de clima terapêutico em relação ao seu paciente.
aprendizagem. De acordo com o autor, a Entendemos clima terapêutico como a
supervisão é um espaço de revisão conceitual, capacidade do terapeuta de poder acolher e
onde se permite aprofundar ou ampliar os aceitar seu paciente naquelas questões que são
conceitos à luz do material clínico que se está rechaçadas por ele mesmo ou pelo social. O
trabalhando; além disto é espaço de articulação clima terapêutico é um clima afetivo que
e instrumentação técnica e também de favorece o amadurecimento psicológico
treinamento do papel de terapeuta. Em suma é permitindo estabelecer uma relação de respeito
lugar de articulação da revisão conceitual, da entre o terapeuta e seu paciente.
técnica e do papel do terapeuta.
De acordo com Silva Dias (1994), “o
A supervisão pode ter como cenário de
estabelecimento do clima terapêutico é de
desenvolvimento a Instituição, com seus cursos
exclusiva responsabilidade do terapeuta e está
e currículos organizados de forma processual e
ligado ao seu grau de amadurecimento como
sistemática e visa fornecer ao estudante, em
profissional e como pessoa” (p.57). Desde este
vias de finalização do percurso acadêmico, a
ponto de vista podemos afirmar que três
formação necessária para o bom desempenho
aspectos são fundamentais para que o
do futuro papel profissional.
terapeuta, neste nosso caso específico o
Também na formação do psicólogo
terapeuta iniciante, possa conseguir estabelecer
clínico, a supervisão tem como finalidade dar
o clima terapêutico, base do processo
ao psicoterapeuta iniciante, de forma
psicoterápico. São eles: psicoterapia própria,
sistemática, o contexto relacional apropriado à
conhecimento teórico e supervisão.
reflexão sobre a situação psicoterápica. Além
Acreditamos ser a integração deste tripé
disto, a supervisão contextualiza o
condição necessária para o entendimento, por
desenvolvimento ou a experimentação de um
parte do terapeuta iniciante, da dinâmica do
estilo próprio no desempenho do papel
paciente possibilitando assim uma separação
profissional, que é a marca do profissional em
entre seus próprios conteúdos emocionais e os
atuação.
conteúdos de seu paciente.
Do ponto de vista da Instituição a
De acordo com Aguirre e cols. (2000)
supervisão em psicologia clínica se justifica
para poder empatizar com o paciente é
pela conscientização para uma melhor
necessário poder se colocar no lugar deste sem,
interação entre teoria e prática na universidade
porém, confundir-se com ele. Exemplos,
e pela necessidade de abertura de um campo de
retirados de relatórios finais dos alunos, podem
formação, de pesquisa e de prática para os
ilustrar este fato. A supervisionanda/terapeuta
alunos de graduação. Justifica-se ainda pela
PL com relação aos seus primeiros
contribuição, do ponto de vista institucional,
atendimentos com uma paciente diz:
para o aperfeiçoamento dos alunos de
graduação e por uma atenção à demanda Nas primeiras sessões, sentimos muita
crescente da comunidade para os serviços de dificuldade em entrar verdadeiramente
psicologia clínica. em contato com a paciente. Ela sempre
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máticas enseja considerar a supervisão como apoio mútuo, acrescidos do uso constante de
parte integrante da construção do papel de tera- role-playing permitem o aperfeiçoamento das
peuta. capacidades do supervisionando.
