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Sanções políticas na jurisprudência do STF e o protesto da CDA.

1. Introdução.

2. Sanção política: protesto é?

3. Fundamentos para o protesto: economicidade e “falência da execução fiscal”. Crítica aos


fundamentos: diminuição do controle judicial e prejuízo à defesa do contribuinte (supressão
dos embargos – ônus de atacar e não direito de se defender). A igualdade e a inviabilidade
de mecanismos do direito privado: unilateralidade e prerrogativas x igualdade processual. A
falácia da presunção de legitimidade e o povo nas ruas.

4. Protesto como fator que aumenta o desequilíbrio e a desigualdade. A


desproporcionalidade por desnecessidade e ausência de vantagens contra o prejuízo
exclusivo do contribuinte.

5. Protesto com meio alternativo e discricionariedade: ofensa ao CTN. Caso da Lei Mineira.

1. Introdução.

Agradecimentos. Tema que ganha relevante com a nova previsão da Lei 12.767/12,
que expressamente previu expressamente o protesto da CDA, somado a pronunciamentos do
CNJ recomendando a prática, discurso acolhido pelas Fazendas Públicas ao fundamento de que
não mais será executado e protestado, mas o protesto será um meio alternativo e excludente
de cobrança, principalmente para créditos tributários de pequeno valor, de forma a tornar
mais econômica a recuperação da dívida ativa e desafogar o Judiciário dessas execuções.

2. Sanção política: protesto é?

Como o próprio tema já induz, temos que a jurisprudência do STF já identificou casos
em que a Fazenda Pública adota meios coercitivo de cobrança de tributos, chamados sanções
políticas. Elas se caracterizam quando a Fazenda Pública restringe direitos individuais do
contribuinte, restrição que só é retirada quando do pagamento do tributo, sem o uso dos
meios que propiciem ampla defesa ao contribuinte, a exemplo dos já conhecidos casos de
fechamento de estabelecimento, apreensão de mercadorias, restrição para emissão de notas
fiscais, registros em cadastros públicos, etc.

Cabe-nos então indagar se o protesto da CDA se enquadra como uma sanção política.

Para isso, devemos indagar: o protesto restringe direitos do contribuinte. A resposta


parece ser positiva, pois o protesto causa uma série de transtornos, já que o contribuinte fica
com o “nome sujo na praça”, o que inviabiliza a prática de uma série de atos negociais. Isso
porque o protesto do título passa a figurar no cartório distribuidor de protestos de títulos. Sem
contar que, optando por pagar um título protestado, no nosso caso uma CDA de crédito
tributário, o devedor deve ainda suportar os encargos dos emolumentos.
3. Fundamentos para o protesto: economicidade e “falência da execução fiscal”. Crítica aos
fundamentos: diminuição do controle judicial e prejuízo à defesa do contribuinte (supressão
dos embargos – ônus de atacar e não direito de se defender). A igualdade e a inviabilidade
de mecanismos do direito privado: unilateralidade e prerrogativas x igualdade processual. A
falácia da presunção de legitimidade e o povo nas ruas.

Contudo, essa prática foi inserida na Lei 9.492 desde o ano passado, pela Lei
12.767/12. E o Fisco tenta legitimar a previsão legal, ao fundamento de que trata-se de um
meio alternativo de cobrança que tem por objetivo desafogar o Judiciário de inúmeras
execuções fiscais, principalmente de baixo valor, ainda mais se considerarmos que a execução
fiscal não se mostra como um meio efetivo de recuperar os créditos inscritos em dívida ativa,
chegando até mesmo a se falar da “falência da execução fiscal”.

Quanto ao primeiro fundamento, qual seja, o de desafogar o Poder Judiciário, trata-se


de argumento impertinente aos domínios do direito. O Judiciário é o poder imparcial ao qual a
Constituição outorgou a tarefa de solucionar litígios e proteger em última esfera os direitos
fundamentais. Atribuir validade a toda e qualquer medida para diminuir o volume de
processos com base nesse discurso é negar a função típica do Poder Judiciário. Por isso
medidas que subtraiam do Poder Judiciário sua função típica, ou que restrinjam os meios de
defesa do cidadão frente aos atos do Poder Público não se legitimam sob o discurso de
redução de processos e celeridade processual. Isso deve ser alcançado com uma boa e
eficiente gestão do Judiciário, e não às custas dos direitos garantidos pela Constituição. E isso
independentemente do valor do crédito tributário. Se é antieconômico ajuizar a execução
fiscal com valores baixos, mantenha-se o crédito tributário na dívida ativa (pode até protestar
judicialmente para evitar a prescrição), mas não se retire direitos do contribuinte nem afaste o
controle judicial. As recomendações do CNJ nesse sentido são pura técnica de gestão, que
nada tem de jurídicas.

