Você está na página 1de 54

FRANCIELY CHROPACZ

A ANULAÇÃO JUDICIAL DE DECISÃO PROFERIDA PELO


CONSELHO DE CONTRIBUINTES CONTRA A FAZENDA
PÚBLICA

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO/MARCATO


DIREITO PÚBLICO
CAMPO GRANDE - MS
2011
FRANCIELY CHROPACZ

A ANULAÇÃO JUDICIAL DE DECISÃO PROFERIDA PELO


CONSELHO DE CONTRIBUINTES CONTRA A FAZENDA
PÚBLICA

Monografia apresentada à Universidade


Católica Dom Bosco/Marcato, como
exigência final para obtenção do título de
especialista em Direito Público, sob as
orientações das Profas. Me. Elaine Cler
Alexandre S. e Maria Luiza A. A. Serra.

CAMPO GRANDE - MS
2011
FOLHA DE APROVAÇÃO

Esse documento corresponde à versão final da monografia intitulada A


ANULAÇÃO JUDICIAL DE DECISÃO PROFERIDA PELO CONSELHO DE
CONTRIBUINTES CONTRA A FAZENDA PÚBLICA, defendida por Franciely
Chropacz, perante a Banca examinadora do curso de Pós-Graduação em Direito
Público da Universidade Católica Dom Bosco, tendo sido considerada aprovada.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

Profa. Me. Elaine Cler Alexandre S.

___________________________________________

Profa. Me. Maria Luiza A. A. Serra

___________________________________________

Profº(a) Examinador(a)..............................................
Deus me livrou da morte,

fez parar as minhas lágrimas

e não deixou que eu caísse

na desgraça.

(Sl 116, 8 – Bíblia Sagrada)


AGRADECIMENTOS

À Deus, que me tem dado incontáveis bênçãos diariamente.

A minha família, sem os quais eu não seria quem sou.

Aos professores, os quais muito acrescentaram a minha formação.

Aos amigos, companheiros admiráveis.


RESUMO

Esse trabalho apresenta um estudo sobre a possibilidade de revisão


judicial das decisões proferidas pelo Conselho de Contribuintes, quando essas
decisões são contrárias à Administração Pública. Cumpre salientar que não está
tratando de qualquer decisão contrária ao Fisco, mas aquelas que são ilegais, contra
a ordem jurídica estabelecida.

Palavras chaves: Conselho de Contribuintes; Administração Pública;


Coisa Julgada; Revisão Judicial; Ilegalidade.
ABSTRACT

This essay presents a study about the possibility of judicial revision of


administrative resolutions of Council of Contributor, when these resolutions are
unfavourable of Public Administration. It is important inform that the resolutions is not
all, but only the contrary to the Public Fiscal that are illegal, against the legal order
establish.

Keywords: Council of Contributor; Public Administration; Closed Case;


Judicial Revision; Illegality.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

1 O PROCESSO ADMINISTRATIVO 12

1.1 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO


ADMINISTRATIVO 15

2 O CONSELHO DE CONTRIBUINTES 19

2.1 HISTÓRICO 19

2.2 FORMAÇÃO DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES 21

2.3 RECURSOS DAS DECISÕES DO CONSELHO DE


CONTRIBUINTES 26
2.4 RECURSO HIERÁRQUICO 31

3 A REVISÃO JUDICIAL 33

3.1 IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL 33

3.2 POSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL 37

3.3 AÇÕES POSSÍVEIS 46

CONSIDERAÇÕES FINAIS 47

REFERÊNCIAS 50
INTRODUÇÃO

O processo administrativo nasceu com o Estado Democrático de Direito,


onde as garantias individuais constituem direitos fundamentais. Bem instruído o
Processo Administrativo Fiscal permite a certeza do lançamento tributário, ou, de
outra forma, permite que o contribuinte demonstre as razões da sua impugnação.

O contribuinte, muitas vezes, continua insatisfeito com a decisão de


primeiro grau. Para tanto, dispõe a Administração Pública do Conselho de
Contribuintes para reapreciação do pedido ainda na esfera Executiva.

A decisão do Conselho de Contribuintes pode reformar total ou


parcialmente, ou manter, a decisão de primeiro grau, satisfazendo ou não a
pretensão do contribuinte.

Portanto, pode acontecer que os contribuintes recorram a Justiça quando


o recurso interposto na segunda instância Administrativa é negado, totalmente ou
em parte. Essa é uma prerrogativa entendida como normal, como um direito inerente
pertencente ao contribuinte.

Entretanto, pouco usual é a busca, no Poder Judiciário, de apreciação


quando é a Fazenda Pública que tem sua tese negada. Contudo, contribuintes e
Fisco, são partes. Portanto, teoricamente, ambos possuem o direito de apreciação
de seus pedidos na Esfera Judicial.

Muitos contribuintes insistem em não aceitar a revisão Judicial das


Decisões do Conselho de Contribuintes, que lhes são favoráveis, alegando que é
ferido o princípio da segurança jurídica e que se esvaziaria a finalidade de revisão
da instância administrativa.

Contudo, será que tal posicionamento não deve ser visto sob uma nova
ótica? Será que a revisão de decisões do Conselho de Contribuintes desrespeita a
esfera Administrativa? Será que é desfeita a segurança jurídica na instituição
Conselho de Contribuintes?
Se é possível que a Administração recorra ao Poder Judiciário para rever,
por exemplo, as cláusulas de um contrato firmado com um particular, porque não
poderia a Administração também buscar o Poder Judiciário para nova apreciação de
decisão exarada pelo Conselho de Contribuintes?

O propósito desse estudo é ponderar sobre a possibilidade de a


Administração Pública recorrer ao Poder Judiciário, quando as decisões proferidas
pelo Conselho de Contribuintes são entendidas contra a ordem legal estabelecida.

Dessa forma, também será analisado a não formação de coisa julgada


administrativa. Pois, caso ela se formasse, imutável seria a decisão proferida na
esfera Administrativa, fato que não sustenta pela busca do Poder Judiciário como
instância final de solução de litígios.

Portanto, pelo temas aqui abordados, o presente trabalho torna-se de


grande relevância para atividades acadêmicas e profissionais daqueles que
diariamente estão em volta com questões tributárias e administrativas.

O Capítulo 01 destina-se a tratar do Processo Administrativo. Essa é a


ferramenta que dispõe a Administração Pública para a exteriorização da atividade
administrativa. É necessário ter em mente que o trato da coisa pública não pode ser
exercido de qualquer forma, portanto, faz-se necessário a compreensão desse
instituto tão valioso do Direito Administrativo para a melhor compreensão do
presente estudo.

No Capítulo 02 será apresentado o Conselho de Contribuintes e sua


relevante contribuição para a solução de controvérsias entre contribuintes e Fisco.
Entretanto, sua performance muitas vezes não tem a devida valorização, uma
porque não se exige conhecimento necessário do julgador outra porque ele é mero
órgão pró-forma.

No Capítulo 03 tratar-se-á da revisão judicial das decisões proferidas pelo


Conselho de Contribuintes. Nesse capítulo, serão apresentadas posições favoráveis
a revisão, bem como, posições contrárias. Ambas com considerações relevantes de
doutrinadores para a validação da tese que se pretende defender nesse estudo.
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, jurisprudencial e a
experiência acadêmica e profissional da autora.
1 O PROCESSO ADMINISTRATIVO

Para a construção de uma pesquisa que pretenda ser didática na


transmissão de conhecimentos, é interessante, inicialmente, definir Administração
Pública, termo que reiteradamente será mencionado nesse trabalho: “Administração
pública é o conjunto de meios institucionais, materiais, financeiros e humanos
preordenados à execução das decisões políticas.”1 É através da Administração
Pública que o poder político eleito atinge os fins propostos em campanha.

A Administração Pública tem sua finalidade de agir determinada pela lei,


tanto para atos discricionários como vinculados. Assim, em qualquer que seja o ato
praticado dentro da Administração, não é possível afastá-lo da legalidade sob pena
de desvio de finalidade.

A atividade administrativa obedece, cogentemente, a uma finalidade,


à qual o agente é obrigado a adscrever-se, quaisquer que sejam
suas inclinações pessoais; e essa finalidade domina e governa a
atividade administrativa, imediatamente, a ponto de assinalar-se, em
vulgar, a boa administração pela impessoalidade, ou seja, pela
ausência de subjetividade.2

O processo administrativo é uma das formas de exteriorização da


atividade administrativa. Sua finalidade é permitir que os administrados tenham a
opção de buscar, ainda na esfera Executiva, a solução para seus conflitos, tornando
o acesso a justiça ainda mais democrática. Como uma das partes desse processo
envolve o Poder Público, essa relação torna-se regida pelo Direito Público. “Basta
que a Administração Pública esteja presente numa relação jurídica para que aí
estejam presentes, necessariamente, requisitos ou condições inerentes ao direito
público.”3

O processo administrativo, portanto, é um gênero que possui várias


espécies. Em relação à matéria tributária, o processo administrativo ganha

1
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 635.
2
LIMA, Ruy Cirne. Sistema de Direito Administrativo Brasileiro, p. 26.
3
DALLARI, Adilson Abreu. Regime Constitucional dos Servidores Públicos, p. 126.
contornos mais determinados, pois a relação entre contribuintes e Fazenda Pública
não pode estar eivada de qualquer mácula, sob pena de invalidação de seus atos.

O processo administrativo fiscal é regido por princípios próprios. Em


relação a questão probatória, entende-se que são aceitas todas as espécies de
provas admitidas em direito, inclusive o depoimento pessoal, testemunhas, peritos e
assistentes técnicos4.

O crédito tributário é constituído pelo lançamento e sua lavratura é de


competência privativa da autoridade administrativa. Através dela tem-se início ao
procedimento administrativo, o qual tem por finalidade verificar a ocorrência do fato
gerador da obrigação tributária, conforme determina o artigo 142 do código
Tributário Nacional.

O contribuinte autuado tem o direito de questionar o lançamento,


apresentando sua defesa perante a Administração Pública. Assim, o processo
administrativo, em matéria tributária, surge com a finalidade de verificar a ocorrência
do fato gerador do tributo.

O processo administrativo é distinto do processo jurisdicional, nesse há


formação da relação tríplice entre autor, juiz e réu, naquele, requerente e
Administração. Enquanto o processo no Poder Judiciário decorre de uma
provocação do interessado, o processo administrativo pode nascer de ofício. Várias
outras diferenças poderiam ser listadas, mas o principal é ressaltar que os atos
procedimentais visam um fim determinado, que no Direito Administrativo pode ser
expresso pela emanação de um ato administrativo.