Moreno (1954) coloca que na construção Segundo Kaufman (1993), o termo role
de um papel, em primeiro lugar temos a assun- playing deve ser diferenciado, segundo sua
ção ou tomada de papel (role taking), depois o utilização, em sentido lato ou estrito. De acor-
desempenho do papel (role playing), para che- do com o autor em sentido lato, a expressão
gar finalmente, à criação do papel (role crea- refere-se a jogo de papéis, representação teatral
ting). Calvente (2002), no que se refere à cons- e, portanto, está presente nas várias formas de
trução do papel de terapeuta, diz que: abordagem socionômica e, em sentido estrito,
relaciona-se a uma das etapas de estruturação
Quando o estudante se sente identificado
do papel e, também, ao jogo de um certo papel
com seu papel, pode representá-lo com
e seu contrapapel dentro de um vínculo especí-
espontaneidade e vivenciá-lo de modo
fico. No nosso caso abordamos, em supervi-
integrado com o restante de sua pessoa,
são, a relação que se estabelece entre o tera-
o que lhe permite desempenhá-lo com
peuta iniciante e seu cliente, isto é, abordando
estilo próprio e com uma quantidade
o papel e seu contrapapel.
cada vez menor de ansiedade. Seguindo
O role playing, como método do psico-
a idéia moreniana, quanto menor a ansie-
drama, vai usar a representação dramática em
dade, maior a espontaneidade e a criati-
substituição ao relato verbal, pela experiência
vidade e vice-versa (p.113).
compartilhada e vivenciada do processo atra-
Na supervisão com técnicas psicodramá- vés do jogo de papéis. Role playing é o “como
ticas trabalhamos especialmente com o desem- se” da sessão, no qual o supervisionando assu-
penho de papéis ou role playing e com a utili- me via de regra o seu próprio papel e o papel
zação do próprio grupo em supervisão como de seu paciente compondo assim as várias al-
matriz do aprendizado. Diz Naffah Neto: ternativas do processo psicoterápico que se
O método do role playing: desenrolam na sessão, in loco e in presentia,
"interpretação de papéis” – transforma- durante a supervisão. O “como se” também
dos posteriormente por uma certa prática oferece a possibilidade do supervisionando
ideológica em “treinamento de papéis” – testar previamente suas ações e atitudes frente
busca, como método, uma pesquisa, ex- ao comportamento de seus pacientes sem a so-
plicitação e transformação dos papéis, brecarga ansiógena que a situação real fatal-
tomando-os em sua dimensão dinâmica mente acarretaria.
ou interativa. A nosso ver ele representa Segundo Zimerman e Osório (1997), o
uma derivação do teatro espontâneo da role playing, em supervisão tem como função
mesma forma que o sociodrama e o psi- preencher as lacunas do material da sessão que
codrama foram derivações do teatro tera- já ocorreu bem como possibilitar uma visão
pêutico. Mas na verdade, é menos espe- estratégica do ocorrido. Desta forma, de acordo
cífico que os métodos sociátricos: visa à com os autores, o supervisionando ao estar nu-
educação e ao desenvolvimento da es- ma posição que implica um menor comprome-
pontaneidade de uma forma mais global, timento ele pode passar a dominar suas ansie-
enquanto o psicodrama e o sociodrama dades vez que a situação deixa de ser fonte de
especificavam-se no “tratamento” das paralisação por deixar de ser nova e desconhe-
patologias. Por isso o role playing tor- cida. O supervisionando/terapeuta JV sobre
nou-se o método central do psicodrama isto afirma que:
pedagógico ou educacional (1997, p. Na supervisão podemos abrir caminho,
197). através do role playing, para estarmos
O psicodrama, por ser uma abordagem explorando os vários desdobramentos e
essencialmente grupal e de ação, favorece o as conseqüências dos comportamentos
compartilhar através da interação do grupo. vivenciados pelo paciente. Desta forma,
Acreditamos que a troca de experiências e o quando vivenciamos isto na supervisão,
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(1) Angústia: porta de entrada da psicoterapia. seus participantes para poder lidar com aquele
Seu diagnóstico é fundamental como norteador que não está no grupo, mas que é a peça central
da conduta que deverá ser tomada pelo desta máquina: o paciente.