Pois bem, é fato que adotar o protesto de CDA como meio alternativo à execução fiscal
esbarra nesses óbices: primeiro, retira do Poder Judiciário a tarefa de controle dos atos do
Poder Público, tendo em vista que alguns vícios da CDA e causas extintivas do crédito
tributário podem ser reconhecidos de ofício pelo Poder Judiciário; segundo, retira do
contribuinte um meio de defesa legalmente previsto, que são os embargos à execução fiscal,
oponíveis a qualquer execução , independentemente do valor. Se a defesa deve ser ampla, nos
termos da Constituição, não se pode tolher do contribuinte a oportunidade de apresentar uma
defesa legalmente prevista.

Quanto ao segundo fundamento, o da “falência da execução fiscal”, devemos notar


que trata-se de razão que vem servindo para a sistemática quebra do princípio da igualdade.
Sob essa “capa” o contribuinte vem sendo colocado em posição cada vez mais subjugada no
âmbito judicial, pois vem sustentando, além dos privilégios que a Fazenda Pública já detém, o
uso de institutos próprios do direito privado como meio de tornar mais “efetiva” a execução
fiscal. Não bastasse o contribuinte se sujeitar à potestade fiscalizatória e lançadora da
autoridade administrativa, ter sua defesa administrativa apreciada pelo próprio credor, que
sempre ocupa posição de supremacia nos órgãos julgadores administrativos, presidindo e
servindo de voto de minerva, ver o crédito tributário constituído dotado de uma série de
garantias, privilégios e preferências, e a Fazenda Pública atuando judicialmente com privilégios
como prazos em dobro e quádruplo, ainda pode sofrer mais restrições pelo uso de normas
pertinentes ao direito privado.

É o que se verifica da interação normativa entre a LEF e o CPC que é feita pelo STJ
ainda que a primeira seja uma norma específica para o direito público e a segunda uma norma
geral, que em regra rege matérias pertinente ao direito privado, conforme leciona James
Marins. Tal conclusão é possível ao se ver que todas muitas ações judiciais que tratam de
matérias pertinentes ao Poder Público são objeto de leis específicas: não só a LEF, mas a lei do
MS, da ACP, da ação popular, do habes data, medida cautelar fiscal, e etc. Já os procedimentos
especiais do CPC tratam de questões de direito privado, pertinentes ao direito de família, de
propriedade, etc. Em suma, o CPC foi pensado por uma cabeça civilista.

Mesmo assim, a regra da jurisprudência do STJ é a de sempre trazer à execução fiscal a


norma mais benéfica ao Fisco: para embargar a execução fiscal é necessário garanti-la com
base na LEF, mas garantida e embargada os embargos não terão efeito suspensivo automático
pela aplicação do CPC (REsp 1272827). O CPC trouxe como inovação a possibilidade de seguro
garantia judicial, que o STJ nega por falta de previsão onde? Na LEF (REsp 1.215.750),
lembrando que alguns Fiscos, como MG, regulamentaram a aceitação do seguro garantia,
diminuindo esse problema.

E qual o problema de se dar tamanha primazia ao crédito e ao credor publico? A


igualdade! Além de toda aquela submissão do contribuinte, não custa lembrar que a
Fazenda Pública é a única credora que faz seu próprio titulo executivo, ao contrário do
direito privado, no qual o devedor sempre elabora ou consente com o título executivo, ou
então este lhe é imposto pelo Judiciário imparcial. E note-se que o credor pode fazer seu
título sem atentar para a lei e para a Constituição! Isso porque no processo administrativo
tributário, os órgãos julgadores não podem negar vigência ao Decreto Regulamentador nem à
lei tributário sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade. Portanto, e não raro isso ocorre,
o crédito tributário pode ser constituído com fundamento exclusivo em normas infralegais,
cuja validade não está em jogo na esfera administrativa.

Logo, quem merece proteção judicial não é a Fazenda Pública, mas sim o contribuinte.
Ele sofre toda aquela submissão, e a igualdade só é reestabelecida se, no plano processual,
aquele desequilíbrio for compensado, mas não é isso que temos visto.

Aí alguém pode dizer: mas o crédito tributário constituído tem presunção de


legitimidade? Essa fala é cega e parcial. A única presunção é de que ele foi constituída em
respeito às normas infralegais editadas pelo Poder Executivo, pois a validade destas não pode
ser questionada na via administrativa. Logo, a rejeição da impugnação e recursos do
contribuinte apenas atribui legitimidade para que a Fazenda Pública execute o crédito
tributário sem precisar do consentimento do devedor ou de um título judicial. Nesse sentido a
lição dos grandes juristas: Ronaldo Cunha Campos, Misabel Derzi e Alberto Xavier. Não se
extrai disso uma regra de que o crédito tributário assim constituído deva ser satisfeito a
qualquer custo, sem que o Poder Judiciário imparcial possa sobre ele se pronunciar.
4. Protesto como fator que aumenta o desequilíbrio e a desigualdade. A
desproporcionalidade por desnecessidade e ausência de vantagens contra o prejuízo
exclusivo do contribuinte.

Nesse cenário, o protesto de CDA entra como mais um fato de desequilíbrio, pois
constitui meio de cobrança alternativo, que não é feito no Judiciário, suprimindo o controle do
Judiciário e o direito de defesa do contribuinte, que se vê compelido a pagar a dívida ou a
atacar o crédito tributário com ações próprias, sem a oportunidade de se defender
judicialmente pela via legalmente prevista dos embargos, isso se a CDA passar no controle
judicial prévio, que pode ser feito de ofício.