O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 estabelece: “ninguém será


privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” Dessa previsão,
pode-se extrair o direito que o contribuinte possui de oferecer provas de suas
alegações no processo administrativo.

De acordo com o pensamento de Carlos Roberto de Siqueira Castro


o princípio do devido processo legal encontra relação com a
razoabilidade e racionalidade das leis, entendendo como razoável e
racional a lei que não seja arbitrária, implausível. No que tange aos

4
CHROPACZ, Franciely. A Teoria da Prova no Processo Administrativo Fiscal, p. 11.
procedimentos administrativos, afirma a necessidade de
fundamentação legítima e racional dos atos administrativos; da
salvaguarda dos direitos fundamentais dos governados frente aos
governantes, quando da revogação e anulação dos atos
administrativos; da garantia da ampla defesa nos processos
administrativos; da publicidade das decisões do Poder Público
(incluído o direito de vista aos processos); do direito de
representação e petição aos Poderes Públicos; da vedação às
chamadas “sanções políticas” ou “administrativas”.5

Em todas as fases do processo administrativo, esse deve se espelhar no


Processo Judicial, muitos princípios são comuns e permeiam tanto a esfera
Administrativa como a Judicial. Espelhar-se não é igualar-se (até porque o processo
administrativo e, principalmente, o tributário, tem princípios próprios), mas sim,
garantir a defesa e aplicação de princípios que o tornem justo e íntegro.

Dessa decorrência, o processo administrativo deve permitir o contraditório


e a ampla defesa.

Entende-se que não é possível a simultaneidade de processos na


instância administrativa e judicial, já que decisões contraditórias poderiam ser
proferidas. Contudo, correta é a intervenção do Poder Judiciário no Executivo para a
realização do devido processo legal administrativo.

O ato administrativo para ser válido, ele precisa ter em seu bojo os
elementos formadores para garantir sua validade, quais sejam: competência do
agente, finalidade, forma, motivo e objeto.

A competência do ato administrativo decorre da lei e é ela que o limita.


Tampouco pode ser transferida ou prorrogável. Para Hely Lopes Meirelles6, “nenhum
ato – discricionário ou vinculado – pode ser realizado, validamente, sem que o
agente disponha de poder legal para praticá-lo.”

A finalidade é o interesse público a ser alcançado. Não se pode pensar


em ato administrativo, sem que esse esteja atrelado a um fim público.
5
ROBLES, Maria de Lourdes Almeida. O Processo Administrativo Tributário como Alternativa
Eficaz à Sobrecarga do Judiciário e Garantia de Justiça Fiscal, p. 19.
6 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p. 134.
Para Diogenes Gasparini7 “a finalidade, sobre ser pública, há de ser
indicada na lei. A prática de qualquer ato desinformado de um fim público é nula por
desvio de finalidade.”

A forma é a exteriorização do ato administrativo e, em regra, é escrita.


Caso o ato exija determinada forma para ser concretizado (como o despacho em um
processo exige a forma escrita) a não observância desse requisito também leva a
nulidade do ato.

O motivo, também chamada de causa por vários doutrinadores, é a


situação que autoriza a realização do ato administrativo. De tão relevante, originou a
Teoria dos Atos Determinantes, a qual prevê que “só é válido o ato se os motivos
enunciados efetivamente aconteceram. Desse modo, a menção de motivos falsos ou
inexistentes vicia irremediavelmente o ato praticado, mesmo que não exigidos por
lei.”8

O objeto, ou conteúdo, é aquilo que é tratado no ato administrativo. Pode


ser uma permissão de uso de bem público ou a exoneração de um servidor.

1.1 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO

A Administração Pública deve ter sua conduta regida pelos princípios


constitucionais. Egon Bockmann9 declara:

Como bem firmou o Tribunal Regional Federal da 3º Região, em


acórdão relatado pelo Des. Fed. Mairan Maia, “a Administração
Pública não poderá eximir-se do controle jurisdicional quando
exorbitar dos parâmetros norteadores de sua atuação,
consubstanciados nos princípios constitucionais que a regem”.

O processo administrativo garante uma relação entre Estado e


contribuinte legal e lógica. Para tanto, ele é regido por princípios essenciais a toda

7
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo, p. 64.
8
GASPARINI, Diogenes. Id, p. 65.
9
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo, Princípios Constitucionais e a Lei
9.784/1999, p. 67.
atividade administrativa do Estado. Nessa óptica, é imprescindível fazer referência
ao artigo 37 da Constituição Federal:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos


Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte: (...)”

Faz-se necessário tratar dos princípios constitucionais, pois eles regem o


Estado Democrático de Direito, gerando garantias aos contribuintes, pautando tanto
a condita destes como a do Estado.

O princípio da legalidade está visceralmente ligado à Administração.


Miguel Seabra10, leciona brilhantemente que administrar é “aplicar a lei de ofício”.
Nada menos e nada mais. Tão competente seria o administrador público se
conseguisse aplicar essa máxima tão singela, mas tão complexa.

Vale ressaltar que aplicar a lei de ofício exige interpretação e atenção ao


caso concreto. Egon Bockmann11, ensina que: “Não se aplica a lei a esmo, como
singelo resultado de uma mera leitura apressada do texto normativo.”

José Afonso da Silva12, ao explicar o princípio da impessoalidade ensina:


“os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os
pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o
funcionário.”

Também é impessoalidade direcionar o ato público para a coletividade.


Nenhum favorecimento pessoal pode ser dado fundamentado em dinheiro público.

É através do princípio da moralidade que se explica o sentido e a


amplitude da lei. Justen Filho13 explica que o princípio da moralidade é “um princípio
‘em branco’, o que significa que seu conteúdo não se exaure em comandos
concretos e definidos, explícita ou implicitamente previstos no Direito legislado.”

10
FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário,
p.16/17.
11
MOREIRA, Egon Bockmann. Op. Cit., 2003, p. 30.
12
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 16º ed., p. 647.
13
JUSTEN FILHO, Marçal. O Princípio da Moralidade Pública e o Direito Tributário. RTDP 11/44-
58.
Quando se fala de moralidade, deve-se entendê-la como o aquilo que
está correto para a coletividade, conforme valores éticos para a sociedade, tais
como: honestidade, equilíbrio, justiça, boa-fé. Esse comportamento é exigido tanto
da Administração, como de quem se relaciona com ela.

De tão relevante, basta o ferimento da moralidade pública para a


anulação dos atos. Assim, se posicionou do Superior Tribunal de Justiça14:

O legislador constituinte, ao guindar os princípios da moralidade e


impessoalidade dos atos administrativos ao status de norma
constitucional, o fez com o intuito de ressaltar que, uma vez não
observados tais preceitos, os atos irregulares poderiam ser anulados,
não importando o tempo decorrido.

É o princípio da publicidade que garante transparência para a atividade


administrativa. Esse princípio é inerente à atividade Administrativa, uma vez que a
informação é inerente a atividade estatal. Através da publicidade a sociedade pode
verificar a atuação do administrador público e fiscalizá-lo.

Deve-se ressaltar que algumas atividades públicas precisam de sigilo,


inclusive para garantir o interesse público. O exemplo mais eloqüente é a licitação
pública, que não se pode revelar o conteúdo das propostas até sua abertura (art. 3º,
§ 3º da Lei n.º 8.666/93).

Em relação ao processo administrativo, a publicidade garante


informações sobre o trâmite de processos e o acesso a eles, bem como de conhecer
as decisões proferidas.

O princípio da eficiência foi inserido na Constituição Federal de 1988 pela


Emenda Constitucional n.º 19/1998, decorrente da reforma administrativa cuja
pretensão era descentralização, formação de parcerias com a iniciativa privada,
valorização da competência e eficiência da Administração Pública.

Entende-se a preocupação em tornar a Administração menos burocrática,


mas a eficiência decorre das ciências econômicas. Muito interessante é a exegese
realizada por Moreira15: “acreditamos que o conteúdo jurídico do princípio da

14
ROMS 9.881-AL, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 22.5.2000, p. 123.
15
MOREIRA, Egon Bockmann. Op. Cit., 2003, p. 164.
eficiência pode encerrar norma que garanta e amplie os direitos sociais. Daí por que
a possibilidade de atingir o máximo de benefícios concretos ao cidadão.”

No processo administrativo fiscal, acrescentam-se os princípios da ampla


defesa e do contraditório, os quais se fundamentam na possibilidade de as partes
utilizarem todos os meios lícitos de provas admitidos no direito.

Convém ressaltar a posição de Humberto Theodoro Júnior16, sobre o


devido processo legal. Para ele, o devido processo legal é o processo justo. Nesse
diapasão, não se pode afastar as garantias do devido processo legal nas decisões
administrativas. Portanto, as prerrogativas constitucionais do art. 5º XXXVII (juiz
natural), art. 5º LII (juiz competente), art. 5º XXXV (acesso à justiça), art. 5º LV
(ampla defesa e contraditório) e, sob o enfoque administrativo, art. 93 IX
(fundamentação das decisões), acompanham, dentro do possível e analisadas as
características de cada processo, as decisões administrativas.

16
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, p. 23.
2 O CONSELHO DE CONTRIBUINTES

2.1 HISTÓRICO

Em 1924, o Decreto n.º 16.580 instituiu o Conselho de Contribuintes para


cada Estado e o Distrito Federal, vinculados o Ministério da Fazenda. Na ordem,
foram criados os Conselhos de Contribuintes do Estado de São Paulo em 1937,
Bahia em 1938, Paraná em 1942, Minas Gerais e município de São Paulo também
em 1946, e o Pará em 1959.

Na esfera federal, algumas decisões proferidas pelo Conselho de


Contribuintes, ainda podem ter recurso destinado à Câmara Superior de Recursos
Fiscais (CSRF). Sua finalidade é uniformizar a jurisprudência entre os Conselhos de
Contribuintes federais.

Com a edição da Medida Provisória nº 449, de 3 de dezembro de 2008


(convertida na Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009), foi criado o Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais - CARF. A CARF é a unificação das estruturas
do Conselho de Contribuintes Federais e teve como finalidade a otimização de
recursos financeiros e operacionais.

A maioria das sessões são públicas. Alguns Conselhos, face a relevância


da matéria, optam por realizar sessões reservadas para análise de questões que
exigem sigilo, como pode acontecer na Câmara Superior de Recursos Fiscais e dos
Conselhos de Contribuintes da Fazenda Nacional (Portaria MF n.º 55/1998).

