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Faz muito que escrevi um livro chamado Coração não toma sol. Eu
experienciava, naquele tempo e cotidianamente, tal título. Carregava um
coração trancado e suspeitava da compreensão do outro. Medroso da
solidão, eu dizia sempre o que supunha que o outro gostaria de ouvir.
E meu coração ficava sem vir à luz. Com isso, praticava dois enganos:
com meu coração engasgado e sofrendo com frequentes despedidas.
Hoje me vejo diferente: deixo meu coração vir à tona, sem medo da
transparência. Meu texto surge do "não saber", das inquietações, das
incertezas. Graças às leituras descobri a diferença como capaz de nos
tornar singulares. Escrever o que não tomava sol era revelar o que não
havia sido escrito ainda, e acordar o obscuro que dormia em mim
passou a ser o meu oficio. Afastar o medo de permitir o diálogo entre
a dúvida e o crepúsculo foi o meu fardo. Revelar-me mais me aproxi-
910U de mim e melhor compLe.e_ndique ao outro eu deveria oferecer
Fundamental, ao promover a leitura, é convocar o sujeito a tomar da 1//1/ configuram o texto literário. Ler é p~ silêncip, é reconh
palavra. Ter a palavra, possuir voz, é antes de tudo munir-se pam Jn ....cr-.I/' se como um ser pro ício à solidão. Ler ~ confirmar-se como um s .
v= ~ndecifrável. Ler é cuidar-se, rompendo com as grades do iSOla/'l/('I/f(l,{ solitário, mas, mesmo assim, condenado -;::'r~urar encontros, co S 's, N
E evadir-se com o outro sem, contudo, perder-se nas várias faces da palavra. laços. Ler é u~ exaustivo trabalho mental.
E mais, ler é encantar-se com as diferenças. Ler é deixar o coração no varal. 1:; Não se tem em mãos o livro literário para estabelecer o equilibric .
desnudar-se diante do texto. r Pelo imponderável e pelo que há de imprevisível no literário é que
Ter em mãos um livro é suportar, por meio de leve objeto, extenso novos caminhos nos são revelados, novos encantamentos nos são pr '-
fragmento do universo. É próprio do humano, mesmo percebendo o senteados, outras curiosidades nos interrogam, tantos conheciment s
peso do seu fardo, buscar entender o lugar em que ele está inserido, nos são informados, várias portas se abrern Ler é mover-se pela curi -
sem ter pedido para vir ao mundo. Desejamos conhecer o que está dito sidade, irmanar-se com o autor, guiado po~ destemida emoçã . í~
e adivinhar o que ainda está por dizer, ansiamos saber e desconfiamos c9nstrui~:junt~ com o autor uma terce~bra que j~mais será es ri • ,
do que sabemos, escutamos e falamos e nos arrependemos, confiamos mas gravada no silêncio. E o silêncio é o espaço das operações.
ou nos desacreditamos. Cremos na dúvida como caminho absoluto. A escrita literária não ignora os leitores. Ela sabe que é pelas exp '-
Para tanto, o livro nos alivia diante de tamanhas incertezas. riências vividas, pelas dúvidas silenciosas, pelas fantasias escondidas qu .
Ter em mãos um livro é libertar-se para dizer ou desdizer sobre o os leitores conversam com o texto. 9 lite!"ário redimensiona o gu
vivido e o sonhado. A vida nos concede o direito de idealizar e propor supomos saber e nos faz corres12onder :melhor com nossas relaçõ s,
outras soluções. Ler é abrir-se ara o afeto, o desencontro, a tristeza, o Ler é o trabalho de exercitar-se para bem suportar o peso dos sonh s
medo, o luto. Ler é encoraiar-se diante ~~~;-tingências d~ existência. -e afirmar-se c~~o j;capaz de sonhar o sonho do outro. Nasc m s
Ter em mãos_um livro é apossar-se da fantasia, é- espantar-se dia~te do nosso pr~p~io p~rto e morreremos da- nossa ~ ria morte. ais
dos preconceitos, é deixar vir f tona a-c;~pai;cão pela nossa incom- condenações é que nos aproximam em igualdade. Toda tentativa d'
pletude. É pr~arar-se par~ jamais se surpreender- c;ill a intimidade encontro reafirma nossa solidão.