E, tal desequilíbrio, mais uma vez se dá com recurso ao instituto de direito privado,
que é o protesto. Isso porque o protesto outorga ao credor privado uma série de vantagens, a
exemplo da prova formal da inadimplência (que lhe facilita a obtenção de medidas judiciais de
restrição de patrimônio), lhe possibilita pedir a falência do devedor e lhe garante em alguns
casos a pretensão executória contra os coobrigados. E isso tudo porque, nos títulos oriundos
do direito privado, o devedor ou emitiu o titulo, ou com ele expressamente consentiu.

Contudo, no Direito Tributário, tais vantagens não se verificam para a Fazenda Pública,
pois tudo isso decorre diretamente da lei. Mas ao contrário, impõe ao contribuinte todos os
ônus e restrições que vimos rapidamente.

Daí a tradicional jurisprudência do STJ falar que o protesto de CDA é medida


desnecessária. Nesse sentido temos os seguintes acórdãos:

- AgRg no REsp 1277348/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, julgado
em 05/06/2012, DJe 13/06/2012;

- AgRg no Ag 1316190/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado
em 17/05/2011, DJe 25/05/2011;

- AgRg no REsp 1120673/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em
16/12/2010, DJe 21/02/2011;

- AgRg no Ag 1172684/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA,


julgado em 05/08/2010, DJe 03/09/2010;

- AgRg no Ag 936.606/PR, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em


06/05/2008, DJe 04/06/2008;

- REsp 287.824/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em


20/10/2005, DJ 20/02/2006, p. 205;

E, se e desnecessária , a medida é desproporcional, motivo pelo qual nenhuma


previsão legal tem o condão de legitimá-la. Isso porque a proporcionalidade demanda que
uma medida restritiva de direitos seja adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.
É desnecessária, pois o Fisco não precisa do protesto para provar formalmente a inadimplência
do devedor ou para executar coobrigados, ou seja, a inscrição em dívida ativa e execução é
uma medida que alcança a mesma finalidade de cobrança sem a restrição a direitos do
contribuinte e às possibilidades de controle judicial, e não é de seu interesse pedir falência na
medida em que ele não se habilita no concurso falimentar para receber seus créditos. Logo,
fica demonstrado que o protesto é um meio de cobrança alternativo que apenas traz
restrições ao contribuinte, mas nenhuma vantagem à Fazenda Pública, o que o torna também
desproporcional em sentido estrito. A vantagem da diminuição de processos judiciais não
conta, pois isso é jurídico.

Apesar dessa jurisprudência, o STJ ainda entendeu que a mesma era insuficiente para
ensejar um julgamento em sede de recursos repetitivos no REsp 1.126.515/PR, nos seguintes
termos:

A possibilidade de protesto da CDA, à luz do art. 1º da Lei 9.492/1997, é


matéria que desperta grande controvérsia doutrinária. Por outro lado, não há
expressiva quantidade de precedentes das Turmas que compõem a Seção de
Direito Público enfrentando essa questão. Dessa forma, e diante da
repercussão social abrangida pelo thema decidendum , entendo necessário
analisar a pretensão recursal de modo mais prudente, razão pela qual
determino o cancelamento da submissão deste Recurso Especial ao rito do art.
543-C do CPC. Torno sem efeito as decisões que admitiram a inclusão de
interessados, na condição de amicus curiae .

Em momento algum o STJ sinalizou uma mudança de jurisprudência, o que não


significa que ela não possa ocorrer.

5. Protesto com meio alternativo e discricionariedade: ofensa ao CTN. Caso da Lei Mineira.

Por fim, apenas uma palavra sobre a lei mineira 19.971/2011, que sofre de todos esses
problemas, mas traz uma outra questão. É que a lei mineira só autoriza o protesto de créditos
tributários de baixo valor, cuja abstenção de execução fica autorizada. Logo, tenta se desviar
do fundamento de que, se a execução pode não ser ajuizada, o único meio seria o do protesto.
Ocorre que isso se faz às custas de uma ilegalidade. É que a Lei institui uma forma de cobrança
discricionária: fica o procurador autorizado a não executar, se ele exercer a autorização,
poderá encaminhar para protesto. Portanto, diante de uma hipótese (crédito tributário
inferior a 17.500 UFEMG), o Procurador vai escolher entre duas possibilidades. O que é isso
senão a discricionariedade? Ora, o CTN diz que a cobrança do tributo é atividade plenamente
vinculada. Uma indagação poderia ser levantada: mas a vinculação não é apenas para o
lançamento? Acredito que a resposta é negativa, uma vez que o CTN distingue as fases de
constituição (art. 173) e cobrança (art. 174), sendo esta última a execução. E no art. 3º, ao falar
da atividade vinculada, usa o termo cobrança, e não constituição, o que significa que não se
pode dar meios de escolha de como cobrar o crédito tributário, tendo em vista a necessidade
de vinculação plena dessa atividade à lei.

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