Geralmente, as sessões do Conselho de Contribuintes, iniciam-se com a


verificação do quórum para sua formação. Posteriormente, é lida e aprovada a ata
da sessão anterior. Após, passa-se ao julgamento de cada recurso.

Nessa ordem, são dadas as palavras: ao relator do processo, o sujeito


passivo ou seu representante legal, ao representante da Fazenda e aos demais
conselheiros, se assim desejarem. Encerrado os debates o Presidente recebe o voto
da cada Conselheiro.
O Conselheiro não pode abster-se de votar, mas pode pedir vistas do
processo para aprofundar-se no assunto e votar com segurança. Havendo a decisão
do tema, há a realização do acórdão com a publicação deste.

O Supremo Tribunal Federal tem entendimento no sentido de que a


Fazenda Pública não está obrigada a oferecer duplo grau de jurisdição
administrativa17, mas se o faz, ela deve atuar conforme a Lei, garantindo apreciação
dos pedidos conforme o direito.

Por sua vez, o Código Tributário Nacional faz referência a existência de


órgãos administrativos de decisão coletiva:

“Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das
convenções internacionais e dos decretos:

(...)

II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição


administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;” (grifei)

Convém ressaltar que não se deve fazer uma leitura no sentido denotativo
das palavras “jurisdição administrativa”, até porque não há no Brasil tribunais
administrativos ou qualquer outro órgão com função semelhante ao Poder Judiciário
(fazer coisa julgada).

Mas verifica-se, com segurança, que é vontade do legislador nacional que


a Administração tenha responsabilidade nas suas decisões e colabore com a
intenção de desenvolver a justiça em toda a sua atuação e não somente dentro dos
Fóruns e Tribunais.

Tanto assim o é, que o tema tem referência no artigo 37, XVIII CF,
atrelando a atividade fazendária aos limites de competência e jurisdição de cada
entre público. Portanto, a leitura que se faz de jurisdição administrativa é atuação do
ente administrativo dentro do seu limite territorial, ou seja, cada município atuando
dentro dos seus limites territoriais, assim, também o Estado.

17
ADIN 1.049-2 MC/DF, julgada em 19/05/1995; RE 210.246/GO, julgado em 12/11/1997; RE
169.077/MG, julgado em 05/12/1997.
O Conselho de Contribuintes não é uma instância obrigatória de ser
percorrida. Caso o contribuinte deseje, pode recorrer direitamente ao Poder
Judiciário, o qual deveria ser visto como exceção para a solução de controvérsias e
não, regra. No entanto, deve-se salientar que a busca de uma reapreciação na
segunda instância administrativa, pode tornar a solução da controvérsia mais célere
e mais econômica para as duas partes.

Bastante relevante é a consideração de Lídia Maria18, a qual constata


que: “se todas as questões entre o Fisco e o contribuinte fossem submetidas ao
Judiciário, o acumulo de processos dificultaria ainda as soluções dos litígios pela
demora.”

2.2 FORMAÇÃO DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES

Diversas razões recomendam que se crie um sistema de eliminação


célere e eficaz desses conflitos, tendo em vista a harmonia fisco-
contribuinte e os interesses públicos em jogo. Se todas as
divergências forem submetidas ao Poder Judiciário, este submergirá
sob o peso de um acúmulo insuportável de questões para julgar.
Além disso – e também por isso – tardarão muito as soluções, e,
detrimento das partes envolvidas. Daí a razão pela qual, em quase
todos os países, se criaram organismos e sistemas para reduzir o
número de causas instauradas perante o Poder Judicial.19

O Conselho de Contribuintes é um órgão colegiado cuja finalidade é o


julgamento administrativo em segunda instância, dos litígios administrativos fiscais.
Assim, também é possível afirmar que eles são responsáveis pelo controle e
fiscalização dos atos praticados em primeira instância.

Sua relevância é indiscutível. É uma alternativa para a solução de


conflitos entre Fisco e contribuinte. É um órgão do Poder Executivo de formação
colegiada, composto por representantes do Fisco e da Sociedade (representantes

18
RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Processo Administrativo Tributário, p. 145.
19
MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial), p. 45-46.
do comércio e da indústria20). O Conselho de Contribuintes teria o poder de trazer,
face a sua diversidade, mais amplitude da revisão das decisões emitidas no âmbito
Administrativo.

Por outro lado, podem ser apontadas como conseqüências pela falta de
Conselhos de Contribuintes:

Os reflexos no país, como um todo, são indiscutíveis: aumento do


custo Judiciário-Brasil, com evasão de investimentos estrangeiros na
economia nacional (crise econômica); aumento da litigiosidade
social, isso diante da não-solução das controvérsias em tempo
suportável (crise social); e aumento da desconfiança nos Poderes
Públicos constituídos, incapazes de, em um regime democrático de
direito, satisfazerem aos anseios da população (crisepolítica).21

Com a separação de Poderes, tem-se o: Poder Executivo, Legislativo e


Judiciário. Embora comum pelo uso, deve-se salientar que não há três poderes, mas
somente um e nesse há três funções. Pedro Lenza22 ressalta que “o poder é uno e
indivisível. O poder não se triparte. O poder é um só, manifestando-se através de
órgãos que exercem funções”.

Cada órgão possui funções que são preponderantes, mas não deixam de
realizar outras atividades. Por isso, dentro da Administração, há julgamento. Para
que o contribuinte possa se defender, dentro da esfera administrativa, pode-se
recorrer ao Conselho de Contribuintes.

O Poder Executivo tem a finalidade principal de governar, mas também


exerce as funções Legislativas e Judiciárias. Ora, a primeira manifesta-se, por
exemplo, através da edição de Decretos; a segunda, pelo processo administrativo,
para a solução de pendências entre a Administração e os administrados. Assim,
pode-se dizer que existe uma função inerente em cada Poder, mas há também outra
ou outras funções acessórias. Contudo, ressalta-se que somente o Poder Judiciário
com o condão de realizar a função jurisdicional, fazendo a coisa julgada definitiva.

20
Não há referência aos representantes da agricultura porque, historicamente, não era uma categoria
tributada diretamente por órgãos federais, conforme discorreu Fernando Netto Boiteux, em Os
Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda e seu Regime Jurídico, em Processo
Administrativo Tributário sob a coordenação de Sério André Rocha, p. 184.
21
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Técnicas de aceleração do processo, p.31.
22
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Método, 2005, p. 217.
A coisa julgada é uma garantia prevista no art. 5º, XXXV da CF/88. É
definida pelo art. 6º, § 3º da LICC (Decreto-Lei n.º 4.657/1942); “Chama-se de coisa
julgada ou caso julgado a decisão judicial de qua já não caiba recurso”. Face a
imutabilidade da decisão, nenhuma alteração é possível e, tampouco, qualquer
recurso é cabível.

O Conselho de Contribuintes é responsável pelo julgamento


administrativo em matéria tributária. Sua atuação é determinada conforme
regramento constante em seu regimento interno, o qual determina sua autonomia de
julgamento. No mais, quase desnecessário é dizer que sua atuação deve ser guiada
pela Constituição Federal.

Entende-se que o Conselho de Contribuintes tem uma ligação sui generis


com a Administração Pública, sendo que o Conselho não lhe presta obediência.

Não se pode esquecer que o Conselho de Contribuintes possui uma


atuação mais delimitada23 em relação à Justiça, o que leva a imaginar que suas
decisões são tomadas com mais celeridade. Embora seja um julgamento, ele não é
o mesmo julgamento realizado pelo Poder Judiciário.

Devido a sua diversidade, seria o órgão Administrativo que melhor


poderia “aplicar” a justiça na fase administrativa do processo, diminuindo a
quantidade de demandas no Poder Judiciário. Entretanto, muitos conselheiros não
possuem experiência jurídica, tributária ou administrativa. No entanto, cada vez mais
é necessária a experiência e a especialização dos julgadores.

Convém ilustrar que há muitas Varas da Fazenda Pública criadas com a


finalidade específica de julgar litígios envolvendo a Administração Pública e os
tributos de sua competência. Portanto, deve-se exigir mais do Conselho de
Contribuintes. Também não se deve olvidar que mais simples e menos dispendioso
seria a realização de apreciações com mais efetividade e seriedade no âmbito da
Administração Pública.

Se todas as divergências forem submetidas ao Poder Judiciário, este


submergirá sob o peso de um acúmulo insuportável de questões

23
Os Conselhos de Contribuintes se limitam a apreciar as questões tributárias, cujo rol é menor
quando comparado com a amplitude de matérias que podem ser discutidas no Poder Judiciário.
para julgar. Além disso – e também por isso – tardarão muito as
soluções, em detrimento das partes envolvidas. Daí a razão pela
qual, em quase todos os países, se criaram organismos e sistemas
para reduzir o número de causas instauradas perante o Poder
Judicial.24

Rubens Carlos Vieira25 explana que:

As funções dos conselhos devem restringir-se a decisões


extremamente técnicas, destinadas a subsidiar a administração
tributária e o Poder Judiciário. As funções de aplicar a lei ao caso
concreto e com força de definitividade devem continuar reservadas
ao Poder Judiciário.

O Conselho de Contribuintes, embora formado na Administração, não é


vinculado a ela. O julgamento dos processos ocorre conforme a livre interpretação
do julgador, mas essa livre interpretação não pode ser em desconformidade com a
ordem legal vigente. Não há subordinação hierárquica a qualquer órgão superior da
mesma Administração ou a outros órgãos administrativos, embora deva ser
respeitada a organização criada pela Administração para a atuação do Conselho de
Contribuintes.

Os Conselheiros exercem atividade importante de controle da legalidade


dos atos administrativos, restabelecendo a aplicação da Lei quando ela não foi
confirmada, ou ratificando-a.

Outra característica que não pode ser afastada é a imparcialidade. Ela


decorre da formação do Estado Democrático de Direito e não cabe somente ao
agente público, mas a todos os seus colaboradores, inclusive os conselheiros, sob
pena que viciar os atos do Conselho. Sem a imparcialidade o órgão julgador perde
sua independência.

Vieira26 explica:

24
ATALIBA, Geraldo. Recurso em Matéria Tributária. Revista de Informação Legislativa (Senado
Federal-1988), 25/111, p.122.
25
VIEIRA, Rubens Carlos, Jornal Valor Econômico, 27/10/1995.
26
VIEIRA, Rubens Carlos. Op. Cit.
Os contribuintes demonstram uma forte resistência à revisão judicial
das decisões dos conselhos de contribuintes que lhes forem
favoráveis, calçados no princípio da segurança jurídica e no artigo 45
do Decreto n.º 70.235, de 6 de março de 1972. Dizem mais: se o
Poder Judiciário iniciar o processo de revisão de tais decisões,
aquela instância administrativa será esvaziada, com graves prejuízos
aos interesses dos contribuintes.