terapeuta frente ao paciente. Para o aluno, esta dupla vivência parece
(2) Discurso: a decodificação do discurso do proporcionar, ao longo do trabalho, o acúmulo
paciente vai informar o que ele realmente está necessário de experiências para o desempenho
nos comunicando do ponto de vista deste papel que por ora está em formação. No
diagnóstico. Este discurso pode vir de diversas caso do supervisor, introduzir o aluno e futuro
formas e é muito específico de cada paciente. colega de profissão neste contexto, proporcio-
Entretanto, em linhas gerais observamos que nar a este as experiências necessárias para que
este discurso pode vir de forma queixosa, aprenda a lidar com as complexas situações
vitimizada, impositiva, disfarçada, acusatória, e que se apresentam e também poder participar
assim por diante. na criação do estabelecimento do clima tera-
pêutico, parece constituir um fascinante desafi-
(3) Proposta de relação: é a forma implícita no
o. A tarefa do supervisor de acompanhar, ao
discurso do paciente que direciona o tipo de
longo do semestre os movimentos do supervisi-
relação que ele tenta estabelecer com o
onando e futuro terapeuta visando uma integra-
terapeuta. Geralmente, é um tipo de “relação
ção final fundamentada nas questões teóricas,
interna complementar patológica” (Silva Dias,
no raciocínio clínico, na compreensão da dinâ-
1996, p. 120) que o paciente pode assumir
mica do paciente, tudo isto constitui material
esperando uma complementaridade por parte
de trabalho para o supervisor. E também, poder
do terapeuta. A proposta de relação fala da
participar e contribuir para o crescimento pro-
dinâmica psicopatológica do paciente.
fissional de seu aluno é o que constitui, para o
(4) Estágio da psicoterapia: refere-se ao ponto supervisor motivo de satisfação profissional.
em que a psicoterapia está bloqueada ou ao Este artigo ao tentar sistematizar alguns
ponto em que o supervisionado está conceitos, procurou destacar aspectos que con-
trabalhando com seu paciente. É importante a sideramos relevantes para o processo de apren-
definição deste momento de terapia para que se dizagem do papel de terapeuta. Não procura-
possa melhor utilizar as técnicas dramáticas e mos com o mesmo esgotar a amplitude do tema
as condutas apropriadas. proposto, mas, ao contrário, abrir campo de
pesquisa que possa contribuir para a reflexão
Considerações finais sobre o ensino da prática clínica bem como
No decorrer deste artigo, ao nos referir- sobre a qualidade da formação do psicólogo
mos aos alunos que participam do programa de clínico.
supervisão, tivemos o cuidado de designá-los
por supervisionando/ terapeuta. Isto nos coloca Referências bibliográficas
frente a uma questão que gostaríamos de desta- Aguirre, A. M. B; Herzberg, E.; Pinto, E. B.;
car aqui. Ao cursar a disciplina Estágio Super- Becker, E.; Carmo, H. M. S. e Santiago, M.
visionado o aluno passa a ter a oportunidade, D. E. (2000). A formação da atitude clínica
ainda na graduação, de vivenciar o pressuposto no estagiário de psicologia. Psicologia
de um papel profissional que está se estabele- USP, 11 (1), 49-62.
cendo. Desta forma, o aluno sobrepõe dois pa- Bustos, D. M. (2001). Perigo... amor à vista.
péis: de aluno frente ao seu professor supervi- São Paulo: Aleph
sor e de profissional terapeuta frente ao seu Calvente, C. (2002). O personagem na
paciente. Por seu turno, o supervisor também psicoterapia – articulações
desempenha um duplo papel, de professor, que psicodramáticas. São Paulo: Editora Agora.
ensina e avalia e também de terapeuta, uma vez Kaufman, A. (1993). Role playing. Em R.
que dirige o grupo de supervisão procurando Monteiro (Org.), Técnicas fundamentais do
estabelecer o clima terapêutico de proteção e Psicodrama. São Paulo: Editora
continência neste grupo. Este quadro nos mos- Brasiliense.
tra a magnitude deste trabalho que envolve Moreno, J. L. (1954). Fundamentos de la so-
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