somos recebidos com o desconforto da fome, com pais incapacitados intuitivamente é dispensar perguntas.
de nos adotarem com moradia, carinho, cuidado, lazer, saúde. Por ser Acontece ainda que os meninos podem escolher o mesmo livro
assim, viver ou morrer são atos com a mesma relevância e a violên- durante vários dias. Ignoramos se estão envolvidos com a história, SI'
cia, uma prática que se torna natural. Para amar a vida é necessário encantados com a música das palavras ou se solicitam de nós, adul os,
compreendê-Ia. mais atenção, um tempo só para elas.
Para realizar tal vocação para ser feliz, nascemos com direito à Muitas são a~funç§es que podem se! atribuídas ao ato de ler 1,is
liberdade. Ela nos garante as escolhas para estar em direção à alegria tória. Desde seduzi-los pela leitura e ara a leitura, dialo ar com suas
que nos diferencia. São múltiplos os caminhos. Toda crian a faz do livro, fantasias, deslumbrâ-los com o som e Jjtm~ªas alavras,..3proximá-los
desde sem re, um ob' eto de felicidade. Ela c!.esconfi~a,9-esde sem~e, da importância da imaginação, até a relação de afeto que se estab ,1 ' ' ,
ue o livro tem o que dizer, e toda infância quer também decifrar o entre as pessoas.
mundo, entender seus fenômenos. E a curiosidade ue nos irmana. Em ~ -- Ler para as crianças é invadir de alegria sua infância, enquanto
libe;:dade, ainda desconhecend; as letras, a criança ~n~aia adivinhar o anunciamos ainda que a solidão tem a leitura como recurso para IIH's
texto, desvelar as ilustrações, inteirar-se dos "porquês". fazer companhia e ampará-Ias diante dos mistérios que as cercam. ; lIlll
A criança manipula o livro de cabeça para baixo, do meio para o bom texto literário - que nos move e desequilibra - deixa l'mbr:1I1~'"
fim, de cabeça para cima. A liberdade lhe permite isso. Só em liberdade que permanecem pela vida inteira.
Somos uma sociedade em que o livro não é um obj t
inventamos ~reinventamos
leitor, leitura afora. º o mundo. A liJ2eJ:.dadeé ue conduz o
livro literário não ~eiI:Q.Q§ecomo umportador
de mensagens. O liv~_ didático "ensina",_enquanto o livro literário
Quando buscado pela escola, é sempre para "ensinar", c nã parn p 'I
mitir o conhecimento das nuances do humano diant d 1l111lldo.!\
possibilita discutir o destino. A criança é que elege a sua leitura e atri- cs Ia confere mais valor ao indivíduo qu rcp .tc o cnsinnclo do qll •
bui ao objeto livro o que ele tem a lhe dizer, O livro é um objct ';) :1 rinnça qu inv nta sua fi li idad '. "ad;, dia mais a 'scol:\ SI'dis\.1111.1
criança, o sujeito. Nesta relação, é o sujeito que fala. dn :WlOI10111i:1 do aluno '111'II)S ('0111:1'111SlI:)(;\1 .)('id:ld' d,' 1\,11.. 111
Reconheço, porém, um momento em que se dá o definitivo ti outnimcut«: 1\ 'S( 01.111,10s,' d,'\! (0111:1 It- q\I\' .\ (I i.1I1~,11,'111S 'us 1"11,11111'1111'
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a certeza de que o 1IIIIIIdo pessoal f. iIlSI!{t i(·III(·. Ilá (]//I' II/Is I/r I1 I'i 1I11'~I/I(I 1111 ('\1 "111"11"1111
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