Por isso, é mais do que um requisito básico, que o julgador administrativo


tenha conhecimentos suficientes para saber até onde pode alcançar a decisão
Administrativa. Por exemplo, o Regimento Interno do Conselho de Contribuintes do
Ministério da Fazenda, no seu artigo 2º, parágrafo 6º, exige que os representantes
da Fazenda sejam funcionários de carreira da Fazenda Nacional com no mínimo
cinco anos de exercício no cardo de Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional e, de
preferência, no preparo e no preparo e julgamento de processos fiscais.

Destaca-se que a Constituição Federal não previu o duplo grau de


julgamento administrativo, tampouco, a composição dos Conselhos de Contribuintes.

Não se pode esquecer que o Conselho de Contribuintes representa uma


ferramenta muito importante ao serviço da democracia, ao agir na defesa dos
direitos fundamentais, pois é um instrumento relevante para a solução de conflitos
entre os contribuintes e a Fazenda Pública.

Objetivamente, Líria27 observa:

Entende-se como necessário repensar o processo administrativo em


vigor no país, visto que, da forma como disposto nas mais variadas
leis existentes, a justiça administrativa, para o qual se propõe,
constitui mais um entrave à célere solução da controvérsia tributária
do que um benefício.

27 MORAES, Líria Kédina Cuimar de Sousa e. Coisa Julgada no Processo Administrativo


Tributário Brasileiro: Uma Análise Sobre o Efeito das Decisões Contrárias à Fazenda Pública,
p. 30.
2.3 RECURSOS DAS DECISÕES DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES

Tendo em vista a sua formação, é possível que algumas de suas


decisões sejam contrárias ao direito. Diante dessa situação, existe a possibilidade
de se questionar na Justiça as decisões do Conselho de Contribuintes.

As decisões proferidas pelo Conselho de Contribuintes têm natureza


administrativa, mesmo sendo o conselho um órgão colegiado e não vinculado a
Administração. Por ser um ato Administrativo, sua invalidação pode acontecer pelo
Poder Judiciário.

Entretanto, outra questão gera dúvida: se é um ato eivado de vício,


poderá a própria Administração Pública invalidá-lo, já que é um ato pronunciado por
um órgão colegiado? A decisão colegiada não é decisão de qualquer um de seus
membros. Entende-se que a única oportunidade de se rever, administrativamente,
ato decorrente de atividade do Conselho de Contribuintes é quando há previsão de
recurso hierárquico para o Secretário de Fazenda, quando previsto. O Secretário de
Fazenda teria a opção de rever situações de oportunidade e de legalidade, anulando
decisão proferida pelo Conselho.

Entende-se que o Poder Judiciário possui poder mais amplo de revisão,


incluindo nesse exame situações de legalidade, lesividade ao patrimônio público e,
modernamente, inclusive situações discricionárias. Respaldam-se essas revisões
face as previsões constitucionais do artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal
vigente (princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, ou princípio do livre
acesso ao judiciário):

“XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou


ameaça a direito;”

O Poder Judiciário é o único órgão competente para dizer qual é o direito


que se aplica no caso concreto, de maneira definitiva, originando a coisa julgada.
Outros órgãos, como o Conselho de Contribuintes, também dizem qual é o direito
que se aplica no caso concreto, mas ele não faz coisa julgada, não há jurisdição na
esfera Administrativa.
Pelo princípio da Jurisdição Una, apenas as decisões do Poder Judiciário
são definitivas, ou seja, não podem ser alteradas.

Há doutrinadores que entendem que o princípio constitucional acima


mencionado beneficia somente o contribuinte, pois o artigo 5º está dentro do capítulo
“Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”. Entretanto, muito clara é a lição de
Aurélio Pitanga Seixas Filho, na obra de Maria Leitão28:

Este ponto poderia talvez ser exposto desta forma: se todos estamos
de acordo em que a finalidade do processo é fazer prevalecer a lei,
quer se trate de processo administrativo, quer judicial, o órgão que
deve se pronunciar em última instância é o Poder Judiciário. Por
conseguinte, qualquer solução de lei ordinária que implique em
afastar a intervenção do judiciário, impedindo a sua provocação por
uma, ou por outra das partes do processo administrativo parece-nos
insustentável. Seria atribuir efeito de coisa julgada substancial à
decisão administrativa, o que é incompatível com o nosso regime
constitucional (Justiça e Processo Fiscal, p. 57).

Não se pode esquecer também que a jurisdição é una, que o Poder


Público tem direito a ampla defesa e acesso ao Judiciário. Não se pode olvidar do
princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Maria Beatriz29 enumera alguns argumentos sustentados por


doutrinadores “que defendem a inconstitucionalidade e a ilegalidade do
entendimento constante na Portaria e no Parecer” n.º1.087/2004, quais sejam:
ausência de interesse de agir por parte da Fazenda, existência de coisa julgada
administrativa e que o princípio do livre acesso ao Poder Judiciário não é destinada
aos entes públicos.

Repensando essas sustentações, num primeiro momento, parece


razoável concordar que, se a Administração Pública criou o Conselho de
Contribuintes para rever suas decisões de primeiro grau, não há motivos para que a
própria Administração recorra ao Poder Judiciário para reapreciá-las.

28
LEITÃO, Maria Beatriz Mello. A Possibilidade de Revisão pelo Poder Judiciário das Decisões
do Conselho de Contribuintes à Fazenda Pública, p. 513.
29
LEITÃO, Maria Beatriz Mello. Id., p. 500.
No mais, o julgamento administrativo das lides gera expectativa para os
administrados, mas não se pode falar em formação de coisa julgada administrativa.
Vários doutrinadores sustentam que alterar essas decisões seria destruir o direito
subjetivo nascido para o contribuinte com o julgamento da lide pelo Conselho de
Contribuintes.

Brilhantemente, Dirceu Antônio Pastorello30 explica ao tratar da revisão


judicial:

Essa atitude da Administração em nada afeta a estabilidade das


relações jurídicas entre administração e administrado, porque senão
teríamos que afirmar também que o acesso ao judiciário por parte do
administrado afetaria essa relação. A decisão administrativa não dá
origem a um contrato imutável com o administrado nem pode lhe
atribuir mais ou menos direitos. Também não implica desprestígio
dos órgãos internos, singulares ou coletivos. Se o Estado deixa de
agir diante de decisão ilegal de seus próprios órgãos de controle
interno, aí sim, estará colaborando não só para a instabilidade das
relações, ofendendo toda sociedade pelo fato de desonerar
contribuintes ilegalmente, bem como estimulando condutas
inadequadas entre contribuintes e pode público.

Se ingressar em juízo para a revisão da decisão do Conselho fosse


quebrar a segurança jurídica, os contribuintes, que insatisfeitos com a derrota
administrativa, sempre a afetariam. O Conselho de Contribuintes é um órgão
independente, mas tampouco é superior a Administração e, assim, não está a
Administração obrigada a acatar aquela decisão se a entender errônea. A violação
da segurança jurídica ocorre quando se descumpre a decisão do Conselho sem a
revisão judicial dela.

Alberto Xavier31 clarifica que:

Uma das características essenciais dos órgãos judicantes da


Administração, (...), é não deverem obediência a nenhum outro órgão
ou entidade não incorrendo em desobediência se tomarem decisões
diversas das desejadas (...), de tal modo que os titulares desses

30
PASTORELLO, Dirceu Antônio. Processo Administrativo Tributário, p. 534.
31
XAVIER, Alberto. Princípios do Processo Administrativo e Judicial Tributário, p. 47.
órgãos não podem ser responsabilizados pelo fato de tomarem
deliberações contrárias a quaisquer ordens ou diretrizes exteriores.

Vários doutrinadores admitem o ajuizamento de revisões do processo


administrativo fiscal nos casos de manifesta ilegalidade no julgamento, desrespeito à
orientações pacíficas de tribunais superiores favoráveis à União, decisão contra
provas inquestionáveis do processo e desvio ético dos julgadores.

Por fim, alguns doutrinadores argumentam que o princípio do livre acesso


ao Poder Judiciário é destinado ao cidadão e não à Administração Pública.

Não se pode aceitar esse posicionamento, isso seria limitar aos


administrados os direitos e garantias expressos no artigo 5º da CF, cerceando
direitos à Administração Pública. Caso assim fosse, estaria então o Poder Público
impedido de impetrar mandado de segurança (art. 5º, LXIX) e mandado de injunção
(art. 5º, LXXI), por exemplo. José Afonso da Silva32 afirma que o art. 5º, XXXV,
“consagra o direito de invocar a atividade jurisdicional, como direito público
subjetivo”, bem como “invocar a jurisdição para a tutela de direito é também direito
daquele contra quem se age, contra quem se propõe a ação”.

Xavier33 assevera que “também as decisões dos órgãos administrativos


encarregados da apreciação das impugnações administrativas não são verdadeiros
atos jurisdicionais, mas simples atos administrativos.” As naturezas de ambos são
diversas e não podem ser confundidas.

Maria B. M. Leitão34, referindo-se ao ensinamento de Carlos da Rocha


Guimarães, apresenta:

Mas, se nós aceitamos as premissas de que os Conselhos de


Contribuintes não são órgãos da Administração, mas órgãos
autônomos, embora de caráter administrativo, aquela argumento
deixaria de valer, dado que, quando o Conselho de Contribuintes
decide, não foi a administração que decidiu, mas um órgão
autônomo, que, embora não podendo na decisão fazer coisa julgada,
por não ser um órgão do judiciário (só o judiciário pode fazer coisa

32
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
1997. p. 411.
33
XAVIER, Alberto. Id., p. 51.
34
LEITÃO, Maria Beatriz Mello Op. Cit., p. 508.
julgada) era pelo menos um órgão independente que não se
identificando com a administração, tinha o poder de trancar a
instância administrativa, para a Administração. Não iria, pois, a
Administração anular ato seu, mas de um órgão estranho a ela.

Coerentes com nosso ponto de vista, de que o Conselho de


Contribuintes é um órgão administrativo, mas ao da Administração,
entendemos sempre que o Fisco pode ir a Juízo, para pedir anulação
de uma decisão de que não caiba mais recurso na órbita
administrativa.

Tranquilamente afirma-se que as decisões do Conselho são decisões


administrativas, entretanto seu conteúdo não expressa necessariamente a vontade
da Administração.

Aqui cabe uma ponderação. Lídia Maria35 apresenta:

Pelo processo administrativo tributário é identificada ao final a


vontade do Estado, segundo os mandamentos legais
preestabelecidos. Sua existência e seus requisitos são decorrência
necessária dos princípios que informam o ordenamento jurídico-
positivo.

Vontade do Estado é a Lei, assim acrescenta Lídia Maria36:

Ao intérprete-aplicador cabe voltar-se aos princípios constitucionais,


buscando os valores que não orientar a compreensão dos fatos e o
estabelecimento cuidadoso dos direitos subjetivos e dos deveres
correlatos, visando a confirmar se ocorreu o evento na estrita
conformidade da previsão da hipótese normativa.

Aprofundando o tema, verifica-se uma falta da evolução administrativa e


processual, uma das razões para o pouco sucesso das decisões do Conselho de
Contribuintes. Muitos conceitos precisam ser revistos, uma vez que o Conselho de
Contribuintes é uma forma de composição entre Administração Fazendária e
contribuinte, podendo evitar o encaminhamento da questão para a Justiça.

35
Ribas, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Processo Administrativo Tributário, p. 393.
36
Ribas, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Id.
2.4 RECURSO HIERÁRQUICO

Alguns entes Administrativos preveem a possibilidade de recurso


hierárquico para o Ministro da Fazenda (federal) ou Secretário de Fazenda (estadual
ou municipal). Esse recurso seria interposto em momento posterior a decisão
proferida pelo Conselho de Contribuintes. Entretanto, deve-se ressaltar que o nome
do recurso (recurso hierárquico) não permite concluir que o Ministro da Fazenda ou
o Secretário de Fazenda possuam poder hierárquico sobre o Conselho. Ao contrário,
tal conclusão é errada.

Deve-se entender que a decisão do Conselho, embora seja um ato


administrativo, não são originárias da Administração como Poder Executivo. Seus
conteúdos são diversos, até mesmo porque suas origens são distintas. Fato que
também respalda a possibilidade de a Administração recorrer do Poder Judiciário
para a revisão dessa decisão proveniente do Conselho de Contribuintes.

No âmbito do processo administrativo fiscal federal, encontra-se o


Decreto n.º 70.235/1972, que no seu artigo art. 37, § 1º, prevê o Recurso Especial
ao Ministro da Fazenda. As hipóteses de ocorrência desse recurso seriam: decisões
não unânimes de Câmara de Conselho de Contribuintes, quando essa for contrária à
lei ou à evidência da prova e quando a decisão der à lei tributária interpretação
divergente da que lhe tenha dado outra Câmara de Conselho de Contribuinte.

O Recurso Especial tem função relevantíssima ao evitar que decisões


contraditórias saiam da Esfera Administrativa. Neder e López37 bem explicam: “A
instância especial, portanto, protege a coerência do sistema, eliminando
controvérsias e afastando julgamento contraditórios em situações fáticas e jurídicas
idênticas.”

Para Celso Ribeiro Bastos38 os recursos hierárquicos são classificados


em próprios e impróprios. Os primeiros são dirigidos à autoridade ou instância
superior do mesmo órgão administrativo daquele proferido anteriormente, por isso
possuem vínculo hierárquico. Os recursos impróprios são aqueles dirigidos à

37
NEDER, Marcos Vinícius, LÓPEZ, Maria Teresa Martínez. Processo Administrativo Fiscal
Federal Comentado, pg. 396
38 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p.474.
autoridade ou órgão diferente daquele que a prolatou. Assim, classifica-se o recurso
hierárquico como impróprio.

Pode-se verificar a relevância e a utilização do Recurso Hierárquico no


seguinte caso concreto39:

O Procurador Geral da Fazenda Nacional solicitou uma consulta sobre a


possibilidade jurídica de se anular, mediante ação judicial, decisão de mérito
proferida pelo Conselho de Contribuintes.

O fato deu-se em razão de que a Constituição Federal de 1988 concede


imunidade tributária às instituições de assistência social, excluindo esse benefício
das instituições de Previdência Privada. Dessa feita, determinado Fundo de
Previdência Privada, que não recolhia Imposto de Renda sobre os rendimentos de
aplicações financeiras, viu-se obrigado a recolhê-lo.

Autuado, o referido Fundo recorreu ao Conselho de Contribuintes


argumentando ilegalidade da cobrança. O Conselho, por sua vez, acolheu a tese do
requerente afastando a vinculação jurídica dele com o tributo.

A Procuradoria da Fazenda Nacional interpôs recurso hierárquico ao


Ministro de Estado da Fazenda, o qual entendeu pela anulação da decisão.
Inconformado, o contribuinte impetrou mandando de segurança pela o STJ, o qual
entre outros argumentos, recebeu a tese que o Ministro de Estada da Fazenda não
pode ir contra decisão definitiva de conselho de contribuintes para não colocar em
risco direito líquido e certo do beneficiário da decisão.

No debate sobre o controle judicial dos atos administrativos, o referido


parecer foi riquíssimo trazendo conceitos doutrinários que respaldam a revisão
judicial dos atos administrativos em relação a legalidade e a discricionariedade.

39
Parecer PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL – PGFN nº 1.087 DE 19.07.2004.
3 A REVISÃO JUDICIAL

Sobre o tema central desse estudo, há posicionamento em ambos os


sentidos: para alguns doutrinadores é impossível a revisão judicial de decisão
proferida pelo Conselho de Contribuintes, para outros, é possível. Nos próximos
subcapítulos serão apresentados os posicionamentos que sustentam cada
entendimento.

3.1 IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL

Muitos doutrinadores sustentam a tese que existe coisa julgada


administrativa e ela seria responsável pela impossibilidade de revisão judicial das
decisões proferidas pelo Conselho de Contribuintes. Eles respaldam-se nos artigos
156 do CTN e no artigo 45 do Decreto n.º 70.235/72.

O artigo 156 do Código Tributário Nacional, ao tratar da extinção do


crédito tributário determina:

“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

(...)

IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na


órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;”

Para o Decreto n.º 70.235/72, há definitividade no âmbito administrativo,


nas situações elencadas pelo artigo 42 e 45:

“Art. 42. São definitivas as decisões:

I - de primeira instância esgotado o prazo para recurso voluntário sem que


este tenha sido interposto;

II - de segunda instância de que não caiba recurso ou, se cabível, quando


decorrido o prazo sem sua interposição;
III - de instância especial.

Parágrafo único. Serão também definitivas as decisões de primeira


instância na parte que não for objeto de recurso voluntário ou não estiver sujeita a
recurso de ofício.”

“Art. 45. No caso de decisão definitiva favorável ao sujeito passivo,


cumpre à autoridade preparadora exonerá-lo, de ofício, dos gravames decorrentes
do litígio.”

Decisão administrativa irreformável é aquela definitiva na esfera


administrativa, a qual não pode mais ser objeto de ação anulatória. A ação
anulatória é o instrumento adequado para quem se sente prejudicado com decisão
em processo administrativo tributário.

No mais, a previsão do artigo 45 do Decreto n.º 70.235/72 limita-se a dizer


“decisão definitiva favorável ao sujeito passivo”, mas de forma alguma essa previsão
deve ser aplicada quando a decisão for contrária ao direito, quando ela estiver
eivada de vícios. Seria um absurdo muito grande pensar em sentido oposto.

Até se entende que se deve destinar uma maior proteção ao contribuinte,


mas para o bem da sociedade, para a seriedade da Administração Pública e para
efetivação do Poder Judiciário como soberano, deve-se evitar que decisões eivadas
de vícios venham a produzir efeitos.

Para Sérgio André da Silva40 “proferida decisão final no processo


administrativo fiscal, há a preclusão de seu critério jurídico para a Fazenda, de forma
que a mesma se torna imutável para a Administração Pública". Deixa claro, portanto,
que não há hipótese de que a decisão administrativa definitiva contrária à Fazenda
Pública possa ser alterada pelo Poder Judiciário.

O processo, ao penetrar e fincar raízes no sítio da atividade


administrativa, sem com isso afastar a ampla e efetiva cognição
judicial – isto é, harmonizando-se com conotação judicial do princípio
do monopólio da jurisdição – torna jurídico e por isso mais seguro o
Direito, de forma mais próxima clara e eficaz, a discrição, de forma a

40
SILVA, Sérgio André. Questionamento judicial, pela Fazenda Nacional, de decisão
administrativa final: análise do parecer PGFN/CRJ Nº 1.087/2004, p. 96.
enfrentar o arbítrio que com freqüência contamina as regiões
vizinhas ao poder político.41

Além de ser afetada a segurança jurídica, outros princípios seriam


atingidos caso fosse possível a revisão judicial da decisão administrativa, tais como:
moralidade e eficiência.

Para José Eduardo Soares de Melo42: “constitui manifesta imoralidade, e


deslealdade do Poder Público, a propositura de medida judicial, com o objetivo de
anular decisão administrativa, em que seus órgãos internos manifestaram a própria
vontade do Estado”.

Para quem acredita que o Conselho de Contribuintes faz parte da


Administração esse entendimento é lógico, entretanto, sustenta-se a tese que esse
órgão colegiado não faz parte diretamente da Administração Pública, tampouco
segue a hierarquia daquele ente, uma vez que não obedece as ordens do chefe do
Poder Executivo.

Para Marilene Rodrigues43, “a Fazenda pública decide


administrativamente e depois resolve ir a juízo contra seus próprios atos, afrontando
garantias do contribuinte e violando o princípio da eficiência que os atos
administrativos devem observar (art. 37/CF).”

Deve-se apresentar a seguinte ementa do Tribunal Regional Federal da 4º


Região:

Tributário e Administrativo. Conselho de Contribuintes. Coisa Julgada


Administrativa. 1. Não pode a Adminsitração cobrar crédito tributário
cujo lançamento foi considerado nulo pelo Conselho de
Contribuintes, sob pena de ofensa à coisa julgada administrativa.
2.Apelação e remessa oficial improvidas” (Ac um da 1º T. do TRF 4º
R Rel. Juiz Fernando Quadros da Silva – AC/MS 96.04.1590-4 PR,
julg. 20.04.1999 – DJU 2 de 16.06.1999, pág. 329).

41
MARINS, James. Op. Cit., p.160.
30
MELO, José Eduardo Soares de. Processo Administrativo Tributário, p. 308.
43
Rodrigues, Marilene Talarico Martins. Processo Administrativo Tributário e a Impossibilidade
de Anulação da Decisão de Mérito “Coisa Julgada” pelo Poder Judiciário, p. 332.
Aguarda análise na Câmara de Deputados, em Brasília, o Projeto de Lei
n.º 09/2007 do Senado Federal, cujo autor é Francisco Dornelles. O projeto trata de
vedar a propositura de ação judicial, pela União, contra decisão administrativa
definitiva em favor do contribuinte.44

Outros argumentos que pesam em favor da formação da coisa julgada


administrativa seriam a afetação da lealdade e da boa-fé entre Fisco e contribuinte.
Não é lógico falar de boa-fé e lealdade em relações que não são conforme a Lei,
não se constrói justiça baseado na ilegalidade.

Considera-se que, se é possível uma ação anulatória, tanto da parte da


Administração como por parte do contribuinte, é porque não há a formação da coisa
julgada administrativa. Existe um fim do procedimento dentro da Administração, a
cadeia seqüencial de atos terminou na esfera Administrativa, mas eles ainda podem
ser revistos no Poder Judiciário.

Deve-se salientar o posicionamento de Paulo de Barros Carvalho45:

A decisão administrativa irreformável, equivale a dizer, aquela da


qual não cabe mais recurso aos órgãos da Administração, (...)
Percorrido o iter procedimental e chegando a entidade tributante ao
ponto de decidir, definitivamente, sobre a inexistência de relação
jurídica tributária ou acerca da ilegalidade do lançamento, cremos
que não teria sentido pensar na propositura, pelo fisco, de ação
anulatória daquela decisão.

Compreende-se e concorda-se, em parte, com o posicionamento desse


brilhante autor, mas entende-se que se foi declara a inexistência de relação jurídica
tributária ou ilegalidade no lançamento e caso esses tenham nascido por uma
interpretação menos arrazoada ou por nulidade dentro do processo não se pode
falar em decisão administrativa irreformável.

Parece absurdo que somente depois de terminado o processo


administrativo verifique-se uma incongruência que vicia todo o procedimento. Até
parece lógico dar razão ao contribuinte e dizer que a decisão administrativa não
pode ser mais revista, contudo, o entendimento não pode ser tão simples.

44 http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79856
45
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, p. 436.
3.2 POSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL

“A lei que cria um tributo e que, nestes termos, exercita a competência


tributária deve, em tese, atentar somente para os interesses do povo e para o bem
estar do País.”46 Manter a nulidade de uma decisão administrativa é ferir o princípio
republicano, ou seja, mantém um privilégio de alguém em detrimento da coletividade
é ferir o princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei (CF, art. 5º).

Não se observa qualquer impedimento para a propositura, por parte da


Administração, de ação revisional da decisão do Conselho de Contribuintes. Maria
B. M. Leitão47, ao tratar da ação anulatória, proposta pela Fazenda Pública
assevera:

a possibilidade dessa ação ser ajuizada pela Administração é muito


maior, já que o artigo alude às decisões administrativas que
EXTINGUIRAM O CRÉDITO TRIBUTÁRIO, PORTANTO,
DECISÕES ESTAS FAVORÁVEIS AO CONTRIBUINTE E,
CONSEQUENTEMENTE, DESFAVORÁVEIS AO FISCO.

Para Lídia Maria48 a decisão administrativa não faz coisa julgada porque é
possível a revogação dos atos administrativos e face o controle judicial da
Administração. É no Poder Judiciário que ocorre a formação da coisa julgada.

Sustenta-se que não existe a formação de coisa julgada administrativa.


Coisa julgada é termo que expressa a impossibilidade de revisão. Ora, parece lógico
que isso não ocorre na Administração, uma vez que é possível a revisão judicial das
decisões administrativas.

Amilcar de Araújo Falcão49, afirma que administrativamente somente


acontece a “preclusão do direito de se suscitar novamente questão já decidida, mas
não há propriamente a res judicata, figura exclusiva do processo judicial.” Decisão
administrativa definitiva é aquela que não permite qualquer recurso administrativo,
definição diversa de coisa julgada, portanto.

46
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 65.
47
LEITÃO, Maria Beatriz Mello. Op. Cit., p. 514.
48
RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Op. Cit., p. 200.
49
FALCÃO, Amilcar de Araújo. Introdução ao Direito Tributário, p. 90.
Essa discussão teve grande repercussão com a publicação do Parecer
PGFN/CRJ/ nº1087/2004 e da Portaria n.º 820/2004. Ambos, expressamente,
declaram que o Poder Judiciário poderá rever as decisões dos Conselhos de
Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Federais.

No mais, deve-se referir também à Súmula 473 do Supremo Tribunal


Federal:

Administração Pública - Anulação ou Revogação dos Seus Próprios


Atos: A administração pode anular seus próprios atos, quando
eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se
originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em
todos os casos, a apreciação judicial.

Essa súmula reconhece o poder de a Administração revogar os seus atos


quando estes estão viciados, tornando-os ilegais.

Não de deve furtar de fazer referência também a Súmula 343 do Supremo


Tribunal Federal: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei
quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação
controvertida nos tribunais.”

Ora, o texto é claro ao referir-se a casos de “interpretação controvertida


nos tribunais”. A situação controvertida é aquela que ainda há discussões e isso não
quer dizer que sobre ela pesam vícios. A mácula da ilegalidade deve ser banida a
todo o custo do ordenamento jurídico, bem como do âmbito administrativo.

Não se entende como possível a formação de coisa julgada administrativa


porque, de acordo com o artigo 5º, XXXV CF, qualquer lesão ou ameaça de direito
não pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário.

Salienta-se que as decisões tratadas nesse estudo são as proferidas pelo


Conselho de Contribuintes. Não se está falando de decisão administrativa proferida
por somente funcionários públicos, investidos nessa competência.

Um dos argumentos de Seixas é que os órgãos colegiados de


composição paritária não pertencem nem podem representar a
Administração Pública, porque a metade desses julgadores
administrativos não são servidores públicos. Portanto, não fazem
parte da Administração Ativa. 50

Um sistema maduro de julgamento administrativo permite a emanação de


poucas decisões com falhas e reforça a confiança do contribuinte em buscar essa
opção para análise do seu pedido. Por isso é tão relevante que os membros
formadores do Conselho sejam conhecedores do Direito para que as decisões
proferidas não sejam contrárias ao ordenamento legal.

Logo, não se pode dizer que não é possível recorrer de decisão própria,
se o Conselho é um órgão paritário, a decisão proferida não reflete,
necessariamente, a vontade da Administração. Também não se pode dizer que seja
ato próprio seu pelo já exposto.

Vale apresentar a Apelação Cível n.º 95.01.05547-7/PA:

“PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE


DÉBITO FISCAL. CONFISSÃO DE DÍVIDA. MULTA ANISTIADA, NA
ESFERA ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO, NA
VIA JUDICIAL. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA
JURISDIÇÃO. POSSIBILIDADE JURÍDICA E PROCEDÊNCIA DA
RECONVENÇÃO. 1. Se a autora reconhece o débito que buscou
anular, na ação principal, extingue-se o processo com julgamento de
mérito, em seu desfavor. 2. Na força do princípio da inafastabilidade
da jurisdição, afigura-se juridicamente possível ação reconvencional,
proposta pela União Federal (Fazenda Nacional), visando
desconstituir decisão administrativa de Conselho de Contribuintes,
que concedeu anistia, indevidamente, a multa aplicada a empresa
demandante. 3. Apelação e remessa oficial (como se interposta
fosse), desprovidas. Sentença confirmada, por seus próprios
fundamentos.” Rel. Juiz Souza Prudente, 4º T do TRF 1º Região,
publicado no Diário de Justiça de 20/11/1995.

É obrigação da própria Administração rever seus atos, essa obrigação se


estende as decisões proferidas pelo Conselho de Contribuintes. Por isso, não se
pode deixar de levar ao Poder Judiciário essa decisão.

50
MORAES, Líria Kédina Cuimar de Sousa e. Op. Citada, p. 74.
Entende-se como cabível a reformatio in pejus da decisão administrativa
de primeiro grau, pelo Conselho de Contribuintes, com o argumento de que
nenhuma violação da Lei deve prosperar. Quem toma conhecimento de qualquer
vício legal, tem o dever de saneá-lo, ou caso não tenha poderes para tanto,
denunciá-lo ao órgão competente.

Hely Lopes Meirelles51, sustenta que o princípio da verdade material


“autoriza a reformatio in pejus nos recursos administrativos, quando a reapreciação
da prova ou a nova prova conduz o julgador de segunda instância a uma verdade
material desfavorável ao próprio recorrente.”

Alberto Xavier52, por sua vez, entende que não é possível agravar o
lançamento no processo de impugnação, uma vez que os órgãos julgadores não
teriam essa competência. Considera-se esse posicionamento como verdadeiro em
parte, uma vez que se apresenta como possível o agravamento da situação do
sujeito passível em julgamento do Conselho de Contribuintes, mas o quanto e como
ele será feito depende de posição da primeira instância. Isso aconteceria com a
devolução do processo de segundo grau para o primeiro.

Fato corriqueiro é o contribuinte recorrer ao Poder Judiciário quando


entende que foi sacrificado algum direito na esfera Administrativa. Entretanto, a
questão gera dúvidas quando é a Administração quem recorre ao Poder Judiciário,
quando a decisão do Conselho de Contribuintes lhe é desfavorável.

Ora, não deve causar espécie tal situação. Por que recorreria a
Administração ao Poder Judiciário das decisões do Conselho de Contribuintes? Isso
aconteceria nas hipóteses em que é afetada a legalidade, há nulidade, vícios e
interpretações descabidas do direito.

O Direito Tributário deve estar de mãos dadas com a Lei. Isso decorre
das obrigações que são impostas ao contribuinte, do respeito aos direitos que lhe
pertencem, bem como aos poderes que a Administração tem para exercer a
administração fazendária.

51
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p.617.
52
XAVIER, Alberto. Do Lançamento: Teoria Geral do Ato, do Processo e do Procedimento
Tributário, p. 341/342.
Tão grave é a afetação dessa relação que a parte prejudicada pode
recorrer ao Poder Judiciário para ver sanada a lesividade que paira sobre ela.
Descabido é quedar-se inerte perante uma situação tão gravosa.

Sendo a decisão do Conselho de Contribuintes um ato administrativo, o


Poder Judiciário tem o poder de revê-lo. Todos estão sujeitos a Lei, inclusive o
Conselho de Contribuintes. Embora com poderes para rever as decisões de primeiro
grau, isso não lhe confere o poder supremo de fazer a leitura do Direito que lhe
parece mais conveniente.

Entende-se que as decisões proferidas no âmbito administrativo não


possuem caráter definitivo. No ordenamento jurídico brasileiro, somente as decisões
proferidas no Poder Judiciário (sentenças) têm essa qualidade. Fundamenta-se esse
argumento face à revogabilidade dos atos administrativos e o controle jurisdicional.
Tanto a Administração como o Judiciário podem rever os atos administrativos.

Entretanto, grandes doutrinadores53 declaram que, em relação as


matérias fiscais, as decisões administrativas vinculam a Administração naquilo que
lhe é contrário, porque é a própria Administração que está decidindo.

Eduardo Botallo54, ao tratar das decisões administrativas em matérias


fiscais, sustenta que em relação aos contribuintes “tais decisões são definitivas na
medida em que geram, em benefício dos contribuintes, direitos subjetivos.”

Ao analisar essa posição, percebe-se que o autor sustenta a existência de


coisa julgada administrativa. Assim, o Conselho de Contribuintes teria o poder de
decidir a questão sem qualquer possibilidade de recurso ao Poder Judiciário. Ousa-
se discordar. Não se entende como razoável a formação de direito subjetivo para o
contribuinte.

Michel Temer55 defende a impossibilidade de formação de cosia julgada


administrativa, já que cabe ao Poder Judiciário a análise de suas decisões. Celso

53
Maria Sylvia Z. di Pietro (Processo Administrativo e Judicial, p. 122); Alberto Xavier (Do
Lançamento: Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo Tributário, PP. 230 e ss.); Marçal
Justem Filho (Considerações sobre o ‘processo administrativo fiscal’, Revista Dialética de Direito
Tributário 33/127 e ss.) entendem que existe efeito vinculante nas decisões proferidas no processo
administrativo fiscal.
54
Bottallo, Eduardo. Princípios Gerais do Processo Administrativo Tributário, p. 54.
55
TEMER, Michel. Op. Cit., p. 42.
Bastos56 argumenta que o princípio da inafastabilidade da jurisdição permite que a
parte que se sentir prejudicada possa recorrer ao Poder Judiciário quando seu
direito for lesionado ou estiver ameaçado.

Ressalta-se que o Poder Judiciário é quem realiza a coisa julgada, a


jurisdição é única e realizada no Judiciário, cabendo inclusive a revisão dos atos
praticados pela Administração, independentemente se eles são ou não favoráveis ao
Poder Público. Decisão terminativa, no Brasil, somente ocorre no Poder Judiciário.

[...] o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado,


asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes
processuais e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da
jurisdição. Garantias que não servem apenas aos interesses das
partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades
processuais) destas, mas que configuram, antes de mais nada, a
salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado, como
fator legitimante do exercício da jurisdição.57

Rubens Gomes de Sousa58, sustenta que a palavra final sobre uma


questão cabe ao Poder Judiciário:

Se todos estamos de acordo em que a finalidade do processo é fazer


prevalecer a lei, quer se trata de processo administrativo, quer
judicial, o órgão que deve se pronunciar em última instância é o
Poder Judiciário. Por conseguinte, qualquer solução de lei ordinária
que implique em afastar a intervenção do judiciário, impedindo a sua
provocação por uma ou outra das partes no processo administrativo,
parece-me insustentável. Seria admitir efeito de coisa julgada
substancial à decisão administrativa, o que é incompatível com o
nosso regime constitucional.

A Constituição Brasileira, no seu artigo 5º, inciso XXXV, garante ao Poder


Judiciário o poder de decidir qualquer questão, independente de ser o pedido feito
pelo contribuinte ou pelo Fisco. A segurança jurídica é princípio constitucional que

56
BASTOS, Celso. Op. Cit., 63.
57
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria Geral do Processo, p.88.
58
SOUSA, Rubens Gomes. Revisão Judicial dos Atos Administrativos em Matéria Tributária por
Iniciativa da Própria Administração, RDA 29/441 e ss.
atinge todas as relações jurídicas, sejam elas entre pessoas físicas, jurídicas ou os
entes públicos, entre si.

A segurança jurídica é geralmente caracterizada como um das vigas


mestras do Estado de Direito. É ela, ao lado da legalidade, um dos
subprincípios integradores do próprio conceito de Estado de Direito.
A Lei 9.784, de 29.1.99, que 'regula o processo administrativo no
âmbito da Administração Pública Federal' determina a obediência ao
princípio da segurança jurídica (art. 1º).59

Para Vittorio Cassone e Maria Eugenia Teixeira Cassone60,

a razão pela qual inexistiria a coisa julgada administrativa residiria no


fato de que a lei faculta ao sujeito passivo, a qualquer momento,
mesmo, após, esgotados todos os recursos e ter decisão final
desfavorável, a faculdade de dirigir-se ao Judiciário (Lei nº 6.830/80,
art. 38, parágrafo único), decisão que, como é cediço, prevalece em
relação à decisão administrativa.

Não há Estado de Direito sem que vigore a segurança jurídica. Somente


fala-se em segurança jurídica quando o ato não é viciado, ou seja, que não conflite
com o Direito. Ela é materializada pela coisa julgada.

A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n.º 4.657/1942) prevê:

“Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato


jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada:

(...)

§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já


não caiba recurso.”

Diversos doutrinadores diferenciam a coisa julgada material da formal. A


título de informação, cita-se o ensinamento de Líria61: “coisa julgada formal é a
eficácia da decisão que faz com que no processo não mais possa se discutir o que

59
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p. 94.
60
CASSONE, Vittorio, CASSONE, Maria Eugenia Teixeira. Processo Tributário – Teoria e Prática, p.
65.
61
MORAES, Líria Kédina Cuimar de Sousa e. Op. Cit., p. 71.
já ficou decidido; coisa julgada material é a que impede discutir-se em outro
processo o que já ficou decidido em processo anterior”.

Tanto faz se a coisa é julgada formal ou materialmente, ambas tem a


finalidade de propiciar segurança jurídica, face a sua imutabilidade. Para
desconstituí-la somente a ação rescisória é cabível e conforme as previsões dos
artigos 485 até 495 do Código de Processo Civil, desde que impetrada até dois anos
do trânsito em julgado da sentença.

Os autores que defendem a coisa julgada administrativa sustentam que


ela é uma derivação da coisa julgada judicial, mas com a mesma finalidade:
propiciar segurança jurídica. Pelo explanado, não é possível afirmar a existência da
coisa julgada administrativa, já que há possibilidade de rediscussão do que foi
decidido, bem como daquilo que foi discutido através de um processo na esfera
administrativa.

O contribuinte não é obrigado a percorrer a instância administrativa para


análise do seu pedido, pode socorrer-se em juízo diretamente. Vale lembrar que a
instancia administrativa, embora interessante ela não é obrigatória. Mas deve-se
salientar que não é possível tramitar ao mesmo tempo um processo na esfera
administrativa e outra na judicial. Respalda-se essa afirmação no parágrafo único do
art. 38, da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº. 6.830/ 1980), o qual declara a renúncia
da ação administrativa caso seja proposta alguma no âmbito judicial.

Tanto pode o contribuinte defender-se antes que a Administração


proponha a Execução Fiscal, bem como, pode aguardar por ela e, então, propor
Embargos à Execução Fiscal (Lei nº. 6.830/ 1980).

Assim, sendo, tanto provocada a jurisdição pelo contribuinte, a decisão


judicial tanto lhe pode ser favorável ou não. Caso não seja, será a Administração
beneficiada. Logo, deve entender-se como normal que a Administração recorra ao
Poder Judiciário nas decisões do Conselho que lhe são desfavoráveis.

Informa-se que tramitou na Câmara de Deputados Federais a PEC


578/2002. Essa PEC tratava da criação da Justiça Administrativa Fiscal no âmbito
da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Foi proposta pela Confederação
Nacional da Indústria. Entretanto, foi considerada inconstitucional porque previa a
renúncia de acesso ao Poder Judiciário e a sua limitação para os casos de decisões
contrárias a Carta Magna Nacional, ferindo o artigo 5º, inciso XXXV da CF.

A Administração tem o dever de controlar os atos administrativos, se eles


provem da própria esfera Administrativa ou do Conselho de Contribuintes tanto faz,
há o dever de correção dos atos para que eles não sejam viciados ou ilegais.

Os julgamentos administrativos em matéria tributária devem obediência a


Constituição Federal, é ela que orienta todo o sistema legal. Dessa forma, aquilo que
não é compatível com a regra constitucional não deve prosperar. Decisão dentro da
Administração (no caso a decisão do Conselho de Contribuintes) não pode ser
inconstitucional ou ilegal.

Em atendimento ao princípio da isonomia, não se pode negar acesso à


Administração no Poder Judiciário. Se o administrado pode rever decisão que não
lhe é favorável, o mesmo deve ocorrer com a Administração.

Não se entende como razoável impedir que a Fazenda Pública ingresse


com pedido de apreciação no Poder Judiciário.

Lídia Maria62 argumenta que a decisão proferida pelo Conselho de


Contribuintes não é uma decisão da própria administração:

Ora, não se trata da manifestação de vontade da Administração


ativa, mas de decisão proferida pela Administração judicante, que
não tem a representatividade da vontade da Administração, mas da
vontade dos julgadores, segundo a lei, dotados de autonomia na
função para-hierárquica. Não sendo, então, a Administração ativa
titular da decisão final proferida no processo administrativo tributário,
pode ela utilizar os meios jurisdicionais cabíveis objetivando correção
de erro na manifestação da vontade da Administração judicante.

62
RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Op. Cit., pg. 415.
3.3 AÇÕES POSSÍVEIS

Aceitada a tese que é possível a revisão judicial das decisões proferidas


pelo Conselho de Contribuintes, faz-se necessário analisar como ela será impetrada.

Há autores63 que defendem a utilização da ação popular, uma vez que a


decisão do Conselho de Contribuintes que seja contrária ao direito estaria
produzindo ato lesivo ao patrimônio público, bem como a moralidade administrativa.

A Ação Popular pode ser impetrada por qualquer cidadão no gozo dos
seus direitos civis e políticos, conforme a previsão constitucional do artigo 5º LXXIII
da Constituição Federal.

Ressalta-se a impossibilidade de o Ministério Público utilizar impetrar a


ação civil pública para a revisão dessas decisões administrativas eivadas de vícios,
já que, conforme a Lei n.º 7.347/1985 (Disciplina a ação civil pública de
responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras
providências) no seu art. 1º, § único não é cabível a ação civil pública para veicular
ações que envolvam tributos.

O Parecer PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL – PGFN nº 1.087


DE 19.07.200464 sustenta brilhantemente que a decisão proferida pelo Conselho de
Contribuintes, desfavorável a qualquer uma das partes, pode ser revista pelo Poder
Judiciário, através de ação de conhecimento, mandado de segurança, ação civil
pública ou ação popular. As duas primeiras são impetradas pela Procuradoria Geral
da Fazenda Nacional, a terceira proposta por órgão competente e a última,
respectivamente, por qualquer cidadão.

Em análise ao mandado de segurança n.º 8.810 – DF (2002/0170102-1),


o Superior Tribunal de Justiça entendeu não ser cabível embargos declaratórios
quando se pretende novo julgamento da matéria. Havendo interesse de questionar
matéria constitucional, faz-se necessário impetração de mandado de segurança.

63
MORAES, Líria Kédina Cuimar de Sousa e. Op. Cit., p. 86.
64
Anexo 01.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo administrativo está a disposição do contribuinte para que ele


possa dirimir seus conflitos com o Fisco de forma mais célere e menos custas. A
finalidade do processo fiscal é verificar a ocorrência do fato gerador e fazer nascer a
obrigação tributária. Para a revisão da decisão exarada pela Administração, o
contribuinte pode impugnar aquela decisão. A impugnação administrativa pode
acontecer em primeiro ou segundo grau. Em primeiro grau é analisada pelo superior
hierárquico do servidor que realizou o lançamento; em segundo grau, pelo Conselho
de Contribuintes.

Quando o Conselho de Contribuintes é fraco somente ocorrerão


prejuízos, tanto para o contribuinte como para a própria Administração. “Empurrar”
os conflitos para o Poder Judiciário, uma verdadeira vergonha, pois é a
Administração Tributária o especialista em Direito Tributário, se comparado ao
Judiciário. Um Conselho de Contribuintes maduro sabe a força que tem e a faz valer
para gerar justiça, seja a favor do contribuinte ou do Fisco.

O Conselho de Contribuintes é um órgão de grande relevância dentro da


esfera Administrativa e colaborador do Poder Judiciário. Sua finalidade é o
julgamento administrativo de questões entre a Fazenda Pública e o contribuinte. O
julgamento administrativo pode diminuir o número de demandas no Poder Judiciário.

Quanto mais se investir na administração tributária, melhor será o


lançamento. Quanto mais se investir no Conselho de Contribuintes, mas as decisões
serão sérias e trarão uma satisfação maior para a sociedade e para a própria
Administração. Quanto melhor for o julgamento, quanto mais rica é a discussão da
matéria tributária, mais madura torna-se a Administração.

Face a esse posicionamento, considera-se que o Conselho de


Contribuintes deve ser valorizado dentro da Administração Pública. Os servidores e
os representantes da sociedade devem ter notória capacidade técnica para que os
temas sejam bem analisados e as decisões, bem proferidas. Somente assim, o
Conselho de Contribuintes ganha relevância e suas decisões melhor técnica e valor.
O Conselho é um órgão paritário para a resolução de conflitos entre contribuintes e
Fisco, oriundos do lançamento de créditos tributários. Sendo paritário, não é
possível afirmar que suas decisões refletem a vontade do Fisco, por isso, ele deve
ser formado por pessoas comprometidas e com notória capacidade técnica. As
decisões administrativas de segundo grau devem seguir a legislação vigente, mas
não se pode olvidar que essas decisões são técnicas e delas não se deve fugir.

O processo administrativo desenvolvido no âmbito do Conselho de


Contribuintes, deve ser focado sob a ótica da especificidade do órgão prolator das
decisões, sem, contudo, deixar de considerar as normas constitucionais e as regras
processuais, ou seja, inseparável é a atuação do conselheiro da lei.

O processo administrativo precisa ser visto com maior responsabilidade,


caso contrário continuar-se-á a sobrecarregar o Poder Judiciário e pouco proveito
terá todo esse esforço administrativo para a solução de lides ainda na esfera do
Poder Executivo.

Os Conselhos de Contribuintes devem ter sua atuação reforçada, os


administradores públicos devem fomentá-los e incentivá-los na busca constante de
conhecimento e aperfeiçoamento da técnica tributária.

Não é possível existir amadorismo no Conselho de Contribuintes. Os


administradores públicos devem perceber sua relevância e fomentar seu
aperfeiçoamento. Por outro lado, os julgadores devem ter consciência do seu papel
e os reflexos que suas atuações promovem na sociedade.

O envolvimento do Poder Judiciário, nas questões de ordem


administrativa, deveria limitar-se a nulidades, ilegalidades e equívocos na
interpretação legislativa, os quais causam danos ao patrimônio público, fomentando
a manutenção do Estado de Direito e para que a revisão judicial não tenha fins
meramente arrecadatórios.

Não se deve ter medo da revisão Judicial das decisões proferidas pelo
Conselho de Contribuintes. Mas por outro lado, o número delas deve ser diminuto
para valorizar o trabalho dos Conselheiros.

Os princípios jurídicos, como da igualdade, legalidade e moralidade,


servem tanto para o contribuinte como para a Administração.
Dessa forma, conclui-se que o Poder Judiciário, face a separação de
poderes, é quem revisa definitivamente as decisões da Administração Pública,
favoráveis ou não ao Fisco; não há formação de coisa julgada administrativa, pois a
jurisdição é única e não pertence a esfera Executiva; não é possível cercear o direito
da Administração Pública em buscar o Poder Judicial para a revisão de decisões
face ao direito de universalização da atividade jurisdicional.

Espera-se que o Conselho de Contribuintes caracterize-se pela rápida e


eficaz solução de conflitos, que ele seja cada vez mais técnico e capacitado para a
análise das demandas, pois o Poder Judiciário não tem condições de suportar o
peso de tantos questionamentos.
REFERÊNCIAS

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo:


Saraiva, 1999. In: MUSSOLINI JUNIOR, Luiz Fernando. Processo
Administrativo Tributário: das decisões terminativas contrárias à Fazenda
Pública. São Paulo: Manole, 2004.

BOTTALLO, Eduardo. Princípios Gerais do Processo Administrativo


Tributário. São Paulo: Malheiros, 1977.

CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 18º


ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

CASSONE, Vittorio, CASSONE, Maria Eugenia Teixeira. Processo Tributário


– Teoria e Prática. 6º ed. São Paulo: Atlas, 2005.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 12º ed. São Paulo:
Saraiva, 1999.

CHROPACZ, Franciely. A Teoria da Prova no Processo Administrativo


Fiscal, Monografia apresentada como requisito para a obtenção do título de
especialista em Direito Tributário, Faculdades Curitiba, Curitiba, 2006.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,


Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22 Ed. São Paulo: Malheiros,
2006.

DALLARI, Adilson Abreu. Regime Constitucional dos Servidores Públicos.


2º ed., São Paulo: RT, 1990.

FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo


Poder Judiciário, 4º ed. Rio de Janeiro : Forense, 2002.
FALCÃO, Amilcar de Araújo. Introdução ao Direito Tributário. Rio de Janeiro:
Forense, 1987.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Técnicas de aceleração do processo.


São Paulo: Lemos e Cruz, 2003.

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 4º ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

JUSTEN FILHO, Marçal. O Princípio da Moralidade Pública e o Direito


Tributário. RTDP 11/44-58. São Paulo, Malheiros Editores, 1995.

LEITÃO, Maria Beatriz Mello. A Possibilidade de Revisão pelo Poder


Judiciário das Decisões do Conselho de Contribuintes à Fazenda Pública.
In: ROCHA, Sérgio André (Coord.). Processo Administrativo Tributário. São
Paulo: Quartier Latin, 2007.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Método,


2005.

LIMA, Ruy Cirne. Sistema de Direito Administrativo Brasileiro. Vol. I, Porto


Alegre: Gráfica Santa Maria, 1953.

MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e


Judicial). 4º ed. São Paulo: Dialética, 2005.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28º ed. São


Paulo: Malheiros, 2003.

MELO, José Eduardo Soares de. Processo Administrativo Tributário. In:


MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo
Tributário. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

MORAES, Líria Kédina Cuimar de Sousa e. Coisa Julgada no Processo


Administrativo Tributário Brasileiro: Uma Análise sobre o Efeito das
Decisões Contrárias à Fazenda Pública. Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação para obtenção do título de Mestre em Direito, Universidade
da Amazônia, Belém, 2007.

MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo, Princípios


Constitucionais e a Lei 9.784/1999. 2º ed., São Paulo: Malheiros, 2003.

NEDER, Marcos Vinícius, LÓPEZ, Maria Teresa Martínez. Processo


Administrativo Fiscal Federal Comentado. 2º ed., São Paulo: Dialética,
2004.

PASTORELLO, Dirceu Antônio. Processo Administrativo Tributário. In:


MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Processo Administrativo
Tributário. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Processo Administrativo Tributário.


Vol. 03. São Paulo: Dialética, 1998.

ROBLES, Maria de Lourdes Almeida. O processo administrativo tributário


como alternativa eficaz à sobrecarga do judiciário e garantia de justiça
fiscal. Monografia apresentada ao Centro de Educação à Distância (CEAD)
como requisito parcial à obtenção do grau de Especialista em Direito
Processual Tributário, Universidade de Brasília, Brasília, 2008.

RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. Processo Administrativo Tributário


e a impossibilidade de anulação da decisão de mérito “coisa julgada”
pelo Poder Judiciário. In: ELALI, André, MARTINS, Ives Gandra da Silva,
PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coords.). Coisa Julgada Tributária. São
Paulo: MP Editora, 2005.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6º ed. São
Paulo: Malheiros, 1997.
SILVA, Sérgio André. Questionamento judicial, pela Fazenda Nacional, de
decisão administrativa final: análise do parecer PGFN/CRJ Nº 1.087/2004.
Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, n. 109, p. 96, 2004.

SOUSA, Rubens Gomes. Revisão judicial dos atos administrativos em


matéria tributária por iniciativa da própria Administração. RDA 29/441 e ss.

TEMER, Michel. Elementos do Direito Constitucional. 16ª ed. São Paulo:


Malheiros 2000. In: MUSSOLINI JUNIOR, Luiz Fernando. Processo
Administrativo Tributário: das decisões terminativas contrárias à Fazenda
Pública. São Paulo: Manole, 2004.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 41º ed.


Rio de Janeiro: Forense, 2004.

VIEIRA, Rubens Carlos. Jornal Valor Econômico, 27/10/1995.

XAVIER, Alberto. Princípios do Processo Administrativo e Judicial


Tributário. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005.

_______. Do Lançamento: Teoria Geral do Ato, do Processo e do


Procedimento Tributário. 2º ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997.

Você também pode gostar